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Li uma ótima entrevista do site Carta Capital, sobre ritalina, e resolvi,

compartilhar, segue na integra:

O Brasil é o segundo maior consumidor mundial dos psicotrópicos


chamados metilfenidatos, prescritos para o tratamento de crianças
diagnosticadas como portadoras do Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH). Atrás apenas dos Estados Unidos,
consumimos, em 2009, 2 milhões de caixas, ante as 70 mil consumidas
em 2000. A droga, usada para tratar do que é considerado um distúrbio
neurobiológico, é consumida, entre outros, por crianças e adolescentes
desatentos, agitados e com dificuldades escolares. Apelidado de a
“droga da obediência”, por acalmar e focar a atenção, o medicamento
leva os sugestivos nomes de Concerta e Ritalina (produzidos pelos
laboratórios Janssen Cilag e Novartis, respectivamente). Seu uso, no
entanto, provoca acaloradas discussões. A pediatra Maria Aparecida
Affonso Moysés, da Unicamp, é uma das vozes médicas a questionar a
existência de “uma doença neurológica que só altere comportamento e
aprendizagem”. Nessa entrevista, ela explica as reações adversas da
droga e afirma que os critérios para diagnosticar o TDAH são normas
sociais.
Carta Fundamental: O consumo de metilfenidatos no Brasil foi de
70 mil, em 2000, para 2 milhões de caixas, em 2009. A que a
senhora atribui esse aumento?
Maria Aparecida Affonso Moysés: Outro dado é que o Brasil só perde
para os Estados Unidos no consumo dessa droga, o que é assustador,
porque este não é um medicamento seguro. O metilfenidato tem várias
reações adversas. E veja só: não são efeitos colaterais, são reações
adversas e indicam a retirada imediata da droga.
CF: Que tipo de reação?
MAAM: No sistema nervoso causa insônia, cefaleia, alucinações,
psicose, suicídio e o principal efeito chamado de Zumbi Like. Significa
agir como um zumbi, ou seja, a pessoa fica quimicamente contida em si
mesma. Todos esses são sinais de toxicidade e indicam a retirada
imediata da droga. No sistema cardiovascular o remédio causa arritmia,
taquicardia, hipertensão, parada cardíaca. O risco de morte súbita
inexplicada em adolescente é estimado em 10 a 14 vezes maior entre
aqueles que tomam o remédio, segundo uma pesquisa de 2009 da
Food and Drugs Administration (FDA) e de National Institute of Mental
Health (NIMH). Não é desprezível. Além disso, interfere no sistema
endócrino, na secreção dos hormônios de crescimento e dos sexuais. É
uma substância com o mesmo mecanismo de ação e as mesmas
reações adversas da cocaína e das anfetaminas.
CF: O metilfenidato é um estimulante usado para acalmar?
MAAM: Ele acalma pelo efeito zumbi, uma toxicidade. Uma coisa que
não se pensa muito é o seguinte: o metilfenidato foca a atenção em
quê? É aleatório. Ao conter as atividades cerebrais de tal modo que
você não se distraia, esta única coisa em foco é eleita ao acaso. É o
que passa pela frente. Não é uma substância que te faz focar no
estudo. Não existe isso.
CF: O Brasil perde apenas para os EUA no consumo de
metilfenidatos. O que aproxima as sociedades médicas desses
países?
MAAM: A sociedade médica brasileira, há 50 anos, era voltada para a
França. Hoje é voltada para os EUA. É quase mundial isso, mas na
Europa ainda há uma resistência. Somos muito dependentes da
tecnologia e da cultura americana, que impõe essa padronização e
normalização das pessoas. A gente constrói uma sociedade que quer
uma criança cada vez mais ativa e ligada no mundo. Crianças com 4
anos mexem no computador com várias janelas abertas ao mesmo
tempo. Quando elas chegam na escola, queremos que elas façam uma
coisa só e não questionem. Queremos crianças criativas, ótimas e
submissas! Elas questionam, querem saber o porquê. O “não” não
basta mais. E os adultos não aguentam isso. A sociedade é muito
incomodada com os questionamentos e a gente acaba abafando isso
via substância química. Junte isso ao interesse financeiro das
indústrias farmacêuticas. Elas financiam cursos, viagens para médicos,
vantagens em clínicas. Curso para professores financiado por um
