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SP 2: "A dengue ficou por aqui" serem capazes de causar doenças, assim como bactérias, fungos e protozoários, os vírus

podem ser considerados seres vivos.


1- Caracterizar a biologia viral (classificação, componentes, replicação e patogênese) De maneira geral, os vírus podem ser divididos entre vírus que infectam
bactérias — ou bacteriófagos — e vírus que infectam plantas e animais. Algumas diferenças
Os vírus são organismos subcelulares e, diferentemente de células, não são capazes de entre eles é que, nos vírus de animais, todo o vírion penetra a célula hospedeira, não apenas
produzir suas próprias proteínas nem de se reproduzir fora de uma célula hospedeira. Além o ácido nucleico, como no caso dos bacteriófagos, e que, como as células de plantas e
disso, eles diferem em vários outros aspectos em relação às células, nas quais ocorre a animais são eucarióticas, os vírus que infectam esses organismos, muitas vezes, replicam-se
presença de membrana lipoproteica, de organelas e a forma de replicação. Esses no núcleo da célula hospedeira, ao passo que os bacteriófagos se replicam no citoplasma,
organismos são classificados em ordens, famílias, subfamílas, gênero e espécie. Em relação visto que as bactérias não possuem núcleo.
à sua estrutura, os vírus apresentam como principais componentes o capsídeo, o ácido No caso de vírus que infectam humanos, a maioria dos que causam doenças importantes
nucleico e, em alguns casos, o envelope viral. possuem o ácido nucleico de RNA, como é o caso das doenças poliomielite, raiva, gripe,
Aspectos gerais dos vírus sarampo, ebola, entre outros. Ainda, a maioria possui RNA de fita simples, com exceção dos
Vírus podem ser definidos como organismos subcelulares que têm um ciclo de replicação retrovírus, que possuem RNA de fita dupla. Alguns exemplos de vírus de DNA são o herpes-
intracelular e não possuem metabolismo ativo fora de uma célula hospedeira. Isso significa vírus simples e o vírus varíola.
que os vírus não são organismos celulares, não podem se replicar de forma independente e, Existem quatro possibilidades de desfecho para os vírus de animais: lise da célula
ainda, não são capazes de produzir sua própria energia e suas próprias proteínas. Devido a hospedeira, causada por uma infecção virulenta; células hospedeiras não danificadas, como
essas características, os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, uma vez que ocorre nas infecções latentes, em que o vírus não é replicado; liberação do vírion por
precisam estar dentro de uma célula para se replicar. brotamento, na qual a célula hospedeira pode não ser lisada, como ocorre em alguns vírus
Uma partícula viral completa chama-se vírion, e é composta de uma capa protéica, chamada envelopados, durante uma infecção persistente; e, por fim, conversão de uma célula normal
de capsídeo, que circunda o cerne onde se encontra uma molécula de ácido nucléico, que em uma célula tumoral, no caso do processo de transformação.
pode ser de DNA ou de RNA. É importante ressaltar que os vírus possuem apenas um tipo Os vírus são classificados oficialmente de acordo com as normas do Comitê Internacional de
de ácido nucleico, ou seja, apenas DNA ou apenas RNA. Além disso, alguns vírus Taxonomia de Vírus (ICTV). Essa classificação deve basear-se nas seguintes características:
apresentam uma membrana externa denominada envelope. Os vírus também não possuem - Morfologia: referente a tamanho, forma, tipo de simetria estrutural do capsídeo, presença de
organelas, de forma que não possuem a maquinaria necessária para a síntese proteica e glicoproteínas, presença de envelope.
para a geração de ATP Para isso, os vírus necessitam da maquinaria metabólica da célula - Replicação e organização do genoma: diz respeito ao tipo de ácido nu-cleico que apresenta
hospedeira para se multiplicar. Dessa forma, o vírion é responsável por carregar o material (DNA ou RNA), forma de replicação, tamanho do genoma, número de fitas (simples ou
genético do vírus para dentro dupla), forma do ácido nucleico (linear ou circular), número e posição de sequências de
de uma célula hospedeira, leitura aberta (ORFs, do inglês open read frames), conteúdo de guanina-citosina no genoma
onde pode ser replicado e (porcentagem de bases nitrogenadas que são guanina ou citosina), características da
amplificado. Outra transcrição e da tradução, processamento pós-traducional, sítio de montagem, maturação e
característica importante que liberação da partícula viral.
difere os vírus dos demais - Propriedade das proteínas virais: relativo ao
organismos é seu mecanismo número, tamanho e atividade de proteínas
de replicação único, a partir estruturais e não estruturais, sequência de
do qual apenas um vírus aminoácidos, tipos de modificações (fosforilação,
pode produzir centenas de metilação e glicosilação), estrutura tridimensional
vírus. da proteína e atividades funcionais especiais
Ao considerar-se que, fora (transcriptase, neuraminidase).
das células hospedeiras, os - Propriedades de lipídeos e carboidratos: refere-
vírus são inertes, pode-se se à composição e ao teor de lipídeos e
dizer que eles não são seres carboidratos presentes.
vivos. Contudo, ao infectar - Propriedades físico-químicas: referente à massa
uma célula hospedeira, o molecular do vírion, densidade de flutuação,
ácido nucleico viral pode ser estabilidade e variações de pH e suscetibilidade a
replicado e traduzido em calor, íons divalentes, detergentes e radiação.
proteínas, apresentando, - Propriedades antigênicas: referente a relações
assim, características de sorológicas.
seres vivos. Além disso, por
- Propriedades biológicas: diz respeito à variedade de hospedeiros naturais, modo de ter todos os sítios antigênicos) a fim de
transmissão na natureza, distribuição geográfica, relações com vetores, patogenicidade, proteger o indivíduo totalmente.
tropismos, patologias e histopatológicas.
Características da replicação viral
Além da classificação descrita, o cientista David Baltimore (1971) propôs uma nova forma de A multiplicação viral é caracterizada por
classificação, baseada no tipo de ácido nucleico viral e no seu método de replicação. Assim, duas etapas principais, demonstradas na
os vírus são classificados em 7 grupos: Figura 1: o período de eclipse e o período
- Grupo I: vírus dsDNA - DNA de fita dupla e transcrição como em células, produzindo RNA de crescimento ou de maturação. Logo após
mensageiro (mRNA). Como exemplos, temos os adenovírus, herpesvírus e poxvírus. a interação com a célula do hospedeiro,
- Grupo II: vírus ssDNA - DNA de fita simples, cuja polaridade é a mesma do mRNA, ou seja, ocorre o período de eclipse, em que o vírion
positiva. Esse é o caso dos parvovírus. é rompido e perde sua infecciosidade
- Grupo III: vírus dsRNA (RNA de fita dupla). Exemplos dessa classe são os reovírus. detectável, visto que, como está dentro da
- Grupo IV: vírus (+)ssRNA - RNA de fita simples com polaridade positiva igual ao do mRNA. célula hospedeira, deixa de estar disponível
Como exemplo, temos os picornavírus e togavírus. para infectar outras células.
- Grupo V: vírus (-)ssRNA - RNA de fita simples com polaridade negativa, sendo Após esse período de síntese, os
complementar ao mRNA. Exemplos são os ortomixovírus e os rabdovírus. componentes virais se reorganizam, havendo o empacotamento do ácido nucleico no interior
- Grupo VI: vírus ssRNA-RT - RNA de fita simples de polaridade positiva que se replicam do capsídeo a fim de formar novos vírions, correspondendo ao período de crescimento ou
através de um intermediário de DNA, por meio da enzima transcriptase reversa. Como período de maturação. Esse ciclo pode gerar de algumas até mais de 100 mil partículas e
exemplo, temos os retrovírus. pode durar de 6 a mais de 40 horas.
- Grupo VII: vírus dsDNA-RT - DNA de fita dupla que se replicam através de um intermediário Durante uma curva de crescimento, o vírus ainda não pode ser detectado, visto que ele se
de RNA de fita simples. Um exemplo são os hepadnavírus. encontra apenas dentro da célula. Esse período, que é o conjunto do período de eclipse e do
período de maturação, chama-se período de latência, no qual os vírions recém-sintetizados
Estrutura dos vírus ainda não surgiram externamente à célula.
As principais estruturas que formam os vírus são: o capsídeo, o ácido nucleico viral, as
proteínas virais e, para alguns vírus, o envelope. O capsídeo é composto de pequenas Etapas do ciclo viral
subunidades proteicas que se organizam de forma energeticamente favorável em torno do O ciclo replicativo viral pode ser dividido em sete eventos principais: adsorção, penetração,
ácido nucleico, fornecendo proteção e rigidez. desnudamento, expressão gênica, replicação do genoma, montagem e liberação. Outra
Essa estrutura composta pelo ácido nucleico e pelas proteínas do capsídeo maneira de dividir essas etapas é em eventos precoces, correspondendo às três primeiras,
denomina-se nucleocapsídeo. A presença de subunidades proteicas similares faz com que eventos intermediários, que correspondem à expressão e à replicação, e, por fim, eventos
haja um arranjo simétrico entre elas e apresenta as vantagens de reduzir a necessidade de tardios, que dizem respeito à montagem e à liberação.
informação genética e favorecer a automontagem, sendo energeticamente favorável. Adsorção
A maioria dos vírus apresenta apenas uma cópia de ácido nucleico, ou seja, são haploides, Essa etapa é constituída pela ligação específica de uma glicoproteína viral a um receptor de
com exceção dos retrovírus, que são diploides. superfície da célula do hospedeiro. Essa ligação ocorre por ligações fracas não covalentes,
Por fim, temos as proteínas virais, que exercem várias funções importantes com o objetivo de as pontes de hidrogênio. Conforme dito anteriormente, a especificidade dessa ligação vai
facilitar a transferência do genoma viral de uma célula hospedeira para outra. Na superfície determinar o espectro de hospedeiros de um vírus, bem como o espectro de órgãos. Isso
dos vírus, existem proteínas que medeiam a ligação do vírus aos receptores na membrana da ocorre porque nem todas as células de um hospedeiro suscetível irão expressar as moléculas
célula do hospedeiro, e essa interação determina a especificidade de hospedeiros e de receptoras necessárias para a adsorção viral. Um exemplo disso é o poliovírus, que somente
órgãos e tecidos. Além disso, essas proteínas de superfície são antígenos que induzem a pode ligar-se a células do sistema nervoso central e do trato intestinal de primatas.
resposta inflamatória pela indução de anticorpos neutralizantes e ativação de células T Em geral, essa ligação com a célula do hospedeiro é irreversível, com
citotóxicas para combater as células infectadas. exceção dos ortomixovírus e de alguns paramixovírus, os quais podem ser eluídos da célula
Com base nos antígenos de superfície, pode-se categorizar os vírus em sorotipos, de forma por meio da ação de uma enzima viral. Geralmente, os receptores do hospedeiro são
que o vírus do sarampo, por exemplo, possui um sorotipo e os poliovírus possuem três glicoproteínas, mas, em alguns casos, os vírus podem ligar-se a sequências de proteínas,
sorotipos. Isso significa que o vírus do sarampo possui apenas um determinante antigênico como é o caso do picornavírus, ou a oligossacarídeos, como, por exemplo, os ortomixovírus e
que induz a resposta inflamatória no hospedeiro, ao passo que os poliovírus possuem 3 os paramixovírus.
diferentes determinantes antigênicos — o poliovírus possui um determinante antigênico, o Penetração
tipo 2 possui outro e o tipo 3 possui outro diferente dos demais. Assim, uma pessoa que seja Após a ligação do vírus na célula hospedeira, a partícula viral é captada para o interior da
imune ao poliovírus tipo 1 não necessariamente está imune aos demais tipos, de forma que célula. Esse processo pode ocorrer por três mecanismos: penetração direta, que envolve a
as vacinas para um vírus que possui mais de um sorotipo devem conter todos eles (para se translocação do vírus inteiro pela membrana citoplasmática da célula; endocitose, que ocorre
pela mediação de receptores, levando ao acúmulo de proteínas virais dentro de vesículas mecanismo de replicação diferente, utilizando um intermediário de RNA de fita simples. Já os
intracitoplasmáticas; ou fusão direta, em que o envelope viral se funde com a membrana vírus de DNA de fita simples replicam-se no núcleo da célula hospedeira, formando um
citoplasmática do hospedeiro. Esse último mecanismo envolve a interação de uma proteína intermediário de DNA de fita dupla no processo.
de fusão do vírus com um segundo receptor celular. Os vírus de RNA de fita dupla são pouco estudados, mas sabe-se que seus genomas são
Os vírus que apresentam envelope em sua estrutura podem fazer qualquer um dos três transcritos em capsídeos no citoplasma por meio de uma polimerase empacotada nesses
mecanismos, ao passo que os não envelopados fazem apenas penetração direta ou capsídeos.
endocitose. No caso dos vírus de RNA de fita simples de polaridade positiva, o pró-prio genoma já serve
Desnudamento como mRNA, visto que essa é a mesma polaridade do mRNA. Dessa forma, ao penetrar na
Essa etapa ocorre concomitantemente à penetração ou um pouco após essa etapa. O célula, o RNA viral encaminha-se para o ribossomo celular para ser traduzido. Alguns desses
desnudamento diz respeito à separação do ácido nucleico viral, a partir dos seus demais vírus possuem mRNA policistrônico, ou seja, seu mRNA é traduzido para mais de uma cadeia
componentes, havendo a liberação do genoma viral para sua expressão. O genoma viral polipeptídica, que, subsequentemente, será clivada, formando várias proteínas. Outros
pode ser liberado na forma desses vírus apresentam mRNA subgenômico, em que pequenos trechos do mRNA molde
de ácido nucleico livre ou são traduzidos, e têm diferentes mecanismos para a tradução de suas proteínas.
na forma de Os vírus de RNA de fita simples com polaridade negativa não podem ter seu genoma
nucleocapsídeo, em que traduzido diretamente, de modo que precisam estar associados a uma transcriptase viral, a
esse é conduzido próximo qual irá fazer com que a polaridade do RNA fique positiva. Por esse motivo, o genoma desse
ao núcleo da célula, onde o vírus sozinho não é considerado infeccioso. Tendo polaridade positiva, esse RNA pode ser
ácido nucleico penetra traduzido.
através do poro nuclear. Por fim, os retrovírus são aqueles que apresentam o genoma de RNA de fita simples e estão
Alguns vírus não são associados a uma DNA polimerase-RNA dependente, a enzima transcriptase reversa. Essa
totalmente desnudados, enzima transcreve o RNA viral em DNA, o qual passa a integrar-se no genoma da célula
como no caso dos reovírus, hospedeira.
pois a expressão do Após a síntese, o mRNA é traduzido pelos ribossomos da célula hospedeira, gerando
genoma só ocorre se ele proteínas precoces, que são enzimas necessárias para a replicação do genoma viral, e
estiver parcialmente proteínas tardias, que correspondem a proteínas estruturais da progênie viral. Uma das
revestido. Algumas vezes, proteínas precoces mais importantes é a polimerase, também chamada de replicase, que
o desnudamento precisa de replicará o genoma viral. Entretanto, como mencionado anteriormente, alguns vírus utilizam a
pH ácido no endossomo. polimerase da célula hospedeira para replicar seu material genético
Durante o desnudamento, Montagem e liberação
o vírus perde sua Antes de sair da célula, o vírus deve passar por uma fase de montagem. Para isso, o ácido
infecciosidade. nucleico viral deve ser empacotado dentro das proteínas do capsídeo. Os vírus não
Expressão e replicação envelopados podem ser montados tanto no citoplasma quanto no núcleo e dependem da lise
do genoma viral da célula para serem liberados. Já os vírus envelopados adquirem o envelope nas
A fase de síntese do ciclo de replicação viral, comentada anteriormente, ocorre após o membranas celulares, como membrana nuclear, citoplasmática ou de vesículas, e são
desnudamento. A replicação viral consiste na transcrição de RNAs mensageiros (mRNAs) liberados por brotamento (através da membrana) ou exocitose (através de vesículas). Assim,
específicos a partir do ácido nucleico viral. Após, a partir de componentes celulares, esses na maioria das vezes, esses vírus não causam a lise celular. As etapas exatas da montagem
mRNAs são traduzidos. Entretanto, nenhuma célula eucariótica possui uma enzima que faça dos vírus, no entanto, ainda não estão elucidadas.
a transcrição de RNA para mRNA, tanto no citoplasma quanto no núcleo, ou que transcreva Lisogenia
diretamente DNA em mRNA no citoplasma. Assim, os vírus possuem esses dois tipos de O ciclo biológico viral descrito anteriormente ocorre tanto em vírus que infectam animais e
enzimas virais, RNA polimerase-RNA dependente e RNA polimerase-DNA dependente. plantas quanto nos vírus que infectam bactérias, os chamados bacteriófagos ou apenas
A estratégia de replicação de cada vírus depende do tipo de ácido nucleico que ele possui. O “fagos”. Os fagos, entretanto, não passam pela etapa do desnudamento, pois, na fase de
Quadro 1 demonstra as diferentes estratégias utilizadas de acordo com a classificação de penetração, apenas o material genético viral é injetado para dentro da célula hospedeira.
Baltimore. Esse ciclo é conhecido como ciclo lítico. Porém, alguns vírus realizam o ciclo de replicação de
outra maneira,
Os vírus de DNA de fita dupla são encaminhados para o núcleo celular por meio do ciclo lisogênico. Nesse processo, o DNA viral integrado ao cromossomo da
e são transcritos utilizando as enzimas do hospedeiro para a formação do mRNA, o qual célula hospedeira, e nenhuma partícula viral é produzida nesse
será, posteriormente, traduzido. Entretanto, alguns vírus com esse tipo de ácido nucleico,
como é o caso da classe VII, possuem a enzima transcriptase reversa, apresentando um
momento. O termo “prófago” refere-se a um bacteriófago integrado, e o termo “conversão 2 - Descrever as barreiras naturais contra uma infecção viral
lisogênica” diz respeito às novas propriedades que uma bactéria adquire com a expressão
dos genes de um prófago integrado. Barreiras anatômicas e secreções de superfície
Antes mesmo do desenvolvimento de uma resposta imunológica antiviral específica, já na
Patogenia viral porta de entrada, os vírus precisam atravessar barreiras físicas e químicas inespecíficas.
A patogenia de um microrganismo diz Propriedades físico-químicas e estruturais de um tecido influenciam a estabilidade do vírus
respeito aos danos causados por em um determinado ambiente. A camada de células epiteliais, o muco, o pH, a temperatura e
infecções microbiológicas nos órgãos do a presença de proteases e de peptídeos antimicrobianos podem influenciar direta ou
hospedeiro. Isso depende da indiretamente (pela modulação de mecanismos da imunidade inata) a eficiência da replicação
patogenicidade desse microrganismo, que viral em um determinado sítio.
é a sua capacidade de infectar o O sistema respiratório apresenta como barreiras a camada de muco, o epitélio ciliado e a
hospedeiro e causar-lhe danos. As própria temperatura. Dessa forma, as infecções virais respiratórias estão normalmente
doenças virais apresentam as seguintes associadas a vírus envelopados, como vírus da influenza, vírus da parainfluenza, e vírus
características: muitas infecções virais respiratório sincicial humano (HRSV), que são mais estáveis nesse ambiente.
são subclínicas, ou seja, assintomáticas; O trato gastrointestinal é outro ambiente adverso à replicação de diversos vírus. As
uma doença pode ser causada por propriedades desses tecidos como o pH ácido, as proteases secretadas, sais de bile e muco
diferentes vírus; um único vírus pode são barreiras importantes. O envelope viral, por exemplo, é sensível à ação dos sais de bile,
causar diferentes doenças; a doença não de modo que a maioria das infecções desse tecido é causada por vírus não envelopados,
tem relação com a morfologia do vírus; e como os rotavírus. Por outro lado, alguns vírus podem utilizar as proteases presentes no trato
a evolução de uma doença depende de gastrointestinal para alterar o capsídeo externo ou envelope, expondo produtos da clivagem
fatores virais e do hospedeiro, tais quais a necessários para a infecção, o que favorece sua infecciosidade.
genética de ambos. Uma série de propriedades fisiológicas do sistema genital feminino também promove
Na patogenia das doenças virais, inicialmente, o vírus deve penetrar o proteção contra a infecção por diferentes vírus. Essas propriedades incluem o pH ácido, a
hospedeiro, entrar em contato com as células suscetíveis, replicar-se e presença de bactérias produtoras de peróxido de hidrogênio, o muco e as camadas da
causar a lesão celular. Dessa forma, a patogênese viral pode ser barreira epitelial. Hormônios sexuais também influenciam a suscetibilidade e a predisposição
dividida em sete etapas específicas: penetração do vírus no hospedeiro, a doenças, em parte por modularem a imunidade de mucosas.
replicação viral primária, propagação do vírus, lesão celular, resposta
Além dos fatores descritos, proteínas e peptídeos antimicrobianos (como as defensinas),
imunológica do hospedeiro, eliminação do vírus ou estabelecimento de
presentes em diferentes tecidos, também apresentam papel fundamental na defesa inata. As
uma infecção persistente e disseminação viral.
defensinas são pequenos peptídeos catiônicos produzidos por células epiteliais,
polimorfonucleares e até linfócitos, capazes de formar poros em membranas, podendo atuar
diretamente na partícula viral ou na membrana da célula infectada. Esses peptídeos podem
também participar da neutralização de partículas virais quando se ligam a carboidratos
envolvidos na interação com o receptor da célula hospedeira ou ao capsídeo de
determinados vírus, inibindo seu desnudamento.
3 -Compreender o mecanismo de agressão orgânica de uma infecção viral Ainda que as partículas virais permaneçam infecciosas ao passar de um hospedeiro para
outro, a infecção poderá não ser bem-sucedida devido à concentração insuficiente de
Introdução partículas.
O prefixo “pato” (do grego, pathos) significa sofrimento ou doença e é utilizado em diversos Local de entrada: O sucesso da infecção também depende da acessibilidade física das
termos para definir os processos envolvidos nas doenças, tais como: células na porta de entrada, da suscetibilidade (presença de receptores celulares) e da
•Patogênese ou patogenia: os dois termos são sinônimos e são utilizados para definir as permissividade (presença de produtos intracelulares necessários à replicação dos vírus).
etapas ou mecanismos envolvidos no desenvolvimento de uma doença. Defesa local do hospedeiro: Para iniciar a infecção, os vírus precisam dispor de
Virulência é uma palavra que vem do latim (virulentia) e pode ser usada de várias maneiras; mecanismos que lhes possibilitem contra-atacar as defesas do hospedeiro através de
em algumas situações, o termo virulento é usado como sinônimo de patogênico. Assim, são mecanismos passivos, ativos ou pela combinação de ambos. O padrão da infecção resultante
descritas variantes virulentas (ou patogênicas), capazes de causar doença, e variantes não é determinado pela cinética da replicação do vírus diante das defesas do hospedeiro. A
virulentas (ou não patogênicas) de um agente infeccioso. interação entre a ação do vírus e as defesas do hospedeiro é dinâmica. Haverá
Em outras circunstâncias, o termo virulência pode ser usado para expressar o grau de consequências distintas para vírus que replicam mais rapidamente ou lentamente,
patogenicidade; embora, por definição, um patógeno seja capaz de causar doença, alguns dependendo da intensidade da defesa do hospedeiro.
estão mais capacitados a causar doença que outros. Em alguns casos, certas variantes de Os mecanismos de evasão ativa das defesas do hospedeiro requerem a síntese de produtos
um determinado agente são mais virulentas que outras. gênicos virais. Provavelmente, os processos evolutivos possibilitaram o desenvolvimento de
Finalmente, o termo virulência pode ser usado em referência à gravidade da doença, o que mecanismos virais de evasão, modulação ou desarme das defesas do hospedeiro.
significa que um patógeno é mais virulento que outro se este for capaz de causar doença Alguns vírus podem evadir-se das defesas do hospedeiro de um modo passivo, em virtude de
mais grave. concentrações extremamente elevadas de partículas no inóculo. A passagem de vírus
através das barreiras físicas da pele e das mucosas pode ser possível pela existência de
Transmissão dos vírus na natureza: Os vírus somente são mantidos na natureza se cortes, abrasões ou perfurações de agulhas. Alguns vírus produzem infecções em sítios em
puderem ser transmitidos de um hospedeiro para outro, da mesma espécie ou não. A que as células não estão diretamente expostas à ação dos anticorpos ou linfócitos
transmissão dos vírus na natureza pode ocorrer de maneira horizontal, de um indivíduo para citotóxicos. Um rompimento mais marcante das defesas primárias e secundárias ocorre
outro da mesma espécie ou não; ou vertical, da mãe para o embrião/feto (esse processo durante o transplante de órgãos, o que coloca os vírus em contato direto com as células
pode ocorrer durante a gestação ou durante o nascimento). suscetíveis dos pacientes imunossuprimidos.
A transmissão horizontal pode ocorrer por diversos meios. São eles: Rotas de entrada dos vírus no organismo: Em geral, os vírus penetram nos organismos
•Contato: pode ocorrer diretamente de um indivíduo infectado para um hospedeiro suscetível pelo contato com as células nas superfícies do corpo. Os sítios de entrada comumente
por meio de contato sexual, saliva, contato direto com pele infectada, ou indiretamente por utilizados por vírus incluem as mucosas dos sistemas respiratório e urogenital, a conjuntiva, o
fômites (objetos) ou perdigotos (aerossóis de secreções respiratórias ou saliva) trato gastrointestinal e a pele.
•Veículo: água ou alimentos contaminados
•Vetores: os vírus podem ser transmitidos por meio de animais vertebrados ou invertebrados, Mucosas: As superfícies mucosas representam uma vasta área do corpo coberta por
sendo possível classificar os últimos em vetores biológicos (o vírus é replicado no vetor) ou barreiras epiteliais. Devido ao fato de as mucosas estarem em contato com o ambiente
mecânicos (o vetor apenas carreia o vírus). externo e, portanto, em contato frequente com antígenos estranhos, esses tecidos são
imunologicamente ativos. A maioria das células das mucosas envolvidas na defesa
Estabelecimento da infecção: Para garantir que a infecção seja bem-sucedida, é
imunológica está distribuída difusamente pelo tecido conjuntivo e é direta ou indiretamente
necessário que pelo menos 3 requisitos sejam atendidos: o inóculo viral deve ser suficiente
responsável por funções efetoras, tais como evitar a entrada de patógenos pela barreira
para iniciar a infecção; as células no sítio inicial da infecção devem ser acessíveis,
epitelial e destruir patógenos e/ou células infectadas, caso a invasão ocorra. Essas células
suscetíveis e permissivas ao vírus; e os mecanismos de defesa local do hospedeiro devem
efetoras incluem linfócitos B, linfócitos T citotóxicos (CTL) e células NK (natural killer). Além
estar ausentes ou ineficientes.
disso, macrófagos e células dendríticas presentes na mucosa fagocitam patógenos e
Inóculo viral: Esse requisito impõe uma barreira substancial à infecção e representa um elo resíduos macromoleculares, e também monitoram a mucosa para a detecção de antígenos
sensível na transmissão do vírus de um hospedeiro para outro. Partículas virais livres sofrem estranhos. A ação coletiva dessas células minimiza a invasão de patógenos e a infecção das
pressão de um ambiente hostil, além de uma diluição que reduz a sua concentração. Os vírus mucosas. A maioria dos eventos que induz a produção de resposta efetora ocorre em sítios
transmitidos por água contaminada precisam manter-se estáveis na presença de choque sentinelas das mucosas, que são caracterizados pela existência de tecidos linfoides
osmótico, alterações de pH e luz solar, e não devem se adsorver de modo irreversível a organizados, constituídos por folículos linfoides primários compostos de grupos de células B
resíduos contidos na água. Os vírus transmitidos por aerossóis devem permanecer imaturas e áreas adjacentes de células T. Acima de cada folículo existe uma região rica em
hidratados e em altas concentrações para infectar o próximo hospedeiro. Esses vírus são células B, células T e células dendríticas, que funcionam em estreita colaboração com a
transmitidos mais eficientemente em situações em que os indivíduos estão em contato barreira epitelial adjacente.
próximo. Diferentemente, os vírus transmitidos por insetos, contato com mucosas, ou outras
maneiras de contato, incluindo agulhas contaminadas, têm pouca exposição ao ambiente.
Nas mucosas dos intestinos, das tonsilas e adenoides, assim como nas submucosas das vias A mucosa do trato gastrointestinal é uma rota comum de entrada e disseminação de vírus. É
respiratórias superiores e no apêndice, existem folículos linfoides que são recobertos na face um ambiente extremamente hostil devido a acidez do estômago, alcalinidade do intestino,
luminal por um epitélio associado-folículo especializado, constituído, principalmente, por presença de sais biliares, enzimas digestivas, camada de muco, anticorpos da classe IgA e
células colunares absortivas e células M (células epiteliais membranosas). Estas últimas são células fagocitárias. Os vírus que infectam o organismo por essa rota são resistentes a
células epiteliais especializadas presentes somente no epitélio de folículos do tecido linfático extremos de pH, proteases e sais biliares. Os vírus que não apresentam essas características
associado a mucosas; são polarizadas e formam junções coesas que definem 2 domínios são destruídos quando expostos às condições do trato gastrointestinal.
plasmáticos principais: apical e basolateral. Sua principal característica é apresentar um Praticamente toda a superfície do intestino é coberta por células epiteliais colunares que
subdomínio incomum na membrana basolateral que amplifica a superfície celular e forma apresentam microvilosidades na superfície apical. Essa superfície ciliada, semelhante a uma
uma bolsa intraepitelial. Essa bolsa fornece um reservatório para subpopulações de linfócitos escova, em conjunto com uma superfície recoberta de enzima digestiva, glicolipídios, além de
B e T, células dendríticas e macrófagos intraepiteliais, assim como reduz a distância que os uma camada de muco, é permeável a eletrólitos e nutrientes, mas representa uma barreira
antígenos precisam transcorrer entre a face apical e a basolateral da barreira epitelial (Figura para microrganismos. No entanto, alguns vírus, tais como adenovírus, norovírus, rotavírus e
6.1). As células M são estrutural e funcionalmente especializadas no transporte e na astrovírus, dentre outros, são replicados eficientemente nas células do epitélio intestinal.
apresentação de antígenos e microrganismos ao tecido linfático. Endocitam e transferem O mecanismo pelo qual os vírus atravessam as barreiras fisiológicas do trato gastrointestinal
antígenos, por transcitose, para o tecido linfoide localizado abaixo do epitélio, onde o material e atingem as células suscetíveis ainda não está completamente esclarecido. Sugere-se que a
endocitado pelas células M na face luminal atravessa o citoplasma intacto e é transferido transcitose mediada pelas células M seria o mecanismo pelo qual alguns vírus teriam acesso
para a membrana basal e para o espaço extracelular. Contudo, o transporte de antígenos a tecidos profundos do hospedeiro a partir do lúmen do intestino.
realizado pelas células M tem desvantagens, pois alguns patógenos exploram essa Após atravessar a mucosa, os vírus podem invadir os vasos linfáticos e capilares do sistema
característica de promover a captura de antígenos para apresentar às células do sistema circulatório, facilitando a disseminação no organismo. No entanto, alguns vírus são replicados
imunológico, para ganhar acesso a tecidos mais profundos do organismo. nas células M e não são disseminados para os tecidos adjacentes.
Os vírus também podem invadir o organismo pela mucosa anal. É provável que as células M
Mucosa do sistema respiratório presentes no cólon facilitem a entrada desses vírus e sua invasão ao tecido linfático.
O sistema respiratório é, provavelmente, a rota mais comum de entrada dos vírus no
organismo. Existem vários mecanismos de defesa do hospedeiro que objetivam bloquear a Mucosa do sistema urogenital
infecção do sistema respiratório; no entanto, muitos vírus penetram no organismo através O sistema urogenital é bem protegido por barreiras fisiológicas, incluindo muco e pH ácido. A
dessa via, pelo contato com perdigotos (aerossóis) provenientes de tosse e espirro ou saliva atividade sexual pode resultar em abrasões no epitélio vaginal ou na uretra, possibilitando a
de indivíduos infectados. entrada de vírus que podem infectar o epitélio e causar lesões locais. Outros vírus ganham
