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Copyright © 2020 ÉRIKA MARTINS

Capa: Mari Sales


Revisão: Tatiane Souza

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
______________________________

UM CEO COMO SALVAÇÃO


Mulheres Fortes 1
1ª Edição
2020
Brasil
______________________________

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,


através de quaisquer meios ─ tangível ou intangível ─ sem o consentimento escrito da
autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
Deixe suas esperanças,
e não suas dores,
moldarem seu futuro.
Robert H. Schiller
ATENÇÃO
Livro não recomendável para pessoas sensíveis, o tema abordado mostra um pouco,
mesmo que com suavidade, violência contra a mulher.
Sumário
Querido leitor,
Você sabia?
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Trinta e Cinco
Epílogo
Capítulo bônus
Querido leitor,
Em primeiro lugar gostaria de agradecer por ter dado uma oportunidade
para conhecer a história de Valentina e Benjamin. No entanto, também
gostaria de citar alguns pontos antes de mergulhar neste romance incrível.
Em Um CEO como salvação não é citado um lugar especifico, além da
cidade, onde desenrola a história. Deixe sua imaginação livre para encontrar
o lugar perfeito, qualquer semelhança à realidade é mera coincidência.
Peço que deixe sua mente aberta, aproveite o livro e se apaixone por mais
esse casal incrível.
Boa leitura!
Um beijo, um cheiro...
Com carinho, Erika Martins.
Você sabia?
A cada 11 minutos, acontece um estupro.
A cada 2 horas, uma mulher é assassinada.
A cada hora, 503 mulheres são vitimas de agressão.
A cada 2 minutos acontecem espancamentos
(Dados retirados do Dossiê Violência contra as mulheres, Instituto Patrícia
Galvão.)
Eu sei, é assustador ler esses dados, mas o que eu quero mostrar é que a
cada ano mais mulheres são agredidas ou até mortas diante o crescimento
absurdo da violência.
Isto nos faz refletir sobre o que estamos vivendo e sobre o que é certo ou
errado. Sobre como não devemos romantizar de forma alguma os abusos,
agressões, ciúmes excessivos entre outras coisas.
Neste livro, tento mostrar um pouquinho do quanto um trauma tão grande
pode afetar uma mulher. Tentei, com muito afinco, tratar o assunto com
suavidade.
Toda mulher deve ser amada, venerada e não machucada. Se o seu amor
te machuca, não vale a pena. Tenho certeza que em algum lugar neste mundo
haverá alguém que te ame da forma que merece.
Embora, antes de qualquer romance, você deve aprender a amar a si
mesma. Amor próprio é a primeira coisa que te salvará do fundo do poço.
Seja forte, se ame...
Ame a vida...
E seja feliz, mesmo que sozinha.
Sinopse
Quando um monstro em forma humana tenta tirar tudo de Valentina, até
mesmo sua dignidade, ela é forçada a lutar contra. Não importava o preço que
pagaria, ela sabia que precisava ter o controle de sua vida de volta.
O que ela não sabia era que Benjamin Daslow, um CEO simpático e
carinhoso, seria o seu Salvador.
Ele se aproximou de forma mansa, com cuidado e tornou-se o seu protetor.
Agora, Valentina saberá que nem todos os homens são iguais e que
sempre haverá uma segunda chance para o amor.
Prólogo
Você sabe que chegou ao fundo do poço quando descobre o verdadeiro
significado para palavra vulnerabilidade. É uma experiência não
recomendada. Ela acaba com seu emocional e destrói suas forças.
O torna incapaz de reagir, de se mover.
De se proteger.
Foi isto o que Valentina, ou melhor, Tina, descobriu enquanto se esforçava
para se manter de pé na frente do espelho de seu banheiro. Apoiou as mãos
na bancada gelada e gemeu de dor com o dilatar do seu ombro.
Seu rosto estava livre de machucados, segundo ele, Axel, era o mais
bonito que já tinha visto e não merecia contusões. No entanto, não dizia a
mesma coisa sobre o resto de seu corpo.
Ele não hesitava em machucá-la, quantas vezes fosse preciso para
demonstrar sua força. Sua masculinidade violenta sobre a feminilidade frágil
dela. Axel havia se transformando em um monstro. Não era a mesma pessoa
que ela conheceu seis meses atrás. O homem gentil que a abordou em um bar,
que lhe fez rir a noite toda e no final, lhe roubou um beijo.
Era outra pessoa, pensou Valentina com o coração apertado no peito.
A grande descoberta era que os monstros não se escondiam em armários
ou debaixo de camas. Eles andavam por aí, com boas aparências e sorrisos
fáceis, prontos para destruir seu mundo. Tudo para se mostrarem grandes,
inabaláveis, ferozes... e cruéis.
Axel não media esforços para tentar acabar com sua autoestima. A
insultava e a ofendia cada vez que abria a boca. Ele a diminuía. Valentina
tentava ser resistente, dizer a si mesma que ela não era nada do que ele
afirmava.
Porém, depois de tantos dias lutando sozinha começava a fraquejar. A
acreditar que era uma mulher feia, apesar do rosto que ele tanto adorava. Só
ele poderia gostar. Não era tão inteligente como costumava ser. Ou tão boa.
Ou amável... E muitas outras afirmações que pesavam em seus ombros.
Burra, inútil, idiota, vadia, palavras que tiravam toda a confiança. Te
diminuía e deixava um vazio do tamanho do mundo em seu peito. A
humilhação a forçava em ser submissa, a ignorar e aceitar tudo sem contestar.
Sem brigar.
Sem lutar.
Sem voz.
Sem liberdade.
O monstro a dominava, forçando-a a acreditar que nunca mais a
machucaria. Que foi a última vez. Foi sem querer. Ele não queria, se
arrependia e nunca mais repetiria aquele ato tão vil... Até a próxima explosão
de raiva.
Não precisa ficar sozinha, Valentina disse a si mesma. Tinha uma família
incrível, eles a ajudariam. Mas como contaria tudo aquilo? Que em poucos
meses se permitiu sucumbir a toda violência física e psicológica que Axel a
submetia. Era tão vergonhoso, pensou com imenso pesar.
Ela não tinha coragem.
Entretanto, olhando para seu corpo agora mais magro e ferido. Percebeu
que precisava lutar. Tinha que fazer alguma coisa.
Qualquer coisa!
Ou Axel iria acabar a matando.
Aquela foi a última vez que ele a agrediu, pelo menos, era o que Valentina
queria acreditar. Ela foi firme em expulsá-lo de sua casa, de sua vida. Axel
até mesmo saiu, mas não antes de machucá-la mais uma vez. De tomar seu
corpo sem sua permissão, de humilhá-la com sua força bruta.
Ele se foi com a promessa de que voltaria.
Valentina precisava lutar.
Capítulo Um
Valentina
Havia dias que eu não via Axel, fato que me deixava com mais medo do
que aliviada. Seu silêncio não parecia muito bom, minha pele chegava a ficar
arrepiada a cada vez que saia na rua com a terrível sensação de estar sendo
seguida.
Ele estava por perto, eu tinha certeza.
Isto me motivou a me proteger. Troquei as fechaduras do meu
apartamento e implorei para o síndico mudar as de entrada do prédio.
Inventei uma história de que fui assaltada e perdi as chaves com o roubo da
bolsa. Ele, graças ao bom Deus, acreditou e se apressou para mudar tudo.
Fiquei imensamente agradecida, no entanto, ainda paranoica pedi para o
chaveiro reforçar todas as minhas janelas. Morava no primeiro andar e não
gostava nem de imaginar as inúmeras possibilidades que Axel teria para
entrar ali sem minha permissão.
Eu estava lutando, pelo menos tentando. Mesmo depois de ele me levar ao
fundo do poço, ergui minha cabeça na tentativa de sobreviver àquela terrível
fase.
A vida era minha, não dele, por isto não podia desistir.
Levantei da cama antes do relógio despertar, há dois meses consegui um
novo emprego e estava muito satisfeita com as sensações que este trabalho
me proporcionava. Querer trabalhar foi um dos motivos para as agressões de
Axel, mas depois de quase me quebrar ao meio, ele permitiu como se tivesse
o direito de opinar.
Estudei muito para ter uma carreira profissional e agora tinha a
oportunidade de construí-la. O emprego me salvou. Mostrou-me que eu era
capaz, competente e forte... tudo bem, não tão forte assim. Mas puxou-me
para fora do buraco que me afundava cada vez mais rápido.
As brigas contínuas com Axel contradiziam tudo o que eu experimentava
em minhas horas de expediente. Deu-me coragem para terminar aquele
relacionamento desgastado.
Agora, meu corpo não tinha tantas marcas de sua última agressão e apesar
de gostar de ver minha pele voltando ao normal, a sensação de que aquele
inferno não tinha chegado ao fim estava infiltrado em meu peito.
Tomei um banho demorado, tentando relaxar e aliviar a dor do meu ombro
ainda ferido. Preparei-me para o trabalho, tendo o cuidado de deixar as
manchas amareladas escondidas.
Para sair de casa, praticamente corri até o elevador. Usava a escada antes,
mas hoje em dia, me sinto mais protegida dentro da pequena caixa de metal.
Sorri aliviada ao ver os moradores do prédio dentro, procurava sempre
manter as pessoas ao meu redor, dava-me uma falsa sensação de segurança.
Murmurei um bom dia para eles e esperei as portas fecharem. Saímos na
garagem e cada um seguiu para seu carro. Olhei de um lado para o outro,
procurando por Axel e com medo de que ele tivesse conseguido entrar no
prédio.
Corri para o meu veículo, o liguei e acelerei para longe o mais rápido que
consegui. O estacionamento dos funcionários era do lado de fora da empresa,
o que deixava minha pele gelada de medo. Precisava de alguns minutos na
proteção do meu carro antes de atravessar todo o local e entrar na Daslow
Global, uma empresa de importação e exportação onde eu gerenciava um
departamento.
Meu diploma em Administração e formação em Relações Internacionais,
dava-me grandes oportunidades. E tudo isto eu tinha que agradecer ao meu
pai. O teimoso ex-militar aposentado da marinha, nunca mediu esforços para
me manter estudando.
Ele era meu grande motivador para lutar contra Axel. Meu pai não
merecia tamanha decepção. E eu sabia o quanto ele estava orgulhoso do meu
novo emprego.
Depois de olhar cada canto que meus olhos alcançavam, desci do carro
carregando minha bolsa, tensa, travei as portas e corri para o prédio. Passei o
crachá na roleta e andei em passos apressados até o elevador.
Olhei aliviada para a porta se fechando e me mantendo segura dentro de
suas paredes forradas de um elegante mármore, no entanto, meu coração
perdeu a batida quando uma mão a parou. Ela voltou a abrir mostrando-me o
meu chefe e o seu segurança do lado de fora.
Soltei o ar aliviada.
— Bom dia Valentina — disse ele, em um tom gentil.
O homem era lindo, perfeito demais para ser de verdade. Bonitos e
espertos olhos castanhos, cabelos e barba muito bem alinhados. Sempre
envolto em ternos caros e exibindo relógios de marca.
— Bom dia, senhor Daslow — respondi tentando manter a voz neutra e
não desesperada como me sentia.
Seu segurança, Alex, ficou na nossa frente, de costas. Enquanto Benjamin
Daslow parou ao meu lado.
— Somente Benjamin — corrigiu-me. — Você está bem? — estreitou os
olhos.
— Sim.
— Está pálida — afirmou me analisando.
Segurei para não engolir em seco.
— Somente precisando de um pouco mais de sol — respondi desviando o
olhar.
— Bom, aproveite o próximo fim de semana para curtir o mar — disse
despreocupado.
Seu bronzeado dizia que ele era um frequentador assíduo das praias
litorâneas.
— Claro — concordei sem nem mesmo me importar com a mentira que
saiu de meus lábios.
Nunca que eu sairia para um lugar público com Axel andando solto por aí.
Isto me lembrava de que precisava de coragem para ir até uma delegacia da
mulher. Era necessário me proteger de acordo com a lei, apesar de que as leis
não são tão eficientes quanto deveriam.
Apesar disto, ainda não tive a bravura de procurar por esse tipo de ajuda.
Tinha medo do que poderia causar em Axel, sua fúria viria como um foguete
em minha direção, e nada, e nem ninguém, me protegeria.
— Valentina?
Pisquei e encarei o homem ao meu lado.
— Sim.
— Escutou algo do que eu disse? — questionou sério.
— Desculpe-me senhor, distraí por um momento.
Ele pressionou os lábios por não gostar de ser chamado de senhor, mas
não me corrigiu desta vez.
— Perguntei se estava pronta para a reunião de hoje — repetiu.
— Sim. — Acenei. — Tenho tudo preparado.
— Bom, quero ter certeza de que não tenhamos nenhum problema com
essa exportação.
— Estou confiante.
Ele pareceu satisfeito com o que ouviu.
O elevador parou e a porta se abriu. Alex, o segurança, saiu primeiro e nós
o seguimos.
— Quero que vá comigo amanhã no porto acompanhar um carregamento
— informou Benjamin.
Eu sabia que meu rosto tinha ficado mais pálido do que o de um fantasma.
Por sorte, ele não parou para me encarar. Seu celular tocou e ele o levou ao
ouvido, enquanto caminhava rapidamente em direção a sua sala.
O vi entrar no escritório falando em francês, focado. Alex, seu segurança,
fechou a porta sem tirar os olhos do meu rosto. Chegou a inclinar levemente a
sobrancelha, desconfiado com a palidez na minha pele.
Pensei que deveria dizer alguma coisa, explicar, mas o que diria? Sem ter
uma resposta, abaixei o olhar antes de seguir para minha própria sala.
Tentando acreditar de que não teria nenhum risco, já que seu chefe nunca saia
sem seus seguranças.
Mal tinha me sentado na confortável cadeira atrás da mesa e minha
secretária, Ella, apareceu. Sorridente e jovial. Animada e com muitas
histórias para contar, mas não antes de me relembrar dos compromissos do
dia. Eu gostava de ouvi-la. Lembrava-me da jovem feliz que fui um dia, não
muito tempo atrás.
Livre. Leve... Alegre.
Hoje, com vinte e nove anos sentia-me mais velha do que realmente era.
Mais cansada do que deveria ser. Meus ombros mais pesados do que me
lembrava.
Eu estava acabada, cansada, ... simplesmente exausta.
Ella saiu saltitando da sala, eufórica com a nova namorada. Ela não
escondia sua orientação sexual e afirmava com todas as letras de que mulher
era muito melhor que homem. Eu nunca tive um relacionamento assim, mas
minha última experiência com o sexo oposto não foi boa para discordar de
Ella.
Os homens eram ruins, pensei cheia de pesar. Não que eu quisesse
generalizar, mas quem me julgaria? Nos últimos meses só tive feridas,
mágoas e muito medo. Suspirando, aproveitei o momento sozinha para ir até
o banheiro da minha sala. Abri alguns botões da camisa e deslizei pelo ombro
direito, o que Axel machucou.
A mancha amarelada mostrava-me que estava quase curado, mas eu ainda
sentia dor ao movê-lo. Precisaria ver um médico se não melhorasse.
Destampei a pomada, espremi um pouco nos dedos e passei em minha pele.
Deslizando os dedos o mais devagar que pude, deveria ter feito isto em casa,
mas minha mente perturbada me fez esquecer daquele pequeno detalhe.
— O que é isto? — A voz de Benjamin encheu meus ouvidos.
Pulei assustada puxando a blusa para o lugar. Sabia que a cor do meu rosto
tinha sumido novamente. Não ouvi sua aproximação, nem mesmo sei se
bateu na porta.
— Quem machucou você? — perguntou com uma raiva desconhecida por
mim.
Estremeci e dei um passo atrás enquanto abotoava a camisa.
— Não o ouvi entrar — protestei.
— Diga-me quem fez isto. — Exigiu. — Eu vou quebrar a cara dele.
— Ninguém fez isto. — Menti rapidamente. — Somente sou um pouco
estabanada e acabei me machucando.
Queria passar por ele, mas o homem estava bem no meio do caminho e eu
tinha medo de que me segurasse caso ousasse fugir.
— Parece que machucou muito — disse mais calmo.
— Já estou bem — afirmei.
Quase respirei aliviada quando ele abriu espaço para me permitir passar.
Peguei a pomada rapidamente e voltei para minha sala.
— Precisa de alguma coisa? — perguntei sentando em minha cadeira.
— Eu é quem deveria perguntar se precisa de alguma coisa. — Franziu as
perfeitas sobrancelhas. — Está machucada.
— Estou bem. — Assegurei. — Imagino que queira ver minha
apresentação para a reunião. — Deduzi. — Parece ansioso.
— Meu pai me deixa assim. — afirmou despreocupado e se sentou na
minha frente. — O velho Daslow quer saber de cada passo desta negociação.
— A exportação do algodão vai acontecer. — Garanti. — Não existe nada
que impeça isto.
— Confio no seu trabalho, mas quero conhecer cada passo dele antes de
entramos na sala de reunião.
Acenei concordando, preparei todo o material e apresentei para ele.
Passamos a próxima hora discutindo e trabalhando em cima do que eu tinha
organizado. Daria tudo certo com a exportação, sentia-me confiante, mas
entendia que Benjamin precisava ver que eu sabia o que estava fazendo.
Esqueci dos meus problemas, aquele trabalho levantava minha autoestima.
Fazia-me bem. Renovava minhas forças e me lembrava da mulher forte que
um dia fui.
A reunião foi um sucesso, fechamos o contrato da exportação do algodão
para os chineses. Benjamin deixou que eu conduzisse toda a negociação,
enchendo meu coração de esperança de que eu tinha mais capacidade do que
acreditava.
Sentia-me poderosa.
A sensação permaneceu por todo o dia, até que entrei dentro da minha
casa. Tudo desabou.
Capítulo Dois
Benjamin
— Sabem que eu tenho trabalho a fazer, não é mesmo? — perguntou Leo.
— Deixa de ser chato. — Ryan chutou areia nele.
Era quarta-feira dia de um futevôlei no final da tarde. Meu dia tinha sido
incrível depois do sucesso com a nova negociação. Sentia-me satisfeito com
Valentina, minha nova gerente. Ela era incrivelmente boa com transações de
mercado.
— Você só está irritado por não poder transar com sua secretária. — Ítalo
afirmou com tranquilidade.
— Não me analise, corno. — Leo protestou.
Rimos.
Ítalo era um renomado psiquiatra e geralmente tinha o péssimo hábito de
nos analisar, mas fazer o que né, ele era nosso amigo.
— É mais forte do que eu. — Ítalo disse e deu de ombros. — Vamos jogar
e aproveitar o final de tarde.
— Temos que concordar que apesar de parecer maluco, ele é bem sensato.
— Ryan zombou.
— Eu começo. — Ítalo disse o ignorando.
— Qual é o problema com a secretária? — perguntei para Leo.
— Ela é boa demais pra mim. — Bufou.
— Qualquer mulher é boa demais para você. — Ítalo provocou com seu
tom de voz de psiquiatra sabichão.
— Ele nem precisou usar o QI de 160 dele — zombou Ryan.
Gargalhei e eles começaram a brigar. Leo puto da vida. Ryan pronto para
continuar as provocações.
E o Ítalo, bem... ele era o Ítalo.
— Chega de conversa. — Peguei a bola. — Vamos jogar.
...
Valentina
— Bom dia Tina, passou bem a noite? — Ella perguntou assim que me
viu.
Tentei não estremecer.
Minha noite foi um verdadeiro inferno, mal tive a chance de dormir e
quando consegui não queria levantar. Axel invadiu minha casa. Disse que foi
fazer as pazes e que eu precisava entender que pertencia a ele.
Pedi e até mesmo implorei que fosse embora, ele foi, mas não antes de me
machucar. Física e psicologicamente. Quando percebeu minha resistência, ele
destruiu as paredes remendadas que construí em minha volta com enorme
dificuldade.
Começou com um tapa no rosto, mas progrediu para socos na barriga e
chutes nas costas. Torceu tão forte meu braço direito que o ombro voltou a
machucar, talvez tenha deslocado, pois a dor estava insuportável.
Quando me rendi, ele violou meu corpo como se tivesse o direito, no chão
da minha sala. Depois me carregou para cama, com um olhar arrependido
enquanto prometia que nunca mais faria aquilo e que a culpa era minha, por
tentar afastá-lo.
Por não o querer.
Por irritá-lo.
Axel me devastou.
— Está bem? — Ella perguntou preocupada. — Está pálida e seu lábio
parece inchado.
— O mordi sem querer — menti.
— Vou pedir um café, parece que precisa de um.
— Por favor. — Acenei.
Passei pelo purificador de água e voltei para pegar um copo. Esqueci do
ombro dolorido e o forcei para frente. O líquido fresco acabou caindo no
chão quando não consegui sustentar seu peso.
— Deus! — gemi de dor.
— Valentina?
Virei para meu chefe.
Ele estava há alguns passos de mim com um rapaz ao seu lado, tão bonito
quanto ele.
— Vou limpar essa bagunça, senhor Daslow. — Apressei a dizer.
— Somente Benjamin — corrigiu-me. — O ombro não melhorou?
Seu olhar estava analisando atentamente cada centímetro do meu rosto.
Olhei para outro lugar constrangida, e peguei outro copo, agora com a mão
esquerda.
— Está quase bom. — Menti.
— Se precisar, pode ficar em casa até que passe a dor.
— Ela se machucou? — perguntou o rapaz ao seu lado.
— Somente esbarrei — respondi.
— Sou Ítalo — ofereceu a mão.
Segurei um suspiro ao ver que teria que erguer meu braço direito, mas o
fiz sem hesitar. Doeu mover, mas engoli em seco e ignorei a dor queimando
em meu corpo.
— Valentina.
— Precisa de alguma coisa? — perguntou Ítalo com um tom muito gentil.
Soltou minha mão devagar como se soubesse.
— Estou bem, obrigada. — Acenei para eles. — Se me dão licença, vou
trabalhar.
— Claro. — Ítalo disse tranquilo e abriu caminho.
Passei por eles sabendo que encaravam minhas costas, mas me apressei
para me esconder em minha sala.
...
Benjamin
— Precisa ajudá-la — afirmou Ítalo.
— Como? — questionei confuso enquanto caminhamos em direção ao
meu escritório.
— Sua nova funcionária — disse baixo. — Ela precisa de ajuda.
— Como assim? Seja mais específico.
— Chuto por violência doméstica.
Arregalei os olhos.
— Você está errado, Ítalo. — Franzi a testa.
Entramos na minha sala e ele fechou a porta com um bufo irritado.
— Não ofenda meu QI de 160. — Ficou parado no mesmo lugar. —
Aquela mulher tem claros sinais de quem está sofrendo.
— Como chegou nesta conclusão? — cruzei os braços.
— Comece pelo blazer no calor infernal que faz aqui.
— Usamos ternos — apontei.
— Por falta de opção, mas as mulheres têm a liberdade de usarem roupas
leves. — Fez uma careta. — Vestidos, saias e não blazer quando se faz
quarenta graus lá fora. — Apontou com um dedo e ergueu outro. — A forma
que ela deixou o copo cair, mostrava intensa dor no antebraço ou ombro. —
Levantou um terceiro dedo. — Ela mentiu quando disse que esbarrou e ao
afirmar que estava bem. — Ergueu mais um. — Seu rosto pálido, o lábio
parecia inchado e sensível. — cruzou os braços. — Sem contar o cansaço em
seus olhos e a forma que engoliu em seco quando apertou levemente minha
mão.
— Não é possível que observou tudo isto em alguns segundos. —
Protestei tentando negar aquele fato.
Ítalo bufou.
— Posso dizer quantas vezes deixou a bola cair ontem no jogo, não
subestime minha memória e nem minhas análises.
— Vou até ela.
Dei um passo, mas ele não saiu do caminho. Isto explicava o motivo de
não ter saído de frente da porta.
— Não vai não.
— Ítalo, se aquela mulher está sendo maltratada eu quero saber — digo
sério.
— E fazer o quê? — ergueu as irritantes sobrancelhas espertas.
— Não sei.
— Por isto, não vai sair daqui. — Encostou na madeira. — Ela parece
forte por fora, mas está fragilizada. Tem que agir com delicadeza, descobrir o
que está acontecendo. — Aconselhou. — Mulheres que sofrem violência de
seus parceiros geralmente não tem coragem de terminar o relacionamento.
Vivem presas ao medo, as ameaças.
— O que eu faço?
— Deixe-a trabalhar. — Sugeriu.
— Se ela está machucada, precisa de um médico — protestei.
— Eu sou médico.
— Psiquiatra — corrigi.
— Médico. — Rebateu. — Vou até a sala dela, conversar sobre qualquer
coisa banal. — Deu de ombros. — Procurar entender do que realmente
precisa.
— É minha funcionária — afirmei.
— Eu sei! — desencostou da porta e a abriu. — E você é um idiota sem
paciência, vai acabar estressando a moça.
Fiquei calado e parado vendo meu amigo sair do escritório, ele tinha
razão, mas eu não queria dar o braço a torcer. Estava surpreso com tudo o que
Ítalo supôs sobre Valentina. Nunca vi nada do que ele disse, nenhum indício
de que sofria violência doméstica.
Somente enxergava uma mulher fechada, inteligente e forte. Ela
enfrentava as reuniões com naturalidade e não permitia que nenhum cliente
duvidasse de seu trabalho.
Era confiante, pensei fechando os olhos.
Lembrei do hematoma amarelado que vi em seu ombro. Ontem acabei
entrando sem ser anunciado em sua sala e me surpreendi ao vê-la no banheiro
com a camisa caída em seu braço direito cuidando de um feio machucado.
Meu sangue começou a ferver, borbulhando de raiva com os terríveis
pensamentos do que Valentina estaria passando. Se Ítalo estivesse certo, já
que ele nunca errava, eu mataria o idiota que estava a machucando.
Ela fazia parte da minha empresa, e eu iria ajudá-la.
Capítulo Três
Valentina
Um toque suave na porta me tirou dos devaneios.
— Ei Valentina, roubei seu café de Ella e fui obrigado a comprar outro. —
Ítalo, o amigo de Benjamin Daslow, entrou.
— Ela costuma ser durona quando o assunto é café — sorri.
— Durona? — franziu a testa. — Parecia mais um cão do inferno. — Riu.
— Devo vir mais vezes aqui só para perturbá-la.
— Eu não faria isto.
— Sou psiquiatra, tenho muitos argumentos e paciência. — Deu de
ombros.
Ele colocou o café na minha frente e se sentou.
— Obrigada — digo.
— Tem mais alguma coisa que posso fazer por você?
— Acredito que não.
Ítalo cruzou as pernas depois de desabotoar o terno. Tinha um olhar sereno
e postura despreocupada.
— Ben disse que seu ombro está machucado, sou médico, poderia dar uma
olhada se precisar. — Ofereceu.
Fiquei tentada a aceitar, mas neguei rapidamente.
— Obrigada, mas estou bem. — Já havia tomado um analgésico para dor.
— Só um mal jeito mesmo.
— Achei que tinha esbarrado.
Sabia que meus olhos se arregalaram levemente.
— Sim, sou um pouco desastrada. — Menti. — Esbarrei o braço e peguei
um mal jeito no ombro.
— Se não é nada grave, em dois dias estará melhor. — Se levantou e
anotou o nome de um remédio no meu bloco de notas. — Se a dor estiver
demais tome esse, vai se sentir ainda melhor.
Olhou em meus olhos como se soubesse tudo o que escondia.
— Vou deixá-la trabalhar, se precisar de ajuda só pedir para Ella me
chamar. — Ofereceu. — Apesar de me maltratar, sei que ela tem o meu
número. — Sorriu. — Talvez seja para um encontro. — Brincou.
— Eu não me iludiria tanto.
Ele piscou.
— Vai que ela troca de time. — Riu e saiu do meu escritório.
Aproveitei as horas seguintes para me afundar em trabalho. Algumas
vezes, precisei levantar para alongar as pernas, mas foi tudo o que consegui.
Minhas costelas estavam dilatando, meu ombro queimando e as têmporas
pareciam que iriam explodir. Até que fui ao Porto com Benjamin e Alex,
fiquei tensa por todo o caminho e tentei ao máximo não demonstrar o quão
aterrorizada estava. No entanto, voltamos antes do previsto e eu pude respirar
novamente.
Almocei no escritório na companhia de Ella e deitei no sofá para
descansar um pouco. Acabei dormindo mais do que planejava e quase perdi
uma reunião importante com Benjamin. Estranhei o fato de ele ficar me
encarando sério, percebi estar bem tenso e sem a graça que geralmente o
acompanhava.
Sem saber o que fazer a respeito, somente fiz o meu trabalho e voltei para
a minha sala. Quase no final do expediente, meu coração começou a ficar
agitado demais. As mãos suadas e geladas. Sem contar que comecei a tremer
de medo de voltar para casa.
Ainda não tinha descoberto como Axel entrou no meu apartamento.
Cheguei a perguntar ao porteiro pela manhã, o senhor Pereira, se o viu entrar,
mas o homem afirmou que não o via há muitos dias.
Despedi de Ella e segui para o meu carro olhando para todos os lados, com
a terrível sensação de ser observada. Dirigi para casa, estacionei na garagem e
procurei o porteiro novamente.
— Não o vi hoje, senhorita Valentina.
— O senhor tem certeza? — questionei.
— Sim. — Balançou a cabeça. — Tem algum problema?
— Só não o deixe entrar — pedi aflita.
— Farei isto — prometeu.
Confiei nele, mas sabia que Axel iria aparecer. Isto se ele já não estivesse
dentro da minha casa. Aterrorizada, fui de elevador até o meu andar, o
primeiro. Desci e segui pelo corredor com o coração batendo forte no peito.
Coloquei a chave na fechadura e abri a porta. Empurrei devagar e suspirei
aliviada em não o ver no sofá como no dia anterior.
Deixei minha bolsa no aparador e fechei a porta sem trancá-la, queria ter
certeza de que conseguiria fugir caso Axel estivesse escondido em algum
lugar. Olhei a cozinha de longe e fui pé por pé para o corredor dos quartos.
Abri o de visita, estava vazio, voltei para fora.
— Procurando por mim?
Congelei no lugar.
Meu coração saltou forte no peito perdendo algumas batidas com o medo
que corria em minhas veias.
— Invadiu minha casa novamente — digo o mais forte que consigo.
— Vim ver como você está.
Virei lentamente em meus pés. Axel estava encostado na parede de braços
cruzados e com um bonito sorriso nos lábios. Seus olhos pareciam gentis,
mas eu não me enganava.
— Estou bem — afirmei.
— Bom.
— Poderia, por favor, ir embora? — pedi em um sussurro.
— Por que eu iria?
— É a minha casa, você não deveria entrar sem minha permissão.
— O que está querendo dizer Valentina? — deu um passo à frente. —
Você me pertence. Aonde quer que esteja, eu tenho o direito de estar.
— Eu não pertenço a ninguém — digo o mais firme que consigo.
A enganosa gentileza em seus olhos se apagou e uma fúria se acendeu. Dei
um passo atrás, tentando me proteger do que vinha a seguir. Porém, ele era
sempre rápido em seus ataques. Sua mão agarrou meu pescoço e apertou com
força. Engasguei em busca de ar e me debati.
— Você é minha Valentina, por que não entende? — perguntou furioso.
— Me... so-olte.
— É a única culpada, você provoca minha fúria.
— So-o-olte — choraminguei quase sem ar.
Minhas unhas cravaram em seu braço, arranhando-o o máximo que
consegui.
— Sua maldita, olha o que está fazendo!
Seu punho livre estava erguido para me acertar, mas fui salva pelo barulho
do interfone.
— Esperando alguém? — perguntou abaixando o braço.
— Não — engasguei quando me soltou.
Ofeguei fortemente em busca de ar.
— Atenda e mande embora — ordenou.
— Você deveria ir também.
— Não me diga o que fazer — bateu em meu rosto, mas não foi tão forte.
Segui para a sala com ele em meu encalço, meus olhos encheram de
lágrimas que escorreram silenciosamente por meu rosto. Peguei o interfone e
o levei ao ouvido.
— Sim?
— Valentina?
Segurei o suspiro ao reconhecer a voz do meu chefe, Benjamin Daslow.
— Sim, no que posso ajudá-lo senhor Daslow?
— Você está bem? — perguntou sério. — Sua voz está estranha, está
chorando?
Engoli o choro.
— Não.
— Não sei o que está acontecendo, mas eu posso te ajudar.
Meu coração perdeu uma batida.
— Está tudo bem. — Menti.
As lágrimas banharam meu rosto.
O ouvi suspirar.
— Vim deixar uma pasta. Quero que a avalie para mim, é da reunião de
amanhã — informou.
Ele não precisava vir pessoalmente fazer isto. Era um homem rico, com
poder e renome, que somente de estalar os dedos teria inúmeras pessoas ao
seu redor para ajudá-lo a fazer suas vontades.
Só me mostrava que ele estava desconfiado de alguma coisa. Eu não
poderia deixá-lo se envolver ou que Axel o visse, eu seria a única a sofrer em
suas mãos cruéis.
Fechei os olhos muito tentada a pedir ajuda para o meu chefe.
— Deixe com o porteiro. — Pedi. — Peça ao senhor Pereira que guarde
para mim, irei pegar mais tarde.
— Valentina?
— Sim?
— Deixa-me ajudá-la — insistiu.
Engoli o choro que subiu em minha garganta, desesperada para aceitar.
— Amanhã estará tudo revisado — digo e desligo o interfone.
Solucei baixo.
— Seu chefe? — perguntou Axel.
— Sim.
— O que ele veio fazer aqui a esta hora? — questionou sério.
— Deixar uma pasta para que eu revise.
Ele segurou meus ombros e me virou para encará-lo.
— Por que ele veio pessoalmente? — Axel estava desconfiado.
— Não sei. — Dei de ombros. — Era só trabalho.
— Está mentindo pra mim. — Apertou meus ombros.
Gritei de dor do ombro direito.
— Axel, por favor — choraminguei. — Não me machuque.
— Você me força a isto Valentina, é sua culpa.
— Eu não fiz nada. — Afirmei sentindo as lágrimas molharem meu rosto.
— Por favor, me solte.
— Não entende que não posso deixá-la?
— Por favor — implorei.
— Ninguém mais vai querer você, se eu a deixar ir, você ficará sozinha.
— Não me importo — digo.
— Você é feia — disse como se eu não me enxergasse. — É uma inútil,
burra.
Aceitei suas ofensas calada, implorando para que fosse embora, mas cada
vez que ele abria a boca, sua raiva aumentava. Acreditei em tudo o que disse,
entendendo que não tinha opção além de aceitar meu destino.
No entanto, não foi somente minha autoestima que encontrou o chão, meu
corpo também e eu não sabia como me levantaria dele.
...
Benjamin
Sentia uma pressão diferente no peito, como se não tivesse feito tudo o
que podia e agora estava sendo punido por isto. Já tinha duas horas que eu
estava parado na frente do prédio de Valentina, meu carro começava a me
deixar claustrofóbico. Alex não ficou muito feliz quando o mandei embora,
mas eu não sairia dali até que me sentisse confortável pra isto.
O toque na janela me assustou, olhei pra fora e vi meu amigo Ítalo.
Destravei a porta e ele entrou com sacos de comida.
— Desde quando Alex decidiu que preciso de um psiquiatra? — perguntei
tentando não me irritar.
Sua irritante sobrancelha se ergueu.
— Quer mesmo que eu responda? — questionou ele. — Está de tocaia na
frente do prédio de sua funcionária.
— Como eu vou ajudá-la, Ítalo?
Eu estava aflito com aquela situação. Nasci em uma família dominada por
mulheres que são tratadas como rainhas.
— Você odeia que eu o analise, então, não me dê a oportunidade — disse
abrindo suas sacolas.
Me entregou um saco de batata frita e um hambúrguer.
— Estou falando sério Ítalo.
— Eu também. — Retrucou. — Seu segurança me tirou da cama no início
da madrugada para ser babá de um marmanjo. — Encheu a boca de babatas.
— Você não pode se meter nesta situação sem que ela peça.
— Ela nem sabe que precisa de ajuda. — Protestei.
Ítalo balançou a cabeça.
— Você é um homem criado por mulheres, na sua família elas não
nascem, brotam do chão com ervas daninha. — Bufou.
— Desafio você a dizer isto perto delas. — Provoquei.
— Eu não fiquei louco ainda, pelo menos eu acho. — Riu. — Seu pai é
um santo.
— Um homem apaixonado. — Dei de ombros.
— Nunca serei capaz de entender o amor, que sentimento mais tolo. —
Rolou os olhos entediado. — O coração é só um órgão, com muitos músculos
úteis que nos deixa vivo.
— É isto que diz aos seus pacientes?
— Claro que não. — Riu. — Não estamos falando deles agora, quero falar
de você.
— Vai me dizer como ajudar Valentina?
— Não seja um idiota, não pode ajudar uma pessoa que não quer ajuda.
Assumo, previ aquela resposta.
Ítalo não era um homem ligado aos sentimentos, ele entendia a lógica das
coisas, sua mente era incrível, capaz de coisas que eu não chegaria nem aos
pés de entender. Ainda não entendia o porquê de ter decidido ser psiquiatra,
ou melhor, eu sabia. Segundo ele, com sua família desunida e maldosa,
precisava ser seu próprio analista, ou no caso, psiquiatra.
Desembrulhei o hambúrguer e dei uma boa mordida, pensando no que
deveria fazer naquela noite.
Iria embora ou permanecia ali?
O que mais poderia acontecer?
Eu não sabia, mas a voz de Valentina me dizia que deveria esperar. Soube
assim que ela atendeu o interfone que algo muito ruim estava acontecendo,
mas ainda negou minha ajuda.
Deus amado, era só ela pedir que eu a ajudaria. A levaria para um lugar
seguro e não permitiria que ninguém a machucasse. Fiquei ali, tentando
inutilmente convencer Ítalo de que mesmo que alguém não peça ajuda não
significa de que não precisa. Uma coisa difícil de fazer, já que ele gostava de
explicar tudo cientificamente. No entanto, meu amigo tinha uma mente aberta
para entender.
— Explique-me o que é o medo — pedi, acreditando que iria ganhar
aquela discussão.
— É uma emoção esperada tanto para os humanos quanto para os animais.
— Uma emoção? — perguntei e ele encheu a boca de batatas. — Não me
venha com essa besteira de emoções — foi difícil de entender.
— Não fale de boca cheia.
Ele engoliu e riu.
— O que posso fazer? Não tive uma mãe para me dar educação.
— Você é tão idiota .— Bufei.
Ele me ignorou.
— O medo é uma reação fisiológica, ligada ao estresse, que acontece
quando enfrentamos certas situações — explicou. — Como enfrentar um
animal selvagem ou venenoso, entrar em uma luta, entre outras coisas que
podem acontecer no nosso dia a dia.
— Não seja tão lógico.
— Eu sou lógico. — Me corrigiu. — O medo é muito subjetivo e depende
da vulnerabilidade de cada pessoa. — abriu uma lata de refrigerante e me deu
outra. — É um ciclo cerebral vicioso, retransmissores como adrenalina e a
serotonina participam do processo. O corpo começa a reagir de uma forma
difícil de controlar, o coração bate forte, as mãos soam, falta ar, a boca fica
seca e algumas pessoas chegam a sentir formigamento nos membros —
explicou. — O medo é instintivo, de forma resumida.
Resumindo, eu perdi aquela briga, mas aprendi algumas coisas.
— Você precisa ser mais sensível — acusei.
— Mais? — riu. — Eu continuo sendo um cara com um QI elevado que
cresceu sedento por informações. Sensibilidade não é algo que estou
acostumado.
— Escute-me, Ítalo, você é um psiquiatra, lida com pessoas. — coloquei
algumas batatas na boca. — Vai fazê-lo se tornar um profissional melhor.
— Não vejo você sendo sensível com seus concorrentes.
— Trabalhamos em áreas... — calei vendo um homem sair do prédio. —
Diferentes.
Ítalo chegou a abrir a boca pra falar, mas eu o mandei se calar enquanto
tentava achar meu celular no meio daquela confusão de sacolas que ele criou
no meu carro.
— É ele — afirmei. — Caralho, é ele.
— Ele quem?
Olhei a imagem no meu celular e tinha certeza, aquele homem
atravessando a rua era o namorado de Valentina. Ele olhou de um lado para o
outro, como se estivesse preocupado que alguém o visse e depois correu rua
abaixo.
— Devo dizer que aquele homem tem uma postura de culpa — disse Ítalo.
— Não que eu enxergue bem a distância, mas ele esconde as mãos e olha
para os lados. — Analisou. — E às uma da manhã, não é um bom horário
para correr.
Fiquei calado, com o coração acelerado, experimentando aquela sensação
de medo que Ítalo descreveu tão bem com seu jeito insensível. Medo de que o
pior tivesse acontecido.
No entanto, e agora, o que eu faria?
Capítulo Quatro
Benjamin
Esperei até que aquele homem estivesse longe para sair do carro.
— O que vai fazer? — Ítalo foi atrás de mim.
— Tenho que ver se ela está bem.
— Benjamin, você não é um homem racional. — Acusou. — Rico, bonito
e cheio de mulheres aos seus pés. Não pode sair por aí vigiando suas
funcionárias.
Virei para meu amigo.
— Sou irracional, pronto — digo firme. — Você mesmo me disse que
aquela mulher precisa de ajuda, então, eu vou ajudar. — Apontei para o
prédio. — Pode ter uma mulher lá dentro ferida, precisando de atendimento
médico, e olhe só, você é um.
— Sou psiquiatra. — Retrucou.
— Não tente me enganar, você poderia ser um cirurgião se quisesse —
afirmei. — Agora, pare de me enrolar e me ajude.
— Droga, vamos lá.
Atravessamos a rua quase correndo, parei na frente do porteiro que
cochilava em sua cadeira.
— Senhor Pereira. — O chamei.
O velho nem se moveu, para acabar de testar minha paciência.
— Senhor Pereira! — exclamei mais alto.
Ele saltou assustado na cadeira e me olhou com olhos arregalados.
— Oh, me desculpe senhor Daslow.
— Preciso falar com Valentina, é urgente.
— Está muito tarde.
Tentei não bufar de impaciência.
— Sou o chefe dela, e tenho uma emergência que somente ela poderia
atender.
— Tudo bem, vou chamar em seu interfone.
Ítalo deu um passo à frente, ficando na visão do porteiro.
— Só uma dúvida senhor Pereira, por acaso, sabe me dizer quem é o
homem que acabou de sair daqui? — perguntou fazendo uma expressão de
curioso.
— Não teve ninguém saindo do prédio nas últimas horas — afirmou ele
levando o telefone ao ouvido.
Encarei o porteiro, pasmo de que ele não tenha visto aquele homem sair.
Não era uma pessoa pequena, que não fosse notável.
— Ela não está atendendo — informou ele. — Deve estar dormindo.
— O senhor realmente não viu o homem que acabou de sair daqui? —
perguntei incapaz de me segurar.
Ele pareceu envergonhado.
— Devo ter cochilado — confessou.
— Eu não tenho a menor dúvida. — Ítalo resmungou.
Engoli minha raiva.
— Tente acordar Valentina mais uma vez — pedi, agora em um tom seco.
O porteiro acenou concordando, mas logo descobrimos que ele não teve
resposta. Suspirei tentando dizer a mim mesmo de que ela estava somente
dormindo, porém, não poderia aceitar tão facilmente aquilo.
— Libere minha entrada, vou bater em sua porta.
— Não posso fazer isto senhor Daslow. — Hesitou.
Sua negativa fez a agressão crescente em mim aumentar. Ítalo segurou
meu braço, pedindo sua chance de tentar.
— Senhor Pereira, entendo a ética do seu trabalho e fato do prédio ter um
porteiro para a segurança dos moradores — disse meu amigo. — Mas esse
homem tem uma emergência no trabalho e precisa falar com Valentina, ela
não atende o interfone e nem o celular. — Apontou para o portão. —
Acabamos de ver um homem saindo e não temos resposta dela, entende a
gravidade da situação?
Maldito homem lógico, pensei.
— Deve ser algum morador. — Tentou justificar.
— Não era — afirmou Ítalo. — Confirmamos isto quando ele desceu a rua
correndo como um criminoso.
Os olhos do senhor pareceram que iriam pular para fora quando arregalou.
— Entrem. — Se apressou. — Vamos conferir se a senhorita Valentina
está bem.
Concordei aliviado.
Passamos pelo portão e o senhor Pereira liderou o caminho, fiquei
impaciente quando ele entrou no elevador. Sabia que Valentina morava no
primeiro andar e as escadas seriam mais rápidas e ajudariam a controlar
minha ansiedade.
Mas o olhar de Ítalo dizia que eu deveria ter paciência, pois era claro que o
porteiro tinha dificuldade de locomoção. Ignorei meu amigo e encarei com
impaciência o painel do elevador.
Não demorou nem dois segundos, mas para mim pareceram longas horas.
Andamos até o final do corredor e paramos na porta 103. Pereira bateu
algumas vezes e chamou o nome dela, sem muito sucesso.
— Eu faço isto. — Me esforcei para não puxar o senhor do meu caminho.
— Vou chamá-la.
— Benjamin, não é uma boa ideia. — Ítalo tentou me parar.
Bati meu punho com força na porta.
— VALENTINA! — gritei. — ABRA A PORTA!
— Vai acordar a merda do prédio. — Ele protestou.
O ignorei.
— VALENTINA! — bati com mais força na porta.
— Se ela não abrir, pelo menos você vai.
— Cale a boca, Ítalo.
Segurei a maçaneta e me surpreendi quando a encontrei aberta.
— Pronto, agora vamos ser presos por invasão a domicílio.
— Valentina? — chamei baixo.
— Ela deve ter esquecido de trancar a porta — disse Pereira.
Eu não tinha tanta certeza, nos meses que trabalhou para mim nunca se
mostrou ser uma pessoa desatenta.
— Valentina? — dei um passo para dentro.
— Droga, Benjamin. — Ítalo protestou. — Não pode entrar na casa de
uma pessoa sem ser convidado, é lógica básica.
O ignorei novamente.
— Valentina? — procurei pelo acendedor.
A luz iluminou sua sala, não reparei em muitas coisas, somente na marca
de sangue que vi no chão. Ergui um pouco mais o olhar e encontrei as pernas
dela, seu corpo estava escondido pelo sofá.
— Caralho. — corri pra frente. — Valentina?
Ela não respondeu e eu congelei com o que presenciei.
— Oh, meu Deus! — Pereira pareceu chocado.
— Precisamos de uma ambulância. — Ítalo disse rapidamente. — Vou
chamar.
Estava nua e completamente machucada. Sua testa tinha um corte, seu
rosto inchado, os lábios feridos. Cheguei a estremecer em olhar para a
extensão do seu corpo, havia mais manchas roxas e avermelhadas do que
poderia contar.
— Benjamin, caralho, ela está respirando? — perguntou Ítalo.
Desviei o olhar, encontrei uma manta em cima do sofá e me apressei em
pegar. Corri de volta para cobri-la e me ajoelhei ao seu lado.
— Valentina — chamei baixinho. — Abra os olhos, querida.
— Daslow, não é hora para pudores. — Ítalo protestou se ajoelhando do
outro lado dela. — Não podemos movê-la.
— Por que não? — franzi a testa. — Não se atreva a tirar a manta —
ameacei quando ele tentou.
— Quero ver se tem fraturas ou hemorragia. — Justificou.
— Quem fez isto? — O porteiro perguntou. — É uma moça tão boa e
gentil.
Eu não respondi, não poderia acusar ninguém, mas assim que Valentina
estivesse sobre cuidados médicos em um hospital, eu mataria o idiota que a
machucou.
— Valentina? — tentei mais uma vez.
Suas pálpebras se moveram antes de abrir com grande esforço.
— Quem fez isto com você? — perguntei.
Ela pareceu assustada quando nos viu inclinada sobre ela.
— Está tudo bem, Valentina — disse Ítalo. — Entendo que esteja com
medo, mas não vamos machucá-la, nunca. — Jurou. — Sou psiquiatra, mas
sou um médico.
— Vamos ajudá-la. — Prometi. — Devia ter me permitido ajudar antes.
Ítalo me encarou impaciente.
— Não é hora para isto. — Apontou. — Depois eu que sou o insensível.
— Quem fez isto com você? — perguntei novamente. — Não o proteja,
por favor — pedi. — Juro que vou te manter segura e que nunca mais sofrerá
o peso da mão de um homem. Vou protegê-la.
Ela pareceu com medo de falar.
— Eu vou protegê-la — digo pausadamente e com gentileza.
— Axel — sussurrou.
— Vamos protegê-la dele. — Ítalo prometeu.
— Mas ele é seu namorado, como pode fazer isto? — perguntou o
porteiro.
— Ex-namorado. — Sussurrou Valentina. — Mas ... não ... aceitou.
— Ele não aceitou? — perguntei sério.
— Não.
— A ambulância deve estar chegando — informou Ítalo. — Por que não
vai conferir, Pereira?
— Claro, vou fazer isto.
Levei uma mecha de cabelo dela para longe de seu rosto.
— Como ninguém nesse prédio a ouviu? — perguntei baixo ao meu
amigo. — Ninguém veio ajudá-la.
— Isto se chama ‘Efeito Espectador’ — explicou. — Mas vamos
conversar sobre isto depois, quando ela estiver sendo atendida.
Acenei concordando, ele não queria falar sobre o assunto na frente de
Valentina, não em um momento tão delicado como aquele.
Com cuidado, me atrevi a segurar sua mão gelada. Ítalo me olhou em
repreensão, não queria que eu a tocasse, mas estranhamente sentia a
necessidade de confortá-la.
Então, mais uma vez naquela noite, ignorei meu amigo.
— Você vai ficar bem. — Prometi. — Não está sozinha.
— Os paramédicos. — Ouvimos Pereira dizer do corredor. — É por aqui.
— Vão cuidar de você — digo baixo. — Vai ficar bem.
Me surpreendi quando ela apertou minha mão.
— Não está sozinha — garanti.
Ela olhou com medo para a porta e Ítalo se inclinou em sua direção.
— Entendo que esteja apavorada, mas acredite Valentina, ele não vai
voltar — disse ele. — E ninguém que entrar em sua casa irá te machucar. —
Jurou. — Imagino que ver homens tão de perto lhe cause grande medo no
momento, mas nunca iremos feri-la de forma alguma.
Valentina acenou aceitando os argumentos dele.
— Eu e Benjamin, vamos nos levantar e dar espaço para os paramédicos
cuidar de você.
— Meus olhos estarão em você, Valentina. — Prometi. — Não irei
permitir que ninguém a machuque.
— Obrigada — disse tão baixo que mal ouvi.
— Não por isto. — A olhei com gentileza. — Você vai ficar bem.
— Eu vou. — Lágrimas desceram pelos cantos de seus olhos.
— Benjamin. — Ítalo chamou.
— Estou bem ali — prometi e soltei sua mão.
— Obrigada.
Quis dizer que não deveria me agradecer, no entanto, fiquei calado e me
levantei. Os paramédicos passaram por mim e se apressaram para ajudá-la.
Como Ítalo havia dito, não deveríamos mexer nela até que profissionais
chegassem e foi o que fizemos.
Eles não levaram nem dez minutos para analisar todos os machucados de
Valentina, cuidar dos mais graves, colocar uma intravenosa para, só então,
depositá-la com o maior cuidado em cima de uma maca.
— Devemos ir para o hospital — disse Ítalo. — A polícia estará lá
querendo explicações sobre o que aconteceu aqui.
Acenei concordando e olhei ao redor da sala com mais atenção pela
primeira vez desde que chegamos. O lugar era pra ser lindo, mas estava uma
completa desordem. Na sua luta para sobreviver, acabaram destruindo parte
de sua casa.
— Acredita que deveríamos pegar roupas limpas para ela? — murmurei.
— Não mexa nas coisas dela. — O encarei. — Compre roupas novas,
acredito que ela vá gostar.
Concordei.
— Vamos embora. — Dei alguns passos para fora. — Tenho muita coisa a
fazer.
Capítulo Cinco
Benjamin
— O senhor precisa se explicar direito. — Insistiu o policial.
Passei as mãos pelo cabelo sentindo que faltava pouco para a minha
paciência explodir.
— Valentina é minha funcionária, e como te disse, desconfiei que algo
estivesse acontecendo com ela — digo sério. — Ofereci minha ajuda mais
cedo e ela negou.
— Então, ficou de tocaia? — questionou. — Tem que concordar que
parece suspeito.
— Foi o que eu disse. — Ítalo murmurou.
— Fiquei — afirmei muito convicto. — O que eu poderia fazer? Sair e
deixá-la nas mãos de um maluco? A voz dela estava estranha quando nos
falamos pelo interfone.
— Ela ficou nas mãos de um maluco. — Ítalo me corrigiu.
— Qual era sua intenção? — perguntou o policial.
— Eu não sei — digo com honestidade. — Pensei que estava gastando
meu tempo e que de manhã estaria com um humor de merda por não dormir.
— Suspirei. — Ela deveria ter me pedido ajuda.
— E o que acredita que faria pra ajudá-la?
— A tiraria daquele apartamento nem que precisasse derrubar as paredes!
— exclamei impaciente. — Um homem nunca deve agredir uma mulher!
— Ele chamaria a polícia. — Ítalo tentou melhorar a situação.
Não chamaria não, ele sabia disto.
Precisei me segurar para não revirar os olhos, eu não tinha paciência para
continuar lidando com aquele policial. Cruzei os braços mostrando minha
clara indignação.
— E o que vai fazer agora? — perguntou o homem. — Ela é somente uma
funcionária da sua empresa.
— Valentina é minha funcionária — concordei. — E é uma mulher que foi
