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DIREITOS HUMANOS E

DIVERSIDADE
PROF.A MA. MALU ROMANCINI
Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira
REITOR

Reitor:
Prof. Me. Ricardo Benedito de
Oliveira
Pró-reitor:
Prof. Me. Ney Stival
Diretor de Ensino a Distância:
Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo Prof. Me. Fábio Oliveira Vaz
(a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá.
PRODUÇÃO DE MATERIAIS
Primeiramente, deixo uma frase de Só-
crates para reflexão: “a vida sem desafios não Diagramação:
vale a pena ser vivida.” Alan Michel Bariani/
Thiago Bruno Peraro
Cada um de nós tem uma grande res-
ponsabilidade sobre as escolhas que fazemos, Revisão Textual:
e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica
Gabriela de Castro Pereira/
e profissional, refletindo diretamente em nossa
Letícia Toniete Izeppe Bisconcim/
vida pessoal e em nossas relações com a socie-
Mariana Tait Romancini
dade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente
e busca por tecnologia, informação e conheci-
Produção Audiovisual:
Eudes Wilter Pitta /
mento advindos de profissionais que possuam Heber Acuña Berger/
novas habilidades para liderança e sobrevivên- Leonardo Mateus Gusmão Lopes/
cia no mercado de trabalho. Márcio Alexandre Júnior Lara
De fato, a tecnologia e a comunicação Gestão da Produção:
têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, Kamila Ayumi Costa Yoshimura
diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e
nos proporcionando momentos inesquecíveis. Fotos:
Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino Shutterstock
a Distância, a proporcionar um ensino de quali-
dade, capaz de formar cidadãos integrantes de
uma sociedade justa, preparados para o mer-
cado de trabalho, como planejadores e líderes
atuantes.

Que esta nova caminhada lhes traga


muita experiência, conhecimento e sucesso.

© Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114
ENSINO A DISTÂNCIA

01
UNIDADE

DOS DIREITOS HUMANOS


PROF.A MA. MALU ROMANCINI

SUMÁRIO DA UNIDADE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 4
A AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS ........................................................................................ 5
CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS ............................................................................. 10
TERMINOLOGIA: DIREITOS HUMANOS, DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS DO HOMEM ..................... 13
AS GERAÇÕES (OU DIMENSÕES) DE DIREITOS HUMANOS ............................................................................... 16

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INTRODUÇÃO
Os direitos humanos surgiram na era moderna, no século XVII, como uma teoria
abstrata, cujo objetivo inicial era limitar o poder do Estado, por meio do controle da ação
dos seus governantes. Sua concretização pode ser observada a partir do século XVIII, com o
constitucionalismo, que previa a organização do Estado e também a liberdade e igualdade entre
os cidadãos.
Com isso, começaram a ser garantidos aos cidadãos alguns direitos individuais, como
as liberdades, que eram exercidas inicialmente pelos indivíduos (liberdade de expressão, de
iniciativa econômica) e depois pela coletividade (como o direito de sindicalização, de greve).
Essa retrospectiva histórica será estudada inicialmente para, em seguida, serem tecidas
considerações sobre o conceito e as características dos direitos humanos.
Logo após, serão abordadas as semelhanças e diferenças entre as diversas nomenclaturas
de direitos. Conforme foram surgindo, os direitos foram divididos em gerações, que serão
aprofundadas posteriormente neste estudo.

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A AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS


O reconhecimento do homem à imagem e semelhança de Deus é um aspecto religioso-
filosófico bastante importante, pois a partir disso deu-se início à proteção do homem contra o
próprio homem justamente por ser descendente de um ser divino.
Contudo, como observa Comparato (2013, p. 31), “essa igualdade universal dos filhos
de Deus só valia, efetivamente, no plano sobrenatural, pois o cristianismo continuou admitindo,
durante muitos séculos, a legitimidade da escravidão, a inferioridade natural da mulher em
relação ao homem”, dentre outras desigualdades.
A filosofia kantiana teve grande contribuição para o reconhecimento dos direitos humanos
por ressaltar a natureza racional do homem, como um fim em si mesmo, e não como coisa, ou
seja, um meio para se atingir um fim. No entanto, a máxima kantiana foi totalmente relegada,
na Revolução Industrial com a consideração do trabalhador como mercadoria ou insumo no
processo de produção, bem como no século XX pelos nazistas e soviéticos, estes considerados
“gigantescas máquinas de despersonalização dos seres humanos (COMPARATO, 2013, p. 36-38).
O reconhecimento científico da natureza humana se deu com a teoria evolucionista de
Charles Darwin, que coloca o homem no topo da cadeia evolutiva das espécies vivas.

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O pensamento do século XIX contribuiu para a compreensão de que o homem age de
acordo com os seus valores éticos e isso transformou a teoria jurídica, pois “Os direitos humanos
foram identificados como os valores mais importantes da convivência humana, aqueles sem os
quais as sociedades acabam perecendo, fatalmente, por um processo irreversível de desagregação”
(COMPARATO, 2013, p. 41).
A evolução da filosofia, sobretudo o pensamento existencialista do século XX, bem
como a evolução da biologia, foram importantes para reconhecer o caráter único e insubstituível
de cada pessoa, que é portadora de um valor próprio, demonstrando que sua dignidade existe
singularmente em todo indivíduo.
O reconhecimento do homem como ser sujeito de direitos declarados num documento
com um sentido universal se deu apenas com a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
em 1948, que trouxe esse sentido de que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos”. No entanto, tal consideração não resolveu o problema dos direitos humanos, que sofre
mais com a falta de efetivação nos dias atuais, do que por reconhecimento.
Os direitos humanos nem sempre tiveram a mesma concepção, ou abrangeram os
mesmos direitos, como vemos hoje em dia. Diversos doutrinadores como Flávia Piovesan, Fábio
Konder Comparato e André de Carvalho Ramos afirmam que os direitos humanos vêm sendo
construídos ao longo do tempo, “são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias,
caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (BOBBIO, 2004, p. 25).

Para saber um pouco mais, este vídeo apresenta uma breve apre-
sentação da história dos direitos humanos.
Disponível em:
https://youtu.be/kcA6Q-IPlKE
Acesso em: 03 nov. 2017.

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Como se pode observar, os direitos foram sendo conquistados como frutos de lutas em
razão do sofrimento físico e moral do homem. Nesse sentido, Bobbio explica que:

[...] a liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades


civis, da luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos; a liberdade
política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e amadurecimento
do movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca
ou nenhuma terra, dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o
reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a
proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de instrução
contra o analfabetismo, depois a assistência para a invalidez e a velhice, todas
elas carecimentos que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos.
(BOBBIO, 2004, p. 25).

A concepção inicial dos direitos humanos se deu com a necessidade de limitação do


poder do Estado, representado por seus governantes, que deveriam atuar a serviço do povo e não
para o bem próprio. Esse sentido pode ser observado em 1215, na Magna Carta, que preconizou
algumas limitações ao poder do rei (COMPARATO, 2013, p. 103-108).
Ato contínuo, observa-se em 1679, com a instituição da Lei de Habeas Corpus, uma
garantia processual adequada à criação de direitos subjetivos na Inglaterra, já que neste país

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a ação judicial é o meio efetivo de assegurar a existência de direitos. Essa lei foi criada para
proteger a liberdade de locomoção, um direito fundamental. Em 1689, a Inglaterra fez com
que os sucessores de Jaime II, que fugiu para a França, Guilherme III e Maria II, assinassem
a Declaração de Direitos (Bill of Rights) que delegou ao Parlamento os poderes de legislar e de
criar tributos, retirando esta prerrogativa do monarca. Por meio desta Declaração, criava-se uma
organização do Estado cuja função era “proteger os direitos fundamentais da pessoa humana”,
bem como ficou garantido “o direito de petição e a proibição de penas inusitadas ou cruéis.”
(COMPARATO, 2013, p. 125-135).
A Declaração de Independência das antigas treze colônias britânicas ocorrida em 1776
e a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte representaram o ato inaugural da
democracia moderna. É importante lembrar que estes eventos representaram a cultura local
existente na época, cujos reflexos podem ser observados até os dias atuais. Dentre os aspectos
culturais, destacam-se: a propagação da ideia de igualdade jurídica entre os cidadãos americanos;
a defesa (por todos) das liberdades dos indivíduos; e a necessidade de consentimento do povo
para os atos governamentais. Esse espírito de liberdade religiosa e de expressão, e de igualdade que
consta na Declaração de Independência, é que a qualifica como “o primeiro documento político
que reconhece, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a
todo ser humano, independentemente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição
social” (COMPARATO, 2013, p. 149).
Em seguida, surgem as declarações de direitos norte-americanas, que vieram para
proteger os direitos individuais. A Declaração do bom povo de Virgínia ocorreu em 1776,
seguida da Pensylvania, no mesmo ano, e de Massachussetts em 1780. Essas declarações tiveram
importância pelo reconhecimento de tais direitos humanos pelo Estado, transformando-os em
direitos fundamentais. A principal finalidade de se colocar os direitos humanos na Constituição
é a de proteger os indivíduos contra os abusos dos governantes (COMPARATO, 2013, p. 152).

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A Revolução Francesa, que veio em seguida, tinha a intenção de alterar toda a concepção
pré-existente e levar este novo pensamento para o restante do mundo. O objetivo da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, era justamente a universalização dos direitos do
homem, ou seja, de conferi-los a todos os homens de todos os lugares. A declaração francesa é
de extrema importância, pois consagra os direitos de liberdade, de igualdade e de fraternidade
já que “todos os homens nascem livres e com direitos iguais”. Além da abolição dos privilégios
de alguns poucos, essa declaração impulsionou ideias que foram garantidas em Constituições
e tratados posteriores de “soberania popular, sistema de governo representativo, igualdade de
todos perante a lei, presunção de inocência, direito à propriedade, à segurança, liberdade de
consciência, de opinião, de pensamento” e o dever de garantir os direitos humanos pelo Estado
(RAMOS, 2014, p. 40).
Em 1848, a Constituição Francesa trouxe algumas questões relevantes à evolução dos
direitos humanos, como os valores do trabalho, a abolição da pena de morte em matéria política
e o fim da escravidão em terra francesa.
A Convenção de Genebra, de 1864, inaugurou a introdução dos direitos humanos na
esfera internacional, o que se denominou “direito humanitário [...]; isto é, o conjunto das leis e
costumes da guerra, visando minorar o sofrimento de soldados doentes e feridos, bem como de
populações civis atingidas por um conflito bélico” (COMPARATO, 2013, p. 167).
No século XX, destaca-se, inicialmente, a Constituição Mexicana, de 1917, que foi a

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primeira a qualificar os direitos trabalhistas como direitos fundamentais, além das consagradas
liberdades individuais e dos direitos políticos.
Em 1918, eclodiu a Revolução Russa e com ela a Declaração dos Direitos do Povo
Trabalhador e Explorado, documento em que, influenciado pelos movimentos socialistas e pela
persistência da miséria, ganhou apoio popular. O objetivo dos movimentos socialistas era garantir
direitos sociais às pessoas, no intuito de conferir-lhes condições mínimas de existência.
A Carta Mexicana influenciou a Constituição de Weimar, de 1919, e a criação da
Organização Internacional do Trabalho no mesmo ano, ambas instituídas após o fim da Primeira
Guerra Mundial (1914-1918). Esta Constituição estabeleceu uma estrutura elaborada do Estado
da democracia social, sobretudo no que tange ao direito à educação e aos direitos trabalhistas,
sendo retomada após o fim da Segunda Guerra. De acordo com Fábio Comparato,

A democracia social representou efetivamente, até o final do século XX, a melhor


defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e políticos — que
o sistema comunista negava — com os direitos econômicos e sociais, ignorados
pelo liberal-capitalismo (COMPARATO, 2013, p. 185).

Enquanto os direitos individuais constituem instrumentos de defesa contra o Estado, os


direitos sociais demandam uma atuação positiva do Estado para garantir, por meio de políticas
públicas, o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência social, dentre outros.
Com a tendência de consolidação dos direitos sociais, em 1926 é aprovada a Convenção
de Genebra sobre a Escravatura pela Assembleia da Liga das Nações. Até esta data, muitos países
aceitavam a escravidão e o tráfico de escravos era um negócio de alta lucratividade no mercado
nacional e internacional.

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A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi palco de muitas atrocidades contra o ser
humano, sobretudo pela quantidade de vítimas, sendo a maior parte delas civis, contrapondo todas
as normativas já analisadas de proteção dos direitos humanos. O fim desta guerra é marcado pela
conscientização da comunidade internacional de que o respeito à dignidade humana era medida
que demandaria esforços de todas as nações, mas que deveria ser respeitada incondicionalmente,
especialmente para se evitar um novo conflito.
A criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, evidencia essa conscientização,
que culminou na internacionalização dos direitos humanos de forma mais efetiva. O art. 55, da
Carta de São Francisco (tratado que cria a ONU) determina que a Organização deve favorecer
“o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos,
sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”, ao passo que o art. 56 estabelece que os membros
devem agir em cooperação para alcançar o disposto no artigo anterior (ONU, 1945).
Em 1948, foi aprovada a Resolução da Assembleia Geral da ONU denominada Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que explicita o rol dos direitos humanos, sendo eles enumerados
em direitos políticos e liberdades individuais, direitos econômicos, sociais e culturais. André de
Carvalho Ramos explica que:

Entre os direitos civis e políticos constam o direito à vida e à integridade física, o


direito à igualdade, o direito de propriedade, o direito à liberdade de pensamento,

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consciência e religião, o direito à liberdade de opinião e de expressão e à liberdade
de reunião. Entre os direitos sociais em sentido amplo constam o direito à
segurança social, ao trabalho, o direito à livre escolha da profissão e o direito à
educação, bem como o ‘direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua
família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis (direito ao mínimo existencial - art.
XXV) (RAMOS, 2014, p. 43).

Ainda em 1948, foi aprovada a Convenção para prevenção e a repressão do crime de


genocídio, ainda como resposta às atrocidades da Segunda Guerra Mundial cometidas contra
judeus e outras minorias étnicas. O genocídio foi definido como crime contra a humanidade
no Tribunal de Nuremberg, criado para julgar os criminosos nazistas em 1945, sendo que a
Convenção definiu que tal crime não se liga necessariamente a um estado de guerra, bem como
determinou a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade.
Em 1950 foi aprovada a Convenção Europeia dos Direitos Humanos para a proteção dos
direitos das liberdades fundamentais. A Convenção limitou-se à proteção dos direitos individuais
clássicos, mas inovou ao instituir órgãos incumbidos de fiscalizar o respeito aos direitos ali
declarados, bem como a competência para julgar as eventuais violações pelos signatários, como o
Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Essa inovação é de fundamental importância, sobretudo
porque mais do que declarar os direitos, é importante efetivamente garanti-los.
Em 1966 foram aprovados dois Pactos Internacionais de Direitos Humanos pela
Assembleia Geral da ONU, um sobre Direitos Civis e Políticos e outro sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais. Essa divisão se deu porque os membros ocidentais queriam reconhecer apenas
os direitos individuais clássicos, ao passo que os países comunistas e africanos destacavam os
direitos sociais e econômicos. Na verdade, “a liberdade individual é ilusória, sem um mínimo de
igualdade social” (COMPARATO, 2013, p. 316).

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A Convenção Americana sobre Direitos Humanos foi aprovada em 1969 na Conferência


de São José da Costa Rica e reproduz boa parte do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos de 1966, mas ampliou a proibição do restabelecimento da pena capital para os países
que a tenham abolido, bem como vedou sua aplicação a crimes políticos ou comuns. Além disso,
a Convenção criou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte interamericana de
Direitos Humanos como órgãos competentes para proteger os direitos constantes neste tratado.
Em 1981, foi aprovada a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos,
que garante dentre outros, seu direito à existência enquanto tal, à livre disposição de suas riquezas
e recursos naturais, ao desenvolvimento, à paz e à segurança e à preservação do equilíbrio
ecológico. Este último direito foi introduzido pela primeira vez em uma convenção internacional
pela Carta Africana.
A Convenção sobre o Direito do Mar, assinada em 1982, em Montego Bay, afirma a
existência de direitos fundamentais da humanidade sobre os mares e oceanos. Por certo que todos
querem explorar e aproveitar os fundos marinhos e oceânicos e o subsolo, o que se contrapõe à
necessidade de conservação dos recursos vivos e de proteção e preservação do meio marinho.
Nessa Convenção há o reconhecimento de que o leito do mar, os fundos marinhos, o subsolo são
patrimônio da humanidade.

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Figura 1 - Limites do mar. Fonte: Google images (2017).

Em 1992, a Convenção sobre a Diversidade Biológica foi assinada no Rio de Janeiro e


regula o direito da humanidade à preservação da biosfera, mantendo uma harmonia ambiental
no planeta, sobretudo pela aplicação do princípio da solidariedade entre as gerações presentes e
as futuras.
Em 1998, foi criado o Tribunal Penal Internacional, em decorrência da ideia de que,
por vivermos numa cidadania mundial, todas as pessoas, de qualquer nacionalidade, precisam
ser responsáveis por suas práticas, sobretudo a responsabilização penal e a respectiva sanção
de práticas que violem a dignidade humana. O Tribunal é permanente e tem competência para
julgar os autores dos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão.