Barreiras mecânicas desempenham papel importante na defesa contra infecções virais que acesso às células dos tecidos adjacentes e podem causar infecções disseminadas.
acometem o sistema respiratório, como a camada de células ciliadas que recobre o tecido
das vias respiratórias, células secretoras de muco (goblet cells) e glândulas subepiteliais Mucosa da conjuntiva
secretoras de muco. As partículas estranhas são capturadas pelo muco presente na cavidade A conjuntiva é constantemente lavada pela secreção ocular e pelo movimento das pálpebras.
nasal e no sistema respiratório superior, sendo deglutidas após serem carreadas para a Dessa forma, a possibilidade de ocorrer infecção viral através do olho é muito pequena, a
garganta, com o auxílio do movimento das células ciliadas. menos que haja abrasão da mucosa. A infecção viral no olho pode ocorrer durante
No sistema respiratório inferior, as partículas capturadas no muco também são carreadas procedimentos oftálmicos ou por contaminação do ambiente como, por exemplo, pela
para a garganta com o auxílio das células ciliadas. A porção mais baixa do sistema contaminação da água de piscinas. Na maioria dos casos, a replicação é localizada e resulta
respiratório inferior, os alvéolos, não contém cílios ou muco; contudo, apresentam na inflamação da conjuntiva. É rara a disseminação sistêmica do vírus a partir do olho,
macrófagos que são responsáveis pela fagocitose e pela destruição das partículas estranhas. embora possa acontecer (p. ex., doença paralítica após conjuntivite por enterovírus 70).
O tamanho da partícula é fundamental para o estabelecimento da infecção. Partículas
maiores não atingem as porções mais profundas dos pulmões, enquanto partículas menores Pele
de 5 μm alcançam os alvéolos. Dessa maneira, gotículas de suspensões infecciosas maiores A porção mais superficial da pele, a epiderme, é composta por várias camadas de células
ficam depositadas na cavidade nasal, enquanto gotículas menores alcançam os alvéolos. As epiteliais chamadas de queratinócitos. Essas células são produzidas nas camadas mais
partículas inaladas que chegam aos alvéolos são fagocitadas por macrófagos alveolares. A internas da epiderme (basal e germinativa) e sofrem queratinização ou corneificação durante
maioria dos agentes infecciosos é destruída por esses macrófagos; contudo, muitos sua migração para a superfície, dando origem à camada córnea, composta basicamente de
patógenos, incluindo vários vírus, conseguem escapar da destruição por essas células. queratina, que é responsável pela impermeabilização da pele. Além dos queratinócitos,
Uma vez que ocorra a infecção do sistema respiratório, esta pode ficar restrita ao epitélio do encontram-se na epiderme os melanócitos e as células de defesa imunológica (células de
sistema respiratório ou pode ser disseminada pelo organismo. Langerhans). Os queratinócitos proveem rígida e impermeável barreira à entrada de vírus.
Desse modo, os vírus só podem penetrar no organismo pelo rompimento da integridade da
Mucosa do trato gastrointestinal pele, produzindo lesões locais após penetração através de pequenas abrasões. Em geral, a
replicação é limitada ao local de entrada, porque a epiderme é destituída de vasos espalhamento local célula a célula ocorre no epitélio infectado, mas as partículas virais
sanguíneos ou linfáticos que poderiam facilitar a disseminação dos vírus. raramente invadem os vasos linfáticos e sanguíneos adjacentes. Por outro lado, a liberação
A epiderme está apoiada na derme, uma camada extremamente vascularizada. Muitos vírus dos vírus na membrana basolateral possibilita o acesso aos tecidos adjacentes e pode
podem ter acesso à derme por meio da picada de vetores artrópodes, tais como mosquitos, facilitar o espalhamento sistêmico.
ácaros ou carrapatos. Pode ocorrer ainda a inoculação viral mais profunda, no músculo
abaixo da derme, por meio de agulhas contaminadas instrumentos utilizados em tatuagens e Disseminação local pela superfície do epitélio
na colocação de piercings. Há também a penetração pelo contato sexual em que agentes Após a penetração dos vírus nas células do epitélio, ocorre a replicação com invasão das
infecciosos presentes em fluidos corporais penetram pelas abrasões ou ulcerações da pele. células vizinhas pelos novos vírus formados. Essa é a maneira de disseminação dos vírus
Infecções letais podem também ser adquiridas por mordida de um animal. Diferentemente da que causam infecção localizada na pele e nas mucosas. Os vírus que entram no corpo via
infecção localizada na epiderme, os vírus que iniciam infecção na derme ou tecidos trato gastrointestinal ou sistema respiratório também podem ser disseminados rapidamente
adjacentes podem atingir vasos sanguíneos, tecido linfático e células do sistema nervoso, pela superfície epitelial, com o auxílio do movimento mucociliar local.
com consequente disseminação para outros sítios do organismo. Disseminação pelos nervos periféricos
Muitos vírus se disseminam a partir do sítio primário da infecção por meio das terminações
Tropismo: Muitos vírus não são replicados em todos os tipos celulares do hospedeiro, nervosas locais. Para alguns vírus, a disseminação neural é a característica definitiva da sua
ficando restritos a algumas células específicas de certos órgãos. Tropismo é a capacidade do patogênese; para outros, a invasão do sistema nervoso é um desvio pouco frequente do seu
vírus para infectar alguns tecidos do hospedeiro e não outros; por exemplo, um vírus sítio de replicação e destino. Alguns vírus podem atingir o tecido cerebral por via
enterotrópico é replicado no intestino, ao passo que um vírus neurotrópico é replicado nas hematogênica; outros vírus ganham acesso ao sistema nervoso central via nervo olfatório ou
células do sistema nervoso. Alguns vírus são pantrópicos, infectando diversos tipos de oftálmico (Quadro 6.2). Nossa compreensão sobre os processos de locomoção das partículas
células e tecidos e sendo replicados neles. O tropismo é determinado pela existência de virais nas células do sistema nervoso é limitada. Aparentemente, os vírions entram nos
receptores celulares (suscetibilidade), assim como de constituintes intracelulares essenciais neurônios por meio dos mesmos mecanismos usados em outros tipos celulares. Como a
para a síntese viral (permissividade). Contudo, ainda que a célula seja suscetível e síntese de proteínas não ocorre nas células neurais, as partículas virais devem ser
permissiva, a infecção pode não ocorrer em virtude da dificuldade de o vírus interagir transportadas para o sítio de replicação. As evidências indicam que os vírions são
diretamente com o tecido (acessibilidade). Finalmente, a infecção pode não ocorrer ainda que transportados para os neurônios por meio dos sistemas de transporte celulares; no entanto,
a célula seja acessível, suscetível e permissiva, devido às defesas imunológicas inatas proteínas virais devem orientar a direção desse transporte.
presentes no local da infecção. A disseminação dos vírus no sistema nervoso pode ocorrer em um movimento centrípeto ou
retrógrado (das extremidades para o centro) ou centrífugo ou antirretrógrado (do centro para
Mecanismos de disseminação dos vírus pelo organismo as extremidades).
Os vírus podem permanecer localizados na superfície do corpo na qual penetraram ou Os vírus que infectam o sistema nervoso são chamados de neurotrópicos, e eles são, em
podem causar infecções disseminadas. Para uma infecção se espalhar para além do sítio geral, capazes de infectar grande variedade de tipos celulares. A replicação viral costuma
primário, é necessário ultrapassar as barreiras físicas e imunológicas. Após cruzar o epitélio, ocorrer em células não neurais com o subsequente espalhamento dos vírus para fibras
as partículas virais alcançam a membrana basal, comprometendo sua integridade pela nervosas aferentes ou eferentes no tecido infectado. Em determinadas circunstâncias, os
destruição das células epiteliais e pelo processo inflamatório. Abaixo da membrana estão os vírions podem entrar diretamente nos neurônios sem replicação prévia em células não
tecidos subepiteliais, nos quais os vírus encontram fluidos teciduais, sistema linfático e neurais; contudo, esse evento não é frequente. A menos que as partículas sejam injetadas
fagócitos. Todos apresentam papel importante na eliminação das partículas estranhas; diretamente no cérebro ou medula espinhal, invadam os neurônios olfatórios e oftálmicos ou
contudo, também podem disseminar os vírus a partir do sítio primário da infecção. infectem células ganglionares retinais, os primeiros neurônios a serem infectados são os
constituintes do sistema nervoso periférico.
Liberação direcionada das partículas virais Disseminação linfática
Um mecanismo importante para possibilitar o escape das defesas locais do hospedeiro e Os capilares linfáticos são consideravelmente mais permeáveis do que os capilares do
facilitar o espalhamento da infecção no organismo é a liberação direcionada das partículas sistema circulatório, facilitando a entrada de vírus. Como os vasos linfáticos, eventualmente,
virais pelas células polarizadas na superfície da mucosa. Os vírus podem ser liberados pela se juntam ao sistema venoso, as partículas virais na linfa têm livre acesso à circulação
face apical ou basolateral ou por ambas (Figura 6.2). sanguínea. Os vírus que entram nos capilares são transportados para os linfonodos, nos
Após a replicação, os vírus que são liberados por meio da face apical retornam ao ponto quais encontram células migratórias do sistema imunológico (macrófagos e linfócitos). Alguns
inicial da infecção, irão infectar células vizinhas ou serão eliminados do organismo. vírus são replicados nessas células e a progênie viral é liberada no plasma. A célula linfática
Contrariamente, as partículas virais liberadas da face basolateral das células epiteliais infectada pode também migrar do linfonodo local para sítios distantes do sistema circulatório.
polarizadas são protegidas dos mecanismos de defesa do lúmen; portanto, a liberação Disseminação pelo sangue (viremia)
direcionada é o principal determinante do padrão de infecção. Em geral, os vírus liberados na Os vírus que escapam das defesas locais podem chegar à circulação sanguínea e produzir
membrana apical estabelecem uma infecção localizada ou limitada. Nesses casos, o infecção disseminada. Entram na corrente sanguínea de diferentes maneiras: pelos capilares,
após replicação viral nas células endoteliais, por inoculação pela picada de um vetor ou por •Transferência das partículas virais por transcitose, para as células hepáticas em que serão
via iatrogênica. Uma vez no sangue, os vírus ganham acesso a todos os tecidos do replicadas e excretadas no ducto biliar
hospedeiro; assim, os vírus podem circular livres no plasma ou estar associados a leucócitos, •Replicação nas células de Kupffer e nas células endoteliais, seguida da infecção dos
plaquetas ou eritrócitos. Os vírus associados a leucócitos, geralmente linfócitos e monócitos, hepatócitos e excreção no ducto biliar.
não são eliminados tão rapidamente quanto os vírus que circulam livres no plasma, porque
estão protegidos da neutralização pelos anticorpos e outros componentes do plasma, Glomérulos renais, pâncreas, íleo e cólon
podendo ser carreados para tecidos distantes. Esses tecidos não possuem sinusoides e, portanto, os macrófagos não estão presentes. Para
O termo viremia designa presença de partículas virais infecciosas no sangue. A viremia ativa infectar tais tecidos, os vírus devem, a princípio, aderir às células endoteliais, geralmente dos
é produzida pela replicação do vírus, ao passo que a viremia passiva é resultado da capilares ou vênulas, em que o fluxo sanguíneo é lento e as paredes são menos espessas.
introdução das partículas virais no sangue sem que ocorra replicação no sítio de entrada (p. Como as células endoteliais não são muito fagocíticas, a adesão das partículas virais a essas
ex., inoculação de vírus por picada de mosquito ou agulha contaminada). A liberação de células depende da presença de receptores celulares. Para aumentar a chance de adesão, é
partículas virais no sangue após a replicação inicial no sítio de entrada se constitui na viremia necessário que as partículas estejam presentes em concentrações elevadas e permaneçam
primária. Em geral, a concentração de partículas virais durante a viremia primária é baixa; no em circulação por tempo suficiente. Uma vez que os vírus estejam aderidos à parede do
entanto, a infecção disseminada subsequente à viremia primária resulta na liberação de vaso, podem invadir rapidamente os glomérulos renais, pâncreas, íleo e cólon, porque a
grande quantidade de partículas virais e é denominada viremia secundária. junção das células endoteliais que recobrem os capilares, nesse caso apresenta brechas
Em mulheres grávidas, a viremia pode resultar na transmissão da infecção para o feto. Isso (fendas entre as células; junções frouxas), o que possibilita que os vírus ou a célula infectada
pode ocorrer por infecção direta da placenta e posterior invasão do tecido fetal, ou células atravessem para os tecidos adjacentes. Alguns vírus atravessam o endotélio dentro de
circulantes infectadas, tais como monócitos e linfócitos, que podem atingir a circulação fetal. monócitos ou linfócitos enquanto estão realizando o processo de diapedese.
A concentração de vírus no sangue é determinada pela velocidade de replicação nas células
permissivas e pela velocidade com que as partículas são liberadas e retiradas do sangue. As Sistema nervoso central, tecido conjuntivo, músculos esquelético e cardíaco
partículas circulantes são removidas por células fagocíticas do sistema reticuloendotelial no No sistema nervoso central (SNC), no tecido conjuntivo e nos músculos esquelético e
fígado, pulmões, baço e linfonodos. Os anticorpos específicos presentes no soro irão se ligar cardíaco, as células do endotélio capilar não apresentam brechas e são envoltas por densa
às partículas virais e neutralizá-las. A formação de complexos vírus-anticorpo facilita a membrana basal. No SNC, a membrana basal é a base para a barreira hematoencefálica.
captura por macrófagos. Os complexos vírus-anticorpo podem ser sequestrados em Contudo, não se trata apenas de uma barreira, mas de um sistema de permeabilidade
quantidades significativas nos rins, no baço e no fígado. seletiva. Em algumas partes do cérebro, o epitélio capilar apresenta brechas, e a membrana
basal é esparsa; esses sítios, altamente vascularizados, incluem o plexo coroide. Alguns
Invasão de outros tecidos vírus atravessam o epitélio capilar e invadem o estroma do plexo coroide, em que podem
Após a disseminação dos vírus pelo sangue, para que continuem sendo replicados, eles cruzar o epitélio e invadir o liquor por transcitose ou replicação e liberação direta no fluido
precisam invadir novas células e tecidos. Existem 3 tipos principais de junções tecido–vaso cerebroespinhal (ou liquor). Uma vez no liquor, a infecção se espalha para as células
sanguíneo que fornecem rotas de invasão tecidual. Em alguns tecidos, as células endoteliais ependimais que recobrem os ventrículos e os tecidos adjacentes ao cérebro. Outros vírus
estão associadas a uma densa membrana basal; em outros sítios, o endotélio contém podem infectar diretamente ou ser transportados pelo epitélio capilar. Alguns vírus
lacunas e, em outros, podem existir sinusoides nos quais os macrófagos formam parte da atravessam o endotélio dentro de células como monócitos e linfócitos. O aumento da
junção tecido–vaso sanguíneo. permeabilidade local do endotélio capilar, causado por certos hormônios, pode também
possibilitar a entrada de vírus no cérebro e medula espinhal.
Alguns vírus são replicados nos músculos cardíaco e esquelético ou no tecido conjuntivo.
Fígado, baço, medula óssea e glândulas adenoides
Ainda não foram elucidados os mecanismos pelos quais esses vírus invadem esses sítios
Esses tecidos são caracterizados pela existência de sinusoides (ou cavidades) recobertos por
pelo sangue.
macrófagos. Tais macrófagos, que pertencem ao sistema reticuloendotelial, funcionam
filtrando o sangue e removendo partículas estranhas. Essas células, frequentemente, Tecidos placentário, embrionário e fetal
constituem-se em uma porta de entrada para os vírus em vários tecidos. Os vírus costumam
A membrana basal é menos desenvolvida no embrião e no feto, podendo ocorrer infecções
infectar o fígado pelo sangue, resultando na infecção das células de Kupffer (macrófagos que
por invasão do tecido placentário e subsequente invasão do tecido embrionário ou fetal.
recobrem os sinusoides hepáticos).
Células circulantes infectadas, tais como monócitos, podem entrar na circulação embrionária
A interação dos vírus com as células hepáticas pode resultar em: ou fetal diretamente.
•Passagem de partículas virais para os sinusoides, sem serem fagocitadas
•Fagocitose e destruição das partículas virais Danos teciduais induzidos por vírus
•Replicação viral nas células de Kupffer Em última instância, os distúrbios das funções do corpo, que são observados como sinais e
sintomas das viroses, resultam do dano causado pelos vírus nas células. Esses danos podem
resultar da replicação viral nas células, das consequências da resposta imunológica ou de quando ocorre a replicação viral em sítios inacessíveis ao sistema imunológico ou quando a
ambas. replicação viral continua na presença de uma resposta imunológica inadequada. Esses
complexos não são removidos eficientemente pelo sistema reticuloendotelial e permanecem
Efeitos da infecção por vírus citocidas circulando na corrente sanguínea. Assim, são depositados nos pequenos capilares, causando
Eventualmente, a patogenia pode ser induzida pelo dano celular causado por um vírus lesões que são agravadas quando o sistema complemento é ativado.
altamente citocida. Um dos principais mecanismos de dano celular é a apoptose após a ▶ Imunossupressão induzida por vírus. A modulação da resposta imunológica por
infecção viral. Em outras ocasiões, proteínas virais induzem ou bloqueiam a apoptose, produtos virais pode variar de uma atenuação branda e específica até uma inibição drástica e
presumivelmente para favorecer a evolução do ciclo infeccioso e a produção de nova global da resposta. Alguns mecanismos imunossupressivos utilizados pelos vírus incluem:
progênie viral. infecção de células do sistema imunológico, desenvolvimento de tolerância após a infecção
A infecção viral também pode resultar na interrupção de processos essenciais para o fetal, interrupção de liberação de citocinas e produção de virocinas.
hospedeiro, tais como síntese de proteínas, síntese de ácido nucleico e transporte de ▶ Síndrome da resposta inflamatória sistêmica. Um fato importante da defesa imunológica
moléculas, fazendo com que a permeabilidade da membrana celular seja alterada. Outra contra as infecções virais é que quando a replicação viral atinge um determinado limiar, a
possível consequência é a difusão do conteúdo dos lisossomas no citoplasma, resultando na resposta imunológica é mobilizada e amplificada, resultando em uma resposta global. Em
autólise da célula. geral, essa resposta é bem tolerada e bloqueia rapidamente a infecção. A maneira como
O genoma celular também pode ser danificado diretamente pela infecção viral; por exemplo, esse limiar é determinado não está clara; entretanto, se o limiar for alcançado muito
a replicação dos retrovírus requer a inserção de cópias do DNA proviral em localizações rapidamente ou se a resposta imunológica não for proporcional à infecção, a produção e a
randômicas do genoma celular. Essas inserções podem afetar a expressão ou a integridade liberação de citocinas inflamatórias e mediadores de estresse, em larga escala, podem
de genes celulares. sobrecarregar e matar o hospedeiro infectado. Esse fenômeno costuma ocorrer em
Alguns efeitos patogênicos são indiretos. Nesse caso, a infecção viral não causa morte indivíduos muito jovens, malnutridos ou em pacientes cujos sistemas de defesa do organismo
celular, mas pode interferir com a síntese de moléculas importantes para a sobrevivência da encontram-se comprometidos sendo, às vezes, denominado de “tempestade de citocinas”.
célula. Por exemplo, quando o vírus da coriomeningite linfocítica é inoculado em ▶ Hiperativação do sistema imunológico por superantígenos. Superantígenos são
camundongos recém-nascidos, ele é replicado nas células da glândula pituitária que produz o proteínas que atuam como potentes mitógenos de células T. Essas proteínas se ligam às
hormônio do crescimento, reduzindo significativamente sua síntese – como resultado, o moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) do tipo II presentes nas
camundongo não se desenvolve e morre em pouco tempo. células apresentadoras de antígenos, e interagem com a cadeia Vβ do receptor de células T.
Em torno de 2 a 20% das células T expressam a cadeia Vβ em que os superantígenos se
ligam. Assim, em vez de serem apresentados ao receptor de células T, como peptídeos,
Imunopatologia
pelas moléculas de MHC classe II, os superantígenos se ligam à cadeia Vβ diretamente.
É possível que a resposta imunológica seja a única causa dos sintomas da doença em Como resultado, ocorrem a ativação e a proliferação de todas as subclasses de células T que
algumas infecções por vírus. Os danos causados pelo sistema imunológico são denominados expressam essa cadeia às quais os superantígenos se ligaram. Os superantígenos interferem
imunopatologias e podem representar o preço a ser pago pelo hospedeiro para eliminar a claramente com a coordenação da resposta imunológica e desvia as defesas do hospedeiro.
infecção viral. Para os vírus não citopatogênicos, é possível que a resposta imunológica seja Todos os superantígenos conhecidos são oriundos de agentes infecciosos; muitos são
a única causa da doença. A maioria das imunopatologias induzidas por vírus é causada por proteínas virais, como os produzidos pelo vírus do tumor mamário de camundongos (MMTV),
células T ativadas, mas há ex. de doenças provocadas por anticorpos ou resp. inata vírus Epstein-Barr (EBV) e citomegalovírus (HCMV).
exagerada.
▶ Mecanismos associados aos radicais livres. Dois radicais livres – superóxido (O2–) e
▶ Lesões causadas por linfócitos T citotóxicos (CTL). Ainda não está claro o mecanismo óxido nítrico (NO) – são produzidos durante a resposta inflamatória e podem ter um papel
pelo qual essas células causam danos ao organismo. Há evidências de que o dano tecidual importante na patologia induzida por alguns vírus. O superóxido é produzido pela enzima
possa ser consequência da citotoxicidade dos CTL. Essas células também podem liberar xantino-oxidase presente em fagócitos; por si só, não é tóxico para algumas células e vírus e
proteínas que recrutam células inflamatórias para o sítio da infecção, as quais liberam seu efeito deve resultar da formação de peroxinitrito (ONOO–) pela interação com o NO que
citocinas proinflamatórias. é produzido em abundância nos tecidos infectados por vírus durante a inflamação, como
▶ Lesões causadas por células TCD4+. Os linfócitos TCD4+ produzem mais citocinas que parte da resposta imunológica inata. Esse gás é capaz de inibir a replicação de muitos vírus.
os CTL, além de recrutarem e ativarem muitas células efetoras não específicas. Essa reação Enquanto baixas concentrações de NO apresentam um efeito protetor, concentrações
inflamatória é denominada hipersensibilidade tardia. Muitas das células recrutadas são elevadas ou produção prolongada têm o potencial de contribuir para a indução de danos
neutrófilos e células mononucleares, as quais causam danos teciduais. A imunopatologia é o teciduais. Embora o NO seja relativamente inerte, reage rapidamente com o O2– formando
resultado da liberação de enzimas proteolíticas, radicais reativos como peróxido e óxido ONOO–, o qual é mais reativo e pode ser responsável pelos efeitos citotóxicos nas células.
nítrico, e citocinas. ▶ Autoimunidade. Doenças humanas autoimunes são causadas por uma resposta
▶ Lesões causadas por células B. Quando ocorre replicação viral na presença de resposta imunológica direcionada contra tecidos do próprio hospedeiro. Uma das hipóteses para a
imunológica inadequada, acontece a formação de grandes quantidades de complexos vírus– autoimunidade induzida por vírus teoriza que alguns agentes virais dividam determinantes
anticorpo. Esses complexos acumulam-se em concentrações extremamente elevadas antigênicos comuns com os tecidos do hospedeiro. Essa teoria é denominada mímica
molecular. A infecção levaria à produção de uma resposta imunológica contra esses intestinal. Quando essa proteína é produzida em células de inseto e mamíferos, provoca
antígenos comuns, resultando na resposta autorreativa. Embora muitos peptídeos virais aumento da concentração de cálcio intracelular.
apresentem sequências comuns com proteínas humanas, ainda é difícil obter evidências
diretas que comprovem essa teoria. Evasão das defesas do hospedeiro
Determinantes genéticos de virulência viral Os mamíferos desenvolveram elaborados mecanismos de defesa para impedir as infecções
Os genes que afetam a virulência viral podem ser divididos em 4 categorias (alguns deles por vírus. Os vírus, por outro lado, desenvolveram mecanismos de contradefesa que os
podem ser incluídos em mais de uma categoria). Eles codificam proteínas que afetam a possibilitam continuar infectando mamíferos; tais mecanismos de contradefesa variam de
replicação viral; interferem com os mecanismos de defesa do hospedeiro; facilitam a simples a elaborados (Quadro 6.3). Um mecanismo comum é a parada da síntese de
disseminação dos vírus no hospedeiro e entre hospedeiros; e são diretamente tóxicos para a macromoléculas da célula rapidamente após a infecção, outro seria a produção rápida da
célula. progênie viral. A rápida parada da célula hospedeira impede a produção de interferon ou
▶ Produtos gênicos que afetam a replicação viral. Um requerimento primário para a outras citocinas requeridas para as funções da resposta imunológica inata e adaptativa. Esse
replicação de vírus de DNA é o acesso a grandes quantidades de desoxirribonucleotídeos mecanismo também interrompe a produção de moléculas de MHC classes I e II, necessárias
trifosfatados na célula, o que se torna uma limitação significativa para vírus que se replicam para o reconhecimento da célula infectada. A replicação rápida possibilita que os vírus
em células diferenciadas como os neurônios. Por outro lado, o genoma de muitos vírus de completem vários ciclos de produção de partículas antes que a resposta adaptativa seja
DNA codifica proteínas que alteram a síntese celular de maneira que sejam produzidos formada e quantidades suficientes de citocinas sejam produzidas para levar a célula a esse
substratos para a síntese de novos vírus. Outro mecanismo é a codificação de enzimas virais estado antiviral, e antes que a resposta adaptativa seja formada.Já foram identificadas mais
que funcionam no metabolismo de nucleotídeos e síntese de DNA, tais como timidino-cinases de 50 proteínas virais capazes de modular os mecanismos de defesas dos mamíferos para
e ribonucleotídeo-redutases. Mutações nesses genes frequentemente reduzem a controlar as infecções virais e para eliminar os vírus, uma vez que a infecção ocorra.
neurovirulência dos vírus herpes simplex pois esses mutantes não são replicados nos
neurônios ou em células incapazes de complementar essa deficiência. Interferência com a expressão de peptídeos e função das moléculas do complexo
▶ Sequências não codificantes que afetam a replicação viral. As variantes atenuadas principal da histocompatibilidade
utilizadas na vacina Sabin contra os poliovírus são exemplos de vírus com mutações em A resposta imunológica mediada pelos CTL representa uma ferramenta potente da defesa
proteínas não codificantes. Cada um dos três sorotipos virais presentes na vacina contém adaptativa do hospedeiro contra infecções virais. Essa resposta depende, em parte, da
uma mutação na região 5′ não codificante do RNA viral, o que impede a replicação dos vírus capacidade de as células T detectarem os antígenos virais na superfície da célula infectada e
no SNC. as eliminarem. Tal reconhecimento requer a apresentação de peptídeos virais por moléculas
▶ Produtos gênicos que modificam as defesas do hospedeiro. Os estudos de virulência de MHC de classe I (MHC I), por vias de produção e transporte de peptídeos virais
viral identificaram uma gama de proteínas virais que sabotam as defesas inata e adaptativa endógenos para a superfície da célula. As proteínas virais são degradadas por meio de
do hospedeiro. Algumas dessas proteínas virais são chamadas de virocinas (proteínas virais poliubiquitinização e processadas no proteossoma, em que são clivadas em pequenos
análogas de citocinas, de fatores de crescimento ou de reguladores imunológicos peptídeos de 8 a 10 aminoácidos. Esses peptídeos entram no retículo endoplasmático (RE)
extracelulares; aumentam a proliferação das células hospedeiras e a produção de vírus) ou pelas proteínas transportadoras de antígenos (TAP, transporters associated proteins). Dentro
virorreceptores (homólogos de receptores celulares para citocinas e quimiocinas, ou do RE, o sítio de ligação dos peptídeos nas moléculas de MHC I está inicialmente coberto por
homólogos de moléculas do sistema imunológico na superfície da célula). Mutações nesses uma chaperona, que é removida para possibilitar a ligação dos peptídeos virais. Em seguida,
genes podem afetar a virulência viral. os complexos peptídeos–MHC I são transportados do RE para a membrana citoplasmática
▶ Genes que facilitam a disseminação viral. Mutações em alguns genes virais podem dentro de vesículas do complexo de Golgi, onde, então, podem ser detectados pelos CTL.
afetar a disseminação dos vírus do sítio de inoculação para o órgão em que ocorre a doença. Todas essas etapas podem sofrer interferência de proteínas virais que agem interrompendo
Algumas proteínas virais têm sido implicadas em neuroinvasividade como, por exemplo, a ou retardando o processo por tempo suficiente, a fim de tornar possível a replicação viral.
glicoproteína D (gD) do vírus herpes simplex (HSV) tipo 1, que, ao sofrer a mudança de um O processamento inicial das proteínas virais pode ser interrompido pela estabilização da
único aminoácido, bloqueia a via neural para o seu espalhamento para o SNC. Outro proteína de tal maneira que esta não seja degradada no proteossoma. O HCMV codifica uma
exemplo é a proteína σ1 do capsídeo dos reovírus que reconhece o receptor celular e proteína de 72 kDa que, quando é expressada juntamente com a pp65 (outra proteína viral),
determina a rota de disseminação para o SNC, por via neural ou hematogênica. não ocorre a resposta mediada por CTL. A pp65 fosforila a proteína 72 kDa e, de algum
▶ Toxinas virais. Alguns produtos gênicos virais podem causar dano celular diretamente; no modo, impede que esta seja degradada pelo proteossoma.
entanto, a virulência é reduzida caso ocorram alterações nesses genes. O exemplo mais As TAP são também alvo da ação de proteínas virais. Por exemplo, a proteína US6 do HCMV
convincente de uma proteína viral com toxicicidade intrínseca relevante para a doença é a bloqueia o canal interno do transportador TAP na face luminal do RE, impedindo a entrada
proteína NSP4 dos rotavírus. A NSP4 é uma glicoproteína não estrutural que participa do dos peptídeos virais. A proteína ICP47 dos vírus herpes simplex (HSV) se liga à TAP pelo
processo de maturação da partícula viral. Ao ser administrada a camundongos jovens, a lado citoplasmático e bloqueia a entrada dos peptídeos no RE. A proteína UL49.5 do vírus
NSP4 atua como uma enterotoxina e desencadeia uma via de transdução de sinal na mucosa vaccínia (VV) inibe TAP por 2 mecanismos: causando alterações conformacionais neste
complexo ou degradando TAP no proteossoma. O vírus da imunodeficiência humana tipo 1
(HIV-1) também bloqueia o transporte de peptídeos do citoplasma para o RE por um vírus da caxumba, o vírus da parainfluenza humano tipo 3 (HPIV-3) e o vírus Nipah (NiV) –
mecanismo ainda não elucidado. produzem uma proteína (possivelmente a proteína V) que interfere com STAT1 (signal
O transporte da molécula de MHC I ligada ao peptídeo viral do RE para o complexo de Golgi transducer and activator of transcription 1).
é outro alvo das proteínas virais. As proteínas US11 e US2 do HCMV removem a molécula É descrito que a proteína US2 do HCMV promove a degradação de 2 componentes das
de MHC I do RE para o citoplasma, em que elas são degradadas no proteossoma e a moléculas de classe II no proteossoma, HLA-DR-α e HLA-DM-α, impedindo o
proteína US3 se liga às moléculas de MHC I, retendo-as no RE. A glicoproteína 19 k reconhecimento pelas células TCD4+. A proteína BZLF2 do EBV interage com as moléculas
codificada pela região E3 dos adenovírus (AdV) também retém as moléculas de MHC I no de MHC II no citoplasma e na superfície da célula, bloqueando a ativação de linfócitos
RE. TCD4+. A infecção pela estirpe KOS do HSV remove moléculas de MHC II de
