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DOI: 10.25110/akropolis.v26i2.7459
Abstract: the objective of this work were to examine the police investi-
gation with its characteristics and peculiarities, seeking to demonstrate
the main changes and discussions from the 13,245/16 Law. A priori,
it is necessary to observe the constitutional principles, with emphasis
on the contradictory and ample defense. Considering that there is a
discussion among professionals in the area of Law, where some say
that this law has generated benefits to indicted ones, and others say
to be just expansion of the right of access to inquiry on the part of pro-
fessionals. After a thorough analysis of the weightings of the advent of
13,245/16 law, which innovated mainly the question of access to inquiry
by the lawyer, the secrecy regarding the investigation and the nullity
of the acts evidence, it was evidenced that the lawyer will have more
access to police investigation; that lawyers will have access only to
the evidence and arguments already attached in the investigation; the
questionings to the investigated will only happen after the withdrawal
Recebido em novembro de 2017 of legal aid. However, it is necessary that this law is more studied, so
Aceito em março de 2018
that there is balance between access and the secrecy of the investiga-
tion, not to harm its progress, or the usefulness of its evidence, but it is
necessary to ensure the investigated more protection bre o advento da Lei nº 13.245/16 e o direito do
to principle of non self imputation . In particular, to be advogado em acessar os autos já produzidos no
noted that the inquisitorial process will not suffer sig- inquérito, amparado anteriormente pela Súmula
nificant changes, or stop being inquisitive, because Vinculante nº 14 do STF.
do not exist in these cases, the principles of contra-
No decorrer do trabalho será evidencia-
diction and ample defense. For this study, it was used
as methodology the bibliographical research, with the
do que mesmo com caráter sigiloso do inquérito
use of specific material including documents, mono- policial é necessário manter a integridade e dig-
graphs, dissertations and books, the latter being the nidade do investigado. E além do mais, o adven-
main primary source. to da Lei nº 13.245/16 veio para salvaguardar o
Keywords: Ample Defense; Contradictory; Criminal que já estava previsto em nosso ordenamento
Proceedings; Police Investigation; Secrecy of the in- jurídico, trazendo assim ao advogado, a liberda-
vestigation. de para consultar os autos do inquérito e ter am-
plo acesso ao que já foi já documentado.
1 INTRODUÇÃO
2 O INQUÉRITO POLICIAL
O Brasil por ser um Estado Democrático
de Direito, possui o poder de ditar regras de con- 2.1 Conceito, finalidade e natureza jurídica
vivência para manter a paz e garantir a proteção do inquérito policial
dos bens jurídicos considerados imprescindí- O Inquérito Policial está presente des-
veis. Mas, embora esse poder seja inerente ao de a Idade Média como uma peça para averi-
Estado, ele não é absoluto e encontra limitações. guação. Assim, desde a Antiguidade procura-se
Por essa razão é que surge o Direito Processual averiguar a apuração dos delitos praticados no
Penal, um instrumento destinado à realização do convívio social. Nesse sentido leciona Adilson
poder punitivo do Estado, cujo desenvolvimento Mehmeri (1997, p. 04):
é regido por um conjunto de normas, preceitos
e princípios com intuito evitar a prática de atos Entre os antigos atenienses já se es-
arbitrários ou atentatórios contra às liberdades boçava uma espécie de inquérito para
e garantias individuais previstas na Constituição averiguar a probidade individual e fa-
Federal. miliar dos eleitos magistrados, sendo
Ao Estado é conferido variadas normas que dez desses eram os estínomos,
os quais trabalhavam como policiais.
que permitem que órgãos estatais investiguem
Tal investigação seria mais uma forma
e procurem encontrar ilícitos penais ou extra-
de sindicância, de cunho investigatório,
penais. Desse modo, surge o inquérito policial, sem qualquer esboço de contraditório.
o principal instrumento investigatório no campo (MEHMERI, 1997, p.04).