machucada por um idiota. Terá todo meu apoio até que sua família chegue.
— Onde está a família dela?
— Em um avião, chegarão em algumas horas.
Cansado de ficar em pé, me sentei em uma das poltronas que tinha na sala
de espera.
— Tudo bem, vou aceitar isto por enquanto, mas vamos voltar a nos falar.
— Ótimo — resmunguei.
— Deveria ir pra casa.
— Vou quando ela estiver com a família — afirmei.
— Benjamin, seja razoável. — Ítalo pediu. — Ela está segura aqui, você
garantiu isto.
Claro que ela estava segura, eu mesmo fiz questão de encher o hospital de
seguranças e ninguém passaria por eles.
— Quer que eu vá para casa, onde tenho certeza de que terá um bando de
mulheres me aguardando para saber de tudo o que aconteceu, e eu vou dizer a
elas: Deixei Valentina no hospital e fui embora, simples assim. — Bufei. Não
podia esconder nada da minha mãe por muito tempo. — E ainda vou me
defender usando seu nome.
Eu tinha uma mãe, quatro tias e uma avó, todas farinha do mesmo saco.
Dominadoras, exigentes e loucas.
E eu as amavas.
No entanto, esse não era o motivo por não ir embora. Minha permanência
ali era por uma razão diferente, assim que o policial saísse eu daria um jeito
de entrar e segurar a mão de Valentina. Depois de tudo o que sofreu, não
merecia ficar sozinha. Precisava que ela soubesse que eu ainda estava ali, e
que a protegeria com minha própria vida se fosse preciso.
As mulheres são criaturas incríveis, fortes, e mesmo que o odioso Axel
tenha tentado quebrar o espírito de Valentina, ela superaria aquela fase.
Eu a ajudaria.
— Você é um Daslow — acusou ele se sentando ao meu lado.
— Criado por mulheres — completo. — Vá você lá e diga a elas o porquê
não ficou no hospital.
— Não fiquei louco ainda. — Sorriu.
O policial nos observava em silêncio e balançou a cabeça concordando.
— Entendo, minha esposa é uma fera protetora também — disse com um
sorriso leve. — Vou colher alguns depoimentos e varrer essa cidade em busca
deste verme.
— Obrigado. — Acenei. — Meu advogado estará o procurando também,
vou garantir que Axel não fique muito tempo livre.
O homem concordou e se retirou.
Observei em silêncio o movimento daquela sala. Pessoas de todos os tipos
aguardando notícias de seus familiares, preocupados, conversando e alguns
até dormindo.
— Ainda não entendo como os moradores não a ouviram — murmurei. —
Viu o quanto estava machucada? Ela teria gritado, e muito. E ninguém
chamou a polícia ou bateu na merda daquela porta.
— É o ‘Efeito Espectador’ — disse Ítalo. — Eles não estavam vendo, mas
ouvindo o que acontecia e não ajudaram, talvez por acreditar que outra
pessoa faria isto. Ou que se fizessem alguma coisa, seriam feridos.
— Não precisavam fazer muito, Ítalo, chamar a polícia já seria grande
coisa.
— Eu sei, mas não é assim que a mente humana funciona.
— Não podem ser considerados humanos, negar ajuda a uma pessoa que
está sendo espancada. — Balancei a cabeça em negativa.
— É mais comum do que imagina — contou. — Há casos brutais, com
muitas testemunhas e nenhuma delas se moveu para ajudar. Isto nos faz
voltar ao assunto dos medos racionais e irracionais.
— Inacreditável — murmurei.
— É como se repartissem a culpa por não intervir. — Deu de ombros. —
A mente humana é uma coisa inacreditável.
Deixei aquelas informações afundarem em mim, mas ainda não foi fácil de
aceitar. Eu mesmo, nem sei do que seria capaz se visse ou ouvisse o pedido
de socorro de uma mulher.
Como seus próprios vizinhos não foram capazes de ajudar?
Compartilhavam o mesmo prédio, o mesmo elevador, a mesma garagem. E
ainda assim, não foi suficiente para ajudarem.
Inacreditável, era a palavra do dia.
Suspirei aliviado quando a médica que a atendeu veio em minha direção.
— É da família de Valentina? — perguntou.
Quis bufar.
— Sou tudo o que ela tem no momento — afirmei, mas em meu olhar
tinha uma ameaça.
Se a doutora se negasse a me dar informações eu faria um inferno naquele
hospital e não sairia até que ela fosse demitida. Não me importava com sua
ética profissional no momento, eu só queria saber como Valentina estava.
Não era possível que as pessoas não visse minha preocupação!
— Senhor Daslow, entende que eu só posso dar informações para
familiares?
— Claro. — Acenei. — Entende, que ninguém além de mim se importou
com o que aconteceu com aquela mulher? — questionei. — Que eu fui o
único a bater na sua porta e trazê-la para o hospital? Que nem mesmo os
moradores daquele prédio atendeu os pedidos de socorro dela? — franzi a
testa. — Sou tudo o que ela tem — afirmei. — Vai me dizer como ela está ou
vamos brigar pelas informações? Pois eu não estou indo embora.
Ela me encarou sem nem mesmo piscar, mostrando o quão forte e decidida
era.
— Valentina vai ficar bem — contou. — Alguns dias no hospital e muito
repouso é tudo o que ela precisa.
— Quanto a seus machucados? — perguntou Ítalo. — Desculpe não me
apresentar, sou Ítalo Cooper.
— Cooper? — questionou ela reconhecendo seu sobrenome.
— Sim, psiquiatra, maluco e rico. — Sorriu ele.
— Achei que ainda não tinha ficado louco — resmunguei.
Ambos me ignoraram.
— Seus estudos são muito utilizados em nossas pesquisas — disse ela.
— Bom.
— Podemos falar de Valentina? — cruzei os braços.
— Claro. — Acenou envergonhada. — O ombro direito está deslocado e o
esquerdo bem machucado. Cinco costelas trincadas. Um corte na testa e
muitas lesões pelo corpo — disse bem séria e profissional. — Também
encontramos vestígios de violência sexual, indico veementemente de que
Valentina tenha um acompanhamento psicológico. Ela precisará de toda
ajuda.
Eu estava com o sangue gelado em ter o conhecimento daquela
barbaridade. Axel, além de machucar a mulher que deveria cuidar, ele a
violou. Tirou toda sua dignidade e poder de escolha, de decisão.
Na minha cabeça tinha uma lista de indignações tão grande que não
conseguia nem as nomear. No entanto, eu tinha a certeza de uma coisa. Iria
encontrar aquele maldito e fazê-lo pagar por todas as maldades que submeteu
Valentina.
— Serei seu psiquiatra. — Ítalo disse me surpreendendo. — Sou muito
mais eficiente do que qualquer psicólogo. — Ele nem mesmo escondeu a
arrogância de sua voz. — E além do mais, sou um bom amigo.
— Eu não diria isto — murmurei.
A médica sorriu para ele.
— Ela irá precisar de toda ajuda. — Voltou afirmar.
— Vamos ajudá-la. — Jurei.
A médica acenou mostrando que acreditava em minha promessa. Depois
de insistir um pouco, ela também permitiu que eu ficasse o resto da noite
como acompanhante de Valentina.
Entrei no quarto particular que fiz questão de pagar, aprovando todos os
aparatos médicos de ponta, mas com o coração apertado ao vê-la tão pálida.
Vários fios monitoravam seus sinais de vida, mas nada, em nenhum
momento, tiravam sua beleza.
Arrastei uma poltrona para mais perto, bem perto, fiquei ao lado de sua
cama, encarando seu rosto e segurando sua mão com gentileza.
— Está tudo bem Valentina, você não está sozinha — sussurrei.
Capítulo Seis
Valentina
Entendia que algo muito grave tinha acontecido, que precisava abrir os
olhos e me atualizar. No entanto, meu corpo não estava muito disposto a
colaborar. Sentia-me absurdamente cansada e sem nenhum tipo de dor, o que
era estranho, já estava sempre com algum machucado causado por Axel.
Lembrar de seu nome me trouxe outras memórias e isto me forçou a abrir
os olhos completamente assustada.
— Está tudo bem, respire devagar.
Olhei para a pessoa inclinada levemente ao meu lado.
— Senhor Daslow.
— Somente Benjamin, por favor. — Sorriu gentilmente. — Respire
devagar, está no hospital e vai ficar bem.
— Como... como...
— Como chegou aqui?
Suspirei.
— Sim.
— Fui até seu apartamento ontem à noite.
Lembrei que ele deixou uma pasta na portaria.
— Você foi embora — digo baixo sentindo minha voz falhar.
— Não. — Balançou a cabeça. — Fiquei do lado de fora sem saber o que
fazer, até que eu o vi indo embora.
— Ficou lá?
— Sim. — Apertou minha mão. — Devia ter me dado alguma pista,
qualquer coisa. Eu teria feito algo para te ajudar.
Lágrimas encheram meus olhos.
— Fiquei com medo — sussurrei. — Ele é extremamente ciumento —
confessei.
— O que importa é que está livre daquele homem.
— Foi preso?
— Ainda não — disse baixo. — Mas eu prometi que iria te proteger e eu
vou, Valentina, acredite em mim, você está segura.
Senti meu rosto molhar com as lágrimas que escaparam.
— Pode chorar, tem esse direito depois de tudo o que enfrentou, mas saiba
que não vai ser sempre assim. — Benjamin disse firme. — Seu corpo e mente
podem estar fragilizados agora, mas você é uma mulher forte, vai superar.
— Obrigada — solucei.
— Não, não me agradeça. — Limpou gentilmente minha bochecha. —
Somente trate de ficar bem.
— Vou ficar.
— Bom. — Sorriu. — Posso lhe dar um beijo na testa?
Tentei não demostrar surpresa, mas acredito ter falhado miseravelmente.
Acenei.
Seus lábios tocaram minha testa com a leveza de uma pluma.
— Tem dois seguranças do tamanho de um armário na porta. — Apontou
para a parede de vidro onde os homens estavam parados e se afastou. —
Preciso ir em casa, conseguir um terno novo e ir para uma reunião.
— Sinto muito.
— Pelo quê? — pareceu confuso.
— Por não analisar o arquivo que deixou para mim, espero não dificultar
seu trabalho.
— Não se preocupe com isto, sempre tenho tudo sobre controle. —
Garantiu. — Seus pais acabaram de chegar no aeroporto, estarão aqui em
menos de meia hora.
Arregalei os olhos.
— Você os chamou?
— Claro que sim.
Deus, meu pai surtaria.
— Por que desta expressão? — perguntou sério. — Não me diga que são
abusivos.
— Oh, não — respondi rápido. — Mas meu pai tem porte de arma e vai
querer matar Axel.
Ele me surpreendeu novamente, desta vez sorrindo.
— Deste jeito, fico tentado a ajudá-lo.
— Não brinque com isto — murmurei. — Meu pai é louco.
— Vamos nos dar bem, então. — Sorriu mais largo. — Pesquisei sobre
seus pais antes de chamá-los, espero que não se importe.
— Não me importo. — Acenei. — Sabe que ele foi da marinha.
— Sei, estou contando com a boa mira dele. — Brincou. — Ou então vou
ter que usar os punhos para proteger você.
— Está brincando.
— Não mesmo. — Piscou pra mim. — Vou voltar mais tarde, por favor,
se cuide.
— Vou me cuidar — prometi.
Ele sorriu, pegou seu terno na poltrona e se afastou.
— Não esqueça dos brutamontes em sua porta, nenhum idiota vai passar
por eles. — Garantiu. — Está segura.
Benjamin saiu, mas não antes de conversar com alguns seguranças do lado
de fora. A porta de vidro deslizante se fechou e foi embora, me deixando
sozinha com a promessa de que estava segura.
De início, não consegui acreditar e deixei que o medo fosse mais forte do
que eu. Meu coração falhou, alertando as máquinas, minha boca ficou seca e
as mãos pareciam frias como gelo.
Era difícil acreditar que Axel me deixaria em paz e pior, ter que relatar
tudo aquilo para o meu pai. Meu Deus amado, como faria? Como daria a
eles tamanha vergonha? Estava inundada de medo, completamente
submersa, em pânico e sem saber o que fazer.
Queria ficar com raiva de Benjamin por chamar minha família, mas tudo o
que sentia era gratidão, pois me forçava a fazer o que era certo. No entanto, o
correto parecia tão difícil e complicado.
A porta se abriu e uma enfermeira entrou.
— Está tudo bem, querida, você só precisa respirar fundo e devagar.
Acenei concordando.
— Está segura. — Garantiu.
Enchi meus pulmões de ar, aliviada de que pelo menos não estava
sentindo dor nos machucados que eu sabia ter. Foi mais fácil me acalmar
assim, lembrando-me de que estava segura, que ficaria bem. Olhei para a
porta e parede de vidro encontrando as costas dos dois homens que me
protegeriam.
Eu estava bem, pensei e repeti mentalmente aquela frase como um mantra.
— Isto aí. — Sorriu a gentil enfermeira. — Você está bem e
completamente segura.
— Obrigada — digo ofegante.
— Um pouco de água? — ofereceu.
— Por favor.
— Sua bolsa de medicamentos está quase acabando, logo irei trocar.
— Por isto não estou sentindo dor — aceitei o canudo e bebi um bom gole
de água.
— Sim.
— Meu ombro? — questionei apontando para o braço imobilizado.
— Foi colocado no lugar, o outro está somente ferido — informou. —
Precisa de muito repouso, me ouviu mocinha? Ficar bem quieta e permitir
que seu corpo se recupere.
Acabei sorrindo quando ela me chamou de mocinha. Alguém ainda me
achava jovem com meus vinte e nove anos.
— Tudo bem.
— Vou ficar aqui com você, até que se sinta melhor.
— Obrigada.
— De nada! — sorriu.
Eu me acalmei nos próximos minutos, meu coração voltou a sua batida
regular e meus pulmões enchiam de ar, filtrando-o e o liberando sem o menor
esforço. A doutora Luana Padilha chegou pouco depois, com um sorriso
gentil e palavras doces. Tudo bem, não tão doces, já que ela relatou todos
meus ferimentos, principalmente o abuso sexual que sofri.
As lágrimas voltaram e eu me permiti chorar mais uma vez, tanto a médica
quanto a enfermeira ficaram comigo até me sentir melhor. O que demorou
bastante, foi como se todo o peso que aguentei em meus ombros nos últimos
meses saíssem de uma única vez e com isto, tornasse o choro mais forte.
No entanto, em vez de ficar feliz, eu fiquei triste. Tão abatida que não
queria mais falar, chorar ou sentir. Minha mente ficou uma confusão, meu
corpo cansado e o meu coração... bem, pareceu pesado demais dentro do meu
peito.
Aos poucos, minhas pálpebras ficaram pesadas mostrando que para aquela
manhã eu já havia tido mais do que deveria. Permiti o cansaço me levar ao
sono, talvez algumas horas na escuridão me fizesse sentir melhor.
Capítulo Sete
Valentina
Conhecia aquele cheiro doce de baunilha, como se ela vivesse fazendo
biscoitos, os mais deliciosos de todos que já comi. Sua mão suave deslizava
de minha testa para os meus cabelos, gentil e amorosa.
— Mãe.
Abri os olhos para encontrá-la com o rosto vermelho de chorar.
— Oi, minha menina — choramingou. — Como está se sentindo?
— Bem.
— Sabe que não precisa mentir. — Beijou meu rosto demoradamente.
— Não estou. — Respirei fundo, puxando mais do seu aroma. — Estou
bem melhor agora que você está aqui.
— Não estaria em outro lugar. — Jurou.
Ela se sentou ao meu lado e entrelaçou nossos dedos.
— Queria poder te abraçar, mas está tão machucada que tenho medo. —
Suspirou. — Filha, deveria ter me contado. Nós cuidaríamos de você.
— Eu sei, mãe, só tentei resolver meus problemas sozinha.
— Sinto muito, querida, gostaria de ter ficado mais perto para ajudá-la
toda vez que precisasse — disse baixinho. — Você é minha menininha, meu
pequeno bebê rosado, que sempre vou amar mais do que minha própria vida.
— Mãe — choraminguei.
— Estou aqui, querida, estou aqui. — Beijou meu rosto.
— Me desculpe.
Ela me olhou com lágrimas contidas nos olhos.
— Não tem que se desculpar, a culpa nunca foi e jamais será sua —
afirmou com sabedoria. — Eu não tenho a mínima ideia do que está se
passando, mas vou ficar aqui, até que se sinta melhor.
— Obrigada.
— Nunca me agradeça por cuidar de você. — Beijou minha testa. — Eu te
amo, querida.
— Também te amo.
Desviei o olhar dela e encarei o homem que estava lá fora de braços
cruzados. Meu pai. Ele me observava pela parede de vidro como se nem
percebesse os dois seguranças na porta.
Minha mãe seguiu meu olhar e suspirou.
— Ele está tendo um pequeno problema com a raiva — contou. — Vai
entrar quando estiver aquele humor do cão sob controle.
— Sinto muito por decepcioná-los — murmurei tentando segurar as
lágrimas.
— Não nos decepcionou. — Garantiu ela. — Você foi vítima de uma
violência absurda e cruel.
Suspirei.
— Só... me descul...pe — solucei.
Ela segurou o choro quando me abraçou com carinho, e ainda assim, teve
todo o cuidado do mundo para não encostar em meus machucados. Ouvi a
porta abrir e logo pude sentir a aproximação rápida dele, meu pai.
— Meu Deus, quanta mulher chorando! — exclamou tentando aliviar a
situação.
— Já parei — afirmou minha mãe limpando o rosto dela e o meu. — Vou
buscar um lanche, estou achando Tina muito magra.
Sorri, ela sempre me achava muito magra e fazia-me comer mais do que
aguentava quando nos encontrávamos.
— Bom, eu estou com fome — disse meu pai.
— Você está sempre com fome. — Ela o corrigiu.
Observamos ela se afastar e sair do quarto, os olhos do meu pai se
voltaram em minha direção. Ele sorriu tristemente e se sentou ao meu lado na
cama. Com cuidado, me puxou para seus braços com certa dificuldade, já que
era difícil não encostar em meus ferimentos.
— Pode chorar, princesa. — Beijou meus cabelos. — Chore o quanto
quiser, que eu vou estar aqui para te segurar.
— Desculpe, pai, estou tão envergonhada...
— Escute aqui, Valentina, e me escute bem — disse firme. — Você não
tem motivos para se envergonhar, se desculpar ou sentir culpa. Conheceu
uma pessoa e se enganou com a personalidade dela. Não escolheu viver este
inferno, então, jamais se culpe.
Acenei concordando e me aconcheguei a ele.
— Mas eu gostaria muito que tivesse confiado em mim e me pedisse
ajuda, eu faria qualquer coisa por você minha boneca, sabe disto.
— Eu sei — digo engasgada com a nova onda de choro.
— Quando eu por minhas mãos nesse idiota, vou vingar cada ferimento
seu — prometeu.
Aquilo não me acalmou, estava cansada de violência, mas não falei nada.
Meu pai era um homem protetor e nada mudaria sua essência.
— E eu faço questão de conhecer seu chefe.
Benjamin, seu nome saiu como um suplico em minha mente. Se ele não
insistisse em bater na porta, eu morreria sozinha no chão da minha própria
sala.
— Ele salvou minha vida — sussurrei.
— Eu sei, fico muito grato por isto. — Fez um leve carinho em meu braço.
— Você é o meu bem mais precioso, morreria se nunca mais pudesse ouvir
sua voz, filha.
Não respondi, somente aceitei o conforto de seus braços e me permiti
chorar mais uma vez com a certeza de que não choraria para sempre. As
palavras de Benjamin vieram em minha mente, ajudando a me fortalecer por
dentro.
“Seu corpo e mente podem estar fragilizados agora, mas você é uma
mulher forte, vai superar.”
Iria superar e reconstruir minha vida, vida essa que foi destruída em tão
poucos meses. Axel me destruiu, pelo menos era o que eu acreditava, mas
não permitiria que ele continuasse a ter controle sobre mim. De alguma
forma, sabia que minha vida ainda não era minha, ele a controlava mesmo de
longe, no entanto, lutaria para me ver livre completamente dele.
...
Um toque suave na porta me fez desviar os olhos da televisão. Ítalo
Cooper estava lá, parecendo despreocupado e com uma caixa de chocolates
nas mãos.
— Posso?
— Claro. — Acenei o convidando a entrar.
— Sei que é uma pergunta idiota, mas como se sente? — se sentou na
poltrona ao lado da minha cama.
— Bem. — Franzi a testa. — Por que é uma pergunta idiota?
— Está em um hospital, cheia de ferimentos. — Deu de ombros. — Ficará
bem quando seu corpo e mente estiverem curados — disse de uma forma bem
lógica.
— Está certo. — Acenei concordando.
— Sempre estou. — Ofereceu os chocolates. — A comida do hospital é
horrível, vai precisar de algo pra tirar o mal gosto.
Ri baixinho.
Ítalo tinha uma sinceridade diferente, mas muito agradável.
— Obrigada.
— De nada.
Cruzou as pernas sem desviar os olhos dos meus.
— Estive aqui com Benjamin, Alex me tirou da cama por causa do
comportamento estranho do meu amigo ao ficar de tocaia na frente do seu
prédio — contou. — A trouxemos para o hospital e a gentil médica que te
atendeu aconselhou veementemente que você tivesse acompanhamento
psicológico.
Arregalei os olhos, surpresa, enquanto tentava filtrar tudo o que ouvia.
— Eu sou especialista em psiquiatria, e sei que sou arrogante ao afirmar
que sou melhor do que qualquer outro profissional. — Deu de ombros. —
Então, me ofereci para acompanhar você, se aceitar, é claro.
— Espere. — Pedi. — Uma coisa por vez.
— Tudo bem. — Acenou. — Desculpe se fui rápido demais.
— Por que o senhor Daslow estava na minha porta, sendo que nunca
contei o que estava acontecendo?
Eu deveria fazer aquela pergunta para Benjamin, mas não conseguia
mantê-la até que o visse novamente. Precisava de respostas.
— Eu contei a ele — respondeu.
— Como? — me senti ainda mais confusa.
— Quando nos conhecemos — afirmou. — Eu sou o que chamam por aí
de gênio por causa do meu QI de 160, nada escapa dos meus olhos. Preciso
de apenas alguns segundos para analisar uma pessoa e não foi diferente com
você — explicou. — A forma que se vestia, o olhar hesitante, a fraqueza por
não conseguir erguer um copo, lábio machucado. — Pontuou. — Nada
escapa dos meus olhos — reafirmou.
— Foi assim que descobriu sobre o que eu sofria?
— Deduzi, foi uma boa aposta. — Acenou.
— E disse a Benjamin.
— Sim, acreditei que em algum momento precisaria de ajuda, mas não
imaginei que meu amigo fosse ficar tão obcecado no assunto. — Deu de
ombros. — Ele é um homem criado por mulheres, não é de surpreender sua
reação.
Eu o encarei sem acreditar no que me dizia, porém, sabia que era verdade.
O olhar honesto e despreocupado dele era bem revelador. Além do que, eu
não contei a ninguém sobre os abusos, o que me lembrou de que Ítalo esteve
na minha sala no mesmo dia em que nos conhecemos e ofereceu ajuda para o
meu ombro.
— Foi no meu escritório — acusei.
Ele sorriu de leve.
— Sim, tem boa memória.
Ficamos em silêncio, nos encarando, eu não sabia o que ele estava
pensando. Mas parecia muito tranquilo na poltrona, era o típico homem que
conhecia seu lugar no mundo. Confiante, arrogante, porém, com um olhar
gentil, honesto.
Eu não entendia mais sobre conhecer uma pessoa pelo olhar, me enganei
duramente com Axel ao acreditar que era uma boa pessoa. Seria aceitável se
eu não permitisse a aproximação de homens depois dos últimos meses, mas o
olhar atento de Ítalo foi o que me tirou do inferno que vivia.
Merecia um voto.
— Então, quando vamos começar? — questionei e aproveitei o olhar
surpreso dele.
— Estava pronto para uma boa discussão — disse ele. — Não imaginei
que fosse aceitar facilmente, o que a fez decidir?
— Vai ter que descobrir.
— Isto é um desafio? — ergueu suas perfeitas sobrancelhas.
— Não.
— Adoro um desafio — afirmou arrogante.
Se levantou e abotoou o terno.
— Volto amanhã as nove para nossa primeira sessão — informou. —
Acredito que ainda precise de um pouco de descanso antes de falarmos sobre
tudo o que aconteceu.
— O que faria se eu dissesse não?
— Nada.
— Nada?
— Não posso ajudar uma pessoa que não quer ajuda — disse sério. —
Descanse, coma bem e nos vemos amanhã.
Capítulo Oito
Benjamin
Não tinha sensação pior do que a de se sentir sufocado com a própria
gravata. O dia tinha sido infernal e eu precisava de algumas horas de sono.
No entanto, tinha a sensação de que se fechasse meus olhos iria ver Valentina
deitada sobre o chão frio de sua casa, marcada por contusões e sangue.
Seria um pesadelo.
— Alex?
— Sim.
— Pare na casa da Esmeralda.
Não estávamos longe, Alex precisou somente pegar a segunda saída da
rotatória para chegarmos ao meu destino. Desci do carro, toquei o interfone e
a voz firme dela ecoou segundos depois.
— O que é?
Sorri com sua falta de gentileza.
— É assim que trata seu neto favorito?
— Bem! — exclamou. — Isto é hora de bater na minha porta?
Revirei os olhos, estava no final da tarde.
— Vai me deixar do lado de fora? — questionei. — Preciso de um chope.
— E por acaso minha casa é um boteco?
— Iaiá! — protestei.
— Entre — bufou e o portão abriu.
Alex riu atrás de mim.
— Ela é tão gentil — disse ele.
— A criadora da gentileza — resmunguei.
Antes que eu passasse para dentro a ouvi no interfone.
— Ainda estou ouvindo — afirmou. — E Alex, minha porta não precisa de
um poste, entre logo e não me irrite.
— Foi o que eu disse, a criadora da gentileza. — Brinquei.
Alex fechou o portão, eu sabia que ele arrumaria algo pra fazer enquanto
me aguardava. Passei pela porta da frente e não me surpreendi com a jovem
senhora de sessenta e sete anos na minha frente. Até mesmo sorri. Os cabelos
grisalhos eram mais curtos que os meus, estilo ‘Joãozinho’ como ela gostava
de chamar. Camiseta preta justa e um jeans escuro que mais parecia uma
segunda pele de tão colada no corpo. Sem contar as botas de motoqueiro.
Aquela era minha avó, dona Esmeralda, ou melhor Iaiá, extremamente
sincera, de coração bom, apesar de não gostar de demonstrar e um gosto
peculiar para se vestir.
— Iaiá. — Sorri.
— Gostou das minhas botas novas? — esnobou meu cumprimento.
— Comprou uma moto também? — beijei seu rosto.
— Ainda não, mas estou pensando seriamente no assunto. — Se afastou.
— Venha, vamos tomar uma bem gelada.
A segui para sua cozinha, onde tinha um barril de chope com todo
esquema de refrigeração.
— Ainda diz que sua casa não é um bar. — Acusei. — Quando disse que
queria um chope era para irmos no bar do final da rua.
— Deixa de ser chato e senta logo essa bunda rica aí. — Apontou para a
cadeira.
Coloquei o terno no descanso da cadeira e me sentei.
— Seus modos são encantadores. — Provoquei.
— Eu sei, por isto criei cinco mulheres incríveis. — Deu de ombros. —
Encontrei o melhor barril da cidade, você precisa experimentar.
— Você ainda tem um fígado?
— Meu bem, eu o comi com jiló anos atrás acompanhado de uma boa
dose de conhaque. — Pegou duas taças no armário. — Com colarinho?
— Por favor — concordei rindo.
— Bom.
Ela encheu a taça e deixou um centímetro de espuma.
— Quanto pagou nisto? — perguntei. — Vou mandar colocar um na
minha cozinha.
— Não vou te contar, pra deixar de ser abusado.
— Você é uma avó muito malvada. — A condenei.
— Você é um milionário que vem na casa da avó tomar uma boa cerveja,
eu fiz um maravilhoso trabalho. — Sorriu orgulhosa.
— Tem razão.
— Sempre tenho. — Rimos.
Ela me entregou uma taça e se sentou na minha frente já bebendo da sua.
— Experimente. — Insistiu.
O sabor do chope gelado foi incrível para meu paladar, sem contar que
tomei metade em uma golada só.
— Estava com sede — disse ela rindo. — Dia longo?
— Mais do que imagina.
— Desabafe, sou boa ouvinte.
— E mentirosa, né? — não segurei a provocação.
Ela revirou os olhos como uma adolescente rebelde.
— Vou bater na sua cara se não contar de uma vez o que rolou.
Eu estava acostumado com o jeito dela falar e, mesmo assim, sempre me
divertia muito com isto. Porém, me lembrar do meu humor do cão fez minha
expressão se fechar e toda diversão ir embora.
Valentina, suspirei.
— Quem é Valentina?
Encarei minha avó surpreso de que tinha dito em voz alta.
— Você disse o nome Valentina. — Ela estreitou os olhos. — Se me
disser que é uma modelo, reta como uma tábua, caçadora de dotes e que não
saí de cima de um salto alto, eu vou socar seu estômago até devolver todo o
meu delicioso chope.
— Senhor amado! — exclamei. — Você é a pessoa mais insensível que
conheço.
— Mentira, seus amigos são homens insensíveis.
— Você se surpreenderia. — Me lembrei de Ítalo, que não pensou duas
vezes para oferecer sua ajuda profissional.
— Corte a baboseira. — Acenou. — Quem é Valentina?
— Minha funcionária.
— Está transando com sua funcionária? — se inclinou para frente.
Foi impossível impedir meus olhos de se arregalarem.
— O que? Não. — Franzi a testa. — Ficou louca de vez.
— A única coisa que passou por minha cabeça é que você anda se
divertindo com a Valentina.
— Esmeralda, você precisa de ajuda psicológica. — Bufei indignado.
Ela desdenhou.
— Só percebeu isto agora? — questionou. — Já sei disto há anos, mas é a
minha loucura que mantém essa família em pé.
— Isto, eu não posso negar — concordei.
— Então pare de me enrolar, ou vou tentar pensar em outras suposições
sobre a Valentina.
— Ela é vítima de violência doméstica — contei, sabendo que estava
trincando os dentes com raiva.
Minha avó não reagiu por alguns segundos, ficou me encarando como se
tentasse descobrir se realmente ouviu certo. Então, ela franziu as
sobrancelhas, encostou no assento da cadeira e cruzou os braços.
— E o que você pretende fazer?
— Ítalo me fez a mesma pergunta ontem — resmunguei.
— Esse honra o cérebro genial que tem — afirmou arrogante. — O que
vai fazer?
— Já fiz, mas sinto que foi tarde demais.
Ela arregalou os olhos.
— Não me diga que o filho de uma cadela a matou. — Apontou um dedo
no meu rosto.
Estava tão furiosa quanto eu.
— Chegou bem perto disto — cocei a barba. — Fui até ela na noite
anterior e não desisti de vê-la, mas quando consegui... — me calei, incapaz
de afastar as lembranças. — Ele a espancou, feriu e violentou. — Engoli em
seco. — Queria que Valentina tivesse aceitado minha ajuda quando ofereci,
ela não estaria em um hospital agora.
— Não se culpe por isto.
— Foi a imagem mais perturbadora que já via na minha, Iaiá.
— Imagino que sim.
— Por que ela não aceitou minha ajuda? — murmurei.
— Eu não poderia explicar, meu bem. — Esticou e segurou minha mão
livre. — Fui uma mulher feliz por décadas ao lado do seu avó, ele nunca
levantou a voz para mim ou a mão.
— Você o mataria. — Brinquei.
— Sem a menor sombra de dúvidas — afirmou. — Mas entende que cada
mulher é diferente? Que reagíamos de maneiras inimagináveis a cada
situação?
— Sim.
— Eu não posso explicar o porquê Valentina não aceitou sua ajuda, mas
eu tenho certeza de que lá no fundo do coração, ela teria aceitado. — Seus
olhos lagrimejaram. — Acredito que estava não só com medo, mas
apavorada, incapaz de reagir e permitir ser liberta da prisão que sua própria
casa se tornou.
— Se eu soubesse, tivesse a mínima pista de que ela precisava ser liberta,
teria jogado os muros, os portões, as paredes no chão e a levado para um
lugar seguro.
— Eu sei que faria exatamente isto.
Virei o resto do chope e pousei a taça na mesa com um leve baque.
— Merece mais um. — Iaiá sorriu.
— Agradeço.
Ela encheu a taça, colocou na minha frente e se sentou.
— Voltamos a pergunta inicial, o que você vai fazer Benjamin?
Fiquei em silêncio buscando uma resposta para aquela pergunta tão
simples, pelo menos era o que parecia. Se fosse algo referente a importação
de um navio carregado de produtos, dos mais difíceis da alfandega aceitar, eu
saberia o que fazer. Talvez a exportação de peixes de aquários? Era difícil
garantir que todos eles chegariam ao seu destino vivos, depois de ficar
balançando no compartimento de carga de um avião.
Flores, Deus amado, como era difícil garantir que elas chegassem inteiras
e lindas ao seu destino.
No entanto, eu saberia o que fazer em relação a cada um desses
problemas, mas o que eu faria por Valentina?
— Vou dar a ela um lugar seguro — digo sem pensar muito no assunto. —
Um apartamento em um prédio com extrema segurança, um homem para
protegê-la e dirigir seu carro.
— Roupas novas. — Sugeriu Esmeralda.
Ergui uma sobrancelha.
— Produtos de beleza novos, com novos aromas.
— Poderia explicar?
— Não deixe que ela se lembre de nada do que passou. Roupas, perfumes
e até mesmo shampoo pode afetá-la.
— Vou fazer isto.
— Não. — Balançou a cabeça. — Você vai arrumar um apartamento no
seu prédio, liberar um dos seus seguranças e eu, sua mãe e suas tias vamos as
compras.
— Faria isto por alguém que nem mesmo conhece?
Ela sorriu.
— Isto e muito mais, vou mostrar para Valentina o que o nome dela
significa. Valente. Forte. Vigorosa. — Gentileza encheu seu olhar. — E é
mulher, nós somos resistentes.
— Obrigado.
— Não me agradeça, vamos ajudar essa moça. Ela precisa de apoio e
muitos mimos.
Era o que iríamos fazer.
Capítulo Nove
Valentina
O toque suave na porta me fez desviar os olhos da televisão. O homem
com um sorriso bonito e andar imponente, caminhou em minha direção com
um buquê de flores nas mãos.
— Sozinha? — Benjamin franziu a testa.
— Meus pais foram jantar confiando que ninguém passaria por aqueles
dois. — Apontei para o seguranças.
— Eles estavam certos. — Estendeu as flores. — Espero que goste.
— Obrigada, não precisava.
— Acabei de ouvir um longo discurso da minha mãe de que mulheres
gostam de flores, mesmo que vá murchar em no máximo dois dias —
explicou. — Palavras dela, não minhas.
— Ela está certa.
— Eu não diria isto a ela, o ego feminino na minha família é bem inflado.
Dei uma risadinha.
— Ainda assim, agradeça a dica. — Admirei as flores delicadas em belo
arranjo. — São tão bonitas e tem um aroma suave.
— Vejo que gostou.
— Sim, muito! — descansei o buquê no colo, sentindo o braço doer.
— Posso? — perguntou apontando para a beirada da cama, ele queria se
sentar.
— Claro.
— Como se sente?
— Bem.
Seus impressionantes olhos não se desviaram dos meus.
— Com dor, mas bem? — questionou. — Quero saber a verdade — disse
suavemente.
— Sim, os medicamentos foram reduzidos e agora sinto mais meus
machucados do que antes.
Senti minhas bochechas queimarem de vergonha.
— E por dentro, como se sente? — perguntou baixo.
— Ainda não me decidi — murmurei.
Ele me encarou por alguns segundos decidindo o que dizer.
— Entendo, somente lembre-se de que não está sozinha quando se decidir.
— Não vou me esquecer. — Prometi.
— Bom. — Acenou. — Soube que Ítalo esteve aqui.
— Sim, não sei como agradecer tudo o que tem feito por mim.
Ele sorriu de lado totalmente despreocupado.
— Não tem que agradecer, Valentina. — Garantiu. — Somente quero que
fique bem e segura.
Suspirei aceitando sua resposta e decidi falar sobre minha outra
insegurança.
— Ainda terei meu emprego quando sair do hospital? — perguntei
indecisa.
— Tem alguma dúvida a respeito? — franziu a testa. — Por que eu a
demitiria?
— Não sei. — Dei ombros. — Tudo isto que aconteceu é muito
constrangedor — murmurei.
— Não se sinta assim. — Pediu baixo. — É uma mulher forte, linda e
muito capaz. Uma das melhores funcionárias que tive o prazer de contratar.
Gerencia meu departamento de Relações Internacionais com perfeição, sem
contar que ajuda muito em outros setores. Tem alguma dúvida sobre o seu
emprego?
Minhas bochechas estavam quase roxas de constrangimento, mas meu
coração pegou uma batida diferente. Sentia-me orgulhosa de ouvir isto do
meu próprio chefe, dava-me a sensação de dever cumprido.
— Não — respondi, sabendo que um sorriso surgiu em meus lábios.
— Bom, então, fique boa e volte ao trabalho. — Se levantou abotoando o
terno.
Nossa atenção se voltou para a entrada dos meus pais. Minha mãe sorriu
abertamente ao ver Benjamin, mas meu pai manteve a expressão neutra.
— Devem ser os pais de Valentina, Fatima e Paulo, sou Benjamin Daslow.
— Ofereceu sua mão e meu pai a apertou.
— Que bom conhecê-lo — disse minha mãe antes de abraçá-lo.
— O prazer é todo meu. — Garantiu ele. — Peço desculpas, mas já estava
de saída.
— Eu o acompanho. — Ofereceu papai.
Enruguei o nariz, não era uma boa ideia.
— Seria ótimo. — Benjamin acenou e me encarou. — Tem previsão de
saída?
— A médica decidiu me deixar aqui por mais dois dias. — Revirei os
olhos. — Ela quer garantir que eu fique de repouso.
— Bom, nos vemos depois.
Assim que eles saíram, minha mãe arregalou os olhos.
— Não me disse que ele era um gato. — Acusou rindo.
— Deveria?
— Claro que sim! E ainda lhe trouxe flores.
— São lindas, não é? — me aconcheguei no travesseiro.
— Muito. — Me olhou com atenção. — Se sente bem?
— Estou com dor, não sei dizer onde dói menos — confessei. — Talvez
eu deva dormir um pouquinho.
Os olhos dela brilharam com tristeza. Suspirei sentindo minha culpa
aumentar.
— Vou ficar bem — prometi.
— Eu sei que vai, querida, estarei aqui para qualquer coisa que precisar.
— Eu te amo, mãe.
— Eu te amo mil vezes mais. — Ela garantiu.
Fechei meus olhos e suspirei alto, tentei relaxar os músculos e dormir por
mais algumas horas.
...
Benjamin
Acenei para Alex sair do caminho e permitir que eu caminhasse ao lado do
pai de Valentina. O homem era bom em deixar outro ansioso. Não imaginei
que fosse tão alto quanto eu e nem que tivesse a habilidade do silêncio.
Chegamos no elevador e ele não havia aberto a boca. Apertei o botão e
aguardei. Assim que as portas se abriram acenei que deveria entrar, o segui e
antes que se fechassem, Alex entrou. Ele ficava longe somente quando podia
colocar os olhos em mim, depois de fazer minha segurança desde que era um
jovem cheio de testosterona, nunca me deixou preso em um elevador com um
desconhecido.
Não que eu não pudesse me defender, mas ele era um protetor.
— Não sou bom em silêncio, senhor Paulo — digo afrouxando a gravata e
a tirando. — Ainda mais depois do dia infernal que tive.
Depois de beber duas taças com Iaiá, fui em casa tomar um banho e corri
para o hospital visitar Valentina. Agora, tudo o que eu mais queria era me
deitar e tentar desesperadamente descansar.
— Não sei por onde começar.
— Pelo que é mais importante, ou pelo começo. — Dei de ombros. —
Você decide.
— Obrigado.
O encarei com as sobrancelhas franzidas.
— Não a ajudei para ter sua gratidão, faria qualquer coisa para ajudar, não
importa quem seja.
Ele acenou concordando.
— Sabe onde eu encontro esse tal de Axel? — perguntou.
— Não.
— Tem certeza? — ele nem escondeu a ameaça da voz.
Alex ficou tenso achando que Paulo seria um perigo para mim.
— Claro que tenho — afirmei. — Não sou bom de mira, mas tenho ótimos
punhos. Estaria preso agora se aquele verme tivesse entrado na minha frente.
— Eu tenho uma mira excelente. — Garantiu arrogante.
— Bom.
— Quero que me conte tudo o que aconteceu — pediu.
As portas se abriram, mas eu não me movi.
— Não vou te contar — digo.
O homem franziu a testa e pareceu furioso.
— Eu exijo que me conte tudo o que aconteceu!
— Não vou contar, Paulo, o que sua filha sofreu nas mãos daquele
monstro é algo que machucaria muito um pai — digo baixo. — Se ela quiser
te contar, tudo bem. Se você quiser procurar os médicos que a atenderam, o
problema é seu. Mas eu, como homem, um homem criado por mulheres,
nunca iria conseguir viver sabendo o que aconteceu com Valentina.
— Você sabe. — Acusou ele.
— Sei sobre uma noite e isto tem me atormentado desde o momento em
que eu a encontrei gravemente ferida no chão da própria casa — digo com
gentileza. — Você não vai querer saber o que ela passou essa noite e muito
menos nos últimos meses. — Segurei seu ombro. — Não sou pai e não faço
ideia do que está sentido, mas não se torture com os fatos. Somente volte para
aquele quarto e dê a Valentina todo o amor que ela está precisando.
Afastei minha mão.
— Vou levá-la de volta para casa — disse ele.
O encarei sem saber como me sentia a respeito.
— Gostaria de usar o elevador — disse um homem do lado de fora.
— Pegue o outro — ordenou Alex.
O pai de Valentina parecia certo de que deveria levar a filha embora, eu
não discordava. Talvez faria o mesmo, mas a situação era outra.
— Acredito que deva perguntar a ela — aconselhei.
— Não concorda?
— Pelo contrário, eu faria o mesmo — afirmei. — Arrastaria minha filha
para casa e a colocaria em uma bolha de vidro. — Assumi. — Mas você não
acha que o direito de escolha dela já foi tirado o suficiente? Pergunte a ela o
que quer — digo sério. — Se escolher ficar eu vou garantir a segurança dela.
— Prometi. — Foi um prazer conhecê-lo, mas eu preciso ir.
Ele acenou e eu saí sem olhar para trás, precisava encerrar esse dia. Essa
semana. Sabia que era uma esperança idiota, eu não me esqueceria com
facilidade tudo o que aconteceu.
Capítulo Dez
Valentina
Tentei ignorar meu nervosismo enquanto encarava Ítalo sentado na
poltrona a minha frente. Ele tinha um olhar calmo, mas cheio de esperteza.
Parecia não ignorar um único detalhe, no entanto, não demonstrava com
facilidade o quão atento estava.
— Entendo que não saiba como reagir a isto — disse tranquilo. — Mas
não vamos direto ao ponto. Estou aqui para conversarmos. Quero conhecer
você, entendê-la e ajudá-la da melhor forma possível.
— Tudo bem, só é... estranho.
— Claro que é, falar com um desconhecido sobre sua vida pessoal é algo
estranho.
— Você é um homem muito lógico.
— Nasci com esse peso — disse com tanta tranquilidade que me
surpreendeu.
— Por que seria um peso?
— História longa. — Franziu a testa. — Nem todos aceitam a lógica com
clareza.
— Não vejo problemas com a lógica.
— Verá quando perceber que ela não é tão sensível quanto as pessoas
esperam — retrucou. — Mas não estou aqui para falarmos de mim, me conte
sobre você.
— O que quer saber?
— Lembra da sua infância?
— Claro! — acenei.
— Conte-me um pouco sobre isto.
Relaxei nos travesseiros da cama ignorando a dor pulsante em meu ombro.
— Meus pais ainda moram na mesma casa — contei e fechei os olhos. —
Duas quadras da praia, eu vivia lá. Curtindo a areia quente e aroma do mar.
— Sorri aproveitando algumas memórias. — A água era morna no final da
tarde e muito gelada ao amanhecer, mas não importava o horário, sempre
queria estar lá.
— Sozinha ou com amigos?
Abri os olhos e o encarei sem esconder o sorriso.
— Amigos. — Acenei. — Um grupo de seis crianças, tínhamos pouca
diferença de idade e éramos muito bons em aprontar.
— Acredito que sim. — Nenhuma emoção passou por seu rosto. — E a
escola?
— Fui a primeira da turma, líder de torcida e ganhei a Olimpíadas de
Matemática.
— Parece orgulhosa.
— Claro que sim, foram ótimos anos. Aproveitei todas as fases da minha
vida. — Me senti nostálgica. — O baile da escola foi melhor do que poderia
imaginar, Jack, minha paixão da adolescência, dançou comigo a noite toda.
Me fez sorrir, trouxe-me bebidas e ainda deu meu primeiro beijo. — Ri
baixo. — Foi a coisa mais nojenta que fiz na vida.
Ítalo pareceu mais interessado, um sorriso dançava em seus lábios.
— Pode rir. — Dei de ombros. — Nunca imaginei que um beijo pudesse
ser tão meloso.
— O beijou novamente?
— Não! — exclamei rindo. — Eu não queria correr o risco de me sentir
ser beijada por um molusco de novo.
Desta vez Ítalo não se segurou, inclinou a cabeça para trás e gargalhou.
— Não pode ter sido tão ruim.
— Oh, foi, espero que ele tenha aprendido a beijar depois daquele fiasco.
— Eu também. — Riu. — E a faculdade? — questionou.
— Passou em um piscar de olhos, muitas provas e trabalhos. Não tive
muito tempo para curtir, precisei estudar muito para concluir. — Desviei o
olhar.
— Diga-me o que está pensando — pediu em um tom baixo. — Claro, se
você se sentir confortável.
Fiquei em silêncio encarando um ponto qualquer na parede do fundo do
quarto. Meu coração pareceu murchar com as sensações que estava
experimentando. Algo que já havia sentido antes, mas nunca compartilhei
com outra pessoa. Um sentimento que gostaria de guardar pra mim, no
entanto, aquelas emoções foram causadas por Axel e eu não queria dar a ele o
gosto de continuar me controlando.
— Eu era uma mulher incrível — murmurei. — Com muito amigos,
determinada e sempre muito alegre. — Soltei um longo suspiro. — E olhe
agora para mim, veja o que me tornei.
— Estou olhando.
A resposta de Ítalo me deu coragem para encará-lo. Ele mantinha aquele
olhar calmo, inteligente, atento a cada detalhe. Não havia hesitação em seus
bonitos olhos verdes, nem mesmo em sua postura.
— Temos opiniões diferentes sobre a mulher que você se tornou —
afirmou. — Você vê através dos sentimentos duros e crus que a afligem nos
últimos meses. Eu vejo, uma sobrevivente, uma mulher forte, firme, pois para
passar por tudo o que você passou e continuar de pé, não tem como ser
diferente.
— Não sei se acredito em você — contrapus. — Posso estar de pé, mas
totalmente quebrada.
— É nesse momento que eu entro. — Inclinou-se para frente. — Meu
trabalho é mostrar a você como se manter, como colocar as peças quebradas
no lugar. Estarei aqui para discutirmos o que quiser, o que precisar, até que
tenha a sua confiança de volta. — Seu olhar ficou mais determinado. — Até
que entenda e reconheça a força que existe dentro de você.
— Nunca mais serei a mesma.
— Verdade, não será. — Acenou tranquilo. — A cada dia que se passa, a
cada coisa que enfrentamos e superamos, nos tornamos uma pessoa diferente.
Basta saber que tipo de mulher você quer ser.
— Eu quero superar... ter o controle da minha vida de volta.
— Então, será isto que vai ter — afirmou ele. — Estou aqui para te ajudar,
vamos ter sessões de segunda a segunda se precisar, colaremos todos os seus
pedaços e vamos te devolver o controle.
Lágrimas encheram minhas pálpebras e se derramaram em minha
bochecha.
— Obrigada — murmurei limpando o rosto.
Ele me olhou com gentileza.
— Não me agradeça, eu sou o único grato, mesmo depois de tudo o que
sofreu, confiou em mim para ajudá-la.
— Eu não odeio os homens.
— Deveria.
Aceitei aquele fato. Não os odiava, afinal, foram homens que me salvaram
da morte certa e humilhante no chão frio do meu apartamento.
— Apesar do medo, entendo que nem todos são iguais. — Dei de ombros.
— Não posso generalizar.
— Uma lógica admirável.
Acabei rindo.
Ele não escondia sua preferência pela coerência. Se levantando, abotoou o
terno e deu um passo à frente.
— Por hoje, já falamos suficiente. — Sorriu. — Vejo você amanhã.
Franzi a testa.
— Amanhã é domingo.
— Estou ciente, mas ainda assim estarei aqui no mesmo horário.
— Obrigada.
— Se cuide. — Acenou.
— Eu vou — concordei. — Ítalo, percebi que não fez nenhuma anotação.
— Não preciso, minha mente é uma coisa incrível.
— Arrogante. — Brinquei.
Ele deu de ombros.
— Desde o momento em que cheguei, você arrumou seu cabelo nove
vezes, comeu o cantinho de suas unhas do dedo indicador e polegar esquerdo
e desviou o olhar em sete momentos.
Nem preciso dizer que eu estava surpresa de que ele estivesse contando
tudo o que fazia. Precisei de alguns segundos para pensar em uma resposta.
— Exibido também.
— É o que dizem. — Sorriu. — O que importa é que sou bom.
— Vá logo! — bufei.
Ele piscou e saiu.
Acomodei os travesseiros olhando o movimento do hospital pela parede de
vidro. Apesar de me sentir segura e confortável, estava começando a ficar
impaciente de estar presa ali. No entanto, não queria ir para casa, o que me
deixava em um grande impasse.
Minutos depois da saída de Ítalo, meus pais voltaram com um olhar
preocupado. Segurei um suspiro, eu os amava muito, mas sentia-me terrível
ao presenciar a aflição deles.
— Estou bem — afirmei antes que eles perguntasse.
— Sabe que não precisa mentir para não nos preocupar, não é? —
questionou meu pai.
— Eu sei.
Minha mãe se sentou ao meu lado e segurou minha mão.
— Então, qual é o problema querida?
— Nenhum.
— Foi bom conversar com o psicólogo? — questionou meu pai.
— Acho que sim, não tenho muita certeza ainda.
— Essas coisas levam tempo, Paulo — disse minha mãe com suavidade.
Ele acenou concordando e suspirou, eu queria muito saber o que pensava,
mas entendia que era melhor não. O que me entristeceu um pouco mais, era
saber que aquela situação não melhoraria tão cedo. E tudo aquilo era minha
culpa. Ao aceitar todo o abuso imposto por Axel, acabei ferindo meus pais.
— Você quer ir embora com a gente? — perguntou meu pai. — Voltar pra
casa?
Eu queria?
Apesar do medo de ficar sozinha novamente naquela cidade, não queria ir
embora. Sentiria como se estivesse fugindo de algo que deveria enfrentar.
Apesar do grande pavor em ficar, eu estava torcendo para que valesse a pena
o risco. Precisava da minha vida de volta.
Cheguei abrir a boca para responder, mas um grupo de mulheres bateu na
porta de vidro. Estranhei o fato de que os seguranças não se importaram com
a presença delas e permitiu que entrassem. Foi fácil ver que o grupo de seis
mulheres era controlado pela mais velha que usava cabelo bem curto e
jaqueta de motoqueiro.
— Desculpe incomodar, Valentina, mas queríamos vir dar o nosso apoio
— disse ela.
Franzi a testa.
— Hm... eu as conheço?
— Oh, nos desculpe, querida — disse uma delas com um sorriso gentil. —
Sou Emília Daslow, essa é minha mãe, Esmeralda e minhas irmãs. —
Apontou para as mulheres sorridentes. — Fernanda, Ilda, Joana e Mônica.
Fiquei surpresa e nada impediu minhas bochechas de ficarem quentes de
vergonha. Benjamin contou para a família o que aconteceu comigo. Aquela
situação continuava a piorar.
— Não fique assim — disse Esmeralda. — Benjamin não saiu por aí
falando sobre sua vida, mas nós somos mulheres controladoras e sabemos
cada passo que os homens da família dão.
— Nada escapa da gente — afirmou Joana.
— E apesar das mulheres dominarem, só parimos homens. — Bufou Ilda.
Rindo, balancei a cabeça concordando.
— É um prazer conhecê-las — digo. — Esses são meus pais, Fátima e
Paulo.
Se cumprimentaram e a mãe de Benjamin se aproximou, fazendo-me notar
as flores em suas mãos.
— Espero que goste.
— É muito gentil da sua parte, não precisava.
— Claro que precisava — disse Esmeralda. — Adoro as flores, apesar de
murchar. — Deu de ombros. — Eu teria trazido mais, porém, não queríamos
encher seu quarto.
— Já fizemos isto. — Mônica disse rindo.
— Agradeço a atenção de vocês com minha filha. — Minha mãe disse.
— Não agradeça, é de coração — afirmou Emília.
— E além do mais, Valentina, viemos pra te dar apoio — disse Ilda.
— E você não deve se sentir mal por causa de um idiota. — Bufou
Esmeralda. — Bando de idiotas machistas, inúteis. — Olhou para o meu pai.
— Não se ofenda.
— Não se preocupe — respondeu ele rindo.
— Mas é tudo verdade, os homens desta geração não servem pra nada. —
Desdenhou irritada. — Eu tenho vontade de socar a cara desses babacas e
quebra-lhes os dentes.
— Mamãe! — exclamou Fernanda.
— É por isto que ela vai morrer sozinha — disse Mônica.
— Como se eu me importasse, no caixão só cabe um — retrucou
Esmeralda.
Gargalhei.
— Desculpe minha mãe — disse Emília e franziu de leve a testa. — E
irmãs.
— Tudo bem.
— Não vejo motivo para desculpas — protestou Esmeralda.
— Mamãe, se comporte. — Emília repreendeu.
— No dia que isto acontecer, será o Apocalipse. — Joana murmurou.
