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Sedes: www.sedes.org.br/site/clinica_testemunho_ISS
Maria Lucia da Silva
Marcio Farias
Maria Cristina Ocariz
Augusto Stiel Neto
(Organizadores)
violência e sociedade
O racismo como estruturante
da sociedade e da subjetividade
do povo brasileiro
Editora
Maria Cristina Rios Magalhães
Conselho Editorial
Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro (UNIFOR)
Prof. Dr. Paulo Roberto Ceccarelli (PUC-MG)
Prof. Dr. Gisálio Cerqueira Filho (UFF)
Prof. Dr. Luis Cláudio Figueiredo (USP, PUC-SP)
Profa. Dra. Elisabeth Roudinesco (École Pratique des Hautes Études, FR)
Profa. Dra. Ana Maria Rudge (PUC-RJ)
Capa
Alonso Alvarez, com a obra Clitória, 2017, da artista plástica Juliana
dos Santos; imagem gentilmente cedida.
Produção editorial
Araide Sanches
CDU 159.964.2:323.118(81(81)
CDU 155.8496081
Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507
Equipe
Clínica do Testemunho – Centro de Estudos em
Reparação Psíquica Instituto Sedes Sapientiae
Maria Cristina Ocariz
Augusto Stiel Neto
Paula Salvia Trindade
Sumário
Apresentação 11
Maria Cristina Ocariz e Augusto Stiel Neto
Prefácio 15
Deivinson Faustino
Introdução 23
Maria Lucia da Silva e Marcio Farias
Deivinson Faustino
Deivinson Faustino
Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina do
ABC e doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São
Carlos. É professor do Departamento de Saúde, Educação
e Sociedade, além de pesquisador do Núcleo Reflexos de
Palmares da Unifesp. É coordenador Pedagógico do Instituto
Amma Psique e Negritude.
Introdução
Colonialismo, escravismo
Estado e subjetividade
Por um Brasil africano
Sobre a importância em se pensar
e educar o Brasil a partir de sua
herança africana: o caso de Palmares
Referências
Marcio Farias
noite de núpcias por não ser mais virgem. É nesse contexto que
o nome do jovem fidalgo surge, ainda que como sugestão, uma
vez que não existe uma afirmação explícita de que teria sido ele
o homem a desflorar a jovem Vicário.
Ainda mais absurda e ambígua da história é o seu de-
senrolar. Desde o primeiro momento do livro, sabe se que o
personagem principal vai morrer. “No dia em que o mataria,
Santiago Nasar levantou-se às cinco e meia da manhã para es-
perar o navio em que chegava o bispo” (1982). Aqui as penadas
magistrais do ganhador do Nobel de Literatura em 1981 saltam
à vista. Com sua habilidade de jornalista e romancista, narra os
fatos, apresentando as circunstâncias de tal modo que, o mais
óbvio, em dado momento da trama, é Santiago Nasar não mor-
rer, desmentindo o título e a primeira frase do livro.
Ainda que petulante, conquistador e gracejador, nada
aponta de fato que tenha sido ele quem tirou a virgindade da
moça. Mais do que isso, a virgindade não foi tirada, de tal modo
que a personagem Ângela Vicário é tomadora de sua história e
seu destino. Ainda assim, ela nada faz para desmentir a acusa-
ção. Os algozes não ficam à surdina, cantam aos quatro ventos
que levarão a cabo o extermínio daquele jovem. Mesmo quan-
do eles ainda não tinham certeza de que fariam, anunciam o
assassinato e não são repelidos. Os cidadãos daquela peque-
na cidade do interior da Colômbia tomam conhecimento dos
ocorridos e de sua possível consequência, mas nada fazem para
impedi-la. As autoridades também são comunicadas, mas nada
fazem para evitar o desfecho fatal. Na cena fatídica, a morte
brutal e cruel de Santiago Nasar, há um contraste significativo
com o cenário daquela cidade e com seu movimento, diante do
assassinato que fere com aquele cotidiano. Ainda assim, nada,
absolutamente nada foi feito para que aquela morte fosse evi-
tada. Assim, a morte como surpresa, ainda que anunciada, é
surpreendentemente absurda e indigna o leitor.
A história do Brasil também se apresenta enquanto uma
crônica de mortes, nesse caso, denunciadas. A violência que
acomete grande parte da população pobre e marginalizada,
Formação do povo brasileiro e a questão negra 49
legado para a formação do país. Não foi uma questão a ser pen-
sada, pesquisada e revisitada. O Brasil é sintético, diziam as van-
guardas. Porque “quem não gosta de samba, bom sujeito não é!”.