penal, cuja finalidade precípua é estruturar, fun-
damentar e dar justa causa a ação penal. A instauração do inquérito policial no Bra-
Ante ao exposto, o inquérito policial é sil deu-se com a edição da Lei º 261, em 03 de
instrumento investigatório, sigiloso, com carate- dezembro de 1841, que modificou o Código de
rísticas meramente informativas e administrati- Processo Criminal do Império. Essa modificação
vas, não encontrando respaldado nos princípios atribuiu aos chefes de polícias a competência
do contraditório e da ampla defesa, uma vez que para instaurar procedimentos de averiguação,
não julga nem mesmo acusa. Nesse diapasão, ou seja, surgiu como uma investigação prévia
vale ressaltar que desde a instauração do inqué- de fatos delituosos, que posteriormente, eram
rito policial, esse sempre foi alvo de discussões, registrados em um documento e remetidos ao
por se tratar de um instrumento polêmico, com Juiz de Direito, para a devida verificação da tipi-
o advento da Lei 13.245/16 tal situação não se ficação penal.
extirpou. Já com a edição da Lei nº 2.033 em 20
Portanto, o presente trabalho objetiva de setembro de 1871, o sistema de persecução
analisar o sigilo no inquérito policial frente ao di- penal foi dividido em duas fases, sendo a primei-
reito do investigado, uma vez que os princípios ra uma fase preliminar, e a segunda uma fase
constitucionais devem ser seguidos em prol de judiciária, e desde então, o inquérito passou a
sua dignidade. Por outro lado, procurar-se-á de- ser estruturado como uma fase preliminar.
monstrar no presente trabalho uma análise so- Com o surgimento do Decreto Lei nº
4.824 em 22 de novembro de 19871, o inqué- ofensivo, quando as cumulações das penas não
rito policial passou a ter a seguinte definição no ultrapassem 02 (dois) anos, sendo de competên-
art. 42 da referida Lei: “O inquérito policial con- cia dos juizados Especiais Criminais, conforme
siste em todas as diligências necessárias para dispõe o artigo 69º da Lei 9.099/95; b) através
o descobrimento dos fatos criminosos, de suas de inquérito Policial, quando às penas somadas
circunstâncias e de seus autores e cúmplices, ultrapassarem a pena de 02 (dois) anos, sendo
devendo ser reduzido a instrumento escrito”. de competência do Juízo Comum.
Desde então, o inquérito vem servindo como um Posto isto, o Inquérito Policial compre-
meio de conter os abusos das autoridades poli- ende um conjunto de procedimentos que visam
ciais, pois estes, anteriormente, possuíam pode- investigar a existência de um crime, descobrir e
res excessivos. recolher as provas constante da materialidade e
Com a promulgação da Lei 3.689 em 03 autoria do delito.
de outubro de 1941, atual Código de Processo Reis Alexandre e Gonçalves Victor (2016,
Penal Brasileiro, o inquérito policial passou a ter p.63) entendem que o inquérito é um “procedi-
respaldo no artigo 4º, que traz como conceito mento investigatório instaurado em razão da
genérico e amplo que a “polícia judiciária será pratica de uma infração penal, composto por
exercida pelas autoridades policiais no território uma séria de diligências, que tem como objetivo
em suas respectivas circunscrições e terá por obter elementos de prova. ”
fim a apuração das infrações penais e de sua Para Fernando Capez (2016, p. 148), o
autoria”. inquérito policial compreende:
Nesse sentido, Aury Lopes Junior (2005,
p.135) ressalta que o “inquérito policial nasce da Conjunto de diligências realizadas pela
mera possibilidade de que exista um fato puní- polícia judiciária para a apuração de uma
vel. E, que, a própria autoria não necessita ser infração penal e de sua autoria, a fim de
reconhecida no início das investigações. ” Por- que o titular da ação penal possa ingres-
sar em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de
tanto, vale ressaltar que mesmo com a instaura-
procedimento persecutório de caráter
ção do inquérito policial, não pode o investigado administrativo instaurado pela autorida-
perder os direitos e as garantias fundamentais. de policial. Tem como destinatários ime-
Quanto à instauração do inquérito poli- diatos o Ministério Público, titular exclui
cial, de acordo com o art. 5º, incisos I a II do da ação penal pública (CF, art. 129, I),
Código de Processo Penal, ele poderá se iniciar e o ofendido, titular da ação penal pri-
das seguintes maneiras: a) com o auto de prisão vada (CPP, art. 30); como destinatário
em flagrante, ou seja, de ofício, no momento ou mediato tem o juiz, que se utilizará dos
logo após a prática do ato delituoso; b) ou aten- elementos de informação nele constan-
dendo ao requerimento do Ministério Público, do tes, para o recebimento da peça inicial e
para a formação do seu convencimento
ofendido ou de qualquer pessoa que tenha legi-
quanto à necessidade de decretação de
timidade para representá-lo, assim, o inquérito
medidas cautelares.