laboratório é algo estranho. Não sejamos ingênuos: eles estão, na
verdade, treinando professores para identificar futuros clientes
consumidores de suas drogas. E esse é um peso muito forte, que
consta, inclusive, em relatório do departamento de justiça dos EUA,
mostrando como a Ciba-Geigy (Laboratório que viria, a partir de 1996,
a formar a Novartis) – financiava entidades de familiares e profissionais
ligados à defesa das pessoas com TDAH.
CF: Quais os efeitos desses psicotrópicos quando tomados por
longo período?
MAAM: Isso consta em qualquer livro de farmacologia. Vários trabalhos
mostram que existe um risco de dependência química muito grande,
além de uma dependência psíquica, porque a pessoa se sente mais
ativa mesmo. E tem várias pesquisas mostrando que, quando a criança
começa a tomar aos 4 anos e retiram o remédio aos 18, existe uma
tendência muito grande de drogadição por substância mais pesadas.
Se a criança está usando um estimulante desde os 5, 6 anos, ela vai
buscar outra droga quando interrompe este uso. No mundo todo,
clínicas relatam que metade dos adolescentes conta que começaram a
drogadição e a mantém com ritalina. E a fala desses adolescentes é
que eles começaram a usar porque é barato, acessível, fácil de
comprar, embora tenha receita controlada. Segundo eles, os médicos
diziam que era seguro. Como dizem até hoje. Mas não é uma droga
segura.
CF: A discordância não é só quanto ao uso ou não da medicação,
mas quanto à existência do próprio transtorno.
MAAM: A discordância básica é que não existe uma comprovação
aceita de que haja uma doença neurológica que só altere
comportamento e aprendizagem. Isso ainda não foi provado. A lógica
da medicina é comprovar a doença e depois tratar. Para essa, o
remédio foi encontrado antes.
CF: A comprovação seria se encaixar nos critérios do questionário
Snap-IV.
MAAM: Aqueles critérios são altamente questionáveis. Aquilo não é
critério de doença, é norma social. Como posso transformar uma norma
social em biológica? O Snap-IV contém 18 perguntas, e as primeiras
nove falam de atenção, e as outras, de hiperatividade. Se você
preencher seis das perguntas, tem o diagnóstico de déficit de atenção,
hiperatividade ou dos dois. Todas as questões falam de
comportamento. Só com base nisso afirmam a presença de uma
doença neurológica?
CF: A partir de que idade uma criança pode ser diagnosticada?
MAAM: Há relatos na medicina americana de crianças de 2 anos que
teriam dislexia quando entrassem na escola. Como identificar que
alguém vai ter dificuldades de ler e escrever aos 2 anos?
CF: Quem defende o uso da medicação argumenta que apenas seu
uso incorreto não é seguro e que a criança que não é
diagnosticada sofre.
MAAM: Sofre por causa da sociedade. Eu quero trabalhar o conflito
que ela está vivendo e libertá-la desse conflito e de uma doença que
ela não tem. É preciso entender isso até para poder superar e
enfrentar. Agora, quando digo você é doente vou te dar um remédio, os
pais ficam aliviados porque, enfim, encontram o problema e podem
tratar o filho. Esse é o sonho de todo pai. Mas eles estão iludidos
porque essa criança, na verdade, não está sendo tratada. Ela está
introjetando ser doente, ter algum problema e tudo o que ela conseguir
na vida vai ser porque foi tratada. É totalmente desconsiderada em que
situação isso é produzido. Porque os problemas de aprendizagem são
todos produzidos.
CF: O rendimento na escola das crianças medicadas melhora.
MAAM: É preciso provar que foi a droga porque se inicia um trabalho
pedagógico com a criança, afirma-se que ela está doente, que está
sendo tratada, a professora vai ensinar de um modo diferente, ela vai
acreditar que pode aprender. A revisão dos trabalhos publicados que
preenchem todos os requisitos de pesquisa científica mostra que não
há melhora consistente do desempenho acadêmico. Esta é, inclusive, a
conclusão de uma reunião feita nos EUA para estabelecer consensos
para o diagnóstico e tratamento.
retirado de http://www.cartacapital.com.br/carta-fundamental/a-
droga-da-obediencia

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