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Introdução

Este trabalho consiste numa comparação parcial entre Os Lusíadas, de Luís


Vaz de Camões, e A Mensagem, de Fernando Pessoa.

Pretendemos mostrar a estrutura de cada obra e encontrar a História de


Portugal, bem como os Descobrimentos dos Valentes Lusitanos, em cada
verso e palavra que os estes grandes autores escreveram, exprimiram,
pensaram e sentiram, sobre o excepcional povo que é o povo Português.

Existem semelhanças entre A Mensagem e Os Lusíadas. É simples dizer que


são ambas semelhantes em intenção, como obras de glorificação nacional,
mas essa simplicidade camufla uma complexidade enorme.

António Quadros, um estudioso de Pessoa, diz que A Mensagem é um


“poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética dos
Lusíadas”. Será realmente? Esperamos responder a essa pergunta, com este
trabalho.

Estrutura das obras

Os Lusíadas

Os Lusíadas é uma obra escrita por Luís Vaz de Camões, que está dividida em
dez Cantos, cada estrofe tem oito versos e cada verso tem dez sílabas
métricas, tendo, assim, versos decassílabos. Esta grande epopeia,
internamente está dividida em cinco partes: Proposição (I, 1-3), Invocação (I,
4-5), Dedicatória (I, 6-18), Narração (I, 19; X, 144) e Epílogo (X, 145-156).

Os Lusíadas, podemos encontrar quatro planos de acção: o plano da viagem,


o plano da mitologia, o plano da história de Portugal e o plano das
considerações do poeta. Em relação ao plano da viagem, a acção central é a
viagem de Vasco da Gama, “As armas e os Barões assinalados/ Que da
Ocidental praia Lusitana/ Por mares nunca de antes navegados/ Passaram
ainda além da Taprobana,/ Em perigos e guerras esforçados/ Mais do que
prometia a força humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que
tanto sublimaram;”(I,1). Escrevendo mais de meio século depois, Luís de
Camões tinha já o distanciamento suficiente para perceber a importância
histórica desse acontecimento, devido às alterações que provocou, tanto em
Portugal, como na Europa. Por essa razão considerou a primeira viagem
marítima à Índia como o episódio mais significativo da história de Portugal.
No entanto, tratava-se de um acontecimento relativamente recente e
historicamente documentado. Para manter a ferocidade, o poeta estava
obrigado a fazer um relato relativamente objectivo e potencialmente
monótono, o que constituía um perigo fatal para o seu projecto épico. Daí
que Camões tenha sentido a necessidade de introduzir um segundo nível
narrativo.

No plano mitológico (conflito entre os deuses pagãos), Camões imaginou um


conflito entre os deuses pagãos: Baco opõe-se à chegada dos portugueses à
Índia, pois receia que o seu prestígio seja colocado em segundo plano pela
glória dos portugueses, enquanto Vénus, apoiada por Marte, os protege,
“Quando os Deuses no Olimpo luminoso,/ Onde o governo está da humana
gente,/ Se ajuntam em consílio glorioso,/ Sobre as cousas futuras do
Oriente.”(I,20), “O padre Baco ali não consentia/ No que Júpiter disse,
conhecendo/ Que esquecerão seus feitos no Oriente/ Se lá passar a Lusitana
gente.”(I.30), “Os fortes Portugueses que navegam./ Sustentava contra ele
Vénus bela,/ Afeiçoada à gente Lusitana/ Por quantas qualidades via nela/ Da
antiga, tão amada, sua Romana; / Nos fortes corações, na grande estrela/
Que mostraram na terra Tingitana, / E na língua, na qual quando
imagina,”(I,32-33), “Mas Marte, que da Deusa sustentava/ Entre todos as
partes em porfia, / Ou porque o amor antigo o obrigava, / Ou porque a gente
forte o merecia,”(I,36).

No plano da história de Portugal, o objectivo de Camões era enaltecer o povo


português e não apenas um, ou alguns, dos seus representantes mais
ilustres. Não podia por isso limitar a matéria épica à viagem de Vasco da
Gama. Tinha que introduzir na narrativa todas aquelas figuras e
acontecimentos que, no seu conjunto, afirmavam o valor dos portugueses ao
longo dos tempos. E fê-lo, recorrendo a duas narrativas secundárias,
inseridas na narrativa da viagem, cujo narrador é o poeta. E para isso fê-lo de
três maneiras, primeiro a narrativa de Vasco da Gama ao rei de Melinde, ao
chegar a este porto indiano, o rei recebe-o e procura saber quem é ele e
donde vem. Para lhe responder, Vasco da Gama localiza o reino de Portugal
na Europa e conta-lhe a História de Portugal até ao reinado de D. Manuel, “E
também as memórias gloriosas/ Daqueles Reis que foram dilatando/ A Fé, o
Império, e as terras viciosas/ De África e de Ásia andaram devastando,/ E
aqueles que por obras valerosas/ Se vão da lei da Morte libertando,/
Cantando espalharei por toda parte,/ Se a tanto me ajudar o engenho e
arte.”(I,2). Ao chegar a este ponto, conta inclusivamente a sua própria
viagem desde a saída de Lisboa até chegarem ao Oceano Índico, visto que a
narrativa principal iniciara-se "in media res", isto é quando a armada já se
encontrava em frente às costas de Moçambique, “Já no largo Oceano
navegavam,”(I,19). Em segundo, a narrativa de Paulo da Gama ao Catual. Em
Calecut, uma personalidade hindu (Catual) visita o navio de Paulo da Gama,
“O Gama e o Catual iam falando” (VII,46), que se encontra enfeitado com
bandeiras alusivas a figuras históricas portuguesas. O visitante pergunta-lhe
o significado daquelas bandeiras, o que dá a Paulo da Gama o pretexto para
narrar vários episódios da História de Portugal. E por ultimo, as profecias – Os
acontecimentos posteriores à viagem de Vasco da Gama não podiam ser
introduzidos na narrativa como factos históricos. Para isso, Camões recorreu
a profecias colocadas na boca de Júpiter, Adamastor e Thétis, principalmente.

Para finalizar, temos o quarto plano, o plano das considerações do poeta,


normalmente em final de canto, a narração é interrompida para o poeta
apresentar reflexões de carácter pessoal sobre assuntos diversos, a propósito
dos factos narrados, “São os deuses, são as gotas,/ é a nuvem a chorar /
passos perdidos das rotas / que só eu sei encontrar.”.

Em suma, podemos dizer que os Lusíadas pretendem enaltecer os feitos do


povo português, e para isso, Luís de Camões escreveu esta obra onde relata
toda a História de Portugal, com principal destaque, a Viagem de Vasco da
Gama a Índia, que ocorreu mais de meio século primeiramente ao autor
escrever esta obra. Assim com esta obra Luís Vaz de Camões conseguiu
engrandecer os feitos heróicos dos portugueses.

A Mensagem

A Mensagem é uma obra composta por três partes, Brasão, Mar Português e
Encoberto, cada uma destas partes subdivididas em noutras: Brasão – 5
partes; Mar Português – 1 parte com 12 poemas e o Encoberto – 3 partes.
Esta divisão tem um simbolismo e tem como base o facto das profecias se
realizarem três vezes, ainda que de modo diferente e em tempos distintos.
Corresponde à evolução do império português que tal como o ciclo da vida,
passa por três fases: Brasão – nascimento/fundadores; Mar Português –
vida/realização e O Encoberto – morte/ressurreição.

Na primeira parte, o Brasão: o princípio da nacionalidade em que fundadores


e antepassados criaram a pátria. Em o “Ulisses”, o símbolo da renovação dos
mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a sua lenda para nos inspirar.
A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a vida mundana
insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai ocupar
tenham tido ou não existência histórica, “Sem existir nos bastou/Por não ter
vindo foi vindo/E nos criou.”. O que importa é o que elas representam. Daí
serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português.
Em “D. Dinis”, símbolo da importância da poesia na construção do Mundo.
Pessoa vê D. Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso
através das suas acções. Ele plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a
madeira para as caravelas, e falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou
seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a mediocridade. Em “D.
Sebastião, rei de Portugal”, símbolo da loucura audaciosa e aventureira,
“Sem a loucura que é o homem/ Mais que a besta sadia,/ Cadáver adiado que
procria?”. Ora, D. Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico,
foi em frente, e morreu por uma ideia de grandeza, e essa é a ideia que deve
persistir, mesmo após sua morte, “Ficou meu ser que houve, não o que
há./Minha loucura, outros que a tomem/Com o que nela ia.”.