terá início com a notícia do crime;
Quando à autoridade policial toma co-
Corroborando com os fatos acima narra-
nhecimento de um fato aparentemente ilícito,
dos, a primeira caraterística do inquérito policial
chama-se de notitia criminis. Essa notícia é leva-
é que a autoridade competente para sua instau-
da ao conhecimento da autoridade por meio do
ração é em regra a polícia judiciária, sendo o de-
Ministério Público, do ofendido ou de quem pos-
legado o referido agente para tal ato, ou seja,
sua legitimidade, conforme preleciona o art. 39
é evidente que o inquérito é um procedimento
do Código de Processo Penal, sendo conhecida
administrativo, tendo em vista que é um proce-
como delatio criminis, ou seja, a delatio criminis
dimento realizado por uma autoridade, em que
é a comunicação feita por quem tem legitimida-
busca apenas indícios, provas do possível delito
de como autoridade policial acerca da ocorrên-
e autoria.
cia de infração penal.
Posto isso, com relação à finalidade do
Após recebida a notitia criminis, a instau-
inquérito policial, Marta Saad (2004, p. 161) le-
ração do inquérito poderá se realizar de duas
ciona:
formas: a) através do termo circunstanciado,
quando se tratar de crimes de menor potencial O inquérito policial traz elementos que
não apenas informam, mas de fato ins- delito, sendo posteriormente direcionado a auto-
truem, convencem, tais como as decla- ridade competente, possuidora de legitimidade
rações de vítimas, os depoimentos de para possível ingresso da ação penal
testemunhas, as declarações dos acu-
sados, a acareação, o reconhecimento,
2.2 A condição do investigado como sujeito
o conteúdo de determinados documen-
tos juntados aos autos, as perícias em
de garantias
geral, a identificação datiloscópica, o es- Para se falar em garantias fundamentais,
tudo da vida pregressa, a reconstituição tem que se falar em direitos fundamentais, pois
do crime. um existe em virtude do outro. Nesse contexto,
antigamente, os direitos fundamentais eram en-
Assim, o inquérito policial serve para tendidos como os direitos do homem livre e iso-
averiguar os fatos descritos na notícia-crime, lado, direitos que estes homens possuíam em
para posteriormente, ser encaminhado ao titular face do Estado, constituindo os direitos da liber-
da ação penal. Entretanto, vale ressaltar que o dade da pessoa diante do Estado burguês. Essa
Inquérito Policial tem como segunda caracterís- concepção, correspondia aos chamados direitos
tica a sua dispensa, ou seja, não é requisito in- fundamentais de primeira geração, tendo como
dispensável para o oferecimento da denúncia ou princípios a liberdade, fraternidade e igualdade.
da queixa, pois desde que o titular da ação penal Segundo Bonavides (1997, p. 517-525),
tenha em mãos os elementos imprescindíveis o posteriormente surgiram os direitos de segunda
seu oferecimento e informações necessárias, o geração, que eram os direitos culturais, sociais
inquérito passa a ser absolutamente dispensá- e econômicos, bem como os direitos coletivos. E
vel. mais tardiamente surgiram os direitos e garan-
Tendo em vista o caráter informativo, o tias da terceira geração, relativos aos direitos de
inquérito policial tem como sua terceira carate- desenvolvimento, meio ambiente, patrimônio da
rística o caráter inquisitivo, ou seja, tem como humanidade, bem como à paz e à comunicação.
procedimento as atividades persecutórias con- Isto posto, é evidente que desde a Antiguidade
centradas nas mãos de uma única autoridade, os investigados sempre foram sujeitos de direi-
a qual, prescinde, para a sua atuação, podendo tos e garantias perante o Estado, tendo em vista
e devendo agir de ofício, com discricionariedade a sua hipossuficiência, uma vez que o Estado
e realizando as atividades necessárias para os é sempre mais forte, o investigado merece um
esclarecimentos do crime e da sua autoria. tratamento justo e com equidade.