— Ela dominará o Apocalipse. — Brincou Fernanda.
Todos em meu quarto riram, era impossível se segurar. Agora entendia o
que Ítalo queria dizer quando se referia a Benjamin Daslow como “Um
homem criado por mulheres”.
Elas claramente mandavam na família.
— O que está acontecendo aqui?
A voz dele vindo da porta não surpreendeu sua família, mas eu estava
espantada com sua presença.
— Precisei sair de uma reunião depois que meu pai me avisou que as
senhoras estariam invadindo o hospital. — Franziu a testa. — Valentina
precisa descansar — cruzou os braços. — E vocês falam demais.
Esmeralda me encarou com uma sobrancelha erguida.
— Viu o que eu disse? Merecem ter os dentes quebrados. — Suas filhas
concordaram.
Rindo, acenei.
— Eu não faria isto, ele tem sido muito gentil comigo.
— Os criamos bem — afirmou Emília orgulhosa.
Benjamin balançou a cabeça, mas sua boca estava pressionada em uma
linha firme. Deu um aceno de cumprimento para meus pais e me encarou.
— Peço desculpas pela invasão, Valentina.
— Não se preocupe, foi divertido. — Dei de ombros.
— Imagino que sim. — Sorriu. — Melhor?
— Sim — respondi sem conseguir desviar meus olhos dos dele.
Eram incrivelmente hipnotizantes.
— Bom, vou levá-las para que possa ter um pouco de paz.
— Está dizendo que tiramos a paz dela? — Esmeralda questionou.
— Quer mesmo que eu responda Iaiá? — cruzou os braços.
— Olhe como fala comigo menino, eu troquei suas fraldas. — Apontou.
— E nada de chope para você — ameaçou.
— Chope? — Mônica perguntou interessada.
Benjamin sorriu.
— Não se atreva! — Esmeralda ameaçou, havia algo que somente os dois
sabiam.
— Ela colocou um barril de chope na cozinha, deviam ir lá experimentar.
— Ele contou.
— Chope? — suas tias perguntaram juntas.
— Fiquei interessado. — Meu pai brincou.
Benjamin o olhou.
— Muito bom, mandei arrumarem um para mim.
— Seu cretino! — Esmeralda xingou. — É só meu.
— O sabor é maravilhoso. — Benjamin provocou.
— Você bebeu o chope da Iaiá primeiro do que a gente? — Fernanda
questionou.
— Sim! — sorriu satisfeito. — Agora devemos ir.
Elas protestaram, mas fizeram o que ele pediu. Se despediram e saíram
conversando sobre o chope que Esmeralda estava escondendo. Somente
Benjamin e sua mãe permaneceram.
— Qualquer coisa que precise, é só me chamar. — Ofereceu Emília. —
Hoje em dia, me envolvo muito pouco com os assuntos da empresa. —
Sentou ao meu lado na cama. — Gosto de aproveitar meu tempo com meu
marido, Olavo, e deixar que Benjamin administre tudo aquilo que passamos
nossa vida construindo. Mas eu o ensinei bem, tenho fé nisto e me orgulho.
— Sorriu. — Você não é somente mais uma funcionária, é parte da família
Daslow Global. E como mulher, gerente, líder, deve se orgulhar da posição
que tem em nossa empresa. — Segurou minha mão com suavidade. —
Passou por um inferno, mas quero lembrá-la da mulher incrível que é. Uma
pessoa fraca não conseguiria. Você é inteligente, astuta, forte. Não preciso
conhecê-la pra saber. — Sorriu. — O fato de meu filho lhe dar a
oportunidade de gerenciar um departamento tão importante como o de
Relações Internacionais, mostra o quão guerreira é, dominando em um
ambiente onde os homens mandam.
Precisei engolir fortemente para não deixar minhas lágrimas saírem.
Sentia-me emocionada com aquele inesperado apoio.
— Obrigada! — consegui murmurar.
— Fique boa e volte logo para o trabalho. — Sorriu. — Se decidir ficar,
espero que goste o que eu e minha família preparamos pra você.
— Poderia me contar?
Curiosidade me encheu.
— Oh, não. — Riu e se levantou. — Gosto de manter segredo sobre as
surpresas, mas acredite, fizemos tudo com muito carinho e não esperamos
nada em troca. — Inclinou e beijou meu rosto. — Melhoras.
— Obrigada — digo.
Ela acenou e se despediu dos meus pais enquanto meus olhos não se
desviavam dos de Benjamin, havia algo sobre ele que me chamava mais
atenção do que entendia.
— Espero que fique — disse ele baixo. — Te vejo amanhã.
Balancei levemente a cabeça concordando e fiquei quieta os vendo partir
estranhando que meu coração batesse um ritmo diferente, ansiando pelo
retorno dele.
Capítulo Onze
Valentina
Eu estava começando a odiar o olhar esperto de Ítalo, o homem parecia ser
capaz de ler mentes e isso me irritava.
— Diga-me logo o que está lhe incomodando. — Insistiu ele.
— Você não tem nada pra fazer em pleno domingo além de trabalhar? —
questionei, tentando não me frustrar por não poder cruzar os braços.
— Não — respondeu sem se afetar. — Prefere que eu faça suposições?
— Não se atreva.
— Então, me conte.
— Não.
— Sei que recebe alta amanhã de manhã. — Me olhou com atenção. —
Está com medo de sair?
— Sem suposições, Ítalo.
— Entendo se estiver com medo, é uma reação lógica.
— Não me venha com essa coisa de lógica — resmunguei.
— E esta é somente nossa segunda sessão. — Riu.
— Está me irritando de propósito. — Acusei.
— Não sei do que está falando. — Se fez de idiota. — Mas quero saber o
que a incomoda, assim poderei ajudá-la.
Suspirei, estava começando a perceber que a lógica o fazia ganhar as
discussões.
— Quando isto for realmente algo, prometo compartilhar com você.
— Já é algo — retrucou.
— Não o suficiente para se importar.
— Nada é tão insignificante assim, Valentina, tudo o que sentimos é
importante.
— E onde os sentimentos entram na lógica? — provoquei.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Apesar de não concordar, a lógica e a emoção fazem parte de um
indivíduo em todo — explicou calmamente. — Segundo Antônio Damásio, a
lógica se constrói sobre emoções, sensações e o amadurecimento dos
sentimentos. Então, sim, pelo que parece os sentimentos entram na lógica.
— Mesmo que não concorde.
— Sim.
Ele nem mesmo parecia afetado ao assumir.
Insuportavelmente irritante.
— Não importa, não vou dizer.
— Então, sobre o que quer falar hoje?
— Eu não sei.
— Assumo que estou curioso pra saber o que está te incomodando, mas
também quero descobrir outras coisas.
— Quais coisas?
— Como o conheceu?
Precisei de alguns segundos para entender que ele estava falando de Axel.
Não sei como, mas parecia que meu rosto havia ficado pálido.
— Entendo que seja cedo demais para falar sobre o assunto, mas fugir dele
não nos levar a lugar nenhum.
— Percebo. — Desviei o olhar.
Ítalo não disse mais nada, no entanto, eu sabia que ele somente aguardava
pacientemente que eu começasse a falar.
Queria fugir do assunto, esquecer cada segundo dos últimos meses e
seguir em frente sem olhar para trás. Aquele pesadelo era algo que não
gostaria de reviver. Todo meu bom humor se foi em segundos, permitindo
que a dor nublasse meus olhos.
— Em um bar, meses atrás.
— E o que aconteceu?
Não o encarei.
— Foi gentil comigo — contei. — Me chamou de linda e ofereceu uma
bebida. As colegas que me acompanhavam me incentivaram a aceitar e eu
não vi nada demais.
— Onde estão essas colegas?
Não perdi a ironia em sua voz.
— Eu não sei, não falei mais com elas desde a noite em que conheci Axel.
— Ele a impedia de conversar com suas amigas?
O encarei, percebendo que trocou a palavra colega por amigas.
— Pelo menos você me encarou. — Deu de ombros, mostrando que estava
me testando. — Eram suas amigas, não é?
Desviei o olhar novamente.
— Dançamos a noite toda — digo sem responder suas perguntas. —
Estava tão feliz que acreditei que aquela poderia ser minha primeira noite de
sexo casual. — Dei de ombros. — Nunca fui pra cama de um homem sem
antes o conhecer, me apaixonar, ou pelo menos ter uma quedinha. — Suspirei
alto. — Achei que deveria me arriscar um pouco.
— Ainda tem coragem de se arriscar?
O ignorei novamente.
— Com apenas alguns dias, ele me fez sentir especial. Foi amoroso, gentil,
e eu me enganei mais uma vez ao acreditar ter me apaixonado. — Esfreguei a
têmpora sentindo uma dor de cabeça se formar. — Assumir aquele
sentimento foi o gatilho para a possessão dele. — Engoli em seco. — O
primeiro tapa veio quando conversei com um de seus colegas de trabalho em
uma confraternização que me levou. Não tínhamos nem quinze dias juntos...
e sua mão se chocou tão forte em meu rosto que meu lábio se rompeu. —
Precisei me calar por um momento. — De alguma forma, Axel, acreditou que
eu o envergonhei. Ele pediu desculpas, cuidou do meu ferimento e prometeu
nunca mais me agredir.
Sem poder controlar, me encolhi um pouco mais na cama. As lembranças
eram cruéis, mesquinhas e sem a menor compaixão.
— Não precisa me contar tudo, Valentina. — Ítalo disse com suavidade.
— Vamos por partes, sem pressa. Somente, não iremos deixar para lá.
Limpei a lágrima que desceu em minha bochecha e o encarei. Se tínhamos
que falar do assunto, que fosse de uma vez. Não queria ficar remoendo aquela
história.
— Tudo se tornou motivo para que ele me agredisse — confessei. —
Ligações, a forma que me vestia, os homens que eu supostamente olhava na
rua, os motivos pelos quais me maquiava, até mesmo quantas vezes eu falava
com meu pai — digo baixo. — Qualquer coisa era motivo. Seus olhos
ficavam selvagens pela ira e ele se descontrolava, a única a sofrer com isto
era eu, meu corpo.
— E sua mente — completou ele.
Fechei os olhos.
— No início, eu só tinha medo. — Admiti. — Entendi que aquilo não era
amor, era loucura, mas cada dia que se passou ficou mais difícil terminar
aquele relacionamento. — Suspirei. — De alguma forma, o medo me
prendeu a ele. Era tão agressivo, machucava-me duramente e ... me
ameaçava. — Estremeci. — Me mataria e até mesmo a minha família se eu
ousasse abandoná-lo. — Encarei o psiquiatra. — Os meses se passaram,
minha determinação não era mais tão resistente, assim como meu corpo. Eu
já não ligava mais de ser feia e que nenhum outro homem fosse me querer,
não importava em ser burra, inútil ou qualquer outra coisa que ele me
acusava. — Engoli em seco. — Mas meu corpo... já não aguentava mais. Eu
precisava lutar para mantê-lo em um só pedaço, se não, Axel me destruiria.
— Você lutou — afirmou ele, sério.
— Sim, terminei nosso namoro várias vezes. O pedia pra sair, ele sempre
ia com a promessa de voltar, mas não antes de me destruir novamente. — As
lágrimas escorreram em meu rosto. — Quebrava minha determinação, feria
meu corpo e tirava toda a minha dignidade.
— Levará tempo, mas se levantará novamente. — Prometeu firme.
— Eu não entendo o que fiz de errado para que merecesse ser tratada
assim, Ítalo — murmurei rouca com a confusão de emoções presas dentro de
mim.
Ele me encarou com os lábios pressionados em uma linha firme. Um
músculo saltava em sua mandíbula e seus olhos estavam mais sérios do que o
normal.
— Não era sobre você, Valentina. — Inclinou para frente. — Era sobre
ele. Axel precisava destruir sua força para alimentar a covardia dele. Ele é
fraco, covarde. Ele te diminuía para crescer em sua fraqueza. — Franziu a
testa. — Não era sua culpa, não é sua culpa. — Se corrigiu. — Não é errado
conversar com pessoas em uma festa, ou você ter quantas amigas quiser,
vestir o que achar adequado e o que gostar. — Sua expressão suavizou. —
Não é errado se maquiar, usar joias e se perfumar. É uma mulher linda e
mesmo que não fosse, ninguém deveria julgá-la ou proibi-la de fazer o que
gosta, de se cuidar.
— Não está sendo gentil — murmurei.
— Não, não estou. — Acenou. — Estou dizendo somente aquilo que
acredito ser o certo e lógico — afirmou. — Você é dona do seu corpo e
ninguém tem o direito de lhe tirar isto. Tirar sua liberdade, seu poder de
escolha ou de dizer um simples não.
— Eu pensava a mesma coisa meses atrás — resmunguei.
— Vamos trabalhar sobre isto, até que entenda que nada do que aconteceu
foi sua culpa — disse sério. — Irá voltar a acreditar na sua liberdade, como
meses atrás.
Acenei concordando e internamente orei a Deus para que ele estivesse
certo, pois eu precisava ser livre.
Capítulo Doze
Benjamin
Minha mente estava vagando longe enquanto observava meus amigos no
tatame. Ryan e Leo praticavam kickboxing, a competição era quase injusta, já
que Leo levava a maior pelo seu tamanho. O homem não saia facilmente de
dentro de uma academia.
Por sorte do destino, ou minha, Ítalo não apareceu hoje e eu tenho certeza
de que ele estava trabalhando em pleno domingo. Se estivesse ali, naquele
momento, estaria me analisando e tentando descobrir tudo o que acontecia
em minha mente.
Meus advogados e investigadores estavam sem nenhuma pista do verme
chamado Axel. Queria tanto colocar minhas mãos sobre ele, fazê-lo pagar por
cada machucado que ele infligiu a Valentina, mas o homem sumiu do mapa.
Segurei um suspiro ao pensar em seu nome. Como disse Iaiá, um nome
forte. Igual à dona, pensei.
Entranhei quando comecei a desejar que os dias se passassem mais rápidos
para que ela retornasse ao trabalho. Admiti silenciosamente que gostava de
invadir o seu escritório e conversar por horas sobre negócios. Sua voz era
suave e ao mesmo tempo tão decidida que me fazia querer voltar.
Eu não entendia o que estava acontecendo, só que aquela ansiedade não
era algo comum.
— Queria tanto saber o que ele está pensando — disse Ryan estalando os
dedos na frente dos meus olhos.
— Idiota — resmunguei.
— Quem diria que eu desejaria que Ítalo estivesse aqui para desvendar,
Ben — Leo brincou.
— Nunca imaginei que aquele sabichão faria falta. — Ryan provocou.
— Nem eu. — Leo concordou.
Bufei.
— Vou fazer questão de contar para ele de como vocês estão com
saudades — digo e cruzo os braços.
Rindo, Leo se sentou do meu lado.
— Qual é o problema?
— Nenhum.
— É sobre Valentina. — Ryan disse.
Franzi a testa para ele.
— Pode ser que eu tenha tentado tirar algumas respostas de Ítalo. — Deu
de ombros.
— Deveria ter nos chamado — afirmou Leo. — Iria amar socar um idiota,
além do Ryan, claro. — Riu.
— Babaca! — Ryan resmungou.
— A polícia já o encontrou? — Leo perguntou.
— Não.
— Quem está cuidando do caso dela? — ficou sério.
— Minha equipe de advogados.
— Vou enviar a doutora Ellen Hallas, ela é especialista em casos de
violência doméstica.
— Agradeço. — Acenei. — Não tive muito tempo para pensar em todos
os detalhes, somente mandei meus advogados.
— Eu imagino — disse Ryan. — Queria poder socar esse idiota também.
— Entre na fila — murmurei.
— Apesar de toda raiva e agressão, lembre-se de nunca demonstrar isto
perto dela. — Aconselhou Leo. — Controle-se.
Acenei.
— Os policiais estiveram lá hoje, colheram seu depoimento, junto com os
advogados.
— Por que não foram antes? — perguntou ele.
— Valentina estava tão ferida que pedi para que esperassem.
— Você exigiu. — Ryan me corrigiu.
Leo fez uma careta.
— Sabe que não pode ficar fazendo isto, você é um empresário renomado
e importante. — Me repreendeu. — Não deveria sair por aí exigindo coisas
da polícia como se tivesse o direito.
— Só queria que ela estivesse um pouco melhor para enfrentar um
depoimento. — Me defendi.
— Ainda assim, não deveria ter feito — disse sério.
Me segurei para não bufar, sabia que ele estava certo, mas de que serviria
ter todo o poder que tenho e não poder fazer nada.
— Mande sua advogada, quero que Valentina esteja bem acompanhada a
todo o tempo. — Levantei pegando minha toalha no banco. — Nos vemos
depois, tenho coisas para fazer.
— Queria descobrir a fonte do seu recente mau humor. — Ryan me
provocou.
— Vá cuidar da sua vida — retruquei.
— Somente Ítalo pode cuidar da nossa vida. — Leo brincou.
Saí da sala ouvindo as gargalhadas dos meus amigos.
...
Horas depois eu estava de volta ao hospital, parei na frente da parede de
vidro do quarto onde Valentina estava deitada. Soube que seus pais haviam
ido dormir no hotel ao lado, confiando de que meus seguranças protegeriam
sua filha.
Eu deveria ter ido mais cedo, mas algo me impediu. Reconheço que me
senti um covarde, no entanto, não me deixei quebrar uma promessa. Havia
dito que iria vê-la e ali estava eu, quase meia noite de domingo.
A luz dentro do quarto era fraca, o que não me permitia vê-la direito.
— Alguma novidade? — perguntei aos seguranças sem os encarar.
— Nada além da visita dos investigadores e advogados.
Eu sabia da resposta, mas ainda assim gostaria de ouvir mais uma vez.
Alex, alguns passos atrás de mim, já havia me informando. Sei que não
deveria, mas também dei um jeito de ter acesso a todas as câmeras de
segurança do hospital. Depois de um pouco de persuasão, garanti que todos
estivessem atentos. Assim, manteria o controle sobre qualquer ameaça contra
Valentina.
Vi que ela se movimentou na cama de forma agitada. Franzi a testa,
tentando imaginar o que poderia estar acontecendo. Valentina se agitou
novamente, aflita em seu sonho.
Ergueu os braços, mesmo o imobilizado, como se precisasse se proteger
de alguma coisa, ou melhor, de alguém. Apressei em abrir a porta deslizante e
corri para dentro quando ela gritou.
— Valentina — chamo-a.
— Por favor, vá embora — choramingou.
— Valentina, acorde. — Insisti. — Sou eu, Benjamin.
Seus olhos se abriram, me tirando o ar com o pavor estampado neles.
— Sou eu, Benjamin.
— Benjamin? — sussurrou.
— Sim, você está segura.
Ela fechou os olhos e respirou fundo. Sabia que não deveria tocá-la, mas o
impulso de confortá-la foi mais forte do que minha vontade de ouvir a razão.
Sentei ao seu lado e a abracei.
— Está tudo bem — murmurei. — Foi somente um pesadelo.
Valentina acenou levemente com a cabeça aceitando o conforto dos meus
braços.
— Você está segura. — Voltei a repetir.
— Obrigada! — gemeu de dor.
Afastei-me rapidamente querendo saber o que estava sentindo.
— O que foi?
— Meu braço — resmungou.
— Você o forçou enquanto sonhava.
— Pesadelo. — Me corrigiu. — Enquanto tinha um pesadelo.
— Fique quietinha, vai aliviar a dor — digo sentando um pouco mais
longe, queria dar a ela espaço. — Mas se quiser posso chamar uma
enfermeira para lhe dar algum remédio.
— Estou bem. — Suspirou. — Chega de remédios.
— Tem certeza?
— Sim, eles me fazem dormir demais.
— E você gosta de estar sempre em alerta — completei.
— Quem não gosta?
— Está certa. — Ri.
— Obrigada.
— Pelo que? — perguntei confuso.
— Por me acordar.
Queria dizer a ela que não precisava agradecer, mas entendi que lá no
fundo, Valentina desejava ser grata.
— De nada.
— O que faz aqui tão tarde?
— Disse que vinha lhe ver.
— Quando estou dormindo não vale.
— Peço desculpas, não pude vir antes.
— Trabalho?
— Sempre. — Acenei.
— Deveria conseguir alguns dias de folga.
— Tenho meus momentos. — Dei de ombros.
— Conte-me sobre o último contrato, como foi a reunião?
— Não deveria descansar?
— A coisa que mais fiz desde sexta-feira, foi descansar.
— Algo bem merecido, seu corpo precisa de repouso.
— Eu sei, mas ainda assim é frustrante.
— Não deveria falar de trabalho. — Tentei insistir.
— Você é meu chefe, sempre quer falar de negócios. — Brincou.
Seu sorriso foi o que me convenceu a falar sobre a última reunião. Achei
fascinante o olhar atento dela, enquanto me ouvia declarar cada passo do que
aconteceu durante a negociação.
E assim, passamos horas conversando sem nem mesmo se preocupar com
o tempo. Fui embora no minuto em que seus olhos se fecharam pelo cansaço.
Fiquei por tempo suficiente para ter certeza de que ela não teria outro
pesadelo.
Capítulo Treze
Valentina
A sensação de poder ir para casa era maravilhosa, mas não durou muito.
Minha pele ficou gelada, meu sangue pulsava forte em minhas veias com o
compasso duro do meu coração. Sentia meus pelos em pé, arrepiados, a cada
passo que dava para longe do que foi meu quarto de hospital nos últimos dias.
Na minha frente estava um dos seguranças de Benjamin. Ao meu lado,
estava minha mãe, com seus dedos entrelaçados aos meus. Alguns passos
atrás, meu pai e Benjamin Daslow conversavam sobre futebol. Claro que
Alex permanecia perto do chefe, garantindo a segurança dele.
Mesmo rodeada por pessoas, eu não me sentia segura.
Estava com medo.
— Tina? — minha mãe me chamou. — Você está bem?
— Sim. — Engoli em seco.
— Você está segura. — Garantiu baixinho.
Acenei concordando.
Algo amargo afundou em minha boca, estava mentindo, novamente não
confiando nas pessoas que me amavam para dizer o que sentia. Mas o que
poderia fazer? Não queria magoá-los contando tudo o que realmente
experimentava naquele momento.
Entramos no elevador e pareceu cheio demais para tantas pessoas. Fiquei
tão quieta que cheguei a pensar que meus músculos congelaram. Eu não
podia me mover, sabia que assim que o elevador parasse, eu estaria fora da
segurança que aquele lugar me proporcionava e lá fora... Axel estaria me
esperando.
Um pequeno sino soou e logo as portas se abriram. Meus pais saíram
primeiro, seguindo o segurança.
— Tina, venha — chamou meu pai.
Acenei, mas meus pés não se moveram.
Alex saiu, dando-me mais espaço.
— Filha? — minha mãe me olhou preocupada.
Pisquei lentamente.
Eu não queria entrar em pânico, mas estava com muito medo.
Meu pai deu um passo à frente e eu fiquei mais tensa, não queria despejar
sobre ele a confusão de emoções que estava experimentando.
— Deixe — disse Benjamin. — Eu falo com ela — disse antes de aparecer
na minha frente, o que me impediu de ver a reação do meu pai.
Seu olhar era calmo, apesar da testa franzida. Parecia ver além de mim,
como se me desvendasse.
— Respire fundo. — Pediu baixo. — Parece que vai desmaiar.
Fiz o que pediu, mas antes precisei soltar o ar que estava preso em meus
pulmões.
— Estou com medo — sussurrei tão baixo que nem sei se ele foi capaz de
me ouvir.
Não sei como, mas vi seu olhar se suavizando um pouco mais.
— Eu sei. — Acenou. — Mas acredite em mim, você está segura, Tina. —
Ele me alcançou quando me chamou por meu apelido. — Vamos sair desse
hospital e como eu havia prometido, vou manter você segura.
— Não quero ser um peso — murmurei.
— Você não é. — Sorriu de leve. — Sou um homem criado por mulheres,
nunca deixaria uma desprotegida.
— Ben...
— Venha, confie em mim. — Estendeu a mão.
Não sabia se podia me mover, mas de alguma forma minha mão alcançou
a dele. Sua palma tão quente contrastou com a minha gelada. Ele não pareceu
se importar com minha temperatura, seus dedos envolveram os meus e
lentamente me puxou para fora do elevador.
Meus pais me olhavam preocupados, porém, logo disfarçaram e me
ofereceram um sorriso. Caminhei com as pernas trêmulas e minha respiração
parecia mais pesada do que eu percebia.
Grandes Jeeps nos aguardavam na porta, Benjamin me indicou que
deveria entrar quando abriu a porta de um deles. Depois que a fechou, falou
alguma coisa com meus pais e deu a volta para se sentar ao meu lado.
Meus olhos estavam fixos na janela, buscando pela ameaça que procurei
nos últimos seis meses. Sempre que saia às ruas sentia que alguém me
observava e era ele. Com sua mania psicopata de me controlar.
— Esses carros são blindados. — Informou Benjamin.
O encarei.
— Se ele estiver lá fora, a seguindo, não vai conseguir machucá-la —
disse tranquilo. — Tem muita gente o procurando, vamos encontrá-lo e fazê-
lo pagar por tudo o que te causou.
— Eu não sei o que fazer para retribuir tudo o que tem feito por mim.
— Não estou pedindo nada em troca — retrucou. — Só fique bem e viva.
Acenei, mas minha mente estava bem ciente de que se Axel colocasse as
mãos em mim novamente. Ele iria me matar. Isto me fez cogitar quantas
mulheres estavam lá fora precisando de proteção, de apoio. De alguém que
lutasse por elas.
Mulheres que sofriam nas mãos de homens cruéis, vis. Monstros que
vivem em pele de lindos cordeiros, prontos para sugar tudo de bom que há
dentro de sua presa. Tão impotente. Tão indefesa. Tão inocente.
Saí dos meus pensamentos ao perceber que não seguíamos na direção do
meu prédio. Era totalmente oposto.
— Onde estamos indo? — perguntei.
— Para sua nova casa.
— O que? — arregalei os olhos.
Ele se virou no banco e me olhou nos olhos.
— Imaginei que não quisesse voltar para seu apartamento — disse baixo e
suave. — Entenda, eu não quero controlá-la, mas prometi te manter segura.
— Você não precisava...
— Ainda assim fiz, é minha funcionária, gosto de você. E apesar de ser
uma mulher incrivelmente forte, acredito que está na hora de se permitir uma
pequena ajuda.
— Essa é a surpresa que sua mãe disse?
— Oh, não. — Riu. — A dela é muito mais pessoal e exagerada do que
imagina.
— Vai me contar?
— Ela me mataria. — Sorriu. — Irá ver em alguns minutos.
— Não sei como agradecer.
— Já disse, não precisa.
— Ainda assim, obrigada.
Ele piscou.
— De nada.
O carro desacelerou e entrou na portaria de um rico condomínio.
— Eu moro aqui também, sou dono da cobertura. — Indicou o prédio que
seguíamos. — Você ficará no sétimo andar.
— O apartamento é seu?
— Sim. — Acenou. — Mas como não quero lhe roubar o direito de nada,
cobrarei o aluguel de seu salário.
— Bom.
— Mas devo dizer que minha mãe não aceitará nada de volta do que ela te
deu. — Riu baixinho. — E eu não me meto em nada do que elas aprontam.
— Um homem criado por mulheres. — Provoquei.
— Sim, elas reinam na nossa família.
Revirei os olhos, ninguém precisava contar isto. Bastava ver dona
Esmeralda com suas filhas, para saber que elas comandavam por onde
passavam.
— O prédio tem uma garagem privada, você entrará sempre por ela na
companhia de Aslan e Ciro, os mesmo homens que estavam guardando sua
porta no hospital.
Entramos na garagem e descemos do carro assim que parou perto do
elevador. Meus pais nos encontraram com um olhar atento, procurando saber
se eu estava bem.
Desta vez, somente Alex nos acompanhou para dentro da caixa de metal.
— Antes que pergunte, eu informei aos seus pais sobre esse apartamento e
eles concordaram desde que você queira — disse Benjamin.
— Você é quem decide — disse meu pai.
— Eu não quero voltar para lá — digo o mais firme que consigo. — Se
Benjamin realmente vai me cobrar o aluguel, acho que ficarei mais segura
aqui.
— Você vai ficar bem aqui. — Garantiu minha mãe. — Ou pode ir com a
gente para casa.
— Não quero falar sobre isto agora — murmurei e eles concordaram.
Não demorou muito para chegarmos ao meu novo andar, meu novo lar.
Paramos na minha porta e Benjamin a abriu.
— Seja bem-vinda.
Dois passos foram tudo o que precisei dar para entrar no meu apartamento.
Me surpreendi em pensar naquele lugar como meu. O ambiente apesar de
luxuoso, era completamente aconchegante. Cores suaves, harmônicas,
elegantes. Os móveis pareciam que foram criados para pertencer a aquele
lugar.
— Essa é a surpresa das mulheres de minha família — disse Benjamin. —
O imóvel é meu, mas todo o resto é obra delas. Garantiram que você
merecesse um novo recomeço, sem nada que a faça lembrar o que passou.
— Obrigada — murmurei.
— É lindo — disse mamãe passando por mim.
— É tudo seu — disse Benjamin. — Se quiser devolver, converse
diretamente com a senhora Daslow ou Perola. — Sorriu. — Mas não conte
com minha ajuda.
— Correndo? — perguntou meu pai.
— Como um covarde. — Brincou. — Vou deixá-los a sós para conhecer o
apartamento, qualquer coisa é só me chamar.
Acenei observando-o se virar e seguir para fora, puxando a porta atrás de
si. Mamãe se apressou para trancar e depois me olhou com olhos brilhantes
de animação. Ela começou a tagarelar sobre cada coisa que encontrava em
sua frente, enquanto meu pai sentou no sofá, totalmente despreocupado, ligou
a TV e fingia escutar tudo o que ela dizia.
Logo, minha mãe me arrastou pelos quartos, procurando pelo o que seria
meu. Não demoramos muito a encontrar, todo decorado em um tom suave de
lilás, era incrivelmente reconfortante.
Sentei-me na cama, deixando que todas aquelas novidades afundassem em
meu peito. Eu não estava tão encantada com o apartamento quanto deveria,
mas o que mais me emocionava era que ali, estaria segura.
— Tina!
Pulei assustada, corri para dentro do closet e encontrei minha mãe
eufórica.
— Olhe, olhe tudo isto! — abriu os braços.
Franzi a testa um pouco confusa, antes de perceber que os armários
estavam cheios de roupas, sapatos e acessórios.
— Com-o? — engasguei.
— Era disto que Emília Daslow estava falando — disse mamãe animada.
Meus olhos estavam estufados para fora, impressionada com todas as
marcas que via ao meu redor. Era impressionante e lindo.
— Tem uma nota aqui — disse mamãe.
Ela me estendeu o elegante papel de carta e nela estava escrito:
Querida Valentina,
Não há nada que podemos fazer para mudar a violência que sofreu. Nada
irá apagar as marcas deixadas, ou fará você ser a mesma mulher de antes.
No entanto, eu, minha mãe e irmãs, queríamos garantir que você se sinta
como a mulher poderosa e forte que realmente é.
Não ser a mesma, não significa que não seja melhor. Você é uma mulher
muito melhor do que antes. As provações só serviram para moldá-la, deixá-
la firme, resistente. É uma lutadora, e nós, mulheres, nos orgulhamos muito
de você.
Sei que as feridas ainda estão abertas e que levará um tempo para se
curar, mas irá cicatrizar, acredite nisto.
Seja feliz, querida Valentina, seja muito feliz, pois agora está segura.
Atenciosamente, Emília Daslow.
Capítulo Quatorze
Valentina
O colchão parecia uma nuvem que se moldava perfeitamente as linhas do
meu corpo, aconchegando-me com uma perfeição divina. No entanto, meus
olhos estavam abertos encarando a escuridão do quarto em plena madrugada.
Minha mente se mantinha agitada e turbulenta com inúmeras lembranças e
pensamentos.
Somente consegui dormir por causa da exaustão, porém, os pesadelos
vieram como um soco em meu estômago. Me ferindo e imobilizando-me de
medo.
Ao amanhecer, sentia-me mais cansada do que na noite anterior. Minha
mãe fez um delicioso café da manhã e me obrigou a comer mais do que
realmente aguentava. Embora sem fome, fui obediente em mastigar tudo
somente para deixá-la feliz.
Quando a campainha tocou, fiquei tensa e encarei meus pais.
— Vou atender a porta — disse papai.
Ele colocou seu jornal de lado e se levantou.
— Deve ser Benjamin — disse mamãe tentando espantar o terror que eu
sabia que brilhava em meus olhos.
Acenei levando a xícara de café aos lábios. A cafeína me manteria em
alerta por um tempo. Levantei devagar e segui para sala onde ouvia vozes.
— Valentina — disse meu pai. — Essa é a doutora Ellen Hallas, uma
advogada.
A bonita morena deu um passo à frente, seus lábios tinham um gentil
sorriso, e estendeu a mão.
— Muito prazer em conhecê-la.
Aceitei sua mão, apertando levemente com a minha livre e um pouco
machucada.
— Sou do escritório Sabag, vou acompanhar seu caso de agora em diante
— contou.
— Prazer em conhecê-la, doutora Hallas — digo. — Por favor, sente-se.
— Mostrei o sofá.
— Obrigada! — sentou-se e colocou a pasta ao lado. — Pode me chamar
de Ellen.
— Como quiser.
Minha mãe a cumprimentou e ofereceu café, que a doutora educadamente
aceitou. Papai se se sentou à mesa de jantar com seu jornal em mãos como se
não quisesse nada, mas eu tinha certeza de que seus ouvidos estavam atentos.
Enquanto minha mãe voltou para a cozinha, seu lugar preferido.
— Valentina, entendo que não me conheça e que falar sobre a violência
que sofreu seja algo que não goste — começou ela. — Hoje sou especialista
em Violência contra as mulheres, pois um dia, eu fui a vítima.
Surpreendi-me com sua confissão.
— Sinto muito.
— Eu também. — Sorriu. — Lutei, me feri, mas não desisti até ser livre
— contou. — Saí da área trabalhista e hoje ajudo mais pessoas do que
imaginava. — Sua voz era gentil. — Você não está sozinha, Valentina.
Violência doméstica é mais comum do que imagina e muitas mulheres não
têm a sorte que você está tendo hoje.
— Eu sei e sou muito grata por isto.
Seu olhar brilhava gentileza.
— Não estou falando da proteção de Benjamin Daslow — disse
suavemente. — Você teve coragem de lutar por si mesma. A violência
psicológica é muito mais forte do que a física — explicou. — A dependência
é tão grande que elas ficam presas a eles por anos e só acaba quando um
deles é morto.
Esfreguei o rosto devagar, aquelas informações eram chocantes. Queria
poder ajudar a todas na mesma situação, no entanto, primeiro precisava me
ajudar.
— Acredite em mim, Valentina, nós vamos fazê-lo pagar por tudo. —
Prometeu. — E você vai ficar bem.
— Obrigada! — minha voz saiu embargada.
— Não me agradeça, vamos trabalhar.
Passamos a próxima hora conversando sobre tudo o que ela achava
importante. Explicou-me cada passo que seguiríamos durante todo o processo
e que uma medida protetiva já havia sido aprovada. Não que isto impedisse
Axel de tentar me matar, mas pelo menos tínhamos respaldo da lei.
Embora a lei, não fosse tão eficiente quanto eu e muitas mulheres
precisávamos, já era um começo. No entanto, o que mais me chocou foi saber
que a pena para violência doméstica era somente de três anos.
Quando ela foi embora, eu me sentia um pouco mais confiante. Ainda que,
lá no fundo o pavor estivesse lentamente se espalhando em meu peito, pois eu
não gostaria de ter a chance de ver Axel outra vez, sabia que quando ele me
olhasse, sua fúria seria inevitável.
Passei os próximos dias do sofá para a cama, dando ao meu corpo o tempo
que precisava para se recuperar. Passou-se quinze dias, depois vinte. Meus
machucados vagarosamente foram se curando. As manchas roxas mudando
de cor foi para o verde e depois amarelado, antes de sumir. Uma
fisioterapeuta vinha ao meu apartamento três vezes na semana para cuidar do
meu ombro e do joelho esquerdo. No início só parecia inchado, mas a
contusão causou uma dor que precisava ser cuidada. Benjamin foi me ver em
alguns momentos, assim como sua mãe e avó, ambos era um sopro de ar
fresco para minha alma gelada. Benjamin e eu falamos de negócios, o que
durava horas e afastava tudo aquilo que me perturbava.
Eu também via Ítalo regularmente para nossas sessões de terapia, mas
também em casa. Ele disse que não tinha nenhum problema em vir até mim e
eu fiquei aliviada por isto. O que não significava que Ítalo tenha deixado o
fato de eu não ter colocado os meus pés para fora de lado. O homem era
apegado aos detalhes ou como gostava de dizer, era um bom... oh não,
excelente analista.
Sua arrogância não tinha limites e o pior de tudo, era que ele sempre
estava certo. Isto com certeza me irritava. Sua lógica deixou de ser atraente
há muito tempo e só o fez parecer um sabichão presunçoso.
O que nos faz voltar ao início, ele estava sempre certo.
Segurei um bufo indignado.
— Não está me ouvindo, filha. — Papai chamou minha atenção.
— Desculpe. — Respirei fundo. — Não posso ir embora com vocês.
— Você tem certeza? — perguntou minha mãe.
Eles precisavam ir embora, voltar para a rotina que tinham. Mamãe dava
aulas para crianças ainda no pré-escolar e meu pai fazia trabalho voluntário
em uma casa de repouso da cidade.
— Sim. — Acenei. — Estou nesta cidade desde os meus dezoito anos,
meu lugar é aqui.
— Estou preocupado de você não estar no alcance da minha visão —
confessou meu pai.
— Eu sei, mas estou segura aqui — afirmei. — Sabe disto.
— Nós sabemos, querida — disse mamãe. — Só queremos cuidar de você.
— Vocês o fazem e muito bem. — Garanti. — Mas está na hora de eu
tomar as rédeas da minha vida e lutar por mim mesma.
— Estou tão orgulhosa. — Mamãe disse emocionada.
— Não ficaria se soubesse o quanto estou com medo, mas não sou uma
covarde. Não posso me esconder para sempre.
O olhar do meu pai refletia raiva, não por mim, mas pelo o que Axel
continuava me fazendo passar.
— Só me prometa, por favor, que não vai sair de perto dos seguranças. —
Insistiu ele. — Até que prendam aquele verme, precisa ficar segura.
— Não podemos perdê-la — disse minha mãe com lágrimas enchendo
seus olhos.
— Vocês não vão me perder. — Garanti, sem saber se poderia manter
aquela promessa.
O olhar torturado de meu pai me entristeceu, eles estavam sofrendo por
minha causa e isto me matava por dentro. No entanto, eles concordaram
comigo, aceitando minha decisão.
No dia seguinte nos despedimos com algumas lágrimas e muitos abraços,
muitos mesmo! Mamãe estava agarrada a mim e não queria me soltar
facilmente. Eu a amava muito, mas se não fossem logo, iriam perder o voo.
Olhei por cima do ombro dela para meu pai e Benjamin, claramente pedindo
socorro.
— Tudo bem, precisamos ir querida — disse papai.
— Queria ficar mais, cuidar da nossa menininha — resmungou ela.
— Eu sei mamãe, vou ficar bem. — Sorri confortando-a.
— Promete me ligar? — insistiu. — Qualquer coisa que acontecer você
vai me ligar?
— Eu vou! — jurei.
Ela limpou o rosto e beijou minha testa.
— Amo você, filha.
— Eu os amo mais — respondi sorrindo.
— Vamos lá — chamou papai.
Ele piscou para mim e guiou minha mãe para a porta.
— O segurança no elevador vai levá-los até o aeroporto — disse
Benjamin.
— Não precisava — disse meu pai. — Nós poderíamos pegar um táxi
— Eu sei. — Acenou ele. — Mas faço questão.
— Obrigado! — papai estendeu a mão. — Por tudo.
— De nada, manteremos contato. — Prometeu meu chefe apertando a mão
do meu pai.
Estranho, pensei.
— Bom.
Já minha mãe, ela não foi tão formal. Agarrou Benjamin em seus braços e
o envolveu em um abraço apertado. Disse algumas coisas bem baixinhas para
ele e se afastou com um sorriso que eu não soube muito bem desvendar.
Os vi entrando no elevador e indo embora. Tentei dizer a mim mesma que
estava tudo bem, agora que havia voltado a ficar sozinha. A verdade era que
eu sentiria saudades. Os últimos dias na companhia deles tinham sido
adoráveis, apesar das circunstâncias.
— Tina?
Encarei Benjamin.
— Sim?
— Está bem?
— Claro! — sorri.
— Parece distante. — Observou.
— Só estava pensando o quanto vou ficar com saudade deles.
— Imagino que sim. — Sorriu com gentileza.
— Quer entrar? — perguntei indicando a porta aberta. — Tenho bolo de
cenoura.
Ele ergueu as sobrancelhas perfeitas.
— Iria dizer não, mas ainda bem que demorei. — Riu. — Eu amo bolo,
não importa o sabor.
— Venha.
Liderei o caminho para dentro do apartamento, o ouvi fechar e trancar a
porta para então me seguir. O bolo estava em cima da bancada, inteiro e com
bastante chocolate.
— Nossa! — Benjamin arregalou os olhos.
— Café ou chá? — perguntei.
— Café. — se sentou aguardando.
Servi duas xicaras e depois de pegar os pratos, cortei generosos pedaços
para ambos e me sentei na frente dele. Benjamin não fez cerimonia para
comer, foi logo cortando um pedaço com seu garfo e levando a boca.
Mastigou com os olhos arregalados enquanto preparava outra fatia.
— Deus, isto é maravilhoso.
Rindo, concordei.
— E difícil de resistir. — Brinquei. — Ela disse que eu precisava colocar
um pouco mais de carne em meus ossos, mas depois de vinte dias comendo
igual uma louca, acredito que vou precisar de uma corrida diária.
— Você não precisa correr. — Mastigou. — Mas eu concordo com ela,
precisa de um pouco mais de peso. — Riu.
— Estou bem com meu corpo.
Não queria contar que engordei três quilos nos últimos dias e que gostei
do resultado. O que não significava que eu poderia continuar comendo igual
uma louca, cuidar dos alimentos ingeridos era importante para a saúde.
Mamãe sabia disto, porém, amava fazer deliciosos quitutes.
— Fico feliz por isto, mas se quiser me acompanhar em uma corrida é só
dizer. — Ofereceu.
— Prefiro não usar a rua — resmunguei.
Ele tirou os olhos do que restava de seu bolo. Suas sobrancelhas se
ergueram levemente quando franziu a testa.
— Você não iria sozinha. — Garantiu. — Aslan e Ciro, não vão deixá-la
passear por aí desprotegida.
— Eu sei e agradeço, só não quero ir lá fora.
Benjamin soltou o garfo e descansou as costas na cadeira enquanto me
olhava com clara atenção.
— Você não saiu desde o dia em que entrou nesse apartamento —
concluiu.
Tentei o máximo possível não desviar o olhar, mas eu não era tão forte
assim. Sentindo a necessidade de fazer alguma coisa, cortei outra fatia do
bolo e o coloquei no prato de Benjamin.
— Tem uma academia no prédio, é muito boa — informou.
— Você a usa? — o encarei.
— Algumas vezes na semana. — Deu de ombros. — Imagino que também
não tenha descoberto a área de lazer.
— Não — respondi, mas me levou grande esforço não murmurar.
— Eu adoro a piscina, é bem maior do que a que tem na minha cobertura...
— Você tem uma piscina na sua cobertura? — o interrompi.
— Claro, gosto de privacidade — cortou outro pedaço de seu bolo. —
Aqui dentro, você está segura.
Suspirei.
— Eu sei. — Me limitei a dizer. — Obrigada por me manter segura.
— Sempre que precisar estarei à disposição — disse com muita
tranquilidade.
Acenei, apesar de grata, era difícil ficar agradecendo a todo o momento.
— O que mais sua mãe deixou pronto? — perguntou se referindo a
comida.
Ri.
— Mais do que eu poderia comer sozinha.
— Me ofereço a ajudar sempre que precisar. — Sorriu abertamente.
— Anotado.
Comi um pouco do bolo antes de dizer:
— Volto a trabalhar amanhã.
Ele me encarou por um momento em silêncio.
— Se está bem para voltar, será muito bem-vinda.
Fiquei calma, por um momento, acreditei que Benjamin diria para que eu
tirasse mais alguns dias de folga. Encarando seus olhos, vi a honestidade
brilhar neles. De alguma forma, ele me dizia silenciosamente, que a vida era
minha para decidir, nada seria da conta dele.
Ajudar-me não lhe dava o direito de me controlar, o que se mostrava
claramente em suas atitudes.
Uma sensação aqueceu meu peito, que estranhamente me deixou feliz.
Estava na hora de sair da toca em que me escondia e viver minha vida.
Capítulo Quinze
Valentina
Confesso, nunca fiquei mais ansiosa com uma manhã de segunda-feira
como naquele momento. A noite tinha sido longa, igual aos outros dias, o que
não era nenhuma surpresa, e a única diferença era que eu estava contando os
minutos para iniciar o dia.
Antes de o celular despertar, já estava de pé e até mesmo de banho
tomado. Meu ombro permanecia levemente dolorido, mas não precisava
imobilizá-lo. Escolher o que vestir foi um pequeno desafio, estava
acostumada com minhas roupas passadas. Geralmente optava por looks
fechados e que cobrissem todas as manchas de hematomas do meu corpo.
No entanto, eu estava determinada a mudar aquela realidade.
Vasculhando entre os inúmeros vestidos, encontrei o que procurava.
Coloquei o roupão de lado e antes de me vestir, encarei meu corpo nu no
espelho. Sem nenhuma marca, dor e estava claramente mais esbelto. Tentei
manter a autoestima lá em cima, porém, as palavras duras de Axel vieram em
minha mente.
Encarando-me, não consegui ver nenhuma beleza. Somente uma mulher
tentando sobreviver e isto bastou para me fazer mover. Escovei meus cabelos,
deixando-os macios e ondulados. Fiz uma maquiagem leve, o que me fez dar
conta de que havia meses que não usava para me deixar bonita, somente para
esconder os ferimentos.
Destaquei os cílios e colori meus lábios em um tom de rosa escuro.
Olhando no espelho, não conseguia me reconhecer e isto me deixou insegura.
Pisquei lentamente tentando encaixar meus pensamentos no lugar certo.
Calma, mentalizei.
Afastei-me do espelho tentando não entrar na confusão que era minha
mente. Coloquei uma lingerie e o vestido branco que escolhi. Tentei não
olhar muito como ficou e escolhi um par de sandálias de salto. Não deveria
usar devido ao pequeno probleminha no joelho, mas gostava da sensação de
poder que me deram quando os calcei.
Peguei minha bolsa e o celular no caminho para fora, mas parei na porta
de saída. Encarei a bonita madeira com o coração acelerado, sair significava
que ficaria vulnerável a presença de Axel. Sabia que agora tinha seguranças
que me seguiriam, mas era como se aquela realidade ainda não tivesse se
encaixado.
Franzi a testa quando meu celular tocou, olhei a tela e o nome de Ítalo
brilhou. Bufei, o homem não me dava sossego e estranhamente eu agradecia
por isto.
— Você não tem nada para fazer? — questionei ao o atender.
— Estou fazendo, ligando para você.
Como sempre, muito realista.
Irritantemente realista.
— Já está pronta para o trabalho?
— Pensei que tínhamos sessão somente no final do dia — retruquei.
— Eu sei, mas imaginei que sair de casa não seria uma coisa fácil.
— Supôs — corrigi.
— Sempre tenho boas suposições — afirmou com arrogância.
Fiquei em silêncio, ainda encarando a porta. Eu precisava sair, mas não
me movia.
— Valentina?
— Sim.
— Diga-me onde está — pediu.
— Parada na frente da porta.
— Já a destrancou?
— Não.
— Quantos passos perto?
— Uns três.
— Por que não vai até ela?
— Eu não sei.
— Você sabe — retrucou rapidamente.
Suspirei.
— Estou com medo.
— Eu sei, o que quero saber, é o porquê não consegue sair.
— Não sei explicar.
— Como foi dormir sozinha? — perguntou ele mudando o assunto. —
Sem seus pais.
— Fiquei no quarto a noite toda.
— Se sente segura aí dentro — concluiu.
— Sim.
— Por isto não quer sair — disse ele.
— Sim — murmurei. — Fico imaginando quantas formas diferentes ele
poderia usar para tentar me matar. Seguranças não podem me proteger de um
tiro, ou acidente de carro.
Axel havia literalmente sumido, não voltou ao trabalho ou entrou em
contato com seus amigos. A polícia estava o procurando por todos os lados,
mas ainda não tiveram nenhuma pista. Como era possível? Um homem sem
tanto poder como ele desaparecer daquela forma.
— Isto se chama paranoia causada pelo estresse de sair, Valentina —
disse Ítalo com tranquilidade. — Não vá para esse lado. — Instruiu. — Você
não pode viver com a sensação de estar sendo seguida. Precisa entender que
mesmo que ele te siga e tente te matar, você não está mais sozinha —
afirmou. — O carro é blindado e os seguranças dariam a vida deles pela
sua. — Pontuou. — Não usa mais estacionamentos públicos e mora em um
condomínio com segurança reforçada.
— Eu sei que parece ilógico, mas a sensação... — me calei incapaz de
concluir.
— Não é ilógico — retrucou. — Sua mente está criando saídas para
proteger seu corpo, é uma reação esperada.
— Por isto está me ligando.
— Sim, quero ter certeza de que tenha o suporte necessário para dar esse
passo — afirmou. — Eu estaria em sua porta, mas estou no caminho
contrário indo atender uma urgência.
— Não precisa gastar seu tempo comigo.
— Posso fazer as duas coisas — replicou. — Valentina, me ouça com
atenção.
— Já estou fazendo isto.
— Bom — se calou por um segundo. —, você vai andar até sua porta,
destrancar e irá encontrar seus guarda-costas. Eles iram levá-la em
completa segurança até o prédio da Global Daslow e você vai trabalhar.
— Ele pode querer se aproximar de alguma forma. — Protestei.
— O que nos deixará mais perto do rastro dele — disse calmo. — Toda
vez que ele tentar uma aproximação, teremos uma chance de prendê-lo.
Então, como já conversamos antes, espere por ameaças e lide com isto. O
medo está aí, mas a lógica também — afirmou. — Qualquer coisa que
acontecer nós lidaremos com a situação, estamos preparados para isto, mas
Axel não. Ele não sabe que seu carro agora é blindado, não tem ideia de
onde está morando, não é forte suficiente para abater os dois armários que
te segue e mesmo que ele consiga alguma destas informações, nada será
suficiente, pois você está segura e tem muita ajuda.
— Não pode dizer isto com tanta certeza.
— Eu posso, conheço meu amigo Benjamin, ele não brinca quando o
assunto é a proteção de alguém.
— Ítalo — suspirei. —, existem tantas variáveis.
— Pare de discutir comigo, abra a porta.
Seu tom não deixava espaço para discussões. Mordi as bochechas,
indecisa se deveria seguir o que Ítalo estava me dizendo.
— Valentina, abra a porta. — O ouvi dizer. — Estou aqui para te dar o
apoio emocional que precisa, mas você não pode ficar escondida neste
apartamento para sempre.
Ele estava tentando me irritar para me fazer reagir.
Bufei.
— Tudo bem.
— Abra a porta. — Repetiu ele.
Dei dois passos vacilantes para frente, estendi minha mão ignorando a
forma que tremia e torci a chave.
— Tenho certeza de que encontrará os dois brutamontes do lado de fora.
— Pare de criar apelidos, estou começando a chamá-los assim —
resmunguei.
— Só dizendo a verdade, eu prefiro ter um cérebro a músculos.
— Pare de ser um idiota, está dizendo que eles não são inteligentes?
O ouvi bufar.
— Claro que são inteligentes, somente limitados.
— Todos nós somos limitados comparados ao seu QI.
— Pobres humanos — zombou. — Abra a porta.
— Você é muito irritante.
— Já fui chamado de coisas piores.
Abri a porta e respirei fundo vendo as costas de um homem de terno.
Ciro. Ele se virou e me deu um aceno de cabeça.
— Bom dia, senhorita.
— Bom dia, Ciro.
— Abriu? — ouvi Ítalo perguntar.
— Sim.
— Bom, agora vá trabalhar pra ganhar seu sustento — ordenou. — Deixa
de ser preguiçosa, suas férias acabaram. — Riu.
— Homem irritante — resmunguei quando ele desligou na minha cara.
Guardei o celular na bolsa, tranquei a porta e voltei a encarar o segurança.
— Vamos para a Global Daslow.
— Claro.
— Onde está Aslan?
— Nos aguardando na garagem — informou.
— Vocês revezam em algum momento? — perguntei tentando manter
minha mente ocupada enquanto caminhava para o elevador.
— Sim, trabalhamos em turno — apertou o botão do elevador ficando na
minha frente. — Só ficamos juntos quando precisamos levá-la em algum
lugar.
— Entendi.
As portas se abriram, eu estava tensa, mas não pude ver se tinha alguém
dentro da caixa, pois Ciro se projetava na minha frente. Ele deu um passo
para o lado, permitindo minha passagem para o lugar vazio.
Ficou do meu lado enquanto o elevador deslizava para baixo. Meu coração
batia em um ritmo mais forte a cada andar que descíamos. Engoli em seco e
automaticamente apertei as pontas dos meus dedos, tentava manter a calma e
minha cabeça no lugar.
— Imagino que esteja nervosa — disse Ciro com suavidade. — Mas nada
irá colocá-la em perigo.
— Agradeço.
