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Introdução 03
Considerações finais 27
Bibliografia 28
3
INTRODUÇÃO
A ética é uma tema que, nos últimos anos, vem ganhando espaço para discussão nas
empresas, universidades, órgãos públicos, organizações não governamentais e meios de
comunicação em muitos países, inclusive no Brasil.
Este fato deve-se, principalmente, às mudanças advindas da globalização, da abertura
da economia, dos processos de democratização da tecnologia e da informação e do processo
de amadurecimento dos consumidores, que impulsionaram uma maior fiscalização e exigência
da sociedade com relação à postura das organizações.
Além disso, os recentes escândalos financeiros envolvendo grandes corporações
norte americanas contribuíram para o questionamento dos valores centrais que têm norteado
as atividades das organizações modernas. O questionamento surge também com relação à
qualidade das relações estabelecidas entre as organizações e os públicos com os quais se
relacionam - os chamados stakeholders.
Cultura e ética empresarial são assuntos de destaque num momento em que observa-
se uma grande mudança no papel das organizações na sociedade. A transparência nos
princípios organizacionais e a conduta socialmente responsável tornam-se, mais do que
diferenciais, fatores determinantes para a sobrevivência das organizações no mercado e para a
manutenção de uma imagem institucional positiva.
Neste sentido, os códigos de ética empresarial constituem um instrumento importante
para a comunicação dos valores, princípios e missão das organizações, tanto para seus
funcionários quanto para todos os outros públicos com quem se relacionam. Atuam como
comunicadores da filosofia organizacional e como orientadores às ações dos funcionários, à
tomada de decisões pela alta administração e às relações das organizações com seus diversos
públicos.
Este trabalho tem por objetivo geral verificar de que forma os códigos de ética
empresarial podem gerar valor para a comunicação e para as relações entre as organizações e
seus públicos estratégicos, colaborando também para a construção de uma identidade e
imagem institucional positivas perante a sociedade.
A metodologia adotada para a realização do trabalho é a pesquisa bibliográfica e
documental. Utilizam-se como fonte livros e artigos/matérias veiculados em revistas, jornais e
internet, bem como publicações de instituições e materiais de palestras acerca do assunto.
Procurou-se consultar obras sobre ética, ética empresarial, comunicação e relações públicas.
Busca-se, com isto, fazer uma revisão bibliográfica do tema, inserindo-o num
contexto mais amplo de ética e responsabilidade social nas empresas e comunicação
empresarial sob a perspectiva de diferentes autores.
O trabalho é constituído de cinco capítulos. No primeiro deles, faz-se uma breve
introdução aos conceitos da ética e moral, bem como ao processo de tomada de decisão pelos
indivíduos em sociedade. A questão da liberdade de escolha e da responsabilidade moral
também são destacadas.
O segundo capítulo aborda a perspectiva histórica da ética empresarial - da Idade
Média ao século XXI - considerando as mudanças ocorridas nas relações de consumo e nas
relações entre as organizações e seus stakeholders.
No terceiro capítulo, discute-se o conceito de responsabilidade social corporativa
como um novo desafio para as organizações modernas, sobretudo no que diz respeito à forma
como elas agregam valor às relações com seus públicos e gerenciam os impactos provocados
por suas estratégias e atividades sobre cada um deles.
No quarto capítulo, destaca-se a importância dos códigos de ética empresarial na
formalização dos compromissos éticos das organizações e na comunicação dos valores e
práticas empresariais para os diversos públicos com os quais se relacionam. Neste capítulo,
4
5
CORREA, Avelino Antonio. O desafio da liberdade. In: CORDI, Cassiano (org). Para Filosofar.3. ed. São
Paulo: Scipione, 1997, p.57.
6
MENDONÇA, Eduardo Prado de. A construção da liberdade. São Paulo: Convívio, 1977, p.78.
7
VAZQUEZ, Adolfo S. Ética. 22. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 23.
6
trabalho era visto apenas como um meio de subsistência, disciplina do corpo e purificação da
mente.8
Somente a partir do século XVI, com a Reforma Protestante, a poupança, o lucro e a
iniciativa passaram a ser consideradas virtudes. A Reforma, junto com as grandes
modificações que estavam ocorrendo neste momento na Europa Ocidental, contribuiu
decisivamente para a formação das primeiras estruturas do mundo capitalista.
Este período de transição entre o feudalismo e o capitalismo foi caracterizado por
um complexo processo de reestruturação, inclusive moral, pelo qual passava a sociedade da
época: o início da urbanização, dando origem a sociedades maiores e mais centralizadas; a
expansão ultramarina; a acumulação do capital; a ascenção da racionalização e do
antropocentrismo; o renascimento cultural e o desprestígio da Igreja Católica. É nesse cenário
que as doutrinas calvinista e luterana ganharam força e adeptos.
A burguesia nascente nos principais centros comerciais da Europa buscava uma nova
moral econômico-religiosa que legitimasse a obtenção do lucro através do comércio e da
exploração do trabalho assalariado. A doutrina calvinista parece ter ido ao encontro das
necessidades da burguesia, incentivando o lucro e valorizando moralmente o trabalho e a
poupança. Como o bem-estar econômico era interpretado como um sinal de salvação, os
seguidores desta doutrina trabalhavam e poupavam cada vez mais para provarem a si mesmos
que haviam sido eleitos por Deus.
Na nova moral capitalista, a valorização do trabalho produtivo era sinônimo de
salvação divina. Assim, a riqueza deixa de ser vista como pecado e passa a representar a
vontade de Deus. Segundo Ribeiro9:
Trata-se de uma vontade que se confunde com os interesses do mercado e do lucro,
e que valoriza o trabalho enquanto força passível de gerar riqueza. Ele deixa de
existir para atender às necessidades humanas básicas. Sua finalidade principal é
produzir riqueza acumulada.
Já no século XVIII, a obra Riqueza das Nações (1776) do economista inglês Adam
Smith (1723-1790) tornou-se uma espécie de bíblia do liberalismo ao postular a liberdade à
atividade empresarial. A obra nasce no período em que a Inglaterra passa pela Revolução
Industrial, uma época marcada pela obsessão pelo progresso e pela busca de novos mercados.