Nesse sentido, conforme menciona o ar- Vale ressaltar, que em pleno século XXI
tigo 20º do Código de Processo Penal: “A autori- tal situação não se extirpou, ao contrário, salva-
dade assegurará no inquérito o sigilo necessário guardou maiores garantias fundamentais para
à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da os investigados, haja vista que os investigados
sociedade”. Resta claro que, por meio da leitura atualmente possuem direitos fundamentais mais
do dispositivo, a sua quarta caraterística é evi- abrangentes.
tar a publicidade das provas colhidas ou aque- Tais direitos estão previstos em nossa
las que a autoridade pretende obter prejudique Carta Magna, em seu artigo 5º e seus respecti-
a apuração do ilícito. Entretanto, tal norma não vos incisos. Desse modo, o Estado em nome da
pode ser interpretada de forma restritiva. democracia, deve além de limitar os direitos indi-
Finalmente, conforme menciona o artigo viduais, respeitar tais direitos para assim manter
9º do Código de Processo Penal, a sua última o equilíbrio entre o direito isolado de um cidadão
característica é o inquérito tem que ser escrito, e o direito à segurança da sociedade, ou seja,
ou seja, todas a peças do inquérito policial serão o Estado exerce um papel de garantias e limi-
num só processamento e reduzidas a escrito ou tações.
datilografadas e, neste caso rubricadas pela au- Para assegurar os direitos individuais,
toridade competente da lavratura do respectivo é fundamental e básico as limitações impostas
inquérito. ao poder Estatal, como por exemplo, os proce-
Percebe-se, assim, que o inquérito é um dimentos exigidos para a instauração do inqué-
procedimento administrativo, com caráter inqui- rito policial, além do mais, os direitos e garantias
sitivo, dirigido por uma autoridade, normalmente individuais tem por origem combater os abusos
policial, que busca indícios e materialidade do pelo Estado, no qual se revela ao garantir assis-
própria condição de ser humano. Constitui um humana é um princípio constituído por lei que
valor universal e está acima de qualquer diversi- garante e exige que todo cidadão brasileiro es-
dade sócio-cultural, não importando as diferen- teja assegurado dos seus direitos sociais e indi-
ças físicas, psicológicas, intelectuais ou mesmo viduais.
econômicas para que um indivíduo seja detentor A propósito devem ser registradas as
de igual dignidade. considerações de Carvalho, 2007, P. 549):
O princípio da dignidade da pessoa hu-
mana vem sendo assegurado desde a Declara- A dignidade da pessoa humana é o fun-
ção dos Direitos do Homem e do Cidadão, pro- damento de todo o sistema dos direitos
clamada pela Organização das Nações Unidas fundamentais, no sentido de que estes
de 1948. Com a promulgação da Constituição constituem exigências, concretizações
e desdobramentos da dignidade da
Federal, em 05 de outubro de 1988, o Brasil pas-
pessoa e que com base nesta é que
sou a salvaguardar garantias ao acusado, tais devem aqueles ser interpretados.
como os direitos sociais e individuais, o desen-
volvimento, a igualdade, o bem-estar e a justi- Portanto, os direitos fundamentais são
ça social. Desse modo, a dignidade da pessoa os direitos do homem escritos nos textos cons-
humana consagrou-se como princípio máximo, titucionais, que conotam um direito positivado e
além de ser fundamento da República introduzi- constitucionalizado, pois além de fazerem par-
do no art. 1º, III da Carta Magna: te da própria essência humana, são erigidos ao
plano internacional.