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CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS


HUMANOS
De acordo com Ramos (2014, p. 25), “Os direitos humanos constituem em um conjunto
de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e
dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”. Como
as necessidades humanas variam de acordo com a época, não há como se estabelecer um rol de
direitos fixado, sendo que novas demandas vão surgindo com o tempo e inserindo novos direitos
nesta lista.
Ramos ainda explica que “os direitos humanos representam valores essenciais, que são
explicitamente ou implicitamente retratados nas Constituições ou nos tratados internacionais”,
revelando que uma sociedade pautada na defesa dos direitos tem como consequências “o
reconhecimento de que o primeiro direito de todo indivíduo é o direito a ter direitos”, bem como,
que os direitos de um indivíduo devem conviver com os direitos dos outros (RAMOS, 2014, p.
26).
Esta segunda afirmação traz diversos desdobramentos, tendo em vista que numa vida em

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sociedade, o exercício do direito de uma pessoa sempre entrará em conflito com o exercício do
direito de outra. Para ilustrar, menciona-se o direito da vida privada em conflito com o direito
à liberdade de informação, o direito à propriedade e o direito ao meio ambiente equilibrado,
o direito à vida do bebê e o direito reprodutivo da mulher (aborto). São questões ainda sem
uma resposta definitiva, que serão construídas no tempo, no sentido de criar uma interação na
sociedade, em que as pessoas convivam tendo seus direitos garantidos.
A Organização das Nações Unidas assim determina:

Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos,


independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou
qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à
liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação,
entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.”
(ONUBR)

Para Flávia Piovesan, a concepção contemporânea de direitos humanos é caracterizada


pela universalidade e pela indivisibilidade desses direitos:

Universalidade, porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob
a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade
de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral,
dotado de unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade, porque a garantia
dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais,
econômicos e culturais – e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais
também o são (PIOVESAN, 2004, p. 22).

Os direitos humanos apresentam características que lhes são comuns, que são: historicidade,
universalidade, essencialidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, vedação
ao retrocesso (MAZZUOLI, 2015, p. 899-901).

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A historicidade mostra que os direitos humanos foram sendo construídos com o decorrer
do tempo e ganhando maior relevância com as reivindicações da revolução burguesa, passando
pela revolução industrial, garantindo direitos sociais aos trabalhadores, posteriormente,
desenvolvendo-se o Estado social, ampliando-os mais tarde para os direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais, do meio ambiente, do desenvolvimento, da paz, etc.
A universalidade indica que todas as pessoas são titulares dos direitos humanos, bastando-
lhes a condição de “ser humano”. Isto também significa que qualquer pessoa, em qualquer lugar,
pode reclamar a proteção deste direito, independente de raça, sexo, cultura, posição social, etc.
A essencialidade atribui aos direitos humanos a característica de serem essenciais por
natureza, ou seja, são valores indispensáveis e todos têm o dever de protegê-los.
A irrenunciabilidade significa que ainda que os direitos humanos não são passíveis de
renúncia. Ainda que o titular do direito não o exerça efetivamente, isto não implica em renúncia.
Essa característica também determina que ainda que seu titular autorize expressamente, a violação
dos seus direitos não será convalidada por essa autorização.
A inalienabilidade determina que os direitos humanos são inalienáveis por não permitirem
que seu titular os aliene, os transfira ou ceda tais direitos, de forma onerosa ou gratuita. Em
outras palavras, ainda que tenha o consentimento do titular, esses direitos são indisponíveis,
inegociáveis.
A imprescritibilidade é uma característica que estabelece que os direitos humanos são

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imprescritíveis, não importando o decurso do tempo, significando que a pessoa não perde esses
direitos.
A vedação ao retrocesso, por fim, é uma das características que impede que os direitos
humanos sejam diminuídos. Por meio dessa característica, o Estado não pode proteger menos,
ou conferir menos direitos, pois isto seria considerado um retrocesso na proteção dos direitos
humanos. O objetivo é sempre alcançar melhorias, normas mais benéficas de proteção, e não
limitações, restrições, qualquer coisa que nulifique ou restrinja direitos anteriormente garantidos.
Tal característica também impede que as normas já postas sejam interpretadas de forma a limitar
ou restringir direitos já garantidos.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, as características mais importantes
dos direitos humanos são:

Quadro 1 - ONU. Fonte: Nações Unidas (2017).

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Em 1993, na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos da ONU, algumas


características desses direitos foram afirmadas solenemente, como a universalidade desses
direitos, o que trouxe maior respaldo e maior responsabilidade aos Estados para garanti-los.
Uma vez que são universais, ultrapassam os limites dos territórios, e devem ser respeitados pelos
Estados onde quer que se encontrem.

Figura 2 - Crianças no mundo. Fonte: IPED (2017). DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 1

O resultado dessa Conferência foi a Declaração e Programa de Ação de Viena, que assim
ficou determinado:

5. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes


e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma
ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em
consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é
dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais.

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Observa-se, com isso, que a Declaração veio para reforçar que os direitos humanos
possuem essas características, especialmente a universalidade, que determina que os direitos
humanos devem ser garantidos a todas as pessoas, independentemente de raça, cor, religião, sexo,
ou mesmo de estarem localizadas neste ou naquele território.
Além dessas características já abordadas, Carlos Weis atribui, no contexto da
contemporaneidade, a indivisibilidade, a interdependência e a transnacionalidade também como
características dos direitos humanos. Para o autor,

Ao se afirmar que os direitos humanos são indivisíveis, se está a dizer que


não existe meio-termo: só há vida verdadeiramente digna se todos os direitos
previstos no Direito Internacional dos Direitos Humanos estiverem sendo
respeitados, sejam civis e políticos, sejam econômicos, sociais e culturais. [...] A
interdependência diz respeito aos direitos humanos considerados em espécie, ao
se entender que um certo direito não alcança a eficácia plena sem a realização
simultânea de alguns ou de todos outros direitos humanos (WEIS, 1998).

Além disso, Weis destaca que a transnacionalidade decorre da internacionalização dos


direitos humanos, e da ratificação dos principais tratados internacionais pela grande maioria dos
países. Isso significa que os direitos humanos devem ser respeitados em todo o globo (WEIS,
1998).

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TERMINOLOGIA: DIREITOS HUMANOS, DIREITOS
FUNDAMENTAIS E DIREITOS DO HOMEM
Alguns doutrinadores apresentam distinções doutrinárias acerca das expressões “direitos
do homem”, “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, que serão analisadas a seguir.
Acerca da expressão “direitos humanos”, André de Carvalho Ramos alerta para o fato de
que alguns autores argumentam ser uma expressão redundante. No entanto, isso só faz parte do
reconhecimento de que “esses direitos são de todos, sem qualquer outra consideração ou aspecto
qualificativo. Trata-se, então de ênfase e valorização da condição humana como atributo para o
exercício desses direitos” (RAMOS, 2014, p. 49).
Valério Mazzuoli explica que “Direitos do homem - é a expressão de cunho mais
naturalista do que jurídico-positivo. [...] São direitos que, em tese, ainda não se encontram nos
textos constitucionais ou nos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos”. De
acordo com o autor, são raros exemplos que ainda não se encontram em algum documento
escrito (MAZZUOLI, 2015, p. 896).
“Direitos fundamentais - é a expressão mais afeta à proteção constitucional dos direitos
dos cidadãos. Liga-se, assim, aos aspectos ou matizes constitucionais (internos) de proteção,
no sentido de já se encontrarem positivados nas Constituições contemporâneas. São direitos
garantidos e limitados no tempo e no espaço, objetivamente vigentes numa ordem jurídica
concreta.” (MAZZUOLI, 2015, p. 896).
Para Gilmar Mendes,

“Os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na sociedade


quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece
que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e, depois, deveres perante o Estado, e
que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo
de melhor cuidar das necessidades dos cidadãos.” (MENDES, 2014, p. 121).

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“Direitos humanos - são, por sua vez, inscritos (positivados) em tratados ou decorrentes
de costumes internacionais. Trata-se daqueles direitos que já ascenderam ao patamar do Direito
Internacional Público.” (MAZZUOLI, 2015, p. 896).
Com isso, pode-se observar que embora pareçam a mesma coisa, não são, já que os
direitos do homem são aqueles que ainda não estão normatizados, os direitos fundamentais são
aqueles garantidos nas Constituições de cada país e os direitos humanos são os assegurados nos
tratados internacionais.
Fábio Comparato esclarece que:

A doutrina jurídica alemã contemporânea distingue, nitidamente, os direitos


humanos dos direitos fundamentais. Estes últimos são os direitos que,
consagrados na Constituição, representam as bases éticas do sistema jurídico
nacional, ainda que não possam ser reconhecidos, pela consciência jurídica
universal, como exigências indispensáveis de preservação da dignidade humana.
Daí por que os direitos humanos autênticos existem, independentemente de
seu reconhecimento na ordem jurídica estatal, e mesmo contra ela, ao passo
que alguns direitos, qualificados como fundamentais na Constituição de
um país, podem não ter a vigência universal, própria dos direitos humanos
(COMPARATO, 2013, p. 174).

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É importante lembrar que nem todos os direitos humanos estão garantidos nas
Constituições, sobretudo a brasileira. Enquanto os direitos humanos podem ser reclamados por
qualquer pessoa que sofrer uma violação em qualquer lugar do planeta, nem todos os direitos
fundamentais podem ser exercidos por todas as pessoas. É o caso do direito de voto, que é um
direito fundamental do brasileiro, mas que não pode ser exercido pelo estrangeiro no Brasil.

Figura 3 - Mãos e o mundo. Fonte: Dreanstime (2017).

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André de Carvalho Ramos apresenta diversas terminologias para os direitos humanos


consignadas na Constituição Federal do Brasil e em diversos tratados internacionais. O autor
explica que “essa imprecisão terminológica é resultado da proteção de certos direitos essenciais
do indivíduo, pela qual a denominação de tais direitos foi sendo alterada, a partir do redesenho
de sua delimitação e fundamentação.” (RAMOS, 2014, p. 46).
No início do entendimento, “direito natural” seria o reconhecimento de que os direitos
são inerentes à natureza do homem, sendo que “direitos do homem” também adviria dessa
concepção jusnaturalista, mas que foi carreado de um caráter sexista, por restringir às pessoas
do sexo masculino, preterindo os direitos da mulher. Já os “direitos individuais” abrangeriam
apenas os direitos relacionados ao indivíduo, excluindo os direitos coletivos ou considerados
em sua coletividade. Dentre outras denominações, a doutrina francesa trata das “liberdades
públicas”, enquanto a escola alemã de Direito Público do século XIX aborda os “direitos públicos
subjetivos”, ou seja, aqueles tidos contra o Estado (RAMOS, 2014, p. 47).
Já no Século XXI, predominam as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”.
Os primeiros seriam aqueles estabelecidos em tratados internacionais, enquanto os segundos
seriam aqueles reconhecidos e positivados pelas Constituições de cada Estado. No entanto, essa
máxima não é absoluta, como se observa na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia
(que é um tratado) e a Constituição Federal do Brasil que menciona em algumas passagens os
“direitos da pessoa humana”.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 1


O autor argumenta que já não se deve mais reproduzir o discurso de que os direitos
humanos não são válidos nos Estados que não os tiverem positivados em suas regras internas,
como direitos fundamentais. A internacionalização dos direitos humanos, ou o Direito
Internacional dos Direitos Humanos, retira esta necessidade de prever a regra no direito interno,
como se observa tanto no sistema interamericano como no sistema europeu, em que os Estados
podem ser responsabilizados pelo descumprimento das normas de direitos humanos previstas
nos tratados (RAMOS, 2014, p. 48).
Além disso, o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, cuja redação foi incluída pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004, determina que:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que


forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais (BRASIL, 1988).

Em outras palavras, caso um tratado internacional de direitos humanos seja aprovado


com o mesmo rito das emendas constitucionais, serão equivalentes, ou seja, um direito previsto
num tratado de direitos humanos será considerado constitucional e, portanto, um direito
fundamental.

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AS GERAÇÕES (OU DIMENSÕES) DE


DIREITOS HUMANOS
Na contemporaneidade, os direitos humanos estão divididos em gerações que se
fortalecem mutuamente e se complementam em prol de cada ser humano. Essa divisão só ocorreu
posteriormente, pela análise histórica das lutas para a conquista dos direitos humanos, e não
param de ocorrer, já que não basta a mera declaração dos mesmos nos textos internacionais ou
constitucionais. Antes de mais nada, é preciso garanti-los a todas as pessoas.
Nesse sentido, as gerações são fruto das lutas de cada momento histórico, como bem
explica Norberto Bobbio:

“[...] o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num
primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles
direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo,
ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado;
num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais -
concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 1


positivamente, como autonomia - tiveram como consequência a participação
cada vez mais ampla, generalizada e frequente dos membros de uma comunidade
no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados
os direitos sociais, que expressam o amadurecimento das novas exigências -
podemos mesmo dizer, de novos valores -, como os de bem-estar e da igualdade
não apenas formal, e o que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio
do Estado.” (BOBBIO, 2004, p. 52)

Esses momentos históricos podem ser divididos em gerações de direitos. Em breve


resumo, o que se tem, inicialmente, é o indivíduo que se encontra em posição de submissão em
relação ao Estado. Em seguida, o indivíduo passa a exigir limitações à ação do Estado, ou seja,
uma atuação negativa. Ato contínuo, o indivíduo passa a demandar uma atuação positiva do
Estado, garantindo-lhe os seus direitos. Por fim, o indivíduo passa a ter uma postura mais ativa,
participando da formação de vontade do Estado e da tomada de decisões.
A teoria das gerações foi abordada pela primeira vez pelo jurista francês Karel Vasak,
em 1979, que classificou os direitos humanos em três gerações até esta data. Posteriormente, os
estudiosos do tema foram acrescentando outras gerações, como serão vistas a seguir. O autor
relacionou cada uma das gerações aos componentes da Revolução Francesa: liberdade, igualdade
e fraternidade.
A primeira geração de direitos humanos foi associada à liberdade, tendo surgindo no
século XVIII como reflexo das revoluções liberais na Europa e nos Estados Unidos, que visavam
restringir o poder absoluto dos monarcas.
A liberdade engloba os direitos a ela relativos e que demandam uma atuação negativa
do Estado, sendo chamados, também, de direitos de defesa. O sentido atribuído a essa geração,
é que o Estado deve proteger a esfera de autonomia individual, prevenindo intervenções
desnecessárias. Fazem parte desta geração, os direitos civis e políticos, por isso são tidos como
liberdades individuais, além do direito de propriedade, intimidade e segurança.

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DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 1


Figura 4 - Liberdade de imprensa. Fonte: Estado de Direito (2017).

Norberto Bobbio explica que a liberdade tem dois significados relevantes, sendo um
negativo e outro positivo. Para o autor, “a liberdade negativa é uma qualificação da ação; a
liberdade positiva é uma qualificação da vontade”. Quando se observa, com isso, a perspectiva
histórica, a liberdade negativa faz parte do direito de primeira geração, e se refere ao indivíduo
singular, enquanto a liberdade positiva é atribuída ao indivíduo considerado em sua coletividade,
ou do corpo social no qual o indivíduo está inserido e faz parte (BOBBIO, 2004, p. 50).
Nesse sentido, “Por liberdade negativa, na linguagem política, entende-se a situação na
qual um sujeito de a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir sem ser obrigado, por
outros sujeitos”. Essa liberdade também costuma ser delineada tanto à “ausência de impedimento,
ou seja, a possibilidade de fazer, quanto a ausência de constrangimento, ou seja, a possibilidade
de não fazer”. (BOBBIO, 2004, p. 49).
Sobre a liberdade positiva, Bobbio fundamenta ser “a situação na qual um sujeito
tem a possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de uma finalidade, de tomar
decisões, sem ser determinado pelo querer de outros”. A essa forma, também é dado o nome de
autodeterminação ou de autonomia, ou seja, “determinar-se sem ser, por sua vez, determinado.”
(BOBBIO, 2004, p. 50).
A segunda geração de direitos humanos passa a exigir um papel mais ativo do Estado e
se refere à igualdade, concepção esta nascida a partir do século XX. Eles são os direitos sociais,
econômicos e culturais, além dos direitos coletivos ou das coletividades, trazidos com o advento
do Estado social.
De acordo com Norberto Bobbio, “a igualdade constitui um valor”, e a máxima de que
todos os homens são iguais tem sido reproduzida desde os estoicos até os dias atuais, sobretudo
por que a igualdade é um ideal a ser atingido (BOBBIO, 2004, p. 22).
A questão da igualdade gera uma amplitude de definições, especialmente para se identificar
igualdade “entre quem” deve ser garantida e “igualdade em que”. A reflexão é importante, sobretudo
porque delimitar a igualdade em algum aspecto não implica automaticamente igualdade num
outro aspecto, como exemplo, igualdade de renda entre duas pessoas e igualdade de saúde.

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Para essa geração, exige-se do Estado um papel mais ativo, principalmente para garantir
os direitos trazidos sob a influência das doutrinas socialistas, advindos dos movimentos sociais de
reivindicações desses direitos que teriam por fim garantir uma condição mínima de sobrevivência
dos indivíduos.
Os direitos sociais de segunda geração compreendem o direito à saúde, à educação, à
previdência social, à habitação, dentre outros. Como se pode observar, esses direitos demandam
uma atuação positiva do Estado para garanti-los aos indivíduos, especialmente aos mais
necessitados que são incapazes de satisfazê-los sozinhos.
Eles são denominados direitos de igualdade pois pretendem garantir aos menos
favorecidos uma equivalência em direitos, especialmente concretizar as liberdades abstratas
reconhecidas nas primeiras declarações internacionais.
Como visto anteriormente, eles podem ser encontrados na Constituição Mexicana de
1917, na Constituição de Weimar de 1919, pela criação da Organização Internacional do Trabalho
neste mesmo ano.
Esses direitos de segunda geração também são denominados de direitos programáticos
“em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas
pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade” (MAZZUOLI, 2015, p.
902).
A terceira geração de direitos humanos contempla aqueles direitos de titularidade de uma

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 1


comunidade, num aspecto mais amplo, ultrapassando a esfera do indivíduo. Essa geração contém
o desenvolvimento de uma consciência coletiva, de que os direitos são dos indivíduos, não mais
considerados apenas em si, mas dentro de uma coletividade, de um grupo do qual faz parte.
Esses direitos estão relacionados à fraternidade, ou solidariedade, e contemplam o direito
ao desenvolvimento, direito à paz, direito à autodeterminação, o direito ao meio ambiente
equilibrado, aos recursos naturais, hídricos, à qualidade do ar, direito à comunicação, direito ao
patrimônio comum da humanidade.
Esses direitos advêm de uma constatação de que os recursos naturais são finitos, gerando
uma preocupação com as futuras gerações, além de que as riquezas da terra devem ser divididas
de forma igualitária, questão que pode ser identificada pela evidente distribuição desigual de
riquezas (tanto materiais quanto naturais). Todas essas concepções fazem parte de uma visão
mais solidária dos direitos.
A terceira geração tem seu surgimento a partir da década de 60 e pode ser observada
pelos diversos documentos internacionais que tratam do tema, como, por exemplo, o Pacto
dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, que previu o direito à autodeterminação dos povos, a
Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, em 1972, a Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento, adotada pela ONU em 1986, dentre outras.
A quarta geração dos direitos humanos é entendida como aquela que é resultante da
globalização dos direitos humanos. Essa geração tem seu surgimento no final do século XX,

[...] correspondendo aos direitos de participação democrática (democracia


direita), direito ao pluralismo, bioética e limites à manipulação genética,
fundados na defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas
de particulares ou do Estado. (RAMOS, 2014, p. 53).

