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Francisco Silva
1
Ocultismo é uma palavra aqui usada como derivando da obra
de Cornellius Agrippa De Occulta Philosophia Libri Tres, na qual são descritas
práticas como alquimia, adivinhação, astrologia, rituais cabalísticos e de magia
cerimonial bem como procedimentos medicinais que derivam o seu sustentamento
teórico de pensadores herméticos e neoplatónicos
se ao campo mais específico da Historiografia do Esoterismo e Hermetismo e, em
terceiro, analisa-se um exemplo específico nesta área, que respeita a obras sobre um
texto mágico do séc. XIV-XV, a Clavicula Salomonis, e o seu tradutor para a língua
inglesa, o ocultista Samuel Mathers. Esta estrutura – quase hermética em si –
passando do macrocosmo para o microcosmo, permite ao leitor um entendimento de
como as diferentes ideias de racionalidade, e de como esta deve ser usada no estudo
de uma área em particular, acabam por afectar o estudo de qualquer assunto em
particular sobe o qual o investigador se deseje debruçar. Esta é uma área de estudo
que tem também impacto não só no estudo do pensamento religioso mas também no
estudo das ciências, particularmente na primeira modernidade, naquilo que podemos
considerar o início da ciência moderna, onde a “filosofia natural”, tanto nas suas
vertentes do estudo da natureza como do universo físico, inclusivamente no estudo da
medicina, é frequentemente estudada por autores com um cariz esotérico ou hermético
(como por exemplo Paracelsus ou Van Helmont).
2
Existe também um trabalho de Riffard sobre a dicotomia das perspectivas de
insider/outsider (1998). Outros autores também tiveram algo a dizer sobre
metodologia, particularmente sobre a definição dos conceitos de Esoterismo, Gnosis e
Misticismo, proeminentes entre estes são Dan Merkur, Eric Voeglin, a escola
perenialista e Gershom Scholem.
3
Por Faivre, Hanegraaff e Riffard.
Hanegraaff assinala os problemas que confrontam o estudo do Esoterismo Ocidental,
apresentando também soluções bem ponderadas para esses mesmos problemas. O
restante desta colecção de artigos procura apresentar ensaios que fariam parte da
solução apresentada por Hanegraff, ou seja, que o estudo do Esoterismo atingirá a
maturidade quando:
Os doze artigos neste volume representam uma variedade de perspectivas sobre a área
de estudo num contexto académico, partindo de diferentes pontos do espectro
insider/outsider, mas são geralmente de grande qualidade. Antoine Faivre também
contribui um artigo para este volume, no qual repete a sua demarcação do conceito de
esoterismo baseado em seis características particulares, quatro intrínsecas e duas
extrínsecas. Esta demarcação do esoterismo é desenvolvida de forma mais extensa
noutra obra importante para o estudante do Esoterismo Ocidental, o Access to Western
Esotericism (1994) de Faivre. A primeira parte deste volume é dedicada à
metodologia e definição de conceitos no estudo do Esoterismo Ocidental. No entanto,
ao contrário da obra de Hanegraaff, Faivre, por muita qualidade que a sua produção
académica tenha, parece um escritor de certa forma mais solipsista. Enquanto
Hanegraaff inclui o estudo do esoterismo claramente no contexto mais vasto do
estudo das religiões, debatendo, por exemplo, abordagens émicas e éticas5 à área,
Faivre é um escritor mais introvertido. Faivre situa-se firmemente no campo do
Esoterismo Ocidental, raramente ligando os assuntos da sua área aos problemas mais
gerais do Estudo das Religiões. Esta forma de isolação académica que se sente quando
se lê Faivre é um dos problemas que confrontam o estudante do Esoterismo Ocidental.
A falta de notas de rodapé ou referências a quaisquer fontes secundárias fora do seu
4
Hanegraaff, W. 1998 “Introduction” in Faivre, A. & Hanegraaff, W. 1998,
Western Esotericism and the Science of Religion Leuven: Peeters, p.XV
5
Émico e ético são conceitos originalmente desenvolvidos na área da
linguística para distinguir quem conhece uma língua por dentro (falantes nativos ou
bilingues) e quem estuda uma língua pelo exterior (o linguista, por exemplo). Por
analogia estes mesmos princípios são utilizados no estudo da religião para distinguir o
crente que acolhe e exalta a sua subjectividade do estudioso que tenta manter uma
perspectiva neutra sobre o fenómeno religioso (mesmo que o estudioso seja crente)
campo específico é imediatamente aparente no Access to Western Esotericism, e
imediatamente aparente é também o estilo de escrita desnecessariamente críptico de
Faivre:
6
Faivre, A. 1994, Access to Western Esotericism Nova Iorque: SUNY, p. 13
independente7. Goodrick–Clarke apresenta então uma espécie de “caminho do meio”
entre a perspectiva metodológica um pouco solipsista de Faivre e a perspectiva
sociológica de Von Stuckrad, vendo-as como complementares em vez de adversárias.