Conversar, de alguma forma parecia me manter no controle. Ítalo iria me
encher a paciência por continuar apertando os dedos, hábito adquirido em
algum momento nos últimos dias. Espantava levemente meu medo e me
mantinha ocupada. Embora meu terapeuta, oh não, psiquiatra sabichão com
um QI superestimado, insistia que isto era perigoso e poderia avançar para
uma coisa mais séria como TOC. Uma doença psiquiatra que tem como
principal característica obsessões e compulsões.
Ontem na nossa sessão, ele insistiu para que eu não criasse hábitos que
ajudassem controlar minha ansiedade. Criar de certas formas de rituais,
limpeza incessante, checagem, organização entre outras coisas.
Isto me fez soltar os dedos, deixando os braços relaxados ao meu lado.
— Você e Aslan são irmãos?
— Sim.
— Nomes diferentes — digo. — Qual origem?
— Persas.
O encarei.
— Uau, que legal. — Sorri. — Iraniano.
— Você conhece a história.
Dei de ombros.
— Somente o básico — respondi. — Participei de algumas aulas de
história no meu tempo livre na faculdade. Os Pérsios formaram uma das mais
imponentes civilizações antigas. É uma história impressionante.
— Isto é verdade, mas Aslan conhece mais do que eu sobre os fatos
históricos.
Abri a boca para falar, mas o som da porta se abrindo fez meu coração
saltar em uma batida errada. Meus olhos arregalaram e eu dei um passo atrás.
O medo passou por mim como um raio, tomando meus membros e os
fazendo tremer com o choque.
Ciro me encarou por um segundo, antes de apoiar sua mão na coluna para
que a porta não se feche.
— Sabia que o idioma persa ainda é falado em algumas regiões? —
perguntou ele com gentileza no olhar.
Pisquei lentamente.
— Sério? — me forcei a perguntar.
O nó na minha garganta estava ficando apertado, mas me concentrar na
voz do meu segurança fez o medo abaixar lentamente.
— Sim, tenho certeza de que Aslan tem muito a dizer — disse. — Ele
sempre tem — resmungou.
Estreitei meus olhos, tentando buscar aquilo que tinha perdido.
— Aslan é um falador? — dei um passo para fora, então outro e mais um.
Sem pressa, caminhei ao lado do enorme homem vestido em terno preto.
— Mais do que imagina.
O outro segurança apareceu na nossa frente com um sorriso jovial.
— Aborrecendo a senhorita com seu mau humor, irmão?
Ah sim, isto explicava a forma que Ciro resmungou sobre o irmão. Ele
nem mesmo respondeu, somente avançou e abriu a porta do Jeep para mim.
— A senhorita Valentina, adoraria ouvir a história dos persas — disse
Ciro. — Conte enquanto a levamos para o trabalho.
Gratidão me encheu e reforçou a ideia de que nem todos os homens são
iguais. O olhar de Aslan se iluminou e sorriu animado.
— Será um prazer. — Riu. — Se eu não tivesse nascido para proteger
pessoas, com certeza iria ser um historiador.
Ciro indicou que eu deveria entrar no carro, fiz o que pediu e lhe dei um
aceno de agradecimento. Sentei-me e observei Aslan ficar atrás do volante
enquanto seu irmão sentava ao seu lado, no banco do passageiro.
Por todo o caminho, mesmo sentindo uma picada generosa de medo, não
entrei em pânico. Muito menos fiquei olhando as ruas em busca da ameaça
que Axel representava. Confesso que apertei as pontas dos dedos algumas
vezes, mas não tantas como acreditei que faria.
Ao chegar a Daslow Global entramos direto ao estacionamento privado.
Isto me lembrou das vezes que ficava minutos presa no meu carro olhando
tudo e todos em volta, com medo de que Axel estaria ali me vigiando.
Agora, já dentro do prédio, sem precisar passar pela roleta ao apresentar
meu crachá de funcionária, eu estava segura e pronta para o meu dia de
trabalho.
Ergui meu queixo e caminhei com confiança para o elevador na
companhia do meu segurança, Ciro.
A vida é minha e eu a controlava, pensei com determinação.
Capítulo Dezesseis
Benjamin
Confesso que engoli minha saliva com dificuldade quando a vi, sua
elegância e graciosidade me deixaram de boca seca. Tão malditamente linda
que me tirou o fôlego. No entanto, não foi isto o que me paralisou. O olhar
confiante em seu rosto erguido abalou minhas estruturas. Ela parecia uma
deusa grega envolta de vestido branco, pronta para lutar suas próprias
batalhas.
— Senhor Daslow — disse ela ao sair do elevador e me ver a esperando.
— Acho que já passamos desta fase. — Sorri.
— Está certo, Benjamin. — Um sorriso brincou em seus lábios rosados.
Ciro parou dois passos atrás dela e me deu um leve aceno de cabeça.
— Valentina! — Um pequeno furacão passou por mim.
— Ella — disse sorridente. — Bom vê-la.
As duas se abraçaram com carinho.
— Quis visitá-la, mas imaginei que precisasse um pouco de espaço —
disse Ella.
— Tudo bem, os chocolates que me enviou fizeram um ótimo trabalho.
— Bom! — Ella se afastou. — Só pra informar, eu sou muito boa em
chutar idiotas. Se precisar de ajuda, é só chamar.
O sorriso de Valentina vacilou um pouco, mas Ella não pareceu perceber.
A abraçou novamente e se afastou dizendo que precisava resolver algumas
coisas. No entanto, eu estava atendo, confesso que mais do que realmente
deveria.
— Peço desculpas, mas o assunto se espalhou desde que a polícia
divulgou algumas informações e a imprensa cavou um pouco mais a fundo —
digo.
Seu rosto ficou levemente pálido.
— Imprensa?
— Sim, pelo jeito não viu os noticiários.
Ela gemeu frustrada.
— Não me diga que... — calou-se incapaz de continuar.
— Sinto muito, os mantive o mais longe possível, mas é impossível se
esconder deles por muito tempo.
— Deus! — murmurou.
— Já tomou café?
— Não, sem fome.
Revirei os olhos.
— Sua mãe me disse que cada vez que eu ouvisse isto, era pra te dar
comida.
Ela riu, relaxando instantaneamente.
— Minha mãe andou lhe dando instruções?
Indiquei que deveria me seguir, ela acenou concordando e se colocou ao
meu lado.
— Somente algumas. — Dei de ombros.
— Não sei se acho divertido ou fico preocupada.
— Se divirta.
Chega de preocupação, pensei.
— Eu vou tentar. — Prometeu.
— Bom — dei um leve aceno. —, pedi para que trouxesse um café da
manhã para dois, também não tive tempo de comer antes de sair. — Abri a
porta do meu escritório e entrei primeiro.
Não ofereci um pouco do meu cavalheirismo, acreditei que ela não
gostaria tanto de bajulações. A ouvi fechando a porta e me seguindo para a
mesa posta.
— Isto é uma mentira — resmunguei. — Eu não cozinho em casa —
confessei rindo.
— Agora entendo o fascínio por comida caseira. — Riu.
Indiquei que se sentasse.
— Sua mãe tem mãos de fada, somente magia poderia fazer refeições tão
perfeitas. — Me servi de um pouco de café e deixei que ela se virasse.
— Bobo.
— Nada disto. — Peguei um pequeno pão doce. — Homem solteiro. — A
corrigi.
A gargalhada que explodiu fora dela me deixou novamente com a boca
seca. Era linda, incrivelmente bela em sua força.
— Isto justifica sua falta de habilidades culinárias? — serviu uma xícara
bem cheia de café.
— E preguiça — completei.
— Ser rico é uma benção nesse momento. — Me provocou.
— Não estou reclamando. — Ri.
Distraidamente, Tina escolheu alguns biscoitos de queijo entre as
variedades que tinham na mesa. Mastigou com tranquilidade, se mostrando
totalmente confortável em minha presença. O que fez uma sensação
prazerosa aquecer meu peito.
— O que saiu na imprensa? — perguntou ela parecendo despreocupada.
A encarei com mais atenção, tentando ver o que escondia de mim.
— Que uma funcionária da Daslow Global havia sido vítima de violência
doméstica e que estavam atrás do responsável — contei. — Seu nome não foi
divulgado, somente o de Axel.
— Quando souberam?
— Dois dias depois do seu ataque.
— Por que ninguém me contou?
Seu olhar fixou no meu, apesar da seriedade neles havia um brilho que me
prendeu a ela.
— Não sei. — Fui honesto. — Nossa equipe de relações públicas cuidou
de tudo, mantendo esses abutres fora e os advogados foram firmes com a
ameaça de processo. — Expliquei. — No entanto, a delegacia divulgou a foto
e o nome do homem que a machucou com um preço de recompensa.
— Algumas pessoas, como Ella, juntou as peças.
— Sim, mais uma vez peço desculpas.
Ela deu de ombros.
— Não precisa — disse com sinceridade. — Mas realmente quero saber
de tudo o que está acontecendo.
— Justo.
— Algo mais a acrescentar? — questionou.
— Não.
Seu olhar continuava atento ao meu, procurando por verdade. Não vacilei
em sua busca, pois não mentia. Tina acenou concordando e voltou a pegar um
pãozinho.
— Sério que não tem nenhuma habilidade na cozinha? — mudou o
assunto.
Acabei rindo, apesar de que minha cabeça teve umas respostas rápidas
cheias de maldade. Eu era muito bom em outras partes da casa, como o
quarto, mas isto eu poderia fazer em qualquer cômodo com perfeição.
— Não sei nem mesmo ferver água — respondi o que era sensato dizer,
mas ainda ria com a malícia em mim.
— Que absurdo. — Riu.
— Você sabe? — perguntei curioso.
— Não igual a minha mãe.
— Magia não é pra qualquer um. — A interrompi.
Ela gargalhou.
— Você é tão terrível quanto Ítalo — acusou.
— Sou um anjo perto daquele gênio arrogante. — Me defendi. — E no
nosso grupo de amigos, sou o mais comportado.
— Quem são os outros? — perguntou curiosa.
— Leo e Ryan — digo. — Leonardo Sabag coordena o melhor grupo de
advogados que conheço.
— Ellen Hallas é do escritório dele — afirmou Tina.
— Sim. — Me servi com mais café. — Leo trabalha nas melhores
aquisições para a Daslow Global, mas raramente irá vê-lo por aqui. A agenda
dele consegue ser pior do que a minha — explico. — Muito pior.
— Mas você ainda tem uma equipe de advogados da Daslow.
— Sim, uma empresa deste tamanho tem muitas variáveis que precisam de
respaldo jurídico.
— Eu entendo.
— Embora eu tente, com muito esforço, roubar os advogados dele. — Ri.
—Leo costuma se vingar quando treinamos kickboxing, o homem costuma
bater em mim até a raiva passar.
— Parece que você o irrita muito — disse em um tom calmo.
Hesitei por um segundo em falar sobre os treinos com meus amigos, mas
havia uma diferença entre lutar e ferir mulheres com brutalidade.
— Ele tem os melhores. — Me defendo. — Mas todos querem trabalhar
para o grande Leonardo Sabad. — Revirei os olhos.
— Arrogância é uma exigência em seu grupo de amigos? — brincou.
Sua sobrancelha fez um arco perfeito.
— Não sei como responder a isto. — ri. — Está me chamando de
arrogante?
— Nunca afirmei isto. — Se defendeu escondendo muito mal seu riso. —
E Ryan?
— Vou fingir que não está mudando de assunto. — Mastiguei o último
biscoito de queijo. — Ryan é piloto de aeronaves, mas com a morte do pai
dele precisou assumir a empresa de aviação.
— Caiu das nuvens, direto para um escritório — disse observadora.
— Sim, ele pode não estar muito feliz com isto, mas não fala sobre o
assunto — contei. — É o mais paciente entre nós, tem uma calma inabalável.
— E Ítalo? — perguntou.
Ri.
— Ele instigou sua curiosidade, não é?
— Sim, como um gênio virou psiquiatra?
— Ele é muito sincero sobre tudo, mas não costuma falar sobre sua
infância — conto. — Geralmente diz que precisava ser seu próprio psiquiatra
ou enlouqueceria de vez. Seus pais não foram os melhores, são pessoas
ambiciosas e pelo o que sei, aproveitaram enquanto puderam da inteligência
dele.
— Mas não se enrola um gênio por muito tempo — concluiu Valentina.
— Não mesmo. — Acenei. — Ele sempre vai ser sincero e na maioria das
vezes seco por causa de sua paixão com a lógica, mas é uma pessoa que
nunca irá te enganar.
— Isto é bom.
Novamente acenei concordando, coloquei minha xícara na mesa e a
observei terminar o próprio café enquanto conversávamos. O assunto variou
de amenidades a trabalho.
Tornou-se rotina tomarmos café da manhã juntos, a cada manhã seguinte
eu a convidava para me acompanhar. Ansioso para ouvir sua voz, ver o brilho
em seus olhos e... aquilo que mais me encantava, a beleza de sua
determinação.
Passávamos uma hora juntos, tomando café e comendo os melhores
biscoitos de queijo. Eram os favoritos dela e eu passei a gostar mais deles
também. O trabalho fluía como nunca, os contratos eram assinados um atrás
do outro. Tudo devido à eficiência de Valentina com as relações
internacionais.
Depois de um mês, eu me sentia adorando o chão que ela pisava. Apesar
de ser seu chefe, agora era seu amigo. Nossa amizade cresceu, desenvolvendo
lentamente dia após dia, tanto que eu já não podia mais imaginar minhas
manhãs sem a companhia dela e dos biscoitos de queijo.
Confesso, deveria estar lendo com muita atenção o documento aberto na
minha frente. No entanto, minha mente continuava voltando para Valentina.
Para seu sorriso e a forma como ela apreciou o salmão do almoço. Sua
expressão era tão prazerosa, como se fosse a melhor refeição que já
experimentou, mas eu sabia que ela reagia da mesma forma em todos os
almoços que compartilhamos juntos.
Eu não disse, não é? Que além do café da manhã, eu a convidava para
almoçar e às vezes até mesmo jantar. Afinal, ela precisava comer.
Bufei alto, quem eu estava querendo enganar?
Meus pensamentos foram quebrados com o vibrar do meu celular, franzi a
testa confuso ao ver o nome dela na tela. Pelo que sabia, Valentina estava no
prédio e nunca me ligava no número privado.
Fiquei tenso e levei o celular ao ouvido.
— Tina?
— Ben — sua voz estava estrangulada.
— O que aconteceu?
— Ben — choramingou.
— Onde está?
— Na minha sala ... o Axel...
Pulei para fora da minha cadeira e corri para chegar o quanto antes até ela.
— Estou a caminho.
Alex pareceu assustado quando me viu correndo e me seguiu.
— Por favor — ouvi Valentina implorar.
Meu sangue estava tão gelado enquanto pensava nas piores coisas que
poderia estar acontecendo. O maldito estava na sua sala? Ele a machucou?
Onde estavam seus seguranças?
Cheguei ao seu escritório em um sopro, Aslan estava na porta com os
braços cruzados.
— Onde está Valentina? — perguntei a beira do pânico.
Ele me olhou confuso.
— Aqui dentro. — Apontou para o escritório. — Trabalhando.
Passei por ele e abri a porta com força, ela bateu na parede em um baque
surdo. Olhei cada canto da sala com atenção procurando pela ameaça do
homem que a machucou por tanto tempo, mas não encontrei nada. Alex e
Aslan passaram por mim vasculhando o escritório e banheiro privado.
Não havia nada de errado, porém Valentina estava sentada em sua cadeira
segurando uma folha. Seus olhos estavam arregalados e marcados por um
medo que assustou o inferno fora de mim.
— Tina?
Seus olhos me encontraram.
— Ben — sussurrou parecendo paralisada.
Caminhei até ela, dando a volta em sua mesa e virei sua cadeira para mim.
— O que aconteceu?
Ela abaixou os olhos para a folha em suas mãos. Franzindo a testa, peguei
e li as poucas linhas digitadas no meio.
“Olá querida, a quanto não nos vemos? Juro que estou tentando não
contar e isto tem me deixado ansioso para te encontrar. E eu vou encontrá-
la, Valentina. Peço desculpas pelo o que fiz da última vez, mas a culpa era
toda sua por me irritar. Tenho observado você e irei descobrir uma forma de
tê-la de volta, com amor seu Axel.”
Agora, foi a minha vez de ficar paralisado, mas não era de medo e sim de
raiva. Levantei meu olhar e a encontrei me encarando, lágrimas haviam
manchado seu bonito rosto e enchiam suas pálpebras rapidamente.
Capítulo Dezessete
Valentina
Não conseguia fazer as lágrimas pararem de escorrer por meu rosto.
Sentia-me congelada de medo, mesmo presa no olhar intenso de Benjamin.
Ele também parecia ter dificuldade de acreditar que Axel estava por perto e
me fazendo ameaças.
Fechei meus olhos, quebrando a conexão. No fundo da minha mente eu
sabia que precisava me controlar e encontrar uma saída para fora daquele
inferno.
Mas Deus!
Eu estava em pânico.
— Tina?
Senti que ele se aproximou e se ajoelhou na minha frente.
— Abra os olhos, Tina — pediu gentilmente.
— Ele vai me matar — sussurrei.
O encarei.
— Você está segura. — Prometeu. — Ninguém vai machucá-la. — Jurou.
— Ele está por perto... me observando — choraminguei.
— Não, ele não está — afirmou. — Pense, Tina.
— O que? — questionei confusa.
— Pense, linda! — segurou minha mão. — Você usa um carro com vidros
escuros, desce em estacionamentos privados e está sendo protegida vinte e
quatro horas por dia. — Sua voz suavizou. — Ele só quer que você fique com
medo.
— Você tem certeza? — minha voz saiu trêmula.
— Não, mas estou afirmando os fatos — disse com uma lógica que me
lembrou de Ítalo. — Como essa carta chegou em suas mãos?
Olhei para o papel ameaçador e tentei colocar meus pensamentos em
ordem.
— Hm... estava no meio das minhas correspondências — apontei para a
pilha de envelopes. — Veio com remetente, não parecia suspeito.
Ben acenou concordando e olhou para os dois seguranças parados na
frente da minha mesa.
— Alex, pegue e procure a pessoa que entregou. — Instruiu. — Vamos
começar a rastrear e chame a polícia.
Engoli em seco.
Vi os homens se moverem para recolher o que Axel havia enviado e
depois se retirarem.
— Está segura, Tina. — Ben disse conseguindo minha atenção
novamente. — Lembre-se disto.
— Eu só... estou com medo.
Fui surpreendida quando ele se moveu envolvendo os braços ao meu redor
com tanto carinho que me emocionou. Permiti seu contato, adorando a forma
como seu cheiro era reconfortante.
— É direito seu sentir medo — disse baixo. — Mas precisa acreditar que
está segura. — Seus dedos deslizaram pelo meu cabelo lentamente. —
Ninguém vai machucá-la, Tina, e se ele chegar perto o suficiente disto, nós
vamos mover céus e terra para protegê-la. — Garantiu. — Não está mais
sozinha.
Engoli o enorme caroço que se formou em minha garganta e descansei
meu rosto na curva do seu pescoço. Silenciosamente agradeci por não estar
lutando aquele inferno sozinha. Nos meses anteriores eu nunca teria aceitado
uma ajuda, jamais permitiria que mais pessoas se envolvessem e agora me
sentia tão idiota por isto.
Por ter deixado ser controlada por tanto tempo. Fui machucada,
manipulada e quase morta. Estava presa na teia gigante de medo e impotência
que Axel me colocou, o que me tornou incapaz de reagir.
Como fui burra e fraca em me permitir ser manuseada daquela forma. Ele
me tratou como uma massa em que queria moldar e quando não ficava do
jeito que queria, batia até destruir tudo para reconstruir. Tornando-me mais
submissa, mais apavorada a cada dia.
— Não chore mais, linda — sussurrou ele.
Afastei-me dele.
— Não diga isto — pedi.
— O que? — pareceu confuso.
— Não me chame de linda — digo sentindo uma dor profunda.
Benjamin precisou de alguns segundos para entender o que eu havia dito,
então, seus olhos arregalaram.
— Você não acredita nisto? — perguntou.
— Eu não sou linda — resmunguei.
— Santo Deus! — segurou meu rosto. — Olhe no fundo dos meus olhos
Tina e veja a verdade quando eu digo que você é uma mulher linda — disse
firme. — Incrivelmente linda — afirmou. — Nada do que aquele imbecil te
disse, te fez acreditar, é verdade. Você é linda, forte, inteligente.
— Sou burra. — Protestei. — Deveria ter me livrado dele antes, mas
permiti que continuasse me dominando.
— Você não é burra — disse com veemência. — Só estava com medo,
acuada, machucada. — Se ergueu um pouco e pousou seus lábios em minha
testa. — Você é linda, inteligente, gentil — disse com suavidade. — Vou
repetir isto quantas vezes for preciso.
— Ben...
— Não estou mentindo, linda. — Sorriu e se levantou. — Não preciso
enganá-la, basta olhar no espelho e ver que falo a verdade. — Arrumou o
terno. — Axel queria diminuí-la para que esquecesse o quão especial você é.
Ele não passa de um covarde querendo sugar toda a sua vida somente pelo
prazer de dominá-la, torná-la incapaz de acreditar na própria força, pois ele é
um fraco. — Seus olhos brilhavam com intensidade. — Não deve continuar
acreditando nele, procure você pelas respostas e verá que não precisa de
alguém lhe dizendo o que fazer ou como sentir. — Sorriu de leve. — Mas eu
vou ser seu lembrete, te mostrarei quão bela e inteligente é.
— Obrigada.
— De nada. — Piscou para mim. — Quer que eu chame Ítalo?
— Não.
— Tem certeza? — questionou sério.
— Sim.
Teria minha sessão de terapia no final do dia como vinha acontecendo
desde que voltei a trabalhar.
— Bom — me ofereceu um lenço de papel que tirou da caixa na minha
mesa. —, acredito que não queira bajulações agora.
— Está certo! — limpei o rosto.
— Então vamos trabalhar. — Sorriu. — Tenho um grupo de australianos
na sala de reuniões prontos para negociar.
Levantei-me determinada.
— Só preciso de cinco minutos e estarei lá.
Ele pareceu orgulho enquanto me encarava.
— Vou te esperar. — Garantiu. — Aslan irá te acompanhará.
— Agradeço.
Benjamin acenou, virou em seus pés e caminhou para fora. Fechou a porta
atrás de si e então eu encarei minhas mãos trêmulas, assim como minhas
pernas, mas recusei-me a cair. Não demonstraria fraqueza, não daria o prazer
a Axel de me ver humilhada novamente. Não enquanto estivesse no trabalho,
talvez, ou melhor, muito provavelmente, quando retornasse para a segurança
do meu apartamento eu derramaria quantas lágrimas fossem precisas.
Limpei o rosto sem encarar muito o espelho, ainda não era capaz de fazer
o que Benjamin disse. Eu tinha um longo caminho pela frente e sabia
exatamente onde começar. Cheia de determinação, caminhei para fora da
minha sala. Primeiro eu iria trabalhar.
Encontrei meu chefe, e agora meu amigo, em seu escritório encarando
alguns documentos, mas não parecia lê-los. Ao perceber minha presença,
ergueu seu fascinante olhar.
— Estou pronta — digo.
— Bom — juntou seus papeis. —, vamos, eles já devem estar irritados de
esperar.
— Você sempre os faz esperar.
— A impaciência é uma boa tática. — Riu.
Ele organizou suas pastas e se levantou abotoando o terno. Ao seu lado,
enfrentei a reunião com o queixo erguido. Negociar com homens nunca era
fácil. Eles eram orgulhosos, cheios de si e dominados pelo ego na maioria das
vezes. E só piorava quando via uma mulher tendo o controle durante a
reunião. Costumavam subestimar minha inteligência e habilidade, mas eu me
mantinha calma até concluir o meu trabalho.
Era a única coisa que me mantinha sobre os meus pés, a confiança em
minhas habilidades de negociações. Quando a última folha foi assinada
respirei aliviada e todos aqueles que me julgavam, agora se despediam de
mim com admiração brilhando em seus olhos.
— Como sempre, perfeita — disse Benjamin.
— Só o meu trabalho. — Dei de ombros.
Ele balançou a cabeça de leve e se se encostou à mesa.
— Aceite os elogios pelo seu trabalho, Tina, saber que domina alguma
coisa irá fazê-la sempre mais confiante.
— Confiança demais nunca é bom.
Ele sorriu.
— Verdade, fico feliz que já tenha encontrado o equilíbrio. — Bateu de
leve em meu ombro. — Bom trabalho, Valentina.
— Obrigada.
Acenando, ele se afastou carregando seus pertences, mas antes que abrisse
a porta, o chamei. Virou-se com graça e me encarou curioso. Tive dificuldade
em engolir quando um caroço se formou em minha garganta.
— Poderia me ajudar com uma coisa? — pergunto.
— Depende. — Riu. — Toda vez que as mulheres da minha família me
perguntavam isto, sem dizer o que queriam, eu não ficava muito feliz.
Elas realmente tinham cara de quem o faziam sofrer, pensei rindo.
— A pior foi tia Mônica, me fez prometer ajudar sem saber o que era. —
Fez uma careta terrível.
— O que ela queria? — perguntei curiosa.
— Que eu a ajudasse a conquistar uma mulher. — Sua expressão ficou
engraçada. — E não me deixou fugir até conseguir o que queria.
Gargalhei.
— Acredito que não quero nada tão extravagante. — O humor
rapidamente se desfez.
— Tudo bem, o que precisa?
— Você poderia ir comigo em meu antigo apartamento? — perguntei
hesitante.
Seus olhos se estreitaram quando franziu as sobrancelhas.
— Claro, mas posso perguntar o porquê deseja ir lá?
— Quero pegar alguns pertences e documentos — contei. — Também
vender o apartamento.
— Vender?
— Sim. — Acenei. — Espero ser a última vez que eu tenha que ir até lá,
mas entendo que preciso finalizar essa fase na minha vida.
— Estarei lá com você — prometeu.
— Obrigada.
— Estou à disposição. — Voltou para a porta. — Me chame quando
quiser ir.
— No final do expediente — informei.
Como combinado, no final do dia Benjamin me aguardava ao lado do
elevador com seu segurança Alex. Ambos me encaravam com atenção,
buscando por alguma coisa em meu rosto. Eu tinha certeza do que queria.
Precisava voltar a aquele lugar e apagar tudo o que aconteceu. Já havia
passado da hora de fechar aquela porta, principalmente depois de todas as que
se abriram ao meu redor e me acolheram.
O caminho até minha antiga casa pareceu mais longo do que me lembrava,
e confesso que apertei as pontas dos meus dedos inúmeras vezes. Se
Benjamin percebeu, ele não deu a entender que se importava. No entanto, se
manteve falando sobre os negócios, das próximas reuniões, distraindo minha
mente. O que me fez sentir imensamente agradecida.
Desci na calçada em frente a portaria e fui cercada por Ciro e Aslan,
ambos em alerta total, prontos para me protegerem com suas vidas se fosse
preciso. O que me assustava um pouco. Benjamin vinha um passo atrás na
companhia de Alex, sentia seus olhos em mim e parecia despreocupado.
— Senhorita Valentina — o porteiro me reconheceu imediatamente.
— Senhor Pereira, como está?
Ele abriu o portão e veio ao meu encontro. Os seguranças pareceram
tensos, mas não impediram o velho senhor de se aproximar.
— Como é bom vê-la — disse com gentileza e me abraçou.
Ignorei a forma que minha garganta pareceu se fechar.
— Está bem? — perguntou ele ao se afastar.
— Sim, vim empacotar minhas coisas.
Algo brilhou em seus olhos que não pude reconhecer.
— Peço que me perdoe por não a manter segura, eu não o vi entrar aquela
noite... — se calou quando dei um leve aceno de cabeça.
— Não tem que se desculpar, Axel pagará pelo que fez — afirmei. — Não
é nossa culpa a brutalidade dele.
— Está certa — concordou, mas em seus olhos eu podia ver que ele nunca
se perdoaria.
Infelizmente, eu não tinha força suficiente para consolá-lo naquele
momento. Então, somente acenei e me despedi dele com um pesar no
coração, pois era mais uma vítima das maldades de Axel.
Aquele velho senhor, que ainda trabalhava para sustentar sua família,
nunca se esqueceria do que viu em meu apartamento. Do meu corpo ferido,
sem forças e completamente humilhado. Tudo isto porque sua vigilância na
portaria não foi boa o suficiente para me manter segura dentro da minha casa.
Apesar dos fatos, eu entendia que o porteiro não tinha culpa do que
aconteceu. Axel era muito bom em se esgueirar e era muito capaz de matar o
senhor Pereira caso tentasse pará-lo.
Guiei os homens que me seguiam pelas escadas, não queria usar o
elevador. Antes o usava para me proteger, me esconder da perseguição de
Axel.
Dois lances de escada e chegamos ao primeiro andar. Liderei o caminho
até metade do corredor, mas Ciro passou por mim e me pediu a chave. O
entreguei e ele se apressou para frente, abriu a porta e entrou sem hesitar.
— Está bem? — perguntou Benjamin ao meu lado.
— Sim — murmurei.
— Posso fazer isto por você. — Se ofereceu.
O encarei, via honestidade brilhando em seus olhos.
— Agradeço, mas preciso fazer isto.
— Tudo bem, vamos com calma, um passo de cada vez.
Acenei concordando.
Um minuto depois, Ciro voltou e disse que o apartamento estava vazio.
Todos me deram espaço e eu caminhei até minha antiga porta com as pernas
trêmulas.
Capítulo Dezoito
Benjamin
Observei como ela estava pálida parada na frente da porta do apartamento.
Acenei para que os seguranças se afastassem e dessem a ela a privacidade
que precisava. Como sempre, Alex não parecia muito satisfeito, mas seguiu
minhas ordens.
— Tina?
Ela não me respondeu de imediato, ergueu uma mão e a apoiou contra a
parede ao lado da porta aberta.
Juro que fiquei muito tentado a chamar Ítalo para dar a ela o suporte
emocional que precisava, mas Valentina me chamou, confiou em mim para
acompanhá-la e eu não queria decepcioná-la.
— Me sentia tão segura dentro desta casa — murmurou baixo. — Vivi
aqui por anos enquanto estudava e me especializava. — Riu baixinho de
forma amarga. — E agora sinto como se eu fosse desabar se passar por essa
porta.
— Não precisa ir, sabe disto.
— Eu preciso. — Manteve o olhar dentro.
Fiquei ao seu lado e segurei sua mão, ela não me afastou, aceitou meu
toque e entrelaçou seus dedos aos meus.
— Então, vamos juntos — digo. — Você não precisa fazer isto sozinha.
— Obrigada por aceitar vir comigo. — Suspirou. — Minha vida pessoal
não deveria o envolver tanto.
— Não diga besteira, não somos apenas patrão e funcionária, agora somos
amigos e faço questão de ajudá-la.
— Ainda assim, obrigado, parece tão pouco.
Balancei a cabeça, não queria continuar aquela conversa.
— Vamos? — apontei para frente. — Um passo atrás do outro.
Ela concordou e nos movemos juntos, entrando lentamente em seu antigo
apartamento. Eu já havia reparado que continuava bagunçado e sujo.
Manchas de sangue no chão e até mesmo restos de aparatos médicos como:
agulhas e gazes. Os paramédicos não tiveram tempo de recolher tudo o que
trouxeram e usaram o que reforçava as memórias de tudo o que aconteceu
aquele dia.
Sentia a mão trêmula e gelada dela contra a minha, seus passos não eram
tão firmes e apesar do medo evidente, seu queixo estava erguido com
determinação. Fato que me deixava estranhamente orgulhoso.
Passamos direto para o quarto dela e eu não me surpreendi em poder
detectar a presença dela em cada detalhe. As cortinas em um tom delicado de
azul, o abajur com enfeite de borboletas, as paredes rosadas.
Aquele lugar foi seu santuário por muito tempo, até que um monstro veio
e destruiu tudo o que construiu.
— Está bem? — perguntei forçando minha atenção para ela.
Vi sua garganta trabalhar ao engolir em seco.
— Sim.
— Do que precisa?
— Malas. — Apontou para as portas de cima do seu guarda roupas.
— Vou pegar.
Acenando, ela pareceu ter um choque de energia e começou a se mover.
Abrindo e fechando portas e gavetas tirando tudo o que queria. Separando de
lado as coisas que desejava doar, as que jogariam fora e aquelas que levariam
embora. Devo acrescentar que os objetos pessoas separados para levar era
bem menos do que as outras pilhas.
Ela não falou muito durante a próxima hora, somente para me guiar em
alguns momentos e no final. Duas malas fechadas era o que tínhamos para
levar embora, o que entreguei para Ciro. Todo o resto iria para doação e para
o lixo.
Se movendo devagar, Valentina se sentou na cama e olhou para o nada.
Seu suspiro partiu um pedaço do meu coração, tinha tantos sentimentos
contidos que era difícil ver e não poder fazer nada.
— Vi alguns comentários maldosos sobre a funcionária da Daslow Global
que sofria violência doméstica — disse ela sem me encarar.
Franzi a testa confuso. Eu não queria saber o que as pessoas falavam,
somente que a identidade dela fosse mantida em segredo. Que tivesse o
direito de privacidade no assunto enquanto todos os envolvidos trabalhassem
para buscar justiça pelo o que sofreu.
— As pessoas não entendem — comentou Valentina. — Acham que eu
me permiti viver tudo isto porque gostava.
— Não deveria dar ouvidos ao que esses ignorantes dizem.
Ela sorriu de lado, mas não havia nenhum brilho de felicidade em seus
olhos. Odiava quando ela dava aquele sorriso sem cor.
— Sabe, o relacionamento não começa com agressão — contou. — Axel
me fez rir, elevou minha confiança, venerou-me como se eu fosse à mulher
mais importante de sua vida. — Percebi que apertava as pontas dos dedos e
me mantive calado. — O primeiro tapa veio com inúmeros pedidos de
desculpas, pareceu tão honesto, tão arrependido, que acreditei. — Deu de
ombros. — Fui ingênua e idiota ao confiar, já que não demorou muito para
que ele me mandasse trocar de roupa e como não concordei, ele me mordeu
com força. O que me fez mudar a roupa para esconder a lesão e ele venceu
mais uma vez. — Suspirou. — Eu tentei terminar, acabar com aquela
loucura, mas as ameaças se tornaram mais eficientes, mais profundas.
— O que te deixava com muito medo para reagir — conclui quando ela
não pareceu capaz de continuar a falar.
— Sim! — apertou as pontas dos dedos novamente.
Ajoelhei-me na sua frente e segurei suas mãos, impedindo-a de continuar
com aquele hábito que estava se tornando muito presente.
— Não precisa de muito tempo para ficar presa a um homem agressivo —
contou. — Depende do tamanho da loucura do parceiro. No caso, Axel foi ao
extremo em poucos meses e quase me matou.
— Sabe que a culpa não é sua — murmurei vendo arrependimento em
seus olhos.
— Deveria ser. — Suspirou. — Olhe até onde minha ingenuidade e
covardia me levou. Perdi tudo aquilo que construí e agora pareço tão fraca e
patética.
— Valentina — digo suavemente. — Pare de se ver como vítima, se veja
como sobrevivente. Uma mulher fraca e patética não estaria aqui, enfrentando
a realidade. Ainda mais depois da ameaça que recebeu essa manhã... — a
lembrei. — Se fosse fraca, estaria trancada, chorando e não lutando para
seguir em frente.
Ela soltou um longo suspiro e me surpreendeu ao me abraçar. Não tinha
certeza o que significava, se estava agradecendo ou somente querendo um
abraço. No entanto, envolvi meus braços ao seu redor e permiti que ela
encontrasse naquele contato tão íntimo o que precisava.
Quando nos afastamos, pareceu câmera lenta e tudo o que eu podia ver era
como ela era linda. Seus cabelos castanhos molduravam um rosto elegante. O
nariz perfeitamente desenhado e os lábios mais carnudos do que me
lembrava.
— Você é linda — murmurei. — Nunca, jamais, se permita pensar o
contrário.
Acenando, ela colocou mais distância entre nós e eu fiquei agradecido.
Porque descobri uma terrível vontade de beijá-la... E se continuasse tão perto,
não resistiria e faria uma besteira.
— Acredito que peguei tudo o que precisava — disse ela.
— Bom! — me levantei. — Vamos embora.
— Não quero ficar nem mais um minuto aqui.
— Desculpe perguntar, mas realmente planeja vender o imóvel?
— Sim! — pegou sua bolsa. — Amanhã entrarei em contato com uma
corretora e colocarei tudo o que está aqui dentro à venda.
— Bom plano.
— Obrigada.
— Quer comprar o apartamento que mora hoje? — perguntei a seguindo
para fora do quarto.
— Como assim? — franziu a testa parecendo surpresa.
— Eu o vendo para você. — Ofereci.
— Acredito que não poderia pagar e não aceitaria que me vendesse por
um preço abaixo do valor de mercado.
Segurei a vontade de revirar os olhos, claro que ela diria isto.
— Seu salário lhe beneficiaria um financiamento em qualquer banco,
principalmente dando uma boa entrada. — Acenei mostrando que seria o
valor do apartamento.
Eu não precisava do apartamento que aluguei para ela e com toda certeza
poderia vender por um valor baixo. Porém, o olhar determinado em seu rosto
me dizia que não aceitaria nenhuma regalia de minha parte. Era justo. Se eu
estivesse em seu lugar, também não gostaria de ser beneficiado, me sentiria
mais fraco, mais vítima, mais impotente.
— Vamos falar sobre isto depois, agora eu preciso ir. — Olhou o delicado
relógio em seu pulso. — Tenho uma sessão com Ítalo.
— Bom, vamos.
Reparei que na saída para o corredor ela ficou tensa, como se estivesse
com medo de encontrar aquele verme do lado de fora. Não falei nada, permiti
que ela mesma checasse que estava segura ao ver os três seguranças.
Voltamos pelo mesmo caminho, descendo as escadas e nos despedimos do
porteiro, o senhor Pereira. Eu sabia que ele não era culpado pelo o que
Valentina sofreu, mas nada me fazia esquecer que o homem estava dormindo
na portaria em vez de controlar quem entrava e saía do prédio.
Ciro a colocou em segurança dentro do carro, mas antes de fechar a porta
me aproximei.
— Você está bem? — perguntei preocupado.
— Sim. — Acenou. — Conversar com Ítalo agora vai ajudar a aliviar os
sentimentos turbulentos do dia.
— Espero que sim, mas qualquer coisa é só me chamar. — Me ofereci. —
Sabe onde me encontrar.
— Obrigada por vir aqui comigo.
Sorri de lado.
— Obrigado por confiar em mim para acompanhá-la.
Trocamos um olhar que dizia mais do que palavras, algo íntimo que
somente nós dois entendíamos apesar de não sabermos explicar.
Dei um passo atrás e fechei a porta. Olhei para Ciro que esperava por
minhas ordens, eu tinha uma sensação estranha no peito. Como se
estivéssemos sendo observados.
— Faça um caminho diferente e bem confuso tanto para o consultório de
Ítalo, quanto para casa — ordenei. — Garanta que ninguém esteja os
seguindo.
— Farei isto, senhor.
Observei o homem entrar no carro junto com seu irmão e arrancar para
longe. Alex estava um passo atrás de mim, atento a qualquer movimento e
esperando que eu me movesse para ir embora.
Olhei a calçada do outro lado com o cenho franzido. Sentia os cabelos da
nuca arrepiados, não era boa coisa. Esfreguei o pescoço procurando por algo
que ainda não tinha certeza.
— Chefe? — Alex chamou.
Não me dei o trabalho de responder. Arrastei meus olhos atentos por cada
porta e espaço que conseguia alcançar, até que encontrei um homem a alguns
metros de distância, escorado em um poste. Escondia o rosto com boné,
capuz e óculos escuros, mas eu sabia que era ele, Axel.
— Ei, você! — gritei já correndo em sua direção. — Seu verme!
O homem virou em seus pés e correu pra longe. Amaldiçoei e tentei
alcançá-lo, mas de alguma forma ele se escondeu muito bem, pois tudo o que
vi foi uma avenida em movimento com muitas pessoas e carros.
Virei, olhando de um lado para o outro, tentando encontrar uma pista ou a
menor sugestão do homem que maltratou Valentina por meses. Até que o vi
entrar em um ônibus rapidamente.
— Filho de uma cadela! — praguejei.
— Chefe, ficou louco? — Alex perguntou. — Ele poderia estar armado...
— Chame os advogados, os investigadores e a polícia — ordenei o
interrompendo. — Consiga imagens de segurança de cada prédio nesta
direção — observei o ônibus sumir na avenida. — As imagens do ônibus
também, vamos descobrir em que direção ele seguiu.
— Vou fazer isto. — Acenou concordando. — Mas nada de corridas atrás
de bandidos.
O olhei com o cenho franzido, claramente dizendo que eu ainda era o
chefe. Mesmo sabendo que Alex não se importava, ele cuidava da minha
segurança desde que era um adolescente com muitos hormônios sem
controle. Eu era o chefe, mas Alex fazia parte da família Daslow, ele não
ligava para minha opinião quando me colocava em risco. Segurei um bufo,
sabendo que iria parecer imaturo, então, somente acenei concordando
enquanto caminhava de volta para o carro.
Minha mente estava em chamas, aquele verme estava há poucos metros de
Valentina. A observando de perto e procurando brechas para chegar até ela.
Murmurei outras ordens para Alex, eu queria ter mais segurança a seguindo,
vigiando o condomínio em que morávamos e até mesmo o bairro.
Eu jamais tomaria decisões por Valentina, ela precisava se livrar dos
pesadelos sozinha. Lutar por si mesma, seguir em frente mesmo quando
existir barreiras em seu caminho. Isto e muitas outras coisas, mas havia algo
que eu poderia fazer, mantê-la segura, longe do monstro que a aterrorizou, e
não falharia nisto.
Capítulo Dezenove
Valentina
Às vezes, a vida nos dá umas rasteiras que você fica sem entender o que
estava acontecendo, como eu naquele momento. Benjamin e a doutora Ellen
me encaravam com preocupação. Estávamos sentados na sala de reunião para
falarmos sobre o meu caso de violência doméstica.
— Tina? — Benjamin se inclinou para mais perto.
— Ela está em choque, talvez devêssemos chamar o doutor Cooper —
disse Ellen.
Pisquei lentamente.
— Não chame Ítalo, estou bem — murmurei. — Acho.
Ontem eu havia ido ao meu antigo prédio recuperar alguns pertences e
finalizar aquela etapa da minha vida. Hoje, recebo a notícia de que Axel se
apresentou na delegacia e até então não foi preso.
— Tina, você tem certeza? — Benjamin perguntou.
— Não! — suspirei. — Como assim ele não foi preso?
Não conseguia entender aquela situação.
— Ele ficará detido por quarenta e duas horas até que consiga o alvará de
soltura — explicou a advogada. — Como não foi flagrante, consegue esse
tipo de benefício.
Balancei a cabeça em negação.
— Ele quase me matou, fugiu e ainda tem benefícios.
— Peço desculpas pela lei ineficiente, Valentina.
— É inacreditável — Benjamin praguejou.
— Eu ainda não contei tudo — disse ela com cuidado. — Axel, acusa
Valentina de tentar matá-lo naquela noite, por isto reagiu de forma agressiva.
Meus olhos estavam arregalados em descrença.
— Puta que pariu! — exclamou Benjamin.
— Afirmou não fugir, mas sair em viagem para esfriar a cabeça.
Apresentou provas de que esteve fora da cidade no dia seguinte ao ocorrido
— contou ela. — Ele será solto, mas usará uma tornozeleira eletrônica que
avisará a central toda vez que estiver perto de você.
— Não posso acreditar que isto está acontecendo — murmurei. — Eu
nunca tentei matá-lo — jurei. — Posso ter arranhado e até mordido, mas foi
tudo o que consegui fazer para me defender.
— Sabemos disto, Valentina. — Ela disse com gentileza. — Quando
esteve no hospital todas as amostras que foram recolhidas vão provar que o
DNA eram dele. — Determinação enchia seus olhos. — Foi uma boa jogada,
mas isto não o livra da verdade. Nós vamos fazê-lo pagar por tudo o que te
fez, não vai sair livre como se tivesse o direito.
— Obrigada — murmurei.
— Não me agradeça, o mundo seria melhor sem homens como ele.
Acenei concordando e segurei o choro.
— Qual é o próximo passo agora? — Benjamin perguntou sério.
— Precisamos ir até a delegacia e prestar um novo depoimento —
respondeu a advogada. — Ambos. — Apontou. — É importante reafirmar o
que viu naquela noite, senhor Daslow.
— Farei isto.
— Bom. — Acenou. — Primeiro iremos repassar tudo juntos para depois
conversamos com o delegado.
Concordei e pela próxima hora revivi tudo o que aconteceu com o coração
pesado. Eu só queria que aquele pesadelo acabasse logo. Por que era tão
difícil para a lei ver a verdade? Por que o tratavam como ‘suspeito’ e não
como o criminoso que era? Por que a lei era tão fraca e não protegia quem
realmente precisava?
Eu tinha inúmeras perguntas e indignações, mas para nenhuma delas
existia respostas.
Então, ergui meu queixo e alinhei a coluna enquanto seguia para a
delegacia acompanhada de minha advogada e meu chefe, homem que se
tornou um grande e especial amigo.
O trajeto de quarenta minutos pareceu mais longo do que realmente era,
no entanto, fiquei em silêncio ouvindo todas as instruções de Ellen. Benjamin
estava em outro carro, mas eu tinha a sensação de que estava tão tenso quanto
eu.
Ao chegar à delegacia, fui levada no mesmo instante para a delegada do
local. Ela me recebeu muito bem e fez todas as perguntas que achou
necessário. O que aprofundou um pouco mais a tristeza em meu peito.
Sentia-me impotente, desvalorizada e até mesmo desrespeitada, pois tudo o
que sofri não era suficiente para manter Axel preso.
A delegada mostrou simpatia e até mesmo se desculpou pela fraqueza da
lei. Não a culpei, somente acenei aceitando o fato e segui para fora onde
encontrei Benjamin me aguardando ao lado de um homem alto de terno. Já o
tinha visto antes na empresa, mas nunca conversado.
— Leo, está é Valentina — disse ele. — Tina, esse é Leonardo Sabag.
— É um prazer conhecê-la, Valentina. — Ofereceu a mão. — Apesar das
circunstâncias.
— O prazer é meu — digo.
Leonardo encarou Ellen com um olhar sério.
— Benjamin já foi ouvido e liberado, acredito que por hoje acabamos
aqui.
— Sim, Sabag. — Acenou ela. — Enviarei o pedido de DNA para
comparar as amostras com urgência e vamos garantir que esse homem não
saía por essas portas sem algemas.
Todos acenaram concordando.
— Te vejo amanhã — disse Leo a Benjamin. — Estou louco para vê-lo
perder. — Riu.
Havia uma competição clara entre eles.
— Isto não vai acontecer.
Ellen bufou e acenou para Aslan que estava perto da porta principal da
delegacia.
— Homens — resmungou, mas me encarou com atenção. — Tire o dia de
folga, vá descansar um pouco e tenha certeza de que vamos fazer o
impossível para mantê-la segura.
O segurança ficou um passo atrás, pronto para me guiar até o carro.
— Obrigada.
Ela me abraçou com o carinho de uma amiga.
— Não por isto, nós mulheres devemos sempre nos unir.
— Não tenho certeza se concordo. — Leonardo fingiu estremecer.
— Eu já nem brigo a respeito. — Brincou Benjamin.
— Claro que não, você é um homem criado por mulheres. — Leonardo o
provocou.
Benjamin revirou os olhos como se já tivesse ouvido aquilo um milhão de
vezes.
— Homens! — bufou Ellen.
Eles riram gostando de provocá-la.
— Brincadeiras à parte, Valentina, vamos garantir que Axel pague por
tudo o que fez a você. — Leonardo disse sério.
— Obrigada.
— De nada. — Sorriu e acenou se despedindo.
Ele se afastou com Ellen.
— Você está bem? — perguntou Benjamin.
— Eu não sei.
— O que precisa?
O encarei sem saber como responder a isto.
— Acredito que um pouco de ar livre — respondi cansada.
— Vamos tirar o dia de folga.
Arregalei os olhos.
— O que?
— Confie em mim, vai se sentir muito melhor.
— Minha agenda...
— Cancelada. — Me interrompeu. — A minha também. — Sorriu
travesso.
— Fugindo do trabalho em plena terça-feira? — questionei o seguindo
para fora.
— Eu sou o chefe. — Deu de ombros. — Eu posso.
— Exibido.
Ele riu e acenou para que eu entrasse no carro. No minuto seguinte
estávamos seguindo pela avenida. Benjamin não disse para onde estávamos
indo, mas se livrou do terno e dobrou as mangas da camisa até os cotovelos.
Queria me bater por começar a reparar em como ele era bonito.
Irritantemente bonito. Sorriso perfeito. Olhar esperto. E os lábios... Meu bom
Deus... Eram extremamente beijáveis.
Não que eu estivesse disposta entrar em outro relacionamento,
principalmente um que parecia muito complicado com meu chefe, mas isto
não significava que eu era cega.
No entanto, meus pensamentos não duraram muito ao perceber onde
estávamos.
— Praia?
— Sim! — sorriu. — Quando foi à última vez que esteve em uma?
— Nas docas a trabalho? — chutei.
Ele me olhou com atenção.
— Peço desculpas por levá-la lá aquele dia, hoje entendo o porquê estava
tão nervosa.
— Não se preocupe com isto Benjamin, não tinha como você saber.
Sua mão segurou a minha.
— Você é tão corajosa. — Me elogiou. — Foi até lá sabendo que ele
poderia estar a seguindo.
— Não diria isto se soubesse o quão apavorada estava.
Ele sorriu.
— Isto só me mostra como é corajosa. — Sinceridade brilhou em seus
olhos. — Comece a analisar suas ações de um ponto de vista diferente e irá
ver o que estou te falando.
— Vou tentar — prometi.
— Bom — se inclinou para frente e bateu no banco — Pare aqui Alex.
Descemos do carro e estranhei quando ele me guiou para dentro de uma
das lojas beira mar.
— O que posso fazer para ajudá-los? — perguntou a atendente.
— Ela precisa de um biquíni — informou Benjamin.
— Como? — arregalei os olhos.
— De preferência um bem pequeno — disse rindo.
— Benjamin! — exclamei.
Ele me encarou ainda sorrindo como se estivesse adorando aquele
momento.
— Chinelos e saída de praia — disse. — Acho que é assim que se fala.
— Você está brincando? — perguntei um pouco assustada.
— Claro que não — respondeu ele. — Não podemos ficar na praia como
se fossemos fazer uma reunião, o mar é sagrado pra mim. — Encarou a
vendedora. — E se você tiver sungas e chinelos que caibam em mim, também
quero.
A vendedora estava com uma expressão muito animada para o meu gosto.
Ela tinha um olhar atento sobre Benjamin que acabou me fazendo ficar com
as sobrancelhas franzidas.
— Vamos lá, Tina, um dia de folga. — Insistiu ele.
— Tudo bem.
A ideia de me sentir livre lá fora pareceu tentadora demais para negar.
Passamos um bom tempo procurando roupas confortáveis e saímos da loja
como turistas em férias.
Neguei a saída de praia, mas aceitei um short curtinho na cor preta e um
biquíni cortininha azul escuro. Benjamin encontrou um par de chinelos do
seu tamanho e em vez de sunga, já que não gostou das opções que tinha,
escolheu uma bermuda de surfista.
Saímos já vestidos e Alex tinha um sorriso satisfeito nos lábios que
Benjamin fingiu não ver, mas entregou nossas roupas anteriores para que ele
guardasse.
— Vamos! — me puxou pela mão. — Começaremos por uma água de
coco bem gelada.
— Você é louco.
— Algo parecido. — Riu. — Sempre venho a esse quiosque, viramos
parceiros do garçom.
Ele acenou para um rapaz pedindo uma mesa na areia. Não demorou um
minuto para que ele viesse sorrindo em nossa direção.
— E aí chefe, adiantou o futevôlei?
— Tirando uma tarde de folga, parceiro.
— Está certo. — Abriu um guarda sol na mesa. — O que vão querer
primeiro?
— Dois cocos gelados — pediu Benjamin.
O rapaz acenou e saiu correndo.
— Venha, sente na sombra — disse Benjamin. — Daqui a pouco Ciro
aparece com o protetor solar e você poderá aproveitar o sol.
— Você sempre pensa em tudo? — perguntei.
— Na maioria das vezes. — Riu. — Hoje eu não quero que você se
preocupe com mais nada, somente relaxe.
— Obrigada.
— O prazer é todo meu — garantiu.
Encarei as ondas balançando agitadas no imenso mar azul e respirei
devagar. Me senti agradecida pelo cuidado de Benjamin, ele estava certo.
Aquele lugar faria me sentir melhor. Ficou perfeito quando o garçom voltou
com os cocos e a água docinha e gelada foi muito bem-vinda.
— Um homem uma vez disse — comentou Benjamin conseguindo minha
atenção. — Seja como as ondas do mar — encarei o horizonte novamente —,
que mesmo quebrando contra os obstáculos encontram força para
recomeçar.

