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FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO: UMA

ANÁLISE DE COMO OS LIVROS DIDÁTICOS ESTÃO TRATANDO O


PRINCÍPIO DA INCERTEZA DE HEISEMBERG.
Christiano Carvalho Leal [cleal@uenf.br]
Marcelo Shoey de Oliveira Massunaga [shoey@uenf.br]
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

O presente trabalho apresenta informações iniciais sobre um projeto de mestrado na


área de Ensino de Física do Programa de Pós-graduação em Ciências Naturais em
andamento na Universidade Estadual do Norte Fluminense. Aqui é apresentada uma
análise de como alguns livros didáticos destinados ao Ensino Médio estão abordando o
Princípio da Incerteza de Heisenberg. A análise é desenvolvida de forma a detectar a
importância dispensada ao tema no contexto da Física Quântica, qual a interpretação
dada pelo autor ao Princípio da Incerteza e se fica claro na apresentação do assunto a
ruptura conceitual existente entre a Física Quântica e a Física Clássica. A presença ou
não de elementos históricos na apresentação do conteúdo também é verificada.

Introdução.

Com as mudanças implementadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o


Ensino Médio (EM) passou a ser a etapa final da Educação Básica. Com essa mudança na
legislação as características do EM foram alteradas: ele deixou de ser uma etapa preparatória para
um nível de ensino mais elevado, que era uma das suas principais características, para ser a etapa
final de uma formação básica, onde o aluno deve desenvolver uma capacidade entender o mundo
em que vive e continuar a aprender. Com o objetivo de orientar a implementação dessas mudanças
foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e posteriormente sua complementação,
os PCN+. Neste último, no volume referente às Ciências Naturais e Matemática, podemos perceber
o desejo de se tratar de uma parte da Física que até então é pouco explorada de forma sistemática no
EM, a Física Moderna e Contemporânea (FMC).

Alguns aspectos da chamada Física Moderna serão indispensáveis para permitir aos jovens
adquirir uma compreensão mais abrangente sobre como se constitui a matéria, de forma que
tenham contato com diferentes e novos materiais, cristais líquidos e lasers presentes nos utensílios
tecnológicos, ou com o desenvolvimento da eletrônica, dos circuitos integrados e dos
microprocessadores. A compreensão dos modelos para a constituição da matéria deve, ainda,
incluir as interações no núcleo dos átomos e os modelos que a ciência hoje propõe para um mundo
povoado de partículas. .(Parâmetros Curriculares Nacionais +,Ciências da Natureza Matemática e
suas Tecnologias – Física: pg. 70, Brasília 2002)

A ausência da FMC no EM, pode ficar evidenciada pela análise de alguns livros didáticos
editados recentemente e que ainda não tratam desse assunto. Essa análise é reveladora haja vista que
em muitos casos o livro didático é o recurso mais importante que muitos professores de Física
dispõem. Felizmente alguns livros didáticos do EM estão trazendo a FMC e isso é extremamente
importante para que consigamos torná-la efetivamente presente nos currículos escolares.
Ainda nos PCN+ encontramos a completude desejada para a formação do aluno do EM
relativamente a área de Física:
A Física deve apresentar-se, portanto, como um conjunto de competências específicas que
permitam perceber e lidar com os fenômenos naturais e tecnológicos, presentes tanto no cotidiano
mais imediato quanto na compreensão do universo distante, a partir de princípios, leis e modelos
por ela construídos. Isso implica, também, a introdução à linguagem própria da Física, que faz uso
de conceitos e terminologia bem definidos, além de suas formas de expressão que envolvem, muitas
vezes, tabelas, gráficos ou relações matemáticas. Ao mesmo tempo, a Física deve vir a ser
reconhecida como um processo cuja construção ocorreu ao longo da história da humanidade,
impregnado de contribuições culturais, econômicas e sociais, que vem resultando no
desenvolvimento de diferentes tecnologias e, por sua vez, por elas sendo impulsionado.(Parâmetros
Curriculares Nacionais +,ciências da natureza matemática e suas tecnologias – Física: pg. 59,
Brasília 2002)