Adam Smith acreditava que o interesse individual deveria ser aceito e estimulado. Num
mundo liberal regido pelas forças do mercado, uma "mão invisível" garantiria a sustentação
da economia e conciliaria o interesse pessoal com o interesse comum, sem que se fizesse
necessária a intervenção do Estado mercantilista.
Smith10 assim se expressa:
(...) cada indivíduo trabalha, necessariamente, para que o rendimento anual da
sociedade seja o maior possível. Na realidade, ele não pretende, normalmente,
promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir apoiar a
indústria interna em vez da externa, só está a pensar na sua própria segurança; e,
ao dirigir essa indústria de modo que sua produção adquira o máximo valor, só está
a pensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser
guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte de suas
intenções.
A doutrina de Smith, que pregava a busca dos interesses individuais como ideal
normativo de conduta, encaixou-se perfeitamente no processo de expansão econômica da
Inglaterra na época. Porém, esse individualismo exacerbado deu origem a uma moral
8
RIBEIRO, Luis Carlos. Trabalho e realização. In: CORDI, Cassiano (org). Para filosofar. 3.ed. São Paulo:
Scipione, 1997, p.151.
9
RIBEIRO, Luis Carlos. Trabalho e realização. In: CORDI, Cassiano (org). Para filosofar. 3.ed. São Paulo:
Scipione, 1997, p.153.
10
SMITH, Adam. Riqueza das Nações (1776). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981. Livro IV, cap.2,
p.758.
7
A ética empresarial está, pois, fundamentada nas relações da organização com seus
diversos públicos e na cultura e normas morais que as regem. Desta forma, para entender a
mudança na maneira de perceber seus públicos e de se relacionar com eles ao longo do tempo,
é preciso entender quem são esses públicos, qual a sua importância para as organizações e a
dinâmica dessas relações. Assim Andrade11 conceitua público:
(...) são pessoas ou grupo organizados de pessoas, sem dependência de contato
físico, encarando uma controvérsia, com idéias divididas quanto à solução ou
medidas a serem tomadas frente a ela; com oportunidade para discuti-la,
acompanhando e participando do debate por intermédio dos veículos de
comunicação ou da interação pessoal.
Cada um dos públicos que interage com a organização exerce influência sobre ela e
vice-versa. Por isso, é importante que esses públicos sejam identificados e analisados quanto
ao poder que possuem de influenciar os objetivos da organização. Na tipologia de Matrat
11
ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza. Para entender Relações Públicas. 3. ed. São Paulo: Ed. Loyola,
1983, p.17.
8
pode-se encontrar a classificação dos públicos quanto ao tipo de poder: decisão, consulta,
comportamento e opinião.12
O público de decisão seria aquele cuja autorização ou concordância é necessária para
a realização das atividades da organização Exemplo: governo.
O público de consulta seria aquele sondado pela organização quando ela pretende
agir. Exemplo: acionistas, também chamados de stockholders ou shareholders, e sindicatos.
Já o público de comportamento englobaria os indivíduos cuja atuação pode frear ou
favorecer a ação da organização. Exemplo: funcionários e clientes.
Por fim, o público de opinião seria aquele cuja manifestação de opinião, julgamento
ou ponto de vista pode influenciar a organização. São os chamados "formadores de opinião",
como por exemplo: líderes comunitários, colunistas de jornais, comentaristas, professores
universitários, etc.
Portanto, a opinião e o comportamento desses públicos com relação à organização -
em diferentes graus e níveis - são importantes para a realização de suas atividades. Assim se
expressa Cutlip13 com relação a essa questão: "É preciso encarar, entender e lidar com o poder
da opinião pública. Ela proporciona o ambiente psicológico no qual a organização prospera ou
perece".
Segundo Corrado14, a organização agrega valor pela comunicação contínua com os
diversos públicos que formam a sociedade:
Uma boa imagem entre o público não só facilita a realização da missão econômica,
mas também proporciona alguma boa vontade para os dias em que as coisas saem
erradas.
Lesly15 também destaca a importância de gerar uma boa vontade dos públicos com
relação à organização:
É possível que as mais importantes forças que afetam todas as organizações e
governos sejam hoje a opinião das pessoas. Empresários se dão conta disso quando
falam de boa vontade. A boa vontade para com as empresas não significa apenas as
atitudes dos consumidores em relação aos produtos da empresa, mas também
atitudes dos empregados, da comunidade, do governo, dos acionistas, dos
revendedores e distribuidores, dos fornecedores e outros. Todos esses grupos são
vitais para o sucesso da empresa; a boa vontade de cada um deles é indispensável.
Isso também é verdadeiro para todos os outros tipos de organizações.
Neste sentido, as relações públicas assumem papel fundamental nas organizações
modernas, na medida em que as últimas sentem a necessidade de adotar novas posturas e
relacionamentos - mais transparentes e responsáveis - perante seus públicos estratégicos.
Assim Kunsch16 se expressa com relação a esta questão:
Um papel essencial das relações públicas é administrar as relações de conflito entre
a organização e seus públicos, por meio de uma comunicação simétrica de duas
mãos, que busca o equilíbrio e a compreensão. Não se admite, nos tempos de hoje,
que elas atuem apenas em prol dos interesses da organização. É preciso ouvir o
outro lado, abrindo canais de comunicação com todos os segmentos.
Assim, tão importante quanto a alta produtividade e a capacidade de inovação
tecnológica das empresas é também a sua capacidade de estabelecer uma comunicação aberta
e eficaz com seus públicos, de forma a gerar a boa vontade e a simpatia desses grupos
estratégicos com relação à organização. Tão importante quanto oferecer produtos e serviços
12
SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas: função política. 3. ed. rev. São Paulo: Summus, 1995, p.132.
13
CUTLIP, Scott M., CENTER, Alen H. & BROOM, Glen M. Effective Public Relations. 6. ed. New Jersey:
Prenctice-Hall, Inc., Englewood Cliffs: 1985, p. 151.