Seja como as ondas do mar


Que mesmo quebrando contra os obstáculos
encontram força para ... recomeçar.
(S. Bambaren)
Capítulo Vinte
Benjamin
Respirei fundo, relaxei o corpo e me permiti boiar nas águas do mar. As
ondas estavam um pouco mais tranquilas ao chegar quase no fim da tarde. O
vento soprava frio, o que fazia minha pele arrepiar, mas o importante era que
no horizonte eu tinha a melhor visão do pôr do sol.
— Obrigada — ouvi Valentina dizer. —, me sinto livre novamente,
mesmo que seja somente por algumas horas.
— Você é livre pelo tempo que desejar — respondo despreocupado. —
Axel não vai sair daquela cela, e se sair, não irá lhe fazer nenhum mal.
— Não entendo como pode ter tanta certeza, mas ainda assim, me sinto
muito agradecida.
— Eu também estou agradecido. — Ri. — Escapei das mulheres Daslow.
— Como assim?
— Soube que elas planejavam me visitar — contei. — Tenho bons
informantes.
— Tadinhas! — Valentina soltou um riso baixo.
— Tenha dó de mim, não delas. — Segurei sua mão. — Vamos voltar.
Nadamos até a areia e caminhei direto para a ducha, eu amava o mar, mas
odiava o sal na pele. Principalmente nos olhos. Valentina não parecia
diferente, ela se apressou para se lavar e eu para manter minha atenção em
outro lugar.
Assumo, sou um idiota.
Mas quem poderia me julgar? Valentina exibia um corpo exuberante com
curvas que tentavam até o mais santo dos homens! Para piorar tudo, descobri
que apreciava sua bunda cheia e cintura arredondada, tanto que meus dedos
coçavam para tocá-la.
Seu corpo havia se recuperado completamente, mas eu sabia que não
podia dizer o mesmo de sua mente. Isto fez meus pensamentos se acalmarem
ao imaginar o quanto estaria traumatizada em relação ao toque masculino.
Por isto, respirei fundo e mantive meus olhos o mais longe possível. Fato
que tinha feito boa parte do dia enquanto conversávamos e comíamos. Uma
longa e contínua tortura, mas que valia a pena por vê-la tão descontraída e
aparentemente feliz.
Isto me preocupou um pouco, até onde ela se manteria assim?
Tentei tirar essa emoção do meu rosto para que ela não visse, me lavei e a
guiei de volta para o calçadão. Acenei para Robertinho, o garçom do
quiosque, sabendo que Alex já tinha finalizado minha conta e recolhido
nossos pertences.
Era hora de voltar para casa.
Perto do carro, ela se virou e sorriu para mim. Era o sorriso mais honesto e
encantador que eu tinha já visto nela, algo puro que me deixou hipnotizado
por alguns segundos.
— Energias renovadas. — Seu sorriso não se apagou. — Quando era
criança, vivia na praia. — Nostalgia brilhou em seus olhos. — Tinha me
esquecido o quanto é bom.
— Seus pais moram perto do mar — digo me lembrando de uma conversa
anterior.
— Sim. — Empurrou os cabelos molhados para trás.
Segurei um gemido de frustação. Ela não fazia nenhum esforço para ser
sensual, a coisa toda exalava por seus poros.
Acenei para Ciro pedindo por toalhas, eu não perguntava como, mas os
seguranças eram bons. Não perdiam nenhum detalhe e estavam prontos para
qualquer situação, isto incluía minhas necessidades. Como a de uma toalha.
Passei uma para Valentina na terrível tentativa de cobri-la, mas mesmo
enrolada no tecido macio, ela continuava sexy. Deus, eu precisava de uma
noite de sexo casual. Os hormônios estavam afetando meu comportamento,
não tinha outra explicação.
— Senhor.
Encarei Alex.
— Sim? — ergui uma sobrancelha.
— Fui informado que sua mãe, avó e tias estão em sua casa.
Foi impossível não fazer uma careta.
— Precisando de um lugar para se esconder chefe? — Valentina
perguntou.
— Algo parecido. — Brinquei.
— Pode ficar comigo até que tenha caminho livre — se ofereceu.
— Tem certeza? — perguntei a observando. — Não se enjoou da minha
cara?
Ela riu.
— Deixa de ser bobo, Bem, é impossível enjoar de você.
Mesmo que isto acabasse com o resto da minha sanidade, aceitei seu
convite. Entramos no carro e seguimos em direção ao nosso condomínio que
era uns trinta minutos dali, aproximadamente.
— Por que está correndo das mulheres? — Valentina perguntou curiosa.
— Algo sobre uma festa de premiação. — Dei de ombros.
Ela estreitou os olhos para mim, buscando pelas informações que eu não
dei.
— Premiação? — questionou.
— Sim! — bufei.
— Você ganhou algum prêmio — concluiu o óbvio.
— Sim.
— E parece não querer recebê-lo — disse pensativa.
— Sim.
— Pare de dizer isto e me conte tudo. — Exigiu.
Segurei para não revirar os olhos, Valentina podia ser tão mandona quanto
minhas tias.
— Eu não preciso de um prêmio de reconhecimento por fazer um
excelente trabalho e ficar rico. — Fiz um gesto desdenhoso com as mãos. —
Deveriam premiar uma professora, um limpador de rua, bombeiros, policiais
etc.
— Mas você se destacou, merece o prêmio.
Bufei.
— Sistema monetário, Tina — digo. — Importo, exporto, e ganho
dinheiro. Simples. Apesar de pagar meus impostos e empregar muitas
pessoas, não é suficiente para um troféu.
— Entendo seu ponto de vista, mas se ganhou, aceite. — Deu de ombros.
— Aceitar seria a coisa mais fácil, mas minha mãe quer uma festa de gala.
— Ela enrugou o nariz. — Muitas pessoas, smoking, vestido, champanhe,
whisky e horas de baboseira.
— Olhando por esse ponto, parece chato.
— Muito.
— E eu achando que você era um homem de gala. — Zombou.
— Prefiro um chope em um bar com música ao vivo e sair tropeçando em
meus pés — digo rindo. — Não bebericando uísque e ouvindo bajuladores.
— Você é terrível.
— Somente sincero.
— Tenho a sensação de que você não vai conseguir fugir desta festa.
— Eu sei. — Dei de ombros.
— Então, por que está fugindo? — franziu a testa confusa.
— Pra não ceder facilmente. — Ri. — Basta minha mãe dizer que vai
fazer e eu assino embaixo, sem nem piscar.
Ela gargalhou.
O som mais rico e encantador que já ouvi, precisei me segurar para não
ficar encarando-a como um bobo. Era assim toda vez que a ouvia gargalhar,
leve e totalmente livre de seus demônios.
— Você é terrível.
— Devo manter meu nome. — Brinquei. — Ou em minutos os jornais
estariam falando em como Benjamin Daslow é um pau mandado.
Ela riu mais e eu revirei os olhos fingindo indignação, mas a verdade era
que estava admirado-a com toda aquela espontaneidade.
Trocamos algumas provocações e logo estávamos em nosso prédio. Como
combinado, desci em seu andar e aceitei seu apartamento como esconderijo.
Eu sabia que as loucas, exageradas e faladeiras mulheres da minha família
que eu tanto amava, dominaram minha casa.
Alex me passou uma bolsa com roupas limpas e novamente não perguntei
como ele conseguia tanta eficiência para arranjar o que eu precisava sem sair
do meu lado. Realmente não me importava muito, mas sabia que no dia que
uma gripe pegasse esse homem eu estaria ferrado. Engoli o riso e segui
Valentina para dentro do apartamento.
— Você conhece o lugar, pegue o quarto ao lado do meu e fique à
vontade.
— Obrigado. — Acenei.
Mal demos alguns passos e a campainha tocou. Ela ficou tensa e eu bufei,
sabia quem seria.
— Diga que não estou aqui — corri para me esconder e Valentina riu.
Acredito que ela ficou imaginando como eu sabia que era minha mãe.
Tina caminhou de volta para a porta e a abriu com tranquilidade.
— Emília, que bom vê-la.
— Minha querida, você está com uma aparência ótima.
Valentina riu baixinho.
— Um pouco de sol e mar podem fazer maravilhas — respondeu ela.
— É verdade — disse mamãe e eu sabia que ela estava sorrindo. — Vim
aqui para dizer ao meu filho que ele não vai fugir por muito tempo. — Fez
uma pausa. — Sei que ele está aqui, também tenho meus informantes.
— Acho que ele sabe que não tem como fugir — disse Valentina bem-
humorada.
— Benjamin? — chamou, mas eu não respondi enquanto segurava o riso.
— Em quinze dias teremos uma grande e exagerada festa de premiação.
Meu sorriso se desfez e eu gemi frustrado. Saí do meu esconderijo e a
encontrei na porta com um olhar vitorioso.
— Combinado, querido?
Fiz um som de engasgo.
— Sim — resmunguei.
Valentina tampou a boca, cobrindo o riso.
— Ótimo! — exclamou com elegância. — Vou voltar para a sua
cobertura, devo informar que suas tias e avó estão bebendo seu chope de
barril.
Bufei.
Não seriam elas se não fizessem algo do tipo.
— Nos dê algumas horas e seu apartamento estará livre da melhor parte
desta família. — Piscou e virou em seus saltos. — As mulheres desta família
são incríveis, bem-vinda ao clube Tina.
Acredito que meu rosto ficou pálido, minha mãe viu algo que nem eu ou
Valentina tínhamos visto e isto me apavorou um pouco. Fechando a porta, ela
me encarou pensativa, mas deu de ombros como se gostasse do que ouviu e
sorriu para mim.
— Vou te dar abrigo por algumas horas. Tenho certeza de que prefere
ficar aqui a ser devorado lá em cima por suas tias.
— Obrigado? — perguntei em um resmungo. — Não vou escapar de Iaiá
por muito tempo — cruzei os braços. — Ela adora uma boa festa.
— Esmeralda em um vestido? — perguntou franzindo a testa.
— Justo, decotado e com uma grande parcela de elegantes joias.
Ela riu e apontou a direção.
Seguimos pelo corredor, entrei no primeiro quarto e fechei a porta
devagar, mas a tempo de ouvi-la suspirando e se fechando no cômodo ao
lado. Apressei-me para tomar banho, queria estar perto dela novamente, pois
tinha a sensação de que não encontraria a Valentina sorridente de minutos
atrás.
Banho tomado, jeans, camiseta e arrumando os cabelos com os dedos,
segui para a sala e esperei por ela.
Fiquei ansioso e sem saber o que fazer, mexi em sua cozinha buscando por
um lanche fácil para dois. Mas acabei fazendo algo prático, ligando a
máquina de café. Era só colocar água, capsulas e ficaria pronto em alguns
segundos.
Foi então que ela apareceu de camiseta, short curto, pés descalços, cabelos
molhados e olhos vermelhos. Esteve chorando. Abri os braços chamando-a
silenciosamente.
Ela sorriu de lado, aquele sorriso sem brilho que eu tanto odiava, deu
alguns passos à frente e se embrulhou em meu peito. Algo se encaixou em
mim, como se me dissesse que aquele lugar pertencia a ela.
Em silêncio, ficamos abraçados, sem constrangimentos ou culpas.
Somente apreciando o conforto que aquele contato íntimo oferecia.
Capítulo Vinte e Um
Valentina
— Sabe que eu não leio mentes — disse o abusado do Ítalo.
Depois do tempo que passamos juntos nas sessões de terapia eu aprendi a
confiar nele. Não tenho a menor dúvida da sua capacidade profissional,
embora sua personalidade fosse intrigante. Apesar de estar sempre focado na
lógica, eu tinha certeza de que um dia ele não poderia usá-la para explicar
tudo.
A confiança também me trouxe a liberdade de falar sobre todos os
assuntos que me incomodavam, tornou-se um bom amigo. No entanto, tinha
dias, como hoje, que eu não sabia por onde começar.
A festa de premiação seria amanhã e eu estava tensa com o fato, mas o
pior de tudo era que o passar dos dias me aproximou muito de Benjamin.
Meu bom Deus, eu estava atraída por ele da pior forma possível e não sabia
como lidar com o assunto.
— Se não começar a falar, vou ter que fazer deduções. — Ameaçou ele.
Bufei.
Ítalo era muito bom em deduzir, mas geralmente me irritava no caminho
de sua descoberta.
— Não sei como me sentir a respeito de algo — comecei.
Cruzei os braços tentando me proteger, o que o fez erguer as sobrancelhas
arrogantes.
— Conte-me e vamos ver o que fazer a respeito.
O maldito nem escondia a curiosidade de seus olhos.
— Não sei se deveria dizer. — Suspirei. — Estou confusa.
— Sabe que não precisa me falar se não se sente confortável, mas se isto
está agitando-a de alguma forma devemos discutir o assunto — disse sério e
bem observador. — Sua saúde mental é minha prioridade.
Segurei para não revirar os olhos.
— Acredito que não é nada sério.
— Está errada, se a incomoda é de grande relevância.
Respirei fundo buscando por coragem para confessar.
— Me sinto atraída por Benjamin.
Nenhuma emoção se mostrou no rosto de Ítalo.
— Atraída ou agradecida? — questionou.
— Sou grata, mas não tem nada a ver com a atração.
— Como tem certeza?
— Vejo a diferença. — Suspirei. — A gratidão não me impede de desejá-
lo.
— Isto a incomoda?
— Claro.
— E por quê?
— Ele é o meu chefe — respondi o óbvio. — E meu amigo. — Esfreguei a
têmpora. — E eu não me sinto pronta para ter um relacionamento, se passou
quase três meses do meu inferno com Axel.
Axel não conseguiu sair da prisão depois de algumas horas, como
planejava. Doutora Ellen correu para ter o resultado de DNA das amostras
retiradas do meu corpo no hospital, comprovando sua agressão. Um pedido
de pressão foi expedido e ele ficará no mínimo sessenta dias sob custódia. No
entanto, seus advogados continuavam trabalhando duramente para amenizar a
culpa dele e colocá-lo nas ruas novamente, onde poderia voltar a me
machucar.
Não queria pensar nisto naquele momento, somente entender a agitação
que sentia quando Benjamin estava por perto. Desde o dia em que estivemos
na praia, algo pareceu mudar. Um sentimento bom e acolhedor se instalaram
dentro do meu peito. Isto sem acrescentar a forma que passei a observar seu
corpo.
Segurei um gemido frustrado com o pensamento.
— Benjamin mostra o mesmo interesse? — perguntou tirando-me de meus
pensamentos.
— Não sei. — Dei de ombros.
— Se ele demostrasse, o afastaria?
— Também não sei — digo frustrada.
— Só sabe que está atraída por ele e que não envolve gratidão.
Fiz uma careta impaciente.
— Ítalo, se fosse gratidão eu estaria dizendo que me apaixonei por ele, o
homem que me salvou.
— E não está? — ergueu as sobrancelhas.
— Não, eu o desejo — confessei sem a menor vergonha. — Atração, não
amor — expliquei como se falasse com uma criança, ele me olhou feio. —
Amor é um sentimento complexo, que leva tempo, pois se constrói aos
poucos.
— Sem a baboseira de amor — me cortou.
— Nunca se apaixonou? — nossa amizade me dava a liberdade de
perguntar.
— Claro que não — pareceu horrorizado.
Gargalhei alto.
— Amor não é lógico — disse como se explicasse tudo. — Eu entendo de
sexo, casual e consensual.
— Frio, sem emoção e por uma noite. — Provoquei ainda rindo.
— Diz a mulher que quer pular em meu pobre amigo — retrucou.
Não me importei com sua falta de profissionalismo, Ítalo não era uma
pessoa comum. E a liberdade de provocações era sempre muito divertido.
— Não é a mesma . — Revirei os olhos.
— Então, me diga o que é? — voltamos ao meu assunto.
— Já disse, eu não sei explicar. — Recostei na poltrona. — Ele me atrai.
— E isto a assusta — concluiu com gentileza no olhar.
— Sim.
— Tem medo do toque masculino?
— Não de aperto de mãos.
— Sabe que não é disto que me referia.
Claro que sabia, só não queria dar o braço a torcer rapidamente.
— Não tenho uma resposta para sua pergunta.
— Como foi sua vida sexual antes do relacionamento com Axel? —
perguntou sério.
— Normal.
Ele riu baixo.
— Isto não parece bom. — Provocou.
— Idiota! — bufei querendo bater na cara dele. — Quando digo normal,
quero dizer, gostoso e consensual.
— Bom — estreitou os olhos. —, alguma vez o sexo com Axel foi
consensual?
— Na maioria das vezes. — Engoli em seco.
— Quando mudou?
— No dia em que o mandei ir embora e que não voltasse mais. — Fechei
de leve os olhos tentando apagar as lembranças terríveis de minha mente. —
Ele nunca havia me machucado desta forma antes.
— A agressão costuma crescer com o passar do tempo.
— Sim, progrediu a cada semana. — Acenei. — Um tapa, depois um soco,
mordidas e assim foi até chegar ao espancamento e estupro.
— Quantas vezes ele a violentou? — perguntou com suavidade.
— Quatro. — Engoli em seco. — Em momentos de grandes explosões
dele.
— Como quando machucou seu ombro. — Observou.
— Sim. — Desviei o olhar. — É difícil entender o que fiz para merecer
essa brutalidade.
— Já falamos disto antes, Valentina — disse sério. — Nenhum tipo de
agressão que sofreu foi merecido. Os relacionamentos devem ser saudáveis e
cheios de companheirismo, quando isto não acontece, a tendência é finalizar
o romance. — Seu tom era paciente. — O ciúme exagerado e a
possessividade geralmente induz a violência, algo que infelizmente se tornou
muito comum nos dias de hoje — cruzou o tornozelo em cima da perna. —
Não acontece somente com mulheres, às vezes homens são as vítimas e em
muitos casos, crianças são os grandes alvos.
— Isto é terrível.
— A violência doméstica é muito mais do que um problema cultural, se
tornou um gigantesco problema social. Estudos apontam que uma em cada
três mulheres é vítima de violência doméstica. Sem contar que a cada quinze
segundos uma mulher é agredida no país. — Suspirou de leve. — E não para
por aí, sete em cada dez são assassinadas por alguém com quem elas tinham
um relacionamento amoroso.
— Os dados são assustadores — murmurei.
— Sim, a ideia de possuir algo, ou melhor, alguém, tem feito muitas
vítimas. As pessoas esquecem-se do livre arbítrio e querem ser donos,
possuir, domar e quando seu parceiro não aceita, a violência é o caminho
mais fácil para conseguir a submissão — explicou. — Não é certo, nem
correto, ou aceitável — disse intensamente. — Somos donos do próprio
corpo e fazemos nossas próprias regras, ninguém deveria nos tirar esse poder
— afirmou. — Quando acontece, a culpa jamais será da vítima, e sim do
agressor que precisou humilhar um ser humano para se mostrar mais forte em
sua própria fraqueza.
— Por que sempre diz isto?
— Não é fácil entender a mente de um agressor, mas tudo se explica
quando vemos que na maioria das vezes eles precisam dominar um ser
aparentemente mais fraco — disse tranquilo. — Ele acredita que como você
não se dobra a suas vontades, tem que quebrar sua coragem, pois você é forte
suficiente para discordar dele.
— Eu não entendo. — Suspirei.
Ele sorriu de lado, leve e simples.
— Você era a pessoa forte do relacionamento, Tina — disse com
intimidade. — Axel temia sua força, ele se apaixonou ao descobrir a mulher
linda que é por dentro e por fora, e eu chuto que teve medo de perdê-la —
explicou. — Por isto exigia que trocasse suas roupas, que não usasse
maquiagem, que não falasse com outros homens. — Suspirou. — Que não
tivesse amigos e que sentisse medo suficiente para não o deixar. Queria
guardá-la somente para ele.
— Está supondo.
— Sim, é o que acontece na maioria das vezes. — Acenou. — Ele a queria
como propriedade, como posse, o que explica o ciúme exagerado. Qualquer
homem que chegasse perto demais era uma ameaça. E a raiva era descontada
em você, o que automaticamente a fazia evitar qualquer proximidade
masculina.
— Ele sempre dizia que ninguém iria me querer, além dele.
Ítalo estreitou os olhos.
— Violência psicológica. — Acenou. — Afirmou tantas vezes, que você
começou a acreditar. — Pareceu pensativo. — Tem medo de que Benjamin
não sinta a mesma atração que você — afirmou.
— Não tenho certeza. — Hesitei.
— Essa era a intenção de Axel, fazê-la ficar longe das atenções
masculinas.
— Eu não...
— Você sim, acredita que não é atraente suficiente para o poderoso
Benjamin Daslow.
Bufei.
— Pare de fazer suposições.
— Vamos fazer o seguinte, Valentina. — Deu aquele irritante sorriso que
afirmava “estou certo e vou provar”. — Se olhe no espelho todos os dias e
veja as mentiras que Axel jogou em você. É linda e nada mudaria isto. Vai
ver que muitos homens brigariam como bárbaros para tê-la ao seu lado —
afirmou. — E sobre a atração que está sentido, se permita desfrutar. Se quiser
ser beijada, deixe-o beijá-la. Se precisa ser tocada, deixe que ele a toque.
— Você só pode estar brincando — cruzei os braços.
— Não estou — retrucou. — Você sofreu um grande trauma e ainda existe
uma ameaça, mas é uma mulher mais forte do que já foi. No entanto, não
pode esquecer que é livre para fazer o que bem quiser.
Não respondi enquanto ele continuava falando, sabia que estava certo,
mesmo que nunca assumiria isto. Ítalo não precisava de alguém inflando
ainda mais seu ego.
Sua voz se tornou distante, pois minha mente voltou para dias atrás onde
vi com clareza o corpo magro e definido de Benjamin. Cada ondulação de
musculo era extremamente atraente, demais para ser sincera. E por mim, eu
seria capaz de lamber cada centímetro dele somente para livrá-lo do sal do
mar.
Deus, eu estava enlouquecendo.
E sabia que isto não era tudo.
No final daquela tarde, depois de um banho relaxante e uma roupa limpa,
foi no abraço dele que encontrei o melhor consolo. A sensação que tive, era
que aquele lugar me pertencia, que aquele homem deveria ser meu... E o mais
perturbador de tudo era que me sentia em casa envolvida em seus braços.
E no final de tudo, eu estava com medo. Não medo de Benjamin, mas
medo de... mim. Não sou a mesma mulher de meses atrás e ao me concentrar
no psiquiatra maluco que se tornou um grande amigo, me lembrei da sua voz
me dizendo que agora eu era muito melhor do que já fui.
A dor me moldou. Tornou-me mais forte.
Eu só precisava ver e aceitar aquele fato.
Capítulo Vinte e Dois
Benjamin
Juro que estava tentando ignorar a forma que meu coração batia forte e
acelerado, ou o suor frio de minhas mãos. E nada disto era por causa do
prêmio que receberia em no máximo duas horas.
O arranjo de flores parecia mais pesado do que realmente deveria, o
perfume das delicadas jasmins me envolvia de uma forma diferente e
completamente excitante. Confesso que antes de comprá-las, pesquisei seu
significado e não existia outra flor que se encaixasse melhor ao momento do
que aquelas.
Acenei para Aslan que estava parado na frente da porta dela e ele se
afastou rapidamente. Toquei a campainha e aguardei.
Não sei se era a minha ansiedade ou se Valentina realmente demorou a
abrir, mas quando ela apareceu, não tenho certeza do que senti. Seus cabelos
estavam escovados e ondulados ao redor do seu rosto perfeitamente
maquiado.
Tão incrivelmente linda, pensei observando a forma que se abraçava ao
roupão branco e felpudo. Isto me fez franzir a testa e dar um pouco mais de
atenção aos seus olhos avermelhados.
— Esteve chorando — concluí.
— Eu não posso ir — disse com uma voz fraca. — Sinto muito.
— O que aconteceu? — questionei. — Deixa-me entrar.
Vi que hesitou um pouco, mas abriu a porta, dando-me passagem. Parei na
sala de estar e depositei lentamente as flores na mesa de centro enquanto a
encarava.
— Tina?
— Eu não posso ir. — Repetiu.
— Por quê?
Minha cabeça começou a dar mil voltas em busca de respostas para o
olhar assustado em seu rosto.
— Recebeu mais ameaças? — questionei.
— Nada fora do comum — resmungou.
As cartas continuavam chegando com ameaças claras e um pouco
assustadoras. Ainda não descobrimos como ele as enviava, se tinha algum
ajudante ou se as programou para entrega. Todas vinham com um
destinatário diferente e depois da quinta carta eu não a deixava mais ler.
Percebi que suas palavras jogavam com a mente de Valentina, a
relembravam de traumas e vinham de uma forma que Ítalo julgava ser uma
violência psicológica. Mesmo de longe, Axel a machucava.
De início, ela queria continuar a ler, mas eu e Ítalo a convencemos de não
dar mais atenção a aquelas cartas. Então, Ciro fiscalizava toda a
correspondência de Valentina e um funcionário da TI garantia que nenhuma
ameaça chegava a seu celular ou notebook.
O que tanto a afligiu? Questionei em pensamentos e cheguei olhar ao
redor buscando por uma ameaça, mas seria ilógico. Com Aslan na porta
ninguém teria entrado para machucá-la.
— Tina?
Lágrimas desceram por suas bochechas.
Dei um passo à frente, mas ela se encolheu, o que me fez congelar no
lugar.
— Não consigo — sussurrou.
— Converse comigo. — Pedi baixo.
— Me olhei no espelho. — Admitiu.
— E?
— Não me reconheci — respondeu.
Arregalei meus olhos sem querer, não entendi o que ela queria dizer.
Cheguei abrir a boca, mas a fechei sem saber o que dizer.
— Coloquei meu vestido. — Engoliu em seco. — E não parecia como a
mulher que sinto ser.
— Tina...
— Eu não posso ir. — Balançou a cabeça. — Ficar no meio de todas
aquelas pessoas usando um vestido tão lindo e sensual não é pra mim.
Suas palavras sussurradas me deu a explicação que precisava. Valentina
não via a mulher linda e sexy que era. Somente se lembrava da que Axel
criou. Uma mulher fraca, sem beleza e que somente ele iria querer.
— Você está errada — afirmo. — Estar no meio de uma pequena multidão
só lhe fará ser notada por sua beleza.
— Não diga isto.
— Todos somente terão olhos para você.
— Benjamin...
Dei um passo à frente e segurei sua mão.
— Deixa-me lhe mostrar. — Pedi indicando que deveria me seguir.
Ela pareceu relutante, mas acenou. Não fomos longe, não demos nem
quatro passos e paramos na frente do espelho retangular que ficava encostado
verticalmente na parede.
— Olhe — pedi ao ver seus olhos fechados.
Fiquei centímetros atrás dela.
— Não quero. — Suspirou. — Por favor, Ben, não me faça olhar. —
Implorou.
— Confie em mim, linda.
— Não me chame assim — disse em um tom fraco.
No entanto, me surpreendeu ao abrir seus bonitos olhos cor de chocolate.
— Quer saber o que eu vejo?
— Não. — Nem mesmo hesitou ao me responder.
— Tina — a repreendi levemente. —, escute bem minha voz. — falei bem
perto do seu ouvido. — Quando abriu a porta e eu a vi, a primeira coisa que
pensei foi que você é incrivelmente linda.
— Está dizendo isto somente para me fazer sentir melhor.
— Não, estou dizendo por que é verdade e se isto não a convence, então
digo mais. — Respirei devagar buscando por coragem. — É tão linda e
atraente que não consigo manter meus olhos longe de você.
A respiração dela se acelerou por uma fração de segundo antes de engolir
em seco.
— Estou atraído por você, tanto que toda vez que fecho os olhos consigo
vê-la perfeitamente em minha mente — confesso. — Os olhos que me
hipnotizam, eu poderia encará-los o dia todo. Os lábios bem desenhados,
carnudos e que me fazem desejar beijá-los até que um de nós desmaie por
falta de fôlego.
— Ben...
— Você é linda, se não acredita na beleza que vê no espelho, acredite em
mim. — sussurrei, sentindo-me terrível por estar a seduzindo. — Não é
bonita somente por fora, é maravilhosa por dentro. Tem um coração bondoso,
uma mente inteligente e o conjunto todo mostra ao mundo uma mulher
extremamente forte.
— Não sou forte.
— Você é resistente como uma rocha — afirmei.
Sabia que poderia estar sendo mais ousado do que deveria, principalmente
sabendo tudo o que Valentina sofreu, mas não conseguia resistir. Afastei o
cabelo lentamente de seu pescoço enquanto observava com atenção os olhos
dela no espelho. Queria ter certeza de tudo o que estava acontecendo, seus
olhos eram uma grande janela aberta para suas emoções.
E lá, eu via surpresa e paixão.
— As rochas se desgastam com o tempo — murmurei. — O vento, a água
e acredito que até mesmo o calor se chocam contra elas, tentando enfraquecer
sua essência da forma mais natural possível. — Meus dedos tocaram a pele
de sua bochecha e deslizaram por seu pescoço o mais lento possível. —
Ainda assim, as rochas são resistentes mesmo com tudo contra a seu favor.
Sentia-me fraco com sua suavidade.
Valentina estremeceu levemente sob o sussurro do toque dos meus dedos,
que mal se encostava a sua pele. Fiquei surpreso quando ela se encostou a
mim, confiando de que a seguraria caso suas pernas falhassem.
— Você é uma rocha, querida. — Sem conseguir me segurar deslizei seu
roupão pelo ombro e não senti nenhuma negação da parte dela enquanto
nossos olhos queimavam um ao outro na imagem refletida pelo espelho. —
Sua pele é incrivelmente macia e sei que por baixo é forjada a aço.
— Não diga isto — sussurrou.
— Tudo o que falo para você, sempre será a verdade.
— Está realmente atraído por mim? — perguntou suavemente.
— Sim — afirmei. — Imagino que devo sair e esperar que você se vista...
— Não! — me interrompeu.
— Como? — questionei confuso.
— Não vá embora. — Pediu. — Não me trate como uma mulher
fragilizada.
— Nunca a trataria assim — jurei.
Ela se virou e me encarou.
— Benjamin? — seus olhos encontraram os meus.
— Sim, linda.
— Beija-me.
Eu queria perguntar: Você tem certeza? Mas o olhar determinado dela
dizia tudo. Valentina estava me mostrando que ambos sentíamos a mesma
coisa. E se eu abrisse minha boca para perguntar, ela se magoaria por minha
dúvida.
Não tinha como duvidar da necessidade que via em seu olhar, sem contar
que eu tinha certeza de que em meus olhos refletiam o mesmo desejo.
Enredei meus dedos em seus cabelos tão lentamente quanto possível,
apreciando a maciez de seus fios.
Eu não poderia lutar contra o inevitável, precisava beijá-la.
Como se fosse câmera lenta, seus olhos se fecharam, os lábios
entreabriram e eu me inclinei em sua direção provando a doçura de seu sabor.
O primeiro toque, tão suave quanto o de uma pluma e energético como um
raio. Automaticamente a apertei mais contra meu corpo, segurando-a firme
em meus braços enquanto aprofundava nosso beijo, incapaz de resistir.
Minha língua tocou a sua em uma dança sensual e alucinante.
Sentia-me perdido e completo, contraditório, mas perfeito. Queria rasgar
nossas roupas ao meio e tomá-la bem ali, contra aquele espelho. Não podia
me afastar, continuei a beijá-la sabendo que a intensidade aumentava e que o
controle seria algo que eu perderia em questão de segundos.
No entanto, eu ainda tinha um pouco de clareza e me lembrei de
exatamente quem era a mulher em meus braços. Alguém que precisava ser
lembrada de sua beleza, sua sensualidade.
Dei um passo atrás e vi os olhos dela se abrirem na mesma lentidão que se
fecharam. O chocolate em suas pálpebras pareciam ter derretido e se tornado
uma poça de desejo.
— Benjamin.
— Valentina.
— Toque-me. — Pediu em um tom de súplica.
Minha respiração ficou levemente travada com todas as tentações sob
minha pele. Tudo o que eu mais queria era tocá-la. Embora, o mais
importante do momento era sua confiança em mim, deixando-me mais
humilde ao ver sua força e mais determinado em mostrá-la a mulher linda que
era.
Em silêncio, abri o laço de seu roupão e fui agraciado com seu corpo
quase nu, a não ser pela calcinha de seda minúscula em um tom de rosa claro.
Engoli em seco antes de erguê-la em meus braços.
Novamente, não fui capaz de ir longe. O tapete caro e felpudo entre o
conjunto de sofás foi meu destino. Abaixei em um joelho e a depositei no
centro como se fosse a joia mais preciosa que coloquei minhas mãos.
Quando me ergui novamente, ela franziu a testa confusa, mas não respondi
a suas perguntas silenciosas. Retirei o paletó do smoking e a maldita gravata
borboleta que me sufocava desde a hora em que a coloquei. Sorri e peguei um
jasmim do buquê que trouxe. O aroma da flor se fez presente, me fazendo
relaxar por uma fração de segundo.
Mesmo que a próxima hora me matasse, eu faria Valentina se lembrar de
como era se sentir bonita, sensual e feminina novamente.
Capítulo Vinte e Três
Valentina
Não conseguia desviar meus olhos de cada movimento dele. Minha
respiração estava difícil e meu coração louco, como o de um cavalo em uma
corrida. Tentava não me envergonhar do fato de estar nua sob seu olhar.
Observando-o, não sabia o que pensar ou como agir. A única certeza que
tinha era que o beijo daquele homem era de fazer uma mulher derreter em
seus pés. Em pé, acima de mim, ele parecia intimidante, mas eu não tinha
medo. Aquele era o Benjamin, meu Benjamim, e não havia espaço para
receio. Ele nunca me machucaria.
Seu olhar faminto não me assustava, pelo contrário, me excitava mais do
que o normal.
— Quando comprei essas flores, não imaginei que as usaria desta forma,
mas o destino é intrigante, não é? — questionou se ajoelhando na minha
frente.
Em uma mão uma única flor, enquanto a outra segurava o arranjo.
— Estou tentando me concentrar, mas você tem um corpo tão lindo que
me tira do foco.
Sabia que minhas bochechas estavam corando e automaticamente cobri
meus seios. Ele sorriu de leve.
— Confia em mim? — perguntou.
— Sim.
— Bom, eu também confio em você. — Deslizou a flor por minha
bochecha.
O aroma do delicado jasmim infiltrou em meus sentidos, dando-me uma
sensação de frescor e ajudando a relaxar os músculos.
— Se quiser que eu pare, basta me dizer — disse com uma calma
surpreendentemente. — Irei me levantar pegar seu roupão e ajudá-la a se
vestir, mas não vou desistir de arrastá-la para a festa.
— E o que pretende me levando até lá?
Ele sorriu despreocupado.
— Te dar algumas taças de champanhe e levá-la para a pista de dança, que
eu tenho certeza de que minha mãe criou. — Prendi o ar quando a flor desceu
por meu pescoço. — E irei dançar contigo a noite toda, até que seus pés
implorem por algum descanso.
— Parece confiante em suas habilidades de dança.
— Você não tem noção. — Sentou ao meu lado. — Sabia que para
alcançar o prazer não precisa do ato em sim? Da penetração?
Balancei a cabeça negando, já que minha voz pareceu travada na garganta.
Aquela pequena e delicada flor fazia um caminho limpo por meu braço,
seguindo até onde minhas mãos cobriam meus seios.
— O que precisamos é encontrar as zonas erógenas. — Passou pelo vale
dos meus seios, seguindo para o outro braço e encontrando minha garganta.
— São pequenos pontos escondidos em nossos corpos que fazem tudo ser...
Mais perfeito. E agora eu acredito que o aroma desse jasmim tenha se
tornado bem mais afrodisíaco, desde que estou tocando-a de forma tão
íntima.
— Achei que quisesse me tomar — calei engolindo um gemido.
— Eu quero, mas não acredito que seja a melhor coisa para o momento —
disse pensativo. — Estou sentindo uma grande parcela de prazer somente de
vê-la se arrepiar com o toque desta flor. Aprendi, neste exato momento, que
não tem êxtase melhor do que assistir você, excitada, com a pele em chamas e
louca para conhecer um caminho esquecido.
— Que caminho? — sussurrei.
— O da mulher poderosa que se esconde dentro de você.
— Benjamin — suspirei seu nome.
A confiança me fez soltar os seios e abaixar os braços.
— Tão belos... — voltou com a flor, circulando um mamilo.
Engoli outro gemido, aquela suavidade tinha um grande contraste em meu
corpo quente.
— Quando fui pessoalmente à floricultura essa tarde, pedi por um arranjo
de jasmim — contou enquanto me torturava. — Uma flor com inúmeras
variáveis, de acordo com algumas lendas, na Ásia, pode ser utilizada como
um amuleto de proteção. — Desceu a jasmim por minha barriga lentamente.
— No oriente, simboliza beleza. Na Índia, um de seus deuses lançava jasmim
para despertar o amor nos humanos. Na França, bem... — riu baixinho. —
Representa alguma coisa que eu não me lembro agora.
Acabei rindo por um segundo, mas me calei quando minha respiração
engatou com a sensibilidade subindo por minha perna.
— Como pode ver, pesquisei bastante a respeito de uma simples flor que
queria dar a você — disse baixo e calmo. — O perfume do jasmim remete a
sensualidade e erotismo, realçando a feminilidade. — Pegou mais duas flores
juntando-as e deslizando por entre minhas pernas que automaticamente se
abriam para ele. — Assim também como sua cor branca é associada à pureza,
inocência e paz. — algumas pétalas se soltaram. — Amor, sensualidade, paz.
— Apertou as flores contra meu interior, sobre minha calcinha
surpreendentemente molhada. — Tudo o que mais desejo a você, linda.
— Não sei como responder a isto.
— Eu não quero que responda — retrucou. — Feche seus olhos, Tina,
quero que sinta.
O encarei buscando a confiança que eu sabia que encontraria lá.
Intensidade brilhava nos seus bonitos olhos castanhos, mas havia outras
coisas lá também. Como: paixão, cuidado, promessas e até mesmo... Amor.
Estive naquela posição meses atrás, deitada no chão da sala do meu antigo
apartamento. Subjugada, ferida e com tanto medo de que palavras não seriam
suficientes para explicar. No entanto, agora, Benjamin me olhava com a
promessa de criar memórias e tudo o que eu precisava fazer era confiar nele.
Não hesitei em fechar meus olhos. O homem que compartilhava minha
sala e tocava meu corpo com tanto cuidado, não seria capaz de me machucar.
Eu acreditava que o machismo existia, mas que não contaminou toda raça
masculina.
Apesar da referência em dizer que todos os homens são iguais ter se
tornado algo tão comum, eu tinha fé que não era verdade. Não poderia ser.
Não depois de um homem lutar para me ajudar, me resgatar do chão da
minha casa, me levar para um hospital e me manter segura. Tudo isto, sem
pedir nada em troca.
Aquele era um ato de bondade que mais pessoas precisavam ter e isto me
lembrava da pergunta de Ítalo, a atração que eu sentia era de gratidão?
Soltei um suspiro, aliviada, pois não me sentia confusa a respeito desta
questão. Eu era grata, mas não suficiente para me entregar. Gratidão se
demostrava de outra forma. O que eu sentia agora era muita atração. Desejo
que queimava em minhas veias como se fossem a lava de um vulcão preste a
explodir.
— Se concentre em minha voz, Valentina — disse baixo. — Limpe sua
mente e ouça-me. Acompanhe o ritmo da minha respiração, o sussurro dos
meus movimentos — instruiu. — E lembre-se, basta pedir que eu pare
quando for demais. Somos dois adultos, um homem, uma mulher, um único
desejo e tudo é consensual. Ambos temos o direito de negar, de ir embora, de
não permitir ser tocado.
— Eu sei! — sussurrei. — Benjamin?
— Sim, linda?
— Toque-me. — Era a segunda vez que eu estava implorando por aquilo.
— Eu vou.
Sua mão mal tocou minha pele, somente as flores. Espalhando seu aroma e
explorando todos os pontos sensíveis com suavidade, libertando a
sensualidade do meu corpo.
Eu não tinha controle, me contorci, inclinei e gemi.
Sem barreiras.
Sem escudos.
E o mais importante... Sem medo.
Benjamin não teve pressa em conhecer minhas curvas com os jasmins,
esfregando-as em alguns momentos e deslizando-as com uma naturalidade
libidinosa impossível de resistir. E enquanto fazia isto, ele sussurrava o
quanto adorava meu corpo, o quanto era linda, mas não somente fisicamente.
Elogiou-me o tempo todo, mostrando-me a mulher que via e fazendo-me
acreditar em suas palavras verdadeiras.
Em algum momento, deixou as flores de lado e se inclinou levemente
sobre mim. Podia sentir seu hálito fresco a uma distância muito curta de meus
lábios. E ficava ainda melhor com o aroma dos jasmins, totalmente
irresistível.
— Seja livre, linda — sussurrou confiante.
Surpreendi-me ao senti seus dedos tocando-me intimamente, desenhando
pequenos círculos em meu clitóris por cima do tecido suave de minha
calcinha. Outro choque de surpresa veio quando me senti ser jogada da borda
direto para uma onda de prazer, que me engoliu e envolveu em uma viagem
alucinante.
— Benjamin... — seu nome escapou dos meus lábios.
Era como se uma onda de choque corresse por meu corpo, dominando
cada célula, espalhando êxtase e tomando minha respiração no ponto mais
alto do clímax.
Libertando-me de algo que eu não saberia explicar, mas não queria que
aquela sensação terminasse.
— Não sei como, mas você ficou ainda mais bonita — sussurrou antes de
me beijar selando suas palavras e tudo aquilo que compartilhamos.
Confesso que quis dizer obrigada, mas fiquei calada acreditando que a
forma que correspondia ao seu beijo, já dizia tudo o que precisava.
— Como se sente? — perguntou ao se afastar.
Seus dedos levaram alguns fios de cabelos rebeldes para trás de minha
orelha.
— Incrivelmente bem — respondi. — Estranhamente feliz, sensual e
muito feminina.
— Bom, nunca se permita sentir menos do que isto.
— Ainda não estendo uma coisa — murmurei.
— O que?
— Como, no meio de tantas pessoas, eu fui agraciada em tê-lo em minha
vida?
Ele sorriu abertamente.
— Você é uma mulher sortuda. — Brincou.
— É o que está parecendo. — Não discordei.
— Eu que tenho sido o sortudo, Tina. — Beijou minha testa antes de se
afastar. — Temos uma festa de premiação para comparecer e você disse que
eu deveria aceitar o bendito.
— Sua mãe teria o feito aceitar em um piscar de olhos.
— Nem sei do que está falando. — Fez uma expressão engraçada e me
ergueu do chão.
— Não precisa me carregar para todos os lados.
— Gosto de tê-la em meus braços.
E eu gosto de estar neles, pensei, mas não falei em voz alta. Acredito que
meus olhos disseram isto por mim, pois ele sorriu como se ouvisse meus
pensamentos. Colocou-me no sofá e se afastou um pouco.
— E por mais que adoro ver sua pele nua, precisa se vestir. — Engoliu em
seco e me entregou o roupão, o vesti.
Só então deslizei meus olhos por seu corpo e percebi o volume em suas
calças. Voltei a encarar seu rosto para ver algumas veias inchadas no pescoço
como se estivesse com dor pelo prazer contido.
— Benjamim eu...
— Não se atreva a me propor nada — cortou rapidamente. — Estou bem e
além do mais, não se tratava de mim e sim de você.
Acenei concordando.
Ele sorriu relaxando.
— Vá se vestir, fique ainda mais linda e me dê à honra de acompanhá-la
essa noite. — Sorriu travesso. — Na minha festa chata de premiação
desnecessária, mas que eu aceitei por causa das mulheres dominadoras de
minha família.
Gargalhei.
— Vou demorar um pouco.
— Te espero por quanto tempo for preciso. — Assegurou.
Se eu não tinha me apaixonado antes, não podia prometer nada agora. Meu
coração perdeu uma batida e eu sabia que tinha uma expressão idiota no
rosto.
Levantei, dei um passo à frente e o beijei. Não havia motivo para
cerimonias, somente fiz o que desejei. Agarrei seus ombros, me ergui nas
pontas dos pés e assaltei seus lábios com os meus.
Sentia uma nova onda de desejo inflamando em minhas veias,
principalmente quando ele me segurou com força. Colando meu corpo ao seu,
permitindo que eu sentisse toda a extensão rígida de sua masculinidade.
Nossos lábios estalaram quando ele finalizou o beijo.
— Por Deus, mulher! — exclamou. — Não me tente mais. — Riu. — Vá
logo se arrumar ou em algumas horas minha mãe, avó e tias barulhentas vão
invadir sua casa e nos encontrar nu.
Ri baixinho, apesar de gostar da ideia, eu entendia que precisava de mais
tempo para me entregar por completo. Isto me fez gostar mais de Benjamin.
Não queria pensar mais sobre aquele assunto, ou permitir que minha mente se
afundasse naquele buraco escuro novamente.
Capítulo Vinte e Quatro
Valentina
Eu tentava não me contorcer sob o olhar atento de Benjamin. Sentia-me
como se tivesse cinco anos novamente e mamãe estava me analisando com
atenção, procurando ter certeza de que eu estava arrumada e limpa depois de
um dia na praia. Eu sempre tinha areia nos cabelos e meus vestidos ficavam
molhados da água do mar, principalmente nos dias em que ela me colocava
de castigo.
Claro que havia uma gigante diferença entre Benjamin e minha mãe, no
entanto, ambos tinham o mesmo olhar esperto. Com isto, eu me segurava
para não demonstrar minha ansiedade.
Também existia o fato de que minhas bochechas queimavam com as
memórias vivas da forma que ele incendiou meu corpo com o toque de
algumas flores. Minha pele ainda exalava o cheiro dos jasmins, lembrando-
me constantemente da sensualidade e feminilidade que fui capaz de sentir
novamente. Da mulher que redescobri.
Esse foi o único motivo para que eu concordasse em ir ao evento de
premiação, mesmo que uma boa parcela de medo ainda estivesse infiltrada no
meu coração. Entretanto, me limpei, retoquei a maquiagem, refiz as ondas
dos cabelos e coloquei o vestido.
Acabei engolindo em seco, o vestido era uma peça impressionante. De
tom rosa claro com alças no ombro vindo de um decote em formato de
coração. Exibindo uma sensualidade elegante ao cobrir minhas, recentes e
acentuadas, curvas.
— Diga alguma coisa — resmunguei.
Eu não podia ler nada na expressão dele, parecia... Congelado. Incapaz de
se mexer, somente os olhos que se moviam pela extensão do meu corpo de
uma forma bem lenta.
— Valentina — disse meu nome em um suspiro.
— Sim?
Ele esfregou a nuca e eu fiquei tensa, acreditando que ele me mandaria
trocar de roupa. Não que ele tivesse o direito. Mas eu tive uma péssima
experiência recentemente e sentia-me que se ele não aprovasse minha roupa,
quebraria algo dentro de mim.
— Você está ainda mais linda! — deu alguns passos à frente e segurou
minhas mãos.
Franziu a testa.
— Por que suas mãos estão frias?
— Estou nervosa.
— Não tem motivos para isto. — Sorriu. — Por Deus, não me faça levá-la
à frente de um espelho novamente. — Sua voz saiu rouca. — Não seria capaz
de chegar à festa.
— E sua mãe e tias viriam aqui para nos encontrar nus.
— Algo do tipo. — Riu. — Ainda teria que ouvir Iaiá falando da minha
bunda branca, algo que ela não me deixa esquecer.
— Mas você é tão bronzeado — me calei com o levantar de sua
sobrancelha.
Claro, ele frequentava a praia regularmente e com toda certeza usava
sunga. Precisei usar muita concentração para não estremecer, pois imaginei
como seria a sua marquinha de praia.
Muito tentador, pensei.
— Está imaginando? — questionou rindo.
— Estou pensando em como Iaiá sabe disto. — Mudei o assunto.
— Algo sobre ela entrar no meu chuveiro enquanto eu tomava banho. —
Deu de ombros. — Pronta para ir?
— Sim. — Peguei a pequena bolsa de mão. — Conte-me mais sobre isto.
— Longa história.
— Tenho algum tempo.
Caminhamos para a porta.
— Ela e minhas tias não respeitam portas fechadas. — Bufou. — Não
importa onde, quem ou como. Elas sempre entram.
Do lado de fora Alex nos aguardava junto a Ciro, eles acenaram educados
e seguimos para o elevador.
— O que aconteceu?
— Eu aprendi a trancar as portas — afirmou. — E colocar Alex as
vigiando, só por garantia.
Ri alto.
— Isto as segura por muito tempo?
— Alex sabe como irritá-las.
O segurança bufou, mas não comentou nada.
— Como?
— Ele fica parado no caminho delas como um poste mudo e
aparentemente surdo. — Alex resmungou algo que eu não fui capaz de
entender. — Elas ficam furiosas por ele não aceitar suas ordens e graças ao
bom-senso ficam longe da minha privacidade.
Gargalhei e o acompanhei para dentro do elevador.
— Você fica rindo, porque não aconteceu com você. — Revirou os olhos.
— Iaiá queria discutir um assunto e como eu a ignorei por um tempo, ela
aproveitou que fui tomar banho, entrou e me obrigou a concordar com ela.
Sabendo que eu faria isto somente para me livrar dela.
— Deus! — ri. — Sei que é errado me divertir com isto, mas Esmeralda é
terrível.
— Ela ficou lá me encarando e dizendo que me viu nu inúmeras vezes,
cruzou os braços e continuou falando.
— Até que concordou somente para ela ir embora.
Alex bufou novamente.
Encarei os seguranças e ambos tinham um olhar cheio de diversão.
— Quieto Alex. — Ordenou Benjamin.
— Esmeralda não ficou nem dois minutos no banheiro — contou ele
contrariando a ordem recebida.
— Tempo suficiente para ser constrangedor — disse Benjamin. — Um
Daslow nem pode tomar banho com calma e privacidade nesta família.
— Mas você resolveu isto. — Provoquei rindo.
— Claro — afirmou. — Portas trancadas sempre!
Gargalhei, ri tanto que lágrimas escorreram pelos cantos dos meus olhos.
Benjamin fingia estar bravo, mas falhava completamente. Os seus lábios
estavam inclinados levemente enquanto ele tentava segurar o riso.
— Você ri, porque não foi com você — acusou.
— Desculpe! — limpei os cantinhos dos olhos.
— Não está sendo sincera — resmungou e sorriu.
— Não. — Riu. — Fico me perguntando o que Esmeralda já aprontou
nesta vida.
— Daria um livro — respondeu ele. — Uma série completa.
O assunto permaneceu vivo por todo o caminho até o espaço de eventos
em que acontecia a festa. No entanto, ao chegar lá eu fiquei tensa. Apesar do
lindo tapete azul, havia uma quantidade enorme de fotógrafos, o que me
assustou bastante.
Meu coração saltou forte no peito, não imaginei que a festa alcançaria essa
proporção. Quem eu queria enganar? Os Daslow são conhecidos como uma,
entre as dez, famílias mais ricas do país. Qualquer evento patrocinado por
eles ganharia muita atenção da mídia.
Era impossível não ficar tensa sabendo que todas as atenções estariam
neles, principalmente na mulher que acompanhava o herdeiro da Daslow
Global.
— Tina?
— Sim?
— Está tremendo — disse suavemente. — Fique calma.
— Estou tentando. — Suspirei.
— Ciro, leve o carro para mais perto da entrada — instruiu Benjamin.
Vi Alex levando o celular ao ouvido.
— Estou pedindo para liberarem a entrada — informou o segurança. —
Vamos reduzir o número de pessoas na porta.
— Bom — disse Benjamin. — Fiquem do lado de fora, me dê um minuto
com Valentina.
Ambos os seguranças acenaram.
Olhando pela janela, vi Aslan com mais alguns homens de terno preto
afastando fotógrafos. Minha atenção voltou para Benjamin ao perceber que
ficamos sozinhos.
Ele me encarou com calma e gentileza. Parecia não ter um único problema
no mundo. Sorriu de lado e deslizou no banco, ficando bem ao meu lado.
Passou um braço por meu ombro, desta vez me olhando com mais atenção,
buscando permissão para me tocar.
Acenei levemente, hipnotizada no brilho castanho de seu olhar.
Sua mão livre tocou minha bochecha levemente e automaticamente me
aconcheguei a sua palma quente.
— Você é linda — sussurrou. — Tanto que mal consigo desviar meus
olhos de você.
— Ben...
— Não diga nada contrário, acredite em minha palavra. — Pediu. — Você
é incrivelmente linda.
— Obrigada! — me senti emocionada.
— E não chore. — Sorriu vendo minhas pálpebras alagarem com
lágrimas. — Há quanto tempo não vai a uma festa?
— Muito — resumi.
— Hoje eu vou garantir que você se divirta.
— Você tem feito isto há muitos dias — digo.
— Quero que seja feliz — afirmou. — Se me disser agora que não quer
sair do carro e muito menos participar da festa, vou compreender. Afinal,
você não é obrigada a nada.
Como aquele homem podia ser tão perfeito? Questionei em pensamentos.
Eu tinha dificuldades de aceitar as coisas facilmente, nunca escondi isto.
Porém, também aceitei que nem todos os homens são iguais.
No entanto, Benjamin conseguia me surpreender a cada segundo que eu
passava ao seu lado. A gentileza em seus olhos não era enganosa.
Honestidade brilhava de forma despreocupada nos bonitos aros castanhos.
— Mas se você perguntar minha opinião, eu vou dizer que deve ir —
afirmou ele. — Enfrentar alguns idiotas e bajuladores enquanto exibe a
mulher poderosa que é.
— Não sou assim, poderosa.
Ele sorriu abertamente.
— Acho que eu deveria ter me arriscado e levado você ao espelho
novamente.
Minhas bochechas queimaram com as lembranças vivas do seu toque.
— Não sairíamos de casa.
Suas sobrancelhas se ergueram cheias de divertimento.
— Valeria a pena — afirmou.
— Como pode ter tanta certeza?
— O brilho que irradia de você é suficiente para qualquer coisa.
— Eu não brilho.
Ele não escondeu o desejo de seus olhos. Aproximou-se um pouco mais,
afastando meu cabelo, até que sua boca estivesse próxima do meu ouvido.
— Essa noite — sussurrou. — Eu a vi brilhar. — Estremeci. — Tão linda
e impressionante quanto uma estrela enquanto se entregava ao prazer.
— Benjamin — murmurei.
— E gemeu meu nome ao explodir em êxtase, posso afirmar que você viu
estrelas.
— Tão arrogante. — Não resisti à provocação.
— Você brilhou e ainda está brilhando, não permita que ninguém apague
isto.
O sopro da sua respiração tocava em pontos sensíveis recém-descobertos.
— Benjamin?
— Sim?
— Me beija?
— Isto é uma pergunta?
— O que acha?
— Acho que vou tirar seu batom — afirmou movendo meu rosto bem
devagar em sua direção. — Agora.
Sua boca tocou a minha, de início tão suave quanto o roçar de uma pluma,
para então, sua língua exploratória invadir por entre meus lábios.
Minha mente ficou nublada, o que me deixou incapaz de pensar com
clareza. Cada músculo do meu corpo relaxou, praticamente virando gelatina
ao sentir seus dedos deslizando por minha garganta. Subindo pela coluna do
meu pescoço e me segurando pela nuca.
Quando ele se afastou, me senti frustrada, pois sentia que precisava de
mais. Muito mais.
— Então, boneca, o que pretende fazer?
O encarei nos olhos, demorando alguns segundos para entender sua
pergunta, para então responder:
— Retocar meu batom e ir brilhar nesta festa.
— Brilhar ao meu lado — disse em um tom de pedido.
Por mais que ele fosse o principal motivo do tal “brilho”, eu sabia que
aquela luz pertencia unicamente a mim.
Benjamin era um homem incrível, ele não queria ser o dono de minhas
reações, apesar da sua clara satisfação masculina.
Ele desejava dividi-la comigo.
— Sim, brilhar ao seu lado — afirmei.
Capítulo Vinte e Cinco
Valentina
Os primeiros dez minutos foram tensos, atravessar o tapete e encarar
pessoas não foi uma tarefa fácil. No entanto, para meu consolo, Benjamin não
se afastou um só segundo. Meu braço ficou entrelaçado ao seu enquanto
caminhávamos entre os convidados, recebendo comprimentos e como ele
mesmo havia dito antes, muita bajulação.
Até que chegamos há um pequeno grupo dominado por mulheres. A mãe e
tias de Benjamin estavam deslumbrantes em seus vestidos de gala. Elas me
engoliram em abraços, beijos e elogios.
— Benjamin. — Emília Daslow disse em um tom de repreensão.
— Como você está linda, mamãe! — Ele a elogiou fugindo rapidamente
do assunto.
No entanto, eu tinha a séria impressão de que ele não escaparia tão
facilmente assim.
— Obrigada, mas nada se compara a Valentina.
— Tenho que concordar — disse ele, me encarando com admiração.
Minhas bochechas queimaram.
— Então, você é a formosa Valentina — disse um senhor.
Acredito que um pouco da cor sumiu do meu rosto, as características
daquele homem me lembravam a Benjamin.
— Tina, esse é meu pai, Olavo.
— É um prazer conhecê-lo, senhor Daslow.
Com gentileza, o pai do meu chefe, que também era o meu chefe, me
beijou as bochechas aceitando-me naquele grupo com naturalidade.
— Vaca sagrada!
Sorri ao me virar para aquela voz.
Esmeralda estava há alguns passos em um maravilhoso vestido prata, que
se estendia até seus pés. A maquiagem era um show à parte e eu não
precisava comentar sobre o decote e fenda.
A mulher era um espetáculo e não se importava com o que pensariam dela,
exibia sua beleza sem medo ou vergonha.
— Tina — disse ela me abraçando. — Você está ainda mais gata —
afirmou me apertando.
— Obrigada, digo o mesmo sobre você.
Ela se afastou com um sorriso.
— Meu bem, eu nasci gata. — Sorriu. — E conservei por uma vida inteira
— segurou minhas mãos. — E agora veja só você, está brilhando. Um brilho
que não estava aí antes, mas que não deverá permitir que se apague.
— Iaiá, você lê mentes ou me persegue. — Brincou Benjamin. — Foi a
mesma coisa que eu disse a ela alguns minutos atrás.
Ele trocou um olhar cúmplice comigo, o que tornou muito difícil impedir
que minhas bochechas queimassem com as lembranças vivas em minha
mente.
— Eu sou um fenômeno da natureza, meu bem. — Desdenhou ela nos
fazendo rir. — E você tem o meu sangue, por isto diz coisas certas.
— Mamãe é a modéstia em pessoa — disse Monica, tia de Benjamin.
— Este é o meu sobrenome — retrucou ela.
— Vamos ocupar nossos lugares — comandou Emília. — Benjamin já se
atrasou tempo suficiente.
— Eu tinha bons motivos. — Justificou ele.
Segurei a vontade de encarar seu rosto, mas eu não queria correr o risco de
me decepcionar caso encontrasse malícia. No entanto, fiquei com os olhos
trancados no rosto da mãe dele, ela somente acenou com um olhar orgulhoso.
Somente então pude encarar Benjamin, ele tinha uma expressão séria que não
dava espaço para perguntas, mesmo para aquelas pessoas que ele amava.
Um sentimento bom aqueceu meu peito, um calor se espalhava dentro de
mim aliviando a tensão e libertando-me de algo que me prendia, acredito que
do medo.
Emília liderou o caminho e indicou nossos acentos, vários convidados já
tinham alcançado seus lugares. Aguardamos por uns minutos e um rapaz
sorridente deu início ao evento.
Várias pessoas foram chamadas e premiadas devido ao resultado de seu
trabalho. E por mais que a família Daslow fosse à única responsável em
realizar aquele evento eu podia sentir como eles eram impacientes, o que me
fez querer rir. O único calmo e tranquilo era Olavo Daslow. Ele encarava
com paciência o palco e os premiados como se avaliasse um negócio.
Eu sabia que eles deixariam Benjamin para ser chamado na metade
daquela apresentação. O que ainda demoraria algum tempo.
— Merda, que tédio! — uma voz masculina resmungou atrás de mim.
Franzi a testa e vi Benjamin se virar levemente.
— Ei cara — disse baixinho. — Bom vê-lo.
— Não podia receber esse prêmio no seu escritório e depois me convidar
para tomar uma bebida em uma boate, Ben?
— Está mesmo me fazendo essa pergunta, Theo? — questionou Benjamin
em um sussurro. — Não conhece a família que tem?
— Mamãe me arrastou pelo braço até aqui, merda — reclamou.
— Quem de nós não foi arrastado? — questionou outra voz.
Benjamin riu baixinho e se aproximou do meu ouvido.
— Acho que todos os meus primos foram intimados da mesma forma que
eu — sussurrou olhando por cima da minha cabeça. — Estão todos os seis
atrás de nós.
Reprimi uma risadinha e olhei de forma discreta para trás, vi alguns rostos
bonitos, os rapazes estavam envoltos em smokings que vestiam com
perfeição. Era evidente a frustração em seus rostos, mas mantinham-se
sentados obedientemente.
— Quem é a moça ao seu lado? — perguntou Theo. — Estou encantado.
— Tire seus olhos. — Benjamin disse sério.
— Shh — disse Emília. — Se comportem. — Ordenou duramente em um
sussurro para o filho e sobrinhos.
Não me surpreendi quando eles ficaram calados, como dizia Ítalo
repetitivamente, homens criados por mulheres.
Segurei o riso e prestei atenção no decorrer dos acontecimentos. Em um
momento, me surpreendi ao sentir quando os dedos de Benjamin envolveram
os meus. Virei minha cabeça em sua direção e o encontrei me encarando,
havia uma suavidade gostosa em seus olhos castanhos.
— Chato, não é?
— Não fale assim — murmurei rindo baixinho.
— Preciso de uma cerveja — respondeu ainda mais baixo.
— Eu também! — seus primos concordaram da fileira de trás.
Emília repreendeu a todos exigindo silêncio completo, o que ela realmente
conseguiu. Nenhum deles foi capaz de contrariar a ordem dada por ela em um
simples olhar.
Não demorou muito para o nome Benjamin Daslow ser chamado. Antes de
se levantar, Ben me olhou e deu um sorriso cheio de cumplicidade. Abotoou
seu smoking e caminhou com extrema confiança até o elegante palco.
Aceitou o troféu com um aceno de cabeça e um sorriso estonteante, antes de
fazer um breve e bem-humorado discurso.
Eu mal conseguia desviar meus olhos dele, acompanhei cada palavra
hipnotizada pelo som de sua voz. E de onde eu estava sentada, sabia que ele
falava olhando diretamente para mim. Como se não existisse mais ninguém o
encarando.
Os aplausos me lembraram de que deveria respirar, Benjamin havia
retirado o meu fôlego naqueles poucos minutos que esteve lá em cima. Puxei
o ar com calma, enquanto um frio se espalhava em minha barriga. Como se
inúmeras borboletas batessem suas asas em meu estômago com ansiedade.
Assim que desceu do palco, sentou do meu lado e com impaciência
esperou terminar todas as premiações, para somente então, me levar para uma
bebida.
— Eu ainda gostaria de ter uma cerveja — confessou ele ao me entregar
uma taça de champanhe. — Mas somente de ter sua companhia, já vale a
pena arriscar com uma bebida tão... — se calou me fazendo rir.
— Feminina? — indaguei.
— Eu não queria soar tão machista — respondeu.
— Eu entenderia. — Garanti.
— Você é incrível. — Ergueu sua taça. — Um brinde.
— Há que iremos brindar?
— Há nova vida — disse Benjamin.
Precisei me esforçar para concentrar, os olhos castanhos dele brilhavam
com a mesma intensidade de seu sorriso.
— Há uma nova vida. — Brindei tocando minha taça levemente na sua.
Como prometido, Benjamin não me deixou sozinha, quando precisava se
afastar, fazia questão de me deixar na companhia das incríveis mulheres
Daslow.
A pista de dança foi um completo sucesso, de início tocou uma valsa
suave fazendo com que os convidados interagissem enquanto rodopiavam
pelo salão. Benjamin me segurou com cuidado e sem desviar os olhos dos
meus, nos guiou pelo salão com um sorriso adorável em seus lábios.
Meu coração batia descompassado, minha boca estava terrivelmente seca e
acredito que apesar de me manter em pé, minhas pernas tremiam como
gelatinas. Pois tudo o que podia pensar era que me apaixonei por aquele
homem e estava com tanto medo que mal podia respirar.
Era uma emoção válida, afinal, não estava pronta para uma relação
novamente. Embora eu tivesse a sensação de que estava me apaixonando a
cada segundo que passava ao lado dele. Já não era só atração, existia um
sentimento mais profundo.

