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O Baralho Cigano

Por Ana Elizabeth Cavalcanti

Um dos oráculos mais populares é o Baralho Cigano formado por 36 cartas


com significados específicos. Apesar de ser associado ao povo cigano, ele foi
criado no século 18 por uma famosa ocultista, Anne Marie Adelaide
Lenormand.

A origem do Baralho Cigano é obscura. O oráculo que conhecemos com este


nome na verdade foi criado no século 18 por Anne Marie Adelaide Lenormand,
nascida na Normandia em 1772. As informações sobre sua vida e dons muitas
vezes são contraditórias. Conta-se, por exemplo, que quando era muito jovem,
ao perder os pais, foi obrigada a viver em um convento desde os cinco anos de
idade. Com o tempo, os seus dons de clarividência se acentuaram e acabou
afastando-se da congregação. Viveu em Paris em uma época posterior à
Revolução Francesa e se tornou famosa devido aos seus dons premonitórios.
Alguns de seus biógrafos relatam que ela estimulou e propagou a arte da
cartomancia entre as mulheres. Outros a consideravam apenas mais uma
charlatã que manipulava a nobreza com supostas profecias que nem sempre
se realizavam. Apesar das opiniões contrárias ao seu poder de prever o futuro,
existem registros de que ela “perturbou” alguns planos de Napoleão Bonaparte.
Em 1807, Lenormand descobriu que ele pretendia se divorciar de Josefina.
Surpreso com a revelação, Napoleão teria ordenado sua prisão em 11 de
dezembro de 1809, onde ela permaneceu durante doze dias, enquanto ele
conseguia dar prosseguimento ao processo de separação. Acredita-se que,
desde então, a fama de Lenormand cresceu muito entre os nobres da época.
Além de cartomante, ela possuía um profundo conhecimento sobre práticas
ocultistas, era astróloga, numeróloga, quiromante. Também lia borra de café e
possuía conhecimento sobre os poderes de ervas e cristais. Acredita-se que,
devido ao seu grande grau de conhecimento sobre temas esotéricos e
ocultistas, ela elaborou o baralho com que realizava suas previsões.
O oráculo mais antigo criado por Madame Lenormand é o La Sybille des
Salons, formado pelo mesmo número de cartas de um baralho de 52 cartas
usado em jogos de diversão e entretenimento. A diferença era que cada lâmina
era marcada por um personagem ou símbolo diferente. Este baralho foi
publicado pela primeira vez em 1828.
Anos mais tarde, em 1840, ele foi redesenhado por um ilustrador famoso,
Gérard Jean Ignace Isidore, e publicado pela gráfica Grimaud. Nessa
publicação, conhecida como "Pequeno Lenormand", o baralho foi reduzido para
36 cartas, com 9 lâminas de cada naipe.
Madame Lenormand morreu em 25 de junho de 1843 e foi enterrada em Paris.
Conta-se que deixou uma pequena fortuna, fruto de suas previsões.

