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POLÍCIA INVESTIGADA

MP quer saber razão da espionagem a


movimentos
Após receber uma representação da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia de SP, o procurador-geral de Justiça, Rodrigo Pinho, quer
explicações do governo do Estado sobre o pedido de monitoramento dos
movimentos sociais.
> Manifesto "Liberdades ameaçadas: polícia política nunca mais!"
Bia Barbosa 09/12/2004

São Paulo – Uma representação solicitando ampla


investigação acerca das atividades realizadas pelo
Departamento de Inteligência da Polícia Civil Do Estado
de São Paulo (Dipol) foi entregue nesta terça-feira (7)
ao procurador-geral de Justiça Rodrigo Pinho. Assinado
pelo deputado estadual petista Renato Simões,
presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa, o documento é uma das
medidas legais definidas por diversas organizações e
movimentos sociais para responder à denúncia, feita
no final de novembro, de um pedido de monitoramento
das atividades dessas organizações enviado aos
distritos policiais de toda a rede da polícia civil de São
Paulo (leia matéria “Deputado denuncia espionagem
contra movimentos sociais”).

No último dia 25, Simões recebeu a cópia de um


comunicado originário do Centro de Comunicações e
Operações da Polícia Civil (Cepol), órgão ligado ao
Dipol, determinando que a polícia civil fiscalizasse e
investigasse as atividades de uma série de
organizações da sociedade civil. Entre elas, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Via
Campesina, Coordenação dos Movimentos Sociais,
União Nacional dos Estudantes, Central Única dos
Trabalhadores, Central de Movimentos Populares,
Pastoral Operária, Conlutas, Associação Nacional dos
Docentes do Ensino Superior e a Educafro. Este tipo de
investigação genérica sobre qualquer tipo atividade
realizada pelos movimentos populares, além de não
fazer parte das atribuições do Dipol, representa uma
séria afronta às liberdades civis garantidas na
Constituição de 1988, que proíbe, por exemplo, a
interferência estatal no funcionamento das entidades
da sociedade civil.

“A medida adotada pelo Serviço de Inteligência da


Polícia tem caráter eminentemente cerceatório. As
investigações criminais abriram espaço à espionagem
das instituições sociais que lutam pela preservação da
democracia”, afirma o deputado Renato Simões no

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documento. “O governo retoma os princípios que


moviam os regimes ditatoriais e totalitários,
confundindo o legal e o ilegal, o moral e o imoral”, diz.

Para os movimentos sociais, o Dipol tem se


transformado em um órgão obscuro, com atribuições
estranhas às suas finalidades e com um nítido
direcionamento de polícia política. Criado em 2002
para “revolucionar” as investigações, municiando a
polícia de informações sobre os órgãos e instituições
que estivessem sob investigação, o departamento hoje
dispõe de um moderno sistema de informações que
permite o acesso a dados armazenados em banco de
dados tradicionais e em fontes chamadas de não
estruturadas, ou seja, notícias, documentos textuais,
e-mails, relatórios, boletins, etc. Essas informações,
centralizadas, são então cruzadas com as contidas em
outros departamentos da Polícia Civil, como o Infocrim.
Portanto, não caberia ao Dipol monitorar instituições
consideradas “nocivas” sem qualquer base legal.

“A função incondicional da polícia civil é investigar a


prática do crime, recolher indícios de crimes. E isso não
condiz com investigar a ação de movimentos que lutam
por direitos garantidos. Monitorar movimentos sociais,
que são a essência da democracia, não é atividade
típica da polícia”, disse o procurador geral de Justiça,
Rodrigo Pinho. “O Ministério Público tem uma
preocupação pela legalidade e pela ordem, mas tem
um preocupação excessiva de não tolerar abusos de
violação de direitos individuais. Repudiamos qualquer
possibilidade de retrocesso policial para um regime de
exceção no país”, reforçou.