Amava a forma como me olhava, como sorria, o som da sua voz. Via a
forma como ele me dava espaço, como não tomava decisões por mim, como
me deixava ser a mulher livre que um eu dia fui.
Era possível um homem ser tão bom quanto ele?
Existiam mais pessoas assim no mundo?
O que eu deveria fazer?
Sentia-me confusa. Eram tantas emoções invadindo o mais profundo do
meu ser, que mal podia compreendê-las. No entanto, não tive tempo para
pensar muito sobre aquele assunto. Monica e Fernanda apareceram mudando
a música para um pop bem agitado e me puxaram para o meio delas.
Minha gargalhada foi ofuscada com o som alto, dançando entre elas e
esquecendo todas as preocupações anteriores. A cada canção eu me sentia
mais livre, era como se minha alma saísse para dançar. Voando sem limites a
cada batida.
Descobri que dançar não exigia experiência, somente liberdade.
E eu era, completamente, livre.
Capítulo Vinte e Seis
Benjamin
Nem se um raio me atingisse naquele momento eu poderia desviar meus
olhos dela. A forma que se movia, desinibida e totalmente desimpedida, era
hipnotizante. Sedutoramente livre. Se eu soubesse que a música faria isto
para Valentina, já teria feito uma boate em seu apartamento há muito tempo.
Nada a afligia enquanto se balançava a cada batida. Seu sorriso era
enorme e brilhava de uma forma que me mantinha hipnotizado.
— Está com cara de bobo.
— Iaiá — resmunguei.
— Bobo apaixonado. — Se corrigiu.
Bufei sabendo que não a enganava.
— Não diga besteiras — respondi.
Ela riu conseguindo minha atenção.
— Não vou embora enquanto não for sincero comigo.
— Você deveria ser uma avó doce e suave que assa biscoitos — acusei.
— Parece chato. — Riu.
— Eu não acharia chato ter biscoitos frescos todos os domingos, quando
fosse lá para almoçar.
— E por acaso eu tenho cara de vovozinha que faz quitutes?
— Ninguém poderia acusá-la disto. — Brinquei.
Ela ergueu as sobrancelhas como se dissesse “Foi o que eu quis dizer”.
— Está apaixonado? — perguntou direta no assunto.
— Mais do que gostaria assumir — respondi com sinceridade.
— Por quê?
Seus olhos brilhavam com curiosidade e esperteza.
Voltei a buscar Valentina pelo salão e a encontrei no mesmo lugar, rindo e
se divertindo com minha família.
— Não sei se deveria.
— E por que não? — estreitou os olhos. — Acredita que ela esteja
fragilizada demais para se envolver em um relacionamento depois de tudo o
que passou?
— Algo do tipo. — Dei de ombros.
Uma dor aguda puxou em minha barriga.
— Ai! — protestei.
Iaiá tinha acabado de me beliscar e me olhava como se dissesse que faria
de novo se eu abrisse a boca para reclamar.
— Posso saber o motivo da agressão? — perguntei franzindo a testa.
— Não seja um idiota. — Apontou. — Vou fazer muito pior se continuar
com essa besteira — jurou. — Está vendo aquela mulher ali? — questionou
apontando para Tina. — É a representação do que uma mulher deveria ser
depois de todo aquele inferno, ela continua de pé e lutando por si mesma. Por
mais machucada que esteve não deixou que aquele babaca a derrubasse para
sempre. Ela se levantou e continua firme mesmo com todos seus ferimentos,
está se curando, corpo e mente. — Estreitou os olhos para mim. — Não ouse
dizer o que ela merece, é direito dela negar estar com você assim como
também é a única que deve fazer a escolha. Diga a ela como se sente, mas
não me venha com essa besteira de Valentina estar frágil ou ser cedo demais
para um novo relacionamento. — Apertou o dedo indicador no meu peito. —
A decisão é dela, não sua.
— Delicada como sempre — zombei. —, mas muito sábia.
— Essa sou eu. — Sorriu. — Suave e inteligente.
Beijei seu rosto segurando o riso.
— Obrigado.
Agradeci, mesmo sem ter pedido sua opinião. Esmeralda não nasceu para
suavizar as bordas, ela sempre vai direto ao ponto e por isto tinha uma
personalidade incrível.
— Disponha! — deu uma piscadela. — Agora vá dançar com aquela moça
linda, forte e terrivelmente sensual naquele vestido.
— Iaiá! — a repreendi. — Sabe que não preciso ser lembrado disto.
— Oh meu bem, eu sei. — Riu como se tivesse mais a dizer, mas ficou
calada só para me deixar curioso.
Antes que eu pudesse insistir naquela conversa, ela se afastou ao ver
alguém passando e pegando o pobre coitado desprevenido. Enlaçou seu braço
ao do convidado e o forçou a ouvi-la.
— Delicada, sei bem — murmurei.
Balancei a cabeça e ignorei Iaiá, busquei por Valentina na pista de dança,
mas não a encontrei. Senti um arrepio atravessar minha coluna quando fiquei
tenso. Meu coração chegou a pular no peito. Encontrei Alex com o olhar e ele
me indicou o caminho do toalete feminino com um aceno discreto de cabeça.
Coloquei-me em movimento, passando pelas pessoas e ignorando aquelas
que tentavam conversar comigo. Eu não tinha tempo e nem paciência para
conversas sociais, naquele instante tudo o que precisava era colocar meus
olhos sobre ela.
Encontrei Ciro na porta do banheiro, o que me dava a certeza de que ela
estava lá dentro sozinha. Relaxei os ombros por um segundo, até que Tina
saiu. Seu rosto estava tão pálido que me assustou.
— Valentina?
Ela suspirou ao me olhar.
— Ben, eu preciso ir embora.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Preciso sair daqui — disse baixo. — Por favor.
— Claro.
Segurei sua mão sem hesitar por sua reação, entrelaçando meus dedos aos
dela preocupado em como suava frio.
Indiquei a Ciro que preparasse nosso carro. Ele ergueu o celular e chamou
por Alex, mas eu sabia que meu segurança estava somente há alguns passos
de mim.
Havia uma saída por ali e não precisaríamos voltar todo o caminho pela
festa e sermos abordados pelos convidados. Chegamos ao carro em menos de
três minutos e eu indiquei a Aslan onde deveria parar. Ficamos em silêncio
por todo o caminho, ela parecia perdida demais em pensamentos para querer
compartilhá-los.
Segurei um suspiro, precisava saber o que estava acontecendo. Queria
ajudá-la, mas primeiro, Valentina teria que confiar em mim para me contar.
Sentia-me extremamente preocupado com a palidez de seu rosto. Ela apertava
as pontas dos dedos distraidamente e eu sabia que fazia isto quando estava
nervosa.
— Tina? — chamei baixinho.
Ela nem mesmo me olhou, encarava o vazio fora da janela sem parecer me
ouvir.
— Querida — insisti suavemente. —, o que aconteceu?
O suspiro estremecido dela me deixou gelado de aflição. No entanto, não
tive nenhuma resposta e pareceu que não teria tão cedo pela forma que ela
ficou tensa quando o carro parou na frente de uma lanchonete, como eu havia
pedido ao segurança.
— Por que paramos aqui? — perguntou ela e sua voz tinha uma nota de
pânico.
— Alex, nos dê um minuto — pedi.
Tanto Alex quanto Aslan, saíram do carro em poucos segundos.
Lentamente soltei meu cinto de segurança e me virei no banco, ficando de
frente para ela.
— Tina, por favor, diga-me o que aconteceu.
Ela engoliu em seco e lágrimas brilharam em suas pálpebras.
— Quando fui ao banheiro recebi uma ligação — disse com a voz trêmula.
Forcei-me a ficar quieto quando ela se calou por tempo demais, que Deus
me perdoe, mas eu queria sacudi-la para que falasse mais rápido. Aquele
suspense estava me matando.
— Quem te ligou? — perguntei suavemente.
Lágrimas caíram em sua bochecha.
E novamente precisei me forçar a ficar quieto. Queria me aproximar e
beijar cada uma de suas lágrimas com todo o carinho possível. No entanto,
me mantive sem tocá-la, sentia que Valentina precisava daquele espaço.
— Ellen — sussurrou. — Axel conseguiu liberdade.
Tentei não ficar pálido como ela, realmente não esperava por aquela
notícia tão inesperada. Foi dito que ele permaneceria em prisão por no
mínimo sessenta dias.
— Responderá em liberdade — murmurou fraca. — Ele vai me matar.
— Ele não vai te matar — jurei. — Tenho certeza de que colocaram uma
tornozeleira nele, que irá te informar quando chegar muito perto. E você tem
Ciro e Aslan. — Segurei sua mão. — Tem a mim — garanti.
— Ah, Ben, estou tão apavorada — choramingou.
— Eu sei e te entendo, tem todo direito de se sentir assim.
As leis tratavam a violência doméstica como se fosse uma banalidade,
algo que não merecesse tanta atenção. O que era muito revoltante. Como
podiam ter liberado um homem que espancou e estuprou uma mulher? Esse
maldito merecia prisão perpetua ou pena de morte. Talvez ainda fosse pouco.
Deveria ser um crime tratado com severidade, mas tudo o que as mulheres
ganham é o descaso e isto resultava nos crescentes números de feminicídio.
— Não chore — pedi segurando sua mão. — Vai ficar tudo bem, você está
segura.
— Como podem não punirem aquele monstro por todo o mal que me
causou? — perguntou em um tom que quebrou meu coração. — Ele quase
me matou — sussurrou derrotada. — Bateu-me tanto e ainda... — se calou
como se não pudesse pronunciar o que pensou.
Mas eu sabia, Axel havia a violentado. E a humilhação que via em seus
ombros caídos me fazia querer encontrar esse homem e forçá-lo a receber
algo que não consentiu. Eu estava com raiva, por isto pensava essas
brutalidades. Admitir esse sentimento me fez respirar fundo e acalmar a fúria
crescente em meu peito.
Valentina não precisava de mais violência, muito menos ver essa emoção
feia brilhando em meus olhos. Ela precisava de um amigo e eu estava aqui
por ela, e não iria a nenhum outro lugar. Ficaria ao seu lado até que se
sentisse melhor.
— Você confia em mim? — perguntei tentando não hesitar.
Eu não queria pressioná-la concordar em um momento que ela estava tão
assustada. Não era justa minha pergunta, mas precisava fazê-la.
— Sabe que sim — respondeu parecendo cansada.
— Então venha comigo, vamos comer um lanche e eu vou te contar um
pouquinho mais sobre mim.
Ela hesitou olhando para fora, os três seguranças rodeavam o carro
esperando pacientemente nossa decisão.
— Tudo bem. — Acenou concordando, mas ainda não parecia muito certa
do que queria.
Saímos do veículo e eu voltei a entrelaçar meus dedos aos dela. Era uma
forma de dar-lhe apoio, mas eu sabia que no mais profundo da minha mente,
era uma oportunidade para tocá-la.
Fomos recebidos pelo sorriso gentil da senhora atrás do balcão, que
mesmo no início da madrugada tinha bom humor para receber novos clientes.
Levei Valentina até a mesa que eu mesmo gostava de me sentar quando
frequentava o local e puxei uma cadeira para ela.
Mantive meu rosto o mais neutro possível, era visível o terror nos olhos
dela. Percebi a forma como olhava ao redor com medo de estar sendo seguida
e notei que não queria soltar minha mão.
Para deixá-la mais calma fiz sinal para Alex entrar com os irmãos Ciro e
Aslan e ocuparem as mesas ao nosso redor. Tina relaxou por uma pequena
fração ao ver os homens perto e eu comemorei aquela vitória, por menor que
fosse.
— Está com fome? — perguntei a ela.
— Não. — Negou com a cabeça.
— Eu estou faminto, aqueles petiscos não ajudaram em nada.
Ela balançou a cabeça distraidamente e olhou ao redor procurando por
alguma ameaça. Ignorei sua reação chamando a gentil senhora que sempre
me atendia, pedi que me trouxesse um lanche completo. O mesmo de sempre.
Sorriu com gentileza e prometeu entregar em alguns minutos.
— Sempre venho aqui — contei.
Tina me encarou por um momento com a testa franzida.
— Aqui?
— Sim.
— Sem querer julgar, mas já fazendo isto, essa lanchonete parece muito
simples para um CEO tão importante como você.
Fiquei satisfeito por seu comentário.
— Eu sou uma pessoa simples. — Dou de ombros. — Esmeralda sempre
diz que as melhores coisas estão na simplicidade.
— Ela está certa.
— Eu não diria isto a ela. — Brinquei.
Um sorriso dançou em seus bonitos lábios por um minuto antes de se
fechar. Percebi que minha distração estava funcionando, porém, não tinha um
efeito duradouro. Não a julgava. Entendia que estava aterrorizada por dentro
e não era fácil esquecer.
— Conheci essa lanchonete quando tinha quatorze anos — contei. — E
estava tão aterrorizado quanto você agora, mas como pode imaginar, por
motivos diferentes.
Os bonitos olhos dela se arregalaram mostrando-se surpresa com minha
confissão.
— Eu não gostava muito de ser seguido por seguranças. — Dei de
ombros. — Meu pai estava crescendo nos negócios e atraindo uma
quantidade boa de inimigos ao ganhar os contratos de importação e
exportação. — Expliquei. — Era a hora de proteger a família, eu e mamãe
éramos tudo o que ele tinha. Nossa segurança se tornou prioridade e de
brinde eu ganhei um encosto chamado Alex. — Brinquei sabendo que ele
ouvia.
Seu bufo de indignação não demorou a chegar.
— Acho que ele não concorda com você — comentou Tina com um olhar
cheio de curiosidade.
— Nunca vi uma sombra tão persistente quanto ele. — Ri descontraído. —
E sou realmente grato a isto. Um dia na escola eu passei a perna nele e saí
com meus amigos sem a sua proteção, deparamos com algumas garotas no
caminho e resolvemos encontrar uma cachoeira. — Dei uma pausa quando a
senhorinha retornou com o meu pedido.
Agradeci e joguei algumas batatas na boca.
— Parece que foi uma tarde divertida — disse Tina.
— Deveria ter sido. — Acenei. — Mas em algum momento entre um
mergulho e outro me vi sozinho e realmente não me preocupei. Já tínhamos
ido naquela cachoeira algumas vezes e sabia que meus amigos estavam
aprontando ao redor. — Dei uma mordida no hambúrguer e mastiguei sem
pressa.
Aquele era um assunto que eu não falava com frequência. Tinha ficado no
passado e eu gostava que permanecesse assim.
— O que aconteceu? — perguntou ela com suavidade.
Seus olhos já não tinham mais aquele terror de antes, pareciam solidários e
levemente curiosos.
— Quando saí para me secar, dei de cara com um homem robusto e
desconhecido. — Esfreguei a nuca. — Ele tinha sido enviado para me
sequestrar para exigir que meu pai rompesse um grande contrato da época.
Seu concorrente estava furioso por ter perdido aquela oportunidade e achou
que seria melhor o persuadir. — Sorri amargamente. — O que ele não
esperava era que eu iria aceitar ser levado de boa vontade.
— Você não brigou com um bandido. — Gemeu ela.
— Como se minha vida dependesse disto e realmente dependia — afirmei.
— Lutei, gritei e me esforcei ao máximo. Apanhei como um maldito cão de
rua, mas não me rendi. O homem percebeu que acabaria chamando atenção e
tentou me afogar, era melhor concluir o serviço me matando do que voltar
para a pessoa que o contratou de mãos vazias.
— Deus, que horror Benjamin.
Sorri de lado.
— Pois é. — Dei de ombros. — Alex chegou bem a tempo de me ajudar e
me salvou por muito pouco. Ele quase me matou e para piorar tudo, me deu
dias terríveis. Fiquei com traumas psicológicos, ataques de pânico
acarretados por um medo que me deixava frio.
— Eu sinto muito, a sensação não é muito boa — disse ela triste.
— Não sinta, superei isto e hoje não saio sem minha sombra. — Brinquei,
mas não rimos. — Em uma das muitas noites sem dormir, sai do quarto e fui
até o jardim para tomar um ar. Alex estava lá e me trouxe aqui, disse que se
um homem não pode dormir, deveria ter pelo menos um lanche muito bom.
— Acredito que ele estava certo.
— Eu não diria isto em voz alta. — Ri.
Alex bufou novamente, mas não fez nenhum comentário. Ele não era um
falador, mas tinha uma lealdade imensa.
— Mas posso dizer que vim aqui muitas vezes — confessei. — Ainda
venho.
— E isto te ajudou?
— Me deu uns bons quilos. — Brinquei. — E me distraiu. — Acenei. —
Mostrou-me que não é porque eu sofri um trauma que deveria parar de viver.
Tirou-me da zona de conforto que minha casa se tornou, por causa do medo
de ser alvo novamente, e me devolveu a liberdade que aquele homem tentou
me tirar. — Segurei sua mão por cima da mesa. — Você é livre linda, e muito
bem protegida, ele pode até tentar, mas não vai conseguir. Vamos lutar,
brigar e fazer o que for possível e impossível para que ninguém nunca mais a
prenda.
— Obrigada — sussurrou emocionada.
— Me agradeça depois de comer um lanche desse. — Provoquei. —
Tenho certeza de que se sentirá melhor.
Ela riu concordando e limpou as lágrimas que desceram por sua bochecha.
— Você está certo. — Roubou meu hambúrguer.
— Ei! — protestei.
Tina deu uma grande mordida e fechou os olhos saboreando com prazer.
Meu protesto se perdeu na satisfação de vê-la se erguendo novamente,
mesmo que ainda o medo estivesse dentro do mais profundo do seu ser, ela
não se renderia.
Capítulo Vinte e Sete
Valentina
O olhei com uma pontada de indecisão, estávamos parados na frente da
minha porta e eu não queria que ele fosse embora. Tão bonito, pensei quase
que hipnotizada, mas não era isto que me fazia desejar mais de sua presença.
— Você está bem? — perguntou Ben.
— Sim.
Ele me olhou com um pouco mais de atenção, estava claramente me
analisando e parecia não se importar com sua falta de descrição.
— Por que não parece sincera?
Balancei levemente a cabeça pensando no que responder.
— Eu estou bem — reafirmei.
— Mas?
— Não gostaria que fosse embora.
— Ainda não fui, estou bem aqui. — Deu um passo à frente ficando bem
perto de mim. — Fale comigo — pediu.
— Entre! — acenei para a porta.
— Você tem certeza?
— Sim.
Ele sorriu de lado, segurou minha mão e me guiou para dentro do
apartamento.
— O que quer fazer? — perguntou assim que fechou a porta.
— Eu não sei. — Gaguejei um pouco. — Somente relaxar.
— Tudo bem. — Levou as mãos a gravata borboleta que usava e a desfez
com habilidade. — Só posso relaxar sem isto me sufocando.
Ri concordando e me sentei na poltrona. Me inclinei para abrir a sandália e
me surpreendi quando Benjamin se colocou em um joelho na minha frente.
— Eu faço questão — disse em um tom tranquilo. — Juro que não
entendo como vocês, mulheres, conseguem se equilibrar nestas coisas.
Mordi o lábio inferior, me segurando para não estremecer com o toque
suave de seus dedos.
— Parece tortura. — Riu baixinho distraído em sua tarefa. — Mas devo
confessar que é extremamente sensual.
— Você gosta — afirmei.
Ele ergueu o olhar, prendendo-me naqueles castanhos encantadores e
sorriu.
— Mais do que fico confortável em dizer.
— Bobo.
Rimos juntos.
Ele colocou as sandálias de lado e massageou meu pé direito. Suspirei alto
enquanto sentia uma mistura de prazer e satisfação com o toque firme de seus
dedos.
— Você é bom — murmurei.
— Eu sei.
— É arrogante também. — Ri.
— Estou ciente — afirmou sem tirar os olhos dos meus. — Diga-me o que
precisa?
— E por acaso você faria qualquer coisa que eu pedisse?
— Não mesmo. — Gargalhou. — Sou um homem criado por mulheres,
Tina. Nunca prometo nada sem antes saber do que se trata.
— Esperto. — Brinquei.
— Só calejado demais para cair neste truque — retrucou com um sorriso
traquina. — Me fale, linda, do que você precisa e eu vou decidir se posso
ajudar.
Rindo, segurei seu rosto deslizando meus dedos por seus cabelos
castanhos. Seu sorriso diminuiu, mas não ficou tenso pelo meu toque. Muito
pelo contrário, pareceu relaxado.
— Um beijo, um banho e uma boa noite de sono — sussurrei.
Eu sabia que a tensão sexual estava levemente aumentando, no entanto,
ambos tínhamos a noção de que eu não estava pronta para o ato em si.
— Isto eu posso fazer — murmurou encarando meus lábios.
Ergueu-se um pouco mais, me segurou pela nuca e levou sua boa até a
minha. De início, suave, calmo e totalmente sensual, porém, em instantes
mudou-se para um beijo quente com seu corpo se inclinando sobre o meu. Eu
estava me agarrando a ele e ele a mim. Minhas mãos empurravam suas
roupas até conseguir sua camisa aberta.
Sua pele quente foi muito bem-vinda assim como o frescor tocando a
minha. Dos seus lábios molhados descendo por minha garganta, passando por
meu ombro e alcançando meu seio.
— Você me faz perder o controle, Tina — sussurrou e mordiscou minha
pele.
— Benjamin. — Suspirei.
Ele se afastou.
— Santa merda! — caiu sentado no chão. — Tina... — gemeu parecendo
fora de controle.
— Oi.
— Você vai me matar. — Acusou.
— Eu?
— Não faça essa cara de inocente — se apoiou nos braços enquanto
respirava com dificuldade.
Gargalhei e encostei-me à poltrona, sabia que estava toda encurvada e
deselegante, não me importava, sentia-me relaxada além de deliciosamente
excitada.
— Frio? — perguntei para ele.
— O que? — pareceu confuso.
— O banho. — O lembrei.
— Ah! — riu. — Em temperatura abaixo de zero seria bom. — Brincou.
— Ainda mais depois de vê-la rir desse jeito, tão espontâneo.
— Mesmo que eu tenha rido de você?
— Principalmente por isto. — Garantiu.
Meu peito doeu com a batida forte do meu coração. Era pra ser somente
atração, mas eu estava em queda livre, me apaixonando rápido demais para
compreender.
Acompanhei seus movimentos enquanto voltava a se erguer, ficando sobre
um joelho como um príncipe encantado pronto para se declarar. O maldito
era um príncipe! Será que ele era o meu encantado? Logo eu, uma cinderela
atrapalhada, machucada, que tentava sobreviver e... sem nenhum sapato
perdido. Este pensamento me fez ri.
— Do que está rindo?
Mordi o lábio.
— Nada que pretendo compartilhar.
— Que malvada, vai me deixar curioso?
— Sim.
Ele fez uma careta e eu sabia que ele pretendia continuar a me questionar
até que conseguisse suas respostas.
— Você precisa ir. — Mudei o assunto.
— Por quê? — o beicinho que ele fez me divertiu.
— Preciso de um banho.
— Sou bom em esfregar costas. — Rebateu me causando uma pontada de
ciúmes desconhecida.
— Não tenho dúvidas.
— Mas por hoje já teve emoções suficientes. — Sorriu com gentileza.
— Sim. — Suspirei.
— Tudo bem. — Levou uma mecha de cabelos para trás de minha orelha.
— Posso dar uma sugestão melhor do que eu indo embora agora?
— Sim.
— Vá tomar um banho, relaxe e vista algo confortável. — Sugeriu. —
Quando voltar, estarei aqui, com refrigerante, pipoca e um bom filme para
assistirmos.
— Pipoca? — provoquei.
— Alex vai dar um jeito. — Riu dando de ombros. — Eu não colocaria
fogo na sua cozinha. — Fingiu estar ofendido.
— Precisava ter certeza.
Rimos juntos.
— Pode ser assim? — honestidade brilhou em seus olhos ao perguntar
minha decisão.
— Sim. — Acenei.
— Bom! — selou nossos lábios rapidamente e se levantou. — Mova-se
mulher.
Revirei os olhos antes de ir para o quarto, quero dizer, depois de conseguir
me livrar dos tentadores braços dele. Assim que me coloquei de pé, Ben me
agarrou e voltei a me beijar, com mais intensidade do que antes.
Cada vez que o tocava, toda amargura e dor dentro de mim se apagava.
Levando-me a mergulhar profundamente em intensos sentimentos que tinha
medo de desvendar, mas que se afloravam perfurando qualquer angústia.
Eu estava apavorada e ao mesmo tempo animada. Queria correr para longe
para me proteger, ficar em um lugar onde nada poderia me machucar. No
entanto, ali eu estava nos braços dele pronta para me entregar. Para esquecer
tudo, esquecer o que mesmo? Não me lembrava, não naquele momento, pois
a única coisa que conseguia pensar era em como gostaria de beijá-lo todos os
dias da minha vida.
Isto me motivou a voltar o mais rápido possível para a sala, tomei um
banho rápido e vesti roupas confortáveis. Ao retornar, estava tudo como
prometido. Um filme pausado na TV, um gigante balde de pipoca rodeada
por copos de refrigerante.
No entanto, o que não estava no roteiro, era o bonito homem dormindo
sentado no meu sofá. Benjamin estava com a camisa branca desabotoada até
metade e os punhos abertos. Ele também se livrou do cinto, dos sapatos e
meias.
Ri baixinho e me aproximei.
— Ben?
Ele não me respondeu.
Toquei levemente seu ombro e fiquei hipnotizada com o movimento
sonolento de suas pálpebras.
— Desculpe! — bocejou.
— Shh. — Ofereci a mão.
Ele me encarou um pouco confuso, porém, aceitou meu convite silencioso
e se levantou. O guiei para o meu quarto, puxei as cobertas e indiquei que
deveria se deitar. Benjamin tentou protestar, mas lhe dei um olhar duro de
que não aceitaria uma resposta negativa. Ele estava sempre cuidando de mim,
garantindo minha segurança, me convidando para refeições e muitas outras
coisas. Agora era a minha vez de retribuir, nem que fosse um pouquinho.
Deitamos de frente um para o outro. Estávamos cansados, foi um longo
dia.
— Boa noite, Ben — sussurrei.
Ele fechou os olhos e sorriu de lado.
— Boa noite, linda e valente, Tina.
Capítulo Vinte e Oito
Valentina
Ele estava me sufocando, aquele monstro iria me matar. Sentia que seus
dedos apertavam meu pescoço, mas eu não conseguia mover o resto do
corpo. O que estava de errado? Por que eu não me defendia? Queria implorar
que me soltasse, que pelo amor de Deus me deixasse em paz, no entanto,
minha voz tinha desaparecido.
Não conseguia reagir. Tinha um grito preso na minha garganta e eu estava
completamente apavorada. Queria chorar, me enrolar em uma bola e fica lá
até que ele fosse embora.
Estávamos de volta ao meu antigo apartamento, Axel me imobilizava
contra o chão frio e... ria enquanto me machucava. Estava se divertindo ao
me dominar daquela forma tão vil.
Precisava respirar... eu só queria respirar livremente. POR FAVOR, gritei
em pensamentos. Necessitava de ar livre. Chorei silenciosamente, eu deveria
ser livre.
“Se você não for minha, não vai ser de mais ninguém” sua voz soou bem
perto do meu ouvido. Ele estava furioso e iria me matar. Não sei como, mas
em um pequeno instante vi o brilho de uma arma de fogo em sua mão. O que
realmente me aterrorizou era que não estava apontada para mim e sim para
algo, ou melhor, alguém na porta.
Benjamin, o reconheci imediatamente.
Seu rosto estava endurecido, ameaçador, mas não era direcionado para
mim e sim para o meu monstro. Ele deu dois passos à frente, pronto para me
salvar, e um som alto explodiu, ferindo meus tímpanos. Em câmera lenta vi
aquela bala atravessar a pequena sala...
— NÃO! — gritei apavorada e me sentei na cama.
Mal tive tempo de perceber que era um sonho, quero dizer, um pesadelo.
— Tina — disse Benjamin segurando os meus ombros, parecia tão
assustado quanto eu. — Foi um pesadelo, você está bem. — O agarrei em um
abraço apertado.
— Ele vai me matar — choraminguei. — Ele vai... matar... você...
— Isto não vai acontecer. — Jurou. — Você está segura.
Engoli o enorme nó formado em minha garganta, era a única coisa que
conseguia fazer. Meu corpo tremia e lágrimas silenciosas desciam por minha
bochecha sem pausa.
Benjamin continuou sussurrando palavras em meu ouvido, mas de alguma
forma eu não conseguia escutar. Minha mente estava nublada de medo e
respirar pareceu mais difícil do que no sonho.
Em algum momento, percebi que Benjamin não sabia o que fazer e me
carregou para a varanda do meu quarto, me colocando na poltrona. O ar
gelado do início da manhã foi bem-vindo, mas ainda não conseguia reagir.
Respirava tão alto, tão forte, que comecei a engasgar com o ar.
Parecia tão difícil e mesmo tendo os pulmões cheios de oxigênio, eu
estava me afogando.
— Se acalme, por favor — pediu Ben.
Acenei concordando, mas sabia que estava mentindo. Aquele pesadelo era
uma mistura de lembranças e medos que me deixou gelada.
— Tina?
Não respondi, não poderia. O abracei um pouco mais forte, com medo de
que algo ruim acontecesse, não só comigo, mas com ele.
Meu encantado príncipe Benjamin.
— Vou chamar Ítalo. — Anunciou.
Eu não protestei, talvez o psiquiatra conseguisse me tirar daquela concha
em que eu estava me escondendo. No entanto, soltar Ben foi uma das coisas
mais difíceis que fiz nos últimos tempos.
Abracei meus joelhos e escondi o rosto, queria me controlar. Encontrar
minha voz, resgatar minha coragem, mas tudo o que conseguia fazer era
tremer e derramar as lágrimas silenciosas que corriam como rios pelas
minhas bochechas.
Não sei quanto tempo passou, mas Ben voltou e se sentou ao meu lado me
envolvendo em um abraço, o que me fez erguer o olhar. Fiquei agradecida
por ele ficar em silêncio e não insistir em uma conversa. Não era o que eu
precisava, apesar de que não tinha muita certeza do que realmente
necessitava.
Embora, o silêncio fosse muito bem-vindo.
Ficamos ali, vendo o sol nascer entre os prédios lentamente.
— “Nunca houve uma noite, ou um problema que pudesse derrotar o
nascer do sol” — citou Benjamin. — Bern Willins disse com grande
sabedoria pelo o que parece. — Me encarou. — Eu não sei com o que sonhou
Tina, mas seja o que for você vai superar. É mais forte do que parece.
Delicadamente limpou a mancha de lágrimas no meu rosto e se afastou ao
perceber que Ítalo já estava ali. Deu-nos privacidade necessária ao voltar para
o quarto.
— Soube que acordou cedo — disse Ítalo. — Sorte sua que eu também
não dormi muito bem essa noite. — Encostou-se ao parapeito de vidro me
fazendo observar suas roupas de ginásticas. — Tem noites que os demônios
vêm nos visitar. — Suspirou.
Se eu não estivesse tão em choque com minhas lembranças, suas palavras
despertariam minha curiosidade.
Ítalo se virou e se sentou no chão, tinha um olhar vazio e bolsas escuras
abaixo dos olhos.
— Vejo que está travada de medo. — Observou. — O pesadelo foi algo
terrível, não é mesmo?
Acenei concordando e meus olhos se encheram de lágrimas novamente.
Estremeci ao respirar fundo, meu peito doía como se ainda pudesse sentir o
peso do corpo de Axel sobre mim.
— Sei como é. — Sorriu de lado. — Sou um psiquiatra com teto de vidro,
tenho meus traumas, meus medos e noites tão ruins como a de hoje. —
Suspirou. — Comecei a ler frases inteiras quando tinha três anos, dominava
matemática aos cinco e me apaixonei pela ciência antes dos dez. Uma mente
brilhante! — exclamou sem emoção. — O único problema era ser criado por
um casal de vigaristas, eles me usaram por anos, forçando-me a trabalhar para
eles a cada habilidade nova que descobriam em seu filho caçula. Quando me
revoltava era uma surra de cinto até que resolvesse obedecê-los novamente.
— Relaxou contra o vidro. — Eu fui uma criança que queria conhecer tudo,
uma vez desmontei o cortador de grama para conhecer como funcionava e o
montei no mesmo dia. Era fascinante a descoberta, o conhecimento, e me
enfurecia não poder desfrutar daquilo para deixar meus pais mais ricos a cada
dia. — Bufou indignado.
— Você só queria ser livre — digo roucamente.
— Ah, sim, liberdade foi algo muito ansiado por mim e não demorei
muito para buscá-la, mas as memórias dos espancamentos nunca se
apagaram.
— Como-o você as supera? — sussurrei.
— Não existe um jeito de esquecer, Tina — disse com suavidade. — O
passado não pode ser mudado, mas devemos aprender a conviver com ele. É
difícil, quase que impossível de suportar, porém vamos sobrevivendo.
Ficamos em silêncio ao perceber que aparentemente nós dois estávamos
precisando de ajuda. Mas o olhar esperto dele voltou a aparecer, deixando
aquele vazio de lado e sendo o mesmo Ítalo de sempre.
— Enfim, já tive meu momento de paciente. — Sorriu com certa
amargura. — Agora é sua vez.
— Não combinei uma troca.
— Eu sei, mas sou seu médico e amigo. — Seu olhar suavizou. — E você
precisa de ajuda, Valentina, estou aqui para isso.
— Pelo jeito não sou a única — resmunguei.
— Já assumi que meu teto é de vidro. — Retrucou com certa impaciência.
— Me conte sobre seu sonho — pediu, mas eu fiquei calada. — Benjamin me
contou que você disse que Axel iria matar ambos.
Estremeci e desviei o olhar, meu sangue chegava a congelar ao pensar que
Axel poderia machucar Benjamin. Sentia que não me importava com o que
ele faria da minha vida, mas entrava em pânico ao imaginar que ele poderia
ferir alguém tão especial para mim como Ben.
— Converse comigo — pediu Ítalo. — Não sei se estou bom de deduções
hoje.
Bufei.
— Duvido muito — murmurei.
— Eu também. — Sorriu agora com sinceridade. — Confie em mim,
Valentina.
Eu confiava só que era tão difícil fazer as palavras saírem. Cheguei abrir a
boca, mas gaguejei e voltei a fechá-la.
— Como foi a festa ontem? — mudou o assunto.
— Boa.
— Só boa? Tenho certeza de que esse comentário feriria os sentimentos
das dominantes mulheres Daslow.
Suspirei.
— Foi perfeita.
— Até quando?
— Quando Ellen ligou para me informar que Axe-el está solto. — Engoli
em seco.
— Como se sentiu?
— Apavorada — sussurrei. — Ele vai me matar, Ítalo.
— Ele pode tentar. — Retrucou. — Mas estamos atentos para cuidar de
você.
— Eu estava tão bem ontem à noite, eu e Ben... — me calei, incapaz de
contar tudo para aquele bisbilhoteiro.
Ítalo se animou na mesma hora, havia curiosidade e perspicaz brilhando
em seus olhos.
— O que vocês andaram fazendo?
— Esse não é o ponto. — Retruquei.
— Se beijaram — afirmou estreitando os olhos. — Mais do que isto?
— Ítalo! — gemi frustrada.
Ele riu.
— Ficaram nus! — aplaudiu.
Outro gemido de frustração escapou pelos meus lábios.
— Esse não é o motivo da sua visita. — O lembrei.
— Isto a fez mais interessante — retrucou.
— Vá embora! — apontei para a porta.
Ele riu baixinho e cruzou os braços.
— Vou tentar me comportar se você conversar comigo. — Prometeu.
— Estamos conversando. — Pontuei.
— Eu sei. — Acenou. — Quero te ajudar, e o ponto é que você não parece
mais tão travada como quando cheguei aqui.
Era uma grande verdade, a confiança que depositei nele dava liberdade
suficiente para conseguir me distrair.
— Sonhei com a última vez que Axel me agrediu — confessei sentindo o
nó voltar a minha garganta.
— Ainda é recente. — Mencionou. — É normal reviver essas lembranças.
— Não é só isto — murmurei. — Acreditava que me lembrava de tudo o
que tinha acontecido naquela noite... — me calei tomando coragem. — Mas
recordei de algumas coisas. — Engasguei. — Eu não conseguia respirar... Ele
iria me matar.
— Como pode ter tanta certeza?
— Ele sussurrou em meu ouvido que se eu não fosse dele, não seria de
mais ninguém — cobri o rosto com as mãos. — Axel me bateu tanto naquela
noite, com a intenção de me matar — choraminguei. — Eu não sou idiota, sei
que ele faria isto em algum momento. Principalmente com a evolução da
violência, mas ao recordar tive a certeza de que ele saiu da minha casa
acreditando que tinha me matado.
Ítalo não disse nada por um momento, ficou me encarando perdido em
pensamentos.
— Sua mente a protegeu destas lembranças, bloqueando-as até certo
momento — explicou com suavidade. — Até que Axel se tornou uma ameaça
novamente. — Esticou as pernas. — É uma reação normal do corpo, quero
dizer, da mente. Antes de falarmos mais sobre o assunto, eu quero te explicar
o que exatamente é isto e o que podemos fazer, tudo bem?
— Sim.
— É conhecido como Bloqueio Emocional, é quando o inconsciente
camufla memórias de dor para evitar o sofrimento. A situação dolorosa não
deixa de exigir, mas ela pode se manifestar de forma inconsciente, que muitas
vezes reflete de forma negativa sem que nem mesmo perceba. Entendeu?
— Sim. — Suspirei. — Você acredita que isto pode estar acontecendo
desde quando a violência começou? — questionei um pouco trêmula.
— É uma possibilidade. — Balançou a cabeça em afirmação. — Mas só
vamos descobrir isto revivendo todas essas memórias.
Estremeci, não queria nem pensar naquela alternativa.
— Se você me perguntar se eu recomendo que faça isto? Eu vou dizer que
sim — afirmou Ítalo. — O Bloqueio Emocional tem efeitos, emoções
reprimidas não são bem aceitas pelo organismo, pode afetar sua saúde em
vários aspectos e torna sua vida um verdadeiro fracasso.
— Me apavoro só de pensar em reviver tudo — murmurei.
— Eu sei, é aterrorizante reviver traumas.
— Você reviveu os seus?
— Cada um deles, a diferença é que nossas mentes não funcionam da
mesma forma. — Sorriu de lado. — Tenho memória fotográfica e um QI
elevado, meu cérebro brilhante não gosta de esquecer as coisas.
Ri baixinho.
— Não parece uma vantagem.
— E não é. — Seu olhar ficou frio. — Não quando se quer esquecer. —
Esfregou a nuca. — Mas esse não é o ponto. A verdade é que o bloqueio de
memórias não é saudável, devemos desvendar; aceitar e tratar. Não vai ser
fácil, mas faz parte da cura.
— Eu entendo — sussurrei apavorada. — Vamos fazer isto.
— Não hoje, querida — disse suavemente. — Minha recomendação
médica para você é que curta o dia, relaxe, tome uma ou duas taças de vinho
com meu amigo Benjamin. — Sorriu. — Se possível nus.
— Ítalo! — exclamei.
— É sério. — Riu. — Eu poderia te dar medicação, mas quero esperar
mais um pouco para chegarmos a isto — disse sério. — Você é uma mulher
forte Tina, lembre-se disto.
Acenei concordando e por mais uma hora conversamos sobre aquele
terrível pesadelo. No final da nossa sessão na varanda, me sentia mais calma,
um pouco mais segura e surpreendentemente mais forte.
Ítalo foi embora e rapidamente Benjamin veio ao meu encontro. Seus
braços me envolveram com imenso carinho, beijou meu pescoço e sussurrou
em meu ouvido:
— Juro que vou estar mais atento, vou me manter seguro. — Prometeu. —
Não se preocupe com isto — pediu. — Vai dar tudo certo.
Quis chorar, mas não o fiz, confiei que ele se cuidaria e fiquei muito
agradecida por sua promessa.
Capítulo Vinte e Nove
Benjamin
Meu humor não era um dos melhores, depois de dias do pesadelo de
Valentina eu continuava com raiva. Furioso para ser mais exato. Bravo com
as leis fracas, com Axel e com todas as injustiças do mundo.
Se é que fosse possível.
Para piorar, eu queria matar Ryan. Era quarta-feira, dia de futevôlei com
meus amigos e eu não queria estar ali. Nem deveria ter ido, principalmente
depois de Ryan chutar uma bola no meu peito.
— Seu...
— Olhe a boca, mamãe Daslow não aprovaria seu filhinho ser boca suja.
— Me provocou.
— Eu vou socar sua cara. — Ameacei.
— Acredito que deveria — disse Ítalo. — Talvez o deixe menos idiota.
— Nosso amigo está tão putinho. — Provocou Leo. — Deveríamos ter ido
pra academia chutar a bunda dele.
— Cale a boca e joga a bola. — Bufei.
— Rato de academia — resmungou Ítalo.
Leo revirou os olhos.
— Você está mais resmungão que o normal. — Observou.
— Grande percepção. — Zombou Ítalo.
Ryan gargalhou.
— Eu quase o ouvi dizendo: para um homem de cérebro normal. —
Brincou. — Pobres humanos.
Rimos concordando que era algo que Ítalo realmente diria. Embora, no
fundo eu soubesse o motivo da acidez exacerbada dele. No dia em que esteve
no apartamento de Valentina, para ajudá-la depois do pesadelo, acabei
ouvindo tudo o que conversavam. Fiquei compassando como um animal
selvagem dentro do quarto e só me acalmei, quero dizer, congelei quando os
ouvi.
Agora me sinto envergonhado e realmente arrependido, eu estaria me
sentindo muito melhor sem todas as confissões daquela manhã. Como diria
Iaiá: Bem feito, ninguém mandou se meter aonde não foi chamado.
Meu bom Deus, a raiva era um sentimento terrível. E era tudo o que eu
conseguia sentir por causa do monstro chamado Axel. Ele havia machucado
uma mulher inocente, que tem um coração tão bom. Era difícil aceitar. Ainda
mais depois de ver o terror em seus olhos quando acordou.
Eu estava furioso, mas agora não somente com aquele verme, o
sentimento também era destinado para os pais de Ítalo. Um belo par de
covardes. Como poderiam espancar uma criança com uma mente tão
brilhante como a dele? Um menino louco para conhecer o mundo e desvendar
coisas que eu nem mesmo poderia imaginar.
— Porra, Ben! — Leo exclamou avisando-me a tempo da bola que vinha
na direção do meu rosto.
— Ryan! — digo puto. — Eu vou te afogar no mar. — Ameacei.
— Eu não tenho culpa se você está com a cabeça nas nuvens — retrucou
rindo.
— Filho de uma cadela — chutei a bola mirando o estômago dele, mas o
maldito desviou com agilidade.
— Sabe que ele tem razão, não é mesmo? — questionou Ítalo baixinho. —
Você não parece bem.
— Não é nada.
— Bom. — Sorriu. — Assim você aprende a não ouvir atrás da porta
como uma empregada fofoqueira. — Me acusou.
Bufei, virei em meus pés e desisti de jogar. Eles protestaram, mas foram
facilmente ignorados. Sentia-me sem uma gota de paciência para continuar
com aquelas provocações.
— Deixe-me — ordenei a Ítalo quando percebi que me seguia.
— Você precisa de um psiquiatra — disse escondendo o riso.
A vontade de socar meus amigos se tornou um pouco maior e eu poderia
muito bem começar por Ítalo.
— Está com raiva por tudo que ouviu. — Deduziu o idiota. — E você é o
único culpado por isto.
— Ítalo, não me provoque — reclamei.
— É a verdade — retrucou. — Agora precisa aprender a lidar com o que
está sentindo.
— Com o que eu estou sentindo? — digo pasmo. — Eu não preciso de
nada! Cresci em uma família amorosa e não tive ninguém abusando de mim.
Quando tentaram me matar, logo alguém me protegeu e ajudou-me a superar.
Mas quando me lembro de tudo o que ouvi, a única coisa que quero fazer é
bater nas pessoas. — Bufei. — E como é possível que depois de tudo o que
ele fez a ela, ainda seja solto? Por que as leis são tão relapsas com as
mulheres? Por que não a protegem? Para que tantos advogados e juízes se
eles não servem para nada!
— Eu entendo e compartilho de suas frustrações, mas é o que é. — Deu de
ombros.
— É um absurdo tudo isto. — Bufei alto.
— Concordo — cruzou os braços e parou antes que a água molhasse seus
pés.
Minha frustração pareceu aumentar com a condescendência dele.
Precisava de certa distância para esfriar meu temperamento. Um mergulho
seria muito bem-vindo e era o que eu realmente faria.
— Ben?
— O que é Ítalo? — digo exasperado.
— A raiva que está sentindo é normal, eu mesmo ainda tenho dificuldades
em controlar essa reação com os relatos que escuto. — O encarei. — Mas
aprendi que o importante, não é o que estou sentindo ou o que quero fazer.
Como por exemplo, bater nas pessoas. — Ele chutou a areia descontraído. —
O que realmente importa é como vamos ajudar quem realmente precisa.
Ergui uma sobrancelha interrogativa, até parecia que meu amigo estava
ficando sentimental.
— Sem baboseira sentimentalista para o meu lado. — Avisou com
impaciência.
— Sou profissional e é minha função ajudar Valentina — disse sério. —
Você é algo a mais para ela, que eu não poderia explicar sem ofender, sabe
que não acredito em amor, mas se é o que acreditam existir entre vocês —
deu de ombros. —, então é o que ela realmente precisa, sentir seu amor.
— O apocalipse deve estar bem próximo. — Brinquei.
— O coração é apenas um músculo, seu idiota — retrucou.
— Ainda vou vê-lo se apaixonando. — Ri.
— O inferno irá congelar neste dia — afirmou. — E eu me vestiria de
mulher e atravessaria uma avenida inteira.
— Vou me lembrar disto.
— Nunca vai acontecer. O amor foi criado para fins publicitários. —
Gesticulou impaciente. — A única coisa que acredito é na necessidade de
reprodução dos seres vivos — afirmou com arrogância. — Nascem, crescem,
se reproduzem e morrem.
— Esqueceu-se de dizer sobre as nuances do amor. — Debochei.
— Vá logo dá seu mergulho antes que eu o afogue. — Foi embora bravo.
Gargalhei e caminhei para dentro do mar, minha raiva já tinha se esfriado,
porém, mesmo assim mergulhei na primeira onda que me atingiu. A água fria
foi muito bem-vinda, menos o sal ardendo em meus olhos, no entanto, fazia
parte.
O mar estava agitado, assim como eu. Sentia-me inquieto, sem saber o que
fazer para ajudar Valentina. Como poderia curar tantas feridas? Eu tinha
tantas perguntas sem respostas que me deixava com a terrível sensação de
estar perdido.
Bati os braços mais forte sobre a água, gastando toda aquela energia
acumulada, até que parei por completo. Flutuando naquela imensidão azul e
entre todas as minhas inseguranças me veio uma única certeza, eu estava a
amando profundamente.
Para Ítalo o amor poderia ser uma jogada de marketing criada há anos,
mas para mim era algo intenso, fortemente enraizado e que merecia toda a
atenção. Apaixonar-me por Valentina foi fácil, ela era encantadora, agora eu
deveria garantir que esse sentimento fosse mútuo.
Determinação encheu meu peito, precisava ir de encontro a ela e beijá-la.
Sentir seu cheiro e envolvê-la em meus braços. Nadei para areia e acenei para
meus amigos que por hoje chega.
— Ele está um chato — reclamou Leo. — Eu jogava mais um pouco.
— Eu também. — Acenou Ryan. — Ficaria aqui o dia todo, não aguento
mais usar ternos.
— Não o use, então — disse Ítalo.
— Sou o CEO de uma empresa de aviação — respondeu mal-humorado.
— Por isto mesmo, deveria fazer o que quiser, não o que esperam de você
— retrucou.
Ryan não rendeu o assunto, somente bufou e me seguiu para dentro do
bar. Pedi uma rodada de cerveja e me joguei em uma cadeira ignorando a
conversa fiada entre eles. O garçom, Robertinho, veio animado com uma
bandeja cheia de garrafas e as distribuiu em nossa mesa enquanto falava
sobre o último jogo de futebol.
Devo confessar que não prestei muita atenção, minha mente ainda estava
flutuando em relação ao que fazer com Valentina e em como eu queria beijá-
la.
— Não ligue para Benjamin, ele está apaixonado — informou Leo ao
garçom.
— O amor é uma maravilha — disse Robertinho.
Ítalo bufou indignado com aquela afirmação e tomou um longo gole de
sua cerveja. Voltei a ignorá-los enquanto zombavam de mim por me
apaixonar. Claro que eles descobriram isto primeiro do que eu. Eram meus
amigos e me conheciam desde sempre. Nada passava despercebido por eles.
De repente senti um arrepio na nuca e fiquei tenso. Com os olhos procurei
por Alex e o encontrei em um ponto estratégico me encarando. Não tinha
nada de errado na sua expressão, mas eu sentia que alguma coisa havia
mudado.
Meu segurança deu um passo à frente tentando entender o que se passava
em minha mente, acenei que não era necessário sua aproximação.
— Ben? — chamou Ítalo.
Levantei o ignorando.
— Vou ao banheiro — informei já saindo sem esperar por uma resposta.
Passei por algumas mesas e antes de chegar ao corredor do banheiro uma
figura de boné entrou na minha frente.
— Fiquei me perguntando quanto tempo você ia demorar a aparecer —
digo ao homem. — Axel.
Fúria brilhou nos olhos dele.
— Senhor? — Alex, meu segurança chamou.
Não dei atenção a ele, mesmo sabendo que deveria correr para fora e
deixar que fizesse seu trabalho de me proteger.
— Você a roubou de mim. — Acusou o verme.
Foi impossível segurar a zombaria que apareceu no meu rosto.
— Eu? — ironizei. — Você foi o único a jogá-la fora como se fosse um
maldito lixo.
— Se afaste dela. — Mandou em um tom de ameaça.
— Ou o que? — dei um passo à frente.
— Benjamin, não — ordenou Leo, fazendo-me ciente de que todos
estavam ao meu redor.
Ignorei meu amigo e enfrentei aquele pedaço de escória do mundo.
— Ao contrário de Valentina, eu sou bom com os punhos e vou usá-los
em você se não sair do meu caminho. — Ameacei.
Eu não sei explicar bem, mas no momento seguinte estava trocando socos
com Axel. A satisfação de bater naquele merda era extremamente prazerosa.
O acertei bem no nariz fazendo sangue jorrar em seu rosto, mas isto não o
parou, afinal, o monstro que ele mostrava a Valentina estava à borda cheio de
ciúmes e possessão.
Veio para cima de mim, porém, eu estava pronto e com raiva. Recebi
alguns golpes, jogamos cadeiras e mesas no chão, garrafas e copos se
quebraram. Ele estava em fúria e eu me sentia vingado a cada vez que o
acertava.
Parecia tão pouco somente bater nele, a satisfação estava longe de me
alcançar e de alguma forma percebi o quão perigoso era aquela raiva. Me dei
conta de que estava em cima dele o acertando e parei quando me puxaram
para longe.
— Você ficou louco! — gritou Leo. — Por mais que ele mereça, é
agressão com agravantes.
Novamente o ignorei.
— Fique longe dela. — Ordenei em um tom frio. — E pare de me seguir.
Axel sentou cuspindo sangue no chão e riu como um psicopata.
— Isto ainda não acabou — afirmou ele.
Senti um arrepio atravessar minha pele, pois havia uma promessa muito
mais profunda na voz daquele homem e eu temia por Valentina.
Alex pegou o verme pela camisa e o colocou de pé como se ele não
pesasse nada.
— Não sou bom em aceitar ameaças — disse Alex. — Pode acreditar que
está em alguma vantagem criando essa situação, mas será o único que
acabara atrás das grades ou morto.
O maldito nem mesmo piscou com aquela ameaça, somente sorriu de lado
e se forçou a soltar das mãos firmes do meu segurança.
Olhou para o lado e vimos dois policiais militares que vieram correndo
assim que ouviu o tumulto.
— Senhor policial. — Acenou ele fazendo uma cara de pavor encenada.
— Esse louco me atacou. — Apontou pra mim.
Capítulo Trinta
Valentina
Fiquei encarando Benjamin sem saber como me sentir, mal podia acreditar
que ele tinha um olho roxo e vários outros machucados causados por uma
briga com Axel.
Parecia que meu pesadelo estava se tornando realidade. Se enfrentaram
uma vez, o que significava que aconteceria de novo. Axel não era de desistir,
ainda mais depois de ser humilhado.
— Você foi preso? — rosnei sentindo uma raiva incomum crescer dentro
do meu peito.
— Tina... — ele tinha um irritante tom de mediador.
— Não me venha com essa. — Retruquei brava. — Que merda aconteceu?
— Ele estava me seguindo...
— E do nada acabaram atracados como selvagens!
— Tina... — hesitou. — Ele veio me enfrentar e eu perdi a razão...
— Com violência — cruzei os braços.
Ele se levantou do meu sofá fazendo uma careta, tinha chegado há meia
hora e me contado o que aconteceu na praia. Primeiro eu fiquei apavorada em
vê-lo machucado para só então, ficar brava.
— Sinto muito! — tentou se aproximar, mas eu me afastei.
— Você prometeu. — Acusei.
— O que? — pareceu genuinamente confuso.
— Você prometeu que se manteria seguro. — O lembrei. — E vem me ver
todo machucado.
Seu rosto perdeu a cor e seus olhos arregalaram.
— Me desculpe — disse suavemente. — Eu não tinha me esquecido da
promessa, só que estava com raiva da ousadia dele. — Passou a mão que não
estava machucada nos cabelos. — Queria me vingar por tudo o que ele fez a
você — confessou.
— E como resultado acabou preso por lesão corporal — cruzei os braços.
— E solto com a influência de Leo — completou.
— Deus!!! — esfreguei o rosto. — Como chegamos a isto?
— Perdi a cabeça — confessou ele.
— Esse é o problema Benjamin. — Sentei na poltrona. — Cheguei a uma
fase da minha vida que violência é a última coisa que faria.
— Ele a machucou! — exclamou chocado. — Tentou te matar, pelo amor
de Deus!
— Não preciso ser lembrada disto — retruquei no mesmo tom exaltado.
— Eu mesma bateria nele até a morte para me vingar, mas aonde isto me
levaria? — questionei. — Diga-me, sente-se bem depois da briga? Está
satisfeito? Sua raiva passou? Os acontecimentos do meu passado foram
apagados?
Ele demorou a responder, sua expressão endureceu.
— Não.
— Sabe por quê? — perguntei. — Pode ser satisfatório socar a cara
daquele homem, mas nada vai mudar o que ele me fez. Não vai apagar os
inúmeros machucados que ele me infligiu e nem reverter às vezes que me
violou. — Engoli em seco. — Essa briga somente adicionou mais uma página
de violência nesta história.
— Tina...
— Eu não acabei Benjamin. — O interrompi. — Confiava que você não
agiria desta forma, mesmo que com boas intenções, no caso de me vingar,
acabou agindo como Axel. — Seu rosto ficou mais pálido. — Resolveu com
os punhos algo que estamos trabalhando duramente para usar a lei.
— A lei é muito fraca — resmungou.
— Eu sei — respondi cansada. — Agora eu só sinto medo do que pode vir
acontecer. Estou preocupada de que Axel queira se vingar de você e ele não
vai usar a lei para isto, pode até te processar, mas assim como no meu sonho.
— Engoli em seco. — Vai te matar.
— Vou ficar bem. — Jurou.
— Não diga isto. — Suspirei. — Não pode me prometer algo assim. Não
controlamos o futuro e nem as ações daquele maldito.
Cobri o rosto com as mãos, meu coração estava aflito, cheio de medo do
que poderia vir a acontecer. Conhecia Axel, ele poderia ter se saído bem com
a chegada do policial, mas ele não iria esquecer que Benjamin o enfrentou
por minha causa.
— Tina?
Não fui capaz de respondê-lo.
Minha garganta pareceu fechar com a tensão que começou a se espalhar
por meu corpo. Era pavor, eu sabia disto, mas não tinha certeza de como lidar
com aquele sentimento.
— Querida?
Ele se ajoelhou na minha frente e delicadamente descobriu meu rosto.
— Não chore. — Sussurrou.
— Estou com medo — confessei.
Seus dedos deslizaram por meu rosto limpando o rastro da lágrima
teimosa que escapou.
— Me perdoe — disse baixinho. — E não chore.
— Esse homem me aterrorizou por meses e continuará fazendo.
— Vamos dar um jeito. — Prometeu.
— Ele vai nos matar.
— Ninguém vai te machucar — disse ferozmente.
— E quanto a você? — encarei seu olho roxo.
— Vou ficar bem — afirmou.
— Sabe que isto não me tranquiliza.
— Eu sei e peço mil desculpas. — Beijou minha testa. — Sei que além de
preocupá-la, eu a magoei. Não foi minha intenção, confie em mim.
Suspirei.
Queria dizer que não confiava, no entanto, seria uma mentira, apesar de
sua briga eu sabia que ele não estava mal-intencionado. Admito que me deu
um frio na barriga com aquele pensamento, afinal, provei ser péssima para
julgar caráter. Axel demonstrava ser um príncipe e se revelou um verdadeiro
monstro.
Encarando-o nos olhos soube que jamais poderia compará-los ou pior,
igualá-los. Benjamin tinha uma bondade em seu coração que eu nunca
poderia duvidar.
— Eu devo me desculpar também — digo.
— Por quê? — gemeu e se sentou ao meu lado segurando as costelas.
Juro que no fundo eu quis apertar seus machucados, somente para que
aprenda a nunca mais se meter um uma briga.
— Um pouco de gelo? — ofereci.
— Seria ótimo. — Sorriu de lado.
Antes de me levantar retribui o carinho ao deslizar minha mão por seu
rosto.
— Desculpe dizer que agiu como ele. — Engoli em seco. — Estava brava
e nunca poderia igualá-los. Desculpe-me, você não merecia ter ouvido isto.
— Tudo bem, Tina, eu entendo. — Sorriu envergonhado. — Agi com
violência, mesmo que acreditando ser uma boa causa, entendo que não
resolvemos problemas com os punhos.
— Parece que você teve sua lição. — Brinquei.
— Sim e por mais que eu quisesse bater nele até a morte por tudo o que
fez a você, vou me controlar. — Beijou minha bochecha. — Chega de
violência.
— Chega de violência! — repeti.
O beijei rapidamente e me levantei, mal dei dois passos e parei ao ouvir o
toque suave da campainha. Franzi a testa confusa, com os meses morando ali
poucas pessoas bateram na minha porta. Sem contar que Aslan ou Ciro eram
grandes muros do lado de fora.
Abri a porta e dei de cara com a parte feminina da família Daslow, aquelas
mulheres dominantes que enlouqueciam Benjamin.
— Esmeralda. — Aceitei seu abraço ainda surpresa com a presença delas.
— Sabemos que aquele selvagem está aqui — disse ela.
Mordi os lábios segurando o riso.
— Como você está querida? — perguntou Emília.
— Bem — retribui seu beijo. —, entrem! — indiquei o caminho.
Uma por uma, Fernanda, Ilda, Joana e Mônica, passaram por mim
abraçando e beijando até seguirem apressadas para a sala. Fechei a porta e
ouvi o bufo indignado de Benjamin.
— Não agora! — protestou ele.
— Agora sim! — retrucou todas elas irritadíssimas.
Ou melhor, menos Mônica, ela era a única que ria no momento.
— Como você pode entrar em uma briga? — questionou Emília.
— E como deixou acertar seu olho? — Esmeralda perguntou indignada.
— Ela te ensinou bem como desviar de um soco. — Mônica provocou
apontando para a mãe.
— Não o incentive. — Repreendeu Ilma. — Brigando em bares — disse
horrorizada.
— Como selvagens — resmungou Fernanda.
— Devia pensar no seu nome antes de sair aos socos por aí. — Apontou
Joana.
— Já acabaram? — questionou ele sem cruzar os braços, mas eu sabia que
se ele não estivesse com dor teria o feito com toda arrogância possível.
Prendi o riso e continuei observando aquela cena.
— Não — retrucou Emília.
Ela se aproximou e apertou o roxo manchando seu olho.
— Aí!!! — protestou. — Mãe!
— Bem feito — respondeu ela. — Era pra doer mesmo, não te criei em
um ringue de lutas.
— Que exagero. — Bufou Mônica. — Foi só um briga. — Deu de
ombros. — Mas me diga, aonde mesmo que está doendo?
— Não vou contar. — Retrucou ele.
— Vamos descobrir. — Prometeu Esmeralda.
Eu não entendi o que estava acontecendo até que todas elas o agarraram.
Benjamin resmungou e protestou, mas as mulheres Daslow não estavam
dispostas a desistir. Tenho certeza de que elas apertaram todos seus
machucados enquanto falavam ao mesmo tempo.
Sabia que não deveria rir, mas foi impossível segurar. Ele tentou se
esquivar e proteger os ferimentos, o que não teve muito efeito. Elas não
deram trégua, abraçaram, beliscaram e acho que até o morderam.
— Chega! — esbravejou Benjamin.
Todas as mulheres na sala congelaram.
— Isto já foi longe demais — disse firme e acredito que até bateu o pé no
chão. — Sei que ficaram preocupadas, zangadas e agora estão se divertindo
as minhas custas, mas não tem a menor graça.
— Pra mim tem — murmurou Mônica.
Ele a olhou duramente.
— Entrei em uma briga que me senti satisfeito no momento e apesar de
gostar, tudo o que causei foi preocupação. — Assumiu com uma autoridade
que nunca o vi usando com sua família. — Agora quero todas para fora, eu
tenho assuntos importantes para tratar com Valentina.
Esmeralda foi a primeira a reagir dando um tapa no braço dele.
— Vou embora porque quero — respondeu com petulância. — E obrigada
por bater a merda fora daquele idiota.
— Iaiá, você é impossível — disse ele.
Parecia bravo, mas beijou a avó com carinho antes de voltar a indicar que
elas deveriam sair.
Rindo, agradeci a todas pela inesperada “visita” e elas se foram lideradas
por Esmeralda. Fechei a porta com a sensação de que um baita furação havia
acabado de passar por ali. Encostei-me à madeira e encarei o homem que
mudou minha vida somente por espalhar gentileza.
— Você parece mal-humorado. — Observei.
— Estou — respondeu incomodado. — Elas não têm limites.
— Gosto delas. — Dei de ombros.
— Quem não gosta? — retrucou me fazendo rir. — Bando de enxeridas.
Ele se aproximou, ficando bem na minha frente e seus braços apoiados
acima da minha cabeça.
— Obrigada — sussurrei.
— Pelo que? — questionou encarando meus lábios.
— Por dar uma surra naquele monstro — respondi tão baixo que nem sei
se ele ouviu. — Me protegeu.
Mas confirmou estar atento quando seus olhos encontraram os meus, havia
uma pouco de confusão na profundeza encantadora de seu olhar castanho.
— Primeiro eu fiquei com medo — confessei. — Isto me deixou brava e
apavorada ao mesmo tempo. — Meus olhos lacrimejaram e eu fui forte
suficiente para manter essas lágrimas teimosas presas. — Ainda estou com
medo do que ele pode vir a fazer.
— Mas? — ergueu uma sobrancelha.
— Estou agradecida por ter quebrado a cara daquele homem.
— Não me agradeça — pediu. — Foi um prazer.
Ri baixinho.
— Eu não tenho dúvidas. — Garanti.
— Bom — acenou. —, antes desta confusão toda, eu só queria vir te
encontrar e te beijar até ficar sem fôlego.
Meu coração bateu descompassado no peito com sua confissão, apesar de
odiar seu olho roxo eu o achava um homem lindo e eu estava apaixonada.
Não por sua forma exterior, mas sim pela beleza que havia em seu interior.
— Beija-me. — Exigi.
Capítulo Trinta e Um
Benjamin
Seus lábios eram suaves contra a dureza dos meus, precisava ser mais
delicado com ela, eu sabia disto. No entanto, por mais que me esforçasse não
conseguia me controlar. Sentia-me impaciente e com uma terrível
necessidade de dominá-la. Valentina ficaria horrorizada com o rumo dos
meus pensamentos, porém, as imagens em minha mente eram tão sensuais
que não conseguia encontrar minha consciência.
Segurava-a na porta, pressionando meu corpo um pouco mais contra o
dela. Suas curvas, tão tentadoras e sedutoras, encaixavam com perfeição e
estavam se tornando a cada dia mais irresistível.
A beijei com mais fervor e ela correspondeu com a mesma intensidade. O
desejo era como o centro de um vulcão pronto para explodir, impossível de
conter. Eu nem mesmo me lembrava da última vez que estive tão louco
daquela forma. Acredito que a mistura de sentimentos, como amor por
Valentina e raiva por Axel, tenha me levado para fora dos eixos.
Existia um sentimento forte de proteção em meu peito, mas não nego que
vinha de uma gigante necessidade de tomá-la para mim como um maldito
bárbaro. Claro que eu compreendia que Tina não precisava de outro louco em
sua vida, porém, a possessividade em minhas veias era difícil de ignorar.
A única coisa que eu não esperava era que todo aquele fogo morresse com
o único toque dela em minhas costelas. Cheguei a estremecer, pois na briga
acabei batendo o lado contra a quina de uma mesa. Na hora eu nem me
importei, mas assim que minha bunda foi colocada dentro de um hospital por
insistência de Ítalo, o médico que me examinou não teve dúvidas ao dizer que
iria doer como um inferno aquele machucado.
— Ben?
— Desculpe — resmunguei.
— O que aconteceu? — perguntou em um tom cheio de inseguranças que
partiu meu coração.
— Lembra-se daquele gelo que me ofereceu antes? — tentei aliviar a
situação.
— Sim! — arregalou os olhos. — Toquei em algum lugar dolorido?
Acenei com a cabeça e levantei minha camisa sem poder controlar a careta
que fiz ao perceber que não gostaria que ela visse. Embora, de alguma forma
senti que era importante para Tina ter esse tipo de confiança íntima entre nós.
— Deus! — exclamou horrorizada com a mancha roxa em meu lado. —
Como isto aconteceu?