14
CORRADO, Frank M. A força da comunicação. São Paulo: Makron Books, 1994, p.149.
15
LESLY, Philip (org.). Os fundamentos de relações públicas e da comunicação. São Paulo: Pioneira, 1995,
p.09.
16
KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Relações Públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação
organizacional. v.56. São Paulo: Summus, 1997, p. 142.
9
17
GRUNIG, James E. & HUNT, Todd. Managing public relations. New York: Holt, Rinehart and Winston:
1984, p.29.
18
GRUNIG, James E. & HUNT, Todd. Managing public relations. New York: Holt, Rinehart and Winston:
1984, p. 31.
10
Já nas últimas décadas do século XX, as empresas começaram a deslocar seu foco de
atenção, antes unicamente direcionado aos stockholders, para todos os públicos de interesse
da organização - os stakeholders. Denominados também públicos estratégicos, os
stakeholders são os públicos com os quais a empresa ou instituição interage e que
desempenham importante papel para ela. Seu comportamento ou ação pode afetar os negócios
da empresa, da mesma forma que as decisões empresariais podem afetá-los direta ou
indiretamente. Em geral, os stakeholders são formados por clientes, fornecedores, governo,
mídia, funcionários, acionistas, comunidade, distribuidores, universidades e entidades de
classe. Para Grunig e Hunt19 um stakeholder seria "qualquer indivíduo ou grupo que pode
afetar a organização ou que é afetado por suas ações, políticas, práticas ou resultados"
As empresas possuem obrigações e responsabilidades para com todos esses públicos,
de diversas formas: fornecendo produtos e serviços de qualidade a um preço justo aos seus
clientes; propiciando um ambiente de trabalho saudável e adequado aos seus funcionários,
bem como promovendo a diversidade entre os mesmos; adotando e incentivando o consumo
responsável; preservando o meio ambiente; contribuindo para o desenvolvimento da
comunidade local; estabelecendo relações democráticas e comunicando-se de forma
transparente; cumprindo as leis vigentes e estabelecendo relações comerciais éticas; etc.
E essa mudança não significa, como alguns empresários ainda pensam, abdicar dos
lucros ou "ficar para trás" dos concorrentes. Pelo contrário, uma pesquisa da Harvard
University, com duração de 11 anos, mostrou que as companhias voltadas para os
stakeholders geram entre quatro a oito vezes mais empregos do que as que satisfazem
exclusivamente aos acionistas. Em outras palavras, elas crescem mais.20
Sob essa perspectiva, as empresas que no processo de tomada de decisões
consideram seu papel social, em detrimento da mera preocupação com o lucro, gerariam uma
imagem positiva perante a sociedade e apresentariam melhores resultados a longo prazo, num
contexto em que a ética passa a ser um fator de competitividade.
Assim se expressa Srour21 com relação a essa questão:
É importante assinalar que a estreiteza de horizontes pode custar caro às empresas
que, num ambiente competitivo, se comportam como se fossem empreendimentos
piratas, apenas movidos por uma visão imediatista. Porque, enquanto houver um
mercado aberto e um ambiente político liberal, as empresas ficam sob o fogo
cerrado da vigilância da sociedade civil. Mais ainda: seus investimentos exigem
longa maturação, reputação de marca, ocupação de um espaço empresarial
particular que depende da competência técnica e da utilidade pública. Nestas
precisas condições, a lógica da acumulação do capital continua pontificando, é
claro, sem o quê o sistema deixaria de ser capitalista. Mas a esta lógica adiciona-se
uma extraordinária têmpera: a responsabilidade social.
Esse processo em que a preocupação com seus públicos, com seu papel e sua
imagem perante a sociedade passa a ganhar espaço nas discussões e decisões empresariais
teve início nos Estados Unidos na década de 80, com escândalos relacionados a suborno nas
organizações, como o caso da empresa de aviões Lockheed, que subornava compradores do
exterior para vender seus aviões. A partir daí, a questão da ética empresarial ficou em
evidência e muitas empresas norte-americanas passaram a institucionalizar programas de ética
e adotar códigos ou manuais de conduta, com o intuito de reconstruir suas imagens e retomar
a confiança de seus clientes, fornecedores e investidores. Entre as primeiras empresas
americanas a estabelecer programas de ética empresarial e códigos de conduta ética estão a
General Electric, General Dynamics e a Lockheed Martin.22
19
GRUNIG, James E. & HUNT, Todd. Apud CARROL, Archie B. Managing public relations. New York: Holt,
Rinehart and Winston: 1984, p. 12.
20
JACOMINO, Dalen. Você é um profissional ético?. Você S.A. São Paulo: julho/2000.
21
SROUR, Robert Henry. Ética Empresarial. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000, p. 187.
22
Disponível em: <www.itcilo.it/english/actrav/telearn/global/ilo/code/main.htm > Acesso em 08/05/02.
11
23
BERENSON, Alex. Executivos manipularam números para receber bônus. Valor Econômico. São Paulo,
05/07/02.
24
BYRN, John A. Surge um novo modelo de empresa ideal. Valor Econômico. São Paulo: 12/08/02.
25
As Nações Unidas descrevem organização não governamental (ONG) como uma entidade não lucrativa cujos
membros são cidadãos ou associações de cidadãos de um ou mais países, e cujas atividades são determinadas
pela vontade coletiva de seus membros com vistas às necessidades dos membros de uma ou mais comunidades
com as quais a ONG coopera.
12
26
WHITAKER, Maria do Carmo & ARRUDA, Maria Cecília Coutinho de. Códigos de Ética. Disponível em:
<www.academus.pro.br/eticaempresarial/artigos_eticaempresarial.html> Acesso em 26/04/02
27
SROUR, Rober Henry. Ética Empresarial. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000, p.195.
28
Disponível em <www.ethos.org.br/pri/prin/prespostas/index.asp> Acesso em 13/03/02.
13
vantagens a qualquer custo, por exemplo, não pode ser considerada socialmente responsável.