Alguns autores também acrescentam o direito à informação que, aliado ao pluralismo


e à democracia, concretizarão “[...] a sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima
universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de
convivência”, como relata Valério Mazzuoli (2015, p. 902).

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As críticas a essa teoria das gerações não são poucas. Ramos explica que, em primeiro
lugar, a teoria apresenta uma forma errônea e dá a entender que uma geração é substituída por
outra. Na verdade, uma geração deve interagir com a outra, como o direito de propriedade que
deve interagir com o direito ao meio ambiente equilibrado (RAMOS, 2014).
Em seguida, o autor apresenta outra crítica de que a ideia das gerações sugere que um
direito de primeira geração nasceu antes de outro de terceira geração, por exemplo, o que na
prática não ocorreu, tendo em vista que diversos direitos de terceira geração foram consagrados
antes mesmo dos de primeira (RAMOS, 2014, p. 54).
Além disso, Ramos argumenta que a teoria das gerações apresenta os direitos humanos
de forma fragmentada, o que ofenderia a indivisibilidade, uma das características já abordadas.
Por fim, o autor sugere que a divisão em gerações dificulta as novas interpretações acerca do
conteúdo dos direitos, exemplificando que o direito à vida seria da primeira geração, mas que
atualmente, demanda atuação do Estado para a garantia da vida digna, da saúde, por exemplo,
direitos esses inseridos na segunda geração (RAMOS, 2014, p. 54).
Como já mencionada anteriormente, a questão fundamental neste momento não é quais
são os direitos humanos ou a que geração eles pertencem. O verdadeiro problema a ser enfrentado
é a criação de mecanismos ou de ferramentas para efetivamente garantir esses direitos a todas as
pessoas.

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02
UNIDADE

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS


HUMANOS NO BRASIL
PROF.A MA. MALU ROMANCINI

SUMÁRIO DA UNIDADE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 21
RETROSPECTIVA HISTÓRICA E CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ................................................................. 22
TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E O DIREITO BRASILEIRO ....................................... 25
INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS - PARTE I ..................................................................... 28
INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS - PARTE II .................................................................... 32

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INTRODUÇÃO
Antes de aprofundar no tema, é importante lembrar que a proteção dos direitos humanos
se dá em duas esferas, uma interna, como dispõe a Constituição Federal de 1988, e uma
internacional, que é estudada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. Conheceremos,
nesta unidade, esses dois contextos.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2

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RETROSPECTIVA HISTÓRICA E CONSTITUIÇÃO


FEDERAL DE 1988
Como já abordado anteriormente, com o advento do constitucionalismo moderno, os
direitos humanos começaram a ser inseridos nas Constituições dos Estados, ganhando o status
de direitos fundamentais. No Brasil não foi diferente.
Já na Constituição de 1824 foram considerados alguns direitos fundamentais. O cenário
da época caracteriza o poder concentrado nas mãos do imperador, a continuação da existência
da escravidão, o que evidenciam as violências contra os escravos, que estavam à mercê de seus
senhores, sendo tratados como seu produto e sua propriedade. Os escravos perderam sua
liberdade, tinham sua integridade física violada, sendo que alguns perdiam até a vida.
No entanto, alguns direitos fundamentais foram concedidos à pequena parcela da
população, cujo objetivo principal era garantir a liberdade, a segurança individual e a propriedade.
Isso, por si só, já era considerado um grande avanço.
A Constituição de 1891, promulgada no período republicano, promovia os princípios da
liberdade, da igualdade e da justiça. Essa Carta garantiu o direito de sufrágio direto nas eleições

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para deputados, senadores, presidente e vice-presidente. Contudo, o sufrágio não era universal,
tendo em vista que mulheres, mendigos e analfabetos não poderiam votar.
Além disso, dentre outras medidas, a Carta de 1891 também previu o direito à liberdade
religiosa, direito à ampla defesa, direito à livre associação e de reunião, bem como inseriu pela
primeira vez o habeas corpus como mecanismo de defesa contra a violência, ilegalidades ou
abuso de poder.
Na Constituição de 1934, foram inseridas algumas perspectivas de proteção e segurança
dos indivíduos, tais como a garantia do direito adquirido, a proibição de ser preso por dívidas.
Para tanto, foi criada a assistência judiciária como mecanismo de promover a justiça, além de ter
sido determinada a obrigatoriedade de imediatamente comunicar ao juiz competente acerca da
prisão ou detenção de qualquer pessoa.
Essa Constituição também trouxe diversos direitos trabalhistas, como a proibição de se
estabelecer diferença salarial entre trabalhos equivalentes, ou mesmo em razão da idade, gênero,
nacionalidade ou estado civil. Além disso, o trabalho do menor foi proibido, sobretudo para
menores de catorze anos, o trabalho noturno foi proibido para menores de dezesseis anos e o
trabalho insalubre foi proibido para menores de dezoito anos e para as mulheres. Ficou, também,
definido um salário mínimo aos trabalhadores, o direito ao repouso semanal remunerado e a
limitação da jornada diária ao máximo de oito horas.
No entanto, é importante observar que esta tendência social durou por apenas três anos,
quando foi instaurado o Estado Novo, de Getúlio Vargas, em 1937. Este período, que durou até
1945, foi marcado pela violação dos direitos humanos, por diversos obstáculos à sua concretização.
Durante o Estado Novo, o Congresso Nacional foi fechado, a grande maioria dos partidos
políticos foi proibida de funcionar, o que evidencia a violação dos direitos democráticos das
pessoas. Além disso, o próprio Poder Judiciário foi tomado pelos interventores para garantir o
amplo domínio do Estado. Neste período também foi criado o Tribunal de Segurança Nacional
para julgar crimes contra a segurança do Estado. É evidente que toda a ideologia de se proteger o
homem contra o poder estatal foi vilipendiada neste momento histórico.

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Não bastasse, para manter essa estrutura opressora, foi criada a Polícia Especial e o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que censurava as comunicações orais e escritas,
alcançando inclusive correspondências pessoais. São incontáveis os direitos humanos que foram
violados da população brasileira.
Em 1946, com o fim do Estado Novo, diversas garantias fundamentais foram restauradas
e foram ampliados os direitos garantidos pela Constituição. Dentre os direitos sociais, foi criada
a assistência aos desempregados, o direito de greve, a liberdade de associação patronal e sindical
e o direito do trabalhador de participação nos lucros da empresa.
Embora essa Constituição tenha trazido várias alterações benéficas às pessoas, da
perspectiva dos direitos humanos, ela vigorou, formalmente, até 1967. Na prática, a Revolução
de 1964 suprimiu e suspendeu muitos direitos, com o advento dos Atos Institucionais n. 1 e n. 2.
A ditadura militar, que teve início em 1964, foi catastrófica, sob o ponto de vista dos
direitos humanos. Esse período foi marcado pelo autoritarismo, que suprimiu e violou diversos
direitos fundamentais.
Inicialmente, foram cassados os direitos políticos dos opositores do governo, diversos
partidos políticos foram extintos, foi fechado o Congresso Nacional, e foi criada uma espécie de
polícia da política, o Serviço Nacional de Informações (SNI).
A repressão policial aumentou exponencialmente, além de que os direitos fundamentais
de apresentação imediata ao juiz competente, habeas corpus, e o próprio direito de defesa foram

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


suprimidos, fazendo com que opositores fossem presos sem qualquer garantia de defesa, nem
mesmo o direito a um julgamento justo, já que a própria política governamental desobrigava as
autoridades à necessidade de acusar formalmente ou registrar a acusação daquele que foi preso
ou detido.
Além disso, a ditadura militar foi marcada por torturas, sequestros, desaparecimento de
pessoas que se opunham ao regime, assassinatos, dentre outros crimes inexplicáveis cometidos
pelo próprio Estado, que teria o dever de proteger as pessoas. O DOI-Codi (Destacamento de
Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) era um órgão de inteligência
do Estado, que tinha a função de identificar os opositores do regime e puni-los, às vezes com a
própria vida.
Por certo que tamanha violação de direitos humanos precisaria ter um fim. Este fim é
coroado com a inserção de diversos direitos e garantias na Constituição Federal de 1988.
É importante evidenciar que diversos “direitos e garantias fundamentais” foram inseridos
na Constituição Federal de 1988 e foram divididos em cinco categorias: a) direitos e deveres
individuais e coletivos; b) direitos sociais; c) direitos de nacionalidade; d) direitos políticos; e e)
partidos políticos.
Com essa redação dada pela Constituição, há quem intente distanciar os direitos das
garantias. No entanto, Gilmar Mendes (2014, p. 248) explica que:

As garantias fundamentais asseguram ao indivíduo a possibilidade de exigir dos


Poderes Públicos o respeito ao direito que instrumentalizam. Vários direitos
previstos nos incisos do art. 5º da Constituição se ajustam a esse conceito.
Vejam­-se, por exemplo, as normas ali consignadas de direito processual penal.
Nem sempre, contudo, a fronteira entre uma e outra categoria se mostra límpida
– o que, na realidade, não apresenta maior importância prática, uma vez que a
nossa ordem constitucional confere tratamento unívoco aos direitos e garantias
fundamentais.

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É importante acrescentar que esse rol não é exaustivo, ou seja, foi adotado um sistema
aberto de direitos fundamentais (MENDES, 2014, p. 249). Em outras palavras, isso significa que
os direitos humanos que não estiverem inseridos nessas categorias não estão excluídos do âmbito
de proteção. A isto dá-se o nome de princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais,
previsto no art. 5º, §2º, da vigente Constituição Federal.

Para saber mais sobre como estão divididos os direitos humanos,


a leitura do Relatório sobre a situação dos direitos humanos no
Brasil é recomendada.
Disponível em:
https://cidh.oas.org/countryrep/brazil-port/Cap%201.htm
Acesso em 10 nov. 2017.

Além de diversos direitos estarem inseridos na Constituição Federal, é importante


salientar o fato de que devem ser garantidos os direitos não apenas aos indivíduos, mas também
aos grupos. A Carta prevê também ações de garantia para quando se estiver presente uma ameaça
ou uma efetiva violação de direitos humanos com o fim de encerrá-la. Dentre estes mecanismos,

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


estão o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de segurança coletivo, o mandado
de injunção, o habeas data e a ação popular.
Outro fato importante que vale a menção é o do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, cuja
redação foi incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, e determina que:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que


forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Em outras palavras, caso um tratado internacional de direitos humanos seja aprovado


com o mesmo rito das emendas constitucionais, serão equivalentes, ou seja, um direito previsto
num tratado de direitos humanos será considerado constitucional e, portanto, um direito
fundamental.

Figura 5 - Constituinte do Brasil. Fonte: DGABC (2017).

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Observa-se, na Constituição Federal de 1988, uma tendência de ampla proteção dos


direitos humanos, primeiro em razão do rol estruturado de direitos inseridos no texto, segundo
em razão das cláusulas pétreas, art. 60º, §4º, IV, da Carta, autorizando, inclusive, intervenção
federal em caso de violação desses direitos. O Brasil, com isso, opta por essa interpretação em
favor dos direitos humanos em sua norma interna, de acordo com a Constituição de 1988.

TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS


E O DIREITO BRASILEIRO
Atualmente, existem diversos tratados de direitos humanos no mundo. Eles se proliferaram
principalmente, com esta denominação, após a Segunda Guerra Mundial, em resposta à barbárie
nazista. Essa época do pós-guerra também é marcada pelo surgimento do Direito Internacional
dos Direitos Humanos.
O que se pode verificar é que os muitos tratados de proteção dos direitos humanos
possuem uma característica fundamental em comum. Segundo Valério Mazzuoli (2015, p. 895):
“a proteção dos direitos da pessoa humana independentemente de qualquer condição. Em outros

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


termos, basta a condição de ser pessoa humana para que todos possam vindicar seus direitos
violados”, sendo que isso pode ser feito na esfera interna ou internacional.
Essa resposta aos horrores do nazismo evidenciou a necessidade de reconstrução do
valor dos direitos humanos. Para tornar eficaz essa proteção, ficou claro que era necessário criar
um sistema de proteção dos direitos humanos no âmbito internacional. Ficou comprovado que
a proteção dos direitos humanos não deveria ser reservada apenas ao âmbito interno do Estado.
Essa estrutura deveria ser maior que a soberania dos próprios Estados, pois eles deveriam estar
a ela submetidos.
Com isso, cria-se um novo paradigma, e a noção tradicional de soberania passou por
um processo de relativização, na medida em que os Estados podem, a partir de então, sofrer
intervenções externas em prol da proteção dos direitos humanos. Essa consequência é revelada
pela atuação da Organização das Nações Unidas, que tem autorização de cada Estado para intervir
em casos de evidente violação dos direitos humanos.
Houve, também, uma mudança acerca da concepção do indivíduo no cenário
internacional, que a partir de então passou a ser sujeito de direitos e a ter seus próprios direitos
protegidos, demandando esforços dos Estados para concretizarem esta nova concepção.

Um dado interessante, é que os primeiros tratados de direitos hu-


manos assinados pelo Brasil foram para abolição do tráfico de es-
cravos em 1825 e 1826.

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No entanto, foi mesmo a partir do fim da Segunda Guerra que os países, então, incluindo
o Brasil, passaram a assinar alguns tratados internacionais para a proteção dos direitos humanos.
Esses tratados englobam os Pactos, as Convenções, as Cartas, Acordos.
Em 1945 foi criada uma das Organizações Internacionais mais relevantes para a proteção
dos direitos humanos, que é a Organização das Nações Unidas, criada pela Carta de São Francisco,
cujo objetivo principal é a manutenção da paz e da segurança internacionais. O Brasil é um dos
membros fundadores.
Em 1948 foi assinada a Declaração Universal de Direitos Humanos, na Assembleia Geral
da ONU, também pelo Brasil, o que fez com que o tema dos direitos humanos fosse pensado a
partir da proteção na perspectiva internacional e nacional.
Pode-se considerar que o Brasil é um país que tem ratificado diversos tratados
internacionais para a proteção dos direitos humanos. Dentre eles, pode-se destacar os mais
importantes ratificados pelo Estado brasileiro:

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2

Quadro 1 - Tratados do sistemaglobal. Fonte: A autora.

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Quadro 2 - Tratados do sistema regional interamericano. Fonte: A autora.

Para que um tratado entre em vigor no direito brasileiro, é necessário a assinatura


do tratado pelo representante chefe do Poder Executivo e a aprovação do Poder Legislativo.
Novamente, o chefe do Executivo é chamado à atuação para ratificar o tratado.
Como já estudado, há a possibilidade desse tratado ser aprovado como lei ordinária,
ou como emenda constitucional, caso cumpra o que determina o art. 5º, § 3º, da Constituição

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


Federal, cuja redação estabelece que:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que


forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais (BRASIL, 1988).

Há que se observar, também, que o Brasil se compromete a cumprir, nas suas relações
internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos, como previsto no art. 4º, II, da
Constituição Federal de 1988.
Em 1998, o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos
e em 2002 a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Com isso, fica ultrapassada a fronteira
das regras nacionais versus as regras internacionais para atribuir uma interpretação de proteção
aos direitos humanos no âmbito interno.
Nesse sentido, André Ramos de Carvalho explica que:

Com o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos


Humanos, o Brasil deu o passo decisivo para aceitar o universalismo na área
dos direitos humanos. Não é mais possível uma interpretação “nacionalista” dos
direitos humanos no Brasil, pois essa interpretação pode ser questionada perante
a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou outros órgãos internacionais,
devendo o Brasil cumprir a interpretação internacionalista porventura fixada.
Além do universalismo, o Brasil, após a Constituição de 1988, acatou a
indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos, ao ratificar
indistintamente os tratados voltados a direitos civis e políticos e direitos sociais,
econômicos e culturais (RAMOS, 2014, p. 349).

Além do mais, o Brasil tem se mostrado bastante cooperativo no que tange aos tratados de
direitos humanos, por comungar da ideia de que é necessário promover e assegurar mecanismos
de proteção dos direitos humanos.

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INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS -


PARTE I
Como parte do programa de garantia dos direitos humanos, compromisso assumido pelo
Brasil perante Organizações Internacionais, o Brasil criou diversos órgãos especializados para
auxiliar a promover a garantia e a proteção dos direitos humanos no âmbito interno e que serão
vistos a seguir.
Até 1997, o tema dos direitos humanos era de atribuição do Ministério da Justiça. Como
foi ganhando força, tanto no cenário nacional, quanto internacional, em 1997, o então presidente
Fernando Henrique Cardoso instituiu a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência
da República. O prestígio ora recebido se deu em razão da necessidade de que o novo órgão
coordenasse a implantação e execução do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-1)
da ONU.
Em outros governos, foi também denominada de Secretaria Especial de Direitos Humanos
(SEDH). Embora fosse uma Secretaria, tinha status de Ministério. No governo do então presidente
Lula, a sua denominação passou a ser simplesmente Secretaria dos Direitos Humanos.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


A Lei n. 12.314 de 2010 estabeleceu que a Secretaria de Direitos Humanos é órgão da
Presidência da República e será competente para tratar dos seguintes assuntos:

- Formular políticas e diretrizes voltadas à promoção dos direitos da cidadania, da criança,


do adolescente, do idoso e das minorias;

- Formular políticas e diretrizes voltadas à defesa dos direitos das pessoas com deficiência
e promoção da sua integração à vida comunitária;

- Coordenar a política nacional de direitos humanos, em conformidade com as diretrizes


do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH;

- Articular iniciativas e apoiar projetos voltados para a proteção e promoção dos direitos
humanos em âmbito nacional, tanto por organismos governamentais, incluindo os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, quanto por organizações da sociedade;

- Exercer as funções de ouvidoria nacional de direitos humanos, da criança, do adolescente,


do idoso e das minorias.