Podemos perceber que além de capacitar o aluno a reconhecer e compreender a linguagem


característica da Física devemos evidenciar seu caráter histórico, econômico e social, de forma que
fique clara para o aluno a sua presença e relevância em nossas vidas. Além disso, essa compreensão
histórica da Física pode ter um caráter facilitador no processo ensino-aprendizagem, pois lecionar
Física não é uma tarefa fácil. O conhecimento científico difere enormemente do conhecimento
popular, sendo este último, o conhecimento que os alunos do EM convivem durante a maior parte
de seu tempo e que trazem para a escola. A Física, para alguns destes alunos, é algo difícil de
entender, e com o qual têm que conviver por duas horas semanais durante as três séries finais da
Educação Básica. A distância entre o conhecimento popular e o conhecimento científico torna
difícil a aprendizagem da Física. Ruth Schmitz de Castro no artigo Uma e outras histórias, parte da
suposição de que “a Abordagem histórica aproxima cognitivamente o conhecimento comum do
conhecimento popular”(Castro p.102-3) para defender o uso da história da ciência no ensino de
ciências. Neste mesmo trabalho ela afirma que:

“Quando os conteúdos de ciências são abordados a partir de questionamentos sobre sua gênese,
quando são estudados visando entender as razões e os motivos que os engendraram, parece-nos
que se tornam mais plausíveis aos estudantes. O contexto propicia o entendimento das idéias,
porque amplia a possibilidade de referenciá-las. Quando os estudantes discutem a origem dos
conceitos científicos, sua transformação ao longo do tempo, reconhecem mais facilmente tais
conceitos como objetos passíveis de construção. Cria-se, assim, um comprometimento maior entre
o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido.”(Castro, p.105).

De acordo com o exposto até o momento, é razoável supor que levar a FMC para o EM
através de um viés histórico seja um bom caminho na tentativa de obter bons resultados no processo
ensino-aprendizagem desta ciência. Esse é o caminho que optamos seguir na realização de nossa
pesquisa.

Objetivo

O objetivo do trabalho consiste em fazer uma apresentação de como o Princípio da incerteza está
sendo apresentado em alguns livros didáticos do EM. A análise dos livros é desenvolvida de forma
a detectar a importância dispensada ao tema no contexto da Física Quântica, qual a interpretação
dada pelo autor ao Princípio da Incerteza e se fica claro na apresentação do assunto a ruptura
conceitual existente entre a Física Quântica e a Física Clássica. A relevância do trabalho se justifica
no empenho em tornar a Física Moderna e Contemporânea parte integrante dos currículos de EM,
tal empenho pode ser evidenciado pelo crescente número de pesquisas na área e pela importância do
Princípio da Incerteza dentro da Física Quântica.

Metodologia.
A metodologia que empregamos para o desenvolvimento do presente trabalho consistiu
basicamente em fazer um levantamento das apresentações do Princípio da Incerteza utilizadas por
alguns livros de Física destinados ao EM.

Resultados.

Ao realizarmos um estudo inicial do Princípio da Incerteza pudemos perceber que apesar das
diferenças na metodologia de apresentação do tema existente entre os livros, alguns deles
apresentam a interpretação do Princípio da Incerteza ou tentam ilustrá-lo como uma perturbação
causada no sistema no ato da medida. Essa interpretação tem o mesmo significado da interpretação
inicial dada por Heisenberg utilizando-se de um experimento de pensamento:

Para esclarecer o significado operacional da relação de indeterminação para a posição e


momento, Heisenberg apresentou um experimento de pensamento, o microscópio de raios gama,
para mostrar que o produto das indeterminações de medições de posição e momento em uma
situação experimental possui de fato o limite inferior de h. (Pessoa Jr. - Conceitos de Física
Quântica., 2003 pg:78).

Nas palavras do próprio Heisenberg: “A interação entre observador e objeto causam alterações
incontroláveis e grandes no sistema sendo observado, por causa das alterações descontínuas
características dos processos atômicos”. (Pessoa Jr - Conceitos de Física Quântica,2003 pg:79).