Alguns peptídeos virais, tais como as proteínas K3 e K5 do herpesvírus humano tipo 8 (HHV- compartimentos de vesículas endocíticas. A proteína nef do HIV-1 reduz a expressão de
8), atuam como ubiquitino-ligases encaminhando as moléculas de MHC I para degradação MHC II na superfície da célula, possivelmente por interferir com a acidificação nas vesículas
nos lisossomas e impedindo sua expressão na superfície da célula. A proteína nef do HIV-1 endossomais, afetando a formação do complexo peptídeo-MHC II.
reduz a expressão das moléculas de MHC I, sequestrando-as da superfície celular e as Alguns vírus inibem a apresentação de antígenos pelo MHC II por indução de secreção de IL-
direcionando para os lisossomas onde serão destruídas. A proteína 3A do poliovírus inibe o 10 ou expressão de homólogos virais de IL-10, que podem reduzir a expressão de MHC II na
transporte vesicular das moléculas de MHC I. A proteína tat do HIV-1, a proteína E1A do AdV superfície celular retendo os complexos peptídeo-MHC II no MIIC (Quadro 6.5).
e a proteína E7 do vírus do papiloma humano (HPV) reprimem o promotor dos genes do
MHC I, interferindo com a transcrição de RNA mensageiros para a síntese das moléculas de Interferência com a atividade do sistema complemento
MHC I. A proteína Vpu do HIV-1 interfere nos estágios iniciais da síntese de MHC I, Células infectadas podem ser destruídas por meio do complemento, por uma via ativada
desestabilizando as moléculas recém-sintetizadas por um mecanismo ainda não elucidado. pelos anticorpos ligados aos antígenos virais na superfície da célula. A neutralização viral por
Nas vias de apresentação de antígenos exógenos, as proteínas são internalizadas e anticorpos também é amplificada pela ação do complemento. Os herpesvírus expressam
degradadas em peptídeos que podem se ligar a moléculas de MHC II presentes em células proteínas que interferem com a ativação do complemento como, por exemplo, os HSV, que
apresentadoras de antígenos (APC, linfócitos B, células dendríticas e macrófagos). No lúmen contêm a glicoproteína C(gC) na superfície da partícula que se liga ao componente C3b,
do RE as moléculas de MHC II se ligam a uma proteína denominada “cadeia invariante” (Ii, bloqueando o início da cascata do complemento. Os HSV também expressam um complexo
CD74) o que impede a ligação do MHC II com peptídeos endógenos presentes no RE e de proteínas (gE e gI), que apresentam receptor para a fração Fc da imunoglobulina. Esse
direciona a molécula para a via endocítica pelo complexo de Golgi e trans-Golgi para um sítio complexo liga-se à IgG pelo domínio Fc, bloqueando a ativação do complemento. O HCMV
denominado MIIC (MHC class II loading compartments). No MIIC, a cadeia Ii é degradada por também expressa proteínas que funcionam como receptor para Fc.
proteases, incluindo catepsinas S e L, deixando um fragmento conhecido como peptídeo de
classe II associado à cadeia invariante (CLIP = class II associated invariant chain peptide), Infecção de células do sistema imunológico
ligado à fenda da molécula de MHC II.
Alguns vírus infectam células do sistema imunológico como linfócitos e macrófagos. Além de
Os antígenos exógenos entram nas APC por endocitose e são internalizados em vesículas desempenharem papel direto nas defesas imunológicas, essas células também migram por
(endossomas). A redução do pH ativa proteases dentro do endossoma, levando à todo o organismo, facilitando o transporte desses vírus. A infecção lítica pelo HIV nos
degradação dos antígenos exógenos em pequenos peptídeos. Este endossoma irá fundir-se linfócitos T induz uma profunda imunossupressão, uma vez que essas células são
com as vesículas exocíticas contendo as moléculas de MHC II em subdomínios do MIIC em necessárias à produção da resposta imunológica. Da mesmo modo, o vírus do sarampo
que o CLIP será removido com o auxílio das moléculas de HLA-DM em pH ácido, infecta diversas células do sistema imunológico, incluindo linfócitos T e B, e monócitos,
possibilitando a formação do complexo peptídeo-MHC II, o qual será transportado para a resultando em uma imunossupressão que persiste por algumas semanas após a infecção.
superfície da célula, onde podem ser reconhecidos pelos receptores das células TCD4+. As Outros vírus infectam células T, células B, macrófagos ou outras células importantes para a
células TCD4+ helper (Th) ativadas estimulam os CTL e auxiliam a coordenar a resposta resposta imunológica. Além disso, a infecção do timo por vírus no início da vida de um
antiviral. Qualquer proteína viral que module a via de apresentação de antígenos pelo MHC II animal, quando o sistema imunológico ainda está se desenvolvendo, pode resultar em
irá interferir com a ativação das células Th. Muitos produtos virais modulam MHC II (Figura tolerância imunológica, que faz com que o vírus não seja reconhecido como um antígeno
6.4 e Quadro 6.4). estranho. Isso possibilita que o vírus estabeleça uma infecção que perdura para toda a vida.
Os vírus podem escapar da detecção pelas células TCD4+ por pelo menos 2 mecanismos;
um deles é a inibição da indução da expressão de genes do MHC II pelo bloqueio do sinal de
Redução da atividade das células natural killer
transdução do interferon-γ (INF-γ) e da expressão do transativador de moléculas MHC classe
II (CIITA, class II transactivator). O outro mecanismo é a inibição da via de apresentação de As células natural killer (NK) são as principais efetoras da resposta imunológica inata a
antígeno pelo MHC II por proteínas virais que afetam a estabilidade ou o ordenamento das infecções virais. A função das células NK é induzir a lise da célula infectada por meio da
moléculas de MHC II. liberação de grânulos citotóxicos, tais como perforinas e granzimas. A ação das células NK é
controlada pelo balanço dos receptores de ativação e inibição presentes nessas células As
Os poxvírus produzem proteínas (p. ex., T7, B8-R) que funcionam como homólogos solúveis
moléculas de MHC I se ligam em receptores na superfície das células NK, inibindo a
de receptores para IFN-γ (IFN-γR). A proteína BZLF1 do EBV reduz a transcrição do IFN-γR1
atividade dessas células. A redução da expressão de MHC I torna a célula infectada mais
e a proteína E1A do AdV inibe a transcrição de IFN-γR2. Alguns paramixovírus – tais como o
suscetível à lise pela ação das células NK. A redução da expressão de MHC I é um evento vacina contra o sarampo dura por longos períodos, enquanto a vacina contra a gripe deve ser
comum em infecções virais; nesse sentido, a célula infectada atuaria causando sua própria administrada anualmente.
destruição, promovendo assim um mecanismo de proteção. As alterações nas proteínas virais são denominadas variações antigênicas. Em um
Os vírus podem provocar a inibição das células NK por vários mecanismos. A inibição pode hospedeiro imunocompetente, as variações antigênicas ocorrem por 2 processos distintos: o
ser causada por: modificação da expressão de ligantes na superfície da célula infectada, seja primeiro é o surgimento de vírions com proteínas de superfície apresentando alterações
por aumento da expressão de ligantes de inibição, expressão de moléculas virais que antigênicas discretas (antigenic drift), após a replicação no hospedeiro natural; o segundo
mimetizam ligantes de inibição ou decréscimo da expressão de ligantes de ativação, inibição consiste em uma alteração mais drástica nos genes que codificam as proteínas de superfície,
de citocinas como IFN-γ ou IL-18, expressão de moléculas virais que competem com resultando na expressão de uma nova proteína (antigenic shift). Essa alteração drástica na
receptores de IL-18, sequestro intracelular de quimiocinas ou interferência com a liberação de composição do vírion resulta da coinfecção de um hospedeiro com dois sorotipos virais. Vírus
grânulos citotóxicos como perforinas e granzimas. Exemplos desses mecanismos são com genoma segmentado podem trocar segmentos, ou genomas correplicantes podem
mostrados na Figura 6.5. produzir genomas recombinantes, resultando em um vírion híbrido que pode
As células humanas estão protegidas da destruição pelas células NK primariamente pelas temporariamente escapar das defesas imunológicas.
moléculas de HLA-C e HLA-E. As células infectadas pelo HIV provavelmente também se ■Quasispecies
protegem da atividade das células NK, por um mecanismo de interferência com a expressão A mistura de variantes de um mesmo vírus presente em um hospedeiro, em um determinado
das moléculas do MHC I, reduzindo seletivamente a expressão de moléculas de HLA-A e momento, é denominada de quasispecies. Embora seja conveniente pensar nos vírus como
HLA-B, as quais são moléculas do MHC I de reconhecimento para a maioria dos CTL. Isso partículas homogêneas, isso não corresponde à realidade, uma vez que tanto a RNA
não afeta a expressão de moléculas HLA-C ou HLA-E. Dessa maneira, as células são polimerase quanto a DNA polimerase virais promovem erros, produzindo mutantes durante a
resistentes à lise mediada por células NK e, embora permaneçam sensíveis à lise por CTL, infecção. Em geral, a polimerase dos vírus de genoma de RNA apresenta uma precisão
essa sensibilidade está fortemente reduzida. menor que a enzima dos vírus de DNA. Dessa maneira, as mutações têm um peso maior na
■Variações antigênicas patogênese dos vírus de RNA em comparação com a dos vírus de DNA. No entanto,
Os hospedeiros que sobrevivem à infecção aguda tornam-se, em geral, imunes à infecção mutações têm papel importante na patogênese de qualquer vírus. A geração de uma
pelo mesmo vírus, por toda a vida, como ocorre, por exemplo, com o poliovírus e o vírus do população de quasispecies resulta de uma pressão seletiva complexa e intensa no
sarampo. Por outro lado, a infecção aguda causada por alguns vírus (p. ex., rinovírus e vírus hospedeiro, em que alguns vírions estão mais capacitados a escapar da resposta
da influenza) ocorre repetidamente, apesar da eliminação do vírus pelo sistema imunológico. imunológica que outros. A natureza dessa pressão seletiva e o potencial patogênico dos vírus
Os mecanismos responsáveis por reinfecções ainda não são completamente compreendidos, selecionados são determinantes importantes da patogênese viral.
mas as propriedades estruturais dos vírus e a capacidade dos anticorpos neutralizantes de ■Bloqueio da apoptose
bloquear a infecciosidade dos vírus são parâmetros críticos. Frequentemente, a infecção de células de animais por vírus resulta em apoptose celular,
Os vírus que conseguem tolerar diversas substituições de aminoácidos nas suas proteínas caso o vírus não a bloqueie. As células NK e os CTL induzem apoptose para a destruição das
estruturais e permanecem infecciosos apresentam o que se denomina plasticidade estrutural células infectadas. Contudo, a própria replicação viral, com frequência, induz a apoptose
(p. ex., HIV, vírus da influenza, rinovírus). Assim, os vírus que sofrem mutações não são celular. Para os vírus de replicação rápida, como a maioria dos vírus de genoma de RNA, a
completamente neutralizados pelos anticorpos já existentes no organismo, podendo acarretar apoptose parece não inibir a produção de vírus. Isso pode resultar no espalhamento mais
a reinfecção dos indivíduos que estão parcialmente protegidos. Por outro lado, alguns vírus rápido do vírus para as células vizinhas devido à lise celular e a um processo inflamatório
não suportam alterações indiscriminadas de aminoácidos (p. ex., poliovírus, vírus do mais discreto do que normalmente ocorreria, uma vez que a apoptose não induz inflamação.
sarampo, vírus da febre amarela), e é rara a ocorrência de mutações em genes que codificam Para os vírus de replicação mais lenta, como a maioria dos vírus de DNA, a apoptose
proteínas estruturais e que resultem na redução da capacidade de reconhecimento pelos prematura resulta em declínio significativo da produção de partículas virais. Dessa maneira,
anticorpos. muitos vírus desenvolveram mecanismos para inibir ou retardar a apoptose das células
Os princípios envolvidos na seleção e manutenção de partículas virais que escapam dos infectadas. A maioria desses mecanismos interfere na via de ativação das caspases ou
anticorpos durante a infecção natural ainda não são muito compreendidos. Por exemplo, os regula a atividade da proteína p53.
rinovírus apresentam uma plasticidade estrutural extraordinária com mais de 100 diferentes
sorotipos de rinovírus circulando na população, o que explica o fato de um indivíduo poder Produção de serpinas
sofrer vários episódios de resfriado por ano. O mesmo acontece com a gripe, porque os vírus Muitos poxvírus produzem proteínas que inibem a atividade das caspases (cisteíno-
da influenza sofrem mutações muito frequentemente, não sendo completamente proteases). Essas proteínas dos poxvírus são relacionadas com as serpinas (inibidores de
neutralizados pelos anticorpos. Por outro lado, os poliovírus que pertencem à mesma família protease) celulares, que são pequenas proteínas que servem como substrato para as serino-
dos rinovírus, por um motivo ainda não explicado, apresentam apenas 3 sorotipos. Contudo, proteases, mas que, permanecendo ligadas à protease após a clivagem, bloqueiam sua
essa propriedade garante que a vacina contra os poliovírus, que foi produzida nos anos 1950, atividade. As serpinas são importantes na regulação da resposta inflamatória e apoptose. As
continue apresentando a mesma eficácia. Isso também acontece com o vírus do sarampo e o serpinas dos poxvírus inibem as caspases possivelmente de maneira semelhante às serpinas
da febre amarela, que, por apresentarem poucas alterações nas sequências das proteínas do celulares: são clivadas pelas caspases, mas permanecem ligadas a elas com consequente
envelope, induzem uma proteção duradoura à reinfecção. Em consequência, a proteção da
bloqueio da sua atividade. Esses produtos virais provavelmente bloqueiam a apoptose Muitos vírus codificam produtos que especificamente interferem com a ativação da via da
induzida por qualquer via que requeira a ativação de caspases. proteíno-cinase dependente de RNA (PKR), que leva à interrupção da síntese de proteínas
Interferência com a sinalização do receptor Fas ou fator de necrose tumoral celulares. Isso sugere que essa via é importante para o controle das infecções por vírus.
Alguns poxvírus codificam uma proteína homóloga ao receptor (R) do fator de necrose Diversos mecanismos estão envolvidos: síntese de RNA competitivo que se liga à PKR, mas
tumoral (TNF). Essa proteína inibe a interação do TNF-α com o TNFR, impedindo a apoptose não a ativa (p. ex., adenovírus, EBV e HIV); síntese de produtos que sequestram RNA de
ativada via TNF-α. Os adenovírus produzem proteínas que antagonizam os efeitos do TNF-α. dupla fita (p. ex., vírus vaccínia e reovírus); produção de proteínas que se ligam à PKR e a
O vírus do molusco contagioso, um poxvírus, produz uma proteína similar à proteína celular impedem de fosforilar eIF-2α (p. ex., vírus vaccínia); e ativação de inibidores celulares ou
FADD (Fas-associated death domain), a qual se associa à caspase-8, recrutando-a para degradação de PKR (p. ex., vírus da influenza, poliovírus e HIV).
ativar os receptores Fas (também chamados CD95 ou APO-1) e TNF na superfície da célula, Interferência com vias de transdução de sinais
resultando na ativação da caspase-8. A proteína viral impede essa interação e consequente Adenovírus, EBV, e HBV codificam produtos que interferem com a transdução de sinal do
ativação da sinalização da caspase-8 por Fas e TNF. Alguns herpesvírus produzem proteínas receptor de interferon. Não estão esclarecidos os mecanismos pelos quais a transdução de
que interferem com a ativação da caspase-8 por interação com FADD em um mecanismo sinal é bloqueada.
semelhante ao vírus do molusco contagioso. Produção de proteínas de ligação a citocinas
Outro mecanismo de interferência com a ativação da apoptose por receptores Fas é a Alguns vírus codificam proteínas que mimetizam os receptores celulares que se ligam a
redução do número dessas moléculas na superfície da célula. Os adenovírus produzem uma citocinas. A maioria dessas proteínas virais é secretada pela célula na forma de proteínas
proteína que faz com que esses receptores sejam internalizados e degradados na célula. solúveis que neutralizam a atividade das citocinas, ligando-se a elas de maneira não
Produção de homólogos de Bcl-2 produtiva. Poxvírus, EBV, HCMV e HHV-8 são exemplos de vírus que produzem essas
A proteína celular Bcl-2 inibe a apoptose. Vários herpesvírus, adenovírus e o vírus da peste proteínas semelhantes aos receptores de citocinas e quimiocinas.
suína africana produzem homólogos da Bcl-2, os quais atuam como agentes antiapoptóticos. Secreção de virocinas
O EBV desenvolveu outro mecanismo para a inibição da apoptose, codificando uma proteína Alguns herpesvírus como o EBV e o HHV-8 produzem análogos de citocinas (IL-6, IL-10) ou
que estimula a produção celular da Bcl-2. quimiocinas, denominados virocinas. As IL-6 e IL-10 são necessárias para a proliferação de
Controle da concentração de p53 células B e, presumivelmente, servem para expandir essa população. As virocinas servem
Muitos vírus de DNA induzem a síntese de DNA celular, o que leva ao aumento da para atrair as células-alvo, uma vez que esses vírus infectam linfócitos B; além disso,
concentração de p53. Essa proteína antitumor tem papel central no controle do ciclo celular, desviam a resposta imunológica para uma resposta das células B auxiliada por células Th-2,
sendo que uma de suas funções é a de ativador da transcrição. A sua concentração é reduzindo a intensidade da resposta por CTL auxiliada por células Th-1. Dessa maneira,
controlada por uma rápida rotatividade do índice de produção/degradação e pela ativação, enquanto expande o número de células permissivas disponíveis para a infecção viral, essas
induzida pela própria p53, da transcrição de um gene celular denominado mdm-2, o qual virocinas também reduzem o número de CTL, controlando a população de células infectadas.
também requer interação com p300.
A proteína mdm-2 se liga à p53 e inibe a sua capacidade de atuar como fator de transcrição, ■Infecção de tecidos com vigilância imunológica reduzida
regulando assim sua própria síntese. Esse balanço é desestabilizado por vírus de DNA As células e órgãos do corpo diferem no grau de suas defesas imunológicas. Alguns tecidos
durante o processo de estimulação da célula para entrar na fase S, tornando possível o (p. ex., pele, glândulas, ductos biliares e túbulos renais) são expostos rotineiramente a
acúmulo da p53. Altas concentrações de p53 induzem apoptose, provavelmente como partículas estranhas e, em consequência, apresentam um limiar mais elevado para a ativação
resultado da sua atividade transcricional. Muitos vírus de DNA resistem à apoptose induzida das defesas imunológicas. O HCMV, por exemplo, é replicado na superfície luminal das
pela proteína p53 sequestrando-a ou interferindo com suas funções como ativador glândulas salivares e mamárias e ductos renais. Nesses tecidos, a vigilância imunológica é
transcricional, ou causando sua rápida degradação. Alguns herpesvírus, adenovírus, “frouxa”, o que torna possível a manutenção da infecção. Os vírus do papiloma são outro
papilomavírus e o vírus da hepatite B (HBV) apresentam esses mecanismos. exemplo desse mecanismo. A replicação desses vírus ocorre na camada externa
diferenciada da pele, não afetada pela resposta imunológica.
■Defesas virais contra citocinas e quimiocinas Certos compartimentos do organismo, tais como o SNC, o humor vítreo do olho e áreas de
As citocinas e quimiocinas são reguladores potentes das defesas inata e adaptativa. Em drenagem linfática, são destituídos de iniciadores e efetores da resposta inflamatória, visto
virtude de sua importância na regulação da resposta imunológica e devido ao seu potencial que esses tecidos podem ser danificados pelo acúmulo de fluido, inchaço e desbalanço
efeito contra a infecção viral, muitos vírus desenvolveram mecanismos de interferência nas iônico, que caracterizam a inflamação. Além disso, como a maioria dos neurônios não se
atividades dessas defesas. Isso inclui a codificação de homólogos ou análogos de citocinas e regenera, uma defesa imunológica com base na morte celular é certamente prejudicial.
quimiocinas, ou de seus receptores. Pelo fato de as interações das citocinas e quimiocinas Padrões de infecção
serem complexas, as vias pelas quais os produtos virais induzem seus efeitos não são Em geral, as infecções naturais podem ser rápidas ou autolimitadas (infecções agudas) ou de
compreendidas com frequência. Os vírus também produzem proteínas que inibem aspectos longa duração (infecções persistentes); podem ocorrer variações e combinações desses dois
específicos da resposta inata, induzidos por citocinas. modelos.
Evasão do estado antiviral ■Infecções agudas e infecções inaparentes
O termo infecção aguda indica a produção rápida de vírus, seguida da resolução e eliminação •Expressão do ciclo viral produtivo ausente ou ineficiente
rápida da infecção pelo hospedeiro. Essas infecções são relativamente passageiras e, em um •Reconhecimento da célula contendo o genoma viral latente pelo sistema imunológico
hospedeiro saudável, as partículas virais e as células infectadas são completamente ineficiente
eliminadas pelo sistema imunológico em poucos dias. Uma infecção aguda é uma estratégia •Persistência do genoma viral intacto, podendo, eventualmente, iniciar uma infecção aguda
eficiente de manutenção de alguns vírus, visto que sua progênie estará disponível para produtiva, garantindo a disseminação da progênie para um novo hospedeiro.
infectar outro hospedeiro antes de a infecção ser debelada.
As infecções agudas são frequentemente associadas a grandes epidemias, afetando milhões O genoma latente pode ser mantido integrado ou não ao genoma da célula hospedeira. A
de indivíduos anualmente (p. ex., dengue, gripe, sarampo). A natureza de uma infecção manutenção do genoma viral latente é notável por sua estabilidade, o que requer um balanço
aguda impõe dificuldades para médicos, epidemiologistas, indústrias farmacêuticas e órgãos entre a expressão de genes reguladores virais e celulares. Em geral, um pequeno número de
de saúde pública, pois, no momento em que as pessoas adoecem ou produzem uma produtos virais é produzido durante a infecção latente; contudo, os vírus latentes devem
resposta imunológica detectável, os vírus já foram disseminados para outro hospedeiro. Pode apresentar mecanismos de reativação de maneira que tais vírus possam disseminar-se para
ser difícil diagnosticar essas infecções restrospectivamente ou controlá-las em grandes outros hospedeiros. A reativação geralmente decorre de traumas, estresse ou outras
populações ou ambientes superlotados (p. ex., creches, acampamentos militares, dormitórios, agressões.
abrigos, escolas e escritórios). ■Infecções abortivas
As infecções agudas não resultam, necessariamente, em doença, podendo ocorrer de modo Infecção abortiva é aquela em que o vírus infecta um hospedeiro ou uma célula suscetível,
inaparente ou assintomático. Nesse caso, há a produção suficiente de vírus para sua mas a replicação não se completa, geralmente pelo fato de um gene viral ou celular essencial
manutenção na população, mas a quantidade está abaixo da requerida para a produção de não ser expresso. Desse modo, a infecção abortiva é não produtiva; no entanto, essa
sintomas no hospedeiro. Na verdade, as infecções virais inaparentes são bastante comuns e infecção não é necessariamente ignorada ou benigna para o hospedeiro infectado. A
podem funcionar como fonte de infecção na população. Essas infecções são reconhecidas interação do vírus com proteínas da superfície da célula, seguida do desnudamento da
pela presença de anticorpos vírus-específicos sem qualquer registro de doença. partícula, pode induzir danos na membrana, desarrumação de endossomas, ou ativar vias de
A resposta imunológica inata limita e controla a maioria das infecções agudas. Em sinalização que causam apoptose e produção de citocinas. Em algumas situações, células
consequência, essas infecções são desastrosas para indivíduos cujas defesas iniciais estão sofrendo infecção abortiva não são reconhecidas pelo sistema imunológico, e o genoma viral
comprometidas, principalmente pelo fato de as partículas virais não permanecerem pode persistir por todo o tempo de vida da célula. Em alguns casos, a infecção pode
localizadas no sítio primário da infecção, sendo amplamente disseminadas. Em uma infecção prosseguir por tempo suficiente para que os CTL reconheçam a célula infectada. Essa
primária, a resposta imunológica adaptativa não influencia a replicação do vírus por vários infecção, possivelmente, pode induzir a produção de interferon e resposta inflamatória, que
dias, mas é essencial para a eliminação final do vírus e células infectadas. A resposta podem ser danosas para o hospedeiro se um número suficiente de células estiver envolvido.
adaptativa também fornece memória para a defesa contra exposições subsequentes. ■Transformação celular
■Infecções persistentes A transformação celular é um tipo especial de infecção persistente. Uma célula infectada com
Ao contrário das infecções agudas, as infecções persistentes não são eliminadas certos vírus de DNA e também alguns retrovírus pode exibir propriedades de crescimento
rapidamente pela resposta imunológica adaptativa, e as partículas ou produtos virais alteradas e começar a proliferar mais rapidamente que células não infectadas. Em algumas
continuam sendo produzidos por longos períodos. As partículas infecciosas podem ser infecções, essas mudanças são acompanhadas pela integração do genoma viral ao genoma
produzidas contínua ou intermitentemente por meses ou anos. Em algumas situações, o celular. Em outras situações, a replicação é coordenada pela célula. As partículas virais
genoma viral permanece por longos períodos na célula infectada, mesmo depois de cessar a podem não mais ser produzidas; no entanto, parte ou todo o seu material genético
detecção das proteínas virais. Existem 3 tipos de infecções persistentes: crônica, em que o geralmente persiste. Esse padrão de infecção persistente causa alteração no comportamento
vírus é continuamente replicado e excretado; lenta, em que ocorre um longo período entre a da célula que leva à transformação celular, podendo progredir para o câncer.
infecção aguda primária e o surgimento dos sintomas, havendo produção contínua de vírus
durante esse período; e latentes, na qual o vírus persiste em uma forma “não infecciosa”, ▶Períodos de infecção
com períodos intermitentes de reativação. Os períodos de infecção são designados de acordo com a etapa da doença. Desse modo,
Muitas doenças cerebrais fatais, caracterizadas por ataxia ou demência, derivam de um tipo temos:
extremo de infecção persistente lenta. O período entre o contanto inicial com o agente •Período de incubação: período compreendido entre o início da infecção e o aparecimento
infeccioso e o surgimento de sintomas pode ser de vários anos. Uma vez que surgem os dos primeiros sintomas característicos da doença
sintomas, a morte geralmente ocorre rapidamente. Alguns vírus, como o do sarampo, o •Período prodrômico: o indivíduo apresenta sintomas clínicos generalizados e inespecíficos
JCPyV, o HIV e o HTLV, podem estabelecer infecções lentas com patogênese grave do (p. ex., febre, mal-estar, cefaleia...) e esses sintomas antecedem aqueles característicos da
sistema nervoso nos estágios finais da doença. Em muitos casos, a infecção persistente doença
ocorre em compartimentos periféricos sem nenhum efeito aparente, e apenas afeta o cérebro •Período da doença: o indivíduo apresenta os sintomas característicos associados à doença
depois de muitos anos.
•Período de infecciosidade: o indivíduo infectado permanece excretando e transmitindo o
As infecções persistentes latentes podem ser caracterizadas por 3 propriedades gerais: vírus
•Período de convalescença: período durante o qual o paciente se recupera. O período de incubação é o tempo entre o momento em que alguém se infecta pela
doença, até o patógeno iniciar sua replicação (e a pessoa tornar-se infecciosa também).
▶Excreção do vírus pelo organismo Neste período não há doença e o hospedeiro não manifesta sintomas, pois todo o processo
O último estágio da patogênese é a excreção do vírus infeccioso, necessário para a está acontecendo no âmbito celular.
manutenção da infecção na população. A excreção, normalmente, ocorre por uma das O organismo infectado entra em contato com o agente agressor através dos glóbulos de
superfícies do corpo envolvidas na entrada do vírus. No caso das infecções localizadas, a defesa que tentarão reconhecê-lo e preparar o combate à doença, ou eliminar o intruso
mesma superfície está envolvida na entrada e na saída do vírus. Em infecções através dos anticorpos que porventura tenha armazenado em seus linfócitos por uma
generalizadas, uma variedade de tipos de excreção está frequentemente envolvida. infecção anterior do mesmo agente ou pelo uso da vacina específica. No caso de uma
▶ Secreções respiratórias. Os vírus que causam infecções localizadas no sistema doença esse período pode variar para cada pessoa, daí o motivo de existir um intervalo de
respiratório, por exemplo, o vírus da influenza e o vírus respiratório sincicial, são liberados no alguns dias conhecidos para cada doença. Para muitas doenças este período não é
muco e na saliva, e excretados do organismo por meio da tosse, do espirro e da fala. Em conhecido.
várias infecções sistêmicas, tais como na rubéola, na caxumba e no sarampo, os vírus https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/sobre-o-periodo-de-incubacao-da-doenca-e-suas-
também são excretados pelo sistema respiratório. relacoes-com-a-quarentena/
▶ Fezes. Todos os vírus que infectam o trato gastrointestinal são excretados nas fezes e
Síndrome respiratória aguda grave (SARS)
podem poluir o ambiente, provocando epidemias pela contaminação da água e alimentos.
A síndrome respiratória aguda grave (SARS, do inglês Severe Acute Respi-ratory Syndrome)
São exemplos de vírus excretados pelas fezes os vírus das hepatites A (HAV) e E (HEV) e os
é causada por um coronavírus, que é um vírus envelopado com genoma de RNA de fita
rotavírus.
simples positiva não segmentada (Figura 1). Essa foi a primeira doença infectocontagiosa
▶ Pele. Muitos vírus são replicados na pele e as lesões induzidas por estes contêm emergente do século XXI e, também, a mais grave. A SARS surgiu no sul da China, em 2002,
partículas infecciosas que podem ser transmitidas a outro hospedeiro. Em geral, a e o vírus foi encontrado em diversas espécies de animais silvestres. Depois disso, o vírus se
transmissão da infecção ocorre por contato direto. Vírus transmitidos por essa rota incluem os disseminou por 29 países. A epidemia foi controlada por meio de medidas públicas,
poxvírus, HSV, vírus da varicela-zoster e os papilomavírus. coordenadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em julho de 2003, foi oficialmente
▶ Sistema genitourinário. É importante rota de excreção para vírus transmitidos por via declarado que a epidemia havia terminado, evitando, assim, uma pandemia.
sexual como HIV, HSV, HPV e HBV. Alguns vírus são excretados na urina (virúria) e também Aproximadamente 8 mil pessoas foram infectadas e, dessas, 10% vieram a óbito.
podem contaminar o ambiente e, eventualmente, infectar outros hospedeiros como, por O período de incubação da doença é de 2 a 11 dias, com uma média de 4,6 dias. Sintomas
exemplo, HCMV, vírus da caxumba, hantavírus e arenavírus. precoces incluem sintomas similares à gripe, como mal-estar, dor de cabeça e febre. A
▶ Leite materno. Vários tipos de vírus são excretados no leite, o que pode servir como rota maioria dos pacientes apresenta tosse e poucos apresentam coriza. Ao redor do quinto dia,
de transmissão como, por exemplo, HCMV, HBV, HIV e HTLV. muitos pacientes apresentam falta de ar após esforço físico. Exames de raio X indicam
▶ Sangue. O sangue é uma fonte importante para a veiculação de vírus pelos artrópodes e opacidade nos pulmões, demonstrando a presença de exsudato intersticial e alveolar. Alguns
também serve como rota de transferência de vírus para o embrião ou o feto, transmissão de pacientes também apresentam diarreia, e crianças afetadas apresentarão sintomas e curso
vírus por transfusão sanguínea ou por agulhas e seringas contaminadas. clínico moderados. Dentre os achados clínicos laboratoriais, linfopenia e trombocitopenia
foram comuns, bem como aumento de lactato desidrogenase e das aminotransferases. Além
Oliveira, S.N.S. D.; Villela, R.M. T.; Dutra, W. M. Virologia Humana, 3ª edição. [Digite o Local da Editora]: disso, o aumento da lactato desidrogenase foi um preditivo de mortalidade.
Grupo GEN, 2015. 978-85-277-2737-2. Disponível em: As proteínas virais ligam-se à célula humana pela enzima conversora de angiotensina I (ACE
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-277-2737-2/. Acesso em: 2021 set. 17. 2), que é expressa em diversos tecidos, como pulmões, intestino, testículos, rins, endotélio e
coração. A infecção de pneumócitos e a indução da resposta imune pelo vírus são
responsáveis pela lesão pulmonar.

Síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS)


A glicoproteína S do vírus interage com o receptor celular dipeptidil peptidase 4 (DPP4) do
hospedeiro, realizando a adsorção e a penetração na célula. Células respiratórias infectadas
sofrem apoptose após 24 horas da infecção.
Clinicamente, o vírus causa infecção no trato respiratório, que pode variar em
severidade — desde moderada até infecção respiratória fulminante. A apresentação clínica é
similar à SARS, com sintomas não específicos como febre e tosse moderada na primeira fase
4 - Descrever o período de incubação dos diferentes vírus e o motivo das variações da doença, seguida por pneumonia progressiva.
temporais das manifestações clínicas
Influenza
Os vírus influenza são vírus envelopados de genoma segmentado e são hemorragia. O extravasamento plasmático é caracterizado por taquicardia e hipotensão,
classificados em influenza A, B e C. Os tipos B e C infectam, principalmente, humanos, ao podendo levar a choque. Características hemorrágicas incluem petéquias, lesões púrpuras,
passo que o influenza A afeta várias espécies de aves e mamí-feros, incluindo humanos, equimoses, epistase, sangramento gengival, entre outros. Achados laboratoriais mostram
porcos e aves. Esses vírus aderem à célula do hospedeiro por meio da ligação da proteína trombocitopenia e aumento do hematócrito devido ao extravasamento de plasma. A duração
viral hemaglutinina em resíduos de ácido siálico das células do hospedeiro. do choque é de 24 horas, levando à morte do paciente ou à sua recuperação.
As características epidemiológicas e clínicas de infecções por influenza variam de acordo
com o vírus. Alguns sintomas comuns são febre, dor de cabeça, mal-estar, dor muscular, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS)
tosse, coriza e dor de garganta. A transmissão ocorre por meio de gotículas de secreções O HIV possui um nucleocapsídeo em formato cônico formado por uma proteína chamada de
respiratórias, como produtos de tosse e espirro. p24. Além disso, o vírus possui as enzimas transcriptase reversa, integrasse e protease. O
vírus é envelopado e seu genoma é de duas cópias de RNA de fita simples de polaridade
Ebola positiva. O HIV liga-se à célula do hospedeiro por meio da proteína gp120 do envelope com a
O vírus ebola foi inicialmente introduzido na população humana pelo con-tato próximo com molécula CD4 dos linfócitos T auxiliares e de macrófagos do hospedeiro.
fluidos corporais de animais infectados. Foi documentado o surto de ebola após o manuseio A doença caracteriza-se por seis estágios principais: fase aguda; fase assintomática ou de
de chimpanzés, gorilas, antílopes, morcegos e porcos-espinhos infectados. A transmissão de latência; fase sintomática inicial; fase sintomática intermediária; fase sintomática tardia e
humano para humano pode ocorrer pelo contato com sangue, secreções, órgãos ou outros infecção avançada.
fluidos corporais de pessoas infectadas.
A doença é severa e aguda, com apresentação de febre repentina, seguida de 2 a 3 dias de Febre chikungunya
sintomas não específicos, como febre, dor de cabeça intensa, dor muscular, fraqueza e dor O vírus possui um genoma de RNA de fita simples de polaridade positiva e é envelopado.
de garganta. Após, seguem-se 2 a 4 dias de dor de garganta severa, dor abdominal e O CHIKV é transmitido por mosquitos do gênero Aedes, especificamente Aedes aegypti e
torácica, erupções cutâneas no tronco e nos ombros, diarreia, vômito, funções renal e Aedes albopictus. Evidências apontam que o vírus infecta células estromais no sistema
hepática comprometidas e, em alguns casos, hemorragia interna e externa. Nessa fase, os nervoso central e replica-se na pele, propagando-se para o fígado e para as articulações.
achados laboratoriais incluem baixa contagem de glóbulos brancos e plaquetas, com Células epiteliais, endoteliais, fibroblastos e macrófagos são suscetíveis à infecção. A
aumento de enzimas hepáticas. Em casos terminais, os últimos 2 a 4 dias apresentam replicação viral está associada com a apoptose da célula hospedeira.
hemorragia, soluço, sonolência, delírio e coma. O período de incubação pode variar de 2 a 21 Os sintomas da doença incluem febre acima de 38,5 graus e intensas dores nas articulações
dias. dos pés e das mãos, bem como dores de cabeça, dores musculares e manchas vermelhas.
A glicoproteína viral do envelope liga-se ao endotélio do hospedeiro, a neutrófilos e a Aproximadamente 30% dos casos são assintomáticos.
macrófagos ou monócitos. O dano celular gera a resposta inflamatória que leva à febre e, no O período de incubação da doença varia de dois a quatro dias. Inicialmente, ocorre febre com
endotélio, leva a dano na integridade vascular. duração aproximada de dois dias, que se encerra abruptamente, em seguida. Acompanham
astralgias, mialgias e cefaleias, havendo, em alguns casos, também vômitos, conjuntivite,
Dengue diarreia e ingurgitamento ganglionar.
O vírus da dengue pertence à família Flaviviridae. A maioria dos vírus pertencentes a essa
família são transmitidos por artrópodes. Existem quatro tipos diferentes de sorotipos virais Febre zika
para a dengue e, por isso, uma pessoa pode ser sequencialmente infectada por diferentes Assim, o ZIKV possui um genoma de RNA de fita simples de polaridade positiva e é
subtipos da dengue. O vírus da dengue é envelopado, possui simetria icosaédrica e seu envelopado. A proteína E do envelope viral possui uma importante função na ligação do vírus
genoma é de RNA de fita simples de polaridade positiva. A adsorção do vírus na célula à célula hospedeira e na fusão.
hospedeira ocorre através da ligação da proteína viral E em receptores celulares, levando à A febre zika é uma doença febril aguda, autolimitada e dura de três a sete dias. Os sintomas
endocitose do vírus. são semelhantes aos da dengue, como febre, erupções cutâneas, conjuntivite, dores nos
O período de incubação é de 3 a 15 dias (em média, 5 a 6 dias). A infecção pode não ser músculos e nas articulações, mal-estar e dor de cabeça. Essa doença, geralmente, não tem
aparente ou levar a uma série de sintomas, como febre, dor de cabeça intensa, dor nos complicações graves, mas há registros de mortes e de microcefalia.
olhos, fotofobia, hiperemia conjuntiva, bradicardia e erupção macular. Esses sintomas iniciais
são seguidos de dores nas articulações e nos músculos, perda de apetite, dor nos ossos, Febre amarela
desconforto abdominal, vômito e fraqueza. A febre pode continuar por 2 a 7 dias ou retornar A febre amarela produz um espectro de enfermidades que varia desde formas discretas,
ao normal por 12 a 24 horas e, depois, subir novamente. Junto à diminuição da febre, novas inespecíficas, até formas fulminantes, fatais. A enfermidade inicia-se subitamente, com um
erupções cutâneas podem aparecer. Achados laboratoriais incluem diminuição na contagem período de três a cinco dias de incubação, com febre, cefaleia, mialgia e queda do estado
de leucócitos e granulocitopenia absoluta e podem incluir leves elevações nos níveis de geral. O quadro pode persistir por vários dias até a recuperação completa. Nas formas
enzimas hepáticas. graves, além das manifestações já descritas, logo seguidas de aparente melhora (cerca de
No caso da dengue hemorrágica, os sintomas são similares, mas, próximo ao período da 24 horas), aparecem vômitos, prostração, congestão conjuntival, icterícia, hepatomegalia e
diminuição da febre, há uma piora clínica, com extravasamento plasmático e manifestação da diástase hemorrágica, observada por hematemese, melena, metrorragia, petéquias,
equimoses, epistaxe e hemorragia gengival. A insuficiência renal aguda é frequente e se transmissíveis como o vírus HIV e as hepatites virais, mas também é usado para outras
detecta albuminúria maciça no sedimento urinário. Hipotensão grave, taquicardia, oligúria, doenças como a doença de Chagas.
hipotermia, delírio e coma são manifestações terminais da enfermidade. Alguns conseguem Diferentemente da janela imunológica, a janela clínica ou período de incubação é o período
sobreviver após a crise grave, porém, durante a convalescência, podem advir arritmias que compreende desde o momento da infecção até o aparecimento dos primeiros sintomas
cardíacas (pela miocardite viral), pneumonia bacteriana e parotidite supurativa. A icterícia e/ou sinais clínicos da doença.
pode persistir até dois ou três meses. O laboratório destaca a leucopenia, as transaminases A janela imunológica é o período compreendido entre a data da infecção pelo micro-
hepáticas elevadas, a plaquetopenia (menos de 100.000/mm3), além de evidências de organismo (agente causador da doença) e a data em que os anticorpos específicos,
coagulação intravascular disseminada e proteinúria maciça. produzidos pelo organismo contra este agente causador, são detectáveis em exames de
sangue (soroconversão). Os testes para verificar se uma pessoa tem uma doença (por
França, F. S.; Leite, S. B. Micologia e virologia. [Digite o Local da Editora]: Grupo A, [Inserir ano de exemplo, o HIV) são geralmente feitos através da detecção de anticorpos contra o agente
publicação]. 9788595026827. Disponível em: causador da doença pesquisada, no sangue dessa pessoa. Portanto, no período da janela
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595026827/. Acesso em: 2021 set. 17. imunológica, uma pessoa pode fazer um teste e ter um resultado falso negativo (isto é, a
pessoa tem a doença, está com o vírus do HIV na corrente sanguínea, mas ainda não
produziu anticorpos específicos contra o HIV).
DENGUE- Um resultado não reagente não exclui a possibilidade de infecção pelo Vírus da
Dengue (I, II, III e IV). Estudos científicos revelam que pessoas infectadas pelo vírus da
Dengue podem apresentar uma janela imunológica de 5 a 10 dias para detecção de IgM e
IgG , respectivamente. O paciente deve ser novamente avaliado dentro deste período.