- Atuar em favor da ressocialização e da proteção dos dependentes químico, sem prejuízo


das atribuições dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas -
SISNAD.

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A Secretaria de Direitos Humanos é composta por:


1) Gabinete;
2) Ouvidoria de Direitos Humanos;
3) Órgãos específicos singulares: a) Secretaria de Gestão da Política de Direitos Humanos;
b) Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos; c) Secretaria Nacional de
Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência;
4) Órgãos colegiados: a) Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana; b)
Conselho Nacional de Combate à Discriminação; c) Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente; d) Conselho Nacional de dos Direitos da Pessoa com Deficiência; e) Conselho
Nacional dos Direitos do Idoso; f) Conselho Nacional de Promoção do Direito Humano à
Alimentação.
De acordo com André de Carvalho Ramos, a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa
dos Direitos Humanos é, dos órgãos singulares internos da Secretaria de Direitos Humanos, o
órgão de maior abrangência, pois tem a competência de:

I - implementar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, em


articulação com os demais órgãos da administração pública federal, o Ministério
Público, os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, dos entes federados, as
organizações da sociedade civil e organismos internacionais, desenvolvendo

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


ações que contribuam para a construção de uma cultura voltada para o respeito
dos direitos fundamentais; II - coordenar as ações de Mobilização Nacional para
o Registro Civil de Nascimento e Documentação Básica, em articulação com
os demais órgãos da administração pública federal, o Ministério Público, os
Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, dos entes federados, as organizações
da sociedade civil e organismos internacionais; III - promover iniciativas de
parceria e articulação institucional que visem à garantia dos direitos da população
idosa; IV - promover iniciativas de parceria e articulação institucional que visem
à garantia dos direitos da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais - LGBT; V - coordenar as ações de implementação, monitoramento
e aperfeiçoamento dos Centros de Referência em Direitos Humanos, LGBT, idosos
e centros de atendimento às vítimas; VI - coordenar a atuação da Secretaria
em temas relacionados ao sistema de segurança pública e justiça criminal,
principalmente no que diz respeito à violação de direitos humanos por profissionais
do sistema; VII - coordenar ações de direitos humanos para o fortalecimento das
ouvidorias de polícia nos Estados, bem como promover os direitos humanos de
agentes de segurança pública; VIII - coordenar ações de prevenção e combate à
tortura, bem como todas as formas de tratamento cruel, desumano e degradante,
visando à sua erradicação e punição, em articulação com órgãos públicos,
entidades da sociedade civil e organismos internacionais; IX - apoiar, monitorar
e supervisionar a implementação dos programas estaduais de proteção a vítimas
e testemunhas, bem como coordenar e supervisionar, no âmbito da Secretaria,
a execução das atividades relacionadas com o Programa Federal de Assistência
a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas; X - implementar e executar a política
nacional de proteção e promoção dos defensores dos direitos humanos, por meio
de parcerias com órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e
organizações da sociedade civil; XI - coordenar a produção, a sistematização e
a difusão das informações relativas ao registro civil de nascimento, a centros de
referência, a idosos e a LGBT, dentre outros grupos socialmente vulneráveis; XII
- coordenar o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da
Política Nacional para a População em Situação de Rua e auxiliar a implementação
da Política Nacional para a População em Situação de Rua (RAMOS, 2014, p.
414).

Evidencia-se, com isso, a ampla atuação da Secretaria, que é de fundamental importância.

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Figura 6 - Campanha em defesa dos direitos das pessoas em situação de rua. Fonte: CNMP (2017).

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


As Ouvidorias são órgãos de controle interno da Administração Pública, tendo, dentre
outras funções, a de receber notícias acerca da má prestação dos serviços públicos, exigir
providências acerca das denúncias e fiscalizar os resultados das sindicâncias. A Ouvidoria-Geral
da Cidadania exerce sua função nas áreas da cidadania, LGBT, criança, adolescente, pessoa com
deficiência, idoso e outros grupos sociais vulneráveis.
Já as Secretarias de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a de Políticas para
Mulheres também são de especial importância para a promoção dos direitos humanos. A primeira
tem a função de coordenar e articular políticas e diretrizes para promover a igualdade racial, com
foco na população negra, mais afetada pela discriminação racial e outras formas de intolerância.
Essa Secretaria também promove o cumprimento dos compromissos assumidos na comunidade
internacional de promoção dos direitos humanos, especialmente no que tange à promoção da
igualdade e do combate à discriminação racial ou étnica. A segunda tem a função de promover
políticas para mulheres, bem como campanhas educativas, antidiscriminatórias, e de garantia da
igualdade em todas as esferas governamentais. Esta secretaria também tem a função de planejar e
executar os planos de ações assumidos nos compromissos internacionais (RAMOS, 2014).
Já o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana tem a função de promover
inquéritos, investigações e estudos acerca da eficácia das normas que tratam da proteção dos
direitos humanos, tanto inseridas na Constituição Federal, quanto nas Declarações Americana e
Universal dos Direitos Humanos. Além disso, o Conselho também deve conscientizar a população
sobre o conteúdo e o significado dos direitos humanos, promover campanhas de medidas
contra a violação desses direitos, investigar as causas dessas violações, promover campanhas
de esclarecimento, promover cursos para aperfeiçoamento das pessoas, cooperar com entes da
federação nos casos em que forem necessário, estudar propostas de aprimoramento da legislação,
de modo a proteger mais efetivamente os direitos humanos, receber denúncias de violações e
tomar medidas cabíveis para assegurar a garantia dos direitos humanos às pessoas (RAMOS,
2014).

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Outro órgão bastante atuante é o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescentes
que tem como principais atribuições elaborar normas para promover os direitos humanos das
crianças e dos adolescentes, consoante Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 1990),
zelar pela política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, apoiar os
Conselhos Estaduais e Municipais e outros órgãos, promover campanhas educativas acerca do
tema.
O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência é outro órgão
importante no cenário brasileiro que tem a finalidade de promover a política nacional de inclusão
da pessoa com deficiência, bem como avaliar as políticas setoriais de inclusão, como na escola,
no desporto, no turismo, no lazer, no trabalho, dentre outras áreas, cooperar com as políticas
governamentais dos estados e municípios, bem como promover pesquisas que objetivem a
conscientização e melhorias na qualidade de vida da pessoa com deficiência.
O Conselho Nacional dos Direitos do Idoso é o órgão que atua para elaborar diretrizes,
instrumentos, leis para promover a política nacional do idoso, para colaborar com outros órgãos
da esfera municipal e estadual, avaliar e apresentar orientações e recomendações para promover
os direitos humanos dos idosos.
O Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais é um órgão que promove o combate a todas as formas
de discriminação. Sua luta tem relação com o combate à discriminação racial e sua função é

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


propor programas e ações governamentais, em todas as esferas, de combater a violação dos
direitos humanos das pessoas LGBT e promover a garantia dos mesmos, especialmente, medidas
que assegurem a igualdade a estas pessoas. Esse órgão conta com membros representantes
governamentais e representantes da sociedade civil que promovem pesquisas, estudos, formas de
integrar essas pessoas à sociedade.
Além dos já mencionados, existe a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos é o órgão que visa reconhecer como mortas as pessoas desaparecidas vítimas da ditadura
militar, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo que tem o objetivo de exigir
o cumprimento do plano nacional de erradicação do trabalho escravo, que também é tipificado
como crime (art. 149, do Código Penal), o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos
é um órgão consultivo da Secretaria de Direitos Humanos para implementar o Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos, promover a educação, práticas individuais e sociais para
garantia dos direitos humanos, produção de material didático e informativo a ser distribuído em
todas as esferas educacionais.
Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff unificou as secretarias de Políticas e
Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres, dando origem ao Ministério das
Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
Em 2016, o então presidente Michel Temer extinguiu o Ministério, mas o recriou no ano
seguinte com o nome de Ministério dos Direitos Humanos, sem a ênfase na igualdade racial ou
nas políticas para mulheres.

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INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS -


PARTE II
Ainda dentro do compromisso assumido pelo Brasil perante Organizações Internacionais,
de promover a garantia dos direitos humanos, o país continua criando mecanismos para a defesa
desses direitos, seja por meio da conscientização da população ou de instituições a quem recorrer
em casos de violação.
Dentro do Poder Legislativo Federal, existe a Comissão de Direitos Humanos e Minorias
da Câmara dos Deputados, que é uma comissão permanente, com a função de discutir e votar
propostas legislativas referentes ao tema dos direitos humanos, fiscalizar a atuação governamental,
receber notícias de violações e colaborar com outras entidades na confecção dos “relatórios
sombra” para encaminha-los aos órgãos internacionais.
Os indivíduos também contam com a atuação do Ministério Público Federal que, conforme
determina o art. 127, da Constituição Federal, tem a função de defender a ordem jurídica, o
regime democrático, os interesses sociais e individuais indisponíveis, contemplando, portanto,
os direitos humanos. O Estatuto do Ministério Público também determina que compete a esta

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


instituição a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, para garantir-lhes o respeito pelos
Poderes Públicos, pela Administração Pública direita e indireta, e a defesa dos interesses difusos
e coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, das crianças e adolescentes e
do idoso.
Para cumprimento dessa função, foi criada a Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão do Ministério Público Federal, pela Lei Complementar n. 75 de 1993, e que cada estado
designaria um Procurador Regional dos Direitos do Cidadão para zelar pela defesa dos direitos
humanos dos cidadãos.

Figura 7 - Atendimento na Procuradoria. Fonte: DHnet (2017).

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Os membros do Ministério Público e os Procuradores podem receber notícias, requisitar


informações, instaurar inquéritos e tomar as providências necessárias para o cumprimento da
lei no que tange ao respeito aos direitos humanos, além de requisitar da autoridade competente
estatal o cumprimento da lei, sob pena de responsabilidade pessoal.
A Defensoria Pública da União é o órgão responsável por prestar assistência jurídica
gratuita àqueles que comprovarem insuficiência de recursos, ou que não puder pagar sem prejuízo
do próprio sustento. A institucionalização da Defensoria Pública já é, em si, promover o direito
de acesso à justiça e à igualdade. Além disso, a função da Defensoria é:

[...] como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente,


a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos
os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma
integral e gratuita, aos necessitados (RAMOS, 2014, p. 441).

Importante salientar que os objetivos da Defensoria estão em lutar pela garantia da


dignidade da pessoa humana, pelo fim das desigualdades sociais e pela promoção dos direitos
humanos. O maior desafio, no entanto, é a falta de recursos humanos e materiais.
No que tange à esfera estadual, pode-se mencionar os Ministérios Públicos estaduais, as
Defensorias Públicas dos estados e os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos que atuam em

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2


conjunto para a promoção e proteção dos direitos humanos.
O Ministério Público de cada estado também atua de forma a promover o respeito aos
direitos humanos, seja para evitar violações, seja para efetivamente garantir o gozo de algum
direito. Eles atuam para promover a saúde, a educação, evitar a tortura, a violência doméstica
contra a mulher, os idosos, crianças e adolescentes, conflitos agrários, acessibilidade a pessoas
com deficiência, dentre outros temas.

Ministério Público do Tocantins na defesa da Cidadania e dos Direi-


tos Humanos Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=yKJ0MeJVSfU
Acesso em: 14. nov. 2017.

Assim como o Ministério Público Federal, o membro da instituição poderá instaurar


procedimentos administrativos, inquérito civil e criminal para apurar a violação de direitos
humanos, notificar autoridades requisitando informações, documentos e o cumprir as medidas
cabíveis, expedir recomendações, fiscalizar o cumprimento da lei, celebrar Termos de Ajustamento
de Conduta, realizar audiências públicas acerca de temas de interesse da sociedade, representar
às autoridades competentes para ajuizar ações, receber queixas, denúncias e representações de
qualquer pessoa, órgão ou entidade sobre questões relativas à violação de direitos humanos,
acompanhar propostas de lei sobre o tema, auxiliar em divulgações, eventos educativos, cursos
de instrução acerca dos direitos humanos, dialogar com a sociedade mecanismos de garantia dos
direitos humanos.

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ENSINO A DISTÂNCIA

As Defensorias Públicas dos Estados são instituições que prestam assistência jurídica aos
que não podem custear a defesa de seus direitos sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família
e pode atuar em todos os graus de jurisdição, no âmbito judicial, extrajudicial e administrativo,
promovendo o acesso à justiça.
A lei que dispõe sobre a organização da Defensoria Pública (Lei Complementar 80 de
1994) determina a descentralização da Defensoria e o atendimento interdisciplinar para a tutela
integral dos interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Além das Defensorias, há ainda os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos que
representam a coordenação das políticas públicas estaduais de direitos humanos, assim como se
verifica no âmbito federal. Com isso, objetiva-se a participação da sociedade civil e da população,
que pode contribuir com a apresentação de evidências práticas de como ocorrem as violações
de direitos humanos e como poderiam ser evitadas, ou mecanismos de promover esses direitos.
Esses Conselhos também usam mecanismos de monitoramento e avaliação da situação
dos direitos humanos naquele estado, seja para avaliar o que está ocorrendo, seja para propor
objetivos, metas e medidas para garantir a implementação dos direitos humanos. Além disso, o
Conselho também pode receber notícias acerca da violação de direitos humanos e exigir do poder
público o cumprimento de medidas e a responsabilização dos agentes causadores dos danos.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 2

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ENSINO A DISTÂNCIA

03
UNIDADE

SISTEMA INTERNACIONAL
DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS
PROF.A MA. MALU ROMANCINI

SUMÁRIO DA UNIDADE

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 36
A ONU E A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE 1948 ..................................................... 37
O SISTEMA REGIONAL INTERAMERICANO .......................................................................................................... 41
OS SISTEMAS REGIONAIS: EUROPEU, AFRICANO, NO MUNDO ÁRABE .......................................................... 46
A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ...................................................................................... 50

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ENSINO A DISTÂNCIA

INTRODUÇÃO
Como vimos anteriormente, a proteção dos direitos humanos e a garantia de que eles
sejam efetivados às pessoas é uma tarefa árdua, que exige um comprometimento de todos os
Estados, tendo em vista que o ser humano merece proteção em qualquer lugar que se encontre,
sendo de qualquer raça ou gênero, pelo simples fato de ter nascido humano.
Nesse sentido, é importante relembrar, que essa evidente necessidade de proteção é fruto
das atrocidades nazistas cometidas contra os judeus e outras minorias com a ajuda do próprio
Estado.
Observou-se, com isso, o surgimento de sistemas de proteção dos direitos humanos.
Pode-se considerar a Organização das Nações Unidas como a representante de um sistema global
de proteção, enquanto o sistema Interamericano, o sistema Europeu, o sistema Africano e o do
mundo árabe como sistemas regionais de proteção dos direitos humanos.
Cada um desses sistemas será analisado a seguir, com o objetivo de verificar como cada
qual pode contribuir para proteger os direitos humanos das graves violações que são noticiadas
diariamente.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Além disso, também será analisada a nova tendência do direito internacional de
internacionalização dos direitos humanos, cujo objetivo é demonstrar que, como a comunidade
internacional comunga de valores comuns, sobretudo os de proteção dos direitos humanos, e
por que o problema dos direitos humanos não é mais o de afirmá-los, mas o de garanti-los, serão
abordadas algumas questões sobre o tema.

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ENSINO A DISTÂNCIA

A ONU E A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS


HUMANOS DE 1948
A Organização das Nações Unidas foi criada como reconhecimento da comunidade
internacional de que era necessária a criação de uma organização internacional, de caráter geral,
com o fim de manutenção da paz e da segurança internacionais. A Carta de São Francisco, ou
Carta da ONU, foi assinada em 1945, juntamente com o Estatuto da Corte Internacional de
Justiça.
No preâmbulo da Carta está assim disposto:

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS


a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no
espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar
a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser
humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das
nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e
o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores
condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
E PARA TAIS FINS,
praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e
unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir,
pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada
não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo
internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.
RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO
DESSES OBJETIVOS. (ONU, 1945).

Os propósitos das Nações Unidas estão descritos no art. 1, como se observa:

1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente,


medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou
outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade
com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução
das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao
princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar
outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e
para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução
desses objetivos comuns (ONU, 1945).

Para realizar tais propósitos, os membros devem se basear na igualdade, cumprir de


boa-fé as obrigações assumidas, resolver as controvérsias internacionais por meios pacíficos que
não ameacem a paz, a segurança e a justiça internacionais, devem evitar a ameaça ou o uso da
força nas relações internacionais e se abster de intervir em assuntos internos de outros Estados,
conforme consta no art. 2 da Carta (ONU, 1945).

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ENSINO A DISTÂNCIA

Para se tornar membro das Nações Unidas, um país precisa obedecer a três condições: “a)
ser um Estado amante da paz; b) aceitar as obrigações impostas pela Carta; e c) estarem aptos e
dispostos a cumpri-las.” Segundo Valério Mazzuoli, a Carta entendeu que “a proteção dos direitos
humanos é conditio sine qua non para o bem-estar da sociedade internacional.” (MAZZUOLI,
2015, p. 686).
Esses preceitos podem ser observados no próprio preâmbulo da Carta que determina que
os membros resolvem “reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no
valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres” (ONU, 1945). Assim,
ao ratificarem a Carta, os membros reconhecem que têm obrigações nacionais e internacionais
de promover a proteção dos direitos humanos.
Dentre os órgãos da ONU, a Assembleia Geral é o principal e representa o maior foro de
discussões da Organização. Para a proteção dos direitos humanos, não é diferente, a Assembleia
deve iniciar estudos e fazer recomendações para, nos termos do art. 12, §1º:

b) promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural,


educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça,
língua ou religião (ONU, 1945).