Na segunda parte, o Mar Português a realização através do mar em que


heróis com uma grande missão de descobrir foram construtores do grande
destino da Nação. Em “O Infante”, símbolo do Homem universal, que realiza
o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores
para ser o intermediário entre os homens e Deus, “Deus quer, o homem
sonha, a obra nasce.”. Em “Mar Português”, símbolo do sofrimento por que
passaram todos os portugueses: a construção de uma “supra-nação”, de uma
Nação mítica implica o sacrifício do povo, “Ó mar salgado, quanto do teu
sal/São lágrimas de Portugal!”. Em “O Mostrengo”, símbolo dos obstáculos,
dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para
realizar o seu sonho: revoltado por alguém usurpar os seus domínios, “O
Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os portugueses de
completarem o seu destino, “Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas
que não desvendo, /Meus tectos negros do fim do mundo?”.

Na terceira parte, O Encoberto, a morte ou fim das energias latentes é o novo


ciclo que se anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo.
Em “O Quinto Império”, símbolo da inquietação necessária ao progresso,
assim como o sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas
aconteçam; há que ser ousado, curioso, corajoso e aventureiro; há que estar
inquieto e descontente com o que se tem e o que se é, “Triste de quem vive
em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no erguer da asa.../Triste de
quem é feliz!”. O Quinto Império de Pessoa é a mística certeza do vir a ser
pela lição do ter sido, o «Portugal-espírito», vivente de cultura e esperança,
tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimula. Em “Nevoeiro”,
símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos,
tanto espiritual e emocional como mentalmente: algo ficou consubstanciado,
pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos, “(Que ânsia distante
perto chora?)”, mas não temos os meios, “Nem rei nem lei, nem paz nem
guerra...”.

Com a Mensagem, Fernando Pessoa pretende dar a conhecer aos


portugueses os feitos dos seus antepassados e a conquista do Quinto
império.
A História

Os Lusíadas

A narração d' Os Lusíadas desenvolve-se em quatro planos, um dele é o


Plano da História de Portugal, constituído pelos discurso de Vasco da Gama a
Rei de Melinde, e de Paulo da Gama a Catual, bem como, pelas profecias de
Júpiter, do Adamastor e de Thétis.

No Primeiro Canto, no Concílio dos Deuses (I, 19 a 46), Júpiter afirma, acerca
dos Lusos, que eles são antecedentes aos próprios deuses e melhores que os
grandes heróis do passado histórico conhecido, porque filhos do Fado e do
Destino, a que a mitologia está submetida, “Eternos moradores do
luzente,/Estelífero pólo e claro assento,/Se do grande valor da forte gente/De
Luso não perdeis o pensamento/Deveis de ter sabido claramente/Como é dos
Fados grandes certos intento/Que por ela se esqueçam os humanos/De
Assírios, Persas, Gregos e Romanos.” (I, 24).

Vasco da Gama é o narrador dos Cantos III, IV e V. No Canto III, após a


invocação de Camões a Calíope, “Agora tu, Calíope, me ensina/O que contou
ao rei o ilustre Gama;”(III,1), Vasco da Gama começa a sua narrativa da
História de Portugal ao Rei de Melinde. Começa pela situação de Portugal na
Espanha e pela Lendária história de Luso a Viriato (chefe da resistência dos
lusitanos por ocasião da conquista romana da Espanha), “Esta foi Lusitânia,
derivada/De Luso ou Lisa…”(III,21), “Desta o Pastor nasceu, que no seu
nome/Se vê que de homem forte os feitos teve,/Cuja fama ninguém virá que
dome,/Pois a grande de Roma não se atreve…”(III,22). Segue-se a formação
da nacionalidade, história de D. Henrique que se tornou conde de Portugal
em 1095 pelo casamento com a princesa de Leão, “Quis o rei castelhano que
casado/Com Teresa, sua filha, o conde fosse;/E com ela das terras tomou
posse.”(III,25), e enumeração dos grandes feitos guerreiros dos Reis da
1ªDinastia: D. Afonso Henriques, notável por suas conquistas, “Um rei, por
nome Afonso, foi na Espanha/…muitos fez perder a vida e a terra”(III,23),
“Quis o famoso Afonso que obras tais/Levassem prémio digno e dons
iguais”(III,24), onde se destaca também episódios de Egas Moniz e da
Batalha de Ourique; D. Sancho I; D. Afonso II; D. Sancho II; D. Afonso III; D.
Dinis, o Rei humanista, trovador, lavrador, criador da Universidade, plantou
pinhal de Leiria, “Eis de pois vem Dinis…/...Com este o Reino próspero
florece”(III,96) “Fez primeiro Coimbra exercitar-se”(III,97), “Nobres vilas de
novo edificou/ Fortalezas, castelos mui seguros”(III,98); D. Afonso IV, onde se
destaca episódio da Formosa Maria, “Não de outra sorte a tímida
Maria/Falando está…”(III,106), e de Inês de Castro, “Tu, só tu, puro amor,
com força crua,/Que os corações humanos tanto obriga”(III,119), “Estavas,
linda Inês, posta em sossego/De teus anos colhendo o doce fruto,/Daquele
engano da alma, ledo e cego;”(III,120); D. Pedro I, o cruel, o justiceiro, “Tirar
Inês ao mundo determina”(III,123), “Não correu muito tempo que a
vingança,/Não visse Pedro das mortais feridas,/Que, em tomando do Reino a
governança,/A tomou dos fugidos homicidas;/Do outro Pedro cruíssimo os
alcança”(III,136); D. Fernando, “Do justo e duro Pedro nasce o brando…
Fernando/Que todo o Reino pôs em muito aperto”.

No Canto IV a narrativa de Vasco da Gama prossegue, agora com a


Revolução de 1383-85 (Batalha de Aljubarrota e Nuno Álvares Pereira, “Mas
nunca foi que este erro se sentisse/No forte Dom Nuno Álvares…”(IV,14),
“Começa-se a travar a incerta guerra:/De ambas as partes se move a
primeira ala;/Uns leva a defensão da própria terra,/Outros a esperança de
ganhá-la./Logo o grande Pereira, em quem se encerra/Todo o valor, primeiro
se assinala:/Derriba e encontra, e a terra, enfim, semeia/Dos que a tanto
desejam, sendo alheia.”(IV,30)) e a 2ªDinastia: D. João I, Fundador da dinastia
de Avis e vencedor de Aljubarrota, “ – «Portugal, Portugal, (alçando a
mão,/Disse) pelo Rei novo, Dom João!»”(IV,3), D. Duarte; D. Afonso V; D. João
II e, para finalizar, o reinado de D. Manuel I, reinado em que a Armada de
Vasco da Gama parte para a Índia, sob o olhar e palavras profeticamente
pessimistas do Velho do Restelo na praia lusitana, “Mas um velho, de aspeito
venerando/Que ficava nas praias, entre a gente,/Postos em nós os olhos,
meneando/Três vezes a cabeça, descontente,/A voz pesada um pouco
alevantando,/Que nós no mar ouvimos claramente/Cum saber só de
experiências feito,/Tais palavras tirou do experto peito:/ "-Ó glória de
mandar, ó vã cobiça/Desta vaidade, a quem chamamos Fama!/Ó fraudulento
gosto, que se atiça/Cúa aura popular, que honra se chama!/Que castigo
tamanho e que justiça/Fazes no peito vão que muito te ama!/Que mortes,
que perigos, que/tormentas,/Que crueldades neles experimentas!”(IV,94 e
95).

No Canto V, Vasco da Gama prossegue a sua narrativa contando ao rei de


Melinde a grande, perigosíssima e gloriosa aventura marítima em que eles,
lusos, se encontram em busca da Índia, a fúria de um monstro, no episódio
do Gigante Adamastor e as mortes provocadas pelo escorbuto, “«Já a vista,
pouco e pouco, se desterra/Daqueles pátrios montes, que ficavam;/Ficava o
caro Tejo e a fresca serra/De Sintra, e nela os olhos se alongavam;/Ficava-nos
também na amada terra/O coração, que as mágoas lá deixavam;/E, já
despois que toda se escondeu, /Não vimos mais, enfim, que mar e céu./«Assi
fomos abrindo aqueles mares,/Que geração algüa não abriu,/As novas Ilhas
vendo e os novos ares.”(V, 3 e 4), “«Não acabava, quando üa figura/Se nos
mostra no ar, robusta e válida,/De disforme e grandíssima estatura;/O rosto
carregado, a barba esquálida,/Os olhos encovados, e a postura/Medonha e
má e a cor terrena e pálida;/…/Que pareceu sair do mar profundo./Arrepiam-
se as carnes e o cabelo,/A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!/«E disse: - «Ó
gente ousada, mais que quantas/No mundo cometeram grandes cousas,/Tu,
que por guerras cruas, tais e tantas,/E por trabalhos vãos nunca
repousas,/Pois os vedados términos quebrantas/E navegar meus longos
mares ousas,/Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,”(V, 39 a 41).