Esta interpretação do Princípio da Incerteza é encontrada em dois dos seis livros didáticos
do EM que tratam da FMC e que foram por nós analisados. O volume 3 do livro Física de Alberto
Gaspar, apesar de afirmar claramente: “Não se trata de limitação de instrumento de medida.
Mesmo utilizando um instrumento perfeito, a incerteza sempre existe, pois ela resulta do ato de
medir” (Alberto Gaspar, pg: 362), as figuras usadas para ilustrar o fenômeno pode transmitir a
idéia de que existe uma posição e um momento bem definidos, porém o ato de medir os destroem.
No livro Física Moderna: tópicos para o Ensino Médio de Dulcidio Brás Júnior, a discussão
realizada pelo autor sugere que é a perturbação causada pelo ato da medida que impede que
meçamos simultaneamente e com exatidão posição e momento.

Osvaldo Pessoa Jr. faz uma detalhada discussão sobre interpretações do significado do
Princípio da Incerteza e faz uma observação: “É interessante como ele (Heisenberg) parte de uma
hipótese própria da Física Clássica, mostra que há uma impossibilidade de se medir com exatidão
as duas grandezas conjugadas, e daí concluem que um objeto nunca tem, simultaneamente, valores
exatos para as duas grandezas”. (Pessoa Jr. - Conceitos de Física Quântica, 2003 pg:78).

Uma observação sobre a interpretação do Princípio da Incerteza como uma perturbação


causada pelo ato da medida é feita no livro Curso de Física do Berkeley: “Este tipo de descripción
del significado del principio de indeterminación es muy corriente em los textos de mecánica
cuántica. El autor no quiere sostentar que sea completamente equivocado, pero sí tiene la
impresíon que puede desorientar y de que puede originar serios malentedidos”(Berkeley, Física
Cuántica, pg 19).

No livro Física Conceitual, Hewitt afirma: “As incertezas quânticas têm origem na natureza
ondulatória da matéria. Uma onda, por sua própria natureza, ocupa algum espaço e dura um certo
tempo. Ela não pode ser comprimida a um ponto do espaço, ou limitada a um instante de tempo,
pois deste modo ela não seria uma onda.”(Hewitt – Física Conceitual, 2002 pg 535). Essa
afirmação difere bastante da explicação que adota o modelo da perturbação.
O livro Física volume único do autor Paraná aborda superficialmente o Princípio da
Incerteza. Por fim, o livro Física volume único dos autores Wilson Carron e Osvaldo Guimarães e o
livro Curso de Física dos autores Antônio Máximo e Beatriz Alvarenga volume 3, apesar de
tratarem de assuntos relativos a FMC, não mencionam o Princípio da Incerteza.
Através desse levantamento inicial, podemos verificar que há duas possíveis interpretações.
Neste ponto, cabem as seguintes questões: qual interpretação adotar para os alunos do EM? Seria
didático apresentar as duas?

Referências

- Berkeley. Curso de Física do Berkeley – Física Cuántica volume 4 – 1972.

- Brasil, 2002 – PCN + Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais.

- Braz Júnior, Dulcídio. Física Moderna – Tópicos para o Ensino Médio – 1. ed. – Campinas:
Companhia da Escola, 2002.

- Carron, W. e Guimarães, O. Física – volume único – 2.ed. – São Paulo: Moderna, 2003.

- Castro, Ruth S. Uma e outras histórias – Ensino de Ciências p. 101-117/ org. Anna Maria Pessoa
de Carvalho –São Paulo, Pioneira Thomson Learning, 2004.

- Eisberg, Robert – Física Quântica: átomos, moléculas , sólidos, núcleos e partículas – Rio de
Janeiro: Campus, 1979.

- Gaspar, A. Física – eletromagnetismo e física moderna – 1.ed. – São Paulo: Ática,2000.

- Halliday, David, Resnick, Robert e Walker, Jearl – Fundamentos de Física 4 Ótica e Física
Moderna – 4.ed – Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1995.

- Hewitt,Paul G. Física conceitual / trad. Trieste Freire Ricci e Maria Helena Gravina. – 9.ed. –
Porto Alegre: Bookman, 2002.

- Máximo, Antônio e Alvarenga, Beatriz – Curso de Física volume 3 – São Paulo: Scipione, 2000.

- Paraná. Física – volume único – 6.ed. – São Paulo: Ática, 2003.

- Pessoa Junior, Osvaldo. Conceitos de física quântica – 1. ed. – São Paulo: Editora Livraria da
Física, 2003.

- Sears, Francis W., Zemansky, Mark W. e Young, Hugh D. – Fisica 4 – 2.ed – Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos, 1985.

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