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Além deste, o Conselho de Segurança é o órgão responsável pela manutenção da paz e
segurança internacionais. A Corte Internacional de Justiça é o órgão judicial da ONU, com sede
em Haia, na Holanda. O Secretariado é o órgão administrativo das Nações Unidas, com sede em
Nova York, nos Estados Unidos.
O Conselho Econômico e Social tem a função de promover a cooperação em questões
econômicas, sociais e culturais, o que inclui os direitos humanos. O Conselho fará relatórios
e recomendações sobre temas de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e
conexos. Como dentre os objetivos da ONU está em promover qualidade de vida para as pessoas,
em todos os aspectos, bem como o respeito efetivo dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais, o Conselho foi criado justamente para atender a tais propósitos.
No âmbito do Conselho, foi criada a Comissão de Direitos Humanos, em 1946, que
redigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, alguns Pactos e Convenções acerca da
proteção dos direitos humanos. Em 2006, a Comissão foi substituída pelo Conselho de Direitos
Humanos, em razão de dar maior aplicabilidade aos princípios de direitos humanos e reafirmar a
capacidade de gestão das Nações Unidas, no que tange à paz e segurança internacionais.
A Carta da ONU abordava apenas “direitos humanos e liberdades fundamentais” sem
trazer qualquer definição acerca das expressões, o que demandou um esforço da comunidade
internacional em esclarecer tais significados. Com isso, a Comissão de Direitos Humanos redigiu
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, definindo, em diversas partes do texto, o que vem
a ser “direitos humanos e liberdades fundamentais”.
Acerca da Declaração, Norberto Bobbio afirma que:

Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica


de que a humanidade - toda a humanidade - partilha alguns valores comuns; e
podemos, finalmente, crer na universalidade de valores, no único sentido em
que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal
significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente escolhido pelo
universo dos homens (BOBBIO, 2004, p. 48).

Nesse mesmo sentido, Valério Mazzuoli (2015, p. 950) explica que

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ENSINO A DISTÂNCIA

[...] a Declaração Universal é pedra fundamental vez que foi o primeiro


instrumento internacional a estabelecer os direitos inerentes a todos os homens
e mulheres, independentemente de quaisquer condições suas, como raça, sexo,
língua, religião, etc.

A Declaração preocupou-se em positivar os direitos dos seres humanos, especialmente


por que o fez em um documento internacional, fundamentando expressamente na dignidade
da pessoa humana. É vista por alguns autores como um código de conduta mundial acerca da
proteção dos direitos humanos, levando-se em consideração a característica do universalismo,
bastando a qualidade de pessoa para se exigir a proteção desses direitos.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Figura 8 - Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Fonte: CNN (2017).

Acerca da estrutura da Declaração, ela agrega tanto direitos civis e políticos, o que
tradicionalmente são chamados de direitos e garantias individuais (arts. 3 ao 21) quanto direitos
sociais, econômicos e culturais (arts. 22 ao 28). O art. 29 estabelece deveres da pessoa para com
a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível, e o art.
30 consagra o princípio da interpretação da Declaração sempre a favor dos direitos e liberdades
nela proclamados:

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como


o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer
qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer
dos direitos e liberdades aqui estabelecidos (ONU, 1948)

Observa-se, com isso, que a Declaração combinou o discurso liberal com o discurso
social da cidadania, ou seja, o valor da liberdade com o valor da igualdade.

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ENSINO A DISTÂNCIA

O discurso liberal, proveniente da emergência dos ideais liberais do século


XVIII conota a preocupação com os direitos de liberdade lato sensu, os quais
representam, stricto sensu, os direitos civis e políticos, nascidos das ideias do
movimento constitucionalista francês, influenciado pelas ideias de Locke,
Montesquieu, e Rousseau. O discurso da igualdade, por sua vez, representa
as preocupações nascidas já nos primeiros anos do século XIX relativamente
à igualdade lato sensu. Essa igualdade em sentido amplo é composta, stricto
sensu, pelos diretos econômicos, sociais e culturais (MAZZUOLI, 2015, p. 952).

Com isso, vale destacar os direitos trazidos pela Declaração.


Na vertente do discurso liberal, o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal estão
descritos no art. 3. O art. 4. proíbe as formas de escravidão e o tráfico de escravos. O art. 5. proíbe
a tortura, o tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. O art. 6. consagra que o ser
humano será reconhecido como pessoa perante a lei em todos os lugares. O art. 7 determina que
todos são iguais perante a lei, sem distinção e que têm direito a igual proteção contra qualquer
discriminação. O art. 8 estabelece que todos têm direito a receber o remédio judicial efetivo contra
ato que viole os direitos fundamentais. O art. 9 proíbe a prisão, detenção ou exílio arbitrários. O
art. 10 determina a igualdade perante os tribunais, que deverão ser independentes e imparciais. O
art. 11 consagra a presunção de inocência até que se prove o contrário, bem como, que ninguém
será considerado culpado por ato que não era considerado crime no momento da ocorrência. O

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


art. 12 garante o direito à vida privada, inviolabilidade da família do lar, das correspondências
e à honra. O art. 13 garante a liberdade de locomoção e a de ingressar e retornar a qualquer
país. O art. 14 prevê o asilo para as vítimas de perseguição. O art. 15 dispõe sobre o direito à
nacionalidade e à sua mudança. O art. 16 trata do direito de contrair matrimônio e fundar família,
que deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado. O art. 17 garante o direito à propriedade.
O art. 18 dispõe sobre o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. O art. 19, por
conseguinte, trata do direito à liberdade de opinião e expressão. O art. 20 estabelece a liberdade
de reunião e associação pacífica. O art. 21 trata do serviço público, de acesso e da relação com o
governo (ONU, 1948).
Esses foram os direitos elencados sob a perspectiva liberal, enquanto os próximos, art. 22
a 28 fazem parte dos direitos sociais, econômicos e culturais.
O art. 22 garante o direito à segurança social e aos direitos econômicos, sociais e culturais,
“indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade”. O art. 23 trata
do direito ao trabalho, da livre escolha de emprego, da remuneração igual por igual trabalho,
da remuneração justa e satisfatória a garantir o sustento e de sua família, e o de se organizar em
sindicatos. O art. 24 estabelece o direito de repouso e lazer, inclusive o remunerado. O art. 25
garante o direito a “um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais”, inclusive à
segurança em caso de desemprego, invalidez, viuvez, velhice, e a cuidados e assistência especiais
em caso de maternidade e infância. O art. 26 garante o direito à educação gratuita e obrigatória.
O art. 27 trata do direito de participação na vida cultural da comunidade e os direitos autorais. O
art. 28 determina que “todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que
os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados
(ONU, 1948).

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ENSINO A DISTÂNCIA

Valério Mazzuoli destaca a importância da Declaração, argumentando que “é a partir de


1948 que se fomenta, portanto, a criação de tratados referentes aos direitos humanos, a começar
(no sistema regional europeu) pela Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950. Essas
normas foram seguidas de série de tratados a ela referentes (MAZZUOLI, 2015, p. 959).
Como se observa, a própria Constituição Federal do Brasil copiou diversos dispositivos
da Declaração, o que demonstra que está em consonância com a proteção internacional dos
direitos humanos.

O SISTEMA REGIONAL INTERAMERICANO


Além do sistema global de proteção dos direitos humanos representado pela ONU,
existem também os sistemas regionais. O sistema regional interamericano é limitado aos países
das Américas. É composto por, principalmente, quatro instrumentos: a Carta da Organização
dos Estados Americanos (OEA), de 1948; a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, também de 1948; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José
da Costa Rica), de 1969; e o Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), de 1988.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


No art. 3, da Carta da OEA, estão dispostos os princípios da Organização, sendo que vale
a ressalva dos incisos “l” e “m”,

l) Os Estados americanos proclamam os direitos fundamentais da pessoa


humana, sem fazer distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo;
m) A unidade espiritual do Continente baseia-se no respeito à personalidade
cultural dos países americanos e exige a sua estreita colaboração para as altas
finalidades da cultura humana (OEA, 1948).

O que se observa, diante disso, é que os direitos fundamentais são importantes e devem
ser preservados pela Organização, a qual também reconhece a diversidade cultural existente no
continente americano e preza pelo respeito à personalidade cultural de cada país.
Desde a criação da OEA, em 1948, já existia a preocupação do sistema interamericano em
proteger os direitos humanos, tanto que aprovou a Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem na mesma data. O que se seguiu foi um processo de criação de um mecanismo capaz
de promover e proteger os direitos humanos no âmbito da Organização. Surge, com isso, um
órgão especializado que é a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 1959.
Inicialmente, a Comissão deveria funcionar de forma provisória, como órgão da OEA,
até a instituição de uma Convenção Americana de Direitos Humanos, que ocorreu em 1969, mas
que só obteve a quantidade mínima de ratificações em 1978, quando então entrou em vigor.
Com a entrada em vigor da Convenção, “estabeleceu-se nas Américas um padrão de
“ordem pública” relativa a direitos humanos até então inexistente”, ainda que Estados Unidos e
Canadá não tenham ratificado a Convenção e não parecem querer fazê-lo (MAZZUOLI, 2015, p.
975). O próprio Brasil apenas ratificou a Convenção em 1992.
Observa-se que a ratificação da Convenção torna a sua aplicação complementar à oferecida
pela legislação interna dos países, sobretudo no que tange à proteção dos direitos das pessoas.
Isso significa que os países precisam atuar para proteger os direitos humanos internamente, ou
seja, não se desincumbiram desse papel. Nesse sentido a Convenção atua para proteger o que o
Estado não garantiu, ou se preservou menos do que deveria. Nesse caso, o Estado é responsável
pela violação dos direitos humanos que se comprometeu assegurar e não o fez satisfatoriamente.

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ENSINO A DISTÂNCIA

É importante ressaltar que a Convenção apresenta um rol de direitos civis e políticos, de


forma muito parecida ao que consta no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU,
de 1966). A Convenção elenca o direito à vida, o direito à integridade pessoal, a proibição da
escravidão ou servidão, o direito à liberdade pessoal, o direito de recorrer de sentença criminal a
juiz ou tribunal superior, o direito de liberdade de crença e de consciência, o direito de liberdade
de pensamento e de expressão, o direito de resposta, o direito de reunião, o direito ao nome e à
nacionalidade, o direito à propriedade privada, à livre circulação e à residência, direitos políticos,
à igualdade perante a lei, e à proteção judicial.
No entanto, a Convenção não estabelece um rol específico de direitos sociais, econômicos
e culturais, prevendo, de forma genérica, que:

Art. 26. Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto


no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente
econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade
dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação,
ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos,
reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis,
por via legislativa ou por outros meios apropriados (CONVENÇÃO, 1969).

Vale mencionar que algumas críticas surgem a partir da redação do artigo, tendo em vista

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


que os Estados se comprometem “na medida dos recursos disponíveis”, o que pode significar
muito pouco na responsabilização estatal.

Figura 9 - Justiça Militar e Corte Interamericana discutem direitos humanos na ditadura. Fonte: EBC
(2017).

Além da Convenção, há outros documentos internacionais que estão inseridos no sistema


regional interamericano de proteção, mencionando-se: o Protocolo à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos Referentes à Abolição da Pena de Morte, de 1990, a Convenção Interamericana
para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994, a Convenção Interamericana sobre o Tráfico
Internacional de Menores, de 1994, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, de 1999. No entanto,
diversos desses documentos foram pouco ratificados pelos Estados, o que lhes retira a eficácia.

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ENSINO A DISTÂNCIA

Por certo que a ratificação da Convenção, pelo Brasil, aproxima os direitos humanos
dos direitos fundamentais e sua concretização. Isso porque há dois outros órgãos integrados
na Convenção, quais sejam, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Com o reconhecimento da jurisdição da Corte, pelo
Brasil, observa-se que este órgão:

[...] deve agir na falha do Estado brasileiro em proteger os direitos previstos na


Convenção Americana de Direitos Humanos. Logo, a efetividade dos direitos
humanos é assegurada graças a uma sentença internacional irrecorrível, que deve
ser implementada pelo Estado brasileiro (artigo 68.1 da Convenção Americana de
Direitos Humanos) (RAMOS, 2014, p. 48).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é órgão tanto da Convenção quanto da


OEA, ao passo que a Corte é órgão apenas da Convenção.
A Comissão é formada por sete membros, eleitos pela Assembleia Geral da OEA para
mandato de quatro anos e podem ser reeleitos uma vez. Também devem ser pessoas de alta
autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos. A principal função
da Comissão é promover a observância e a defesa dos direitos humanos, sendo que as demais
funções e atribuições estão estabelecidas no art. 41:

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Artigo 41
A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos
direitos humanos e, no exercício do seu mandato, tem as seguintes funções e
atribuições:
a. estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América;
b. formular recomendações aos governos dos Estados membros, quando o
considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em
prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos
constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido
respeito a esses direitos;
c. preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o
desempenho de suas funções;
d. solicitar aos governos dos Estados membros que lhe proporcionem
informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos;
e. atender às consultas que, por meio da Secretaria Geral da Organização dos
Estados Americanos, lhe formularem os Estados membros sobre questões
relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-
lhes o assessoramento que eles lhe solicitarem;
f. atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de
sua autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta
Convenção; e
g. apresentar um relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados
Americanos (CONVENÇÃO, 1969).

Por certo que a função de averiguar as comunicações dos indivíduos acerca da violação dos
direitos humanos é bastante relevante, pois essas petições podem dar início a um procedimento
de processo internacional contra o Estado.
Essa garantia se encontra no artigo 44, que determina que:

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental


legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização,
pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de
violação desta Convenção por um Estado Parte (CONVENÇÃO, 1969).

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ENSINO A DISTÂNCIA

Ressalte-se que qualquer pessoa ou grupo de pessoas pode apresentar petições à Comissão
para denunciar a violação de direitos humanos pelo Estado, ou seja, é um mecanismo bastante
interessante. No entanto, para que a denúncia seja processada e julgada, é necessário que se
tenham esgotados os recursos da jurisdição interna, que tenha sido apresentada no prazo de
seis meses, que a matéria não esteja pendente de outro processo de solução internacional e que
contenha a qualificação pessoal do peticionante (pessoa ou entidade que o represente).

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Figura 10 - Mafalda. Fonte: Quintal do estudante (2017).

Assim, ao receber uma petição, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos deve


avaliar a admissibilidade (dos requisitos) e, se admitir, deve solicitar informações ao governo do
Estado responsável pela violação. Caso entenda que não houve violação ou que já cessou, poderá
arquivar o expediente. Se não arquivar, com o fim de comprovar os fatos, a Comissão examinará
o assunto noticiado, podendo proceder a uma investigação e os Estados se comprometem a
proporcionar as facilidades necessárias. A Comissão também poderá requisitar informações
pertinentes do Estado interessado ou proceder a uma investigação no território do Estado,
mediante prévio consentimento. A Comissão deve sempre prezar pela solução amistosa do conflito,
fundada no respeito aos direitos humanos, encaminhando relatório ao peticionário e aos Estados
interessados com o teor da solução, que deve ser publicada. Caso não haja acordo, a Comissão
redigirá um relatório com os fatos e as conclusões, podendo fixar um prazo para que o Estado
cumpra as recomendações que entender adequadas. Se o assunto não tiver sido solucionado em
três meses após o envio do relatório às partes, a Comissão procederá à segunda fase do informe,
emitindo voto com sua opinião e conclusões e também poderá publicar o relatório e enviá-lo à
Corte. Este procedimento está descrito nos artigos 48 a 50, da Convenção (1969).

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ENSINO A DISTÂNCIA

Figura 11 - Charge. Fonte: Malvados (2017).

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão jurisdicional do sistema


interamericano de direitos humanos. “Trata-se de um tribunal internacional supranacional, capaz
de condenar os Estados-partes na Convenção Americana por violação de direitos humanos”
(MAZZUOLI, 2015, p. 984). Sua primeira opinião consultiva foi emitida em 1980. Também é
composta por sete juízes de diferentes nacionalidades, provenientes dos Estados-membros,
eleitos dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


direitos humanos e que reúnam condições para o exercício das funções judiciais.
A Corte possui competência consultiva e contenciosa. Exerce competência consultiva no
que se refere à interpretação das regras da Convenção e dos tratados de direitos humanos nos
Estados Americanos, e contenciosa, de caráter jurisdicional, ao julgar casos concretos de alegações
de violação de direitos humanos pelos Estados membros. Essa competência, contenciosa, é
limitada aos Estados que reconhecem expressamente a jurisdição da Corte, como é o caso do
Brasil.
O acesso à Corte é feito por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que
submete os casos ao conhecimento daquela, ou seja, os indivíduos e as instituições privadas não
podem demandar diretamente à Corte. A função da Corte, nestes casos, é de proferir a sentença,
que é definitiva e inapelável, ou seja, são obrigatórias para os Estados que reconheceram a
sua jurisdição. Quando a sentença evidenciar a violação de direitos humanos, determinará a
reparação do dano e, conforme o caso, o pagamento de justa indenização. Além disso, os Estados
se comprometem a cumprir a decisão, adotando as medidas necessárias para o cumprimento da
sentença.
Por certo que tanto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos quanto a Corte
Interamericana de Direitos Humanos têm a função de estancar a violação dos direitos humanos
nos Estados-membros, ao passo que estes, ao ratificar os tratados, assumiram os deveres,
primeiro, de não violar os direitos humanos e, segundo, caso seja constatadas as violações, tomar
as medidas cabíveis para cessar e reparar os danos causados.

O Brasil já foi demandado por diversas vezes, por exemplo, o caso


Damião Ximenes Lopes, um deficiente mental que morreu em um
centro de saúde que funcionava à base do SUS, que foi vítima de
torturas e maus-tratos pelos funcionários da instituição.
REFLITA

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BORGES, Nadine. Damião Ximenes: Primeira condenação do Brasil


na Corte Interamericana de Direitos Humanos. São Paulo: Revan,
2010.