No Canto VII e VIII, quando portugueses chegam a Calecut, são recebidos


calorosamente pelo Catual, que visita a Armada e impressionado com as
bandeiras das naus, pede a Paulo da Gama que lhe explique o significado das
figuras das bandeiras portuguesas, ao qual, Paulo da Gama refere com
alguns episódios da História portuguesa, “Na primeira figura se detinha/O
Catual que vira estar pintada,/Que por divisa um ramo na mão tinha,/A barba
branca, longa e penteada:/"Quem era, e por que causa lhe convinha/A divisa,
que tem na mão tomada?"/Paulo responde, cuja voz discreta/O Mauritano
sábio lhe interpreta. "Estas figuras todas que aparecem,/Bravos em vista e
feros nos aspectos/,Mais bravos e mais feros se conhecem,/Pela fama, nas
obras e nos feitos:/Antigos são, mas ainda resplandecem/Colo nome, entre os
engenhos mais perfeitos./Este que vês é Luso, donde a fama/O nosso Reino
Lusitânia chama.” (VIII, 1 e 2), Ulisses é o que faz a santa casa/Á deusa que
lhe dá língua fecunda,/Que, se lá na Ásia Tróia insigne abrasa,/Cá na Europa
Lisboa ingente funda (VII, 5).

No Canto X, o poeta termina, lamentando-se pelo seu destino desafortunado


de poeta incompreendido por aqueles a quem canta, “Vão os anos descendo,
e já do Estio/Há pouco que passar até o Outono;/A Fortuna me faz o engenho
frio,/Do qual já não me jacto nem me abono;/Os desgostos me vão levando
ao rio /Do negro esquecimento e eterno sono./Mas tu me dá que cumpra, ó
grão rainha/Das Musas, co que quero à nação minha!”(X,9), “Mas eu que falo,
humilde, baxo e rudo,/De vós não conhecido nem sonhado?/Da boca dos
pequenos sei, contudo,/Que o louvor sai às vezes acabado./Tem me falta na
vida honesto estudo,/Com longa experiência misturado,/Nem engenho, que
aqui vereis presente,/Cousas que juntas se acham raramente.”(X,154),
referindo episódios da nossa História Lusa, como os de Duarte Pacheco e
Ulisses, “«Isto fazem os Reis quando embebidos/Nüa aparência branda que
os contenta/Dão os prémios, de Aiace merecidos/À língua vã de Ulisses,
fraudulenta./Mas vingo-me: que os bens mal repartidos/Por quem só doces
sombras apresenta,/Se não os dão a sábios cavaleiros,/Dão-os logo a
avarentos lisonjeiros. ”(X,24), D. Manuel, “«Mas tu, de quem ficou tão mal
pagado/Um tal vassalo, ó Rei, só nisto inico/Se não és pera dar-lhe honroso
estado,/É ele pera dar-te um Reino rico./Enquanto for o mundo rodeado/Dos
Apolíneos raios, eu te fico/Que ele seja entre a gente ilustre e claro,/E tu nisto
culpado por avaro. ”(X,25),, Ulisses e a morte de Vasco da Gama, “«Mas
aquela fatal necessidade/De quem ninguém se exime dos humanos,/Ilustrado
co a Régia dignidade,/Te tirará do mundo e seus enganos./Outro Meneses
logo, cuja idade/É maior na prudência que nos anos,/Governará; e fará o
ditoso Henrique/Que perpétua memória dele fique. ”(X,54), e incitando o Rei
D. Sebastião a continuar o Brasão e a glória dos Portugueses, “E não sei por
que influxo de Destino/Não tem um ledo orgulho e geral gosto,/Que os
ânimos levanta de contino/A ter pera trabalhos ledo o rosto./Por isso vós, ó
Rei, que por divino/Conselho estais no régio sólio posto,/Olhai que sois (e
vede as outras gentes)/Senhor só de vassalos excelentes.”(X, 56).

A Mensagem

Na obra A Mensagem, Fernando Pessoa escreve História de um povo


português heróico e um Rei, que apesar de Mito, constitui o Quinto Império, o
Império Espiritual emergente.

A primeira parte da obra, designada por BRASÃO, expõe a situação e


Localização de Portugal na Europa na época dos Descobrimentos (construção
do Império português) “A Europa jaz, posta nos cotovelos:/De Oriente a
Ocidente jaz, fitando,/E toldam-lhe românticos cabelos/Olhos gregos,
lembrando. /O cotovelo esquerdo é recuado;/O direito é em ângulo
disposto./Aquele diz Itália onde é pousado;/Este diz Inglaterra onde,
afastado,/A mão sustenta, em que se apoia o rosto./Fita, com olhar esfíngico
e fatal,/O Ocidente, futuro do passado./O rosto com que fita é Portugal.” (Os
Castelos – Os Campos), há uma comparação entre o mapa físico da Europa
com figura feminina humana, conta a situação de apoio de Inglaterra para
com Portugal e, revela a importância de Portugal, como sendo rosto da
Europa – símbolo de humanidade, sonho e mistério.

Nesta Parte I, há referência ao mito de Ulisses, ligado a nossa capital Lisboa,


pois apesar de ele ser um mito, tornou-se um símbolo de incentivo para
lusitanos. Pessoa foi ao mítico Ulisses pois não o quis apagar, ao contrário do
que fez Camões aos deuses clássicos e às suas lendas; pelo contrário, apesar
de lenda, deu-lhe o nome de fundador de Portugal e da Europa, “O mito é o
nada que é tudo./O mesmo sol que abre os céus/É um mito brilhante e
mudo/O corpo morto de Deus,/Vivo e desnudo./Este, que aqui aportou,/Foi
por não ser existindo./Sem existir nos bastou./Por não ter vindo foi vindo/E
nos criou./Assim a lenda se escorre/A entrar na realidade,/E a fecundá-la
decorre./Em baixo, a vida, metade/De nada, morre.” (Ulisses – Os Castelos).

Tal como em Os Lusíadas, Pessoa refere, também, a história do bravo Viriato.


No poema de Pessoa, este descreve-o como “destro” guerreiro, sofrendo na
pele e no coração as injúrias da Roma famosa, “vencedor invencível” não
sujeito à humilhação que Roma atormentara ao comandante Pirro, o que
atacou Roma com um exército de elefantes, atravessando os Alpes (nota-se a
ironia do termo “primor”), “Se a alma que sente e faz conhece/Só porque
lembra o que esqueceu,/Vivemos, raça, porque houvesse/Memória em nós do
instinto teu./Nação porque reencarnaste,/Povo porque ressuscitou/Ou tu, ou o
de que eras a haste –/Assim se Portugal formou. /Teu ser é como aquela
fria/Luz que precede a madrugada,/E é já o ir a haver o dia/Na antemanhã,
confuso nada.” (Viriato – Os Castelos).

Fernando Pessoa também escreve sobre Conde D. Henrique, fala do facto de


este se ter visto desorientado perante o enorme problema que era consolidar
Condado Portucalense perante os Mouros (e por ter sido o primeiro a
principiar os Descobrimentos), bem como de D. Afonso Henriques, como
sendo a Força, o Exemplo e a nossa bênção, “Todo começo é
involuntário./Deus é o agente,/O herói a si assiste, vário/E inconsciente./À
espada em tuas mãos achada/Teu olhar desce./«Que farei eu com esta
espada?»”(O Conde D. Henrique – Os Castelos), “Pai, foste cavaleiro./Hoje a
vigília é nossa./Dá-nos o exemplo inteiro/E a tua inteira força!/Dá, contra a
hora em que, errada,/Novos infiéis vençam,/A bênção como espada,/A espada
como bênção! (D. Afonso Henriques – Os Castelos).

Em A Mensagem, D. Dinis é salientado como O Poeta, O Lavrador, O Rei, O


Elogio à cultura como sendo o caminho para o tão ambicionado Quinto
Império. O poema D. Dinis é um Cantar de Amigo e profetiza a epopeia
marítima, “Na noite escreve um seu Cantar de Amigo/O plantador de naus a
haver,/E ouve um silêncio múrmuro consigo:/É o rumor dos pinhais que, como
um trigo/De Império, ondulam sem se poder ver./Arroio, esse cantar, jovem e
puro,/Busca o oceano por achar;/E a fala dos pinhais, marulho obscuro,/É o
som presente desse mar futuro,/É a voz da terra ansiando pelo mar.” (D.
Dinis – Os Castelos).