Art. 1º - A República Federativa do Bra-
Nesse sentido, afigura-se digna de re-
sil, formada pela união indissolúvel dos
Estados, dos Municípios e do Distrito gistro a manifestação de Ingo Wolfgang Sar-
Federal, constitui-se em Estado Demo- let (2008, p. 88 - 89) ao dizer que “A dignida-
crático de Direito e tem como fundamen- de da pessoa humana exige o reconhecimento
to: e proteção dos direitos fundamentais de todas
III – a dignidade da pessoa humana; as dimensões, e se não reconheçam à pessoa
humana e os direitos que lhes são inerentes,
Nesse sentido, a dignidade da pessoa estar-se-á negando-lhe a própria dignidade”.
humana é para o Direito Processo Penal um Nos dizeres de Fernando Capez (2017,
alicerce, uma vez que todos os princípios do p.18): “a dignidade da pessoa humana é o valor
Processo Penal estão legitimados ao princípio à vida humana, como pedra angular do ordena-
do regime adotado por toda a nação, ou seja, a mento jurídico, que deve nortear a atuação do
dignidade da pessoa humana. interprete e aplicador do Direito, qualquer que
O princípio, por si só, busca resguardar seja o ramo da ciência que se deva possibilitar a
a integridade do indivíduo como pessoa e é no concretização desse ideal no processo judicial”.
Processo Penal que essa proteção se concreti- Além do mais, para o Doutrinador Gui-
za. Atualmente o Estado não vem atendendo a lherme de Souza Nucci (2016, p. 76) “a dignida-
condição de ser humano ao acusado, mas vem de da pessoa humana é base sobre a qual todos
tratando-o como verdadeiro objeto do processo, os direitos e garantias individuais são erguidos e
em virtude da busca da verdade real, a pessoa sustentados. Ademais, inexistiria razão de ser a
humana se torna um objeto com prisões preven- tantos preceitos fundamentais não fosse o nítido
tivas, que visam muito mais uma antecipação de suporte prestado à dignidade humana”.
pena do que a análise do caso concreto. Ainda nos dizeres de Guilherme de Sou-
Ante o exposto, tendo em vista que a za Nucci (2016, p. 76):
dignidade da pessoa humana é o valor básico
de todos os outros direitos humanos, é impres- O Processo Penal constitui o amálgama
cindível que os direitos existenciais da dignidade do Direito Penal, pois permite a aplica-
não sejam quebrados. Não há que se falar em ção justa das normas sancionadoras.
A regulação dos conflitos sociais, por
mais ou menos dignidade, ou seja, o indivíduo
mais graves e incômodos, depende do
acusado, investigado, indiciado não perde a sua respeito aos vários direitos e garantias
dignidade, por pior que seja a sua conduta. essenciais à formação do cenário ideal
Conforme já dito, a dignidade da pessoa para a punição equilibrada e consen-
tânea com os pressupostos do Estado sentar procuração para o efetivo direito mencio-
Democrático de Direito, valorizando-se, nado no inciso XVI, ou, quando houver riscos e
acima de tudo, a dignidade humana. comprometimento da eficiência e eficácia das
diligências, tendo em vista, respectivamente, os
Percebe-se que, o princípio da dignidade textos acrescidos nos §10 e §11, em virtude da
da pessoa humana atinge todos, sem distinção, alteração do inciso XVI do Estatuto da OAB.
conferindo-os um complexo conjunto de direitos Além de incluir os parágrafos já mencio-
e deveres que garantem a proteção de todo e nados, verificou-se também o advento do §12,
qualquer ato contra a vida, além de salvaguardar que trouxe como redação a possibilidade de res-