5 - Compreender o processo de janela imunológica

Janela imunológica é o nome dado ao período de tempo que o corpo humano leva para 6 - Caracterizar os diferentes tipos de imunoglobulinas, como são produzidas e como
responder à presença de agentes infecciosos com anticorpos, em níveis detectáveis agem
em exames de sangue. O termo janela imunológica é muito usado para doenças sexualmente
Síntese, Montagem e Expressão das Moléculas de Imunoglobulina
As cadeias pesadas e leves da
imunoglobulina, assim como a
maioria das proteínas secretadas e
de membrana, são sintetizadas em
ribossomos ligados à membrana no
retículo endoplasmático rugoso. A
proteína é translocada para o retículo
endoplasmático, e as cadeias
pesadas da Ig são N-glicosiladas
durante o processo de translocação.
O dobramento apropriado das
cadeias pesadas da Ig e sua
montagem com as cadeias leves são reguladas por proteínas residentes no retículo
endoplasmático chamadas de chaperonas. Essas proteínas, as quais incluem a calnexina e
uma molécula chamada proteína de ligação (BiP, do inglês binding protein), se ligam a Quando linfócitos B maduros são ativados pelos antígenos e outros estímulos, as células se
polipeptídeos de Ig recém-sintetizados e garantem que eles sejam retidos ou marcados para diferenciam em plasmócitos secretores de anticorpos. Esse processo é também
degradação, a menos que sejam dobrados apropriadamente e montados como moléculas de acompanhado por alterações no padrão de produção da Ig. Uma dessas mudanças é a
Ig completas. A associação covalente das cadeias pesadas e leves é estabilizada pela produção aumentada da forma secretada de Ig em comparação à forma de membrana. Essa
formação de pontes dissulfeto e também ocorre no retículo endoplasmático durante o alteração ocorre no nível de processamento pós-transcricional. A segunda mudança é a
processo de montagem. Após essa montagem, as moléculas de Ig são liberadas das expressão de isotipos de cadeia pesada diferentes de IgM e IgD, por um processo chamado
chaperonas, transportadas para a cisterna do complexo de Golgi, onde seus carboidratos são troca de isotipo (ou classe) de cadeia pesada. Uma terceira mudança envolve a introdução de
modificados e, então, direcionadas para a membrana plasmática em vesículas. Anticorpos novas substituições de aminoácidos nos domínios variáveis de cadeias pesadas e leves para
em sua forma de membrana são ancorados na membrana plasmática, enquanto a forma criar anticorpos de maior afinidade, resultando em uma alteração nos anticorpos chamada
secretada é transportada para fora da célula. maturação da afinidade.
A maturação das células B a partir dos progenitores da medula óssea é acompanhada por
alterações específicas na expressão do gene de Ig, resultando na produção de moléculas de Meia-vida dos Anticorpos
Ig em diferentes formas. A célula mais inicial na linhagem do linfócito B que produz A meia-vida dos anticorpos circulantes é uma medida de quanto tempo esses anticorpos
polipeptídeos de Ig, chamada célula pré-B, sintetiza a forma de membrana da cadeia pesada permanecem no sangue após a secreção pelas células B (ou após a injeção, como no caso
μ. Essas cadeias μ se associam a proteínas chamadas cadeias leves substitutas, para formar de um anticorpo administrado). A meia-vida é o tempo médio antes que o número de
o receptor da célula pré-B, e uma pequena proporção do receptor da célula pré-B sintetizado moléculas de anticorpo seja reduzido à metade. Diferentes isotipos de anticorpo têm meias-
é expressa na superfície celular. Células B imaturas e maduras produzem cadeias leves κ ou vidas muito diferentes na circulação. A IgE tem uma meia-vida bastante curta, de
λ, as quais se associam às proteínas μ para formar moléculas de IgM. As células B maduras aproximadamente 2 dias na circulação (embora a IgE ligada à célula associada ao seu
expressam formas membranares de IgM e IgD (cadeias pesadas μ e δ associadas a cadeias receptor de alta afinidade no mastócito tenha meia-vida bastante longa; Capítulo 20). A IgA
leves κ ou λ). Esses receptores Ig de membrana funcionam como receptores de superfície circulante tem meia-vida de cerca de 3 dias (embora a maior parte da IgA seja produzida em
celular que reconhecem antígenos e iniciam o processo de ativação da célula B. O receptor sítios de mucosa e seja secretada diretamente no lumen do intestino ou da via aérea), e a
da célula pré-B e o receptor antigênico da célula B estão associados não covalentemente a IgM circulante tem meia-vida de aproximadamente 4 dias. Em contrapartida, as moléculas de
outras duas proteínas de membrana, Igα e Igβ, as quais possuem funções de sinalização e IgG circulantes têm meia-vida de cerca de 21 a 28 dias.
são essenciais para a expressão de IgM e IgD na superfície. A longa meia-vida da IgG é atribuída à sua capacidade em se ligar a um receptor Fc
específico chamado receptor Fc neonatal (FcRn), o qual também está envolvido no
transporte da IgG da circulação materna através da barreira placentária. O FcRn se
assemelha estruturalmente às moléculas de MHC de classe I (descritas no Capítulo 6), e, na
placenta transporta moléculas de IgG do sangue materno, através das células, até a
circulação fetal. Em vertebrados adultos, o FcRn é encontrado na superfície das células
endoteliais, macrófagos e outros tipos celulares e se liga à IgG micropinocitada nos
endossomos acídicos. O FcRn não tem como alvo a IgG ligada nos lisossomos (o destino
comum de muitas moléculas ingeridas), mas a recicla para a superfície celular e a libera em
pH neutro, retornando a IgG para a circulação (Fig. 5.11). Esse sequestro intracelular da IgG
para longe dos lisossomos previne sua degradação rápida, como ocorre com a maioria das
outras proteínas plasmáticas, incluindo outros isotipos de anticorpo, e como resultado, esse muitos epítopos idênticos podem estar espaçados de maneira regular e essas moléculas são
isotipo tem uma meia-vida relativamente longa. Há algumas diferenças nas meias-vidas dos ditas polivalentes. Matrizes polivalentes de antígenos carboidratos podem ser expostas nas
quatro isotipos de IgG humanas. A IgG3 tem meia-vida relativamente curta, porque se liga superfícies celulares. Os antígenos polivalentes podem induzir o agrupamento de receptores
fracamente ao FcRn. A IgG1 e a IgG2 são as de meia-vida mais longa e mais eficientes em da célula B e assim iniciar o processo de ativação da célula B.
termos de funções efetoras. A organização espacial de diferentes epítopos em uma única molécula proteica pode
A longa meia-vida da IgG tem sido usada para fornecer uma vantagem terapêutica para influenciar a ligação dos anticorpos de várias maneiras. Quando os determinantes estão bem
certas proteínas injetadas, pela produção de proteínas de fusão contendo a parte separados, duas ou mais moléculas de anticorpo podem se ligar ao mesmo antígeno proteico
biologicamente ativa da proteína e a porção Fc da IgG. A porção Fc permite que as proteínas sem que uma influencie a outra; tais determinantes são ditos não sobrepostos. Quando dois
se liguem ao FcRn e assim prolongue as meias-vidas das proteínas injetadas. Uma proteína determinantes estão próximos um ao outro, a ligação do anticorpo ao primeiro determinante
de fusão terapeuticamente útil é a TNFR-Ig, a qual consiste em um domínio extracelular do pode causar uma interferência estérica na ligação do anticorpo ao segundo; tais
receptor de TNF tipo II (TNFR) fusionado com um domínio Fc da IgG. Essa proteína de fusão determinantes são ditos sobrepostos. Em raros casos, a ligação de um anticorpo pode causar
bloqueia as ações inflamatórias do TNF, semelhante a um anticorpo anti-TNF, sendo usada uma alteração conformacional na estrutura do antígeno, influenciando positiva ou
no tratamento de certos distúrbios autoimunes tais como artrite reumatoide, enteropatia negativamente a ligação de um segundo anticorpo a outro sítio na proteína, por outros meios
inflamatória e psoríase. Outra proteína de fusão utilizada terapeuticamente é a CTLA4-Ig, que além do impedimento estérico. Tais
contém o domínio extracelular do receptor CTLA-4, o qual se liga e bloqueia os interações são chamadas de efeitos
coestimuladores B7, fusionado à porção Fc da IgG humana; ela também tem sido útil no aloestéricos.
tratamento da artrite reumatoide e na rejeição ao transplante de rim. Qualquer forma ou superfície
disponível em uma molécula que
Características dos Antígenos Biológicos possa ser reconhecida por um
Um antígeno é qualquer substância que pode ser especificamente ligada por uma molécula anticorpo constitui um determinante
de anticorpo ou receptor de célula T. Os anticorpos podem reconhecer como antígenos antigênico ou epítopo. Os
praticamente todos os tipos de moléculas biológicas, incluindo metabólitos intermediários determinantes antigênicos podem
simples, açúcares, lipídeos, autacoides e hormônios, bem como macromoléculas tais como ser delineados em qualquer tipo de
carboidratos complexos, fosfolipídeos, ácidos nucleicos e proteínas. Isso contrasta com as composto, incluindo, mas não
células T, as quais reconhecem principalmente peptídeos. restrito a, carboidratos, proteínas,
Nem todos os antígenos reconhecidos por linfócitos específicos ou por anticorpos secretados lipídeos e ácidos nucleicos. No caso
são capazes de ativar os linfócitos. Moléculas que estimulam as respostas imunes são das proteínas, a formação de alguns
chamadas de imunógenos. Macromoléculas são efetivas para estimular os linfócitos B a epítopos depende somente da
iniciarem respostas imunes humorais porque a ativação da célula B necessita que múltiplos estrutura primária e a formação de
receptores antigênicos sejam unidos (ligação cruzada). Agentes químicos pequenos, tais outros determinantes reflete a
como dinitrofenol, podem se ligar aos anticorpos e são, portanto, antígenos, mas não podem estrutura terciária ou conformação
ativar as células B por si só (i.e., não são imunogênicos). Para gerar anticorpos específicos (forma). Os epítopos formados por
para esses pequenos agentes químicos, os imunologistas comumente ligam múltiplas cópias vários resíduos de aminoácidos
dessas pequenas moléculas a uma proteína ou polissacarídeo antes da imunização. Nesses adjacentes são chamados de
casos, o pequeno agente químico é chamado hapteno e a molécula maior à qual ele está epítopos lineares. O sítio de ligação
conjugado é denominada carreador. O complexo hapteno-carreador, ao contrário do hapteno ao antígeno de um anticorpo pode
livre, pode agir como um imunógeno. normalmente acomodar um epítopo
Macromoléculas, tais como proteínas, polissacarídeos e ácidos nucleicos, são normalmente linear composto por cerca de seis aminoácidos. Se os epítopos lineares aparecem na
muito maiores do que a região de ligação ao antígeno de uma molécula de anticorpo. Dessa superfície externa ou em uma região de conformação estendida na proteína dobrada nativa,
maneira, qualquer anticorpo se liga somente a uma porção da macromolécula, a qual é eles podem ser acessíveis aos anticorpos. Em outros casos, os epítopos lineares podem
chamada determinante ou epítopo. Essas duas palavras são sinônimos usados estar inacessíveis na conformação nativa e aparecem somente quando a proteína é
indistintamente ao longo deste livro. Macromoléculas tipicamente contêm múltiplos desnaturada. Em contraste, os epítopos conformacionais são formados por resíduos de
determinantes, alguns dos quais podem ser repetidos e cada um deles, por definição, pode aminoácidos que não estão em sequência, mas se tornam espacialmente justapostos na
ser ligado por um anticorpo. A presença de múltiplos determinantes idênticos em um antígeno proteína dobrada. Anticorpos específicos para certos epítopos lineares e anticorpos
é referida como polivalência ou multivalência. A maioria das proteínas globulares não específicos para epítopos conformacionais podem ser usados para determinar se uma
contém múltiplos determinantes idênticos e não é individualmente polivalente, porém muitas proteína está desnaturada ou em sua conformação nativa, respectivamente. As proteínas
proteínas idênticas podem ser expostas em uma matriz polivalente nas superfícies celulares, podem estar sujeitas a modificações como glicosilação, fosforilação, ubiquitinação, acetilação
incluindo a superfície dos microrganismos. No caso dos polissacarídeos e ácidos nucleicos, e proteólise. Essas modificações, ao alterar a estrutura da proteína, podem produzir novos
epítopos. Tais epítopos são chamados de epítopos neoantigênicos e também podem ser A IgM é o tipo predominante de anticorpo envolvido na resposta aos antígenos do grupo
reconhecidos por anticorpos específicos. sanguíneo ABO, localizados na superfície das hemácias (ver Tabela 19.2, p. 522). A IgM é
muito mais eficaz do que a IgG em induzir o agrupamento de células e vírus (ver discussão
sobre aglutinação, pp. 504-505) e em reações envolvendo a ativação do sistema
complemento.
O fato de a IgM ser a primeira imunoglobulina a aparecer na resposta a uma infecção
primária e possuir uma vida relativamente curta confere um valor singular à molécula no
diagnóstico de doenças. Se altas concentrações de IgM contra um patógeno são detectadas
em um paciente, provavelmente a doença observada é causada por aquele patógeno. A
detecção de IgG, que é de vida relativamente longa, deve indicar apenas que a imunidade
contra um patógeno em particular foi adquirida há mais tempo.

Classes de imunoglobulinas
As imunoglobulinas mais simples e mais abundantes são monômeros, mas também podem
assumir algumas diferenças em tamanho e no modo como são organizadas. As cinco classes
de imunoglobinas são designadas IgG, IgM, IgA, IgD e IgE. Cada classe tem um papel
diferente na resposta imune. As estruturas das moléculas de IgG, IgD e IgE são em forma de
Y. As moléculas de IgA e IgM são agregados de dois ou cinco monômeros, respectivamente,
que estão unidos entre si.

IgG O nome IgG é derivado da fração gama-globulina do sangue. A IgG é responsável


por cerca de 80% de todos os anticorpos no soro. Em locais de inflamação, esses
monômeros de anticorpos atravessam as paredes dos vasos sanguíneos e penetram no
fluido tecidual. Os anticorpos IgG maternos, por exemplo, podem atravessar a placenta e
conferir imunidade passiva ao feto. Os anticorpos IgG protegem contra bactérias e vírus
circulantes, neutralizam toxinas bacterianas, ativam o sistema complemento e, quando
ligados a antígenos, intensificam a eficácia das células fagocíticas.

IgM Os anticorpos da classe IgM (o M refere-se a macro, que reflete o seu tamanho
grande) compõem aproximadamente 6% dos anticorpos no soro. A IgM tem uma estrutura
pentamérica formada por cinco monômeros que são mantidos unidos por um polipeptídeo,
chamado de cadeia de junção (J). O grande tamanho da molécula impede que a IgM se
desloque livremente, como faz a IgG, de modo que anticorpos IgM geralmente permanecem
nos vasos sanguíneos sem penetrar os tecidos ao seu redor.
IgA A IgA é responsável por apenas 13% dos anticorpos no soro, mas é certamente a
forma mais comum encontrada nas membranas mucosas e nas secreções do corpo, como o
muco, a saliva, as lágrimas e o leite materno. Se levarmos isso em consideração, a IgA é a
imunoglobulina mais abundante no corpo. A forma circulante da IgA no soro, a IgA sérica, é
geralmente encontrada na forma de um monômero. A forma mais efetiva da IgA, no entanto,
consiste em dois monômeros conectados que formam um dímero, chamado de IgA secretora.
Ela é produzida nessa forma pelos plasmócitos localizados nas membranas mucosas – cerca
de 15 gramas por dia, principalmente pelas células epiteliais intestinais. Cada dímero, então,
penetra e atravessa a mucosa, onde adquire um polipeptídeo, chamado de componente
secretor, que a protege da degradação enzimática. A principal função da IgA secretora é
provavelmente impedir a fixação de patógenos microbianos às superfícies da mucosa. Isso é
importante sobretudo para os patógenos intestinais e respiratórios. Devido ao fato de a
imunidade por IgA ter uma vida relativamente curta, a duração da imunidade para as várias
infecções respiratórias também é curta. A presença de IgA no leite materno, sobretudo no
colostro, provavelmente auxilia na proteção dos recém-nascidos contra infecções

gastrintestinais.
IgD Os anticorpos IgD constituem apenas cerca de 0,02% dos anticorpos séricos totais. tipicamente infectam vários tipos celulares, por endocitose mediada por receptor, após a
Suas estruturas se assemelham às das moléculas de IgG. Os anticorpos IgD são ligação a moléculas de superfície celular normais. Os vírus podem causar lesão tecidual e
encontrados no sangue, linfa, e particularmente sobre a superfície de células B. A IgD sérica doença por diversos mecanismos. A replicação viral interfere na síntese proteica e na função
não tem função bem definida; quando localizada sobre as células B ela auxilia na resposta celular normal, leva à lesão e, por fim, à morte da célula infectada. Esse resultado é um tipo
imune. de efeito citopático dos vírus, e a infecção é dita lítica porque a célula infectada é lisada. Os
vírus podem estimular respostas inflamatórias que causam dano aos tecidos. Os vírus
IgE Os anticorpos da classe IgE são ligeiramente maiores do que as moléculas de IgG; também podem causar infecções latentes (discutidas adiante).
eles constituem apenas 0,002% dos anticorpos séricos totais. As moléculas de IgE ligam-se As respostas imunes inata e adaptativa aos vírus são destinadas a bloquear a infecção e a
firmemente por suas porções Fc (hastes) aos receptores localizados nos mastócitos e eliminar células infectadas:
basófilos, células especializadas que participam de reações alérgicas. Quando um antígeno,
como o pólen, liga-se aos anticorpos IgE associados a um mastócito ou basófilo, essas Imunidade Inata aos Vírus
células liberam histamina e outros mediadores químicos. Esses mediadores químicos Os principais mecanismos da imunidade inata contra vírus são a inibição da infecção por
desencadeiam uma resposta – por exemplo, uma reação alérgica, como a rinite alérgica. interferons do tipo I e o killing das células infectadas mediado por células NK. A infecção por
Entretanto, a resposta pode ser ao mesmo tempo protetora, pois atrai o complemento e as muitos vírus está associada à produção de interferons (IFNs) do tipo I pelas células
células fagocíticas. Isso é especialmente útil quando os anticorpos se ligam a vermes infectadas, bem como por células dendríticas, especialmente do tipo plasmacitoide, em
parasitos. A concentração de IgE é bastante alta em algumas reações alérgicas e infecções resposta aos produtos virais. Diversas vias bioquímicas disparam a produção de IFN. Entre
parasitárias, o que geralmente é útil do ponto de vista diagnóstico. essas vias, estão o reconhecimento de RNA e DNA viral por TLRs endossômicos e a ativação
Tortora, G. J.; Funke, B. R.; Case, C. L. Microbiologia. [Digite o Local da Editora]: Grupo A, 2017. de receptores tipo RIG citoplasmáticos, bem como da via STING, pelo RNA e DNA viral,
9788582713549. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788582713549/. respectivamente. Essas vias convergem na ativação de proteínas quinases que, por sua vez,
Acesso em: 2021 set. 17. ativam fatores de transcrição IRF, que estimulam a transcrição do gene de IFN. Os IFNs do
tipo I atuam inibindo a replicação viral tanto em células infectadas como em células não
infectadas.
As células NK matam células infectadas por vírus e constituem um importante mecanismo de
imunidade contra vírus no início do curso da infecção, antes de as respostas imunes
adaptativas terem se desenvolvido. A expressão de MHC de classe I frequentemente é
“desligada” nas células infectadas por vírus, como um mecanismo para escapar dos CTLs.
Isso permite que as células NK matem as células infectadas, uma vez que a ausência de
classe I libera as células NK de um estado normal de inibição (Fig. 4.10). A infecção viral
também pode estimular a expressão de ligantes de célula NK nas células infectadas.

A Resposta Antiviral
A principal forma pela qual o sistema imune inato bloqueia as infecções virais é a indução da
expressão de interferons do tipo I, cuja ação mais importante é inibir a replicação viral. No
início do capítulo, discutimos como vários receptores de reconhecimento de padrão, incluindo
alguns TLRs, NLRs, RLRs e CDSs, geram sinais que estimulam a expressão dos genes de
IFN-α e IFN-β em muitos tipos celulares diferentes. Esses interferons do tipo I secretados
pelas células atuam em outras células prevenindo a disseminação da infecção viral. Nesta
seção, descreveremos as principais propriedades dos interferons do tipo I e as ações
antivirais destas citocinas.
Os interferons do tipo I constituem uma ampla família de citocinas estruturalmente
relacionadas que medeiam a resposta imune inata inicial às infecções virais. O termo
“interferon” deriva da habilidade destas citocinas de interferir na infecção viral. Existem
7 - Descrever os mecanismos de defesa contra infecções virais (papel da imunidade numerosos tipos de interferons do tipo I, os quais são estruturalmente homólogos e
inata e adaptativa) codificados por genes em um único grupamento localizado no cromossomo 9. Dentre os
interferons do tipo I, os mais importantes na defesa antiviral são o IFN-α (que, na verdade,
Imunidade aos Vírus engloba 13 proteínas diferentes estreitamente relacionadas) e o IFN-β, que é uma proteína
Os vírus são microrganismos intracelulares obrigatórios que usam componentes do ácido única. As DCs plasmacitoides são as principais fontes de IFN-α que, todavia, também pode
nucleico e a maquinaria de síntese proteica do hospedeiro para se replicar. Os vírus ser produzido por fagócitos mononucleares. O IFN-β é produzido por muitos tipos celulares
em resposta à infecção viral. Os estímulos mais potentes para a síntese de interferon do tipo I
são os ácidos nucleicos virais. Lembre que os receptores do tipo RIG e os sensores de DNA
presentes no citosol, bem como os TLRs 3, 7, 8 e 9 presentes nas vesículas endossômicas,
reconhecem ácidos nucleicos virais e iniciam as vias de sinalização que ativam a família IRF
de fatores de transcrição, os quais induzem expressão do gene de interferon do tipo I.
O receptor para interferons do tipo I, que se liga ao IFN-α e ao IFN-β, é um heterodímero
composto por dois polipeptídeos estruturalmente relacionados, IFNAR1 e IFNAR2, expressos
em todas as células nucleadas. Esse receptor sinaliza para ativar os fatores de transcrição
STAT1, STAT2 e IRF9, que induzem expressão de vários genes diferentes cujos produtos
proteicos contribuem para a defesa antiviral de vários modos:

• Os interferons do tipo I, sinalizando via receptor de interferon do tipo I, ativam a


transcrição de vários genes que conferem às células uma resistência à infecção viral
denominada estado antiviral (Fig.). Os genes induzidos pelo interferon do tipo I incluem os
da serina/treonina proteína quinase ativada por RNA de dupla fita (PKR), que bloqueia
eventos de transcrição e tradução viral; e os da 2’,5’-oligoadenilato sintase e RNase L, que
promovem degradação do RNA viral. A ação antiviral do interferon do tipo I é primariamente
uma ação parácrina, no sentido de que uma célula viralmente infectada secreta interferon
para atuar e proteger as células vizinhas ainda não infectadas. Os efeitos dos interferons do
tipo I não são específicos para a expressão gênica viral, e parte da habilidade dessas
citocinas de bloquear a disseminação da infecção é devido à sua toxicidade às células do
hospedeiro que estão nas proximidades das células infectadas. O interferon secretado por
uma célula infectada também pode agir de maneira autócrina, inibindo a replicação viral na
própria célula que o secreta.

• Os interferons do tipo I causam o sequestro de linfócitos nos linfonodos, maximizando assim


a oportunidade de encontrar com os antígenos microbianos. O mecanismo para esse efeito
dos interferons do tipo I é a indução de uma molécula nos linfócitos chamada CD69, que
forma um complexo e diminui a expressão do receptor de esfingosina 1-fosfato (S1P), o
S1PR1 (do inglês, sphingosine1-phosphate receptor 1). Lembre-se do exposto no Capítulo 3:
a saída do linfócito dos tecidos linfoides depende da ligação de S1P ao S1PR1. Portanto, o
S1PR1 reduzido inibe esta saída e mantém os linfócitos nos órgãos linfoides.

• Os interferons do tipo I aumentam a citotoxicidade das células NK e CTLs CD8+, além de


promoverem a diferenciação de células T naive na subpopulação Th1 de células T auxiliares.
Esse efeitos dos interferons do tipo I intensificam as imunidades inata e adaptativa contra
infecções intracelulares, incluindo vírus e algumas bactérias. Assim, as principais atividades do interferon do tipo I atuam em conjunto para combater as
infecções virais. Camundongos knockout que não expressam receptor para interferons do
• Os interferons do tipo I regulam positivamente a expressão de moléculas de MHC de classe tipo I são suscetíveis a infecções virais. O IFN-α está em uso na clínica como agente antiviral
I e, desse modo, aumentam a probabilidade de as células viralmente infectadas virem a ser para certas formas de hepatite viral. O IFN-α também é usado no tratamento de alguns
reconhecidas e mortas pelos CTLs CD8+. Os CTLs CD8+ vírus-específicos reconhecem tumores, talvez por reforçar a atividade do CTL ou inibir a proliferação celular. O IFN-β é
peptídeos derivados de proteínas virais ligados a moléculas do MHC de classe I na superfície usado como terapia para esclerose múltipla, porém o mecanismo de seu efeito benéfico
de células infectadas. Portanto, aumentando a quantidade de MHC de classe I sintetizado por nessa doença é desconhecido.
uma célula viralmente infectada, os interferons do tipo I aumentarão o número de complexos A proteção contra vírus é devido, em parte, à ativação de vias de morte apoptótica
peptídeo viral-MHC de classe I expostos na superfície celular que os CTLs poderão detectar intrínsecas nas células infectadas e à sensibilidade aumentada aos indutores extrínsecos de
e responder. O resultado final é o killing aumentado de células infectadas por vírus e a apoptose. As proteínas virais sintetizadas nas células infectadas podem ser dobradas de
erradicação das infecções virais. forma incorreta, e seu acúmulo deflagra uma resposta a proteínas não dobradas que pode
culminar na apoptose das células infectadas, caso o acúmulo de proteína incorretamente
dobrada não possa ser corrigido. Além disso, células viralmente infectadas são CD4+ ou coestimuladores expressos em células infectadas. As células T CD8+ sofrem uma
hipersensíveis à apoptose induzida por TNF. O TNF é produzido em abundância pelas DCs intensa proliferação durante a infecção viral, e a maioria das células que proliferaram são
plasmacitoides e macrófagos em reposta às infecções virais, em adição aos interferons do específicas para alguns peptídeos virais. Algumas células T ativadas se diferenciam em CTLs
tipo I. O receptor de TNF do tipo I engaja vias pró-inflamatórias e também vias pró- efetores capazes de destruir qualquer célula nucleada infectada. Os efeitos antivirais dos
apoptóticas de morte. A via dominante ativada pela ligação do TNF depende do estado de CTLs são devidos principalmente ao killing das células infectadas, porém outros mecanismos
síntese proteica nas células que respondem, sendo que a infecção viral pode desviar este são a ativação de nucleases nas células infectadas, as quais degradam os genomas virais, e
equilíbrio na direção da apoptose. também à secreção de citocinas, como o IFN-γ, que ativa fagócitos e pode ter alguma
atividade antiviral.
Muitas linhas de evidência experimentais e clínicas sustentam a importância dos CTLs na
defesa contra a infecção viral. A suscetibilidade a essas infecções é aumentada em pacientes
Imunidade Adaptativa aos Vírus e animais deficientes de linfócitos T. Experimentalmente, camundongos podem ser
A imunidade adaptativa contra infecções virais é mediada por anticorpos, os quais bloqueiam protegidos contra algumas infecções virais por meio da transferência adotiva de CTLs vírus-
a ligação e a entrada do vírus nas células hospedeiras, e por CTLs, que eliminam a infecção específicos restritos à classe I. Os vírus desenvolveram numerosas estratégias para escapar
destruindo as células infectadas. Os anticorpos mais efetivos são anticorpos de alta afinidade ao ataque dos CTLs CD8+. Entre estas, estão o bloqueio do processamento e apresentação
produzidos nas reações de centros germinativos T-dependentes. Os anticorpos são efetivos de antígenos pela via do MHC de classe I e o desligamento das respostas de célula T CD8+
contra os vírus somente durante o estágio extracelular das vidas desses microrganismos. Os pela indução do fenômeno de exaustão.
vírus podem ser extracelulares antes de infectarem as células hospedeiras, ou quando são Nas infecções latentes, o DNA viral persiste nas células hospedeiras, porém o vírus não se
liberados das células infectadas por brotamento viral ou com a morte das células infectadas. replica nem mata as células infectadas. A latência frequentemente é um estado de equilíbrio
Os anticorpos antivirais se ligam ao envelope viral ou aos antígenos do capsídeo e atuam entre infecção e resposta imune. Os CTLs gerados em resposta ao vírus podem controlar a
principalmente como anticorpos neutralizadores, para prevenir a fixação e entrada dos vírus infecção, mas são incapazes de erradicá-la. Como resultado, os vírus persistem nas células
nas células hospedeiras. Assim, os anticorpos previnem tanto a infecção inicial como a infectadas, às vezes, por toda a vida do indivíduo. Essas infecções latentes são comuns com
disseminação célula à célula. Os anticorpos secretados, especialmente do isotipo IgA, são o vírus Epstein-Barr e vários outros vírus contendo DNA pertencentes à família do
importantes para neutralizar os vírus juntos aos tratos respiratório e intestinal. A imunização herpesvírus. A reativação da infecção está associada à expressão de genes virais
oral contra o poliovírus funciona induzindo a imunidade de mucosa. Além da neutralização, os responsáveis pelos efeitos citopáticos e pela disseminação do vírus. Esses efeitos citopáticos
anticorpos podem opsonizar partículas virais e promover sua eliminação pelos fagócitos. A podem incluir a lise das células infectadas ou a proliferação descontrolada das células.
ativação do complemento também pode participar na imunidade viral mediada por anticorpo, Qualquer deficiência na resposta imune do hospedeiro pode resultar em falha no controle de
principalmente via promoção de fagocitose e, possivelmente, pela lise direta dos vírus uma infecção latente reativada.
contendo envelopes lipídicos. Em algumas infecções virais, a lesão tecidual pode ser causada por CTLs. Certo grau de
A importância da imunidade humoral na defesa contra infecções virais é sustentada pela imunopatologia acompanha as respostas do hospedeiro a muitas (se não a maioria das)
observação de que a resistência a um vírus particular, induzida por infecção ou vacinação, infecções virais. Um modelo experimental de uma doença cuja patologia é primariamente
costuma ser específica para o tipo sorológico (anticorpo-definido) do vírus. Um exemplo é o devida à resposta imune do hospedeiro é a infecção pelo vírus da coriomeningite linfocítica
vírus influenza, em que a exposição a um tipo sorológico não confere resistência aos outros (LCMV, do inglês, lymphocytic choriomeningitis virus) em camundongos, que induz
sorotipos do vírus. Os anticorpos neutralizantes bloqueiam a infecção viral das células e a inflamação das meninges medulares espinais. O LCMV infecta as células meníngeas, mas é
disseminação viral célula à célula, entretanto, depois que os vírus entram e passam a se não citopático e não lesa diretamente as células infectadas. O vírus estimula o
replicar no meio intracelular, tornam-se inacessíveis aos anticorpos. Portanto, a imunidade desenvolvimento de CTLs vírus-específicos que matam as células meníngeas infectadas
humoral induzida por infecção prévia ou vacinação é capaz de conferir proteção aos durante uma tentativa fisiológica de erradicar a infecção. Portanto, a meningite se desenvolve
indivíduos a partir da infecção viral, mas por si só não consegue erradicar uma infecção em camundongos normais com sistemas imunes intactos, entretanto os camundongos
estabelecida. deficientes em células T não desenvolvem a doença e, em vez disso, se tornam portadores
A eliminação de vírus residentes nas células é mediada por CTLs que matam as células do vírus. Essa observação parece contradizer a situação usual, em que indivíduos
infectadas. Conforme mencionamos nos capítulos anteriores, a principal função fisiológica imunodeficientes são mais suscetíveis a doenças infecciosas do que os indivíduos normais.
dos CTLs é a vigilância contra a infecção viral. A maioria dos CTLs vírus-específicos são Em seres humanos, a infecção pelo vírus da hepatite B apresenta algumas similaridades com
células T CD8+ que reconhecem peptídeos virais citosólicos, em geral sintetizados a infecção murina pelo LCMV, no sentido de que indivíduos imunodeficientes infectados não
endogenamente, apresentados por moléculas de MHC classe I. Se a célula infectada for uma desenvolvem a doença e se tornam portadores capazes de transmitir a infecção a indivíduos
célula tecidual e não uma célula apresentadora de antígeno (APC, do inglês, antigen- saudáveis. O fígado de pacientes com hepatite ativa aguda e crônica contém grandes
presenting cell), como uma célula dendrítica, a célula infectada pode ser fagocitada pela números de células T CD8+, e CTLs restritos ao MHC de classe I específicos para o vírus da
célula dendrítica que processa os antígenos virais e os apresenta às células T CD8+ naive. hepatite podem ser isolados de amostras de biópsia de fígado e propagados in vitro. Esses
Descrevemos esse processo de apresentação cruzada, ou crosspriming. A diferenciação achados sustentam a perspectiva de que a resposta CTL é a principal causa de lesão
integral dos CTLs CD8+ muitas vezes requer citocinas produzidas por células auxiliares tecidual na hepatite viral.
O envolvimento das respostas imunes a infecções virais na produção de doença pode se dar antagonistas competitivos das citocinas. O vírus Epstein-Barr produz uma proteína homóloga
de outros modos. Uma consequência da infecção persistente por alguns vírus, como na à citocina IL-10, que inibe a ativação de macrófagos e células dendríticas, podendo assim
hepatite B, é a formação de imunocomplexos circulantes compostos por antígenos virais e suprimir a imunidade mediada por células. Esses exemplos provavelmente representam uma
anticorpos específicos. Esses complexos são depositados em vasos sanguíneos e levam à pequena fração de moléculas virais imunossupressoras. A identificação dessas moléculas
vasculite sistêmica. Algumas proteínas virais contêm sequências de aminoácidos que origina a intrigante possibilidade de que os vírus adquiriram genes codificadores de inibidores
também estão presentes em certos autoantígenos. Foi postulado que, devido ao mimetismo endógenos de respostas imunes durante sua passagem pelos hospedeiros humanos e,
molecular, a imunidade antiviral pode levar a respostas imunes contra autoantígenos. portanto, evoluíram para infectar e colonizar seres humanos.