— Bati contra a quina de uma mesa.


— Durante a briga — completou preocupada.
— Sim.
— Você deveria estar sentado e não... — se calou e suas bochechas
avermelharam.
— Beijando você contra essa porta? — completei sorrindo.
— Benjamin! — me repreendeu ainda mais corada.
— Foi você quem pediu. — A lembrei.
— Você é terrível.
— Eu sou. — Assumi.
Ela bufou e me ignorou.
— Sente-se no sofá que vou pegar algumas bolsas de gelo. — Se afastou.
Pensei em protestar, porém, acreditei que um pouco de frio em minha pele
em chamas me ajudaria a encontrar algum tipo de controle.
— Você está ficando mandona — reclamei.
Tina parou por um segundo, pensou em algo e sorriu maldosa. Estreitei os
olhos, desconfiado, e ela gargalhou.
— Não sei se gostei desta risada. — Observei.
— Esmeralda anda me visitando — contou e saiu.
— Volte aqui — pedi e ela me ignorou. — Esmeralda? Isto não é nada
bom.
Sabia que Valentina havia me escutado, a prova disto era seu riso alto.
Relaxei contra o sofá amando o som que fazia, era tão espontâneo e... livre
que me trouxe uma enorme sensação de prazer. De alguma forma, aquele
relacionamento ainda não nomeado estava me ensinando coisas que eu não
esperava.
Sentia-me como um homem mais maduro, mais preparado, mais sábio,
pode ser arrogância da minha parte pensar isto, no entanto, não deixava de ser
verdade.
— O que está pensando?
A encarei surpreso com sua volta silenciosa.
— O que Iaiá anda falando com você. — Brinquei.
— Você não vai querer saber. — Riu.
Fingi estremecer e ela riu mais alto.
— Isto não tem graça. — A repreendi sem conseguir conter meu
divertimento.
— Tem sim e você sabe disto. — Entregou o gelo e se sentou ao meu lado.
— Deite a cabeça, vou segurar essa bolsa menor em seu olho.
— Vai ser minha enfermeira? — perguntei sabendo que meus olhos
brilharam de malícia.
Coloquei o gelo nas costelas e realmente doeu.
— Não se acostume — retrucou com um olhar preocupado.
Deitei minha cabeça e fechei meus olhos, o frio da bolsa foi muito bem-
vindo.
— Devia ter ficado em casa e cuidado disto — murmurou.
— Eu sei — respondi. — Mas queria que soubesse o que aconteceu por
mim, não por terceiros.
— Agradeço, só me preocupo.
— Estou bem. — Garanti.
— Tem certeza?
— Sim, Ítalo me arrastou para um hospital assim que fui liberado da
delegacia. — Bufei.
— Ainda não acredito que foi preso — resmungou.
— Nem eu. — Ri.
— Isto não tem graça Benjamin.
— Desculpe! — pedi, tentando controlar a risada.
— Não está sendo sincero. — Me acusou.
Gargalhei e ela ficou brava.
Precisei respirar fundo para me acalmar.
— Desculpe, foi uma experiência e tanto — confessei. — E eu garanto
que meus amigos curtiram muito.
— Vocês são incorrigíveis.
— Temos grandes histórias.
— Fico com dó da mãe de vocês — disse séria.
Abri o olho livre do gelo.
— Minha mãe fica super brava como você mesma viu, mas se diverte
como eu.
— Os Daslow são terríveis — afirmou ela.
— Pior! — ri. — Terríveis com orgulho.
Tina bufou, mas riu comigo.
— O que eu vou fazer com você, hein?
Puxei a bolsa de gelo do meu rosto e segurei sua mão.
— Tenho muitas opções — respondi.
Ela me encarou parecendo não saber o que dizer.
— Comece aceitando sair em um encontro comigo — pedi.
— O que? — seus olhos se arregalaram.
— Quero um encontro.
— Sério?
— Claro que sim, sua boba. — Ri. — Comida boa, música romântica e
talvez alguns beijos.
— Talvez? — ergueu as perfeitas sobrancelhas.
— Claro, não sou tão fácil assim. — Provoquei e fiquei hipnotizado com
sua risada.
— Tudo bem, quando? — encarou meu olho roxo.
Bufei.
— Amanhã?
— Não, temos aquele jantar com os empresários do sul.
— Depois?
— Eu não tenho muita certeza, mas sua agenda está cheia.
— Como isto é possível? — cruzei os braços.
— Você é um CEO com muitos compromissos.
— Vou arrumar um dia — prometi. — Não é possível que... — me calei
com seu olhar afiado. — Tudo bem, sei de todos os meus compromissos.
— Marcamos para quando estiver mais tranquilo. — Ofereceu dando de
ombros.
— O que? Claro que não ou só vamos ter esse encontro quando eu tiver
sessenta anos, pronto para me aposentar.
— Vai se aposentar aos sessenta? — provocou-me.
— Esse não é o ponto — retruquei rindo. — Sexta-feira — anunciei.
— Mas...
— Não me lembre de outra reunião — A interrompi. — Seja qual for, está
cancelada.
— Você é louco.
Segurei sua nuca.
— Descobri que o maior ponto da minha loucura é você — afirmei sério.
— Sou louco por você, Tina.
— Ben...
— Shh. — Selei nossos lábios. — Hoje ainda é quarta-feira, você tem
amanhã para preparar tudo o que precisa para ficar ainda mais linda em nosso
encontro.
Levantei e a encarei pensativo.
— Ou se quiser ir com esse pijama de ursinhos, não vai ouvir nenhuma
reclamação da minha parte.
— Benjamin!
— Obrigado pelo gelo. — Dei uma piscadela e me virei.
— Ei! — ela me seguiu. — Não se joga uma bomba e vai embora.
— Eu preciso ir embora — corrigi.
— Por quê? — pareceu confusa.
Ah, minha inocente Valentina, pensei.
— Linda, reparar seu pijama me deu uma incômoda ereção — confessei
sem tato aos sentimentos dela. — Desculpe — pedi sem me arrepender.
O vermelho em suas bochechas era uma gratificação e tanto. A cor se
espalhou por seu pescoço e colo, ficando ainda mais atraente.
— Falso! — acusou engolindo em seco. — Você não se arrepende de ter
sido bruto com as palavras.
— Verdade. — Dei de ombros. — Eu preciso ir. — A encarei com
intensidade. — Você merece muito mais do que um cara sem controle.
Tina hesitou por um momento ao se aproximar.
— Sei que não me trata como uma mulher fragilizada, mas gostaria de
saber o porquê esperar — disse séria.
— Linda, você nunca foi frágil. — Beijei sua testa. — É mais forte e
resistente do que imagina. — Dei um passo atrás. — Mas descobri que gosto
de ser um homem romântico. — Dei de ombros. — E além do que, estamos
começando algo gostoso, profundo e intenso, não precisamos apressar nada.
— Deslizei meus dedos por suas bochechas rosadas até sua garganta. — A
espera é sedutora, excitante e completamente estimulante.
Ela mordeu o lábio inferior ainda hesitante.
— E se eu não estiver pronta?
— Eu não tenho pressa.
Capítulo Trinta e Dois
Valentina
Eu realmente queria matar Benjamin. Saiu da minha casa na quarta-feira
sem me dizer o que vestir. Deixou-me pasma com seu convite e a forma em
que preferia cancelar uma reunião importante há esperar um tempo para ter
um encontro comigo.
A raiva pela falta de informação dele até mesmo passou rápido como se
nem mesmo tivesse existido. Sorri para o espelho do provador, estava
completamente apaixonada.
— Conte-me um pouco mais sobre este sorriso.
— Esmeralda, prometeu ficar lá fora — coloquei as mãos na cintura.
— Sim, sim. — Desdenhou. — Já provei não ser boa com promessas, fale
do sorriso.
— Por que mesmo veio comigo?
— Estava entediada. — Deu de ombros.
De alguma forma, que eu não quero saber como, ela descobriu que eu
estaria tirando a manhã de folga e indo corajosamente até o shopping para
comprar vestidos. Claro, na companhia das minhas enormes sombras Aslan e
Ciro.
Até tentei impedi-la de me seguir, afirmando que eu não era uma
companhia segura. Sentia um medo frio em minha espinha em imaginar o que
o louco do Axel poderia fazer caso me encontrasse, isto era razão suficiente
para zelar pelos meus novos amigos.
No entanto, Esmeralda somente bufou e disse que seria um prazer chutar
as bolas de Axel caso ele ousasse estragar seu dia. Eu a encarei pasma e
acabei rindo, pois sabia que não existia a menor possibilidade de convencê-la
a não me acompanhar.
— Benjamin — digo sabendo que eu não poderia me esconder dela por
muito tempo.
— O que tem aquele paspalho? — brincou.
— É o motivo do meu sorriso.
— Disto eu já sabia. — Deu-me um olhar ardiloso. — Só queria saber se
seria sincera.
Ri baixinho.
— Você desistiria fácil caso eu não contasse?
Fez um som zombeteiro.
— Esse vestido está muito simples, vista o rosa. — Apontou para a peça
pendurada no cabide.
— Esse está ótimo para hoje à noite.
— Muito preto. — Protestou.
— É um jantar de negócios. — Pontuei.
— Está mais para velório — retrucou. — Vista o rosa. — Insistiu. — E o
azul para o seu encontro.
— Você é impossível. — Acusei.
— Sei muito bem disto. — Sorriu nada inocente. — Depressa, eu não
tenho o dia todo.
Revirei os olhos.
— Lembra que eu não a convidei, não é mesmo?
— Claro, os anos não afetaram minha memória. — Riu e saiu do
provador. — E não demore.
Balancei a cabeça e fiz o que ela pediu, quero dizer, ordenou com tanta
delicadeza. Livrei-me do vestido preto básico que Esmeralda fez questão de
mostrar seu desgosto e coloquei o rosa.
Novamente sorri para o espelho, afinal, ela tinha razão. Aquele ficava
muito mais bonito no corpo do que o preto. Decote canoa com mangas curtas,
seu tecido descia justo até abaixo dos joelhos com elegância.
— Eu estava certa.
Ela apareceu no reflexo do espelho.
Revirei os olhos, ela entrava sem ser convidada, expunha sua opinião sem
ser perguntada e saia sem se despedir.
— É o que parece — resmunguei.
— Vai deixar Benjamin louco. — Riu maldosa.
— Esmeralda. — A repreendi. — É um jantar de negócios.
— Você já disse isto. — Apontou. — Mas tenho certeza de que ele não
manterá os olhos longe de você.
— Não é bem assim — murmurei, sabendo que minhas bochechas
estavam coradas.
— É mais do que isto, querida, meu neto venerará o chão que você pisa
enquanto ele respirar. — Deu uma piscadela. — Claro, se você permitir.
Cheguei abrir a boca para protestar, mas não sabia o que dizer e voltei a
fechá-la. E o inesperado, que realmente me deixou chocada, era a sensação de
satisfação que tomou meu coração.
— Ele não tem a menor chance. — Riu. — Vai babar como um cão
faminto sobre você.
— Tão exagerada — digo e novamente sou ignorada.
Esmeralda me virou, fazendo-me encará-la.
— Valentina — disse meu nome com sagacidade. — Minha querida, você
é uma mulher impressionante.
— Assim você me deixa sem graça.
Ela fingiu não me ouvir e continuou.
— É tão bela por dentro e por fora, nunca, jamais, em hipótese nenhuma
permita que alguém diga o contrário. — Segurou minhas mãos. — Você é
como o seu nome, valente, forte, vigorosa. Isto é você. Dura como rocha. —
Beijou minhas bochechas com carinho. — Vá para esse chato e tedioso jantar
de negócios, mas ao finalizar chame meu teimoso neto para uma taça de
vinho em um lugar mais privado.
— Ele não é teimoso — digo sem saber se ria ou chorava com suas
palavras. — É um príncipe.
— Eu sei, ajudei a criá-lo, esqueceu?
Rimos juntas.
— Pegue esse príncipe teimoso pela mão e tenha um bom tempo com ele.
Troque alguns ou muitos beijos, e se estiver pronta para ir além não tenha
medo. Não há nada melhor para curar feridas do que ser amada — afirmou
com sabedoria. — Embora, se não estiver pronta, imponha sua opinião, que
eu tenho certeza de que será respeitada, e vá embora de cabeça erguida,
porque você é uma mulher decidida, que se conhece, e sabe o que quer e do
que precisa.
— Vou me lembrar disto.
— Eu posso estar extrapolando limites desconhecidos para mim, por isto,
digo mais... — continuou. — Não deixe que seus medos e traumas a impeça
de ser feliz. Aproveite cada momento como se fosse o último, lembre de
quem está ao seu lado e valorize a vida.
— Obrigada.
— Não me agradeça, sou eu que sou grata pela oportunidade de conhecer
uma guerreira como você.
— Eu só sobrevivi — murmurei.
— É exatamente isto que os guerreiros fazem, lutam para sobreviver.
Sorri emocionada e a abracei.
— Você é uma mulher incrível, Esmeralda — sussurrei.
— Sei muito bem disto — afirmou presunçosa.
Afastamo-nos rindo.
— Posso ir mais fundo nesse assunto?
— Esmeralda pedindo opinião? O apocalipse está próximo. — Zombei.
— Eu dominaria o fim do mundo, meu bem.
— Não tenho dúvidas. — Revirei os olhos. — Diga-me tudo o que
desejar, é uma mulher sábia.
Seu olhar era astuto, mas ela não deu nenhuma resposta inteligente como
esperado.
— Venha, vamos nos sentar.
— E eu acreditando que você estava com pressa, apesar de estar entediada
em casa.
— Quem te disse essas bobagens? — perguntou me puxando para o sofá
mais próximo.
Rindo, me sentei ao lado dela ainda usando o vestido rosa e com os pés
descalços.
— Quando se permitir ser amada por Benjamin, não hesite. —
Aconselhou. — Olhe em seus olhos e veja a verdade crua que ele sempre
exibe sem receios. — Sorriu suavemente. — O amor é um sentimento
maravilhoso que cura todo o mal. Eu não posso assumir nada por vocês, mas
o que vejo é um sentimento puro crescendo a cada dia e que deve ser muito
valorizado.
— Eu o amo — confessei.
— Eu sei. — Sorriu presunçosa.
— Agora me diga uma coisa. — Estreitei meus olhos para ela. — Você
encontrou um novo amor por aí?
— Não será nesta vida. — Riu. — Meu coração amou um único homem e
jamais poderá se apaixonar por outra pessoa. — Seu olhar brilhou com uma
emoção que eu não poderia descrever. — Se esse amor é verdadeiro,
aproveite, pois a vida é dura e sem piedade.
— Sinto muito por seu amor.
— Eu também, foram os melhores anos da minha vida.
— Que bom, Esmeralda, foi feliz — afirmei.
— Você também será. — Ela disse com tanta certeza que acreditei.
...
No final do dia Benjamin bateu na minha porta e não se preocupou em ser
discreto ao me olhar. Parecia faminto e ao mesmo tempo hipnotizado. Eu me
sentia bonita, mas por um breve momento não acreditava que mereceria um
olhar daquele.
— Temos mesmo que ir? — perguntou ele.
Sua voz saiu rouca como se não a usasse há tempos.
— Sim.
— Que chato! — sorriu. — Está tão linda.
— Obrigada.
— Não sou capaz de trabalhar. — Assumiu. — Você será a única que
ganhará minha atenção.
— Bobo! — ri.
— Verdadeiro. — Me corrigiu. — Deveríamos adiantar nosso encontro
para hoje.
— Não será possível — digo. — Comprei outro vestido para a ocasião.
— Curto e decotado? — sugeriu animado.
— Vai ter que esperar até amanhã para saber.
— Está ficando muito malvada. — Me acusou. — Ou passando muito
tempo com Esmeralda.
— Já sabe que ela insistiu em me acompanhar?
Alex deu um toque na porta informando silenciosamente que estávamos
ficando atrasados.
— Eu sei de tudo — afirmou com arrogância. — Senhorita? — ofereceu o
braço.
— Que cavalheiro. — Sorri.
— Esse sou eu, um perfeito cavalheiro.
Bufei.
— Sem dúvidas herdou a modéstia de sua avó.
— Com muito orgulho. — Riu.
— Ela insistiu neste vestido — contei.
— Sou muito grato por isto.
Revirei os olhos sabendo que aquele assunto renderia mais do que deveria.
Benjamin era tão terrível quanto Esmeralda, ambos teimosos e difíceis de
parar quando começavam a falar.
Todo o caminho até o restaurante, não existia um músculo tenso no meu
corpo. Benjamin não cansou de repetir o quanto me achava linda, e como um
bom observador, ele reparou em cada detalhe. Meus brincos, o anel em meu
dedo, o cheiro do meu perfume e bem... ele não perdeu tempo em deslizar
seus dedos espertos por minhas pernas e aprovar a maciez de minha pele.
Distraiu-me tanto que não percebi que já tínhamos chegado ao restaurante
e os clientes nos aguardavam na mesa reservada. Tentava ignorar como
minhas orelhas estavam queimando e as bochechas vermelhas.
Antes de descermos do carro Benjamin segurou minha nuca com cuidado
suficiente para não atrapalhar meu cabelo e me beijou com suavidade. Minha
mente ficou limpa de qualquer pensamento, era assim que ele me fazia sentir
toda vez que me tocava.
O mundo se apagava, ou melhor, ele se tornava meu mundo.
— Pronta? — sussurrou.
— Para quê?
Sorriu contra os meus lábios e se afastou.
— Lembra que me obrigou a trabalhar?
— Trabalhar? — brinquei.
— Isto. — Riu. — Pronta?
— Acho que sim — respondi.
— Bom, vamos logo para que eu possa ficar sozinho com você.
— Devo perguntar quais são suas intenções?
— Nada aconselhável para os ouvidos de damas como você. — Me
provocou.
Rimos.
Aslan abriu a porta para mim e antes de colocar meus pés para fora olhei
ao redor. Algo arrepiou minha pele fazendo-me lembrar que Axel estava em
algum lugar e iria se vingar.
O segurança franziu a testa para minha hesitação, já que Benjamin não
teve nenhum problema em saltar do carro. Respirei fundo e acenei que estava
tudo bem.
Fomos escoltados até a mesa onde éramos aguardados, Alex sentou em
uma mesa do lado e Aslan do lado oposto. Tentei não pensar muito sobre
aquilo. Eu sabia que Alex não ficava muito longe de Benjamin, independente
de quem o acompanhasse. E tanto Aslan quanto Ciro faziam a mesma coisa
para cuidar da minha segurança.
No entanto, desde que desci do carro sentia meu estômago enjoado com a
terrível sensação, já conhecida, de estar sendo observada.
Cumprimentei nossos clientes, dois homens na casa dos sessenta anos, e
me sentei ao lado de Benjamin.
— Agradecemos a disponibilidade de vocês — disse o senhor no
comando. — Gostaríamos muito de fecharmos negócio e como agrado,
pedimos para nos servirem nossos vinhos. — Acenou mostrando o maitre que
se aproximava. — Acreditamos em qualidade, e para que exportem nossos
produtos devem conhecê-los bem o suficiente para manter o contrato.
— Isto sim é um negócio de sucesso — disse Benjamin. — Nada melhor
do que começar com um vinho.
— Um bom vinho. — O cliente corrigiu.
— Só vou poder afirmar depois de experimentar — retrucou.
O vinho era realmente saboroso, digno do sucesso de vendas que estava
tendo. Benjamin parecia muito satisfeito e nossos clientes também. Era uma
combinação perfeita que traria muito dinheiro para ambos empresários. A
exportação era um serviço caro e aquela safra de vinhos não eram uma das
mais baratas.
A noite estava correndo bem, pelo menos era o que parecia. No entanto,
minha concentração não era uma das melhores. Havia algo muito errado
acontecendo. Talvez fosse paranoia minha. Meu corpo ficou tenso como
nunca, minha boca seca e minhas mãos geladas.
— Tina?
Olhei para Benjamin, confusa.
— Tudo bem? — questionou ele.
— Sim.
Desviei meu olhar sentindo uma terrível necessidade de procurar por
perigo. Ben voltou a falar, porém eu não conseguia ouvi-lo. Meus ouvidos
estavam pulsando, minha boca seca e minhas mãos geladas.
Encarei Aslan e ele voltou a franzir a testa para mim. Seu olhar ficou
aguçado parecendo confiar nos meus sextos sentidos. Cheguei abrir a boca
para pedir a Benjamin que fossemos embora, mas congelei.
Há cinco metros de mim, um garçom levantou uma arma prateada. Meu
olhar era a única coisa que se movia, passou de sua mão para o seu rosto
machucado.
— Axel — sussurrei.
— Eu te avisei — Li seus lábios quando se moveram.
O tempo pareceu correr em câmera lenta e eu não consigo descrever tudo
o que aconteceu depois que seu dedo apertou o gatilho.
Capítulo Trinta e Três
Benjamin
Demorei alguns segundos para entender o que estava acontecendo. Afinal,
o restaurante pareceu explodir quando Alex, meu segurança, se jogou em
cima de mim e puxou Valentina junto. Ela caiu um pouco longe e eu demorei
demais para reagir. Minha cabeça doeu e meus tímpanos dilataram com o
som alto dos disparos.
Vi Aslan derrubando uma mesa para nos proteger e sacar uma arma
apertando o gatilho rapidamente, sua bala raspou o braço de Axel já que um
cliente passou correndo na frente e por pouco não se machucou gravemente.
Meus clientes também estavam jogados no chão procurando um lugar para se
esconder. Havia gritos por toda parte e quando minha mente voltou a
funcionar depois do choque, senti um pânico terrível ao perceber que era
Axel quem atirava na direção de Tina.
Forcei Alex a me soltar.
— Tina? — chamei.
Ela não se moveu muito, mas sua cabeça virou na minha direção. Um
corte na sua testa sangrava por cima de seu olho direito, provavelmente por
ter sido jogada no chão, assim como eu, por Alex. Sua expressão foi o que
me fez mover, estava com dor.
No entanto, antes de me inclinar sobre ela senti uma dor atravessar meu
braço. A ignorei, precisava desesperadamente saber como Tina estava. Para a
minha surpresa vi um homem se levantar entre os clientes do restaurante. Ele
também sacou uma arma e com um único disparo acertou o ombro de Axel.
O maldito pareceu surpreso e correu para fora segurando o ferimento. Aslan
se levantou e o seguiu.
— Benjamin... — ela sussurrou.
Engatinhei sobre o vidro quebrado no chão e a alcancei.
— Tina! — minha voz estava à beira da histeria.
— Ele venceu — disse baixo.
Suas mãos estavam fechadas em seu estômago e quando as afastou vi a
mancha de sangue escorrendo.
— Ele não ganhou — digo firme.
No entanto, por dentro, eu estava aterrorizado.
— Obrigada por tudo, me fez... uma mulher feliz.
— Não se atreva a me agradecer. — Gritei apavorado. — Não pode
morrer.
— Temos que apertar o ferimento — ordenou Alex.
Fiz o que ele mandou. Seu sangue estava quente, tornando aquela
realidade ainda mais crua.
— Uma ambulância já está a caminho. — Alguém avisou.
— Benjamin, você também está ferido — disse Alex. — Eu cuido dela...
— Não me importo. — Esbravejei. — Vá ver onde está aquele filho de
uma cadela — ordenei.
— Aslan foi atrás dele — informou.
— Por que ele não a protegeu? Por que não atirou?
— Ele disparou, mas tinha muitos civis no caminho, ele machucaria mais
pessoas se tentasse perdesse o controle — explicou calmo.
Como ele poderia estar tão calmo?
Meu coração chegou a parar quando vi os olhos dela se fecharem.
— VALENTINA! — berrei.
Ela se assustou e voltou a abrir as pálpebras, mas não durou muito tempo.
— Ela somente desmaiou — informou Alex, colocando os dedos no
pescoço dela para sentir seu pulso.
Pela primeira vez em anos senti vontade de chorar, o medo era como uma
faca em brasas direta no meu coração.
— Benjamin — Alex disse pacientemente. —, é necessário pressionar o
seu ferimento, você está perdendo sangue.
— Ela não pode morrer — murmurei.
— Ela não vai — disse uma voz desconhecida.
Levantei meu olhar e encarei o homem que atirou no filho da puta.
— Sou médico militar — informou. — Posso ajudar até a chegada da
ambulância.
Pareceu calmo e sem pressa, como se não se importasse muito o risco que
ela estava correndo.
— Quero ajudar, a calma é um traço adquirido em campo — explicou
como se meu olhar dissesse tudo o que eu estava pensando. — Ela vai ficar
bem, mas precisa de cuidados. — Olhou meu braço. — Parece que você
também.
Desviei o olhar para meu terno cinza e vi a mancha crescente. Não queria
soltá-la, nem me afastar. Mas no fundo da minha mente, eu entendia que
cuidar de Valentina era prioridade.
Sim, ela era minha prioridade.
Lentamente me afastei e cai sentado ao lado dela. Fiquei quieto permitindo
que Alex cuidasse do meu braço, a dor foi bem-vinda para me tirar do
choque.
— A bala saiu — murmurou ele. — Acredito que somente alguns pontos e
vai ficar bem.
— Vou mesmo? — perguntei olhando para o corpo inerte dela jogado no
chão. — Como se chama? — perguntei para o médico.
— George Lins — disse sem me encarar. — E você?
— Benjamin Daslow. — Minha voz pareceu seca. — Eu prometi mantê-la
segura — esfreguei a testa.
— Ela vai ficar bem — disse tranquilo. — Acredito que tenha o baço
perfurado e vá precisar de cirurgia. Será uma recuperação tranquila se a
ambulância não demorar — resmungou a última parte.
Meu coração perdeu uma batida e silenciosamente orei a Deus, pela
primeira vez em anos, para que chegassem logo. Cheguei a pensar em
carregá-la direto para o hospital, mas o medo de perdê-la no caminho seria
uma culpa que eu não poderia suportar.
O movimento na porta chamou minha atenção, Aslan correu para dentro
com um olhar tenso e acompanhado de policiais.
— Chefe — disse apressado. — Ele morreu.
O médico levantou a cabeça franzindo a testa.
— De que ele morreu? — questionou.
— Foi atropelado por um caminhão de lixo — contou. — Atravessou uma
rua a dois quarteirões daqui, testemunhas disseram que ele estava correndo e
sem olhar o trânsito.
— Bom — rosnei.
Todos desconhecidos me encararam em choque.
— Morrer atropelado por uma caminhão de lixo é pouco para aquele
verme — digo irritado. — Homem que bate e estrupa uma mulher merece ser
comido vivo por urubus.
Ninguém me contestou, nem mesmo os policiais.
Que fossem a merda, pensei.
Segurei a mão gelada de Tina. Fixei meu olhar em nossas mãos, ambas
sujas de seu sangue e o medo voltou com força. Ela não poderia morrer. Axel
não ganharia, ele não era dono de ninguém.
Valentina era livre, dona de si mesma.
Dona do meu coração, pensei.
— Seja forte — sussurrei para ela.
— Lá vêm os paramédicos. — Alguém disse apressado.
Graças a Deus, foi a última coisa que pensei com alívio naquela noite.
...
Fiquei preso em um quarto de hospital por horas, aflito demais para ficar
deitado. Médicos, enfermeiros e até minha família tentaram me obrigar a
aceitar os remédios oferecidos. Não aceitei. Somente permiti que
examinassem meu braço e o costurassem. Por sorte, não foi nada muito
grave, a bala não acertou nenhuma veia importante. Entrou e saiu, doía pra
cacete, mas eu não iria tomar nada que me derrubasse em uma cama.
Minha mãe estava em pé, perto da porta, enquanto meu pai se mantinha
sentado e despreocupado me vendo compassar de um lado para o outro no
curto espaço do quarto.
Estava como raiva, mais do que um dia pensei ser capaz de sentir. Raiva
do mundo. Raiva das leis. Raiva de mim mesmo.
Prometi que ela ficaria segura e mesmo com dois seguranças nos
flanqueando, Axel chegou perto de Valentina e a machucou gravemente.
Queria bater nesse idiota até a morte, mas o maldito já havia morrido.
Olhei ao redor com vontade de quebrar o quarto, no entanto, não tinha
nada demais para jogar. Tudo muito organizado, o que realmente me
enfureceu.
— Precisa se acalmar — pediu mamãe.
— Ele não vai, sabe disto. — Rebateu meu pai.
A porta abriu e o furacão Esmeralda entrou.
— Acho bom você estar bem pior que ela. — Me ameaçou ao me abraçar.
— Onde está Valentina?
Seu olhar aguçado se fechou no meu.
— Iaiá — murmurei.
— Não me diga que ela morreu. — Seu tom de ameaça não se afastou.
— Está em cirurgia — contou meu pai. — Levou um tiro e perfurou o
baço.
— Ninguém precisa de um baço — reclamou ela. — Agora me falem em
qual delegacia está aquele pedaço de merda que eu vou lá quebrar todos os
ossos dele.
— Morto — digo, sentindo um gosto amargo na minha boca.
— Só isto?
— Por um caminhão de lixo — completei, sem perceber que estava
rosnando.
— Ótimo, tomara que o enterrem junto com os dejetos. — Bufou brava.
Esfreguei o rosto com o braço livre, já que o esquerdo precisou ser
imobilizado para a recuperação. Sentia-me exausto, com dor e tomado de
preocupações com minha Valentina.
— Ela vai ficar bem — disse Iaiá, agora despreocupada. — Tina é forte,
valente e vai ficar boa logo para brigar contigo por não estar naquela cama.
— Espero que ela brigue. — Suspirei. — Não posso perdê-la.
— Não vamos perdê-la. — Me corrigiu com um olhar astuto. — Está
achando que aquela moça é só sua? Está muito enganado rapaz.
Relaxei uma pequena fração, Iaiá era uma distração e tanto.
— Vou pensar se a divido com você. — Retruquei.
Ela revirou os olhos como se dissesse que se caso competíssemos por ela,
eu não teria a menor chance.
— Venha! — segurou minha mão. — Vamos rezar.
Foi impossível não erguer uma sobrancelha.
— E desde quando você reza? — essa era uma pergunta que meus pais
também gostariam de uma resposta.
— Não rezo. — Deu de ombros. — Mas sei que em algum lugar tem um
Deus que olha por todos nós. — Indicou que eu deveria me sentar na cama e
ela não aceitaria uma resposta negativa. — Vamos aprender juntos e pedir
para que corra tudo bem com Valentina.
Concordei com um aceno de cabeça e voltei para a cama, ela se sentou ao
meu lado ainda segurando minha mão. Ficamos em silêncio, meus pais se
aproximaram de mãos dadas e com o coração oramos a Deus pela vida de
Valentina.
Aos poucos minha família foi enchendo meu quarto, claro que contra
indicações médicas e regras do hospital. No entanto, o espaço ficou pequeno
para todas as pessoas que o preencheram. Meus amigos também apareceram
todos com as mesmas expressões de preocupação, mas com respeito se
juntaram ao silêncio e as orações daquela noite.
Capítulo Trinta e Quatro
Valentina
A verdade sobre a experiência de quase morte e da inconsciência era o
gritante silêncio. Você tem inúmeras coisas para fazer, sonhos para realizar e
incontáveis palavras para dizer.
No entanto, tudo se resumia a escuridão que parecia não ser passageira.
Isto me causava certa dúvida, eu queria que ela passasse? Gostaria mesmo
de voltar ao mundo aonde tive meses assustadores, sofrendo calada, sem
encontrar uma saída.
Axel.
Seu nome era uma neblina ruim ao meu redor.
Não existia uma explicação plausível para todo o mal que ele me causou.
Como poderia? Quantas vezes me agrediu sem que eu pudesse entender o
motivo. Exigia submissão, obediência total e ansiava por minha dependência.
Cortava minhas asas para que não voasse alto demais, longe suficiente dele.
Eu só queria ser livre.
Qual era o problema nisto? Por que não me entendia?
Ah, Axel não precisava me maltratar tanto para conseguir meu amor. Eu
teria o amado por toda minha vida se fosse isto que queria, se fosse para ser.
Seríamos felizes, por que não? Mas o amor não era suficiente, você precisava
dominar, humilhar e ferir. Tudo para crescer forte e imponente enquanto me
via no chão, machucada demais para me defender.
Foi um inferno, mas a liberdade era tão tentadora.
Precisava de ar puro.
Eu queria voar.
Estranhamente me senti relaxar, como se respirar fosse mais fácil. Tinha a
sensação de ter voado, de ter sentido o frescor em minha pele, de conseguir
alcançar algo que me fazia tão bem.
Benjamin.
Seu nome era o verdadeiro alívio para minha alma. Meu salvador. Meu
príncipe encantado. Esse era um homem que merecia todo o amor que eu
poderia oferecer e muito mais. Ele agia com gentileza sem esperar nada em
troca. Não hesitava em ajudar, em oferecer sua mão para um estranho.
Benjamin tinha um coração bondoso, um homem que merecia ser feliz por
toda vida. Eu nem mesmo sabia se aquele homem tinha um defeito, afinal,
todos têm, mas era tão insignificante perto do amor que eu sentia por ele.
Eu o amava e precisava viver aquele sentimento.
Não poderia explicar o que senti, mas de alguma forma um peso foi
retirado dos meus ombros. Meus punhos, que até então não tinha os sentidos,
pareceram... Livres.
Amarras não me seguravam mais.
Confusa, abri meus olhos. Bastou um único segundo para que eu me
lembrasse de tudo o que tinha acontecido.
— Tina?
Reconheci a voz da minha mãe.
Logo, tanto ela quanto meu pai estava inclinado sobre mim.
— Que bom que acordou princesa — disse papai.
Eu mal os encarei. Meus olhos corriam de um lado para o outro em busca
dele. Benjamin, aonde estava?
— Valentina? — insistiu mamãe.
— Onde ele está? — perguntei assustada.
Minha voz parecia rouca, seca, ou sei lá o quê.
— Você precisa ficar quieta — disse ela preocupada.
— Está segura — afirmou papai.
— Onde ele está? — repeti o mais firme que consegui.
— Está morto — contou meu pai.
Fiquei pálida, eu sabia disto. Se é que fosse possível.
— Não. — Balancei a cabeça freneticamente. — Benjamin não pode
estar... morto.
Já estava à beira da histeria com aquele notícia, quando meu pai se
inclinou mais perto, segurou meu rosto com carinho e me forçou a prestar
atenção no que diria.
— Axel está morto — disse sério. — Benjamin está vivo.
Choraminguei com a onda de alívio que me invadiu.
— Traga ele aqui ou me leve até ele. — Implorei. — Pai, eu quero o
Benjamin, por favor, por favor.
Implorei diversas vezes até que não conseguir mais falar devido às
lágrimas que saiam sem parar de minhas pálpebras. Meu pai parecia em
pânico em me ver chorar, prometeu que voltaria em alguns segundos e correu
para fora do meu quarto. Mamãe beijou minha testa e implorou para que eu
me acalmasse. Mas como faria isto? Precisava ter certeza de que de que ele
estava realmente bem.
Minha mente tinha uma vaga lembrança de ver seu terno sujo de sangue e
isto me apavorava. Ele havia se machucado por minha causa. Axel atingiu
um nível de loucura muito grande e se tornou extremamente perigoso.
Colocou não só a minha vida em risco, mas de muitas outras pessoas dentro
daquele restaurante. Uma delas era especial para mim, meu amor, meu fôlego
de vida, minha outra metade.
— Ele está bem. — Garantiu mamãe. — Só foi descansar um pouco —
contou conseguindo minha atenção. — Ficou a noite toda acordado
esperando notícias de sua cirurgia, não aceitou nenhum medicamento e só
saiu do seu quarto porque seus amigos o arrastaram, estava tão cansado que
não conseguiu vencê-los.
— Ele se machucou? — perguntei aflita.
— Sim, levou um tiro no braço, mas não foi grave pelo o que entendi.
Meu coração parecia descompassado, realmente estava devido o barulho
da máquina que monitorava meus sinais vitais.
— Ele está bem. — Repetiu em um tom tranquilo. — E você também.
O som da porta se abrindo me fez desviar os olhos e encontrar o homem
que mudou minha vida. Usava camiseta e calça de moletom preto, seus pés
estavam descalços e tinha um braço imobilizado. Seu rosto estava um pouco
amassado, mostrando que estava realmente dormindo.
Parecia lento de sono, mas seus olhos estavam em alerta total e se
chocaram contra os meus.
Suspirou alto e aliviado.
— Valentina. — Sua voz saiu rouca.
— Benjamin — choraminguei.
Ele se apressou em entrar, se inclinou sobre mim e segurou meu rosto com
sua mão livre.
— Graças a Deus! — beijou minha testa. — Eu nunca vou te dar uma
ordem, mas está proibida de morrer ou me dar qualquer susto parecido
novamente — disse sério.
— Vamos deixá-los a sós, mas precisamos chamar o médico — murmurou
meu pai.
O ignorei totalmente, eu não poderia desviar meus olhos dos de Benjamin.
Lágrimas desciam por suas bochechas e se misturavam com as minhas