a integridade física e psíquica. ponsabilização criminal e funcional do agente
que negar-se a fornecer os documentos já ane-
3 A LEI 13.245/16 E SUAS MUDANÇAS xados e concluídos no inquérito.
Nesse diapasão, o legislador acrescen-
Em 12 de janeiro de 2016, foi publicado tou também o inciso XXI, que além de trazer a
no Diário Oficial da União a promulgação da Lei presença do advogado no interrogatório do atua-
13.245/16, legislação está que além de alterar o do, ou seja, trazer a possibilidade do autuado es-
artigo 7, XVI da Lei 8.906/14 (Estatuto da Ordem tar acompanhado de advogado no momento de
dos Advogados do Brasil), acrescentou o inciso seu depoimento, trouxe também a possibilidade
XXI e os parágrafos §10, §11 e §12 da supraci- de nulidades dos atos caso seja desrespeitado
tada lei. Mas, o advento da lei não inovou drasti- os direitos assegurados pela legislação. Assim,
camente, apenas salvaguardou o que já estava as respectivas alterações trouxeram a garantia
previsto em nossas legislações, especialmente da não produção de provas ilícitas, aplicando-
no artigo 5, LXIII da Constituição Federal: -se por consequência a teoria da prova ilícita da
derivação, teoria esta que consagra como nula
Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
as provas que forem produzidas diante uma ile-
sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos es-
galidade e todos os atos que dela se originarem.
trangeiros residentes no País a inviola- Ante o exposto, a maior divergência e
bilidade do direito à vida, à liberdade, à discussão gerada pelo advento da Lei foi em
igualdade, à segurança e à propriedade, virtude do inciso XXI do Estatuto da Ordem dos
nos termos seguintes: Advogados do Brasil, que passou a prever tal
LXIII - o preso será informado de seus nulidade dos atos probatórios se decorressem
direitos, entre os quais o de permanecer em virtude de uma ilegalidade. Mas, vale ressal-
calado, sendo-lhe assegurada a assis- tar, que as nulidades das provas produzidas no
tência da família e de advogado. inquérito só poderão ser anuladas quando trou-
xerem prejuízos para o investigado e quando
Ante ao exposto, a lei trouxe apenas a
efetivamente esse prejuízo for comprovado.
ressalva da efetiva atuação do advogado nos
Nesse sentido, pode-se dizer que essa
procedimentos investigatórios, seja da esfera
garantia trazida pela Lei foi para salvaguardar
penal, administrativa e até mesmo as investiga-
o direito do defensor, no interesse do represen-
ções realizadas pelo Ministério Público.
tado, o acesso amplo aos elementos de prova
O objetivo principal do legislador ao pro-
que já estão documentados em procedimento
mulgar a lei foi o de garantir ao cidadão, de for-
investigatório, além de garantir ao investigado o
ma ampla, princípios fundamentais e a ordem ju-
mínimo de dignidade e garantias fundamentais,
rídica, evitando consequentemente, o abuso de
onde serão demonstrados e comprovados, deta-
poder por parte das autoridades competentes.
lhadamente, em tópicos específicos.
Com a alteração no inciso XVI, o dispo-
sitivo além continuar garantindo aos defensores
3.1 A garantia da participação da defesa
o direito de acesso ao inquérito policial. Esses
Antes da edição da Lei 8.906/94 (Estatu-
passaram a acompanhar todos os procedimen-
to da OAB) trazida pela Lei 13.245/16, já havia
tos investigatórios realizados por qualquer ór-
divergências no tocante à participação do advo-
gão competente. Entretanto, o acesso continua
gado durante os interrogatórios policiais, pois na
restrito quando se tratar de procedimentos sigi-
prática, alguns Delegados não permitiam sequer
losos, momento que o advogado deverá apre-
a presença do advogado, pelo fato de ter con-
trovérsias sobre a existência de dispositivo legal Ainda nos dizeres de Renato Brasileiro
que desse amparo a tal pretensão. (2016, p. 135):
Entretanto, conforme já mencionado no
tópico antecedente, mesmo com o advento da Se a força normativa do referido preceito
Lei 13.245/16, que acrescentou o inciso XXI no constitucional jamais foi suficiente para
artigo 7º da Lei. 8.906/94 – Estatuto da Ordem tornar cogente a presença de advogado
dos Advogados do Brasil, que trouxe a facultada por ocasião da realização de interroga-
tórios policiais, é no mínimo estranho
presença do advogado no inquérito policial, não
que a simples reprodução desse mes-
extinguiu a discussão. Posto isso, o inciso XXI mo preceito em uma lei ordinária teria o
tem a seguinte redação: condão de passar a exigir sua presen-
ça. De mais a mais, fosse necessária a
Art. 7º São direitos do advogado: (...) presença de advogado no interrogatório
XXI - assistir a seus clientes investiga- policial, referida mudança legislativa de-
dos durante a apuração de infrações, veria ter sido introduzida no âmbito do
sob pena de nulidade absoluta do res- Código de Processo Penal, diploma nor-
pectivo interrogatório ou depoimento mativo que regulamenta o interrogatório
e, subsequentemente, de todos os ele- policial, e não no Estatuto da Ordem dos
mentos investigatórios e probatórios Advogados do Brasil.