Imunoevasão por Vírus • Algumas infecções virais crônicas estão associadas à falha das respostas de CTLs,
Os vírus desenvolveram numerosos mecanismos para evadir a imunidade do hospedeiro. chamada exaustão, a qual permite a persistência viral. Estudos sobre infecção crônica com
o LCMV em camundongos demonstraram que este tipo de déficit imune pode resultar da
• Os vírus podem alterar seus antígenos e, portanto, deixarem de ser alvos das estimulação antigênica persistente levando à regulação positiva de receptores inibidores da
respostas imunes. Os antígenos afetados são mais comumente glicoproteínas de superfície célula T, como o PD-1. Há evidência de exaustão da célula T CD8+ em infecções virais
reconhecidas por anticorpos, porém os epítopos da célula T também podem sofrer variação. humanas crônicas, incluindo as infecções por HIV e pelo vírus da hepatite.
Os principais mecanismos de variação antigênica são as mutações pontuais e o rearranjo dos
genomas de RNA (em vírus de RNA), que levam à deriva antigênica e à variação antigênica. • Os vírus podem infectar e destruir ou inativar células imunocompetentes. O exemplo
Esses processos são de grande importância na disseminação do vírus influenza. Os dois evidente é o HIV, que sobrevive infectando e eliminando as células T CD4+, principais
antígenos principais desse vírus são a hemaglutinina viral trimérica (proteína do espigão viral) indutoras das respostas imunes a antígenos proteicos.
e a neuraminidase. Os genomas virais sofrem mutações nos genes codificadores dessas
proteínas de superfície, e a variação resultante é chamada deriva antigênica. Os genomas
de RNA segmentado de várias cepas de vírus influenza que normalmente habitam diferentes
espécies de hospedeiro podem se recombinar nas células hospedeiras, e esses vírus
recombinados podem diferir de forma bastante drástica das cepas prevalentes. A
recombinação de genes virais resulta em alterações significativas na estrutura antigênica,
chamadas variação antigênica, que cria vírus distintos como o da gripe aviária ou o da gripe
suína. Devido à variação antigênica, um vírus pode se tornar resistente à imunidade gerada
na população por infecções prévias. As pandemias de influenza ocorridas em 1918, 1957 e
1968 foram devidas às diferentes cepas do vírus, e a pandemia de H1N1 de 2009 foi causada
por uma cepa em que as fitas do genoma de RNA foram recombinadas entre cepas
endêmicas em porcos, frangos e seres humanos. Variantes virais mais sutis surgem com
maior frequência. Existem tantos sorotipos de rinovírus que a vacinação contra o resfriado
comum pode não ser uma estratégia preventiva factível. O HIV-1, causador da Aids, também
é capaz de uma tremenda variação antigênica devido a uma elevada taxa de erros na
transcrição reversa de seu genoma de RNA durante a reprodução viral Nessas situações, a
vacinação profilática pode ter de ser dirigida contra proteínas virais invariantes.
• Alguns vírus inibem a apresentação de antígenos proteicos citosólicos associada ao
MHC de classe I. Os vírus produzem várias proteínas que bloqueiam diferentes etapas no
processamento, transporte e apresentação do antígeno. A inibição da apresentação
antigênica bloqueia a montagem e expressão de moléculas de MHC de classe I e a exibição
de peptídeos virais. Como resultado, as células infectadas por esses vírus não podem ser
reconhecidas nem mortas por CTLs CD8+. Como já discutido, as células NK são ativadas por
células infectadas, especialmente na ausência de moléculas de MCH de classe I. Alguns
vírus podem produzir proteínas que atuam como ligantes de receptores de inibição das
células NK e, assim, inibem a ativação dessas células.

• Alguns vírus produzem moléculas que inibem a resposta imune. Os poxvírus codificam
moléculas que são secretadas por células infectadas e se ligam a várias citocinas, incluindo
IFN-γ, TNF, IL-1, IL-18 e quimiocinas. As proteínas ligantes de citocinas podem atuar como
A seguir, serão abordadas as células efetoras da imunidade inata e as estratégias de
reconhecimento viral por essas células, assim como os mediadores produzidos após o
reconhecimento e seu efeito biológico e antiviral.

■Células efetoras da imunidade inata


Antes mesmo da estimulação de células específicas do sistema imunológico, diferentes tipos
celulares, muitas vezes presentes já na porta de entrada das infecções virais, são capazes de
produzir mediadores que participam do controle da replicação viral. Células endoteliais e
epiteliais participam da resposta inicial a uma infecção viral pela produção de óxido nítrico
(NO), que inibe a replicação intracelular de alguns vírus, e de quimiocinas e de leucotrienos,
▶Papel da imunidade inata no controle das infecções virais que ajudam no recrutamento de outros tipos celulares, iniciando a resposta e o processo
Ao entrarem em contato com células hospedeiras, componentes estruturais dos vírus serão inflamatório.
reconhecidos por receptores de reconhecimento de padrão (PRR, pattern recognition Além disso, macrófagos e células dendríticas, distribuídos por diversos tecidos do
receptors). Tais receptores podem estar na superfície celular e reconhecerem proteínas hospedeiro, atuam como sentinelas no reconhecimento de patógenos e início da resposta
presentes na superfície viral no momento da adsorção; eles também podem estar localizados imunológica inata.
no citoplasma ou em vesículas celulares e reconhecer o genoma viral liberado após a
internalização. A ativação desses receptores induzirá a ativação das células hospedeiras que Macrófagos e células dendríticas
irão produzir mediadores envolvidos na resposta antiviral ou no recrutamento e ativação de Monócitos circulantes e macrófagos são células-alvo da infecção por diferentes vírus e
células do sistema imunológico, iniciando-se, então, uma resposta inflamatória. participam ativamente da disseminação e transmissão dos vírus para outros tipos celulares.
A ativação de células da imunidade inata por agentes virais tem, basicamente, dois objetivos Além disso, os macrófagos têm papel importante na etapa inicial da infecção, por meio da
no controle da infecção: o controle inicial do patógeno em si, por meio da produção de liberação de citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas, como IL-1, TNF-α, IL-6 e IL-8. Essas
citocinas, como os interferons (IFN), e da ativação de fagócitos e células citotóxicas; e a células podem, ainda, ter um papel antiviral direto pela produção de NO e mediadores
integração com componentes da imunidade adquirida, por intermédio da maturação e reativos de oxigênio, contribuindo para a inibição da replicação dos vírus. Finalmente,
ativação de células apresentadoras de antígenos, da própria apresentação de antígenos e da monócitos/macrófagos infectados podem apresentar antígenos virais para os linfócitos T e
produção de citocinas pró-inflamatórias, que contribuem para o recrutamento de outros tipos produzir citocinas que regulam a atividade dessas células, contribuindo para a ativação da
celulares e amplificação da resposta imunológica. Por outro lado, a secreção de citocinas pró- imunidade adquirida.
inflamatórias e com características pirogênicas, por componentes da imunidade inata, ainda Juntamente com monócitos e macrófagos, um dos tipos celulares mais importantes nessa
no início da infecção, está associada às manifestações clínicas não específicas que são etapa são as células dendríticas (DC), que apresentam ampla distribuição nos tecidos
observadas no período prodrômico das infecções, como a febre. epiteliais e de mucosa, em geral, portas de entrada de uma infecção viral. Essas células
também atuam na produção de mediadores antivirais, na secreção de citocinas pró- ao RNA durante o processo replicativo, impedindo o reconhecimento do genoma pela PKR.
inflamatórias e quimiocinas, e na apresentação de antígenos e estimulação dos linfócitos T. Outros vírus, como o HCV, apresentam proteínas capazes de se ligar ao sítio catalítico da
As DC são importantes produtoras de citocinas que participam da imunidade inata, enzima, bloqueando sua função. A proteína NS1 do vírus da influenza, além de se ligar ao
particularmente de IFN tipo 1 (IFN-1). Na verdade, existem subpopulações de DC, RNA, também estimula inibidores celulares da PKR.
caracterizadas fenotípica e funcionalmente como DC mieloides (mDC) e plasmocitoides
(pDC). Ambas são importantes apresentadoras de antígenos e participam na regulação da Receptores do tipo toll | Reconhecimento de componentes virais na superfície celular
imunidade adquirida. As mDC ativadas produzem IL-12, IL-15 e IL-18, as quais são críticas ou em vesículas intracelulares
para a ativação de células Th1 e subsequente ativação de resposta de células TCD8+ Uma das famílias de receptores mais bem estudadas é a do tipo toll (TLR, toll-like receptors).
citotóxicas e eliminação de células infectadas. Além disso, essas citocinas são importantes Essa família abrange um grupo de 11 receptores descritos até o momento (TLR1-TLR11),
para a ativação de células natural killer e manutenção de células T de memória. que reconhecem diferentes padrões moleculares associados a patógenos, e são expressos
Já as pDC são as principais células produtoras de IFN em resposta a uma infecção viral. em diferentes tipos celulares, incluindo células dendríticas, macrófagos, células epiteliais,
Além de IFN, as pDC produzem também IL-6, a qual é importante para a diferenciação de endoteliais, linfócitos e células NK. Os TLR apresentam diferente localização intracelular.
linfócitos B em plasmócitos, além de produzirem quimiocinas envolvidas no recrutamento de TLR1, 2, 4, 5, 6, 10, 11 são expressos na superfície celular e participam do reconhecimento
outros tipos celulares para o sítio inflamatório. A importância das pDC no controle das de componentes de superfície viral; TLR3, 7, 8, e 9 são expressos em vesículas
infecções virais pode ser evidenciada na infecção pelo HIV. Em pacientes infectados, intracelulares e estão associados ao reconhecimento de moléculas de ácido nucleico viral,
observa-se diminuição do número dessas células, sendo inversamente proporcional à carga que chegam até esses compartimentos por endocitose.
viral. Além disso, pacientes em terapia antirretroviral apresentam restituição parcial dessa Os TLR contêm domínio extracelular (TLR expressos na membrana plasmática) ou voltado
população celular. Na infecção por HRSV, essas células também parecem ser essenciais, para o lúmen dos endossomas (TLR intracelulares), caracterizado por repetições ricas em
uma vez que a depleção de pDC resulta em inibição do controle da replicação viral e leucina (LRR, leucine-rich repeats); um único domínio transmembrana; e um domínio
exacerbação da patologia. citoplasmático, conhecido como domínio TIR (de toll/IL-1R). O domínio LRR está envolvido
com o reconhecimento do patógeno e, embora todos os TLR compartilhem LRR similares,
■Reconhecimento de componentes virais por receptores da imunidade inata diferentes TLR reconhecem assinaturas moleculares distintas. Já o domínio TIR é
A primeira etapa necessária para o desencadeamento de uma resposta imunológica a responsável pela sinalização intracelular que se inicia pelo recrutamento de moléculas
determinado vírus é o reconhecimento desse agente. Em linhas gerais, os componentes da adaptadoras, iniciando uma via de transdução de sinal que culmina na indução de IFN e de
imunidade inata reconhecem estruturas moleculares compartilhadas por diferentes agentes citocinas inflamatórias.
infecciosos e que são coletivamente chamadas de padrões moleculares associados a Já foram descritos muitos padrões presentes em partículas virais, tendo sido mais bem
patógenos (PAMP, pathogen-associated molecular patterns). Dentro do grupo de PAMP estudado o reconhecimento de componentes do genoma viral. Nesse sentido, TLR3
virais, estão incluídos componentes de superfície e o próprio genoma viral. Os receptores que reconhece a principal assinatura molecular viral, que é a molécula de RNAfd. Na verdade,
reconhecem os chamados PAMP são coletivamente chamados de PRR (PAMP-recognizing essa estrutura pode estar presente também durante a replicação de vírus de RNAfs, e TLR3
receptors). O engajamento desses receptores está associado a uma série de funções que parece estar envolvido no reconhecimento de RNA de vírus de RNAfd como reovírus, mas
incluem produção de IFN-1, produção de citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas, e também de RNAfs como HRSV, WNV, DENV e vírus da influenza. TLR7 e TLR8 reconhecem
maturação de células dendríticas. Por este motivo, o reconhecimento por PRR é um ponto- moléculas de RNAfs, e TLR7 está envolvido no reconhecimento de RNA ricos em guanosina
chave para o início do desenvolvimento de uma resposta imunológica vírus-específica. ou uridila (G/U), presentes no genoma do vírus da influenza, por exemplo. TLR9 reconhece
domínios GpC não metilados de DNA, presentes em vírus de DNA, como os vírus herpes
Proteíno-cinase R simplex (HSV) e o citomegalovírus humano (HCMV). Além do genoma, outras estruturas
Um dos principais padrões moleculares associados a alguns agentes virais são as moléculas moleculares virais também são reconhecidas por TLR. Já foi descrito que componentes do
de RNA de fita dupla (RNAfd). Essas estruturas são características de vírus e podem estar envelope de HRSV levam à ativação de TLR4. Tanto HSV tipo 1 (HSV-1) quanto o tipo 2
presentes tanto em vírus que apresentam RNA de fita dupla como genoma, quanto durante o (HSV-2) podem ativar TLR2, o qual também tem sido implicado no reconhecimento de HCMV
processo de replicação de vírus de RNA de fita simples (RNAfs). As moléculas de RNAfd são e da proteína HA do vírus do sarampo. Além disso, alguns vírus podem conter diferentes
reconhecidas intracelularmente por diferentes PRR. Um dos exemplos mais conhecidos é a PAMP reconhecidos por mais de um TLR, como é o caso do HSV, cuja interação com a
enzima PKR (proteíno-cinase RNA dependente). Trata-se de uma cinase que apresenta um célula hospedeira é capaz de levar à ativação de TLR2, supostamente por meio de sua gD, e
domínio de reconhecimento de RNAfd e um sítio catalítico, responsável pela fosforilação de de TLR9, por seu DNA genômico.
fatores de alongamento da transcrição. Essa enzima é ativada após o reconhecimento de A ativação de TLR após o reconhecimento das assinaturas moleculares descritas induz uma
uma molécula de RNAfd e sua ação está associada, principalmente, à inibição da síntese de cascata de sinalização intracelular, a qual se inicia com o recrutamento de moléculas
proteínas, incluindo a de proteínas virais. Além disso, a ativação dessa enzima pode ser adaptadoras e segue com a ativação de fatores de transcrição, que incluem elementos que
regulada não apenas pela ligação ao RNA, mas também por citocinas como o IFN. regulam a produção de interferons (IRF, interferon regulatory factor) e NF-κ-B (nuclear fator-κ
Muitos vírus apresentam mecanismos de escape desse reconhecimento. Vírus que B). A ativação desses fatores leva à secreção de IFN-1 pelas células infectadas e de
apresentam capsídeo helicoidal geralmente mantêm suas proteínas de capsídeo associadas citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas. Essas últimas funcionam na amplificação da
resposta inflamatória e facilitam o recrutamento de leucócitos, a fim de agir em conjunto
com os IFN na resposta antiviral. Com exceção do TLR3, os TLR recrutam a proteína
adaptadora MyD88 para iniciar a sinalização. Esse recrutamento leva à ativação de IKK-β
e NF-κ-B, além de IKK-α e IRF7 e indução de IFN-α. Já o TLR3 recruta a proteína
adaptadora TRIF, que também leva à ativação de fatores de transcrição, incluindo NF-κ-B,
IRF3 e AP-1. A ativação de IRF3 está envolvida com a produção de IFN-1, enquanto NF-κ-
B e AP-1 regulam a expressão de genes que codificam citocinas inflamatórias. A via de
ativação de TRIF também é compartilhada por TLR4.
O papel do reconhecimento de PAMP virais por TLR na indução da produção de IFN pode
ser evidenciado em uma série de modelos experimentais. A depleção de TLR7 causa
deficiência na produção de IFN-I por pDC após a infecção pelo vírus da influenza ou vírus
da estomatite vesicular (VSV). De maneira similar, a produção de IFN-a por pDC em
resposta a vírus DNA, como HCMV, HSV-1 e HSV-2, depende da expressão de TLR9.
Outro aspecto importante da ativação de TLR é a maturação de DC, que parece ser crítica
para a ativação de linfócitos TCD4+ e TCD8+ durante infecções virais. Já foi demonstrado,
por exemplo, que camundongos deficientes em MyD88 não são capazes de estimular
linfócitos TCD4+ após infecção com HSV-2. Do mesmo modo, esses animais também
apresentam deficiência na resposta mediada por células TCD8+ ao vírus da coriomeningite
linfocítica (LCMV). O reconhecimento via TLR está associado, ainda, à apresentação
cruzada de antígenos virais a células TCD8+ citotóxicas. Esse efeito foi particularmente
descrito para TLR3, o qual é altamente expresso em DC com alta capacidade fagocítica.
Essas células podem, então, englobar restos de células infectadas por vírus que sofreram
apoptose em decorrência da infecção. O TLR3 reconheceria RNAfd presente no interior
dessas células, e esse processo possibilitaria a apresentação cruzada de antígenos para
células TCD8+, provenientes de vírus que não infectam DC. Por outro lado, a dependência
de TLR para ativação dos linfócitos T também pode ser indireta, via IFN-1. Já foi
demonstrado que células TCD8+, que não expressam receptor para IFN-I, apresentam
capacidade limitada de expansão e diferenciação após infecção com LCMV. Assim, uma expõe seus domínios CARD, possibilitando o recrutamento da proteína adaptadora MAVS
das principais funções dos TLR durante uma infecção viral é o reconhecimento do vírus para (mithocondrial antiviral signaling protein). O recrutamento de MAVS promove, então, a
posterior apresentação e ativação de linfócitos T. Os mecanismos de apresentação de ativação de NF-κ-B e IRF-3. De fato, foi demonstrado em linhagens celulares que o bloqueio
antígenos e ativação dos linfócitos T serão discutidos mais adiante. de RIG impede a ativação de IRF-3 e a produção de IFN-I em resposta à infecção viral.
É interessante notar que nem sempre o reconhecimento do vírus e consequente ativação de Estudos realizados com camundongos deficientes de RIG-I e MDA-5 revelaram que enquanto
TLR é benéfico para o hospedeiro. Em alguns casos, o reconhecimento por esses receptores RIG é essencial para o reconhecimento de vírus que apresentam RNAfs – tais como
está mais associado à indução de uma atividade inflamatória, diretamente envolvida com as flavivírus, paramixovírus, ortomixovírus e rabdovírus – MDA-5 é requerido para o
manifestações clínicas da infecção. Já foi descrito que a capacidade do WNV em atravessar reconhecimento de outro grupo de vírus, que incluem os picornavírus.
a barreira hematoencefálica depende de processo inflamatório, iniciado pelo reconhecimento Embora tanto RIG quanto alguns TLR reconheçam moléculas de RNA viral, aparentemente, a
viral pelo TLR3. De maneira idêntica, camundongos com deficiência de TLR2 parecem estar resposta mediada por RIG-I e TLR não é redundante. Primeiramente, a expressão desses
mais protegidos da encefalite induzida por HSV-1. Por outro lado, camundongos com receptores difere de acordo com o tipo celular, de modo que TLR parece ser essencial em
deficiência de TLR4 não respondem bem à infecção por HRSV, e polimorfismos desse pDC, enquanto RIG é importante em mDC, macrófagos e fibroblastos. Além disso, a
receptor estão associados a maior gravidade da doença em crianças. expressão desses receptores ocorre em diferentes compartimentos celulares, ou seja,
aqueles vírus que infectam células dendríticas, que entram por fusão e se replicam no
RNA helicases (RIG e MDA-5) | Reconhecimento de RNA viral no citoplasma citoplasma, devem ser primariamente reconhecidos por RIG; enquanto aqueles que são
A família de RNA helicases do tipo RIG-I (retinoic acid inducible gene-I), ou RLR, inclui RIG-I, endocitados podem ser reconhecidos por TLR. Já foi comentado também que TLR3,
MDA-5 e Lgp-2, que são proteínas altamente ubíquas e, diferentemente dos receptores do principalmente, pode reconhecer seus ligantes após interação com células que entraram em
tipo TLR envolvidos no reconhecimento de genoma viral, se localizam no citoplasma celular. apoptose ou que sofreram lise, seja por necrose, seja pela própria infecção viral.
RIG-I é formada por um domínio helicase capaz de ligar a moléculas de RNAfd virais e dois Outras RNA helicases também têm papel na resposta imunológica antiviral, porém,
domínios tipo CARD (caspase recruiting domain), necessários para a sinalização. O aparentemente, como reguladores negativos de RIG-I e MDA-5. Esse é o caso da Lgp-2, que
reconhecimento de RNAfd parece induzir uma alteração conformacional na molécula que apresenta atividade de ligação com moléculas de RNA, mas não contém os domínios CARD.
Sensores de DNA | Reconhecimento de DNA viral citoplasmático ou nuclear Os genes induzidos por IFN levam ao estado antiviral nas células hospedeiras por influenciar
A ativação celular por moléculas de DNA viral estava associada exclusivamente ao na síntese proteica, na inibição do crescimento celular e na apoptose. Dentre esses genes,
reconhecimento dessas moléculas por TLR9 presente em vesículas intracitoplasmáticas. pode-se destacar o gene para uma endorribonuclease, que degrada RNA viral, e o gene para
Entretanto, uma série de receptores capazes de reconhecer moléculas de DNA presentes no a proteíno-cinase R (PKR), que fosforila um fator de iniciação da síntese proteica, inibindo a
núcleo ou no citoplasma tem sido caracterizada, e sua estimulação é associada à ativação de síntese de proteínas celulares e virais. Além disso, os elementos estimulados por IFN
vias de sinal, envolvendo IRF e inflamassomas, levando à produção de interferons e citocinas potencializam a maturação de células dendríticas, a citotoxicidade mediada por células NK e
pró-inflamatórias. a diferenciação de células T citotóxicas, contribuindo para a integração entre a imunidade
Os fatores ativadores de IRF dependentes de DNA, ou DAI (DNA-dependent activator of inata e a adaptativa.
interferon regulatory factors) estão presentes no citoplasma e reconhecem moléculas de DNA Uma clara evidência do papel dos IFN para o controle de infecções virais é o fato de que, em
de fita dupla na sua forma canônica de beta-hélice. A estimulação de DAI induz a ativação de modelos de cultura de células ou animais experimentais deficientes em IFN ou nos seus
NF-κ-B e IRF3/IRF7 pelo IKK-β e TBK (TAML-binding kinase 1), respectivamente, resultando receptores (IFNR), observa-se aumento da replicação de diferentes vírus, incluindo flavivírus,
na produção de citocinas inflamatórias e IFN-1. A produção de IFN, associada à estimulação reovírus, filovírus e herpesvírus. Por outro lado, alguns vírus estabelecem infecção produtiva
de DAI, já foi descrita em modelos de infecção por adenovírus e HSV-1. no hospedeiro, mesmo após indução de IFN pelas células hospedeiras, o que demonstra que
Outro receptor descrito, IFI-16 (IFN-γ inducible 16), parece ter também participação os mesmos apresentam estratégias de escapar dos efeitos mediados por essas citocinas,
importante na infecção por vírus DNA e seu papel na produção de IFN-α e controle da como será descrito adiante.
replicação de HSV, por exemplo, já foi relatado. O engajamento desse sensor é comumente Além dos IFN-α e IFN-β, o IFN-γ também participa ativamente do controle da replicação de
associado à ativação de inflamassomas; contudo, em alguns modelos de infecção, sua vários patógenos virais, especialmente pela ativação de diferentes tipos celulares, como
ativação foi associada à produção de IFN-β, por IRF3 e NF-κ-B. Alguns desses sensores de células NK e linfócitos T citotóxicos. Esses mecanismos serão discutidos posteriormente.
DNA sinalizam pela molécula adaptadora STING (stimulator of interferon genes). Se houver A estrutura, a função e os receptores de um novo grupo de IFN foram caracterizados. Essas
DNA intracelular, STING migra do retículo endoplasmático para o citosol, no qual parece citocinas, classificadas como IFN-III, são chamadas de IFN-λ 1, IFN-λ 2 e IFN-λ 3, ou de IL-
ativar TBK, cuja ativação está associada à produção de IFN-I. 29, IL-28A e IL-28B, respectivamente. Assim como os IFN-I, a produção desses mediadores
A caracterização dos sensores celulares responsáveis pelo reconhecimento de vírus que pode ser induzida por uma infecção viral, por meio do reconhecimento de componentes virais
apresentam DNA como genoma está em ampla expansão, e os mecanismos moleculares e ativação de PRR. Os IFN-λ são reconhecidos por receptores distintos daqueles engajados
envolvidos na ativação de células após infecção por esses vírus ainda não são amplamente por IFN-I, mas as vias de sinalização estimuladas são semelhantes e incluem a ativação de
conhecidos. STAT. Assim, os efeitos antivirais atribuídos aos IFN-α e β, aparentemente, também podem
As Figuras 7.1 e 7.2 representam diferentes estratégias de reconhecimento de vírus de RNA ser induzidos por IFN-λ. Polimorfismos nos genes que codificam IFN-III foram associados à
e de DNA, respectivamente, e o efeito desse reconhecimento na ativação celular e produção progressão e/ou melhor resposta à terapia após infecção com HCV, e o potencial terapêutico
de IFN e citocinas pró-inflamatórias. dessas citocinas tem sido investigado.