Em D. João, o primeiro, Pessoa mostra que D. João e sua esposa D. Filipa de


Lencastre foram a origem da geração de Avis (infantes) e D. João foi Mestre
sem saber, defensor do Templo sagrado da Pátria e a eterna chama de
Portugal, “O homem e a hora são um só/Quando Deus faz e a história é
feita./O mais é carne, cujo pó/A terra espreita./Mestre, sem o saber, do
Templo/Que Portugal foi feito ser,/Que houveste a glória e deste o
exemplo/De o defender, /Teu nome, eleito em sua fama,/É, na ara da nossa
alma interna,/A que repele, eterna chama,/A sombra eterna.” (D. João, o
primeiro – Os Castelos), “Que enigma havia em teu seio/Que só génios
concebia?/Que arcanjo teus sonhos veio/Velar, maternos, um dia? /Volve a
nós teu rosto sério,/Princesa do Santo Gral,/Humano ventre do Império,
/Madrinha de Portugal!” (D. Filipa de Lencastre – Os Castelos).

Há uma referencia a D. Duarte, O Eloquente, homem de letras, deixou de


lado guerra e dedicou-se à cultura e cumpriu de corpo e alma o destino da
governação, “Meu dever fez-me, como Deus ao mundo./A regra de ser Rei
almou meu ser,/Em dia e letra escrupuloso e fundo. /Firme em minha tristeza,
tal vivi./Cumpri contra o Destino o meu dever./Inutilmente? Não, porque o
cumpri.” (D. Duarte, rei de Portugal – As Quinas).
No poema D. Fernando, o infante de Portugal, o tema é a honra/dever,
desgraça/prisão, aceitação do martírio e fé, “Deu-me Deus o seu gládio
porque eu faça/A sua santa guerra./Sagrou-me seu em honra e em
desgraça,/Às horas em que um frio vento passa/Por sobre a fria terra. /Pôs-
me as mãos sobre os ombros e doirou-me/A fronte com o olhar;/E esta febre
de Além, que me consome,/E este querer grandeza são seu nome/Dentro em
mim a vibrar. /E eu vou, e a luz do gládio erguido dá/Em minha face
calma./Cheio de Deus, não temo o que virá,/Pois, venha o que vier, nunca
será/Maior do que a minha alma.” (D. Fernando, o infante de Portugal – As
Quinas).

Pessoa, nesta primeira parte, fala de D. Sebastião, fazendo um elogio à


loucura, como sendo esse o único caminho para o Quinto Império. D.
Sebastião representa o mito que é esperança, que é a ambição, que é
loucura, pois sem loucura/sonho/paixão, não valeria viver,”Louco, sim, louco,
porque quis grandeza/Qual a Sorte a não dá./Não coube em mim minha
certeza;/Por isso onde o areal está/Ficou meu ser que houve, não o que
há./Minha loucura, outros que me a tomem/Com o que nela ia./Sem a loucura
que é o homem/Mais que a besta sadia,/Cadáver adiado que procria?” (D.
Sebastião, rei de Portugal – As Quinas).

Ao terminar a Parte I, Pessoa mostra que Portugal tinha uma marca nobre,
um Brasão, uma História, um mito, uma cultura e um sonho, logo, estavam
prontos para ir para o “Mar Português”.

Na Parte II, MAR PORTUGUÊS, no poema Ascensão de Vasco da Gama, há um


louvor ao povo português, nomeadamente a Vasco da Gama, personalidade
tão distinta na nossa História, ”Os Deuses da tormenta e os gigantes da
terra/Suspendem de repente o ódio da sua guerra/E pasmam. Pelo vale onde
se ascende aos céus/Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os
véus/Primeiro um movimento e depois um assombro/Ladeiam-no, ao durar,
os medos, ombro a ombro,/E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões./ Em
baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta/Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz
de mil trovões,/O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.” (Ascensão de
Vasco da Gama).

Nesta segunda parte, o poema mais célebre, o que condensa a (futura) glória
dos Lusitanos que marcará para sempre a História dos portugueses: ao
sangue, as lágrimas das mães e mulheres, o medo, a esperança, o mar
salgado e a coragem, aqui não há glória nem derrota, apenas o inicio do
caminho doloroso, “Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de
Portugal!/Por te cruzarmos, quantas mães choraram,/Quantos filhos em vão
rezaram!/Quantas noivas ficaram por casar/Para que fosses nosso, ó
mar!/Valeu a pena? Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena./Quem quer
passar além do Bojador/Tem que passar além da dor./Deus ao mar o perigo e
o abismo deu,/Mas nele é que espelhou o céu.” (Mar Português).

Na Parte III, O ENCOBERTO, Fernando Pessoa mostra a situação de um


Portugal bem diferente do do início da obra, revela-se uma nação mais
imperfeita, em crise política, em crise de idade, em crises de valores.

O poema Nevoeiro, é um “cumprimento” com dois conteúdos/sentidos:


escuridão e noite, esperança e sonho (ligados à lenda do regresso de D.
Sebastião numa manhã de Nevoeiro). O país está mal, mas há esperança, e
esta “É a Hora!” para voltar ao inicio, ao Brasão, à glória, começando o
Quinto Império, “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,/Define com perfil e
ser/Este fulgor baço da terra/Que é Portugal a entristecer/Brilho sem luz e
sem arder,/Como o que o fogo-fátuo encerra./ Ninguém sabe que coisa
quer./Ninguém conhece que alma tem,/Numa o que é mal numa o que é
bem/.(Que ânsia distante perto chora?)/Tudo é incerto e derradeiro./Tudo é
disperso, nada é inteiro./Ó Portugal, hoje és nevoeiro... /É a hora!/ Valete,
Fratres.” (Nevoeiro).

Descobrimentos

Os Descobrimentos constituíram, simultaneamente, uma das causas e


consequências do Renascimento, dada a ânsia do Homem de conhecer o
mundo e por este proclamar o seu conhecimento.

As grandes descobertas marítimas obrigaram a novos métodos de


investigação científica, fundamentados na observação directa e na
experimentação. Os avanços da técnica, com a construção de embarcações e
o aperfeiçoamento de instrumentos náuticos permitem ao homem, crer que
pode dominar a natureza e o mundo. A descoberta do caminho marítimo para
a Índia proporcionou o proximidade com outros povos (seus costumes e
saberes), faunas e floras, até então desconhecidos.

Portugal, nesta época, tornou-se um dos países mais relevantes da Europa,


sendo vários os seus contributos para o crescimento científico da
humanidade, nomeadamente na botânica / medicina, astronomia;
cartografia; matemática; geografia e antropologia

Os Lusíadas

Na obra Os Lusíadas, relatam-se vários episódios da História de Portugal, a


Viagem da Armada de Vasco da Gama, bem como as conquistas deste
grande povo, que são relatadas em diversos momentos da obra.
No Canto I há um louvor do próprio poeta ao povo português e suas
conquistas muito antigas, “E também as memórias gloriosas/Daqueles Reis,
que foram dilatando/A Fé, o Império, e as terras viciosas/De África e de Ásia
andaram devastando;/E aqueles, que por obras valerosas/Se vão da lei da
morte libertando;/Cantando espalharei por toda parte,/Se a tanto me ajudar o
engenho e arte.”(I,2 – império Português na Ásia), “Cessem do sábio Grego e
do Troiano/As navegações grandes que fizeram;/Cale-se de Alexandro e de
Trajano/A fama das vitórias que tiveram;/Que eu canto o peito ilustre
Lusitano”(I,3), “Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,/Fantásticas, fingidas,
mentirosas,/Louvar os vossos, como nas estranhas/Musas, de engrandecer-se
desejosas:/As verdadeiras vossas são tamanhas,/Que excedem as sonhadas,
fabulosas;/Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro,/E Orlando, inda que
fora verdadeiro,”(I,11), "Já lhe foi (bem o vistes) concedido/C’um poder tão
singelo e tão pequeno,/Tomar ao Mouro forte e guarnecido/Toda a terra, que
rega o Tejo ameno:/Pois contra o Castelhano tão temido,/Sempre alcançou
favor do Céu sereno./Assim que sempre, enfim, com fama e glória,/Teve os
troféus pendentes da vitória.”(I,25 – Mouros e Castelhanos).