dele decorrentes ou derivados, direta
ou indiretamente, podendo, inclusive, no
Mas, e se o advogado está presente no
curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos; momento do interrogatório policial? Este terá
b) (VETADO). o seu direito negado? Nesse sentido Brasilei-
ro (2016, p. 135), ensina que: “Se o advogado
Tendo em vista a introdução o referido in- estiver presente no interrogatório policial não se
ciso, o advogado passou a ter o direito de estar pode negar o direito de assistir a seu cliente, sob
presente e, inclusive, de fazer perguntas, rece- pena de evidente violação à garantia fundamen-
bendo então, amparo expresso e legal. Mas, e tal do art. 5º, LXIII, da CF.”
como seria essa presença? Ela passaria a ser Nesse caso, vale-se dizer, que presente
obrigatória a fim de garantir ao investigado maior o advogado, e negado o seu direito de assistir a
amplitude de suas garantias fundamentais? O seu cliente investigado, restará caracterizada a
inquérito passaria a ter um caráter acusatório? ilegalidade do interrogatório policial e, por con-
Nesse sentido, vale transcrever o posi- sequência, de todos os elementos informativos
cionamento do doutrinador Renato Brasileiro e probatórios dele derivados, direta ou indireta-
(2016, p. 134-135): mente, conforme a teoria dos frutos da árvore
envenenada – CPP, art. 157, §1º, objeto de es-
As mudanças legislativas produzidas tudo deste trabalho.
pela Lei n. 13.245/16 não têm o condão Ademais, se o próprio Supremo Tribunal
de afastar a natureza inquisitorial das in- Federal entende conforme súmula vinculante nº
vestigações preliminares, nem tampou- 5, que “a falta de defesa técnica por advogado no
co de tornar obrigatória a presença de processo administrativo disciplinar não ofende a
advogado durante o interrogatório poli- Constituição”, é no mínimo contraditório concluir
cial. Na verdade, preservada esta natu- que, a partir da vigência da Lei nº 13.245/16, o
reza, o que houve foi a outorga de um interrogatório policial seja considerado válido tão
viés mais garantista à investigação pre-
somente quando o investigado estiver assistido
liminar, buscando-se garantir os direitos
por profissional da advocacia.
fundamentais do investigado.
Em outras palavras, se não há necessi-
dade de um defensor no curso de um processo
Posto isso, a Lei nº 13.245/16 não intro-
administrativo disciplinar, de qual pode resulta
duziu nenhuma novidade no ordenamento jurídi-
a aplicação de sanções relativamente severas,
co pátrio, na verdade, simplesmente positivou o
tais como suspensão, exoneração, perda de fun-
que a Constituição Federal sempre assegurou,
ção, é de se estranhar a obrigatoriedade de de-
ou seja, a assistência de advogado ao preso
fensor durante a realização de um interrogatório
(CF, art. 5º, LXIII), conforme já mencionado o tó-
policial, do qual jamais será possível a aplicação
pico anterior.
imediata de uma sanção. A inserção do inciso deve assegurar sua manifestação efetiva e real,
XXI no art. 7º da Lei nº 8.906/94, não fez com pois, o equilíbrio entre a acusação e defesa, que
que a investigação preliminar perdesse a sua devem estar munidas de forças similares. Por-
natureza inquisitiva, ou melhor, na verdade, ga- tanto, o contraditório somente pode ser eficaz
nhou um viés garantista, ou seja, respaldado de se os ambas as partes possuírem os mesmos
dignidade e garantias fundamentais. poderes.