OS SISTEMAS REGIONAIS: EUROPEU, AFRICANO,


NO MUNDO ÁRABE
Além do sistema regional interamericano, do qual o Brasil é membro, também vislumbra-
se o sistema regional europeu, africano e no mundo árabe, que serão brevemente analisados nesta
fase da pesquisa.
Depreende-se que o sistema regional europeu é o que alcançou maior evolução até o

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


momento, e exerce influência direta nos demais. Isso se deve ao fato de que esse sistema é uma
resposta às atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial, e da monstruosa violação de
direitos humanos sob o comando do próprio Estado. Com isso, o sistema europeu aparece como
mecanismo para se garantir um mínimo de proteção às pessoas em todos os países do Continente.
Em 1949, Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega,
Reino Unido e Suécia se reuniram para fundar o Conselho da Europa. A ausência de uma efetiva
proteção no Estatuto do Conselho teve como efeito a necessidade de se adotar a Convenção
Europeia de Direitos Humanos, em 1950.
Essa Convenção objetivou, como já mencionado, estabelecer padrões mínimos de proteção
na Europa, sobretudo pelo já mencionado desastre da Segunda Guerra Mundial. Os Estados-
membros se comprometeram com isso a não adotar disposições contrárias à Convenção nas suas
legislações internas. Nesta categoria de proteção, estão incluídos os europeus, os estrangeiros, os
apátridas, residentes ou não em qualquer dos Estados-membros, bastando estar no território no
momento da violação para que se possa demandar o cumprimento da Convenção.
A Convenção Europeia de Direitos Humanos está dividida em três partes: a primeira,
que elenca os direitos e liberdades fundamentais (arts. 2 a 18), a segunda que regulamenta e
estrutura o funcionamento da Corte Europeia de Direitos Humanos (arts. 19 a 51) e a terceira
que estabelece disposições diversas (arts. 52 a 59).
O rol de direitos disposto na primeira parte é o mais amplo catálogo europeu de direitos,
sobretudo pelos vários protocolos à Convenção que preveem diversos outros direitos, com o
objetivo de ampliar o campo e proteção dos direitos humano, por exemplo, direito de propriedade,
proibição de prisão por dívidas, proibição de expulsão coletiva de estrangeiros, abolição da pena
de morte em tempo de paz, adoção de garantias processuais na expulsão de estrangeiro, princípio
da igualdade conjugal, direito à não discriminação.

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ENSINO A DISTÂNCIA

Em alguns países, como o Reino Unido, a Convenção funciona


como uma espécie de constituição de direitos humanos.

Para monitorar o cumprimento do disposto na Convenção e nos Protocolos, foram


instituídos, inicialmente, três órgãos: a Comissão Europeia de Direitos Humanos, a Corte
Europeia de Direitos Humanos e o Comitê de Ministros.
O Comitê de Ministros do Conselho da Europa tem a função de supervisão das decisões
da Corte com o objetivo de dar suporte aos Estados para que deem o melhor cumprimento das
sentenças.
Em 1998, pelo Protocolo n. 11, o sistema europeu foi reformado e a Comissão e a Corte se
transformaram na nova Corte Europeia de Direitos Humanos. Sua função é proteger a Convenção
Europeia de Direitos Humanos. Desde a primeira decisão da antiga Corte, em 1960, até os dias
atuais, a Corte Europeia tem influenciado a vida de muitos europeus e de pessoas do restante do

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


mundo.
Essa nova Corte atua de forma a receber as denúncias, proceder ao exame de
admissibilidade, averiguar a ocorrência de violação de direitos humanos inseridos na Convenção,
análise de mérito, e julgar os casos apresentados, sentenciando aos membros para que cumpram
suas determinações.
Indivíduos, grupos de indivíduos, organizações não governamentais podem peticionar
diretamente à Corte Europeia (o que não ocorre com a Corte Interamericana, como anteriormente
abordado). Eles devem demonstrar a violação, por qualquer Estado-membro, dos direitos
reconhecidos na Convenção ou nos Protocolos.
O acesso à Corte pelos próprios indivíduos é um grande avanço à proteção dos direitos
humanos, pois permite que a própria vítima ou seus familiares tenham acesso direto e a sua
ampla participação no processo que vai avaliar a ocorrência de violação dos direitos humanos e
a responsabilização do Estado. Por certo que esta facilidade ocasionou um aumento exponencial
no número de demandas apresentadas à Corte.
Além disso, os Estados também podem demandar contra outros Estados (todos membros)
demonstrando por meio das provas a violação da Convenção, seja por meio da edição de uma lei,
ato administrativo, ou outro contrário à Convenção. Em ambos os casos a Corte fará a análise do
caso para verificar a concreta violação dos direitos humanos ou da Convenção.
A Corte Europeia também possui duas competências, a consultiva e a contenciosa,
sendo que a primeira só pode ser solicitada pelo Comitê de Ministros sobre questões relativas à
interpretação da Convenção e dos Protocolos, mas não podem se referir sobre o conteúdo ou a
extensão dos direitos da Convenção e dos Protocolos. No sistema Europeu, o Tribunal Pleno da
Corte Europeia é que possui a competência para emitir opiniões consultivas.
A competência contenciosa determina que as decisões da Corte são vinculantes e têm
natureza declaratórias, ou seja, apenas declaram se o ato noticiado violou ou não a Convenção e
os Protocolos, definindo as consequências ao Estado responsável pela violação. Caso não puder
ser remediada a violação, a Corte pode atribuir uma reparação, pelo Estado, à parte lesada.

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ENSINO A DISTÂNCIA

Toda essa efetividade do sistema europeu, contudo, não é constatada no sistema africano,
que é considerado o menos efetivo de todos. Isso se deve ao fato de ser o mais novo, tendo em
vista que a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos foi assinada em 1981 e só entrou
em vigor em 1986. Na Carta ficou estabelecida somente a criação da Comissão Africana, sendo
que a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos só foi efetivamente criada em 2004.
Além disso, o continente africano, ao longo da história da humanidade, tem sido palco
de inúmeras violações de direitos humanos, talvez mais gravosas às que ocorreram na Europa e
nas Américas, sobretudo a chamada África Negra. Tanto é que a autodeterminação dos povos foi
inserida na Carta como evidente necessidade de ser afirmada num tratado internacional para o
amplo reconhecimento pela população local e pelos demais povos.
Em especial, as atrocidades cometidas (e amplamente divulgadas) a partir da década
de 70 em Uganda, Etiópia, República Centro-Africana, Guiné Equatorial e Malawi tiveram
importância fundamental no processo de construção de um sistema regional africano de direitos
humanos (MAZZUOLI, 2015, p. 1024).
A Carta Africana é estruturada em três partes, sendo que a primeira elenca os direitos e
deveres dos cidadãos, na segunda são estabelecidas as medidas de salvaguarda, como a composição
e organização da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, competências, processos
e princípios aplicáveis, e na terceira parte são tratadas disposições diversas.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Figura 12 - Ebola. Fonte: Latuff (2014).

É importante mencionar que, no que tange aos direitos conferidos pela Carta, estão
contemplados, inclusive, os de terceira geração, como o direito ao desenvolvimento, à paz e ao
meio ambiente sadio. Além disso, no mesmo texto constam direitos civis e políticos e direitos
econômicos, sociais e culturais, além do direito à autodeterminação dos povos. Como a Carta
atribuiu-lhes igual força jurídica, a Comissão pode ser provocada a tratar da violação de um
direito político ou de um direito econômico, por exemplo.

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ENSINO A DISTÂNCIA

A única distinção trazida pela Carta Africana é a entre “direitos humanos” e “direitos dos
povos”. Segundo o preâmbulo da Carta, os direitos fundamentais do ser humano são os baseados
em atributos da pessoa humana, o que justifica a sua proteção internacional, bem como o respeito
dos direitos dos povos deem necessariamente garantir os direitos humanos. Decorrente disso, a
concretização dos direitos dos povos é condição para a realização dos direitos individuais.
Além do mais, é importante mencionar o rol de deveres dos indivíduos previsto pela Carta,
diferentemente do sistema interamericano e europeu, que pouco tratam dos deveres. Dentre eles,
a Carta determina: deveres do indivíduo para com a família e a sociedade, o Estado e outras
coletividades, de respeito e consideração a seus semelhantes sem discriminação, de preservação
do desenvolvimento harmonioso da família e respeito aos pais, de servir à comunidade nacional,
de não comprometer a segurança do Estado, de preservar a solidariedade social e nacional, de
preservar a independência nacional e a integridade territorial da pátria, de zelar pela preservação
dos valores culturais africanos, de contribuir para a realização da Unidade Africana (CARTA
AFRICANA, 1981).
Observa-se que os deveres dos indivíduos são, na maioria das vezes, em prol do benefício
da coletividade, o que harmoniza com o “direito dos povos” anteriormente mencionado.

Assista ao Documentário sobre o Tribunal Africano dos Direitos

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Humanos e dos Povos.
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=x0F4N7DUxIk
Acesso em: 14 nov. 2017.

A Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos tem o objetivo de promover os


direitos humanos e dos povos e assegurar a proteção dos mesmos. Ressalta-se que, inicialmente,
só foi criada a Comissão para, posteriormente ser instituída a Corte, em 1998. Os membros são
em onze, eleitos entre personalidades africanas que gozem da mais alta consideração, conhecidas
pela sua alta moralidade, integridade e imparcialidade e que possuam competência em matéria de
direitos humanos e dos povos. É o órgão responsável por reunir documentação, elaborar estudos
e pesquisas sobre os problemas africanos, elaborar textos legislativos a serem adotados para
promover o gozo dos direitos humanos e dos povos, cooperar com outras instituições africanas e
internacionais, interpretar as disposições da Carta (CARTA AFRICANA, 1981).
O texto da Carta não menciona expressamente se os indivíduos podem ou não peticionar
diretamente à Comissão, o que tem causado conflitos. Na prática, a Comissão tem aceitado as
petições individuais, como mecanismo de assegurar a proteção dos direitos humanos e dos povos.
A Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos só foi instalada em 2004, como
anteriormente mencionado, o que contribui para que o sistema seja o mais novo e, ao que parece,
menos efetivo dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. A Comissão Africana, o
Estado que submeteu o caso à Comissão, o Estado contra o qual o caso foi submetido na Comissão,
o Estado cujo cidadão é vítima e as organizações africanas intergovernamentais podem submeter
casos à Corte Africana. Nos casos em que o Estado aceite, o indivíduo também pode peticionar
diretamente à Corte Africana.

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ENSINO A DISTÂNCIA

A competência da Corte é consultiva e contenciosa. A primeira diz respeito a qualquer


questão jurídica relacionada à Carta Africana ou outro instrumento relevante de direitos
humanos. Organizações não governamentais também podem solicitar pareceres consultivos. A
competência contenciosa determina que a Corte pode adotar medidas provisórias para proteger
um indivíduo em vias de sofrer uma violação (CARTA AFRICANA, 1981).
Como visto, o sistema interamericano, o sistema europeu e o sistema africano são dotados
de mecanismos de proteção dos direitos humanos, já que as Cortes de Direitos Humanos têm a
competência para julgar os casos de violação e determinar que os Estados-membros cumpram
medidas para cessar a violação ou promover a reparação do dano causado.
No que tange ao mundo árabe, observa-se que não existe ainda órgão internacional de
proteção dos direitos humanos, o que também não se verifica no mundo asiático. Contudo, em
1994, foi proposta a Carta Árabe de Direitos Humanos, que não entrou em vigor, tendo recebido
diversas críticas. Uma revisão em 2004 apresentou modernizações ao texto, que obteve o mínimo
de ratificações em 2008. Por certo que somente a Carta não equivale a um sistema, mas dá indícios
de que os países já entendem a necessidade de proteção desses direitos.
As disposições da Carta são fundadas na religião islâmica e se submetem à interpretação
Shariah, a lei que rege a vida dos muçulmanos. Nenhum órgão de proteção dos direitos humanos
foi criado até o momento. A Carta prevê a possibilidade de estabelecimento de um Comitê sobre
o tema, mas nenhuma intenção de criar uma Corte, por exemplo. Por esses e outros motivos, a

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Carta tem sido severamente criticada e não se pode afirmar, com isso, que exista um sistema de
proteção de direitos humanos.

A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS


Como já estudado, a Segunda Guerra Mundial foi um evento marcante na vida da
população mundial. Ficou evidente que era necessário engendrar esforços para se proteger o ser
humano e buscar a paz, a segurança, a harmonia e a efetiva proteção dos direitos das pessoas.
Após a assinatura das Declarações de Direitos Humanos, das Convenções Interamericana
e Europeia de Direitos Humanos por diversos Estados, ficou evidente que estes mesmos Estados
comungavam de valores comuns de proteção dos seres humanos. Essa internacionalização dos
direitos humanos foi seguida pela internacionalização da economia também, como se observa
pela criação de Organizações Internacionais, como a Organização Mundial do Comércio e a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Luigi Ferrajoli explica que:

A crise do Estado nacional e o déficit de democracia e do Estado de direito que


caracterizam os novos poderes extra e supra estatais não exigem repensar apenas
o Estado, mas também, e diria que inclusive mais, a ordem (ou desordem)
internacional; ou melhor, repensar o Estado dentro da nova ordem internacional
e repensar a ordem internacional sobre a base da crise do Estado. Repensar a
ordem internacional quer dizer dar-se conta da ausência de uma esfera pública
internacional à altura dos novos poderes extra e supra estatais, entendendo como
“esfera pública” o conjunto das instituições e das funções que estão destinadas
à tutela de interesses gerais, como a paz, a segurança e os direitos fundamentais
e que formam, portanto, o espaço e o pressuposto tanto da política como da
democracia (FERRAJOLI, 2017, p. 06).

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ENSINO A DISTÂNCIA

O autor alerta para a falta de regras, limites e vínculos que visam garantir a paz e os
direitos humanos diante dos novos agentes internacionais, que destronaram os tradicionais
poderes estatais (FERRAJOLI, 2017, p. 06).
Nesse contexto, Delmas-Marty acredita que pode ser possível a criação de um “Direito
Mundial”, que não imponha a hegemonia de uma cultura ou nação, mas que seja um direito
pluralista que se fundamente na razão como instrumento de justificação e diálogo (DELMAS-
MARTY, 2003, p. 09).
A proposta de Marty sugere ser importante priorizar as raízes histórico-jurídicas da
cultura local, mas também interligar com os demais centros, como nuvens que se entrelaçam,
em um nível global. Isso porque, a autora defende a criação de um direito mundial para todos os
povos, entretanto, que não seja imposta uma determinada cultura ou conjunto de normas, mas
sejam respeitadas a miríade de identidades culturais que permeiam o globo.

Para saber mais


Disponível em:
https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/direito/in-
ternacionalizacao-dos-direitos-humanos/61441
Acesso em: 14 nov. 2017.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Dessa forma, o direito mundial tende a seguir tais delineações, rumo a um direito comum
a todos os povos, entretanto, que mantenha as raízes culturais, econômicas, e de religião de cada
povo.
Marcelo D. Varella também se preocupa com estes questionamentos ao afirmar que [...]
não há nenhum órgão com competência de dizer o direito da humanidade. Se houvesse, haveria
problemas de legitimidade e participação no processo de escolha dos seus membros, com forte
influência de alguns Estados sobre os demais” (VARELLA, 2012, p. 513).
Ferrajoli demonstra sua preocupação com a questão e acredita que há um déficit na
proteção dos direitos dos cidadãos neste mundo globalizado:

Faltam, ou são de todo débeis, não somente as garantias dos direitos


solenemente proclamados, ou seja, a previsão de proibições e obrigações a
eles correspondentes, mas também as instituições internacionais dedicadas às
funções de garantia, quer dizer, à salvaguarda da paz, à mediação dos conflitos,
à regulação do mercado e à tutela dos direitos e dos bens fundamentais de todos
(FERRAJOLI, 2017, p. 07).

Com o fortalecimento do direito internacional, e consequentemente, o enfraquecimento


do direito interno dos Estados, Ferrajoli sustenta que “foi rompido o nexo democracia/povo e
poder decisional/Estado de direito, tradicionalmente mediado pela representação e pelo primado
da lei e da política através da qual a lei se produzia” (FERRAJOLI, 2017, p. 02). Com esta assertiva,
o autor refere-se à crise inegável dos Estados nacionais e da modificação de sua soberania, com o
fim do monopólio estatal da produção jurídica, situação que se nota pela grande quantidade de
normas internacionais permeando os diversos ordenamentos jurídicos.
O que se percebe é que o Estado tem sua ação prejudicada no âmbito internacional, em
detrimento de um contexto globalmente interligado. Ferrajoli sustenta que, assim, diminuem as
possibilidades de controle dos Estados sobre a economia, sempre mais autônoma no mercado
global (FERRAJOLI, 2017, p. 05).

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ENSINO A DISTÂNCIA

Em meio a esta problemática, indaga-se sobre a possibilidade de elaboração de um direito


regional ou global. No entanto, a dificuldade ao se criar um direito global, é que não haveria um
Estado correspondente, mas sim, vários Estados envolvidos.
Nesse sentido, importante citar a Carta da ONU, que começou a evidenciar estes
fenômenos de internacionalização do direito e governança global, uma vez que instituía norma
internacional elaborada pelos Estados que faziam parte da organização, e impunha à totalidade
dos Estados. Neste contexto, Delmas-Marty critica a Carta da ONU ao afirmar que há problemas
de legitimidade e democracia, uma vez que, os Estados não estão necessariamente representando
seus povos dentro da organização e, ainda, existem países não democráticos que pertencem à
ONU.
Nesse cenário que se justifica o surgimento da internacionalização do direito, que é
explicada resumidamente por Siddharta Legale Ferreira:

Em linhas gerais, a “internacionalização do direito” representa um processo em


curso de extensão da normatividade para além das fronteiras nacionais, e que se
desenvolve de forma diversa de um mero jus comune, de uma verdadeira ordem
mundial, especialmente diante da fragilidade do sistema de segurança coletiva
instituída pela Carta das Nações Unidas para desarmar a força (FERREIRA,
2013, p. 124).