■Mediadores da resposta imunológica antiviral | Interferon


Os IFN são citocinas produzidas por diferentes tipos celulares e são classificados como IFN-I
(IFN-α e IFN-β), do tipo II (IFN-γ) e do tipo III (IFN-λ). Os IFN-I incluem os IFN-α e IFN-β, os
quais são elementos-chave na resposta imunológica antiviral. Essas citocinas apresentam
uma série de funções envolvidas tanto no controle direto da replicação viral, quanto na
regulação de outros componentes do sistema imunológico. A produção de IFN-I é induzida
após a infecção viral em diferentes tipos celulares, por meio do engajamento e da ativação de
receptores que reconhecem padrões moleculares associados a patógenos (PRR), como foi
anteriormente descrito. Essas citocinas secretadas interagem com receptores específicos
presentes nas células vizinhas e induzem diferentes vias de sinalização intracelular, que
podem culminar na indução do chamado “estado antiviral” nessas células, como será
explicado adiante.
O IFN-β se liga a seus receptores de maneira autócrina e parácrina, o que resulta em um
feedback positivo da produção dessa citocina. Essa ligação inicia uma cascata de sinalização
intracelular, levando à ativação de fatores de transcrição chamados STAT (signal transducing
activators of transcription), que se ligam a elementos de resposta estimulados por IFN (ISRE,
interferon-stimulated response elements), iniciando a transcrição de vários genes estimulados
por IFN (ISG, interferon-stimulated genes).
protein containing a CARD [caspase recruitment domain]) a qual se liga, e recruta a proteína
caspase 1 para a formação do complexo.
Na verdade, são necessários dois sinais para ativação completa do sistema até a secreção
das citocinas da família da IL-1. O primeiro, muitas vezes mediado por TLR, induz a síntese
de pró-IL-1-β e pró-IL-18. Um segundo sinal é disparado por alterações iônicas no citoplasma
celular, como o efluxo de potássio ou outros íons, que induzem ativação de receptores do tipo
NOD e ativação de caspase 1 que, então, cliva as formas imaturas das citocinas, tornando
possível sua secreção. Na infecção pelo vírus da influenza, por exemplo, foi sugerido que a
ativação de inflamassomas e a secreção de IL-1-β requerem a ativação de TLR7 pelo RNA
viral e atividade da proteína M2, induzindo efluxo de prótons do complexo de Golgi e a
ativação de NLRP3. Mecanismo semelhante já foi descrito na infecção por HRSV, na qual a
ativação de TLR2, seguida de produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e efluxo de

Ativação de inflamassomas
O reconhecimento de padrões moleculares virais em associação a alterações no
metabolismo das células infectadas pode levar, ainda, à ativação de complexos
proteicos, chamados inflamassomas. A ativação de inflamassomas já foi reportada em
vírus de DNA e de RNA, incluindo adenovírus, vírus vaccínia, vírus da influenza, vírus da
encefalomiocardite e vírus do sarampo. Esses complexos têm um importante papel na
resposta inflamatória e controle da infecção causada por diferentes vírus, por atuarem K+, com ativação de inflamassoma NLRP3, produz IL-1-β. Essa pode ter caráter protetor,
como plataformas proteicas para a ativação da enzima caspase 1, a qual é responsável pela mas também provocar os sintomas inflamatórios, em casos de pneumonia.
maturação e secreção das citocinas inflamatórias IL-1-β e IL-18. Além disso, apresentam
atuação local e sistêmica, e estão associadas a febre, ativação de linfócitos T e células NK, e
infiltração de leucócitos. ▶Papel da resposta imunológica humoral nas infecções virais
Os inflamassomas podem ser formados por diferentes receptores e os mais bem estudados A presença de componentes da resposta imunológica humoral, como anticorpos e peptídeos
são aqueles constituídos de receptores do tipo NOD (nucleotide oligomerization domain) ou do sistema complemento, é essencial para neutralizar e eliminar partículas virais circulantes,
NLR (nod-like receptors), particularmente o do tipo NLRP3. Diferentes NLR e complexos impedindo sua entrada em células hospedeiras e inibindo sua disseminação pelo organismo,
inflamassomas podem ser ativados, dependendo do patógeno em questão. Quando ativados, além de ter um papel importante na prevenção de reinfecções. O papel de cada um desses
esses receptores recrutam a proteína adaptadora ASC (apoptosis-associated speck-like componentes será discutido a seguir.
A importância dos anticorpos na proteção contra infecções virais é claramente evidenciada
■Linfócitos B e produção de anticorpos em infecções agudas que induzem imunidade protetora e duradoura. Esse é o caso da
Um dos mecanismos mais importantes de controle de uma infecção viral é bloquear a infecção por vírus do sarampo, da poliomielite e outros, em que se observa que indivíduos
interação do vírus com a célula hospedeira, em um processo chamado neutralização. Os soropositivos para essas infecções (ou seja, que já tiveram contato e apresentam anticorpos
mecanismos de resposta imunológica humoral têm um papel-chave nesse processo, específicos contra esses vírus) não voltam a apresentar a doença caso ocorra a reinfecção.
particularmente pela ativação de linfócitos B específicos e produção de anticorpos. Os Além disso, é possível notar que, mesmo no caso de vírus que não induzem imunidade
linfócitos B são estimulados após o reconhecimento de antígenos virais por suas protetora, a infecção primária, em geral, é mais grave do que em indivíduos soropositivos. A
imunoglobulinas (Ig) de superfície. Essas Ig, em associação a outras proteínas responsáveis ativação rápida de linfócitos B com indução de anticorpos IgM neutralizantes é essencial,
pela sinalização intracelular, formam o BCR (B cell receptor), o receptor de antígenos da muitas vezes, para a própria sobrevivência do hospedeiro, especialmente na infecção com
célula B. A ativação inicial dessas células induz a expansão de um clone de células vírus altamente citopáticos, como o vírus Ebola. Outro exemplo, já relatado anteriormente, é o
específicas contra um dado antígeno viral e secreção de anticorpos do isotipo IgM. de modelos experimentais de infecção com vírus da influenza ou o WNV, nos quais
Subsequentemente e em especial após a interação das células B com linfócitos TCD4+ camundongos deficientes em linfócitos B sucumbem rapidamente à infecção.
também específicos para o antígeno, essas células são capazes de fazer mudança de classe O processo de neutralização, na verdade, indica a capacidade de um anticorpo se ligar e
de Ig, secretando IgG, IgA e IgE. A IgG é o principal isotipo presente na circulação sanguínea inativar o vírus e pode ocorrer por diferentes mecanismos. A ligação dos anticorpos a um
e em fluidos extracelulares, e funciona como eficiente opsonina para o reconhecimento por vírus pode induzir: agregação das partículas virais; desestabilização da estrutura da partícula;
fagócitos e ativação do sistema complemento, como será discutido mais adiante. Já a IgA é o inibição da adsorção a células hospedeiras; inibição da fusão do vírion com a membrana da
principal isotipo presente em secreções, especialmente na mucosa do trato intestinal e do célula hospedeira ou da entrada do genoma de vírus não envelopados no citoplasma; inibição
sistema respiratório, tendo, então, grande importância no controle das infecções desses da função do core viral pelo sinal desencadeado pelo anticorpo e bloqueio do brotamento ou
tecidos. A IgE está presente em níveis mais baixos na circulação e, aparentemente, suas liberação viral da superfície celular.
funções não estão associadas a mecanismos de neutralização ou opsonização viral. O mecanismo de agregação de partículas virais mediado pela ligação de anticorpos depende
do isotipo de Ig e sua valência, e da distância entre os epítopos virais. Esses agregados
podem ser fagocitados e degradados com mais eficiência que a partícula isolada, facilitando,
então, a eliminação do vírus da circulação. Anticorpos neutralizantes podem, ainda, induzir
alterações conformacionais em proteínas de superfície virais, impedindo sua funcionalidade.
Na infecção por poliovírus, demonstrou-se que a ligação dos anticorpos pode induzir um
processo diferente de desestabilização da estrutura viral. Embora esse mecanismo não
esteja totalmente esclarecido, é possível que esses anticorpos mimetizem a função de
receptores da célula hospedeira que contribuem para o desnudamento da partícula.
É provável que o mecanismo de neutralização mais bem conhecido esteja relacionado com a
inibição da adsorção do vírus à célula hospedeira. Essa inibição pode ser mediada não
apenas pela ligação dos anticorpos diretamente ao sítio de ligação do vírus ao receptor, mas
também pela oclusão e bloqueio estérico desse sítio, ou interferência em sua função. Esses
anticorpos podem bloquear, ainda, a fusão do envoltório viral com a membrana da célula
hospedeira. Em geral, os peptídeos hidrofóbicos presentes nas proteínas virais responsáveis
pela fusão não estão expostos ao reconhecimento por anticorpos. Ainda assim, a inibição do
processo de fusão pode ocorrer devido à ligação dos anticorpos às espículas virais,
impedindo a interação subsequente do vírus com o receptor celular de fusão, de maneira
semelhante ao processo de inibição de adsorção. Além disso, é possível que a presença do
anticorpo bloqueie a interação entre as membranas viral e celular, impedindo o processo de
fusão de membranas. Alternativamente, a ligação dos anticorpos pode estabilizar a
conformação pré-fusão das proteínas virais, impedindo a ativação do processo de fusão.
Outras estratégias podem estar associadas à neutralização dos vírus em etapas posteriores à
entrada na célula hospedeira. Anticorpos que reconhecem a neuraminidase do vírus da
influenza, por exemplo, impedem a liberação da partícula da célula infectada.
No entanto, a maioria dos anticorpos não apresenta atividade neutralizante. Muitas vezes, os
antígenos reconhecidos pela célula B são fragmentos ou proteínas virais liberados de células
que foram lisadas após a infecção, e podem ser proteínas internas dos vírus que não estão
expostas na partícula circulante, ou proteínas que foram desnaturadas, degradadas, resultando na associação de outros componentes do complemento e na formação do
processadas ou que não foram sintetizadas completamente. Alternativamente, esses complexo de ataque à membrana (MAC). Esse complexo cria um poro na bicamada lipídica
anticorpos podem ser específicos contra proteínas nativas, mas sem papel na adsorção ou que pode causar a lise de vírus envelopados e de células infectadas por vírus. Além disso,
penetração viral, e também não apresentar atividade neutralizante. Contudo, mesmo C3a, C4a e, principalmente, C5a, liberados após as clivagens das convertases, têm função
anticorpos sem atividade neutralizante direta podem contribuir para o controle da infecção por de anafilatoxinas e induzem a liberação de histamina por mastócitos e basófilos, causando
outros mecanismos. Nesse sentido, os anticorpos agem também como opsoninas, vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. Além disso, esses fragmentos também
possibilitando o reconhecimento desses imunocomplexos por receptores para a porção Fc são importantes mediadores inflamatórios envolvidos no recrutamento de leucócitos para o
das Ig (FcR), presentes em macrófagos e neutrófilos. Esse processo leva à internalização sítio infectado.
dos complexos e à destruição da partícula viral pelos fagócitos. Por outro lado, o Além dos mecanismos descritos, componentes do complemento, como a MBL, podem agir na
reconhecimento desses imunocomplexos por receptores Fc pode estar associado à neutralização viral por meio da competição pela ligação em receptores de superfície das
potencialização da infecção de macrófagos, como tem sido descrito na infecção por DENV e células hospedeiras, como foi descrito para o HIV e os filovírus Ebola e Marburg. O papel
outros. dessa via no controle de algumas infecções virais começou a ser mais bem compreendido
A ligação de anticorpos com antígenos virais expressos na superfície da célula infectada após a descrição de polimorfismos genéticos, que afetam a concentração plasmática e o
pode, ainda, induzir o fenômeno de ADCC (antibody–dependent cell-mediated cytotoxicity) – estado oligomérico de MBL. Na infecção por HBV, por exemplo, polimorfismos associados a
mediado pelo reconhecimento de receptores Fc, seguido de ativação de células NK e baixos níveis de expressão de MBL se correlacionam a pior prognóstico, associado à
liberação de seus grânulos citolíticos, como será discutido posteriormente. Além disso, a persistência viral, à progressão da doença e à sobrevivência ou não à doença hepática
formação de complexos vírus-anticorpos pode estimular a ativação da via clássica do sistema fulminante.
complemento, como será detalhado mais adiante. Além de macrófagos e neutrófilos que apresentam receptores para C3, outros tipos celulares
Vale lembrar que os linfócitos B são também células apresentadoras de antígeno. A também têm receptores para complemento, cujo engajamento pode estar associado à
penetração de vírus nessas células pode levar ao processamento e à apresentação de seus ativação dessas células, como ocorre com CD21 (CR2) presentes nos linfócitos B. O sistema
peptídeos e ativação subsequente de linfócitos T. Na verdade, esse processo é importante complemento apresenta, ainda, um importante papel no controle da resposta imunológica
para a própria ativação dos linfócitos B, uma vez que a regulação da atividade dessas células adaptativa. Já foi demonstrado, por exemplo, que animais deficientes em C3, infectados com
pelas células T é essencial para a maior eficiência da resposta B (com anticorpos com maior vírus da influenza, apresentam redução da capacidade migratória de linfócitos TCD8+,
afinidade) e para o desenvolvimento de memória celular. O desenvolvimento de células de levando à inibição da atividade citolítica e do controle da infecção.
memória com produção de anticorpos específicos é o principal mecanismo de controle de A ativação exacerbada ou crônica do sistema complemento, por outro lado, pode ser
reinfecções em indivíduos convalescentes ou imunizados. Assim, um dos principais objetivos prejudicial para o hospedeiro, podendo levar a um dano tecidual devido à lise celular pela
para o desenvolvimento de vacinas é a elicitação de anticorpos potentes/neutralizantes que formação do MAC; à opsonização de células infectadas seguida de fagocitose; e ao aumento
impeçam a morbidade e a mortalidade causada por um patógeno viral. da resposta inflamatória mediada por fragmentos de complemento e anafilatoxinas. Em
Em resumo, a principal função efetora dos linfócitos B envolvida no controle de uma infecção modelos de infecção experimental por HRSV, demonstrou-se que a ocorrência de formação e
viral é a neutralização, mediada pela secreção de anticorpos específicos, possibilitando o deposição de imunocomplexos, seguida de fixação de complemento, está diretamente
bloqueio da interação do vírus com receptores na célula hospedeira e tornando possível a relacionada com a hiper-reatividade brônquica e pneumonia. A deposição de
opsonização da partícula, levando à ativação do sistema complemento e à fagocitose. imunocomplexos, levando à inflamação e a alterações vasculares, está associada, ainda, a
manifestações clínicas comuns a diferentes infecções, tais como os exantemas e a produção
Sistema complemento de edemas (Figura 7.5).
Componentes do sistema complemento têm papel importante no controle da replicação viral,
participando diretamente da destruição do agente viral, da opsonização desses vírus para o ▶Papel da resposta imunológica celular nas infecções virais
reconhecimento e englobamento por células fagocíticas e da indução de resposta Enquanto a resposta humoral e a presença de anticorpos e componentes do sistema
inflamatória. A cascata do complemento pode ser iniciada por três diferentes vias: clássica, complemento são fundamentais para a neutralização de vírus circulantes e a inibição da
que se inicia com a ligação de C1 a complexos antígeno-anticorpo; alternativa, que se inicia disseminação viral, a resposta imunológica celular é essencial para outra etapa – a
pela ligação de C3 a estruturas do vírus ou de células infectadas; e das lectinas, que envolve eliminação das células infectadas. Nesse sentido, os linfócitos TCD8+, com atividade
a proteína MBL (mannan-binding lectin) – uma proteína sérica que se liga a alguns citotóxica, surgem ao lado das células natural killer (NK), como as principais células efetoras.
carboidratos expressos em glicoproteínas de envelopes virais. Todas essas vias envolvem Além desses, as células TCD4+ também apresentam papel importante de regulação da
uma cascata de reações que produzem uma C3 convertase ligada à superfície viral. Essa resposta imunológica como um todo. Essas células produzem diferentes citocinas envolvidas
enzima cliva C3, liberando C3b e C3a; C3b se mantém associado à superfície do patógeno e na regulação da ativação de componentes da imunidade inata, de células TCD8+ e de
pode funcionar como uma opsonina, tornando o vírus alvo de fagócitos que apresentam linfócitos B, além de serem essenciais para o desenvolvimento de memória imunológica.
receptores para C3 (CR1), facilitando a eliminação dos vírus da circulação. Alternativamente,
C3b pode se associar a C5, produzindo uma C5 convertase que cliva C5, gerando C5a e ■Células natural killer
C5b. A presença de C5b associada ao vírus pode iniciar uma nova sequência de reações,
Embora sejam de origem linfocitária, as células natural killer (NK) são consideradas
componentes efetores da imunidade inata, uma vez que seu padrão de reconhecimento da ■Linfócitos T
célula-alvo é distinto de linfócitos T e B (não apresentam receptores clonais como TCR ou Diferentemente das células NK, os linfócitos T apresentam um padrão clonal de
BCR) e sua ativação não está relacionada com o desenvolvimento de memória imunológica. reconhecimento e necessitam de ativação prévia para a realização da sua função efetora,
Essas células apresentam atividade citotóxica e, quando ativadas, liberam grânulos fazendo parte da chamada imunidade adaptativa. O reconhecimento do patógeno é feito por
citolíticos, contendo enzimas como granzimas e perforinas, que induzem a apoptose da meio de seus receptores específicos de antígenos (TCR, T cell receptor), os quais
célula-alvo. O reconhecimento da célula-alvo pelas células NK pode ocorrer por dois reconhecem pequenos peptídeos associados a moléculas de MHC expressas na superfície
mecanismos; o primeiro está relacionado com a expressão de FcR e com o reconhecimento e de células apresentadoras de antígenos. O TCR age em conjunto com duas moléculas
a indução de apoptose das células infectadas recobertas por anticorpos. Tal processo é assessórias, CD4 e CD8, as quais são mutuamente exclusivas e determinam com qual tipo
chamado de citotoxicidade mediada por anticorpos (ADCC). de MHC os linfócitos T irão interagir. Células TCD8+ reconhecem antígenos via MHC I,
Células NK expressam, ainda, um conjunto de receptores que reconhecem padrões de enquanto as TCD4+ têm seu reconhecimento antigênico restrito à apresentação via MHC II.
carboidratos expressos em diferentes ligantes celulares, levando à ativação dessas células, Todas as células nucleadas expressam MHC I, enquanto a expressão de MHC II está restrita
com liberação de grânulos citotóxicos. A ativação induzida por esses receptores é regulada às APC, que são as células dendríticas, os macrófagos e os linfócitos B. A ligação do TCR
por outro grupo destes, que reconhecem moléculas de MHC I e têm atividade inibitória sobre específico ao antígeno apresentado pela molécula de MHC promove a ativação do linfócito T
células NK. Desse modo, o segundo mecanismo de ativação das células NK está relacionado e a rápida divisão celular expandindo o pool de células específicas ao antígeno e
com o reconhecimento de um padrão anormal de expressão de moléculas de MHC I nas promovendo a amplificação da resposta.
células-alvo. Diferentes vírus são capazes de modular a expressão de moléculas de MHC
nas células hospedeiras, de modo que, em geral, células infectadas por vírus apresentam Classicamente, a apresentação de antígenos virais ocorre via moléculas de MHC I. Esse tipo
uma diminuição da expressão de MHC I. Dessa maneira, a baixa expressão de MHC I em de apresentação é característico de patógenos citoplasmáticos, que são degradados nos
células infectadas torna possível o reconhecimento dessas células pelas células NK, sem que proteossomas celulares. A degradação ou processamento desses antígenos nos
ocorra o engajamento dos receptores inibitórios, levando à ativação das células NK e à proteossomas produz pequenos peptídeos os quais são endereçados ao retículo
liberação de seus grânulos citotóxicos. endoplasmático (RE), em que se associam às moléculas de MHC I recém-sintetizadas.
Assim, o complexo peptídeo-MHC formado migra para a membrana celular, na qual é
apresentado para os linfócitos TCD8+. Já a apresentação via moléculas de MHC II é
característica de patógenos intravesiculares. A degradação ocorre dentro das vesículas,
principalmente lisossomas, por meio de proteases ácidas presentes. Posteriormente, ocorre a
fusão dessas vesículas com outras vesículas contendo a molécula de MHC II, o que permite
sua associação aos peptídeos virais gerados. Esses complexos migram para a membrana
celular, onde são apresentados a linfócitos TCD4+. É sabido, no entanto, que essas vias não
são tão restritas e que existem mecanismos de processamento e apresentação cruzada de
antígenos. Nesse sentido, antígenos provenientes de patógenos intravesiculares podem ser
apresentados via MHC I. Acredita-se que isso possa ocorrer devido à associação de
componentes do proteossoma a vesículas endossomais ou, ainda, pela reciclagem de
moléculas de MHC I da membrana plasmática por meio de endocitose. Dessa maneira,
antígenos processados nos lisossomas podem se associar ao MHC I presente nas vesículas.
Vale ressaltar que os antígenos presentes nas vesículas podem ser oriundos tanto de vírus
endocitados quanto de fragmentos originados de células que entraram em apoptose após a
infecção viral, os quais podem ser capturados pelas APC. Desse modo, essa via de
apresentação cruzada é importante para a apresentação de antígenos derivados de vírus que
não infectam APC, para que haja ativação dos linfócitos TCD8+ citotóxicos.
A apresentação cruzada é importante também para ativação de células TCD4+. A geração de
peptídeos para a apresentação via MHC II para células TCD4+ pode ocorrer após lise de
células infectadas e liberação desses antígenos, os quais podem ser capturados e
endocitados por APC, em um processo semelhante ao descrito anteriormente. É possível,
ainda, que moléculas de MHC II recém-sintetizadas e expressas no RE se encontrem e se
associem a peptídeos produzidos no proteossoma, possibilitando a apresentação dos
mesmos via MHC II. Independentemente de mecanismos de apresentação cruzada, a
apresentação de antígenos virais via MHC II pode ocorrer após a captura dos vírus por
receptores do tipo lectina (receptores de manose, DC-SIGN), que direcionam as partículas A ativação de linfócitos TCD4+, também chamados linfócitos T auxiliares ou T helper (Th), é
para os endossomas. de extrema importância para o controle de uma infecção viral, uma vez que sua principal
Durante a apresentação do antígeno à célula T, é necessária, além da ligação MHC/TCR, a função efetora esta associada à produção de citocinas envolvidas na regulação de diferentes
participação de outras moléculas chamadas coestimulatórias. Esses sinais são componentes da resposta imunológica. O papel central das células TCD4+ na resposta
imprescindíveis tanto para a maturação do linfócito T quanto para a maturação das APC que, antiviral pode ser evidenciado pelo fato de que uma deficiência de número ou função dessas
quando maduras, liberam citocinas importantes para a determinação do padrão de resposta, células é associada à reativação de infecções latentes, à suscetibilidade aumentada a
como é o caso dos linfócitos TCD4+, que podem se diferenciar em Th1, Th2 e Th17 ou, infecções oportunistas e à baixa eficiência de vacinas.
ainda, em células T regulatórias. Além disso, há maior expressão de moléculas de adesão e As células TCD4+ são estimuladas após interação e apresentação de antígenos por APC e,
receptores de quimiocinas nos linfócitos T, como um mecanismo de direcionar essas células de acordo com o estímulo e padrão de citocinas produzidas pelas APC, as células T helper
para o sítio de infecção. podem ser diferenciadas em Th1, Th2, Th17, ou Treg (regulatory T cells).
As células Th1 produzem, sobretudo, IFN-γ, IL-2 e IL-18. Essas citocinas são importantes
Linfócitos TCD8+ para a sobrevivência, a manutenção e a expansão de linfócitos e para a ativação de
A principal função efetora dos linfócitos TCD8+ está associada à sua atividade citotóxica e à macrófagos, células NK e linfócitos TCD8+. Desse modo, a ativação de células Th1 é central
indução de apoptose da célula-alvo. O processo tem início pelo reconhecimento do antígeno para a indução e a manutenção da resposta antiviral. Já as células Th2 produzem IL-4, IL-5 e
viral, associado a moléculas de MHC I na superfície das células infectadas. Isso leva à IL-13 e, classicamente, são associadas à modulação da produção de determinados isotipos
ativação das células TCD8+ com liberação de grânulos citolíticos. O conteúdo desses de imunoglobulina.
grânulos contém uma série de proteínas e enzimas que podem causar dano e morte da As células Th17 produzem IL-17, IL-21 e IL-22 e participam ativamente de respostas
célula-alvo infectada. Uma dessas moléculas é a perforina, uma proteína capaz de formar inflamatórias. O aumento da produção de IL-17 já foi associado à exacerbação da resposta
poros nas membranas celulares. Outras moléculas são as granzimas, que são serino- inflamatória e ao surgimento de determinados sintomas em diferentes infecções virais, tais
proteases, e, ao entrarem na célula infectada, ativam a cascata de apoptose, iniciada pela como na ceratite causada após a infecção da córnea pelo HSV, na miocardite causada pelo
ativação de caspase-3. A granulisina também é uma enzima capaz de levar a célula a entrar Coxsackievírus B3 e na infecção crônica pelo HBV. Por outro lado, as células Th17 parecem
em apoptose. Dessa maneira, por apoptose, essas moléculas atuam em conjunto, ser importantes para a imunidade de mucosas; além disso, o equilíbrio na proporção desse
possibilitando que a célula infectada seja eliminada sem que haja ativação de processo subtipo celular parece ser importante para o controle de infecções nesses tecidos. Na
inflamatório. A apoptose da célula infectada, consequentemente, causa destruição das infecção pelo HIV, por exemplo, há relato de que a produção de citocinas com perfil Th1 e
partículas virais, impedindo a infecção de outras células e sua disseminação no hospedeiro. Th17 está inversamente correlacionada à carga viral. Além disso, células Th17 são
A lise das células infectadas, em consequência da apoptose pode ocorrer, ainda, por outros preferencialmente depletadas no trato gastrointestinal de pacientes HIV-positivos, enquanto
mecanismos de indução de citotoxicidade, como o mediado pelo engajamento do receptor em modelos de infecção por SIV em seus hospedeiros naturais que não adoecem, a
Fas, que induz a ativação de cascata de caspases. Quando ativados, os linfócitos TCD8+ população de células Th17 se mantém intacta, sugerindo que a preservação da mesma
expressam em sua membrana o ligante de Fas (FasL), que pode interagir com o receptor Fas influencie a progressão para doença.
na superfície da célula infectada e induzir a apoptose dessas células. As células Treg caracterizadas pela expressão do receptor CD25 e, muitas vezes, do fator de
Além de sua atividade citotóxica, as células TCD8+ também secretam inúmeros mediadores transcrição Foxp3, estão associadas à supressão da resposta imunológica mediada por
imunológicos, incluindo citocinas e quimiocinas, tais como o IFN-γ, TNF-α, MIP-1β, dentre linfócitos TCD4+. Essa inibição ocorre, principalmente, pela produção de citocinas, tais como
outros, que podem contribuir para ativação de mecanismos antivirais nas células infectadas. IL-10 e TGF-β, que modulam negativamente a resposta T. A participação de células Treg em
A liberação de IFN-γ, por exemplo, inibe a replicação viral e promove aumento na expressão infecções virais já foi demonstrada em infecções por HIV e HCV. Em pacientes com infecção
de moléculas de MHC, além de ativar macrófagos. A ativação dessas células leva à inibição crônica por HCV, foi observada a indução de citocinas características da ativação de Treg,
da replicação viral pela produção de espécies reativas de oxigênio e pela maior eficiência na como IL-10 e TGF-β. Além disso, foi descrita maior frequência de Treg nos pacientes com
degradação de proteínas. infecção crônica em relação àqueles que eliminaram a infecção. De maneira semelhante, em
Esses achados demonstram o papel crucial da ativação dos linfócitos TCD8+ para o controle pacientes HIV-positivos não tratados, observou-se que a proporção de células Treg em
da replicação viral. No entanto, a persistência do antígeno e a ativação crônica dessas mucosas se correlaciona diretamente à carga viral.
células podem resultar em deficiência de sua função efetora, devido à exaustão celular – a Diante da enorme plasticidade das células TCD4+, seu papel na ativação de outros tipos
qual está associada a alta carga viral, manutenção do patógeno no hospedeiro e indução celulares é também bastante diverso. Nesse sentido, sabe-se que a expansão de linfócitos
progressiva da inibição da atividade citotóxica e produção de citocinas mediadas pelos TCD8+ e indução de resposta citotóxica pode ser positivamente modulada por essas células.
linfócitos TCD8+. Nesse sentido, a expressão de marcadores associados à exaustão, como o Algumas das citocinas produzidas por células TCD4+ são essenciais para a sobrevivência,
receptor PD-1, foi demonstrada em infecções crônicas, como aquelas causadas por HCV e expansão ou manutenção das células T, de maneira que a ativação das células Th é
HIV. Além desse mecanismo, a deficiência de linfócitos TCD4+ também pode contribuir para importante para a expansão de CTL específicos para o vírus nas respostas primárias e sua
a inibição da função das células TCD8+, como será discutido a seguir. subsequente diferenciação em células de memória. Tem sido observado em vários modelos
de infecção viral que a ativação de células TCD8+ na ausência do help de TCD4+ está
Linfócitos TCD4+ associada à produção de células com menor potencial de produção de citocinas, de resposta
a quimiocinas, menor desenvolvimento de células de memória e, consequentemente,
deficiência de uma resposta secundária. Esses achados são claramente evidenciados em
infecções virais crônicas, como na infecção pelo HIV. Nesse caso, devido à depleção
marcante dos linfócitos TCD4+, as células TCD8+ estão expostas à estimulação antigênica
constante, na ausência ou ineficiência do estímulo de células T helper, o que tem sido
associado à alteração funcional das células TCD8+, levando-as a um processo de inativação
funcional e exaustão. A importância do papel das células Th na funcionalidade dos CTL pode
ser evidenciada, ainda, em modelos de vacinação, nos quais tem sido possível observar que
a indução de uma resposta citotóxica ótima ao antígeno vacinal e, consequentemente, ao
desafio com o vírus selvagem, depende de células TCD4+.
A resposta mediada por células TCD4+ é essencial também para a modulação da produção
de anticorpos. Embora os linfócitos B possam ser estimulados de maneira T-independente,
isso apenas produz a secreção de IgM de baixa afinidade. A resposta T-dependente (ou seja,
quando o linfócito B, além do reconhecimento do antígeno específico pelo BCR, interage com
células TCD4+ ativadas) provoca mudança de classe de Ig em um processo chamado de
maturação da afinidade. Tal processo está relacionado com a indução de sinais na célula B e
com a seleção de clones de linfócitos B
capazes de secretar anticorpos com
maior afinidade/avidez pelo antígeno
específico.
O desenvolvimento de memória
imunológica, tanto de linfócitos TCD8+ 8 - Entender o mecanismo de memória imunológica, relação com vacinas e a
quanto de células B, também parece prevenção de doenças infecciosas
depender da ativação de células Memória imunológica
TCD4+, como demonstrado em uma As respostas imunes mediadas por anticorpo de um hospedeiro se intensificam após uma
variedade de modelos de infecções exposição secundária a um antígeno. Essa resposta secundária é também chamada de
virais. resposta de memória (anamnética). Como mostrado na Figura 17.17, essa resposta é
As células TCD4+ apresentam, ainda, comparativamente mais rápida, alcançando um pico em apenas 2 a 7 dias, dura vários dias e
atividade citotóxica, uma vez que, assim é consideravelmente maior em magnitude. Para fins explicativos, como mostrado na Figura
como os linfócitos TCD8+, expressam 17.5, algumas células B ativadas não se tornam plasmócitos produtores de anticorpo, mas
FasL em sua superfície, podendo persistem como células de memória de vida longa, não proliferativas. Anos, ou até mesmo
induzir o sinal de morte celular em décadas mais tarde, se essas células forem estimuladas pelo mesmo antígeno, diferenciam-
células infectadas expressando Fas se muito rapidamente em plasmócitos produtores de anticorpo.
(Figura 7.6). A intensidade da resposta humoral mediada por anticorpos pode ser refletida pelo título de
anticorpo, a quantidade relativa de anticorpo presente no soro. Após contato inicial com um
antígeno, o soro da pessoa exposta não apresenta qualquer anticorpo detectável por 4 a 7
dias. Então, ocorre um aumento lento no título de anticorpo: primeiro, anticorpos da classe
IgM são produzidos, seguidos por um pico de IgG em aproximadamente 10 a 17 dias, após o
qual o título de anticorpo declina gradualmente. Esse padrão é característico de uma
resposta primária a um antígeno.
Tipos de imunidade adaptativa
A imunidade pode ser adquirida ativa ou passivamente. A imunidade é adquirida ativamente
quando uma pessoa é exposta a microrganismos ou substâncias estranhas e seu sistema
imune responde a isso. A imunidade é adquirida passivamente quando anticorpos são
transferidos de uma pessoa para outra. A imunidade passiva no recipiente (na pessoa que
recebe) dura apenas enquanto os anticorpos estiverem presentes – em muitos casos,
algumas poucas semanas. Tanto a imunidade adquirida ativamente quanto a adquirida
passivamente podem ser obtidas por meios naturais ou artificiais.
Os quatro tipos de imunidade adaptativa podem ser resumidos como a seguir: proteínas dissolvidas no soro movem-se a taxas distintas. As proteínas globulinas separam-
se em frações que são chamadas de alfa (􏰅), beta (􏰆) e gama (γ), de acordo com sua
• A imunidade ativa adquirida naturalmente desenvolve-se quando uma pessoa é mobilidade relativa. Uma vez que a fração gama, denominada gama-globulina, contém a
exposta a antígenos ao longo da vida cotidiana, torna-se doente e, então, se recupera. Uma maior parte dos anticorpos, ela é frequentemente utilizada para a transferência de imunidade
vez adquirida, a imunidade permanece por toda a vida para algumas doenças, como o passiva.
sarampo. Para outras, principalmente as doenças intestinais, a imunidade pode durar apenas Quando a gama-globulina, também chamada de globulina do soro imune, de um indivíduo
alguns anos. Infecções subclínicas ou infecções inaparentes (aquelas que não produzem imune a uma doença é inoculada em outro indivíduo, ela confere uma proteção passiva
sintomas notáveis ou sinais de enfermidade) também podem conferir imunidade. imediata contra a doença em questão. Entretanto, embora a imunidade passiva adquirida
artificialmente seja imediata, ela é de vida curta, pois os anticorpos são degradados pelo
• A imunidade passiva adquirida naturalmente envolve a transferência natural de recipiente. A meia -vida de um anticorpo inoculado (o tempo necessário para que metade dos
anticorpos de uma mãe para o seu recém-nascido. Anticorpos de uma mulher grávida cruzam anticorpos desapareça) geralmente é de cerca de três semanas.
a placenta em direção ao feto – transferência transpla- centária. Se a mãe é imune a difteria,
rubéola ou pólio, por exemplo, o recém-nascido estará temporariamente imune a essas Tipos de vacinas e suas características
doenças. Vacinas vivas atenuadas
Certos anticorpos também são transferidos pelo leite da O enfraquecimento deliberado, chamado de atenuação, pode conduzir à produção de vacinas
mãe para o bebê durante a amamentação, principalmente vivas atenuadas. Quando começou a se utilizar a prática do uso das culturas de células para
nas primeiras secreções, chamadas de colostro. a produção de vírus, percebeu-se que o cultivo de células por um longo período era, em si,
No bebê, essa imunidade passiva dura uma maneira de atenuar os vírus patogênicos. Essa descoberta expandiu o número de
apenas enquanto os anticorpos transmitidos doenças passíveis de prevenção, sobretudo para seres humanos.
persistem – geralmente algumas semanas As vacinas vivas mimetizam fielmente uma infecção real. À medida que o patógeno se
ou meses. multiplica no interior das células do hospedeiro, a imunidade celular, bem como a humoral,
Esses anticorpos maternos são geralmente são induzidas. A imunidade vitalícia, em especial no caso dos vírus, costuma ser
essenciais para fornecer imunidade ao alcançada sem imunizações de reforço, e uma taxa de 95% de eficácia não é incomum. Essa
bebê até que o seu próprio sistema eficácia de longa duração ocorre provavelmente porque os vírus atenuados se replicam no
imune se desenvolva. O colostro é ainda organismo, aumentando a dose original e agindo como uma série de imunizações
mais importante para outros mamíferos; secundárias (reforços).
bezerros, por exemplo, não têm
anticorpos que cruzam a placenta, Vacinas mortas inativadas
dependendo, então, do colostro ingerido As vacinas mortas inativadas utilizam micróbios mortos geralmente pela formalina ou pelo
durante o primeiro dia de vida. Os fenol. As vacinas de vírus inativadas utilizadas em seres humanos incluem a da raiva, gripe
pesquisadores geralmente recomendam (influenza) e pólio (a vacina Salk). De modo geral, essas vacinas são consideradas mais
soro fetal de bezerro para certas seguras do que as vacinas vivas. As vacinas de bactérias inativadas incluem aquelas contra
aplicações experimentais, pois não a pneumonia pneumocócica e cólera. Comparadas às vacinas vivas atenuadas, as vacinas
contém anticorpos maternos. inativadas geralmente requerem doses repetidas de reforço. Elas também induzem
principalmente uma imunidade humoral de anticorpos, o que as torna menos efetivas do que
• A imunidade ativa adquirida artificialmente é o resultado da vacinação. A vacinação, as vacinas atenuadas na indução de uma imunidade celular. Diversas vacinas inativadas que
também chamada de imunização, introduz vacinas no organismo. Esses antígenos incluem vêm sendo utilizadas há alguns anos estão sendo substituídas por tipos novos e mais
microrganismos mortos ou vivos ou toxinas bacterianas inativas. eficazes; exemplos incluem as vacinas contra coqueluche (tosse comprida) e febre tifoide.