Na narração de Vasco da Gama sobre História de Portugal, aparecem


algumas conquistas. A conquista de Viriato desta pequena terra que no
futuro seria Portugal, “Eis aqui, quase cume da cabeça/De Europa toda, o
Reino Lusitano,/Onde a terra se acaba e o mar começa,/E onde Febo repousa
no Oceano./Este quis o Céu justo que floresça/Nas armas contra o torpe
Mauritano,/Deitando-o de si fora, e lá na ardente/África estar quieto o não
consente.”(III,20), “Esta é a ditosa pátria minha amada,/A qual se o Céu me
dá que eu sem perigo/Torne, com esta empresa já acabada,/Acabe-se esta
luz ali comigo./Esta foi Lusitânia, derivada/De Luso, ou Lisa, que de Baco
antigo/Filhos foram, parece, ou companheiros,/E nela então os Íncolas
primeiros.(III,21), “Desta o pastor nasceu, que no seu nome,/Se vê que de
homem forte os feitos teve;/Cuja fama ninguém virá que dome,/Pois a grande
de Roma não se atreve./Esta, o velho que os filhos próprios come/Por decreto
do Céu, ligeiro e leve,/Veio a fazer no mundo tanta parte,/Criando-a Reino
ilustre; e foi desta arte:”(III,22), “Assim o Gentio diz. Responde o Gama:/—
"Este que vês, pastor já foi de gado;/Viriato sabemos que se chama,/Destro
na lança mais que no cajado;/Injuriada tem de Roma a fama,/Vencedor
invencível afamado;/Não tem com ele, não, nem ter puderam/O primor que
com Pirro já tiveram.(VIII,6 – narração de Paulo Gama a Catual).

Ainda no canto III e IV, Gama narra episódios dos nossos Reis da 1ª Dinastia,
nomeadamente, a conquista de Ceuta, considerada como o início da
expansão portuguesa, início de Os Descobrimentos, (conquista relativamente
fácil, organizada por D. João I, em 1415) a aventura ultramarina ganharia
grande impulso através da acção do Infante D. Henrique, o seu grande
impulsionador, "Este, depois que contra os descendentes/Da escrava Agar
vitórias grandes teve,/Ganhando muitas terras adjacentes”(III,26), “Não sofre
o peito forte, usado à guerra,/Não ter amigo já a quem faça dano;/E assim
não tendo a quem vencer na terra,/Vai cometer as ondas do Oceano./Este é o
primeiro Rei que se desterra/Da Pátria, por fazer que o Africano/Conheça,
pelas armas, quanto excede/A lei de Cristo à lei de Mafamede.”, “Eis mil
nadantes aves pelo argento/Da furiosa Tethys inquieta/Abrindo as pandas
asas vão ao vento,/Para onde Alcides pôs a extrema meta./O monte Abila e o
nobre fundamento/De Ceita toma, e o torpe Mahometa/Deita fora, e segura
toda Espanha/Da Juliana, má, e desleal manha.”(IV, 48 e 49); as batalhas de
D. Afonso Henriques contra os Mouros na conquista do território Luso, “Mas já
o Príncipe Afonso aparelhava/O Lusitano exército ditoso,/Contra o Mouro que
as terras habitava/D’além do claro Tejo deleitoso;/Já no campo de Ourique se
assentava/O arraial soberbo e belicoso,/Defronte do inimigo Sarraceno,/Posto
que em força e gente tão pequeno.”(III,42); a tomada de Lisboa, "E tu, nobre
Lisboa, que no Mundo/Facilmente das outras és princesa,/Que edificada foste
do facundo,/Por cujo engano foi Dardânia acesa;/Tu, a quem obedece o mar
profundo,/Obedeceste à força Portuguesa,/Ajudada também da forte
armada,/Que das Boreais partes foi mandada”,"Cinco vezes a Lua se
escondera,/E outras tantas mostrara cheio o rosto,/Quando a cidade entrada
se rendera/Ao duro cerco, que lhe estava posto./Foi a batalha tão sanguina e
fera,/Quanto obrigava o firme pressuposto/De vencedores ásperos e
ousados,/E de vencidos já desesperados.” (III, 57 e 59), "Ulisses é o que faz a
santa casa/A Deusa, que lhe dá língua facunda;/Que, se lá na Ásia Tróia
insigne abrasa,/Cá na Europa Lisboa ingente funda."/— "Quem será estoutro
cá, que o campo arrasa/De mortos, com presença furibunda?/Grandes
batalhas tem desbaratadas,/Que as águias nas bandeiras tem
pintadas."(VIII,5 – narração de Paulo Gama Catual); a exploração de África
(Alcácer Ceguer, entre Tânger e Ceuta, foi ocupada em 1458; Tânger, cidade
no norte de África, pertencente a Marrocos, em 1471 com a tomada de Arzila,
os habitantes de Tânger compreendendo que o objectivo final dos lusos era a
tomada da sua cidade, abandonaram-na; Senegal e Cabo Verde, Serra Leoa.
Cabo das Palmas. Ilha de São Tomé; Congo, Rio Zaire, Equador) “Este pôde
colher as maçãs de ouro,/Que somente o Tiríntio colher pôde:/Do jugo que lhe
pôs, o bravo Mouro/A cerviz inda agora não sacode./Na fronte a palma leva e
o verde louro/Das vitórias do Bárbaro, que acode/A defender Alcácer, forte
vila,/Tângere populoso e a dura Arzila.”(IV, 55), "Passamos o limite aonde
chega/O Sol, que para o Norte os carros guia,/Onde jazem os povos a quem
nega/O filho de Climene a cor do dia./Aqui gentes estranhas lava e rega/Do
negro Sanagá a corrente fria,/Onde o Cabo Arsinário o nome
perde,/Chamando-se dos nossos Cabo Verde.”(V,7), “Sempre enfim para o
Austro a aguda proa/No grandíssimo gólfão nos metemos,/Deixando a serra
aspérrima Leoa,/Co'o cabo a quem das Palmas nome demos./O grande rio,
onde batendo soa/O mar nas praias notas que ali temos,/Ficou, com a Ilha
ilustre que tomou/O nome dum que o lado a Deus tocou.”(V,12), "Ali o mui
grande reino está de Congo,/Por nós já convertido à fé de Cristo,/Por onde o
Zaire passa, claro e longo,/Rio pelos antigos nunca visto./Por este largo mar
enfim me alongo/Do conhecido pólo de Calisto,/Tendo o término ardente já
passado,/Onde o meio do mundo é limitado.” (V,13).

No episódio das profecias do Velho do Restelo, este repreende os


portugueses pela sua ambição e ganância por conquistas e novas
descobertas quando já têm tantas, “— "Não tens junto contigo o
Ismaelita,/Com quem sempre terás guerras sobejas?/Não segue ele do Arábio
a lei maldita,/Se tu pela de Cristo só pelejas?/Não tem cidades mil, terra
infinita,/Se terras e riqueza mais desejas?/Não é ele por armas esforçado,/Se
queres por vitórias ser louvado?”, “— "Deixas criar às portas o inimigo,/Por
ires buscar outro de tão longe,/Por quem se despovoe o Reino antigo,/Se
enfraqueça e se vá deitando a longe?/Buscas o incerto e incógnito perigo/Por
que a fama te exalte e te lisonge,/Chamando-te senhor, com larga cópia,/Da
Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?”, “— "Ó maldito o primeiro que no
mundo/Nas ondas velas pôs em seco lenho,/Dino da eterna pena do
profundo,/Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!/Nunca juízo algum alto e
profundo,/Nem cítara sonora, ou vivo engenho,/Te dê por isso fama nem
memória,/Mas contigo se acabe o nome e glória.”(IV, 100 a 102).

No plano da viagem dos portugueses, Armada de Vasco da Gama passa por


terras Lusas e relembra conquistas passadas (Madeira, Ilhas
Canárias),"Passamos a grande Ilha da Madeira,/Que do muito arvoredo assim
se chama,/Das que nós povoamos, a primeira,/Mais célebre por nome que por
fama:/Mas nem por ser do mundo a derradeira/Se lhe aventajam quantas
Vênus ama,/Antes, sendo esta sua, se esquecera/De Cipro, Gnido, Pafos e
Citera.” (V,5). “Passadas tendo já as Canárias ilhas,/Que tiveram por nome
Fortunadas,/Entramos, navegando, pelas filhas/Do velho Hespério,
Hespérides chamadas;/Terras por onde novas maravilhas/Andaram vendo já
nossas armadas./Ali tomamos porto com bom vento,/Por tomarmos da terra
mantimento.”(V,8).