O totem venerado do Brasil idílico, cuja narrativa fala de mistura
e democracia das raças, virou um verdadeiro ato de fé, e seus
questionadores, nesse caso o movimento social negro, tornou-se
um herege importador de “neo-africanismo” (Freyre, 1981).
Em meados da década de 1980, outros movimentos so-
ciais se consolidam e marcham pela redemocratização e a con-
solidação de um pacto cidadão que possibilitasse, por meio do
Estado, a atenuação dos problemas históricos que conformam
desigualdades. Ainda que sucedido por uma década de desertifi-
cação neoliberal, o pacto social é parcialmente levado a cabo nas
gestões federais petistas que, por meio de um reformismo fraco,
ainda assim promoveu mudanças significativas na composição
socioeconômica da população brasileira (Singer, 2012).
Com a ampliação e a inserção de um amplo segmento
populacional no campo do consumo, feito conseguido com a
transferência de renda e o acesso ao crédito, minimizou-se o
contingente de pessoas absortas na pobreza extrema, além do
aumento do emprego formal, consolidando um amplo proces-
so de inclusão social. Contraditoriamente, o trabalho precário
também foi a característica marcante desse trabalhador recém-
-ingressado no mercado formal (Braga, 2012).
Também não foi possível resolver a presença de uma am-
pla e significativa massa de trabalhadores informais. A ralé
brasileira, extensa e complexa, a margem do Brasil que tentou
se expandir é composta majoritariamente por homens e mu-
lheres negros (Souza, 2009). E não foi por falta de aviso!
Crônicas e denúncias
A leitura psicossocial
Referências
Marcio Farias
Graduado em Psicologia pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2011). Mestre em Psicologia Social na PUC-
SP (2015). Doutorando em Psicologia Social na PUC-SP.
Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Americanos (Nepafro).
Professor convidado da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
e do CelaccUsp (Centro de Estudos Latino-Americanos sobre
Cultura e Comunicação). Membro do Instituto Amma Psique
e Negritude. Coordenador e docente do curso de extensão
Violência e Sociedade: Racismo como Estruturante da Sociedade
e da Subjetividade do Povo Brasileiro (2017) do Instituto Sedes
Sapientiae. Coordenador de Projetos e Extensão do Museu
AfroBrasil. Conselheiro do Instituto Luiz Gama. Membro de
Comissões de Avaliação de Ações Afirmativas em Concursos
Públicos para a Fundação Carlos Chagas. Foi parecerista de
66 Marcio Farias
Considerações finais
Referências
Fontes
Introdução
Racismo e Estado
Racismo e ideologia
Racismo e direito
Conclusão
Referências
II
III
Referências
Racismo institucional
Referências
Referências
Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós,
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz
Nós nem cremos que escravos outrora
Tenha havido em tão nobre país…
Hoje o rubro lampejo da aurora
Acha irmãos, não tiranos hostis.
(Medeiros e Albuquerque, 1867-1934.
Trecho do Hino da República – 1890)
Referências
http://pt.wikipedia.org/wiki/Senzala
www.senzala-sp.com.br/restaurante
http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,racismo-e-estrutu-
ral-e-institucio nalizado-no-brasil-diz-a-onu,1559036.
http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/no-
ticia/2014/09/pele-sobre-participacao-brasileira-na-copa-do
-mundo-um-desas5
Referências
Clélia R. S. Prestes
Referências
Clélia R. S. Prestes
Psicóloga do Instituto AMMA Psique e Negritude. Doutoranda e
mestre em Psicologia Social (USP). Pesquisa em andamento:
“Estratégias psicossociais de potencialização de saúde psíquica
realizadas por e para mulheres negras”, realizada com apoio
da Capes; Short Term Scholar (African and African Diaspora
Studies – University of Texas at Austin). Especialização em
Psicologia Clínica Psicanalítica (UEL).
Raça e sexualidade na
formação social brasileira:
notas sobre um episódio literário
“homoerótico” na aurora republicana
Referências
Introdução
Considerações finais
Referências
Estratégias de enfrentamento e
intervenção psicossocial
Por uma clínica interventiva
contra o racismo
Jussara Dias
Maria Lúcia da Silva
1. https://unifesplivre.wordpress.com/2015/03/24/nota-de-pesar-2/
2. www.youtube.com/watch?v=0GEkQC0qWLI
3. http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2015/05/aula-na-
biociencias-acende-debate-sobre-racismo-no-meio-academico/
212 Jussara Dias • Maria Lúcia da Silva
Referências
Jussara Dias
Psicóloga, integrante do Instituto AMMA Psique e Negritude.