Isso porque a responsabilidade social envolve valores e princípios éticos adotados pela
organização em todas as suas ações e relacionamentos. Não existe, pois, empresa meio ética.
A empresa ética age de acordo com seu discurso sempre - e não apenas quando lhe é
conveniente.
Segundo a organização Business for Social Responsibility, a responsabilidade social
empresarial deve englobar uma visão compreensiva de políticas, práticas e programas que
perpassam todas as operações do negócio e se traduzem em muitos processos de tomada de
decisão.29
Há outro aspecto importante a ser destacado com relação à questão da legalidade e
legitimidade das ações praticadas pelas organizações. A empresa legal é aquela que observa e
cumpre a lei em todos os seus aspectos. A empresa legítima é aquela cujas ações são
legitimadas pela sociedade, sendo reconhecidas como positivas e responsáveis. Na verdade,
cumprir a lei já é uma base de responsabilidade social. Porém espera-se das empresas muito
mais do que o cumprimento dos aspectos legais; espera-se uma postura legítima. As empresas
têm de ser percebidas como uma parte ativa do contexto sócio-econômico que assume
compromissos e responsabilidades com a sociedade.
Percebe-se um processo de inserção implícito nesta perspectiva. A empresa deixa de
ser um elemento isolado para ser reconhecida como um elemento ativo que interage com a
sociedade e contribui para seu desenvolvimento.
Alguns empresários acreditam que a simples adoção de um programa de
responsabilidade social já é suficiente para que a empresa seja reconhecida como legítima por
seus stakeholders e para divulgar ou agregar valor à imagem institucional. Essa é uma visão
errônea, que não traz resultados duradouros, porque a própria empresa não conseguiria
sustentar tal imagem a longo prazo.
Por isso, nenhum programa de responsabilidade social será válido se a empresa não
estiver envolvida com os verdadeiros propósitos dos mesmos. Mas, se os valores assumidos
pela organização forem realmente a base desses projetos, a empresa poderá obter resultados
muito positivos para sua imagem institucional e da marca.
A postura ética das empresas traz reflexos, inclusive, no valor de suas ações. Tanto
que analistas financeiros começaram a incorporar a variável ambiental e a responsabilidade
social em suas análises, de forma que hoje, em Wall Street, um dos elementos analisados para
definir o preço das ações é o comportamento ambiental das empresas.30
Investidores de diversos tipos procuram fazer suas aplicações financeiras em
empresas que respeitam o meio ambiente e as condições humanas e sociais de seus
empregados, que mantêm elevados níveis de transparência em relação aos acionistas e que
zelam pela qualidade de suas relações com a sociedade civil, etc.
A responsabilidade social corporativa tem se tornado um parâmetro - e um produto -
para o mercado financeiro. O interesse por investimentos "socialmente responsáveis", cuja
parcela do rendimento é destinada a organizações não governamentais ou que possuem papéis
de empresas socialmente responsáveis - tem crescido 30% ao ano.31
Um outro exemplo de que o mercado financeiro também está levando em conta o
papel social das empresas é que para as ações registradas nos Estados Unidos há um índice de
referência denominado Domini 400 Social Index, que não admite empresas envolvidas com
tabaco, álcool, jogo, armas e geração de energia nuclear. Para os papéis britânicos, existe o
29
SROUR, Robert Henry. Ética Empresarial. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000, p.263.
30
INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Reflexão: os novos desafios da
responsabilidade social empresarial. São Paulo, Ano 2, no 5, julho/ 2001, p.12.
31
HERZOG, Ana Luiza. Uma janela para o mundo. Guia de boa cidadania corporativa Exame. São Paulo:
2001, p. 8.
14
NPI Social Index. Em 1999, a Dow Jones publicou um novo índice para as ações
internacionais, o Dow Jones Sustainability Index (DJSI). A sustentabilidade foi definida de
acordo com uma série de critérios que medem o desempenho de uma empresa em termos
econômicos, ambientais e sociais.32
O primeiro fundo de investimento em empresas socialmente responsáveis no Brasil é
o "Fundo Ethical", criado pelo ABN Amro Real, em novembro de 2001. O fundo utiliza o
critério de responsabilidade social como fator "sine qua non" para a entrada de uma empresa
na carteira.33
As certificações ISO 14000 (gestão ambiental) e ISO 9000 (gestão de qualidade), que
há alguns anos atrás eram grandes diferenciais para as empresas, agora são seguidas pelos
chamados "selos éticos", como a certificação SA 8000, que é coordenada pela Social
Accountability International34, uma organização não governamental americana.
Conceitualmente, a certificação SA 8000 baliza as ações e relações da empresa com
seus diversos stakeholders, e seu objetivo é buscar valor para todos os elos dessa cadeia. Os
requisitos para o padrão SA 8000, finalizado em 1997, vão muito além da filantropia e do
apoio a programas voluntários, considerando também fatores como trabalho infantil ou
forçado, discriminação, saúde e segurança dos trabalhadores, entre outras questões.35
Além disso, a elaboração de balanços sociais ou relatórios anuais de responsabilidade
corporativa também já faz parte da realidade de muitas empresas nacionais e multinacionais.
Mais do que descrever projetos sociais desenvolvidos, os balanços sociais podem contribuir
para aprimorar a comunicação das organizações, bem como constituir um importante
instrumento de captação de recursos no momento em que os investidores estão se tornando
cada vez mais exigentes.
Há em todo o mundo um grande número de entidades voltadas para a ética
empresarial, como o Institute of Business Ethics36 - no Reino Unido - as organizações Ethics
Resource Center37, Business for Social Responsibility38, Ethics Officer Association39 - nos
Estados Unidos - e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social40, no Brasil.
Para orientar as organizações interessadas em desenvolver e divulgar globalmente
suas iniciativas sustentáveis há inclusive uma entidade internacional chamada Global
Reporting Initiative (GRI)41. O modelo de relatório criado pela entidade foi baseado no
conceito de sustentabilidade, isto é, na harmonia entre os aspectos econômicos, sociais e
ambientais de um negócio.