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3


Ainda sobre a ideia de internacionalização do direito defendida por Delmas-Marty:

A internacionalização do Direito consiste na tentativa de descrever a realidade


dessa ordem jurídica mundial, anteriormente abordada, enfatizando a
impossibilidade de ignorar, em diversos contextos, a superposição de normas
nacionais, regionais e mundiais, bem como a abundância de instituições e juízes,
nacionais e internacionais, com uma competência cada vez mais alargada. Essa
nova realidade reflete-se num Direito de sistemas interativos, complexos e
fortemente instáveis, que, em última instância, desemboca em uma mutação da
própria concepção tradicional de ordem jurídica (DELMAS-MARTY, 2003, p.
13-14).

Assim, o que Delmas-Marty defende é que a internacionalização do direito faz com que
não haja um sistema fechado de ordens jurídicas, mas uma interligação entre ordens jurídicas
abertas, misturando jurisprudências, juízes e normas nacionais e internacionais, sobretudo as
normas de proteção dos direitos humanos, por entender que o homem é homem onde quer que
se encontre.
Como consequência disso, nasce um direito voltado para as pessoas e não mais para os
Estados, como explica Varella:

Nesse ponto, surge uma noção de comunidade humana que se sobreporia à


ideia de comunidade de Estados. A noção é sedutora, mas tem seus problemas.
Pressupõe uma ordem jurídica que seja destinada aos homens diretamente e não
aos Estados, como normalmente se constrói o direito internacional (VARELLA,
2012, p. 515).

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ENSINO A DISTÂNCIA

O problema ao qual Varella se refere é a falta de coercibilidade, característica inerente


ao direito internacional. O pesquisador teme que, um direito para as pessoas tenha problemas
como este, por não fazer parte de um ordenamento jurídico interno do Estado, que possuem
mecanismos de coerção e controle.
Como anteriormente estudado, os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos,
interamericano, europeu e africano, embora sejam convergentes em muitas questões e,
eventualmente, consigam implementar suas sentenças aos Estados, não fazem parte do mesmo
sistema.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 3

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ENSINO A DISTÂNCIA

04
UNIDADE

DIREITOS HUMANOS E
DIVERSIDADE
PROF.A MA. MALU ROMANCINI

SUMÁRIO DA UNIDADE

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 55
O MULTICULTURALISMO E PLURALISMO ............................................................................................................ 56
DIVERSIDADE E TOLERÂNCIA .............................................................................................................................. 58
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS ....................................................................................................................... 61
QUESTÕES DE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL .............................................................................................. 65

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ENSINO A DISTÂNCIA

INTRODUÇÃO
Nesta unidade, serão tratados tópicos relativos aos direitos humanos e diversidade. O
primeiro item a ser estudado é o multiculturalismo ou pluralismo, que nada mais é do que a
convivência harmônica entre várias culturas diferentes no mesmo espaço organizado, que pode
ser uma cidade, um bairro, estado ou país.
Posteriormente, será analisada a diversidade e sua inter-relação com a tolerância, uma vez
que a diversidade nasce e as pessoas devem respeitar as diferenças, pois todos são seres humanos
e somente por isso, devem ser respeitados.
A terceira parte desta unidade tratará de direitos humanos e minorias. Muitas são as
minorias que ainda lutam para garantir seu espaço e seus direitos na sociedade, por isso faz-se
mister tratar do assunto neste estudo.
A última parte desta apostila abordará as questões de gênero e diversidade sexual e sua
relação com os direitos humanos. Isso é importante pois a sociedade evolui e pode-se afirmar
que, nos últimos anos, muitas foram as inovações no que tange o gênero das pessoas. Portanto,
deve-se estar atento à essas questões também.

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4

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O MULTICULTURALISMO E PLURALISMO
Antonio Carlos Wolkmer conceitua e explica que o pluralismo, significa “[...] a existência
de mais de uma realidade, de múltiplas formas de ação prática e da diversidade de campos sociais
ou culturais com particularidade própria, ou seja, envolve o conjunto de fenômenos autônomos
e elementos heterogêneos que não se reduzem entre si” (2001, p. 171-172).
Boaventura de Sousa Santos e Nunes (2003), referem-se ao multiculturalismo como
sendo as cidadanias plurais, o pluralismo e os direitos coletivos como algumas das expressões que
se colocam entre o reconhecimento da diferença e da realização da igualdade, que estão no centro
de lutas emancipatórias de movimentos e grupos minorias que pretendem ser vistas e tratadas da
mesma forma que os “principais”.
Na sua origem, a palavra multiculturalismo significa “a coexistência de formas culturais
ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de sociedades “modernas”” (SANTOS;
NUNES, 2003, p. 26). Dessa forma, pode-se dizer que multiculturalismo se tornou rapidamente
um modo de descrever as diferenças culturais que tomaram relevo em um contexto nacional e
global.
Touraine, por sua vez, acredita que o “[...] multiculturalismo não é nem uma fragmentação

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4


sem limites do espaço cultural, nem um melting pot cultural mundial: procura combinar a
diversidade das experiências culturais com a produção e a difusão de massa dos bens culturais”
(TOURAINE, 1997, p. 224-225).
Em outras palavras, é dizer que, o multiculturalismo não é mesclar culturas, mas perceber
diferentes culturas em um mesmo espaço, podendo ele ser um bairro, um município, um estado
ou um país, e permitir que as mesmas convivam em harmonia umas com as outras.
Nas palavras de Charles Taylor (1997, p. 83), “todas as sociedades estão a tornar-se cada
vez mais multiculturais e, ao mesmo tempo, mais permeáveis.” Tudo isso conduz à questão da
imposição de algumas culturas sobre outras. E, “considera-se que, neste aspecto, as sociedades
liberais do Ocidente são extremamente culpadas, em parte devido ao passado colonial, em parte
devido à marginalização de segmentos de sua população oriundos de outras culturas” (TAYLOR,
1997, p. 84).
A forma pela qual o Brasil e a América Latina foram colonizados e explorados reforça o
projeto uniformizador da modernidade, que tinha por objetivo a homogeneização econômica
e social da sociedade, o que, se, de um lado, possibilita melhores condições de vida àqueles que
nada ou pouco têm, de outro, dificulta a diversidade e o multiculturalismo. Nesse sentido, existe
uma problemática envolvida, vez que a sociedade não é homogênea, e por isso, não deve ser
tratada como se fosse.
Segundo Kretzmann, a luta multicultural encontra-se enraizada no processo histórico de
formação dos países americanos, que passaram por um processo de conquista e colonização. Após
isto, passaram por uma política de assimilação forçada e de eliminação da identidade dos povos
que habitavam as terras recém “descobertas”. Somente depois do desaparecimento de grande
parte da população indígena brasileira e da verdadeira segregação dos povos e culturas ditas
“diferentes”, criou-se a consciência de que deve haver não só o reconhecimento, mas também o
respeito a todos os povos e suas manifestações culturais (2007, p. 16).

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Essa consciência de respeito às diferentes culturas, bem como o fundamento inicial do


multiculturalismo está presente em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
assegurava a proteção aos direitos culturais das pessoas.
A referida declaração assevera, em seu artigo primeiro, que: “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir
uns para com os outros em espírito de fraternidade” (ONU, 1948).
O mesmo tratado internacional aduz: “Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem
direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos,
sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de
harmonia com a organização e os recursos de cada país” (ONU, 1948).
A Constituição Federal brasileira, seguindo no mesmo sentido, garante no artigo
5o, ou seja, no rol de direitos fundamentais, a proteção de todos os indivíduos, sem qualquer
discriminação de raça, sexo, crença ou cultura.
Ademais, dedica um capítulo próprio para a cultura, que está previsto nos artigos 215,
216 e 216-A. Dentre as disposições de maior relevo, pode-se citar o caput do artigo 215 que
determina: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes
da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”
(BRASIL, 1988).
O parágrafo único deste artigo aduz ainda que o “Estado protegerá as manifestações das

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4


culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional” (BRASIL, 1988).
O que se percebe é que o Brasil proclamou os direitos culturais em seu texto maior, que
é a Constituição Federal. Além disso, apregoou as diversas culturas existentes no nosso país,
citando algumas na letra da lei: culturas populares, afro-brasileiras e indígenas. Não podemos
deixar de citar também que cada região do Brasil possui sua cultura, seus costumes e isso tudo
que forma o multiculturalismo presente no Brasil.
No entanto, Bobbio traz uma preocupação. Segundo Bobbio, “a liberdade e a igualdade
dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas um
valor; não são um ser, mas um dever ser” (2004, p. 49).
No entanto, o problema dos direitos humanos, e dentre eles encontram-se os direitos
culturais, não está em proclamá-los, mas em efetivamente garanti-los, fazendo com que as pessoas
efetivamente os desfrutem (2004, p. 29).
No Brasil, pode-se afirmar que a valorização da cultura é feita por meio do Plano
Nacional de Cultura, que possui duração plurianual, e visa o desenvolvimento cultural do País
e à integração das ações do poder público que conduzem à defesa e valorização do patrimônio
cultural brasileiro; formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas
dimensões; democratização do acesso aos bens de cultura; valorização da diversidade étnica e
regional, dentre outros objetivos.
O Poder Público também promove o multiculturalismo através do Sistema Nacional de
Cultura, que é organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa.
Esse sistema constitui-se num processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de
cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo
por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos
direitos culturais.
Ele envolve a cooperação de todos os entes da federação, a atuação de agentes culturais, o
fomento à produção e divulgação de bens culturais, a criação de políticas culturais, dentre outras
ações.

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O direito à cultura e, consequentemente, o respeito ao multiculturalismo não somente no


Brasil é um direito humano. No Brasil, podemos citar os diversos grupos indígenas que preservam
suas culturas até hoje, inclusive há tribos que não possuem contato nenhum com a sociedade
até os tempos atuais. Pode-se citar também a grande cultura afro-brasileira, que possuem uma
religião correspondente – o candomblé, além de músicas e rituais próprios.
No entanto, não podemos ficar presos somente à uma comunidade, pois, se pensarmos
na comunidade europeia, por exemplo, temos outro exemplo de diversos povos e culturas
convivendo em um mesmo espaço político-econômico.
Importante salientar que a proteção da cultura está diretamente ligada ao respeito ao ser
humano, pois faz parte de um núcleo intocável que é a pessoa, suas características, convicções e
atribuições.
Portanto, a cultura, a igualdade, o respeito à pessoa, às distintas culturas e às diferenças
está no núcleo dos direitos humanos.

Cada sociedade local tem uma cultura própria. A convivência pa-


cífica entre grupos culturalmente distintos sempre ocorre segundo
as regras do jogo da cultura mais forte, e raramente é agradável
aos membros dos grupos mais fracos. Os exemplos de multicul-

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4


REFLITA turalismo que perduraram mais que algumas poucas décadas ao
longo da história são os sistemas de castas, os guetos e demais
formas de apartheid.
Uma sociedade “supercultural” é uma contradição em termos. So-
ciedades e culturas não podem existir uma sem a outra.

FONTE: Gazeta do povo

DIVERSIDADE E TOLERÂNCIA
A diversidade é um fenômeno comum e se manifesta em toda natureza. A humanidade
concretiza-se na diversidade, pois é extremamente distinta, tanto em aspectos físicos quanto
culturais. Reconhecer a diversidade é ponto crucial da experiência humana.
A diversidade surge quando nos deparamos com “o outro”, aquele que não é igual a nós,
o diferente, o novo, o desconhecido. O “outro” representa a diferença.
Na atualidade, conviver com a diversidade tem se mostrado um problema para as
pessoas. Geralmente, a diversidade é entendida como grave ameaça externa, fonte constante de
desconfiança, como um empecilho para a realização dos nossos objetivos.
Esse processo de desqualificar o “outro” chama-se etnocentrismo, ou seja, aquela visão
de mundo que nos autoriza a julgar o outro a partir dos nossos valores. Em outras palavras,
desqualificar o “outro” significa avaliar os seus modos de ser, fazer e sentir a partir dos nossos
modos de ser, fazer e sentir. Essas atitudes dão origem ao preconceito e à discriminação.

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ENSINO A DISTÂNCIA

O preconceito é a atitude que, originada do etnocentrismo, forma-se a partir das


representações que se constroem em relação aos outros, informadas pelas referências iniciais.
Já a discriminação, por sua vez, é o comportamento efetivo derivado do preconceito, que
levam as pessoas a negar ao outro aquilo que querem só para ela. Consequentemente, gera a
exclusão das oportunidades que estão inicialmente ao alcance de todos, mas que, em uma atitude
discriminatória, são negadas àqueles que são classificados como “diferentes”.
É nesse contexto que paira a proteção da diversidade, pois o pluralismo de pessoas,
de pensamento, de realidades é um dos principais valores da contemporaneidade. Portanto, a
diversidade deve ser tutelada pela lei, pelo Poder Público e pela sociedade.
Nesse sentido, Miragem acrescenta que: “O pluralismo que caracteriza os tempos
atuais, antes de qualquer outra definição, manifesta-se a partir da noção de tolerância, e no
reconhecimento moral e jurídico do direito à diferença” (GOMES, 2001, p. 62).
Assim, é imprescindível que se defenda a diferença para que a igualdade seja efetivada.
Nesse sentido, é a igualdade pregada em nossa constituição, de modo a tratar de forma igual os
iguais e de forma desigual os desiguais na medida de sua desigualdade. A charge ilustra muito
bem o conceito dessa igualdade material:

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4

Figura 13 – Igualdade. Fonte: Observação sociológica (2017).

Assim, reconhecer as diferenças, sejam elas culturais ou sociais, não sugere uma
igualitarização forçada ou assimilacionista, mas passa pelo respeito ao “diferente” como uma
espécie de “mínimo existencial” do princípio da igualdade no ambiente político e social.

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Afinal, a desigualdade é uma característica da natureza e dos seres humanos. Portanto,


o que se busca com a igualdade não é a “igualdade de fato”, ou, uma homogeneidade social e
cultural, mas diminuir as discriminações, que são pontos de vistas construídos unilateralmente,
partindo de critérios injustos e recheados de questões culturais e históricas. Nesse mesmo
contexto, Hannah Arendt afirma que:

A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos,


isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa
que tenha existido, exista ou venha existir. Portanto, a igualdade pressupõe a
pluralidade, sem a qual não faria qualquer sentido, não passando de postulado
inútil, inadmissível no plano dos direitos (ARENDT, 1981, p. 16).

No ordenamento jurídico brasileiro, a questão da diversidade está atrelada ao princípio


da igualdade, já que um Estado Democrático de Direito tem o dever de assegurar a todos a
participação na sociedade, afastando qualquer forma de discriminação. É o que se depreende
do artigo 3º, da Constituição Federal do Brasil que elenca os objetivos fundamentais do Estado.
O inciso I traz a finalidade de construir uma sociedade livre, justa e solidária e o inciso IV, a
promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação (BRASIL, 1988).

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4


Dessa forma, percebe-se que é nítido que o direito brasileiro defende e protege a
diversidade, uma vez que a regra constitucional determina que não haja marginalização ou
discriminação em qualquer aspecto.
Como já mencionado, é histórica e incessante a busca dos homens pela igualdade,
entretanto, contemporaneamente, diante do reconhecimento da diversidade, vislumbra-se que se
mostra imprescindível defender a diferença para que a igualdade se concretize.
O reconhecimento da diferença é, então, um pressuposto para a realização da igualdade
material, que se faz através de medidas constitucionais e jurídicas. Ademais, a promoção da
diferença é um fator essencial na tutela dos direitos dos grupos vulneráveis.
A existência do direito à diferença envolve a percepção de que nenhuma pessoa necessita
enquadrar-se em padrões de “normalidade” culturalmente estabelecidos, para exercer seus
privilégios de ser cidadão. Em outras palavras, as diferenças não podem ser obstáculos para o
acesso aos bens jurídicos essenciais à vida digna, conforme corrobora Galindo:

Igualdade de oportunidades (inclusive com a “discriminação positiva” corretiva


de desigualdades fáticas), alimentação, saúde e educação, p. ex., não podem
estar ausentes deste “mínimo”. É a igualdade material relativa potencialmente
realizada pelo reconhecimento do direito à diferença (GALINDO, 2015, p. 51).

Nesse contexto, é importante mencionar que o direito à diferença se distingue da simples


tolerância ao diferente. Isso porque, geralmente, tolerar está associado à equivocada ideia de
que, embora o diferente esteja mesmo na contramão da “normalidade”, resignadamente ele é
compreendido.
Tolerar significa suportar com indulgência; aceitar; consentir, permitir tacitamente; não
impedir. Tolerância ao ser humano diferente não significa que você deva suportá-lo como se
representasse algum estorvo ou como se isso fosse uma espécie de boa ação daquele que tolera.
Ao contrário, esse tipo de resignação moral só iria realçar uma superioridade de um em relação
ao outro.

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ENSINO A DISTÂNCIA

Segundo Piccino, é inegável que a tolerância já é um passo à frente em relação à intolerância,


pois ao menos se concede o direito de existência ao outro. Nesse sentido, o respeito à diversidade
parece ser um outro passo adiante, pois significa não somente tolerar, mas respeitar, garantir
o direito à alteridade, ao outro. Em tempos de globalização, pode-se afirmar que o respeito à
diversidade é uma forma de afirmar a identidade de grupos frente a massificação imposta pelo
mercado, frente à padronização dos comportamentos através de vários fatores, dentre eles, o
consumo (PICCINO, 2007).
O direito à diferença é, portanto, a aceitação, o compartilhamento e reconhecimento de
direitos interiorizados e exteriorizados em ações concretas que demonstrem a identificação da
condição humana nos “outros”.
O autor reitera que incorporar a diversidade é contaminar e ser contaminado pelas outras
culturas, povos, gêneros, outras ideologias, outras religiões, outros costumes, afinal: “O hábito
da mestiçagem, da troca, do contrabando cultural está na raiz da diversidade. Só há sentido
diversidade trocadora, mestiça, impura, contaminada e contaminante.” (PICCINO, 2007, web).
A diversidade é inerente à condição humana. Basta observar o multiculturalismo existente
no Brasil, que teve colonização europeia, povos africanos, indígenas. Sendo a diversidade o que
traz sentido à condição humana, devemos respeitá-la e não somente tolerá-la.
A tolerância, como já vimos, é o primeiro passo para a garantia do respeito à diversidade.
No entanto, é necessário envidar esforços do Poder Público, da sociedade e de cada um de nós

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4


para pararmos de “suportar com indulgência”, de “olhar como se fizéssemos uma caridade” e
passar a respeitar e incluir o outro, o diferente, o desconhecido.