quando me beijou duramente. Era uma mistura selvagem de medo e alívio
que não poderia ser suavizada.
Eu queria me levantar daquela cama e me enrolar sobre ele para nunca
mais soltar. Era exatamente o que eu faria assim que conseguisse me curar o
suficiente.
Seus lábios se afastaram por uma fração de segundos e votaram estalando
muitas vezes sobre os meus.
— Ben, Ben, Ben — murmurei.
— Estou bem aqui querida.
— Estou livre — afirmei.
Ele se afastou um pouquinho e me encarou franzindo o cenho.
— Você é livre — disse firme.
Balancei a cabeça.
— Eu não sei explicar. — Suspirei. — Mas antes de acordar tive uma forte
sensação de liberdade.
— Olhe bem nos meus olhos Valentina. — Exigiu. — Você é livre! —
disse pausadamente. — Mesmo que aquele verme ainda existisse, ele não
tiraria isto de você.
— Eu sou livre. — Sussurrei.
— Você é! — afirmou.
Comecei a chorar e então a sorrir, não poderia explicar, mas mesmo com
meu abdômen doendo a cada risada, não conseguia parar. Mesmo em uma
cama de hospital a sensação que estava experimentando era libertadora.
— Sim, você já pode fazer parte da família Daslow — disse ele me
forçando a concentrar. — Enlouqueceu.
— É o que parece. — Ri.
— Estou feliz que esteja se divertindo. — Sentou na beirada da minha
cama. — Eu amo ver você sorrindo.
— E eu amo... — sua mão tampou minha boca.
— Shh, não diga. — Pediu. — Ainda não tivemos nosso encontro. —
Sorriu. — Anseio ouvir essas palavras, assim como dizê-las, mas a luz de
velas. — Deu de ombros. — Sou um homem romântico.
— É o que estou vendo.
De repente, sua expressão mudou e algo escuro brilhou em seus olhos.
— Me perdoe por não a proteger.
— Você me protegeu — retruquei. — Você fez mais do que poderia
imaginar.
— Eu prometi.
— E cumpriu — completei o interrompendo. — Não poderia lutar contra
balas.
— Aslan deveria ter atirado nele pra acertar.
— E poderia ter machucado muitas outras pessoas. — Suspirei cansada.
— Eu o vi jogando uma mesa no chão para nos proteger.
— Ele fez isto. — Acenou.
— Eu não teria pensado tal coisa tão rápido — resmunguei. — Espero que
não tenha mais ninguém ferido ou morto.
— Não se preocupe, estão todos bem.
— Você parece cansado. — Observei.
— Você parece mais — retrucou. — Descanse.
— Acho que meu pai disse que estaria chamando um médico, eu deveria
esperar. — Minha energia estava se esgotando.
— Relaxe. — deitou ao meu lado.
A cama era tão grande que cabia nós dois e ainda sobrava espaço, mas ele
deitou bem na beiradinha. Não protestei, sentia que não poderia me mover
com facilidade e todo cuidado era bem-vindo.
Acordei horas depois e tive muitas visitas, contando com a do médico.
Apesar de todo susto, eu ficaria bem. Ser atendida rapidamente ainda no
restaurante salvou minha vida. E eu devia isto àquele homem que nem
mesmo me conhecia, mas me defendeu e ainda cuidou do meu ferimento.
Era a vida mais uma vez me mostrando que nem todos os homens eram
iguais. Que pessoas boas ainda existiam, pessoas como Benjamin. A maldade
estava crescendo, mas ainda existia esperança para o mundo.
Eu acreditava nisto.
— Você está muito pensativa — disse meu pai esfregando o nariz. — Por
que as pessoas compram flores?
— São bonitas — digo, olhando os arranjos ao redor.
Havia vários jarros lindos com flores nos armários.
— Graças a Deus sua mãe prefere livros — resmungou.
Ri incapaz de me segurar.
— Flores são românticas — digo.
— Irritam meu nariz — protestou. — Como você está? Precisa de alguma
coisa?
— Estou bem — afirmei. — Acho que vão ser longos dias.
— Você nunca conseguiu ficar parada por muito tempo.
— Já quero me levantar e sair por aí — reclamei.
— Não tenho dúvidas. — Riu. — Mas tem que ficar quieta para uma
recuperação completa.
— Vou tentar — resmunguei. — Ainda não acredito que ele tentou me
matar.
A expressão do meu pai se fechou.
— Sorte dele estar morto — disse friamente. — É quase como se o destino
viesse buscar aquele lixo humano.
Eu sabia que Axel tinha sido atropelado por um caminhão de lixo, por
mais que tenha sido alvejado por uma bala no ombro. Sua morte foi mais
trágica e realmente inesperada.
— Que comparação. — Foi impossível não rir. — Eu não deveria estar me
divertindo com a morte de uma pessoa.
— Eu estaria soltando fogos e estourando champanhes, se aquele merda
não tivesse machucado você.
Não respondi, eu estava bem e ainda com aquela sensação de liberdade de
quando acordei, mas sabia que não duraria por muito tempo. No entanto, eu
não poderia abrir mão das minhas sessões de terapia com Ítalo. Seria irritante
aguentar aquele sabichão por muito tempo, mas era necessário. E por alguma
razão absurda o considerava meu amigo.
No final do dia, depois de um longo cochilo, fui despertada pelas inúmeras
mulheres dominadoras e tagarelas que invadiram meu quarto.
— O que está acontecendo? — perguntei um tanto confusa.
Minha mãe me ajudou a ficar em uma posição quase sentada, colocando
travesseiros mais altos atrás de mim.
— Estou saindo — informou meu pai e foi totalmente ignorado pela
mulherada.
— Viemos arrumar esse quarto — disse Emília. — E você. — Riu.
— Como?
— É surpresa, não podemos falar muito — disse Joana, tia de Benjamin.
— O que? — me sentia ainda mais confusa.
Esmeralda bufou.
— Você foi baleada na barriga, isto não afeta seu cérebro — disse ela,
colocando as mãos na cintura. — Bora lá, vamos trabalhar.
Elas riram, pois Esmeralda praticamente me chamou de burra. Não fui
capaz de contestá-la, porque realmente não estava entendendo nada. Fernanda
se aproximou com um estojo de maquiagem e Ilma com escovas. Sabia que
meus olhos arregalaram e novamente insisti que me dissessem, mas
risadinhas foram suas únicas respostas.
Não poderia explicar a próxima hora, mas meu cabelo estava escovado e
meu rosto maquiado. Com muito esforço e cuidado me vestiram uma
camisola azul claro de seda e um hobby no mesmo tom com rendas nas
bordas.
E então, uma venda suave tocou meus olhos e eu protestei. Queria
desesperadamente saber o que estava acontecendo e elas não me diziam nada.
O que era um absurdo! Afinal, eu era a pessoa encamada ali e merecia
respostas.
Apesar de frustrada e super curiosa, esperei pacientemente até que um
toque suave desfez o nó da venda e a retirou. Foi impossível não sorrir,
Benjamin estava bem na minha frente. Vestia um terno preto e seu braço
ainda estava imobilizado em uma tipoia.
— O que... — me calei ao perceber as velas ao redor, entre um arranjo e
outro de flores.
— Nós tínhamos um encontro — afirmou e me ofereceu um girassol.
— Obrigada. — Sorri. — Que lindo e... diferente.
— Rosas não pareciam adequadas. — Se sentou ao meu lado na cama. —
Esse girassol, bem... estavam com uma aparência mais alegre. Acho que de
alguma forma representa o quanto estou feliz em poder ter esse encontro.
— Você é maravilhoso, obrigada.
— De nada. — riu. — Mas acredito que eu devo agradecer àquelas loucas.
— Por quê?
— Esperava por uma camisola de hospital e não uma de seda.
— Benjamin!
Ele gargalhou.
— Foi impossível resistir — confessou. — Você está linda.
— Você também não está nada mal.
— Sei disto — afirmou com arrogância e se levantou. — Sou um partidão.
— Como pode ter ficado tão presunçoso assim?
— Estou fazendo o meu melhor. — Riu.
— Bobo.
Ele abriu uma garrafa e serviu duas taças.
— Sei que você merece o melhor champanhe, mas estamos proibidos de
beber por alguns dias — contou e me ofereceu uma taça. — É de maçã,
saboroso apesar da falta de álcool.
— Tenho certeza de que vou gostar — afirmei, reparando a mesa ao lado
da cama.
Simples, reconfortante e elegante. Um arranjo de flores, um balde de gelo
onde Benjamin devolveu a garrafa e dois pratos.
— Estamos limitadas com os alimentos também, mas pedi um chef para
fazer algo especial com o que estamos aprovados a comer.
— Você teve muito trabalho — digo admirada.
— Sou bom em delegar ordens. — Riu.
Foi impossível não o acompanhar na risada. E como se fosse em um sonho
o hospital se apagou, os ferimentos foram esquecidos e juntos tivemos um
bom momento.
Devo confessar que foi muito engraçado ver Benjamin tentando comer sua
refeição. Piorou quando ele tentou me alimentar, quase fez uma bagunça, mas
mesmo dizendo que eu poderia fazer aquilo sozinha, ele insistia.
O homem era a teimosia em pessoa, mas completamente decidido e
empenhado em cuidar mim. Não consegui negar, dei boas risadas,
derrubamos algumas coisas e no final ele segurou meu rosto com carinho.
Roçou seus lábios nos meus e olhou no fundo dos meus olhos antes de dizer:
— Eu amo você, Valentina.
Pisquei lentamente, acariciei meu nariz no seu e sorri antes de me declarar.
— Eu também te amo, Benjamin.
Capítulo Trinta e Cinco
Valentina
Uma coisa que aprendi nos últimos meses é que todas as grandes coisas
são simples como: amar, respirar, honrar, viver, sonhar e... se libertar. A
graça de tudo é que essa liberdade se agarra na simplicidade. Não precisamos
de grandes coisas para ser feliz, o amor próprio era a chave de tudo.
A felicidade é uma verdadeira incógnita, não somos alegres o tempo todo,
mas os pequenos momentos... Ah, esses sim, devem ser aproveitados ao
máximo. Valorizados sabendo que se vive uma única vez.
E era exatamente isto que eu estava fazendo.
Depois de três dias internada e mais doze em repouso sentia-me pronta
para enlouquecer, apesar de que estava muita grata por ainda estar viva.
Fui rodeada por amigos e familiares, todos empenhados em me mimar
durante o período de recuperação. Sem contar as constantes sessões com
Ítalo. E com isto, se passaram longos trintas dias até que eu estava apta
novamente para trabalhar. Claro, sem exageros e com os seguranças me
seguindo.
Não existia a menor hipótese de me livrar deles, mesmo que Axel já
estivesse morto e enterrado, eu ainda tinha minhas duas sombras. Não me
importei. Aslan e Ciro se tornaram meus amigos e confesso que gostava de
suas companhias.
E depois de tantos dias, enfim, Benjamin me arrastou para um verdadeiro
segundo encontro. Tive a oportunidade de usar o vestido azul que comprei
para o primeiro e viver um verdadeiro sonho beira mar.
Fiquei sem palavras e a emoção foi forte demais para impedir que meus
olhos se inundassem com lágrimas. A praia privada de uma gigante mansão
estava decorada com velas onde suas chamas balançavam de acordo com o
vento. Uma tenda de madeira no centro com tecidos brancos e suaves voando
ao redor.
Surpreendeu-me mais uma vez quando me ergueu nos braços para que
meus saltos não afundassem na areia. Gargalhei e ele me silenciou com um
beijo apaixonado.
— É difícil resistir a você quando ri — confessou quando se afastou.
Eu somente acenei com a cabeça aceitando, pois seu beijo me tirou o
fôlego e toda a capacidade de fala por alguns segundos.
O início daquela noite foi perfeita, desfrutamos de uma deliciosa refeição,
degustamos drinks frutados maravilhosos e por fim dançamos Everything –
Michael Bublé. Bem... não foi uma dança chata como deve estar imaginando.
Primeiro ele me ajudou a tirar as sandálias e depois se livrou de seus sapatos.
Pisamos na areia morna e dançamos agarrados um ao outro no ritmo animado
da canção. E assim como a música dizia, ele era a minha estrela cadente, meu
carro de fuga, meu tudo.
Giros, gargalhadas, cheiros no pescoço e seguíamos o ritmo. Até que
nossos olhos se prenderam e respirar se tornou difícil demais. O momento
certo, eu não sei dizer, mas nossos lábios se encontraram e se perderam na
imensidão do desejo enquanto nos beijávamos.
Benjamin nos levou para a cama de almofadas e me deitou sobre elas. Ele
me olhava de uma forma que palavras não poderiam descrever. Era uma
mistura de amor cheio de ternura e uma paixão incandescente que se
refletiam nos meus olhos.
— Tina — sussurrou.
— Ben — respondi no mesmo tom.
— Você é linda — afirmou parecendo hipnotizado. — E eu te amo.
Sorri.
— Obrigada .— Acariciei seu rosto. — Você também é lindo, por dentro e
por fora. — Beijei sua bochecha. — E eu o amo.
O sorriso que adornou seus lábios foi um daqueles que se tornou um dos
meus favoritos.
Devo confessar, estava colecionando seus sorrisos.
— Quero você — disse ele.
— Estou bem aqui.
— Não tenho dúvidas. — Riu. — Só que... — hesitou.
— Quer ter certeza de que estou bem com isto.
Ele acenou.
— Eu nunca seria capaz de machucá-la, Tina, basta me dizer não e eu vou
respeitar sua decisão.
— É exatamente por isto que estou aqui — afirmei. — Beija-me.
— Amo quando me pede isto. — Riu. — Saiba que o prazer é todo meu.
Minha gargalhada foi abafada por seus lábios, no entanto, desta vez suave
e paciente ao me beijar. Aquele era o meu príncipe Benjamin. Impossível de
descrever e difícil não se apaixonar.
Ah, verdade, eu já o amava, e a cada dia o amava ainda mais.
Nossas roupas se foram sem ao menos percebermos. E nos tocamos com
intensa veneração. Seus lábios adoraram minha pele, alcançando cada
centímetro possível enquanto deixava seus beijos molhados e sensuais.
Não existia brutalidade, nem mesmo uma pontinha de dominância. Tudo o
que tinha eram bons sentimentos e cuidados. Como Esmeralda mesma havia
dito, Benjamin exibia suas emoções sem hesitação e eu amava aquilo. Seus
olhos mostravam o que meu coração sentia.
Enquanto seus dedos passeavam por minhas curvas, ele não olhava para
outro lugar. Encarava-me com intensidade, com paixão. Tocou-me
intimamente, novamente me levando a encontrar aquela mulher sensual que
tinha se apagado dentro de mim. Embora, Benjamin não fizesse muito
esforço para me libertar com seu toque.
Pude ver o brilho de estrelas sob minhas pálpebras no auge da emoção.
Fiquei sem ar, meu corpo tremeu e o mundo pareceu parar. Era uma sensação
libertadora experimentar o prazer sob o cuidado de mãos amorosas.
— Você está bem? — perguntou ele cobrindo meu corpo com o seu.
Demorei um pouco para responder, ainda lenta demais para raciocinar.
— Sim — murmurei. — Maravilhosamente bem.
Benjamin riu baixinho, escondeu o rosto na curva do meu pescoço e
mordiscou minha pele.
— Valentina — sussurrou. — Me permiti amar seu corpo?
Estremeci, mas não era medo, nunca seria. Simplesmente tremi de
expectativa.
— Sim, pois também quero amá-lo — confirmei e ele me encarou. — E
espero que seus olhos não deixem os meus em nenhum momento.
— Você tem a minha palavra — jurou.
Puxei o ar profundamente e relaxei como nunca. Aquele era o meu
recomeço, uma janela havia sido aberta e permiti que o frescor entrasse por
toda minha vida. Descobri que não existia a possibilidade de voltar no tempo
e mudar as coisas. Nada volta, mas tudo recomeça. Virei à página, colocando
um ponto final e iniciei um novo parágrafo.
Aquela noite era um novo começo. E apesar da minha deliciosa
independência, me entreguei de corpo e alma quando Benjamin fez amor
comigo. Era consensual, feito com paixão e cuidado, e o melhor de tudo,
existia amor.
Eu tinha uma escolha, e o escolhia.
Alcançamos o céu em perfeita sincronia declarando promessas de amor.
Benjamin não teve pressa em me venerar, levou seu tempo com calma e me
permitiu amá-lo da mesma forma. Éramos iguais sob o brilho perolado do
luar.
E como prometido, os olhos dele nunca se desviaram dos meus, mesmo
nublados e desfocados, nada quebrou aquela conexão.
— O que está pensando? — perguntou curioso depois de um tempo.
Estávamos abraçados, suados e perdidos nas próprias emoções
experimentadas. Virei-me em seus braços e acariciei seu rosto.
— Eu lutei por minha liberdade — sussurrei.
— Você é uma guerreira.
— Muitas pessoas me ajudaram, mas eu lutei por mim mesma.
Sua expressão suavizou.
— Sempre terá pessoas boas dispostas a ajudá-la, mas isto deve sempre
partir de você.
— Não se pode ajudar quem não quer ajuda.
— Até parece que ouvi Ítalo falando, meio broxante. — Brincou.
— Mas ele está certo.
— Sim. — Acenou. — Se contar que concordei com isto vou negar até a
morte.
Ri baixinho.
— Estou feliz.
— Eu também.
— Você não me entendeu — digo e ele franziu a testa. — Estou feliz por
não ter desistido de lutar.
Seus lábios roçaram minha bochecha.
— Também estou feliz por isto, é sua própria salvadora.
— Está errado.
— Estou?
— Sim, eu lutei e briguei por minha vida, mas quem a salvou foi você.
Nossos olhos se encontram, travando uma conversa silenciosa, até que eu
afirmei:

— Você foi e é o meu CEO como

salvação.
Epílogo

Tentava não tremer diante do que estava prestes a fazer.


— Estou nervosa — confessei, olhando para as pessoas do canto do palco.
— Vai se sair bem — disse Benjamin, meu marido.
Era esperado que a gente se casasse depois de um tempo. Talvez a
surpresa fosse que isto acontecesse dez meses depois do nosso segundo
encontro. Continuo sendo uma mulher livre para fazer minhas escolhas a
diferença é que carrego o nome Daslow.
— Relaxe — disse Ellen. — Você treinou bem e sabe o que fazer.
— Estou tremendo — murmurei.
— Pare com isto, falar em público não é uma coisa assustadora quando
está acostumada a lidar com empresários arrogantes como Benjamin, Leo ou
Ryan.
— Ainda bem que estamos aqui para nos defender — disse Leo, cruzando
os braços, mas olhou discretamente para a doutora Ellen.
Ele fazia muito isto quando acreditava que não tinha ninguém olhando ou
que seria casual demais para ser contestado.
— Parem com isto — ordenou Esmeralda. — Vão ocupar seus lugares,
bando de trastes. — Olhou para Ellen. — Isto não foi para você, querida, é
minha heroína dos tribunais.
Todos tinham um protesto e deixaram claro quando falaram ao mesmo
tempo. E como se era esperado, obedeceram a ordem dela, reclamando, mas
fizeram o que indicado com tanta delicadeza por parte de Esmeralda.
Benjamin foi o único a ficar, sorriu para mim com a mesma sinceridade de
sempre e beijou minha testa.
— Você está fazendo um ótimo trabalho — afirmou. — Olhe quantas
mulheres vieram. — Apontou discretamente para a plateia feminina. —
Tenho certeza de que vai ajudá-las.
— Obrigada.
— Disponha. — Piscou. — Vá até lá e mostre o quão incrível você é.
— Eu te amo, marido.
— Eu te amo mais, esposa.
Reunindo coragem, ergui meus ombros e caminhei até o centro do
pequeno palco. Todos ficaram em silêncio me observando. Engoli em seco.
Alguns meses atrás decidi que precisava ajudar as mulheres de alguma forma
e com a ajuda do meu marido, minha advogada que agora também era minha
amiga e meu psiquiatra sabichão, começamos a nos mover.
E o resultado era aquelas mulheres sentadas ali, me encarando com um
misto de emoções em seus rostos que um dia também foram minhas.
— Boa tarde, me chamo Valentina Daslow e fui uma vítima de violência
doméstica. — Engoli em seco. — Violência contra mulher.
Procurei meu marido com os olhos e o encontrei bem pertinho, me
encarando com orgulho, seu aceno de cabeça me fez prosseguir.
— É um assunto difícil de tocar, mas extremamente importante falar.
Sabendo disto, escrevi uma carta que gostaria de compartilhar com vocês e
no fundo do meu coração espero que minhas palavras ajudem a mudar muitas
vidas nesta tarde.
Respirei fundo e devagar antes de prosseguir.
“Querida mulher amiga,
Viver em um lar onde a paz não reina não é o que esperamos, afinal,
conhecemos um príncipe que aos poucos virou sapo, ou melhor, monstro?
Ele era gentil, amoroso e fazia inúmeras promessas. Como não acreditar?
Ele parecia tão honesto e genuíno.
No entanto, como tudo pode ter mudado assim? Como não percebemos
que o paraíso estava se transformando em um verdadeiro inferno?
Bem, acredito que começou quando ele disse que não sairia com você
caso não trocasse de roupa. Ou talvez quando ele “acreditou” que você
olhou para algum rapaz na rua.
Eu não sei bem, para ser sincera, pode haver muitos motivos criados. No
entanto, não me resta nenhuma dúvida de que você não foi culpada. Nada
disto é sua culpa, nem mesmo por acreditar quando prometeu que nunca
mais a machucaria depois do primeiro tapa. Por julgar que seu
arrependimento era real.
Não foi sua culpa.
Por que seria?
Existem coisas que não tem como explicar, por exemplo, por que ele tinha
que te machucar tanto? Não tenho palavras para expressar o meu pesar, mas
como uma vez me foi dito, você era a pessoa forte da relação. Ele que era
fraco demais para aceitar sua força e para isto precisava cortar suas asas.
Impedir que tivesse amigos, que visitasse sua família, que saísse na rua.
Ele é tão fraco que precisava crescer em sua força. Por isto, posso
afirmar com toda certeza de que você é tão resistente quanto uma rocha.
Mesmo com todos elementos batendo insistentemente contra você, por mais
desgastada que fique, ainda é forte, firme, uma rocha. Ninguém pode tirar
sua essência e devido a essa afirmação posso te contar uma coisa muito
importante, você além de forte, é linda.
Nada do que aquele monstro disse é verdade. Você é maravilhosa.
Perfeita. Sensual. Você é tudo o que ele queria e morre de medo de perder,
pois sabe que no mundo existem muitos homens que veneraria o chão que
você pisa.
É especial, incrível, inteligente. Nunca permita que alguém diga o
contrário.
Eu sei que não é fácil acreditar nisto, pois ele quebrou suas muralharas,
violou não só seu corpo, mas também sua mente e... bem, isso tudo é demais
para suportar. Acreditou nele, em todas as suas cruéis mentiras,
principalmente naquele de que ele era o único a querer você.
Mas isto não é verdade, a primeira coisa que aprendi é que eu não
precisava que alguém me quisesse. Eu só precisava viver e isto não
aconteceria por muito tempo se continuasse naquele relacionamento. Ele iria
me matar, ele tentou e eu lutei por mim. Aprendi que precisava me amar
primeiro e isto foi motivo suficiente para que colocasse um fim naquele
inferno.
Não foi fácil, não é e nunca vai ser, mas você não pode desistir. Tem que
lutar, brigar, sobreviver.
E com isto aprender algumas lições.
Você não está sozinha, tem muitas pessoas que te ajudaria. Eu sei que a
lei é fraca, que medidas protetivas não resolvem nada, mas é o primeiro
passo. Fique em um lugar seguro, aceite ajuda.
Existem várias formas de te ajudar, precisa se curar, se proteger. Procure
por policiais e denuncie o abuso. Vá a um hospital e cuide de seus
ferimentos, mas entenda que seu corpo e mente precisa de cuidados, aceite a
ajuda de um psicólogo. Tem uma variedade de profissionais que estão
dispostos a ajudá-las.
Cuide-se.
Ame-se.
E o mais importante, lute.
Somos guerreiras... e guerreiras lutam para sobreviver.
“Elas não desistem e você também não.”
Ergui meu olhar para longe das folhas e encontrei várias pessoas
emocionadas. Engoli a emoção e segurei o coração partido, pois entendia o
que aquelas mulheres estavam passando.
— A Daslow junto com a agência Sabag estão de braços abertos para
ajudar quem precisa e quer ser ajudado — digo firme. — Violência contra
mulher é crime. Não se cale, denuncie.
Capítulo bônus
Ellen estava com pressa para sair do escritório, já passava das sete da noite
e ela continuava presa ali por causa de alguns casos. Seu estômago estava
revirando de ansiedade, precisava voltar para casa e colocar seu filho debaixo
de suas asas.
Odiava passar tanto tempo no trabalho, mas era extremamente necessário.
Quanto mais trabalhava, mais comissão ganhava e assim daria sempre o
melhor tratamento médico para o seu filho.
Levantou da cadeira quase a deixando cair assim que juntou todos os
documentos. Pegou sua bolsa e envolveu o braço no montante de pastas que
tinha em mãos, decidida a terminar aquele serviço em casa.
Fechou a porta de sua sala com o pé e caminhou descuidadamente
acelerada em direção ao elevador. O que Ellen não esperava, era bater contra
uma parede gigante de músculos duros e logo cair de bunda no chão. Ele até
tentou segurá-la, mas não foi rápido o suficiente para isto.
— Porra! — exclamou Leonardo Sabag.
— Aí. — Murmurou Ellen sentindo o pulso dilatar.
— Desculpe Ellen, eu estava com a cabeça em outro lugar. — Ofereceu a
mão para ajudá-la, mas recebeu um aceno negativo.
De alguma forma, Ellen sentia que precisava ficar sentada ali por um
minuto e respirar bem fundo para não chorar com a dor crescente em seu
pulso direito. Ao cair, automaticamente ela buscou por apoio e forçou a mão
em uma posição que agora cobrava um preço alto.
— Se machucou?
— Estou bem — resmungou ela.
— Não minta para mim — pediu ele franzindo a testa. — Venha, me deixe
te ajudar a levantar.
— Não precisa — disse orgulhosa.
Não tinha nada contra seu chefe, mas ela não gostava de receber ajuda,
muito menos de homens. Porém, Leonardo a ignorou ao segurar suavemente
seus ombros e a colocou de pé com uma impressionante facilidade.
— Sente aqui — ele indicou a poltrona.
Ellen estava com outra negativa na ponta da língua, mas acabou se
sentando de boca fechada.
— Deixa-me ver sua mão — pediu Leonardo se agachando na frente dela.
— Não precisa...
— Estou vendo você segurá-la e seus olhos mostram que está com dor —
retrucou a interrompendo.
Ellen segurou um bufo de indignação, pra ela estava tudo bem aquela dor
e ficaria tudo bem depois de um pouco de gelo. Sem contar que estava
demorando mais um pouco para chegar em casa.
— Ellen?
Suspirando, ela esticou o braço direito para ele. Travando os dentes,
segurou para não estremecer com o toque gentil de Leonardo. Ele segurou
sua mão com suavidade e traçou linhas com os dedos no pulso já inchado.
— Precisa ir ao hospital...
— Estou bem — puxou a mão de volta.
— Não está — retrucou franzindo as sobrancelhas.
Ela odiava reparar em como ele parecia atraente quando fazia aquilo.
— Vou para casa e colocar gelo. — Se levantou olhando as pastas
espalhadas no chão.
Quase agradeceu aos céus por ter tido o cuidado de furar e prender todos
os documentos, ou agora ela teria longas horas para separar cada folha e
descobrir a qual processo pertencia.
— Sente-se — ordenou. — Eu pego as pastas.
— Posso fazer isto. — Teimosamente se ajoelhou e começou a juntá-las.
Leonardo a acompanhou com um bufo realmente irritado, o que deixou a
coluna de Ellen rígida de tensão.
— Mulher teimosa — murmurou.
Ellen chegou a abrir a boca para falar alguma coisa, mas a fechou quando
percebeu as sobrancelhas franzidas novamente.
— O que? — questionou ela impaciente.
— Você está em todos esses casos? — perguntou abrindo algumas pastas.
— Sim, é o meu trabalho.
— Você tem uma equipe — retrucou sem a olhar. — Contei pelo menos
quinze pastas. — Abriu outra rapidamente com um olhar bem atento. — São
casos grandes, por que não está usando os recursos que te dou?
Ela não o respondeu imediatamente, teve que engolir o antigo medo de
olhares firmes como o dele.
— Eu uso.
— Parece que não o suficiente — disse ele fechando e juntando ao
montante. — Estava levando trabalho para casa. — Afirmou.
— Não sabia que não era permitido. — respondeu Ellen com a mesma
arrogância do tom de Leonardo.
— Pelo jeito, terá que virá regra se você está tentando se matar de tanto
trabalhar.
Leonardo se levantou carregando as pastas e observou Ellen pegar a bolsa
caída no chão.
— Venha, vou te levar ao hospital para cuidar desse punho.
— Eu não preciso...
— Não está em discussão Ellen, você se machucou e precisa ser cuidada.
Qual é a dificuldade de entender isto?
— Só quero ir para casa — suspirou.
— Eu também, mas agora será somente depois de você ter sido avaliada
por um médico.
— Sabe que não precisa.
— Eu não sei de nada, Ellen. — disse Leonardo, mas ela entendeu que ele
falava de outras coisas também.
Não queria se render, ainda mais para um homem. Mesmo sabendo que ele
era uma boa pessoa, Ellen não gostava da arrogância que ele sempre exibia
com muita facilidade. No entanto, percebeu que seu chefe nunca investigou
sua vida, como ele costumava fazer com todos que contratava, e isto a
motivou, mesmo que a contra gosto, a falar um pouco de si.
— Pego muito trabalho para ter mais comissões — confessou levemente
constrangida, mas não arrependida.
Isto conseguiu um olhar atento de Leonardo e suas sobrancelhas franzidas.
— Meu filho tem anemia falciforme e o tratamento é caro. — Olhou para
o pulso dolorido. — Eu não me importo em colocar gelo neste braço, desde
que faça isto em casa. Já passo muito tempo longe, não quero aumentar isto
indo desnecessariamente ao hospital.
— Não é desnecessário, Ellen, você se machucou. — O olhar dele
suavizou. — Assim como seu filho, você precisa de cuidados.
Erika Martins, nasceu em São Domingos do Prata, mas ainda na infância
mudou-se para João Monlevade com a família. Formada em contabilidade,
resolveu trocar os números pelas letras. Apaixonada por romances, começou
a escrever em um aplicativo para autores independentes, onde já alcançou a
expressiva marca de mais de 3 milhões de páginas lidas. Viciada em sorvetes,
filmes e séries, passa boa parte do seu tempo escrevendo, acompanhada de
uma boa música e seu inseparável Chá Mate.

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Sinopse
O quão real é o amor para você?
Já amou alguém em que pode afirmar com todas as letras que aquele
sentimento era real?
Vitor e Sofia se encontram por acaso, talvez por obra do destino. Destino
este, que os mostrou que estavam destinados a amar. O casal mostra todo o
romantismo possível para um relacionamento verdadeiro, autêntico.
Sem muito drama e com uma grande parcela de humor, traz uma delicada
história de amor e cumplicidade.
Sinopse
Já chegou ao ponto de desistir de encontrar sua outra metade? A acreditar
que não existisse uma pessoa que se encaixasse perfeitamente a você e
simplesmente desistiu?
Guilherme e Letícia desistiram, mas não esperavam que fossem marcados
pelo destino para amar.
Mesmo sobre circunstâncias difíceis, os mais puros e belos sentimentos
floresceram. E tudo o que eles precisavam fazer era aceitar aquele amor
inesperado, aquela oportunidade de ter um amor para recomeçar.
Sinopse
Dono de um restaurante/bar e independente, Connor levava uma vida pacata e tranquila
até uma bela mulher aparecer em seu mundo. Ele nunca havia se apaixonado, mas
descobrirá que quando menos se espera, o amor bate em sua porta e o arrebata como um
caminhão desgovernado prestes a atropelar.
Disposto a seguir seu coração, ele vive um dia de cada vez ao lado de Nikky, uma bela
descendente japonesa que é dona do mais lindo par de olhos que já viu. Juntos eles
descobrem seus sentimentos e vivem um grande amor.
Doce sentimento é um romance adulto leve, sem inimigos vingativos ou cenas de ação.
Não há muitas brigas ou confusões, é um livro onde os personagens encontram o amor,
amor à primeira vista, e tudo se passa na visão de Connor. Os personagens se mostram
adultos suficientes para enfrentarem seus sentimentos e deixar as coisas acontecerem.
Sinopse
Nada mais seria da mesma forma depois que Adônis Albertini colocou
seus olhos sobre a pequena ruiva, que agora era sua prisioneira. Ele não
saberia explicar o que sentiu quando seus olhos encontraram os dela. A única
certeza que tinha, era que nunca poderia machuca-la. Quando pela primeira
vez em sua vida experimentou um sentimento chamado, compaixão.
O medo e a fragilidade que exibia de forma tão crua o atraiu. Era como se
seu demônio interior estivesse hipnotizado pela beleza natural e pura que ela
ostentava. Giulia. Sua nova e única protegida.
Quem a machucasse enfrentaria o pior dele.
Adônis sempre teria inimigos, mas sua única preocupação era se render
aos sentimentos que pela primeira vez experimentava.
E o maior deles era o amor.
Sinopse
Seu sorriso e o ar de despreocupado eram sua marca de perigo.
Apolo acredita que não nasceu para amar, para ter família. A fera que o
habitava estava sempre a superfície, fazendo-o cruel e vil. Acreditava que
nunca iria se apaixonar, que morreria sozinho e sem ninguém para ama-lo.
Pretendia seguir com esses planos por toda a vida, pois não desejava
submeter terceiros no mundo em que dominava.
No entanto, a vida estava pronta para prova-lo o contrário. Que todos
tinham a oportunidade de serem amados. O único problema era conseguir
manter esses sentimento acima de qualquer diferença.
Depois de um erro.
Um pequeno erro.
Apolo se viu perdido e descontrolado.
Seu maior medo tinha se tornado realidade e não existia a menor
possibilidade de fugir. Ele tentou, mas não era homem de correr de
problemas.
O único jeito era ficar e enfrentar aquilo que mais temia.
Sinopse
Ele, um homem marcado pelo passado. Acredita que seu coração não
tenha mais espaço para amar. Talvez, nem mesmo queira se apaixonar.
Estava amargurado, congelado pela dor que se negava compartilhar.
O que Abner não imaginava, era que suas vontades não tinha voz. O amor
bateu na sua porta e em troca, ele pisou e maltratou a dona desse sentimento.
Agora, era o momento de cicatrizar o passado e correr em busca do seu
futuro.
No entanto, será que Carolina irá perdoá-lo?
Ele merece seu amor?
Talvez sim, talvez não.
Venha conhecer o desenrolar desta história.
Sinopse
Já imaginou que, talvez, seu amor verdadeiro esteja prestes a ser
atropelado por você?
É melhor não, né?
Elliot não esperava que sua vida de playboy rico e mulherengo fosse
terminar quando colocasse os olhos em cima de Charlotte. Literalmente em
cima, depois de quase matá-la com seu carro. Ela o enfrentou, gritou e ainda
não aceitou sua ajuda.
Não teve jeito, foi amor por acidente.
Ele estava pronto para fazer o que fosse preciso para que Charlotte o
aceitasse, nem que fosse apenas um encontro. E então, trabalharia para que
continuassem se encontrando até que aquele sentimento sufocante em seu
peito acabasse de vez ou aumentasse.
O que Elliot não esperava era ter um concorrente insignificante, mas
determinado a ter Charlotte.
Sua Charlotte.
Não! Isso ele não permitirá.

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