O foco é, pois, muito mais amplo do que detalhar os programas sociais ou ambientais
da empresas; o conceito está diretamente ligado à forma como as organizações adicionam
valor às relações com seus diferentes públicos e como elas gerenciam os impactos provocados
por suas estratégias e atividades sobre cada um deles.
Ao que tudo indica, a responsabilidade social e a ética nas relações entre a empresa e
as partes interessadas terão cada vez mais importância para todos os tipos de organizações. E
cada vez mais também a postura social das organizações e a qualidade das relações com seus
públicos passarão a ser questionados.
32
SROUR, Robert Henry. Ética Empresarial. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000, p. 195.
33
VIEIRA, Catherine. Fundo Ethical submete empresas a crivo social e ambiental. Valor Econômico. São Paulo,
16/04/02.
34
http:// www.sa-intl.org
35
PACHECO, Odete. O selo da cidadania. Guia de Boa Cidadania Corporativa Exame. São Paulo: 2001, p.35.
36
http:// www.ibe.org.uk
37
http:// www.ethics.org
38
http:// www.brs.org
39
http:// www.eoa.org
40
http:// www.ethos.org.br
41
http:// www.globalreporting.org
15
42
HUMBERG, Mario Ernesto. Ética na política e na empresa: 12 anos de reflexões. 1. ed. São Paulo: CLA,
2002, p. 32.
43
VOGL, Frank. Corporate Integrity and Globalization - the dawning of a new era of accountability &
transparency. Ethics Resource Center: March, 2001.
16
internacionalização de seus negócios. E o foco desses relatórios está cada vez mais voltado
para as relações das organizações com os públicos com os quais ela interage: funcionários,
consumidores, fornecedores, comunidade, investidores, entre outros.
Neste novo cenário organizacional - e com as novas exigências do mercado e da
sociedade - também as declarações de visão, propósito e missão, as cartas de valores, os
chamados credos empresariais e os códigos de ética empresarial ganham importância,
figurando como delineadores da cultura e políticas organizacionais para os diversos públicos
que interagem com a organização e constituindo um instrumento de orientação à tomada de
decisões pela alta administração. Estes documentos devem representar também um
compromisso com a sociedade e, por isso mesmo, é imprescindível que os valores e princípios
neles descritos sejam genuinamente praticados pela organização na realização de suas
atividades.
Segundo o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, uma associação
de empresas interessadas em desenvolver suas atividades de forma socialmente responsável, o
código de ética empresarial é "um instrumento de realização da visão e missão da empresa,
que orienta suas ações e explicita sua postura social a todos com quem mantém relações".44
Os códigos de ética empresarial não apenas formalizam os compromissos éticos da
empresa, mas também constituem uma importante ferramenta de comunicação desses valores
e práticas para seus stakeholders. Eles exprimem os princípios que norteiam a atividade da
organização e suas expectativas com relação ao comportamento de seus funcionários e à
qualidade das relações estabelecidas com as partes interessadas.
Enfim, os códigos de ética empresarial são a articulação dos valores que conduzem a
conduta empresarial. Cada vez mais, as organizações estão percebendo que podem agregar
valor às relações com seus parceiros, funcionários, clientes, e muitos outros públicos, por
meio de seus códigos de ética.
Porém, adotar um código de ética empresarial não significa simplesmente escrever
um série de tópicos como se fossem ordens ou mandamentos e distribui-los aos funcionários.
É necessário que suas palavras reflitam os valores realmente praticados a partir dos dirigentes
para que seja interiorizado nos demais níveis da organização. Por constituir-se uma
comunidade hierárquica, que concentra o poder de decisão na alta administração, pode-se
dizer que o comportamento dos colaboradores da empresa é em grande parte influenciado
pelas determinações e exemplos que vêm de cima.
Por outro lado, a adesão da alta direção à prática dos valores e princípios do código
de ética empresarial também não é, por si só, suficiente. Para moldar comportamentos e
atitudes, é necessário que a empresa promova o diálogo sobre as questões éticas, além de
acompanhar, avaliar, cobrar, recompensar e estimular. Mais do que isso, é necessário entender
que a organização é apenas um subsistema dentro da sociedade, e que a cultura organizacional
também é parte da própria cultura da sociedade que a cerca.
Um aspecto importante a ser observado é o papel da comunicação neste processo de
identificação de cultura e disseminação de valores na organização. Percebe-se que a
construção da identidade e imagem organizacional depende fundamentalmente de um
processo de comunicação constante, transparente e eficaz nas frentes interna e externa da
organização.
Neste sentido, as relações públicas, ao identificarem os valores e cultura
organizacionais e ao administrarem a comunicação da organização com seus diversos
públicos estratégicos, buscando a compreensão e integração entre os mesmos, estão
diretamente relacionadas à elaboração e implantação dos códigos de ética empresariais.
44
INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Indicadores Ethos de
Responsabilidade Social empresarial. São Paulo, 2000, p.13.
17
Cutlip45 descreve este papel das relações públicas na busca da compreensão mútua
entre organizações e seus públicos, definindo-as como "a comunicação e a interpretação de
informações, idéias e opiniões do público para a instituição num esforço sincero para
estabelecer reciprocidade de interesses e assim proceder ao ajustamento harmonioso da
instituição na sua comunidade".
Além de relações públicas, áreas como recursos humanos, auditoria e comunicação
institucional também aparecem relacionadas ao tema códigos de ética empresarial com
frequência.
45
CUTLIP, Scott M., CENTER, Alen H. & BROOM, Glen M. Effective Public Relations. 6.ed. New Jersey:
Prenctice-Hall, Inc., Englewood Cliffs: 1985, p. 6.
46
SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves da. Para que servem os códigos de ética? Valor Econômico. São Paulo:
22/08/02.
18
A alta direção deve ser a primeira a adotar as práticas éticas, pois se ela assim o faz, esta é a
melhor forma de estimular os outros níveis hierárquicos a agirem semelhantemente.