DIREITOS HUMANOS E MINORIAS


Vimos que, o respeito à diversidade e o direito à diferença é um fator preponderante
na proteção dos grupos denominados como vulneráveis. Isso porque esses grupos já são
discriminados naturalmente pela sociedade, em razão de pré-conceitos estabelecidos por fatores
histórico-culturais. Acerca das minorias e grupos vulneráveis, é importante conceituá-los e
diferenciá-los a partir desse momento.
Assegura, Elida Séguin, que minorias e grupos vulneráveis não são sinônimos. Nesse
sentido, as primeiras (minorias) seriam os grupos que ocupam uma posição de não-dominância
no país que vivem. Já os grupos vulneráveis podem ser constituídos por um grande número de
pessoas, quantitativamente falando, como mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiência. São
grupos vulneráveis, pois não têm poder, mas tem cidadania e elementos que podem transformá-
los em minorias (SÉGUIN, 2002).
Nilson Tadeu Reis Campos e Silva também faz uma diferenciação bastante interessante
entre minorias e grupos vulneráveis. O autor afirma que “[...] as minorias são grupos auto
identificados e (des)qualificados juridicamente pelo baixo ou inexistente reconhecimento efetivo
de direitos por parte dos detentores do poder” (SILVA, 2010, p. 141). Assim, as minorias só
existem porque são estigmatizadas e inferiorizadas por outros grupos sociais. Essa linha aborda-
as de forma relacional e processual, focalizando os processos de discriminação efetuados pelos
grupos dominantes.
Para o mesmo autor, grupos vulneráveis são como os agrupamentos de pessoas que, “[...]
não obstante ter sido reconhecido seu status de cidadania, são fragilizados na proteção de seus
direitos e, assim, sofrem constantes violações a sua dignidade” (SILVA, 2010, p. 115).

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ENSINO A DISTÂNCIA

Contudo, tal diferenciação não é imprescindível, posto que, no dia-a-dia ambos os grupos
sofrem a discriminação e são vítimas da intransigência.
É importante destacar que, nos grupos dos vulneráveis, é comum que os pertencentes não
tenham sequer a consciência de que estão sendo discriminados ou que seus direitos não estão
sendo respeitados. Em outras palavras, a maioria nem sequer sabe que possui certos direitos.
Tendo delimitado a diferença entre minorias e grupos vulneráveis, é necessário entender
quais grupos são considerados minorias ainda no Brasil. Nesse sentido, pode-se afirmar que
as minorias são grupos de pessoas que ainda não atingiram a igualdade material para com
os demais. O que significa dizer que, a Constituição Federal determina que “todos são iguais
perante a lei”, e outrora determina que “iguais sejam tratados como iguais, e diferentes sejam
tratados diferentemente na medida de sua desigualdade”. No entanto, alguns grupos ainda não
vislumbram essa igualdade material.
Podemos citar como minorias que ainda lutam por igualdade os afrodescendentes, que,
devido à um processo de escravização, ainda sofrem hoje as consequências de “serem diferentes”.
A prova disso são as cotas raciais, que infelizmente, se mostram a forma mais “rápida” atualmente
para garantir um espaço para essas pessoas na universidade e no trabalho. Isso porque, é inevitável
dizer que ainda há discriminação e preconceito. As cotas não são a solução ideal ou definitiva,
mas, podem abrir espaço para que no futuro, não sejam mais necessárias.
As comunidades indígenas também são consideradas minorias, uma vez que, se comparada

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4


com o restante da população, representam uma porcentagem muito inferior em quantidade. O
IBGE traz dados estatísticos acerca da população indígena:

Gráfico 1 – População Indígena. Fonte: IBGE (2017).

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Quadro 1 – Categoria indígena. Fonte: IBGE (2017).

A Constituição Federal do Brasil, assim como as constituições de quase todos os países da

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4


América Latina, dedica vários artigos ao meio ambiente e aos indígenas. O Capítulo VIII – Dos
Índios – em seu artigo 231, reconhece a organização social, a língua, os costumes, as tradições e
crenças dos índios e seus direitos originários sobre as terras que ocupam. Dessa forma, o Brasil
deve respeitar e proteger todos os seus bens. O art. 232 declara ainda que suas comunidades e
organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses.
Apesar dessa proteção, o parágrafo único do art. 4o do Código Civil brasileiro determina
que a capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. Segundo Levy, este fato
volta à:

mentalidade paternalista-protecionista [do Estado], que não vê o direito dos


grupos indígenas e desrespeita, de um lado, os princípios da Constituição de
1988, exarados nos artigos 231 e 232, e, de outro, a dignidade da pessoa do
índio e a autonomia dos povos indígenas no Brasil, retornando-os à categoria de
relativamente incapazes. (LEVY, 2009, p. 497).

Por essas e outras razões, os indígenas ainda devem ser vistos como minoria, que ainda
não consegue tutelar seus direitos de forma igual a um não indígena.
Os idosos também podem ser considerados uma minoria. Segundo dados do IBGE, o
número de idosos com 80 anos ou mais pode passar de 19 milhões em 2060, um crescimento de
mais de 27 vezes em relação a 1980, quando o Brasil tinha menos de 1 milhão de pessoas nessa
faixa etária (684.789 pessoas). Na projeção para 2016, o país contabiliza 3.458.279 idosos com
mais de 80.
Se confirmada a projeção, o Brasil chegaria a 2060 com cerca de 19 milhões de pessoas
com 80 anos ou mais. Esse contingente, se comparado aos dados atuais, perderia apenas para a
população total de São Paulo e Minas Gerais. São dados preocupantes, que merecem uma atenção
especial da lei e da sociedade.

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ENSINO A DISTÂNCIA

A definição de pessoa idosa está na a Lei 8.842/94, que determina, em seu artigo 2o,
“idoso, para os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade”. Para tal, foi criada
uma política nacional de proteção ao idoso, que compreende alguns princípios, como determinar
que a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da
cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar
e o direito à vida; atribuir que o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral,
devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos; definir que o idoso não deve
sofrer discriminação de qualquer natureza; por fim, as diferenças econômicas, sociais, regionais
e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas
pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta lei (BRASIL, 1994).
Dentre as políticas públicas de combate à discriminação do idoso, bem como visando à
inserção do idoso na sociedade, a lei prevê: a viabilização de formas alternativas de participação,
ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações; a participação
do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação
das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos; a priorização do atendimento
ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento asilar, à exceção dos
idosos que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência; a capacitação e
reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços;
o estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter

DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE | UNIDADE 4


educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento; o apoio a estudos e pesquisas
sobre as questões relativas ao envelhecimento, dentre outros (BRASIL, 1994).
Por fim, a última minoria que será abordada neste capítulo é a das pessoas com deficiência.
O Decreto brasileiro de nº 914/93, que, ao instituir a Política Nacional para a integração da pessoa
com deficiência, definiu-a no artigo 3° como: “[...] aquela que apresenta, em caráter permanente,
perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que
gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para
o ser humano” (BRASIL, 1993).
O Decreto 3.298 de 06/05/1999 regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de
1989 e dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,
disciplinando especificamente o direito da pessoa com deficiência de se inscrever em concursos
públicos em igualdade de condições com os demais participantes e lhes atribui a reserva de vaga.
É o que se extrai do artigo:

Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se


inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais
candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com
a deficiência de que é portador.
§1o O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de
condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual
de cinco por cento em face da classificação obtida (BRASIL, 1999, web).

Ressalta-se que o mencionado Decreto traz as seguintes exceções quanto à reserva de


vagas:

Art.38. Não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de provimento de:
I- cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeação e exoneração; e
II-cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do
candidato (BRASIL, 1999, web).

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As empresas públicas e as sociedades de economia mista seguem o disposto nos artigos


acima mencionados. No setor privado, que é o que mais emprega no Brasil, para estimular a
inclusão das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho, também se adotou o sistema
de cotas ou reserva legal que se passa a analisar.
As ações afirmativas voltadas para a questão do trabalho para a pessoa com deficiência
estão elencadas na Lei 8.213/91, que propõe sobre planos de benefícios da Previdência Social,
popularmente conhecida como sistema de cotas, justificam-se pelo fato de que, sem elas,
com certeza as normas previstas na Constituição Federal não passariam de ideais com pouca
efetividade.
Assim, percebe-se que o Brasil optou pela adoção de um sistema de cotas ou de reserva
Legal para estimular a inclusão das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho, assim
como no caso de pessoas afrodescendentes, mulheres, e demais minorias que ainda existem no
país.
No entanto, apesar de todas essas medidas, como diz Bobbio, o problema não é declarar
direitos, verificar que eles existem. O problema do último século é implementar tais direitos.
Esse preceito vale para todas as minorias aqui abordadas e para outras tantas que não foram
mencionadas. É necessário ainda ter em mente que, o problema não é só do governo, é de toda
a sociedade que deve contribuir ativamente para que as mudanças imprescindíveis aconteçam.

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QUESTÕES DE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL
Outra questão de extrema importância é a diversidade sexual. Os direitos humanos
garantem a todas as pessoas a liberdade, e dentre as diversas variações de liberdade, encontra-se
também a proteção à liberdade sexual.
Joan Scott, clássica na teorização de gênero, a define como:

Minha definição de gênero tem duas partes e duas subconjuntos, que estão inter-
relacionados, mas devem ser analiticamente diferenciados. O núcleo definição
repousa numa conexão integral entre duas proposições: (1) o gênero é um
elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas
entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações
entre os sexos (SCOTT, 1995, p.86).

Assim, pode-se afirmar que gênero, como um elemento que está relacionado à convivência
social, construído culturalmente, ancorado nos discursos das diferenças biológicas entre os
sexos. A concepção tradicionalista entende que somente existem dois gêneros: o masculino e o
feminino. Países como Suécia, França, Austrália, Canadá, Alemanha, possibilitam a escolha do
gênero neutro ou até mesmo, de deixar sem preencher no documento que registra a criança seu
gênero, para que posteriormente escolha a qual gênero quer pertencer. A matéria de jornal abaixo
corrobora com as afirmativas apresentadas:

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Figura 14 - Matéria do Jornal Mundo. Fonte: Timóteo e Riso (2017).

Nesse contexto, é necessário afirmar que as concepções mais modernas acerca desta
questão tratam o gênero como um conglomerado de fatores, não somente levando em consideração
a formação biológica.
Figueirêdo e Barros afirmam que a questão das relações de gênero também conforma
identidades de gênero e sexuais. De modo que a diversidade sexual faz menção a um conjunto
dinâmico, plural e multíplice de práticas a qual estão intimamente relacionadas a vivências, prazeres
e desejos sexuais, vinculados a processos que se (re)configuram por meio de representações,
manifestações e afirmações identitárias, geralmente objetivadas em termos de identidades,
preferências, orientações e expressões sexuais e de gênero.
Silva e Lopes (2017) afirmam que a identidade de gênero diz respeito à forma como a
pessoa visualiza a si mesmo; se pertencente ao sexo masculino/homem/macho ou se pertencente
ao sexo feminino/mulher/fêmea. Assim que ocorre esta identificação, feita pela própria pessoa
em seu estado psíquico, ocorre à expressão, ou seja, exteriorização deste gênero pela qual
ela se identificou. Assim, tem-se que alguns usarão vestimentas femininas ou masculinas,
determinadas pelo padrão heterossexual; bem como expressarão seu comportamento, de acordo
com determinado gênero.

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Dessa forma, a diversidade sexual, está imbricada na categoria de gênero. Isso se reflete
nas múltiplas possibilidades de orientação sexual existentes, como: gays, lésbicas, bissexuais,
travestis, transexuais e transgêneros.
No Brasil, muitas foram as mudanças visando proteger essa diversidade sexual, pois,
como dito antes, está contida no direito à liberdade, que é um direito humano.
Dentre as medidas legais para a promoção dos Direitos LGBT, podem ser citadas: a
Orientação Conjunta nº 02/2017 - SUED/SEED, que prevê a inclusão do nome social nos registros
escolares internos do aluno e/ou da aluna menor de 18 (dezoito) anos; Lei Estadual nº 16.454/10
de 17 de maio de 2010 - Institui o Dia Estadual de Combate a Homofobia, a ser promovido,
anualmente, no dia 17 de maio; Plano Estadual de Promoção de Políticas Públicas para promoção
dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; Resolução nº. 12, de 16 de
janeiro de 2015 - Conselho Nacional de Combate às Discriminações e promoções dos direitos de
lésbicas, gays, bissexuais travestis e transexuais CNCD/LGBT. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
DO PARANÁ, 2017).
Vale fazer menção ao uso da expressão nome social reconhecida como o nome pelo
qual pessoas trans e travestis preferem ser chamadas cotidianamente, em contraste com o nome
oficialmente registrado que não reflete sua identidade de gênero.
No âmbito internacional, em 1997, a Declaração dos Direitos Sexuais foi definida na
cidade de Valência, Espanha, durante o XIII Congresso Mundial de Sexologia. Porém, apenas foi

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aprovada na data de 1999, pela WAS (World Association for Sexology), durante o XV Congresso
Mundial de Sexologia, que ocorreu na cidade de Hong Kong, China. Declara, reafirma e reconhece
em seu preâmbulo:

DECLARA que direitos sexuais são baseados nos direitos humanos universais
que já são reconhecidos em documentos de direitos humanos domésticos e
internacionais, em Constituições Nacionais e leis, em padrões e princípios de
direitos humanos, e em conhecimento científico relacionado à sexualidade
humana e saúde sexual.
REAFIRMA que a sexualidade é um aspecto central do ser humano em toda a
vida e abrange sexo, identidade e papeis de gênero, orientação sexual, erotismo,
prazer, intimidade e reprodução. A Sexualidade é experiência e expressada em
pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos,
práticas, papeis e relacionamentos. Embora a sexualidade possa incluir todas
essas dimensões, nem todas elas são sempre expressadas ou sentidas. Sexualidade
é influenciada pela interação de fatores biológicos, sociais, econômicos, políticos,
culturais, legais, históricos, religiosos e espirituais.
RECONHECE que a sexualidade é uma fonte de prazer e bem-estar e contribui
para a satisfação e realização como um todo. (DECLARAÇÃO DOS DIREITOS
SEXUAIS, 1999).

Segundo Silva e Lopes (2017), a Declaração dos Direitos Sexuais foi um documento
elaborado no intuito de discutir e determinar certas providências quanto ao tema da sexualidade
humana, na qual se enquadra a identidade de gênero, dentre outros, vez que estes assuntos,
embora discutidos, não possuíam proteção, estando desamparados em muitos países, dentre eles
o Brasil.
As autoras afirmam que um dos principais objetivos desta Declaração é abordar sobre a
igualdade e não discriminação, necessários para a proteção, bem como promoção, de todos os
direitos humanos, dentre eles a sexualidade. Assim, é necessário dizer que a identidade de gênero,
bem como a expressão deste, dentre outras características que o indivíduo apresenta merecem ser
tutelados como direitos humanos.

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Silva e Lopes (2017) complementam que o ser humano é composto de aspectos físicos, ou
seja, o corpo humano em si, e psicológicos. Assim, tem-se a construção do ser, enquanto pessoa,
o que inclui sua personalidade. A identidade de gênero é um dos direitos fundamentais que está
inserido nos direitos da personalidade, sendo uma das características que definem e singularizam
a pessoa.
A identidade do ser humano é composta de vários caracteres, os quais individualizam cada
pessoa, tornando-a única em meio aos demais. Dentre algumas destas características, visualiza-
se a imagem da pessoa; o nome que este indivíduo apresenta, pelo qual é reconhecido em meio
à sociedade; a identidade cultural; a identidade religiosa; a sexualidade, estando inserida nesta a
identidade de gênero.
Nesse sentido, para Raul Cleber da Silva Choeri:

O sexo é um dos principais elementos da identidade humana, pois indica um


conjunto de características psicofísicas que distinguem o macho e a fêmea.
O direito à identidade sexual ganha relevância na medida em que há a
necessidade de toda pessoa ser identificada como pertencente a um dos dois
sexos, inclusive para o pleno exercício de seus direitos. Observa-se que para cada
sexo há um tratamento diferenciado, como acontece no Direito de Família, no
Previdenciário, no Trabalhista, no Penal (2004, p. 52).

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Assim, conclui-se que gênero diz respeito à forma como a pessoa visualiza a si mesmo,
ou seja, se ela acha que pertencente ao sexo masculino/homem/macho ou se pertencente ao sexo
feminino/mulher/fêmea. Já a diversidade sexual é a exteriorização do gênero, podendo a pessoa
ser trans, gay, bissexual, dentre outros diversos gêneros sexuais. Ou seja, é a forma pela qual a
pessoa expressa sua sexualidade.
O direito humano de liberdade está garantido às pessoas, de forma positivada ou escrita,
desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e após este marco, muitas Constituições
seguiram esta vertente. A liberdade sexual está englobada neste direito humano, portanto, garantir
que a pessoa escolha seu gênero e expresse sua liberdade sexual da forma que bem desejar é
direito humano inerente à personalidade humana, o que distingue um ser do outro. Para tal,
deve ser garantido pelos países, a exemplo da Alemanha, Dinamarca, e demais países citados
anteriormente, como expressão do direito à liberdade das pessoas.

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