Ainda no Canto V, a tão temerosa e ansiosa aventura: o Cabo das Tormentas,


que depois de ultrapassado pelos portugueses, tornou-se o Cabo da Boa
Esperança (por chegarem à Índia), "Tão temerosa vinha e carregada,/Que pôs
nos corações um grande medo;/Bramindo o negro mar, de longe brada/Como
se desse em vão nalgum rochedo./— "Ó Potestade, disse, sublimada!/Que
ameaço divino, ou que segredo/Este clima e este mar nos apresenta,/Que
mor cousa parece que tormenta?"(V,38), “"E disse: — "Ó gente ousada, mais
que quantas/No mundo cometeram grandes cousas,/Tu, que por guerras
cruas, tais e tantas,/E por trabalhos vãos nunca repousas,/Pois os vedados
términos quebrantas,/E navegar meus longos mares ousas,/Que eu tanto
tempo há já que guardo e tenho,/Nunca arados d'estranho ou próprio
lenho:”(V,41). “— Eu sou aquele oculto e grande Cabo,/A quem chamais vós
outros Tormentório,/Que nunca a Ptolomeu, Pompônio, Estrabo,/Plínio, e
quantos passaram, fui notório./Aqui toda a Africana costa acabo/Neste meu
nunca visto Promontório,/Que para o Pólo Antarctico se estende,/A quem
vossa ousadia tanto ofende.”(V,50), "Assim contava, e com um medonho
choro/Súbito diante os olhos se apartou;/Desfez-se a nuvem negra, e com um
sonoro/Bramido muito longe o mar soou./Eu, levantando as mãos ao santo
coro/Dos anjos, que tão longe nos guiou,/A Deus pedi que removesse os
duros/Casos, que Adamastor contou futuros.”(V,60).

No Canto VII, na primeira estrofe, a frota portuguesa chega finalmente a


Calecute, à tão desejada Índia, a 20 de Maio de 1498, estabelecendo assim o
Caminho Marítimo para a Índia, “Já se viam chegados junto à terra,/Que
desejada já de tantos fora,/Que entre as correntes Indicas se encerra,/E o
Ganges, que no céu terreno mora./Ora, sus, gente forte, que na
guerra/Quereis levar a palma vencedora,/Já sois chegados, já tendes diante/A
terra de riquezas abundante.”, "Deus por certo vos traz, porque
pretende/Algum serviço seu por vós obrado;/Por isso só vos guia, e vos
defende/Dos inimigos, do mar, do vento irado./Sabei que estais na Índia,
onde se estende/Diverso povo, rico e prosperado/De ouro luzente e fina
pedraria,/Cheiro suave, ardente especiaria.”(VII,31), “Cantava a bela Deusa
que viriam/Do Tejo, pelo mar que o Gama abrira,/Armadas que as ribeiras
venceriam/Por onde o Oceano Índico suspira;/E que os Gentios Reis que não
dariam/A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira/Provariam do braço duro e forte,/Até
render-se a ele ou logo à morte.” (X, 10 – Camões valoriza grandes feitos dos
portugueses).

A Mensagem

Na obra A Mensagem, além dos mitos, lendas e sonhos, Pessoa também


descreve episódios essenciais da nossa História, nomeadamente algumas
conquistas e descobertas dos lusitanos, que contribuíram para formação do
Império Português e o tão desejado Quinto Império.

No Poema, Nuno Álvares Pereira, Pessoa associa fama de D. João à «auréola»


que era Nuno Álvares Pereira para Portugal, este era o Messias, o herói, a
figura da Batalha de Aljubarrota, o santo singular, onde se revê a Pátria; este
poema pode ser interpretado como uma glorificação terminada em prece
(“Ergue a luz da tua espada/Para a estrada se ver!”), para que os
portugueses sejam guiados por Nuno Pereira e sigam o seu Destino, para que
sejam tão vitoriosos quanto o Rei Artur e a sua espada sagrada, “Que auréola
te cerca?/É a espada que, volteando,/Faz que o ar alto perca/Seu azul negro e
brando./Mas que espada é que, erguida,/Faz esse halo no céu?/É Excalibur, a
ungida,/Que o Rei Artur te deu./‘Sperança consumada,/S. Portugal em
ser,/Ergue a luz da tua espada/Para a estrada se ver!”.

Fernando Pessoa abre a segunda parte da obra com uma viagem iniciática
que permite a realização do sonho (espiritual, cultural e físico), com uma
perspectiva de algo desconhecido, longe, nublado, fantasmagórico
(Nevoeiro), mas que o sonho, o desejo, a esperança, a vontade faz com que
lutemos contra a neblina e sigamos em frente, com fé, alma e sonho de
realização, como Diogo Cão fez (Padrão). Este é lembrado por ter dado o
primeiro passo para abrir o horizonte do sul e, assim, dobrar o Cabo Bojador,
tornando-se um momento de descoberta de um caminho marítimo, de júbilo,
de conhecimento do diferente, desconhecido, “Ó mar anterior a nós, teus
medos/Tinham coral e praias e arvoredos./Desvendadas a noite e a
cerração,/As tormentas passadas e o mistério,/Abria em flor o Longe, e o Sul
sidério/‘Splendia sobre as naus da iniciação./Linha severa da longínqua costa
–/Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta/Em árvores onde o Longe
nada tinha;/Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:/E, no desembarcar,
há aves, flores,/Onde era só, de longe a abstracta linha. /O sonho é ver as
formas invisíveis/Da distância imprecisa, e, com sensíveis/Movimentos da
esp’rança e da vontade,/Buscar na linha fria do horizonte/A árvore, a praia, a
flor, a ave, a fonte/Os beijos merecidos da Verdade.” (Horizonte); “O esforço
é grande e o homem é pequeno./Eu, Diogo Cão, navegador, deixei/Este
padrão ao pé do areal moreno/E para diante naveguei./A alma é divina e a
obra é imperfeita./Este padrão sinala ao vento e aos céus/Que, da obra
ousada, é minha a parte feita:/O por-fazer é só com Deus./E ao imenso e
possível oceano/Ensinam estas Quinas, que aqui vês,/Que o mar com fim será
grego ou romano:/O mar sem fim é português./E a Cruz ao alto diz que o que
me há na alma/E faz a febre em mim de navegar/Só encontrará de Deus na
eterna calma/O porto sempre por achar.” (Padrão).

Bartolomeu Dias é o símbolo da passagem do Cabo das Tormentas (posterior


Cabo da Boa Esperança), enfrentou o desconhecido e elaborou o novo atlas,
uma vez que foi ele que dobrou o tão pavoroso cabo, que nos deu acesso a
um novo caminho, mais fácil, para um novo mundo. Assim, o assombrado
Cabo foi desvendado e já ninguém o temeu, ”Jaz aqui, na pequena praia
extrema,O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,O mar é o mesmo: Já
ninguém o tema!Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.”( Epitáfio de
Bartolomeu Dias). Este cabo está ligado ao Mostrengo, o símbolo do poder de
realização e luta dos portugueses, “O mostrengo que está no fim do mar/Na
noite de breu ergueu-se a voar;/À roda da nau voou três vezes,/Voou três
vezes a chiar,/E disse: «Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas que
não desvendo,/Meus tectos negros do fim do mundo?»/E o homem do leme
disse, tremendo:/«EI-Rei D. João Segundo!»/ «De quem são as velas onde me
roço?/De quem as quilhas que vejo e ouço?»/Disse o mostrengo, e rodou três
vezes,/Três vezes rodou imundo e grosso,/«Quem vem poder o que só eu
posso,/Que moro onde nunca ninguém me visse/E escorro os medos do mar
sem fundo?»/E o homem do leme tremeu, e disse:/«EI-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,/Três vezes ao leme as reprendeu,/E
disse no fim de tremer três vezes:/«Aqui ao leme sou mais do que eu:/Sou
um Povo que quer o mar que é teu;/E mais que o mostrengo, que me a alma
teme/E roda nas trevas do fim do mundo,/Manda a vontade que me ata ao
leme,/De El-Rei D. João Segundo!»” (O Mostrengo).

A obra de Fernando Pessoa existe uma ligação entre o Acto e o Destino, o


Acaso e a Vontade, uma vez que Portugal teve a ousadia e o conhecimento, a
alma divina e o meio para enfrentar horizontes. Esta “alma divina” originou a
ousadia para descobrir o “mar sem fim” em contraste com o mar limitado
(Mediterrâneo dos Gregos e Romanos), “Com duas mãos — o Ato e o Destino
—/Desvendamos. No mesmo gesto, ao céu/Uma ergue o facho trêmulo e
divino/E a outra afasta o véu./Fosse a honra que haver ou a que havia/A mão
que ao Ocidente o véu rasgou,/Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia/Da mão
que desvendou./Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal/A mão que ergueu o
facho que luziu,/Foi Deus a alma e o corpo Portuga/lDa mão que o conduziu.”
(O Ocidente).