Porém, o maior risco na implantação de um código de ética empresarial é o de se
tornar um documento vazio, de palavras e idéias que não significam nada para seus
stakeholders, que não os motivam, que não fazem parte de seu dia a dia e não se traduzem em
ações. Por isso, para que um código de ética empresarial seja bem sucedido, sua concepção
deve envolver todos os interlocutores com os quais a empresa se relaciona. É essa
cumplicidade e transparência que levará os participantes desse processo a contribuir e dar vida
às intenções presentes na origem do documento.47
Além disso, somente este envolvimento permite detectar os valores realmente
praticados na empresa, evitando que se conceba ou se decrete uma "revolução moral" que se
contraponha às crenças, valores e modos de pensar já enraizados. Para Srour48, para definir a
moral corporativa "é útil considerar-se que ideologias (políticas e econômicas) detêm a
dominância interna, ou seja, iluminam a cultura organizacional", lembrando que a moral
empresarial é balizada pelas morais macrossociais vigentes no país.
O código de ética empresarial também contribui para o fortalecimento da identidade
corporativa perante os diversos públicos estratégicos da organização, dessa forma
fortalecendo também sua imagem. Para um melhor entendimento, enquanto a imagem é como
a organização é percebida por seus públicos-alvo, a identidade está associada com a forma por
meio da qual a empresa se apresenta a seus públicos. Segundo Riel49, "devemos imaginar a
identidade corporativa como um adesivo. Uma identidade corporativa poderosa facilita a
identificação ou o estabelecimento de uma ligação com a organização. Isto se aplica tanto aos
públicos internos e externos".
No âmbito interno, uma identidade corporativa forte envolve os funcionários e os
leva a se identificar e se comprometer com a organização e seus objetivos. Este
comprometimento com a organização, por sua vez, afeta sua performance, causando também
impactos externos positivos. No âmbito externo, uma identidade corporativa baseada em
valores e práticas consistentes é essencial, um vez que a organização cujas mensagens e ações
são contraditórias corre o risco de perder sua credibilidade.
Segundo Torquato50, estabelecer uma identidade corporativa transparente e forte para
a projeção externa é uma estratégia importante para a comunicação empresarial:
Quando a identidade não é fixada de maneira adequada, a sombra é muito tênue.
Identidade forte ajuda a passar uma imagem de fortaleza. O momento aconselha ao
estabelecimento de metas, valores, objetivos clarificados, que darão transparência e
vigor à imagem.
Riel51 considera dois públicos particularmente importantes quando se trata do
fortalecimento da identidade corporativa: clientes e investidores. O autor assim se expressa:
Muitas empresas vêem seus clientes como o público-alvo mais importante, uma vez
que eles justificam a existência da organização. O uso de uma identidade
corporativa bem definida que inspire a confiança do cliente estabelece a base de um
relacionamento contínuo, garantindo portanto o futuro da organização. Investidores
são geralmente percebidos como o segundo público mais importante da
organização. Eles devem ter confiança na organização, porque usualmente eles
assumem os maiores riscos ao prover a empresa de considerável capital.
47
INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Formulação e Implantação de
Código de Ética em Empresas. São Paulo, 2000, p.8.
48
SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.281.
49
VAN RIEL, C.B.M.. Principles of Corporate Communications. London: Prentice Hall, 1995, p.29.
50
TORQUATO DO REGO, Francisco Gaudêncio. Comunicação empresarial, comunicação institucional:
conceitos, estratégias, sistemas, estrutura, planejamento e técnicas. v.11. São Paulo: Summus, 1986, p. 115.
51
VAN RIEL, C.B.M. Principles of Corporate Communications. London: Prentice Hall, 1995, p.29.
19
52
ARJOON, Surrenda. Virtue theory as a dynamic theory of business. Journal of Business Ethics, v.28, no.2,
nov.II, 2000, p.159-78.
53
CALDINI, Alexandre. Como gerenciar a crise. Revista Exame. São Paulo: 26/01/02.
54
HUMBERG, Mario Ernesto. Ética na política e na empresa: 12 anos de reflexões. São Paulo: Editora CLA,
2002, p.56.
20
Como visto, a identificação dos principais valores reais praticados pela organização é
um ponto chave para a implantação de um código de ética empresarial. Mas tão importante
quanto desenvolver um código de ética empresarial que corresponda aos valores, princípios e
crenças realmente presentes na organização, é elaborar formas eficazes de implementação,
acompanhamento e revisão.
O acompanhamento do código de ética empresarial é uma das principais dificuldades
encontradas na implantação do mesmo. Ele requer avaliação e feedback periódicos para
mensurar as mudanças no comportamento moral e evitar que ele se transforme em um
instrumento de controle. Além disso, é interessante que haja a divulgação de ações bem
sucedidas do ponto de vista ético para ressaltar o que a organização considera positivo e
esperado nas práticas e relações empresariais.55
Enquanto algumas instituições encontram na auditoria interna um meio de identificar
desvios de conduta ética, outras já percebem que a moral organizacional só poderá ser
interiorizada quando existir diálogo, liberdade pessoal e adesão voluntária de cada um. Para as
últimas, a criação de grupos de profissionais encarregados de encaminhar as questões éticas
surgidas dentro ou fora da organização, promover a discussão e o aconselhamento quanto às
questões éticas, sugerir novas políticas e modificar as existentes é importante para a
implantação eficaz do código de ética empresarial.56
Os chamados "comitês de ética", além de todas as funções descritas acima, ressaltam
que a ética é uma questão séria para a organização e permitem a revisão e a modernização do
documento de acordo com as mudanças e novas necessidades da organização.
Algumas empresas possuem oficiais de ética ou corporate ethics officers, um cargo
que foi criado em organizações americanas no início do anos 90. A posição foi estabelecida
para certificar que os funcionários agissem de acordo com os procedimentos e padrões das
organizações nas quais trabalhavam. Neste sentido, o corporate ethics officer seria um
profissional na alta administração da organização responsável por monitorar o comportamento
dos funcionários. Nesta perspectiva, a comunicação dos valores e princípios da organização
estabelecia-se no sentido apenas descendente.57
Porém, com o passar dos anos as responsabilidades deste cargo foram se
modificando e novas questões surgiram com relação à atuação, estratégias e relacionamento
dos oficiais de ética com a alta administração das organizações. Hoje, as responsabilidades do
corporate ethics officer vão além de disseminar os valores e princípios num sentido
descendente na organização e assegurar que eles sejam cumpridos. Suas responsabilidades
incluem também certificar-se da compreensão, comprometimento e participação da alta
administração com relação às questões morais da organização.
