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REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE

HISTÓRIA PARA ATUAÇÃO NA EJA: QUANDO A TEORIA DA CONSCIÊNCIA


HISTÓRICA ENTRA EM “CENA” (O CASO DO CINEMA)1

Resumo: a Educação de Jovens e Adultos (EJA) apresenta desafios consideráveis em um país de


acentuada exclusão social, periférico, imerso em uma onda conservadora, e foi introjetada em
parcela considerável do público escolar atendido pela EJA, via de regra trabalhadores pouco
qualificados e mal remunerados, um discurso que transita por temas caros à extrema-direita. Assim,
falar em autorreflexão, alteridade e empatia históricas pode soar como algo descabido de
operacionalizar no processo de ensino-aprendizagem no atual contexto. Esse trabalho intenta
apresentar um esboço acerca dos contornos que envolvem as principais questões de meta-história
que envolvem o caso da EJA, oferecendo de arremate, um dos recursos teórico-metodológicos
autorizados pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) no sentido
da implementação das novas linguagens para o ensino, no que elege a linguagem cinematográfica
como veículo privilegiado, em virtude de sua reconhecida natureza de mídia de massa.
Palavras-chave: Aprendizagem histórica; Teoria da Consciência Histórica; Didática da História;
Educação de Jovens e Adultos; Cinema.
Apresentação pessoal: sou Professor na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) há
cerca de dez anos, tendo ingressado por concurso de provas e títulos. Sou Licenciado, Bacharel,
Mestre e Doutor em História, cursos realizados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
e atuo em uma Unidade Acadêmica (UEMG – Ibirité) que não possui curso de História. Há alguns
anos identifiquei uma grande carência em relação às fontes didáticas disponíveis aos graduandos de
Pedagogia, em termos de formação histórica. Submeti um projeto de ensino de História e venho
desde então articulando projetos de pesquisa e extensão. Esse trabalho apresenta algumas
conclusões, ainda que provisórias, dos resultados alcançados até o presente momento, além de
tangenciar algumas discussões que estou realizando no Estágio de Residência Pós-doutoral na
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais2.

Introdução
O presente estudo trata da aprendizagem histórica na Educação de Jovens e Adultos e
interroga epistemologicamente os desafios de oferecer conteúdos disciplinares de História Escolar
1
Antonio Carlos Figueiredo Costa. Professor na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Belo Horizonte,
Brasil. E-mail: antonio.costa@uemg.br
2
Projeto “A Teoria da Consciência da Histórica e o Ensino na Educação de Jovens e Adultos (EJA): a História como
orientação temporal à práxis vital humana”.
para um público via de regra, pouco afeito a identificar no operador hermenêutico identificado
como memória – entendida aqui como os modos de lidar com o passado na vida social – algo
válido ao seu presente (lembremos o operador hermenêutico da atenção), e muito menos, enquanto
contributo ao seu futuro (operador hermenêutico da expectação).
Via de regra vivendo em uma espécie de presente contínuo, essa geração de jovens e
adultos costuma acumular experiências traumáticas colhidas ao longo de uma vida escolar
pregressa, não raro muito breve, cujas lembranças aliás, costumam identificar a disciplina escolar
de História com a memorização de nomes, datas e eventos passados em locais que nada ou muito
pouco consideram dizer respeito às suas vidas.
É em virtude do descompasso entre a percepção da utilidade da História para a vida humana
prática, e a necessidade de constituir cidadãos ativos e compromissados com o destino da pólis que
são apresentadas as potencialidades heurísticas constituídas sob o escopo da teoria da consciência
histórica, à qual, gravitando sobre os conceitos centrais de consciência histórica3 e cultura
histórica4, mantém relação de constante diálogo com a constituição de uma efetiva e atuante
didática da História5.
Em virtude das razões acima justificadas, nosso estudo objetiva apontar para alternativas
didático-pedagógicas centradas em exibições fílmicas que possibilitem desfazer o imaginário
tradicional da Escola6, bastante inculcado no público discente da EJA, para oferecer estratégias que
passem a valorizar a realidade do aluno enquanto elemento motivador ao seu processo educativo, e
com isso deslocar o modus operandi da aula centralizada na figura do professor, para reflexões
pós-filme, onde o filme como ferramenta pedagógica, passa a assumir também o papel de material
didático.
Percurso Metodológico
A proposta prima pela sequência didática do eixo temático, valorizando as relações de
trabalho, como sugerido por Carlos Alberto Vesentini (2009) e Rodrigo de Almeida Ferreira