Como não podia deixar de ser, o Sebastianismo é dos tema centrais. A


partida de El.Rei D. Sebastião provoca uma grande variedade de emoções e
arca com o mistério e o desejo de realização do sonho/missão impossível em
prol do Império, bem como a consciência dos perigos e das possíveis ilusões
e incertezas. A conquista mais desejada será o regressos deste Rei, que
representa toda liberdade, fé, união, força e certezas de que o povo precisa,
ou seja, o Quinto Império, “Levando a bordo El-Rei DE. Sebastião,/E
erguendo, como um nome, alto o pendão/Do Império,/Foi-se a última nau, ao
sol aziago/Erma, e entre choros de ânsia e de pressago/Mistério./ Não voltou
mais. A que ilha indescoberta/Aportou? Voltará da sorte incerta/Que
teve?/Deus guarda o corpo e a forma do futuro,/Mas Sua luz projecta-o, sonho
escuro/E breve. Ah, quanto mais ao povo a alma falta,/Mais a minha alma
atlântica se exalta/E entorna,/E em mim, num mar que não tem tempo ou
espaço/,Vejo entre a serração teu vulto baço/Que torna. Não sei a hora, mas
sei que há a hora,/Demore-a Deus, chame-lhe a alma
embora/Mistério./Surges ao sol em mim, e a névoa finda:/A mesma, e trazes
o pendão ainda/Do Império.” (A Última Nau).

Pensamentos do poeta

Os Lusíadas
No Canto I “Quem lá vem traz escuridão/Ventre de nuvem de chuva;/Monstro
morto, podridão,/O mistério em cada curva.” Quem navega assim, à mercê
dos caprichos da Natureza, descobre que o homem, por mais que se queira
fazer gigante, não passa de um pequeno grão de pó na imensidão deste
planeta: ora o vento abrandava e as naus paravam; ora o vento enfurecia e
as naus rangiam de dor quase a partirem-se; e vinham tempestades e
doenças e todos os perigos que seguem como sombras quase sempre as
aventuras. Pior do que tudo era não se saber ao certo para onde se ia.

A partir da estrofe quarta, o poeta dirige-se às ninfas que habitam o rio Tejo.
A fim de lhes pedir inspiração; necessita do seu auxílio para fazer poesia
épica, já que até aqui usou apenas a doçura e a sensibilidade para a poesia
lírica.

Depois de o elogiar, o poeta pede a D. Sebastião que se digne a baixar os


olhos para o seu poema. Não o escreve movido pelo desejo de dinheiro ou de
honrarias; apenas pretender de ser conhecido como alguém que cantou os
feitos dos heróis da sua terra. Porque os portugueses são de tal forma
extraordinários e cheios de valor que é decerto mais importante ser rei de
Portugal do que do mundo inteiro.

Este primeiro canto acaba com uma belíssima estrofe em que o poeta dá
largas aos seus sentimentos acerca das falsidades da vida; tanta desgraça
nos temporais terríveis do mar, tanta luta em terra, tanto engano e tanta
mentira! Onde haverá segurança para o homem, pobre ser desamparado e
fraco perante os perigos imensos que o cercam? “Queimou o sagrado templo
de Diana, /Do sutil Tesifónio fabricado, /Heróstrato, por ser da gente humana/
Conhecido no mundo e nomeado. /Se também com tais obras nos engana/O
desejo de um nome aventajado, /Mais razão há que queira eterna
glória/Quem faz obras tão dinas de memória.”.

No Canto III, a narrativa leva-nos pelo conhecimento do povo que somos, das
glórias que fomos, dos sonhos que nos levaram a partir para o Mundo.

Na primeira estrofe, Camões não pode deixar de tecer as suas próprias


considerações sobre o drama: e o amor é expressamente identificado como
único culpado do crime. Inês toma a figura de mártir vitimada em sacrifício
de amor. Depois, e segundo a ordem da tragédia clássica, Camões faz a
descrição da felicidade da jovem, vivendo em função do homem que ama,
como o seu nome escrito no peito…, “Inspira imortal canto e voz divina/Neste
peito mortal, que tanto te ama. /Assi o claro inventor da Medicina, /De quem
Orfeu pariste, ó linda Dama, /Nunca por Dafne, Clície ou Leucotoe,/Te negue
o amor devido, como soe.”. O que Camões aponta como mais chocante é a
brutalidade, a ferocidade daqueles homens sem bondade perante a figura
feminina doce, fraca, indefesa, que não esboça um gesto para fugir, que
apenas conta com as lágrimas e as palavras para se defender e que se
entrega, com a maior docilidade, aos carrascos.

No Canto IV, Nuno Álvares Pereira diz ao povo e aos soldados que descendem
de grandes homens e que terão de ser grandes como os seus antecessores.
Que lutem por aquilo em que acreditam.

No Canto V, o rei diz a Vasco da Gama que saudade é a melhor palavra para
descrever o que sentiram quando saíram de Lisboa. Ficou para trás aquele
Portugal que amam ainda mais quando se distanciam.

No Canto VI, é neste canto que Camões aplica os seus melhores dotes de
oratória. Defende um ataque em forma aos portugueses: a manifestação da
evidência do perigo, a perda das honras, dos títulos, o desespero das
lágrimas, para convencer os deuses dos seus intentos.

No Canto VII, longa viagem, viagem longa. O que é, afinal, uma viagem? Um
ir sem saber se o que imaginámos existe? Um ficar em quem nos ama e no
que amamos?

A Índia estava próxima. Miragem? Não percas o ânimo. Vai. Segue o teu
sonho. Acredita em ti e acredita depois no que poderás colher se fores tu a
tua meta. Avança contigo, dentro de ti, a riqueza que te espera pode ser,
será talvez, a imagem nova que de ti recolheres ao ser…, “Ora sus, gente
forte, que na garra/Quereis levar a palma vencedora:/Já sois chegados, já
tendes diante/A terra de riqueza abundante!”.

Se Deus existe não será um deus de mortos, um deus qualquer, mas aquele
que descobre entre os vivos os que mais merecem a sua distinção. Os
Portugueses não serão a prova de que Deus existe?

De acordo com a opinião de Camões, os portugueses estão acima de todos os


outros: um povo valente e ilimitado.

A narrativa que os portugueses fazem a Monçaide, e a que este reproduz aos


seus, dá-lhes uma dimensão de homens tocados pelos deuses e pelas graças
divinas.

No Canto VIII, Catual e os seus estavam deveras admirados. Ouviam em


respeito o que Paulo da Gama lhes dizia, e, mais do que o medo de
enfrentarem homens tão valorosos, nutriam um sentimento maior, de
admiração pelos portugueses.

Vasco da Gama pensou: combater a violência com mais violência só gera


violência.

Por último, no Canto X, uma folia. Alias, deve ser sempre assim o amor: coisa
de confiar, de brincar, de prazer dado e recebido, de sonhos, de fantasias, de
jogos e danças, musicas, partilhas.

Mesmo espreitando por detrás da cortina indiscreta, não há nada para


contar, não se vai dar pormenores, eles lá estiveram como quiseram, triste
sorte a de não poder ficar, talvez assim para sempre, pois há sempre o dever
primeiro e o prazer fica sempre na causa das tarefas, isso é sabido.

Talvez, Camões, que tanto se emocionou com encantos de damas, com


amores, namoros e folguedos destes, ficou com uma pontinha de inveja.

É tempo de nova invocação, o poeta chama por Calíope, fonte inspiradora,


roga-lhe ajuda em tempo tão difícil. “Aqui minha Calíope te invoco/Neste
trabalho extremo por que em pago/Me tornes do que escrevo e vão
pretendo/O gosto de escrever que vou perdendo.”.

A Mensagem

No brasão II, em Os Castelos, no poema “Ulisses”, na última estrofe, a


passagem do nada ao tudo: a lenda vem (escorre) de cima; ao entrar na
realidade, fecunda-a – fazendo o “milagre” de tornar irrelevante a vida cá de
baixo, dita do mundo real, objectivo: “Em baixo, a vida, metade/De nada,
morre”. Só readquire vida aquilo que o mito/nada tudo fecunda – e o
processo não é do passado, mas intemporal – de onde os tempos verbais de
presente.

É irrelevante, parece dizer Pessoa desde este poema, que as figuras de que
vai ocupar-se, os heróis fundadores, tenham tido ou não existência histórica –
o que importa é que todos eles tenham funcionado com a força do mito, que,
não existindo, é tudo.

Em “D. Dinis”, Pessoa vai ver D. Dinis como o rei capaz de antever futuros,
justamente porque poeta visionário, em cujo cantar de amigo se fundem um
rumor – a “fala dos pinhais” – e o mar futuro. Por isso ele é visto como
“plantador de naus a haver”, as naus/cantar de amigo, que desvendarão, no
futuro que ele sonha, “o oceano por achar” (que a Europa e Portugal fitam,
“com olhar esfíngico e fatal”, como sabíamos já). No poema, os pinhais
plantados pelo rei – poeta – visionário são “um trigo de império” e “ondulam
sem se poder ver” (porque futuros – só acessíveis aos sonhadores); a “fala
dos pinhais” é, assim, “o som presente desse mar futuro/é a voz da terra
ansiando pelo mar”.