55
INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Formulação e Implantação de
Código de Ética em Empresas. São Paulo, 2000, p.19.
56
ARRUDA, Maria Cecília Coutinho de. Código de Ética: um instrumento que adiciona valor. São Paulo:
Negócio Editora, 2002, p.6.
57
ETHICS RESOURCE CENTER. Managing ethics upwards. Washington, 2002, p.06.
21
58
SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000, p. 250.
59
Consumerismo é um movimento em que consumidores e outros agentes da sociedade utilizam seu poder de
compra para garantir os seus direitos e equilibrar forças com as empresas fornecedoras de produtos ou serviços.
22
que o comportamento moral das empresas nada mais é do que o comportamento moral das
pessoas que as dirigem.
Após este colapso de imagem do mercado empresarial americano, provocado pela
onda de escândalos da Enron, Xerox e Worldcom, entre outras, a transparência nas relações
das empresas com seus investidores ou acionistas passou a ser questionada, exigindo uma
reforma ética.
Em reportagem de capa, a revista Fortune listou dez dos principais pecados que vêm
se repetindo em companhias americanas com problemas de gerência de imagem. Entre os
erros fatais encontram-se a ambição desmedida dos dirigentes que visam acima de tudo seu
ganho pessoal, a existência de cultura interna frouxa e lentidão para reagir a crises. A revista
também concluiu que falta às empresas americanas um código de ética rígido. Em outras
palavras, muitas dessas falhas nascem de uma cultura organizacional que não prioriza o
debate sobre questões éticas, que não dissemina a mensagem de que a honestidade compensa,
e que não estimula o diálogo e a transparência.61
Transparência na comunicação dos resultados e melhores índices de governança
corporativa são exatamente o que os investidores têm buscado, mais cautelosos do que nunca.
O conceito de governança corporativa, bastante em voga ultimamente, está relacionado à
"maneira com que a empresa procura equilibrar a relação entre acionistas majoritários e
minoritários, o conselho de administração (eleito pelos acionistas) e os executivos
(selecionados pelo conselho)"62.
O fato é que os investidores dão preferência às empresas que são mais transparentes
nas relações com o mercado e respeitam os direitos dos acionistas minoritários, inclusive
praticando o "tag along", que garante a todos os acionistas o recebimento por suas ações
preferenciais ou ordinárias o mesmo valor pago pelos papéis dos controladores, em caso de
venda da empresa.
Seguindo esta tendência, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – órgão
fiscalizador do mercado acionário brasileiro - apresentou, no início de junho de 2002, uma
cartilha de boas práticas de governança corporativa, contendo recomendações de regras de
transparência nas relações da empresa com o mercado. As recomendações estão agrupadas em
quatro áreas: transparência na estrutura acionária, equidade entre acionistas, proteção aos
minoritários e clareza nas demonstrações financeiras.63
Agora, mais do que nunca, é importante que as organizações definam estratégias de
relações públicas e comunicação baseadas na transparência, de forma a reconquistar a
confiança deste público, cauteloso após tantos escândalos financeiros. É necessário também
que as empresas tenham claro, em seus códigos de ética, o compromisso com a honestidade
nos resultados divulgados para seus acionistas.
O que se tem percebido é que, em geral, os códigos de ética empresarial dão grande
importância à questão da utilização de informações privilegiadas e busca de resultados para os
acionistas, mas pouco abordam a questão da obrigação de uma comunicação transparente com
seus investidores. Porém, é possível que, por uma exigência do mercado na chamada "era pós-
Enron", os códigos de ética empresarial passem a dedicar mais atenção a esta questão.
61
ADRIANA, Carvalho. As fraudes desafiam o capitalismo. p. 98 à 101. Revista Veja. São Paulo: 03/07/02.
62
INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Formulação e Implantação de
Código de Ética em Empresas. São Paulo, 2000, p. 21.
63
MOUTEIRA, Bonança. CVM apresenta manual de governança corporativa. Valor Econômico. São Paulo:
06/06/02.
24
Como já ressaltado neste trabalho, a moral das empresas nada mais é do que a moral
dos empresários. Por isso, é importante que a organização possua uma cultura organizacional
forte, capaz de orientar os funcionários em suas atividades diárias e disseminar entre eles a
visão, valores e princípios da organização. Neste sentido, uma comunicação interna bem
estruturada, que transmita eficientemente as estratégicas e objetivos da empresa a seus
funcionários, bem como disponibilize canais de comunicação eficientes, é muito importante
para este processo.
Nas organizações do século XXI, o papel dos funcionários ganhará cada vez mais
importância. Assim se expressa Cardozo64 em relação a essa questão:
(...) Mas, onde quer que se olhe, as organizações enfrentarão uma reviravolta no
padrão de gestão. Portanto, essa nova empresa só vai se consolidar no instante em
que definir sua opção pela modernidade. Isso requer uma alteração radical na
cultura empresarial, nas quais os processos internos e externos com clientes,
fornecedores, parceiros e colaboradores em geral serão regidos pela ética,
transparência e flexibilidade. Nesse cardápio corporativo, os comandantes dessa
transformação são os talentos, pois como em nenhuma época da história universal,
as pessoas foram tão essenciais e valorizadas como agora. Elas são o motor das
mudanças.
O relacionamento com os funcionários envolve uma série de questões morais, como
relações hierárquicas, políticas de privacidade, conflitos de interesses, atividades paralelas,
informações confidenciais e privilegiadas, utilização dos recursos da organização, saúde e
segurança no trabalho, entre muitas outras.