Uma forma de ver as explorações deste livro é vê-las como tendo descoberto
um período perdido da história Europeia. Como arqueólogos escavando
7
Goodrick-Clarke, N. 2008 The Western Esoteric Traditions Oxford: Oxford
University Press, p.12
através de camadas de terra descobrimos sob a história superficial do século
XVII, no período imediatamente anterior à guerra dos trinta anos, uma
cultura completa, uma civilização completa, desconhecida, e não menos
importante devido à sua curta duração. Podemos chamar-lhe uma cultura
Rosicruciana.8
Como resultado, pode-se reparar hoje que até alguns dos melhores (e
ocasionalmente os óptimos) especialistas das tradições herméticas e
relacionadas têm os seus momentos em que o estudo das tradições esotéricas
ocidentais cede a, ou mistura-se com, defesas de perspectivas esotéricas como
o “caminho para a salvação do Homem moderno”.9
8
Yates, F. 1972 The Rosicrucian Enlightenment, Nova Iorque: Routledge,
p.290
9
Hanegraaf, Idem. p.xiii
[...] no todo […] passiveis de passar a impressão ao leitor moderno de
confusões sem sentido compostas de diagramas e palavras mágicas.
(Thorndike, 1923-58, Vol. II, p. 282)10
Ou:
O texto está repleto de nomes de espíritos, orações em palavras estranhas,
supostamente derivadas do Hebreu ou Caldeu, e outras asneiras. (Thorndike,
1923-58, Vol. II, p. 286)11
Outra escritora com esta posição é E.M. Butler, que escreveu um dos estudos mais
completos sobre magia cerimonial (1949). De novo, falha não só por uma atitude
sobranceira em relação aos textos mágicos e os seus praticantes e crentes, mas
também pelo facto de que o livro atinge a conclusão final de que a magia ritual “afinal
não é assim tão satânica”, o que demonstra uma falta de compreensão do material
sobre o qual incidia o seu estudo. Alguns anti-esotéricos são mais agressivos nas suas
posições; por vezes, estes escritores têm motivações ulteriores na sua oposição ao
esotérico e oculto, quer originando na sua filosofia política (como a posição de Eric
Voegelin em relação aos Gnósticos, por exemplo)12 ou devido a uma oposição com
motivações religiosas ao que alguns consideram ideias e rituais satânicos.13 Entre
estes dois pólos de pró e anti-esoterismo está a posição do historiador representada
por autores como Ronald Hutton, Gershom Scholem, Hanegraaff, Goodrick-Clarke e
até mesmo Frances Yates que mesmo enfatizando, (talvez demais), a importância do
esotérico toma uma perspectiva mais ética da história do esoterismo e do oculto do
que a maior parte dos escritores. O livro de Hutton Triumph of the Moon (2001) é
uma obra central para o entendimento do desenvolvimento do movimento Wiccan e
10
Thorndike, L. 1923-58 A History of Magic and Experimental Science Nova
Iorque: Columbia University Press, p. 282
11
Thorndike, L., Idem. p. 286
12
Hanegraaff, W. 1998b “On The Construction of Esoteric Traditions” in Faivre,
A. & Hanegraaff, W. 1998, Western Esotericism and the Science of Religion Leuven:
Peeters, pp. 29-36
13
Taylor, P, 2005 The Occult – What Does The Bible Say About It, Disponível
em: http://www.christiananswers.net/q-eden/edn-occult.html [Acedido em 29/12/09] ,
s.p.
Neo-Pagão no século XX, enquanto a obra de Scholem Major Trends in Jewish
Mysticism de 1941 toma uma perspectiva histórica e analítica do desenvolvimento do
pensamento Cabalístico. A obra de Goodrick-Clarke, mencionada acima, toma uma
perspectiva cronológica do desenvolvimento do pensamento esotérico desde o antigo
Egipto e o nascimento do Hermetismo até ao século XXI, mostrando como estes
movimentos se inter-relacionam, sendo neste momento o mais próximo a uma
introdução isenta a todo o campo de estudo disponível ao estudante, bem como o
primeiro volume que serviria idealmente como livro de estudo para uma cadeira
generalista sobre as tradições esotéricas ocidentais a um nível universitário.
Hanegraaff, que foi também mencionado acima, produziu uma obra intitulada New
Age Religion and Western Culture: Esotericism in the Mirror of Secular Thought
(1998), que é uma análise ponderada e bem documentada das diversas facetas do
movimento “Nova Era” ou “New Age”. Este livro analisa uma variedade de
fenómenos dentro daquilo a que se chama “Nova Era”, analisando assuntos desde
medicinas alternativas e mediunidade, até a hermetismo e correntes mágicas. A obra
de Hanegraaff, que se espalha por mais de quinhentas páginas, baseia-se em
metodologia sólida explicada na introdução à obra:
Estas são considerações relacionadas com o campo mais vasto do Estudo das
Religiões que raramente são discutidas no estudo do Esoterismo Ocidental mas que
são indispensáveis para o desenvolvimento da disciplina. Esta ultima categoria de
obras que não é claramente nem pró nem anti-esotérica é, infelizmente, a categoria
onde menos obras abundam. Os exemplos acima, mesmo que não exaustivos, são
representativos do campo de estudo. Bom trabalho académico nesta disciplina é raro
enquanto obras populares são abundantes.