Os ciganos

O termo “cigano” é usado para designar um conjunto de populações nômades,


cuja história é contada a partir do contato com outras sociedades. Segundo a
Enciclopédia Britânica, a maioria dos ciganos referem a si mesmos por um
nome genérico, Rom ("homem" ou "marido"). Para todos os não ciganos, o
termo usado é gadje, que possui uma conotação pejorativa significando caipira
ou bárbaro.
Sobre sua origem, as opiniões são diversas. Há quem diga que são
descendentes de indianos e egípcios, que teriam vindo da Mesopotâmia,
Armênia, Fenícia, Assíria ou Fenícia. Existem também teorias de que seriam
europeus que viviam em regiões isoladas de alguns países como Hungria,
Boêmia, Espanha, Alemanha, Turquia ou Grécia.
A historiadora Denize Carolina Auricchio Alvarenga da Silva, em História dos
Ciganos (www.historianet.com.br), diz que independentemente da origem,
diversos relatos históricos demonstram que chegaram aos Balcãs no início do
século 14 e que em um século se encontravam espalhados pelo continente
europeu. Muitos historiadores consideram que o seu nomadismo se deve à sua
difícil integração social. “Devido ao tom escuro da sua pele, eram vistos nas
terras aonde chegavam pelos gadje (estrangeiros em romani) como malditos
ou enviados do demônio. Também pelo fato de alimentarem práticas de
quiromancia e adivinhação, fez com que fossem repudiados pela Igreja
Católica e pelas diferentes religiões cristãs.”
Quando os ciganos chegaram à Europa por volta do século 15, o hábito de
consultar oráculos entre os nobres, principalmente da França e Itália, era muito
comum. Neste período, havia uma preferência pelo Tarô, um oráculo antigo e
de origem desconhecida, formado de 78 cartas conhecidas como arcanos. A
“paixão” pelo Tarô fez com que muitos nobres encomendassem a artistas da
época a criação de novas lâminas baseadas nas originais. Estes trabalhos
artísticos geraram verdadeiras obras de arte que eram manipuladas com o
intuito de se prever o futuro ou de se receber aconselhamentos.
Os ciganos tinham como tradição o hábito de desvendar o futuro por meio de
previsões com o intuito de ajudar os semelhantes a terem uma vida melhor.
Este tipo de atividade cabia às mulheres ciganas que desde jovens aprendiam
a “ler a sorte” por meio da leitura das mãos (quiromancia) ou por meio de
objetos, como borra de café ou jogos de carta.
Acredita-se que com a impressão de diversos Tarôs e cartas, esse tipo de
oráculo acabou sendo adotado pelos ciganos e propagado por diversas regiões
da Europa. Neste contexto, quando o “Pequeno Lenormand” foi publicado em
1840, provavelmente foi adotado pelas ciganas, pois além de o baralho ser
menor, suas cartas continham informações valiosas capazes de realizar
previsões tão eficientes quanto as realizadas pelo Tarô com suas 78 lâminas.
Além disso, as ilustrações com figuras do dia a dia permitiam uma
compreensão rápida do seu significado.
A facilidade do manuseio e entendimento das cartas facilitou a sua
propagação. Com o tempo, novas versões foram criadas, usando os mesmos
símbolos e representações, mas com novas “roupagens” ou imagens
diferentes, como por exemplo, a de ciganos.
O uso constante do “Pequeno Lenormand” pelas ciganas acabou tornando o
oráculo conhecido como Baralho Cigano. Esta é a explicação mais razoável
para a popularidade desse nome, porque não existem registros e nem mesmo
teorias de que os ciganos tenham criado ou impresso um jogo de cartas similar
ao Tarô ou ao Pequeno Lenormand.
Constantino K. Riemma, em O Baralho Cigano e seu imaginário
(www.clubedotaro.com.br), diz que “mesmo pesquisando com toda paciência
os livros disponíveis e a Internet, não encontraremos exemplares históricos de 
baralhos que pudessem ter sido criados ou impressos por ciganos. A quase
totalidade dos anúncios que vemos hoje nos sites e folhetos sobre tiragens e
baralhos ciganos utiliza na verdade as 36 cartas do baralho Petit Lenormand,
uma simplificação que a cartomante francesa mandou redesenhar de apenas
parte dos arcanos menores originais. Se insistirmos pela Internet, será possível
encontrar alguns baralhos designados ciganos. Quase sempre são
reproduções "domésticas" do Petit Lenormand. Mesmo os profissionais que
anunciam cursos de Tarô Cigano utilizam como ilustrações as cartas do
baralho Lenormand ou de suas adaptações. Por outro lado, encontramos entre
os usuários desses baralhos uma disposição astral na ligação das cartas com
entidades ciganas, quer entre sensitivos sem uma filiação religiosa declarada,
quer entre praticantes espíritas e de ritos afro. Trata-se de mais um exemplo de
receptividade da alma brasileira. Mais uma expressão de sincretismo que vale
a pena estudar.”

Para saber mais


Baralho Petit Lenormand - Teoria & Prática, Geraldo Spacassassi, Editora
Totalidade.

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