Formação em Psicodrama pelo Centre International de
Psychothérapie Expressive, em Yamachiche/Qué.
que eu era negra, não (...) Eu convivi com a minha avó dos 5 aos
12 anos de idade. Quando eu completei 12 anos, ela foi embora
e deixou essa história pra mim. Mas eu fui crescendo, completei
os 15, os 20, fui saindo, e eu não tinha coragem de falar que eu
era descendente de negro, mas o medo de ser caçada, outra vez.
Se eu assumo que sou negra, daqui a pouco eu vou ter que sair
daqui, vão me pegar, me acorrentar. Era dessa história que a
gente tinha medo. Então, faz pouco tempo que a gente entendeu
que o negro não é essas coisas, e eu tenho coragem de assumir
em qualquer lugar que eu vou que eu sou descendente de escra-
vo, que eu sou negra na cor, na raça, em tudo. (Levina)
Qual palavra é menos violenta ou qual é a politicamente
mais certeira? Entre a aparência e a linguagem: o que falar e
silenciar? O que compartilhar publicamente e o que não con-
fessar? Entre eles, e em função principalmente do racismo, há
interlocutores, momentos, lugares em que se pode falar sobre
aspectos da história do negro e de ser negro.
Levina transitou de um polo a outro: do silenciamento
ao assumir-se para si e ao outro como negra. Da incerteza em
relação ao futuro se cativo ou não à coragem de ser o que é.
Precisou de tempo e coragem para acordar vocábulo, corpo e
contexto. Mas ainda hoje teme o laço. Teme que alguém de fora
do quilombo venha para humilhá-la e escravizá-la. O medo de
Levina é um medo comum entre muitos deles.
A imagem corriqueiramente propagada do negro/coisa,
do negro não sujeito de si, do negro acorrentado, ataca-os.
No começo do processo de titulação quilombola, na década de
1990, muitos temiam ser escravizados se ali virasse quilombo.
Faltou uma política pública que os ajudasse a compreender o
escravismo e o racismo e que desamalgamasse a imagem de
negro igual a escravo e de branco igual gente.
Lá há uma imagem de um laço (laço-corda e laço-vínculo)
que os arrasta para o abismo. O outro, o fora dali, é em princí-
pio, um assombroso e potente adversário. É por isso que nem
sempre é possível falar sobre ser negro para o forasteiro. É
Quilombos ontem e hoje 229
Referências
Referências
Introdução
Considerações finais
Referências
pela sociedade, seja pela família ou até mesmo pelo próprio su-
jeito. Há a urgência de se escutar para além da concretude do
que lhe é dito e demandado, daquilo que se encontra nas entre-
linhas do enunciado e que revela o sujeito do inconsciente em
questão e, por conseguinte, seu desejo e sua falta que através
de seus significantes mobilizam seu discurso. Lacan (1958) diz:
O desejo é aquilo que se manifesta no intervalo cavado pela
demanda aquém dela mesma, na medida em que o sujeito,
articulando a cadeia significante, traz à luz a falta-a-ser com o
apelo de receber seu complemento do Outro, se o Outro, lugar
da fala, é também o lugar dessa falta. (p. 633)
Desse modo, quando convidamos o paciente a falar de sua
história, ele possibilita a construção de uma primeira demanda
do sujeito que com a fala abre espaço para a articulação e o
retorno aos seus significantes, sendo possível aí a escuta para
além da demanda, daquilo que é consciente e concreto, como a
falta de vínculos familiares, renda, matrícula na escola, traba-
lho, dentre outras.
Pensando nesses aspectos no atendimento de adolescen-
tes envolvidos com álcool e outras drogas, o espaço para emer-
gir o sujeito é ainda menor; as crianças e adolescentes, na sua
maioria, são vistas como incapazes. Embora o ECA, no inciso II
do artigo 16 garanta o direito à opinião e expressão e, no artigo
28 diga:
§ 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente será
previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado
seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre
as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente
considerada.
Na prática, nem sempre esse direito é garantido, e mes-
mo quando ouvida, por vezes, sua fala é invalidada ou ignora-
da, pois há alguém que “sabe” o que lhe é melhor. O modelo
tutorial de cuidado prevalece, silenciando o adolescente. É na
oposição ao discurso da ciência — ou a letra dura da lei — que
a psicanálise possibilita a inclusão do sujeito do inconsciente,
270 Priscilla Santos de Souza
Referências
Coisa de mulher
Referências