As relações hierárquicas são bastante delicadas e fonte de diversos conflitos que
envolvem abuso de poder e o chamado "assédio moral". O assédio moral no trabalho seria
qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atenda, por
sistematização ou repetição, contra a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando
seu emprego ou clima de trabalho.65
Outra questão pertinente ao relacionamento das empresas com seus funcionários é a
privacidade, especialmente no que diz respeito à utilização de internet e correio eletrônico.
Enquanto muitos códigos de conduta /ética empresarial recentes já abordam essa questão, os
códigos mais antigos geralmente não contemplam o uso da internet ou ainda não foram
adaptados às novas necessidades. Algumas empresas têm optado por uma comunicação
interna agressiva, orientando os funcionários quanto ao uso esperado da ferramenta; outras
têm optado por incluir esses itens no contrato de trabalho dos funcionários.66
Questões como conflito de interesses e informações privilegiadas ou confidencias
são, em geral, amplamente abordadas e ganharam ainda mais destaque após a onda de
escândalos financeiros envolvendo organizações norte-americanas desde o final de 2001.
No caso de fusões e aquisições, também faz-se necessária uma comunicação interna
bem estruturada para que o choque de culturas não provoque confusões quanto aos valores,
diretrizes, normas de conduta, políticas e práticas de negócio da nova organização. Em
situações como estas, os códigos de ética empresarial devem ser revistos e adaptados à nova
realidade e à nova identidade da organização. É imprescindível também que, no caso de um
código de conduta, as normas sejam discutidas e negociadas com os funcionários, de forma a
ganharem legitimidade.
64
CARDOZO, Julio Sérgio. A (nova) empresa em tempos de crise. Valor Econômico. São Paulo: 26/08/02.
65
CAMPOS, Stela. Assédio Moral: um mal que contamina e destrói as atuais relações de trabalho. Valor
Econômico. São Paulo: 30/04/02.
66
CARVALHO, Juliane. Uso pessoal da internet fica entre a privacidade e a ética. Gazeta Mercantil. São Paulo:
12/06/02.
25
Em suas relações com o setor público, as empresas se vêem diante de uma série de
situações de cunho moral. A transparência nos critérios que regem o relacionamento das
empresas com os órgão públicos é estritamente necessária, uma vez que tais relações
envolvem processos delicados, como contribuições a campanhas políticas, licitações,
contratos, processos judiciais, etc.67
Uma questão bastante discutida envolve as doações de empresas privadas à
candidatos em campanhas políticas, o que, de certa forma, gera desconfiança da opinião
pública quanto aos interesses que poderiam estar subjacentes a essas contribuições.
Por ser um assunto bastante delicado, as empresas são bastante cautelosas na
abordagem das relações com o setor público em seus códigos de ética. A importância da
imparcialidade no tratamento dos assuntos e interesses da organização no relacionamento com
os órgãos públicos, bem como a proibição de doações ou pagamento de propinas com o
intuito de influenciar ou agilizar decisões governamentais são tópicos constantes em grande
parte dos códigos de ética de empresariais.
67
INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Formulação e Implantação de
Código de Ética em Empresas. São Paulo, 2000, p.29.
26
democracia por meio do qual a organização informa e presta contas à sociedade. A mídia tem
dedicado cada vez mais espaço a questões que envolvem o posicionamento das organizações
na sociedade, inclusive com publicações específicas focadas nas relações entre empresas,
consumidores e comunidades.
Empresas e imprensa têm interesses diversos, o que muitas vezes gera conflitos neste
relacionamento. Porém, transmitir a verdade ao público deve ser o princípio central que
norteia a mídia e as organizações. Muitos empresários receiam a imprensa, porque não podem
controlá-la. No entanto, quando a organização é legítima e age de acordo com seu discurso,
não tem motivos para temer a ação da imprensa.
A organização deve deixar claro em seu código de ética o seu compromisso em
manter um canal aberto com a imprensa, por meio do qual disponibilize todas as informações
necessárias ao esclarecimento e divulgação de suas atividades. Muitos códigos de ética
empresarial orientam os funcionários para que pedidos de entrevistas e informações
relacionadas às atividades da empresa sejam direcionados para os departamentos responsáveis
pelo relacionamento com imprensa.
O código de ética empresarial é um instrumento por meio do qual a empresa pode
ressaltar o compromisso assumido de realizar seus negócios de forma transparente e de
divulgar informações verdadeiras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
menos sentido possuem e menos legítimos tendem a ser. Por seu caráter proibitivo, apenas
representam instrumentos de controle e proteção à organização, em caso de questões legais,
não agregando valor nenhum às relações com seus públicos.
O estudo revelou vantagens e riscos presentes na implantação de um código de ética
empresarial. Dentre as vantagens observadas, ressalta-se que, quando fundamentado nos
valores reais, praticados pela organização a partir de sua cúpula e aceito como um documento
legítimo por seus públicos estratégicos, o código de ética empresarial pode colaborar para o
fortalecimento da identidade corporativa.
Neste sentido, ao tornar mais transparente a identidade da organização, os códigos de
ética empresarial também contribuem para a solidificação de sua imagem perante seus
públicos, constituindo-se uma ferramenta bastante eficaz para as relações públicas.
Pode-se inferir, por meio deste estudo, que ainda é necessário tornar mais claro para
as organizações que a implantação de um código de ética empresarial é um processo que
requer uma profunda pesquisa e olhar crítico sobre a cultura organizacional, os valores e
princípios que formam sua base, bem como a natureza das relações com seus diversos
públicos. Enfim, é um processo que passa pela identificação da missão e da visão da
organização no longo prazo e que exige a integração e a comunicação de suas diversas áreas e
níveis hierárquicos.
Certamente, o estudo realizado não esgotou o tema, apenas pode colaborar para uma
revisão pontual sobre os códigos de ética empresarial nas relações da organização com seus
diversos públicos. É interessante a realização de novos estudos que, por exemplo, comparem
o atual estágio em que se encontra o tema no cenário nacional em relação aos Estados Unidos
e Europa, ou até mesmo analisem as diferenças identificadas na elaboração destes documentos
em empresas públicas e privadas ou de diferentes setores.
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