No Brasão parte III, em as Quinas, no poema “D. Fernando, Infante de


Portugal”Uma vez recebida a marca divina – o seu gládio – num presente
disfórico, definido como “horas em que um frio vento passa/Por sobre a fria
terra –“, as consequências da acção divina sobre o Eu fazem-se sentir:
“doirou-me a fronte” – e a inquietação: febre de Além, querer grandeza.

Em “ D. Sebastião, Rei de Portugal”, onde Fernando Pessoa diz: “Sem a


loucura que é o homem/Mais que a besta sadia,/Cadáver adiado que
procria?”,este final soberbo, que define a loucura, o sonho, como que
distingue o homem da “besta sadia, cadáver adiado que procria”, dá o tom
último à Mensagem pessoana: o louvor da loucura que distingue o homem do
animal e o faz ir em frente, haja o que houver na busca da realização do
sonho.

Na realidade, perante o poder mobilizador do sonho – loucura, a morte não


passa de contingência física; tal “divina loucura” é fonte de energia que leva
o homem a ser mais do que é, na sua contingência física, feita de fraqueza,
de “bichos da terra” – e a morte é muito pouco e não é, de facto, o que pode
impedir que o sonho prossiga noutras mãos. E a História, essa, resultará, vê-
lo-emos mais adiante, da vontade de Deus e do sonho do Homem.

Em Mar Português, no poema “O Infante”, onde Pessoa nos diz: “Quem te


sagrou criou-te português./Do mar e nós em ti nos deu sinal./Cumpriu-se o
Mar, e o Império se desfez./Senhor, falta cumprir-se Portugal!“, esta quadra
(terceira) representa, já, uma segunda parte, um momento de síntese e
reflexão. “Quem (Deus) te (homem) sagrou, sagrou-te português” para
reflectir o significado histórico: “Do mar e nós em ti nos deu sinal” – e aqui
retoma-se a ideia do sinal, signo, bandeira – já presente no poema D.
Fernando – “Cumpriu-se o mar” (resultado do sonho do Infante e da vontade
divina). E, bruscamente, em corte repentino, a passagem para o presente –
“e o Império se desfez” – é já a tristeza, o “nevoeiro” a ensombrar os nossos
dias.

No “horizonte”, é o desvendar da noite, do mistério, o passar das tormentas,


o descobrir, por detrás do Longe (metáfora do Desconhecido), quase invisível
(só visível aos sonhadores, sagrados por Deus), a Natureza mais luxuriante,
no aproximar das naus – lá, na mítica ilha de Vénus ou Ínsua divina – e aí
receber “os beijos merecidos da Verdade”. Herói, afinal, é aquele que vê o
invisível e o atinge, vencendo o desconhecido e os medos, e recebendo o
prémio de uma ilha – toda ela de sonho, talvez, mas, a Verdade.

Em o “Mostrengo”, trata-se de retomar a alegoria presente no Adamastor


(Camões) – o “Mostrengo” que assusta e ameaça os navegadores (neste
poema o homem do leme ao serviço de D. João II) e que é vencido pelo frágil
“bicho da terra tão pequeno”, que se diz “vontade” de um povo que quer o
mar que o monstro diz ser seu.

No poema “Mar Português”, na primeira estrofe, este poema apresenta o que


de sofrimento custou, a quem ficava em terra. A conquista do mar, cujas
águas salgadas “são lágrimas de Portugal”.

Na segunda estrofe, o balanço: terá mesmo valido a pena? Pessoa responde


que sim, porque “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Toda a vitória
implica passar além da dor.

Em “A Última Nau”, este poema é mais um dos consagrados a D. Sebastião e


ao sonho com que ele se foi, a bordo d’A última nau a que “não voltou mais”,
a que ninguém sabe se atingiu uma ilha “indescoberta” ou se voltará algum
dia. O sonho sonhado pelos seus marinheiros ficou interrompido, mas, diz o
poeta, Deus, que “guarda o corpo e a forma do futuro”, pode projectá-lo,
“sonho escuro/e breve”.

O poeta, capaz ainda de sonhar futuros, consegue ver, diz, entre a serração,
o vulto baço do Rei que torna. Ele, poeta do presente, do séc. XX, sabe que
há a hora (ainda que não saiba quando, exactamente) do regresso de D.
Sebastião/ sonho por cumprir. Assim se repita o ciclo: Deus volte a querer e o
homem volte a sonhar. É para aí que aponta o último poema de “Mar
Português”.

No poema “Prece”, é um poema em que se reflecte sobre o presente à luz do


passado. O passado foi a tormenta, a vontade, e deixou-nos, como herança, o
mar universal e a saudade. O presente, esse, diz Pessoa, “Senhor, a noite
veio e a alma é vil”, mas diz também na segunda estrofe, há lugar para
alguma esperança: “mas a chama, que a vida em nós criou,/se ainda há vida,
ainda não é finda”. Ela estará, porventura, oculta em cinzas, mas pode ser
erguida pela mão do vento. Por isso, a prece: que Deus volte a querer dar o
“sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia –“, capaz de nos reerguer, para que
“outra vez conquistemos a Distância/Do mar ou outra, mas que seja nossa!”.

Na terceira e última parte da mensagem O Encoberto I, na parte d’Os


Símbolos, no poema “ O Quinto Império”, trata-se de um poema que afirma
uma filosofia sobre o homem e o viver. Para o poeta, a única coisa que faz
sentido na vida é o sonho – “Triste de quem vive em casa/Contente com o
seu lar/Sem que um sonho, no erguer de asa,/Faça até mais rubra a brasa/Da
lareira a abandonar”. Ou seja: sem o sonho, capaz de remover montanhas, a
vida é triste, ainda que no conforto sensato do lar, “Eras sobre eras se
somem/No tempo que em eras vem./Ser descontente é ser homem./Que as
forças cegas se domem/Pela visão que a alma tem!”.

A história faz-se de descontentes, e ser descontente, como diz, é próprio do


homem, capaz de ter como força condutora a visão que a alma tem.

Na terceira parte do O Encoberto, na parte de Os Tempos, no poema a


“Noite”, Pessoa conta a história nos dois primeiros momentos do poema e
extrai a conclusão no último: os dois irmãos (Gaspar e Miguel) são agora os
irmãos-símbolos do nosso nome: o Poder e o Renome que são, já, passado.
Compete-nos a nós ir buscá-los, libertando-nos “desta vil/Nossa prisão
servil”. Só que, tal como outrora, o Rei não dera licença de partir ao terceiro
dos irmãos, também agora “Deus não dá licença que partamos”.

No último poema d’A Mensagem, o “Nevoeiro”, o poema aponta para um tom


geral de disforia, de tristeza e melancolia, marcado por palavras e
expressões de negatividade, caracterizando uma situação de crise a vários
níveis: político: “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra”; crise de identidade,
também: “este fulgor baço da terra/Que é Portugal e entristecer/Brilho sem
luz e sem arder/Como o que o fogo-fátuo encerra”; crise de valores morais,
da alma: “Ninguém sabe que coisa quer,/Ninguém conhece que alma
tem,/Nem o que é mal, nem o que é bem”.

“É a Hora!”, mas de quê? Pessoa não o diz, mas todo o livro o significa: a
Hora de partir, de novamente conquistarmos a “Distância/Do mar ou outra,
mas que seja nossa!” (poema “Prece”), de assumirmos o sonho, cumprindo o
nosso destino – assim a Obra nascerá de novo, como em “Mar Português” – e
poderemos “viver a verdade/que morreu D. Sebastião”.

Conclusão

No final deste trabalho chegamos à conclusão que A Mensagem não é um


“poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética dos
Lusíadas”. O que seria uma exaltação de valores nacionais converteu-se
numa exortação renovadora e corajosa a D. Sebastião (vivo – Lusíadas – ou
como mito – Mensagem).

Os Lusíadas foram dedicados a um povo guerreiro e a um Rei aventureiro,


em A Mensagem, esse mesmo Rei está humilhado e despido de coisas
humanas, por isso, consideramos que toda a História, toda alegria, toda
emoção, toda aventura e toda glória descrita, em Os Lusíadas constitui uma
esperança e em A Mensagem, um sonho, uma utopia, “Sem a loucura que é o
homem/mais que a besta sadia,/cadáver adiado que procria?”(Mensagem).

Como Prado Coelho afirmou, “Em contraste com o realismo d’Os Lusíadas (…)
a Mensagem reage pela altiva rejeição a um «Real» oco, absurdo, intolerável,
propondo-nos em seu lugar a única coisa que vale a pena: o imaginário”.

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