Nesse diapasão, Ada Pelegrine Grinover
3.2 O contraditório (1992, p.63) nos ensina que a “defesa e con-
Na concepção originária do princípio do traditório estão indissoluvelmente ligados, pois
contraditório, entendia-se que, bastasse a infor- é do contraditório que nasce o exercício da de-
mação conferida para o acusado e a sua possí- fesa”. A defesa, assim, garante o contraditório,
vel reação para que se efetivasse a aplicação mas também por este se manifesta e é garan-
do contraditório. No entanto, com as alterações tida. Isto posto, o Princípio encontra-se respal-
legislativas e com a concepção do princípio da dado na Constituição Federal, em seu artigo 5º,
isonomia, bem como com a superação da mera inciso LV, informando que “aos litigantes, em
igualdade formal e a busca de uma igualdade processo judicial ou administrativo, e aos acu-
substancial, produziu a necessidade de se igua- sados em geral são assegurados o contraditório
lar os desiguais, repercutindo assim no âmbito e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
do princípio do contraditório. inerentes. ”
Desde então, o contraditório, deixou de Em um conceito genérico, o Princípio do
ser visto como uma mera possibilidade de parti- Contraditório é como a garantia de participação
cipação, para se transformar em uma realidade. no processo como meio de permitir a contribui-
Atualmente, há de se assegurar uma real ção das partes para a formação do convenci-
e igualitária participação dos sujeitos processu- mento do juiz, ou seja, é garantir o direito à in-
ais ao longo de todo o processo, assegurando formação de qualquer fato ou alegação contrária
a efetividade e plenitude do contraditório, tendo ao interesse das partes e o direito à reação a
como denominação contraditório efetivo e equi- ambos, vistos, assim, como garantia de partici-
librado. pação.
No entendimento de Gustavo Henrique Joaquim Canuto Mendes de Almeida
Righi Ivahy Badaró (2008, p. 1-36) houve, as- (1973, p. 82), compreende o Princípio do Con-
sim, uma dupla mudança, subjetiva e objetiva. traditório como a “ciência bilateral dos atos ou
Segundo o autor, quanto ao seu objeto, deixou termos do processo e a possibilidade de contra-
de ser o contraditório uma mera possibilidade de riá-los. ” De acordo com o autor, o núcleo fun-
participação de desiguais, passando a se esti- damental do contraditório estaria ligado “à dis-
mular a participação dos sujeitos em igualdade cussão dialética dos fatos da causa, devendo se
de condições. Subjetivamente, porque a missão assegurar a ambas as partes, e não somente à
de igualar os desiguais é atribuída ao juiz e, as- defesa, a oportunidade de fiscalização recíproca
sim, o contraditório não só permite a atuação das dos atos praticados no curso do processo. ”
partes, como impõe a participação do julgador. Isto posto, para ter o devido processo le-
Portanto, é evidente que em um primei- gal, tem que estar presente o contraditório, haja
ro momento, o contraditório limitava-se ao di- vista que é um requisito de validade do proces-
reito à informação e à possibilidade de reação, so, na medida em que a sua não observância é
e posteriormente, o contraditório passou a ser passível até de nulidade absoluta, quando em
analisado também no sentido de se assegurar prejuízo do acusado.
o respeito à paridade de tratamento, haja vista Nesse diapasão, os elementos do con-
que de nada adianta se assegurar à parte a pos- traditório são: 1) direito à informação; 2) direito
sibilidade formal de se pronunciar sobre os atos de participação. Portanto, o contraditório seria,
da parte contrária; se não lhe são outorgados os assim, a necessária informação às partes e a
meios para que tenha condições efetivas e reais possível reação a atos desfavoráveis, não po-
de contrariá-los. dendo cogitar da existência de um processo pe-
O princípio do Contraditório é a possibi- nal eficaz e justo sem que a parte adversa seja
lidade da parte contrária se manifestar em des- cientificada da existência da demanda ou dos
favor de uma acusação imputada. Tal princípio argumentos da parte contrária.