• A imunidade passiva adquirida artificialmente envolve a introdução de anticorpos Vacinas de subunidades


(em vez de antígenos) por injeção no organismo. Esses anticorpos são oriundos de um As vacinas de subunidades utilizam apenas fragmentos antigênicos de um microrganismo
animal ou de um ser humano que já são imunes à doença em questão. que melhor estimulam uma resposta imune. Isso evita os perigos associados ao uso de
organismos patogênicos vivos ou mortos. As vacinas de subunidades que são produzidas por
Uma vez que o soro sanguíneo é facilmente obtido e contém uma concentração considerável técnicas de engenharia genética – ou seja, outros micróbios são programados para produzir a
de anticorpos, o termo antissoro tornou-se genérico e refere-se aos fluidos derivados do fração antigênica de interesse – são chamadas de vacinas recombinantes. Por exemplo, a
sangue que contêm anticorpos. Por isso, o estudo das reações entre os anticorpos e os vacina contra o vírus da hepatite B consiste em uma porção da proteína do capsídeo viral que
antígenos é chamado de sorologia. Como mostrado na Figura 17.19, quando uma amostra de é produzida por uma levedura geneticamente modificada (ver Capítulo 8).
soro é submetida a uma corrente elétrica em gel de eletroforese em um laboratório, as
As vacinas de partículas semelhantes a vírus (VLP, de virus-like particle) assemelham-se
a vírus intactos, mas não apresentam nenhum material genético viral. A vacina contra o vírus
da hepatite B é um exemplo – ela consiste em uma porção da proteína do capsídeo do vírus
que é produzida por uma levedura geneticamente modificada. As vacinas contra o
papilomaví- rus humano (HPV, de human papillomavirus), responsável por muitos tipos de
câncer cervical e verrugas genitais, também são vacinas de VLP.

Vacinas conjugadas
As vacinas conjugadas foram desenvolvidas nos últimos anos para resolver o problema da
resposta imune reduzida de crianças a vacinas com base em cápsulas polissacarídicas. Os
polissacarídeos são antígenos T-independentes, e o sistema imune infantil não responde
muito bem a esses antígenos até os 15 a 24 meses de idade. Os polissacarídeos são com-
binados a proteínas, como o toxoide diftérico ou tetânico; essa abordagem permitiu a
produção da vacina bem-sucedida contra Haemophilus influenzae tipo b (Hib), que fornece
proteção signi- ficativa até mesmo aos 2 meses.

Vacinas de ácido nucleico (DNA)


As vacinas de ácido nucleico, geralmente chamadas de vacinas de DNA, estão entre os
imunógenos mais modernos e promissores. Experimentos com animais mostram que
plasmídeos de DNA “nu” injetados via intramuscular resultam na produção do antígeno
proteico codificado no DNA. A injeção pode ser feita por agulha convencional ou, de modo
mais eficaz, pelo método de “pistola gênica” (“gene gun”), que libera a vacina em muitos
núcleos celulares da pele. Os antígenos proteicos são transportados à medula óssea
vermelha e estimulam tanto a imunidade humoral quanto a imunidade celular. Esses
antígenos também tendem a ser expressos por tempos prolongados, com uma boa memória
imunológica. Entretanto, as vacinas com base nas cápsulas polissacarídicas de bactérias não
podem ser produzidas por esse método. Tortora, G. J.; Funke, B. R.; Case, C. L.
Microbiologia.
9 - Identificar fatores (nutricionais, genéticos e emocionais) que influenciam na diferentes doenças envolvem diferentes componentes do sistema imune. As anormalidades
ocorrência de imunodeficiências adquiridas e congênitas e suas características no desenvolvimento dos linfócitos podem ser causadas por mutações em genes codificadores
de enzimas, adaptadores, proteínas transportadoras e fatores de transcrição. Esses defeitos
A integridade do sistema imune é essencial para a defesa contra organismos infecciosos e hereditários e a disrupção de genes-alvo correspondentes em camundongos têm sido
seus produtos tóxicos e, portanto, para a sobrevivência de todos os indivíduos. Defeitos em instrutivos na elucidação dos mecanismos de desenvolvimento e função dos linfócitos. Abbas.
um ou mais componentes do sistema imune podem causar distúrbios graves e muitas vezes Imuno Cel e Mol.
fatais, que são coletivamente chamados doenças por imunodeficiências. Essas doenças Imunodeficiências Primárias
são amplamente classificadas em dois grupos. As imunodeficiências primárias ou A maioria das doenças de imunodeficiência primária é geneticamente determinada e afeta os
congênitas são defeitos genéticos que resultam no aumento da susceptibilidade à infecção, mecanismos de defesa da imunidade inata (fagócitos, células NK ou complemento) ou os
que frequentemente se manifestam na fase de lactação e início da infância, mas que às braços humoral e/ou celular da imunidade adaptativa (mediada por linfócitos B e T,
vezes são clinicamente detectadas mais tarde na vida. Estima-se que, nos Estados Unidos, respectivamente). Embora esses transtornos tenham sido considerados raros, algumas
cerca de 1 em cada 500 indivíduos nasce com um defeito em algum componente do sistema formas de deficiência imunológica genética leve estão, na verdade, presentes em muitos
imune, embora apenas uma pequena proporção seja afetada de forma grave o suficiente indivíduos. A maioria das imunodeficiências primárias é detectada na infância, entre 6 meses
para desenvolver complicações com risco de vida. As imunodeficiências secundárias ou e 2 anos de vida, sendo a suscetibilidade a infecções recorrentes um sinal indicativo.
adquiridas não são doenças hereditárias, mas se desenvolvem como uma consequência de
desnutrição, câncer disseminado, tratamento com fármacos imunossupressores ou infecção
de células do sistema imune, especialmente pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV do
inglês, human immunodeficiency virus), o agente etiológico da síndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS, do inglês, acquired immunodeficiency syndrome). Este capítulo descreve os
principais tipos de imunodeficiências congênitas e adquiridas, com ênfase na sua patogênese
e nos componentes do sistema imune envolvidos nesses distúrbios.

Visão Geral das Doenças por Imunodeficiências


A principal consequência da imunodeficiência é o aumento da susceptibilidade à
infecção. A natureza da infecção em determinado paciente depende em grande parte do
componente do sistema imune que está defeituoso. A imunidade humoral defeituosa
normalmente resulta em infecção por bactérias encapsuladas formadoras de pus e alguns
vírus, enquanto os defeitos na imunidade mediada por células levam à infecção por vírus e
outros microrganismos intracelulares ou à reativação de infecções latentes. As deficiências
combinadas, tanto da imunidade humoral como da imunidade mediada por células, tornam os
pacientes susceptíveis à infecção por todas as classes de microrganismos. Pacientes Defeitos da Imunidade Inata
imunodeficientes, em especial aqueles com defeitos na imunidade celular, geralmente Defeitos herdados na resposta imunológica inata precoce tipicamente afetam as funções dos
apresentam infecções por microrganismos comumente encontrados, mas que são leucócitos ou o sistema complemento e todos levam a uma maior vulnerabilidade a infecções.
eficientemente eliminados nas pessoas saudáveis; tais infecções são chamadas
oportunistas. Defeitos na imunidade inata podem resultar em infecções por diferentes Defeitos na Função dos Leucócitos
categorias de microrganismos, dependendo da via ou do tipo celular afetados. • Defeitos herdados na adesão dos leucócitos. Indivíduos com deficiência na adesão de
Pacientes com imunodeficiências também são suscetíveis a certos tipos de câncer. leucócitos tipo 1 têm um defeito na biossíntese da cadeia β2 partilhada pelas integrinas LFA-
Muitos desses cânceres parecem ser causados por vírus oncogênicos, como o vírus Epstein- 1 e Mac-1. A deficiência na adesão de leucócitos tipo 2 é causada pela ausência do sialil-
Barr e os papilomavírus humanos. Um aumento da incidência de câncer é mais Lewis X, o ligante contendo fucose para as selectinas-P e E, como resultado de um defeito na
frequentemente observado nas imunodeficiências de células T porque, as células T fucosil transferase, a enzima que liga a molécula de fucose ao esqueleto de proteína. O
desempenham um papel importante na vigilância contra tumores malignos. principal problema clínico em ambas as condições são as infecções bacterianas recorrentes
Paradoxalmente, certas imunodeficiências estão associadas a uma maior incidência de devido à função inadequada dos granulócitos.
autoimunidade. A autoimunidade é geralmente observada em imunodeficiências nas quais
há uma perda incompleta de uma população ou função imune decorrente de uma mutação • Defeitos herdados na função do fagolisossoma. Um desses distúrbios é a síndrome de
hipomórfica, que normalmente resulta na atenuação de algum mecanismo regulador. Chediak-Higashi, uma doença autossômica recessiva caracterizada pela fusão defeituosa de
A imunodeficiência pode resultar de defeitos no desenvolvimento ou na ativação dos fagossomos e lisossomos, resultando em um defeito na função dos fagócitos e
linfócitos, ou de defeitos nos mecanismos efetores da imunidade inata e adaptativa. As suscetibilidade a infecções. As principais anomalias dos leucócitos são a neutropenia
doenças por imunodeficiências são clínica e patologicamente heterogêneas, em parte porque (diminuição do número de neutrófilos), a degranulação defeituosa e a demora da morte
microbiana. Os leucócitos contêm grânulos gigantes, que são facilmente vistos em • Defeitos herdados na atividade microbicida. A importância dos mecanismos bactericidas
esfregaços de sangue periférico e parecem ser resultado da fusão aberrante de
fagolisossomas. Além disso, há anomalias nos melanócitos (resultando no albinismo), células
do sistema nervoso (associadas com defeitos nervosos) e plaquetas (causando distúrbios
hemorrágicos). O gene associado com essa desordem codifica uma grande proteína
citoplasmática denominada LYST, que parece regular o tráfego lisossômico.

dependentes de oxigênio é mostrada pela existência de um grupo de desordens congênitas


chamado de doença granulomatosa crônica, que é caracterizado por defeitos na morte
bacteriana e torna os pacientes suscetíveis a infecções bacterianas recorrentes. A doença
granulomatosa crônica resulta de defeitos herdados nos genes que codificam componentes
da fagócito oxidase, a enzima fagolisossomal que gera o superóxido. O nome dessa doença
resulta da reação inflamatória crônica rica em macrófagos que tentam controlar a infecção
quando a defesa inicial de neutrófilos é inadequada. Isso muitas vezes resulta em coleções
de macrófagos ativados que envolvem os microrganismos, formando granulomas.
• Defeitos na sinalização do TLR. Defeitos raros têm sido descritos em vários TLRs. Os
defeitos no TLR3, um receptor para o RNA viral, resultam em encefalite por herpes simples
recorrente, e defeitos em MyD88, a proteína adaptadora que inibe múltiplos TLRs, estão
associados com pneumonias bacterianas destrutivas. Foi uma surpresa o fato de essas
anomalias hereditárias se apresentarem com fenótipos clínicos tão restritos.
Defeitos da Imunidade Adaptativa
Os defeitos da imunidade adaptativa costumam ser subclassificados com base no
componente primário envolvido (i.e., células B ou células T ou ambas). No entanto, essas
distinções não são nítidas; por exemplo, os defeitos nas células T quase sempre levam a um
comprometimento da síntese de anticorpos, e por isso deficiências isoladas de células T
costumam ser indistinguíveis clinicamente das deficiências combinadas de células T e B.
Essas imunodeficiências resultam de anomalias na maturação ou ativação dos linfócitos.
Com os avanços das análises genéticas, as mutações responsáveis por muitas dessas

afetados estão indicados entre parênteses para algumas das doenças. ADA, Adenosina
desaminase; CD40L, ligante de CD40 (também conhecido como CD154); IDVC,
imunodeficiência variável comum; IDCG, imunodeficiência combinada grave

Defeitos na Maturação dos Linfócitos

Imunodeficiência Combinada Grave


doenças estão sendo identificadas. A imunodeficiência combinada grave (IDCG) representa uma constelação de síndromes
geneticamente distintas, todas tendo em comum defeitos nas respostas imunológicas
mediadas por células e humorais. As crianças afetadas apresentam “sapinho” proeminente
Doenças da imunodeficiência primária. As principais vias do desenvolvimento dos linfócitos e (candidíase oral), exantema de fralda extenso e insuficiência de crescimento. Pessoas com a
os bloqueios dessas vias em doenças da imunodeficiência primária são exibidos. Os genes IDCG são extremamente suscetíveis a infecções recorrentes graves por uma ampla
variedade de patógenos, incluindo Candida albicans, Pneumocystis jiroveci, Pseudomonas, - Essas doenças são causadas pelas mutações hereditárias em genes envolvidos na
citomegalovírus, varicela e um conjunto inteiro de bactérias. Sem o transplante de CTH, maturação ou função dos linfócitos, ou na imunidade inata.
ocorre o óbito no primeiro ano de vida. Apesar das manifestações clínicas comuns, os - Deficiências na imunidade inata incluem defeitos na função dos fagócitos, complemento e
defeitos subjacentes são bem variados nas diferentes formas de IDCG, e em muitos casos receptores da imunidade inata.
não se conhece a lesão genética. Muitas vezes, o defeito da IDCG reside no compartimento - Alguns dos distúrbios comuns que afetam os linfócitos e a resposta imunológica adaptativa
de células T, havendo um comprometimento secundário da imunidade humoral. são:
- X-IDCG: falha na maturação das células T e B; mutação na cadeia γ comum de um
receptor de citocina, resultando na falha da sinalização de IL-7 e linfopoiese defeituosa.
- IDCG autossômica recessiva: falha no desenvolvimento das células T, defeito secundário
nas respostas dos anticorpos; aproximadamente 50% dos casos causados por mutação no
gene que codifica a ADA, resultando no acúmulo de metabólitos tóxicos durante a maturação
e proliferação dos linfócitos.
- Agamaglubulinemia ligada ao X (XLA): falha na maturação das células B, ausência de
anticorpos; causada por mutações no gene BTK, o qual codifica a tirosina-cinase da célula B,
necessária para os sinais de maturação dos receptores de pré-células B e de células B.

Conceitos-
chave
Doenças da Imunodeficiência Primária (Congênita)
- Imunodeficiência variável comum: defeitos na produção de anticorpos; causa - A progressão da infecção: infecção aguda de células T da mucosa e CDs; viremia com a
desconhecida na maioria dos casos. disseminação do vírus; infecção latente das células no tecido linfoide; replicação viral
- Deficiência de IgA seletiva: falha na produção de IgA; causa desconhecida. continuada e perda progressiva de células T CD4+
- Síndrome de hiper-IgM ligada ao X: falha na produção de anticorpos de alta afinidade que - Mecanismos da imunodeficiência:
trocaram de isotipo (IgG, IgA, IgE); mutação no gene codificador de CD40L. - Perda das células T CD4+: morte das células T durante a replicação e o brotamento viral
- Doença linfoproliferativa ligada ao X (SLX): defeito em uma molécula sinalizadora, (semelhante a outras infecções citopáticas); apoptose como um resultado da estimulação
causando respostas defeituosas contra o vírus Epstein-Barr e linfoproliferação. crônica; diminuição da produção do timo; defeitos funcionais
- Essas doenças apresentam-se clinicamente com aumento da suscetibilidade a infecções no - Macrófagos defeituosos e funções das CD
início da vida. - Destruição da arquitetura dos tecidos linfoides (tardia)
- As manifestações clínicas da AIDS incluem infecções oportunistas, tumores como os
Imunodeficiências Secundárias linfomas de células B, e anomalias do SNC.

Imunodeficiências secundárias V Kumar. Robbins & Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças.
(adquiridas) podem ser
encontradas em indivíduos com
câncer, diabetes e outras
doenças metabólicas,
desnutrição, infecção crônica e
em pessoas que estão
recebendo quimioterapia ou
radioterapia para o câncer,
medicamentos
imunossupressores para evitar
a rejeição do enxerto ou para o
tratamento de doenças
autoimunes. Como grupo, as
imunodeficiências secundárias são
mais comuns do que os
transtornos de origem genética
primária. Alguns desses estados de imunodeficiência secundária podem ser causados por
maturação defeituosa dos linfócitos (quando a medula óssea é lesada por radiação ou
quimioterapia ou envolvida por tumores como as leucemias e os cânceres metastáticos),
síntese inadequada de Igs (como na desnutrição) ou depleção linfocitária (por fármacos ou
infecções graves). A imunodeficiência secundária mais comum é a AIDS.

Conceitos-chave
Patogenia e Curso da Infecção pelo HIV e AIDS

- A entrada do vírus nas células: requer CD4 e correceptores, que são receptores de
quimiocinas; envolve a ligação da gp120 viral e a fusão com a célula mediada pela proteína
viral gp41; os principais alvos celulares são as células T auxiliares CD4+, macrófagos e
células dendríticas.
- Replicação viral: o genoma do provírus integra-se ao DNA da célula hospedeira; a
expressão gênica viral é desencadeada por estímulos que ativam as células infectadas (p.
ex., microrganismos infecciosos, citocinas produzidas durante as respostas imunológicas 10 - Discutir os impactos sociais e econômicos de uma pandemia viral
normais) Impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia
A pandemia de Covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2 ou Novo Coronavírus, vem
produzindo repercussões não apenas de ordem biomédica e epidemiológica em escala
global, mas também repercussões e impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e
históricos sem precedentes na história recente das epidemias.
A estimativa de infectados e mortos concorre diretamente com o impacto sobre os sistemas
de saúde, com a exposição de populações e grupos vulneráveis, a sustentação econômica
do sistema financeiro e da população, a saúde mental das pessoas em tempos de
confinamento e temor pelo risco de adoecimento e morte, acesso a bens essenciais como
alimentação, medicamentos, transporte, entre outros.
Além disso, a necessidade de ações para contenção da mobilidade social como isolamento e
quarentena, bem como a velocidade e urgência de testagem de medicamentos e vacinas
evidenciam implicações éticas e de direitos humanos que merecem análise crítica e
prudência.
Partindo-se da perspectiva teórica de que as enfermidades são fenômenos a um só tempo
biológicos e sociais, construídos historicamente mediante complexos processos de
negociação, disputas e produção de consensos, objetivo das atividades deste eixo envolve
compreender e responder parcialmente aos desafios colocados pela pandemia, organizando
uma rede de pesquisadores do campo das ciências sociais e humanidades visando a
investigação, resposta e capacitação como estratégias para o enfrentamento do Covid-19 no
Brasil.
Este eixo do Observatório Covid-19 possui três subeixos, que abordam temas centrais para o
entendimento dos impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia: "Covid
nas favelas", "Saúde indígena" e "Ética e bioética".

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