Colunista apresenta diferentes modelos conceituais para explicar a leitura e aponta que novas
ferramentas são capazes de melhorar o desempenho de crianças com dislexia
O mapa das regiões cerebrais ativadas durante a leitura foi identificado por diferentes
pesquisadores por meio de imagens de ressonância magnética cerebral funcional, entre os
quais o neurocientista francês Stanislas Dehaene e colaboradores portugueses e brasileiros.
Como em todas as funções cognitivas complexas, várias áreas cerebrais aumentam sua
atividade durante a leitura. De que modo cada uma delas estaria participando?
Uma dessas regiões ficou sendo conhecida como área visual da forma das palavras, nome que
levou a crer que a leitura teria uma importante base biológica perceptual: um território
cerebral especializado na identificação da forma das letras e das palavras. A leitura nada mais
seria que um processo de percepção de formas simbólicas complexas. Quem sabe a dislexia
seria causada por uma deficiência nessa área, tornando a criança incapaz de reconhecer as
palavras como tal, e de diferenciá-las de rabiscos parecidos, mas sem significado?
“Leitura não é só percepção de palavras depende de duas redes de áreas cerebrais altamente
interativas com as regiões de percepção visual das palavras, que mantêm o controle executivo
da leitura. (Foto: Flickr/John Morgan – CC BY 2.0)”
Logo se viu que não era tão simples assim. O circuito da leitura incluía também regiões
envolvidas com a atenção, a velocidade de processamento perceptual, a inibição cognitiva, a
memória operacional e o monitoramento de erros. E, de fato, as crianças disléxicas têm
também dificuldades no desempenho dessas funções chamadas executivas.
Duas consequências importantes derivaram dessa constatação: um modelo conceitual da base
neural da leitura e uma ferramenta (RAP, Reading Acceleration Program) desenhada para
melhorar a aprendizagem da leitura pelas crianças (disléxicas ou não). O modelo conceitual foi
desenvolvido pelo grupo de pesquisadores liderados por Bradley Schlaggar, da Universidade
Washington, em St. Louis, EUA. E a ferramenta de aceleração da leitura foi inventada por Zvia
Breznitz e seus colaboradores na Universidade de Haifa, Israel.
O modelo conceitual: leitura não é só percepção de palavras, é muito mais. Depende de duas
redes de áreas cerebrais altamente interativas com as regiões de percepção visual das
palavras, que mantêm o controle executivo da leitura. A primeira se chama fronto-parietal, e
se destina a focar a atenção do leitor nas pistas escritas (letras, palavras). A segunda rede é
conhecida como cíngulo-opercular, e se encarrega de manter vivos os objetivos (ler até o
final…), além de monitorar e ajustar os erros (não pular letras nem palavras…). Trocando em
miúdos, não basta identificar as palavras: é preciso reconhecer a sua ortografia, imaginar a sua
pronúncia, compreender o seu significado e, além do mais, fazer tudo isso a grande velocidade
de deslocamento ocular da esquerda para a direita (ou em outras direções, como acontece em
línguas como o hebraico e o japonês), guardando na memória por alguns segundos o que veio
antes, para ao final compreender o significado global do que foi lido. Difícil!
Quem sabe então as crianças disléxicas são plenamente capazes de ler, mas não conseguem
fazê-lo com alta velocidade e atenção focada? Quem sabe então poderíamos ensiná-las a
acelerar esse processo?
A esse objetivo se propôs o grupo de pesquisa do Hospital Infantil de Cincinatti, em Ohio, EUA,
composto por Tzipi Horowitz-Kraus e colaboradores. Eles reuniram um grupo de crianças
disléxicas de cerca de 10 anos e outro de idade parecida, capaz de ler normalmente. Ambos os
grupos foram submetidos a imageamento no aparelho de ressonância magnética funcional,
em repouso. Em seguida foram treinados durante 4 semanas com o programa RAP. E
finalmente foram novamente imageados. Resultado: o treinamento aumentou a atividade das
regiões de controle executivo, aquelas que contribuem com a velocidade de leitura e a
focalização da atenção.
Figura 2. As duas imagens de cima foram obtidas de crianças disléxicas e as duas de baixo de
crianças capazes de leitura fluente. À esquerda, a conectividade dentro e entre os hemisférios
(E, esquerdo; D, direito) no primeiro teste. As imagens à direita mostram a mesma
conectividade após 4 semanas de treinamento com o programa de aceleração da leitura. A cor
amarela denota baixa atividade, a cor laranja atividade média e a cor vermelha alta atividade.
A espessura das linhas de conexão representa a força da conectividade. Note que ocorre
aumento da atividade nas regiões de controle executivo dos disléxicos após o treinamento.
Breinitz e B. Bloch (2010) Reading acceleration program (RAP) [software], University of Haifa,
Israel: Edmond J. Safra Brain Research Center for the Study of Learning Disabilities.
http://cienciaparaeducacao.org/blog/2015/09/07/cientificamente-ler-ou-nao-ler-eis-a-
questao/