3
Segundo Jörn Rüsen, “a consciência histórica é o trabalho intelectual realizado pelo homem para tornar suas
intenções de agir conformes com a experiência do tempo. Esse trabalho é efetuado na forma de interpretações das
experiências do tempo. Estas são interpretadas em função do que se tenciona para além das condições e circunstâncias
dadas da vida.” (RÜSEN, 2001, p. 59).
4
De acordo com Oldimar Cardoso (2008) a cultura histórica é um fenômeno da modernidade, pressupondo uma
História compreendida de forma singular por um coletivo. A cultura histórica seria a forma da consciência histórica se
expressar. Professores de História manejam a cultura histórica, mas não possuem a exclusividade, pois ela também é
objeto do trabalho de museólogos, autores de teatro, cineastas, desenhistas, etc... Assim, o que ocorre na sala de aula,
com a atuação do professor e dos materiais tradicionais, como o livro didático, são apenas parte da cultura histórica,
sendo complementados por romances, jornais, filmes, peças teatrais...
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Em definição sintética, a didática da História seria a disciplina que se dedica a estudar, não somente o ensino e a
aprendizagem da História escolar, mas também todas a expressões da cultura e da consciência histórica que circulam
tanto dentro, quanto fora do aparato escolar. (CARDOSO, 2008)
6
Aprendizagem centrada no Professor, exposição didática, quadro, livro e cópia no caderno, etc...
(2018), bem como as proposições assinaladas por Circe Maria Bittencourt (2008) a respeito do
corpus documental que em seu trabalho denomina por documentos não escritos em sala de aula.
Tratar os registros fílmicos como uma espécie de material não estruturado para o aprendizado
histórico se torna um ponto de partida para devolver a ludicidade ao ambiente escolar, aguçando a
imaginação em conformidade a despertar a empatia e a alteridade histórica em compromisso aos
postulados da teoria da consciência histórica (RÜSEN, 2014).
A formação continuada de Professores tem sido apresentada nos mais diversos quadrantes
dos discursos estatal e de especialistas como uma das formas de garantia de processos educativos
mais producentes, e com esses, melhores condições de redefinir o papel da Escola como agente
coletivo nos grandes desafios enfrentados pela sociedade brasileira. Adequar as bases legais
infraconstitucionais voltadas à Educação (LDB; PCN’s; BNCC) a recursos teóricos mais
adequados às atuais necessidades, corresponde a articular aspectos normativos às interpelações
metodológicas, que encontram na Didática da História, vinculada à teoria da consciência histórica,
respostas das mais adequadas.
As propostas pedagógicas formuladas em Bittencourt (2008); Vesentini (2009); e, Ferreira
(2018) oferecem um roteiro que iniciado pela escolha do filme, passa a interpelar o público
discente em um contrato didático que propõe a análise fílmica, com leituras externas e internas
acerca da obra cinematográfica, oferecendo no pós-filme, mediante a roda de conversa, a
consolidação do processo de análise, no que se espera, espectadores antes passivos, sejam alçados
à condição de receptores críticos das mensagens cinematográficas.
Um componente essencial nesse processo é alcançar a empatia e a alteridade históricas,
atos cognitivos componentes das condições didático-pedagógicas constantes da Didática da
História sob a teoria da consciência histórica, e segundo nos diz Marcelo Fronza (2016), dos mais
difíceis de serem alcançados, seja por Professores ou Alunos. Assim, o consórcio formulado entre
a História e o Cinema passam a produzir um método científico de aprendizagem histórica que
lança mão da “...imaginação, da fantasia e da estética, pois elas tem poder de ser um túnel do
tempo ao aproximar valores e sentimentos antigos e contemporâneos”. (FRONZA, 2016, p.63-64)
Referencial Teórico
Autores como Marc Ferro (1995); Pierre Sorlin (1974); Robert Rosenstone (1988); e
Hayden White (1988), há algumas décadas ofereceram a necessária fundamentação para o trânsito
proveitoso que envolve os cogitos alinhados por cineastas e historiadores, fazendo convergir suas
razões naquilo que é específico em cada uma das linguagens. Em nossa percepção, a pedra de
toque que faltava a esse diálogo nem sempre amistoso, foi oferecida pela teoria da consciência