14
Nos princípios da Falseabilidade expressos por Karl Popper.
15
Hanegraaff, W. 1998 New Age Religion and Western Culture: Esotericism in
the Mirror of Secular Thought Nova Iorque: SUNY, pp.6-7
Exemplo: Obras que cobrem especificamente Mathers, a Golden Dawn e a
Clavicula Salomonis
16
Ver a obra de Frances Yates, Antoine Faivre, B.J. Gibbons et al.
17
Hanegraaf, W. 1998, Idem.
18
Para além da obra de Ronald Hutton, um obra sociológica de algum valor é
Drawing Down The Moon (2006) de Margot Adler.
19
The Hermetic Order of the Golden Dawn, por vezes traduzida para Português
como “Aurora Dourada”, uma das organizações mais influentes no desenvolvimento
do Esoterismo na segunda metade do Séc. XIX e durante todo o séc. XX:
mesma como Adeptos e como fundador de uma das novas ordens revivalistas
baseadas na Golden Dawn no caso de Chic Cicero. Isto não os previne, por exemplo,
de tomarem em conta o facto de que a correspondência original entre Westcott e Frau
Sprengel que deu origem à ordem foi provavelmente forjada, ou de descreverem em
detalhe os problemas e desavenças que levaram à dissolução da ordem. Já a obra de
Gilbert tem uma perspectiva diferente; a perspectiva de um Maçon que em geral tem
pouca simpatia pela ordem. A sua atitude para com os membros da Golden Dawn é
representada na sua introdução:
Se parece que me concentrei nas suas tolices e delitos, isto é porque a história
da ordem é maioritariamente uma história de tolices e delitos. 20
20
Gilbert, R. 1997a. Revelations of the Golden Dawn. Slough: Foulsham, p. 4
A “Chave de Salomão” é uma combinação grotesca do pomposo e do
ridículo, é, de facto, a velha história da montanha e do rato, mas o parto é tão
trabalhoso que, neste caso, o rato nasce morto.21
Este reconhecimento torna ainda mais surpreendente que nenhum trabalho académico
significativo tenha sido feito sobre Mathers.
Conclusão
21
Waite, A. E. 1972 [1911] The Book Of Black Magic Boston: Red
Wheel/Weiser, p. 67
22
Hanegraaf, W. , Ibid, p.87, nota de rodapé.
dificuldade, visto que estas se complementam. Sem as perspectivas émicas, o
investigador ético não teria nada para investigar, e mesmo dentro das abordagens
éticas a existência de várias escolas de pensamento tão concretamente definidas torna
o investigador num ser constantemente consciente da sua posição no campo de
estudo, e também da relevância metodológica das suas afirmações. Sendo também
uma disciplina em franco crescimento, conforme nos vamos apercebendo da
influência histórica de uma corrente de pensamento muitas vezes descurada pela
academia, está ainda em estado embriónico, em constante desenvolvimento e diálogo,
tanto dentro do campo ético como entre os campos éticos e émicos de pensamento. As
vantagens e desvantagens dos vários géneros de “racionalidade” presentes em obras
dentro desta área, são então relativas ao objectivo do estudioso, enquanto o produto
final do estudo académico deve ter uma vertente ética, as fontes émicas são essenciais
como matéria prima para esse trabalho. É no entanto necessário um constante
exercício de análise e de introspecção de forma ao estudioso poder estar sempre ciente
da sua posição metodológica bem como aquela das suas fontes, de forma a poder
então atribuir os pesos e relevâncias relativas às diferentes abordagens.
Bibliografia
Bogdan, H. 2007, Western Esotericism and Rituals of Initiation Nova Iorque: SUNY
Cicero, C & Cicero, S. 2003 The Essential Golden Dawn St. Paul: Llewellyn
Faivre, A. & Hanegraaff, W. 1998, Western Esotericism and the Science of Religion
Leuven: Peeters
Gilbert, R. 1997a. Revelations of the Golden Dawn. Slough: Foulsham
Hanegraaff, W. 1998 New Age Religion and Western Culture: Esotericism in the
Mirror of Secular Thought Nova Iorque: SUNY
Hutton, R. 2001 The Triumph of the Moon. Oxford: Oxford University Press
Lévi, E., 2001 [1860] The History of Magic. Translated from the French by A. E.
Waite. Boston: Red Wheel/Weiser
Waite, A. E. 1972 [1911] The Book Of Black Magic Boston: Red Wheel/Weiser
Yates, F. 2002 [1964] Giordano Bruno and the Hermetic Tradition, Nova Iorque:
Routledge