histórica, cujos autores defendem que o aprendizado histórico é proporcionado não somente pelos
resultados acadêmicos partidos da lavra dos historiadores, mas também por um amplo complexo
de produções que transitam pelo discurso histórico, seja no ambiente escolar ou fora deste, e que
conta com a contribuição de literatos, dramaturgos, jornalistas, chargistas e por óbvio, cineastas.
Resultados e Discussões
Em termos de atividades de ensino os contributos teórico-metodológicos da História e
Cinema proporcionaram, no ano de 2018, o oferecimento de duas disciplinas optativas que
versaram sobre as novas linguagens, novos temas e novas abordagens para o ensino da História.
Em termos de atividades extensivas, foram oferecidos dois cursos de capacitação em formato EaD
– sendo que um deles ainda está em curso – destinados à formação continuada de Professoras e
Professores da Rede Pública de Ensino para o uso das novas linguagens no ensino da História.
Ainda em termos de extensão, foi promovida no âmbito da 5ª Semana UEMG, ocorrida em
2017, a “Mostra do Cinema Revolucionário Soviético de Sergei Eisentein” ocasião na qual foram
exibidos os filmes “A Greve” (1925); “O encouraçado Potemkin” (1925); e, “Outubro”(1927), em
sessões que contaram com expressiva afluência de público. Como resultante dessas experiências de
ensino e extensão, alinhamos o texto intitulado “O cinema como recurso ao ensino da História:
algumas notas introdutórias à luz da Didática da História”, submetido e apresentado ao 7º Simpósio
Eletrônico Internacional de Ensino de História, e estampado na forma de capítulo de livro logo
após o mencionado encontro (COSTA, 2021).
Considerações Finais
Talvez possamos considerar que o desencanto com a Modernidade passou a oferecer, a
partir da década de 1960, um conjunto de razões para que fossem recalcadas, junto à consciência
histórica, suas dimensões política, mas também científica. Com efeito, as promessas não
realizadas pela dupla revolução do século XVIII – Revolução Industrial e Revolução Francesa –
acabaram por contribuir para que a dimensão científica – História – que as endossava, viesse a
sofrer abalos, e uma readequação na qual a dimensão estética ganhou terreno.
Usufruir da dimensão estética da consciência histórica, possibilitando a emergência de
espectadores cinematográficos ativos, como resultante da melhor aceitação da linguagem
cinematográfica da parte dos historiadores – menos exigências da obra fílmica no tocante às
exigências de verdade histórica – poderá oferecer boas soluções ao ensino da História como um
todo, para a EJA em particular, e para os Professores que nela atuam, em especial.
Referências Bibliográficas
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. 2.ed. Ensino de História: fundamentos e métodos.
2.ed. São Paulo: Cortez, 2008.
CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v.28, n. 55, 2008, p. 153 –208.
COSTA, Antonio Carlos Figueiredo. O cinema como recurso ao ensino da História: algumas notas
introdutórias à luz da Didática da História. In: NETO, José Maria Gomes de Souza; SILVA, Kalina
Vanderlei de Paiva (org.). Caminhos da Aprendizagem Histórica: Tecnologias da informação e
comunicação no ensino de História. Rio de Janeiro: Sobre Ontens/Leitorado Antiguo/UERJ, 2021,
p. 53-62.

FERREIRA, Rodrigo de Almeida. Luz, Câmera e História: práticas de ensino com o cinema.
Belo Horizonte: Autêntica, 2018.

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FRONZA, Marcelo. A interculturalidade na aprendizagem histórica dos jovens a partir da Teoria


da Consciência Histórica: perspectivas da Didática da História Alemã. In: SCHMIDT, Maria
Auxiliadora; FRONZA, Marcelo (orgs.). Consciência histórica e interculturalidade:
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ROSENSTONE, Robert A. History in Images/History in words: reflections on the possibility of


really putting history onto film in:The American Historical Review, v. 93, n.5, dec. 1988, pp.
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RÜSEN, Jörn. Razão histórica: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UNB, 2001.

RÜSEN, Jörn. Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã. Petrópolis: Vozes,
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