A partir de agora, o grupo de controle externo da


polícia do Ministério Público, acompanhado pela
Assessoria Especial de Direitos Humanos do MP e em
trabalho conjunto com a Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa, pretende cobrar
explicações da Secretaria de Segurança Pública de São
Paulo e da Delegacia Geral de Polícia sobre o porquê de
tal pedido. Na época da denúncia, o delegado geral da
Polícia Civil do Estado, Marco Antônio Desgualdo,
afirmou que a ordem para espionar os movimentos
sociais teria vindo da Secretaria Nacional de Segurança
Pública (Senasp), ligada ao Ministério da Justiça. A
Senasp negou o pedido mas, informalmente, segundo
Simões, houve um pedido de informações sobre as
caravanas que participariam das manifestações em
Brasília no dia 25 de novembro.

Na tentativa de esclarecer oficialmente de onde veio o

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pedido, o deputado do PT enviará uma carta ao


ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, solicitando
informações sobre o pedido que teria partido da
Secretaria Nacional. Simões também solicitou
informações ao governo estadual sobre as operações
do Dipol e sobre a trajetória funcional dos delegados
que assinaram o memorando dirigido à rede de
delegacias, além de cópias dos documentos envolvidos
na denúncia, desde o pedido da Senasp até as
respostas emitidas pelas delegacias ao Dipol. A
Secretaria Estadual de Segurança Pública tem prazo de
30 dias para responder. A ouvidoria da polícia civil
receberá uma cópia da representação entregue nesta
terça ao Ministério Público.

Fantasma do passado
“Foi um choque receber esta notícia. Soou como um
tipo de assombração do passado. É desanimador
pensar que esta cultura da ditadura ainda perdura no
meio policial e que não houve nenhuma tentativa de
erradicar isso de vez. Vão esperar que as pessoas
morram, mas essa é uma maneira cordial de acabar
com o problema”.

Foi assim que Padre Jaime Roberto Fitz Patrick, da


Pastoral Operária, recebeu a notícia sobre o pedido de
investigação da sua organização. Americano erradicado
brasileiro e uma das inúmeras vítima da ditadura
militar, Padre Jaime acredita que este fato é apenas
um balão de ensaio para uma pressão mais forte que
os movimentos sociais devem sofrer nos próximos
anos. “É a mesma coisa que o Bush fez nos Estados
Unidos. Através do medo, você prepara a população
para abrir mão de alguns direitos civis. Aqui nós não
temos um inimigo estrangeiro ou grupos terroristas.
Então o inimigo tem que vir de dentro, tem que se
criar um fantasma. É isso que estão fazendo com os
movimentos sociais. Estão prevendo inimigos
eminentes que teriam que ser eliminados previamente.
Não queremos acreditar que isso tenha vindo desse
governo. O pedido não foi assumido, mas também não
foi negado. É preocupante a falta de transparência
numa renúncia de responsabilidade do governo federal.
Precisamos saber quem foi o real responsável”,
afirma.

Para os representantes dos movimentos sociais que


compareceram ao Ministério Público, a medida faz
reviver os tempos da ditadura militar, da repressão e
da censura. Segundo eles, a espionagem oficial contra
os movimentos, autorizada e estimulada pelo governo
de Geraldo Alckmin, busca atacar o último refúgio de

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opinião livre e dotar o aparato estatal de instrumentos


legais para acabar com a organização popular.

“Os movimentos sociais não são forças adversas que


mereçam ser constantemente fiscalizadas e
controladas, ao contrario, são instrumentos históricos
na defesa da democracia e dos direitos individuais e
coletivos. A segurança pública é um dever do Estado.
Todavia, este dever (poder) deve ser exercitado de
forma a preservar a ordem pública e sem violar os
direitos consolidados pela Carta Magna, sob pena de se
desvirtuar e de se transmutar em um ato de violência
oficial, que deslegitima a ação do Estado”, diz o texto
da representação, que vai de encontro com a análise
da Pastoral Operária sobre a provocação do medo na
sociedade para justificar atitudes deste gênero. “Nada
mais perfeito para estabilizar e fortalecer as bases do
governo do que alterar, por causa nobre, a ordem e o
princípio de tudo. Imputar na sociedade o sentimento
de medo e insegurança é o meio mais simples e antigo
para legitimar e justificar o controle intenso das “forças
inimigas”. A distorção do que seja lícito e ilícito é
livremente manipulável, conforme os interesses e
conveniências daqueles que se encontram, de forma
legítima – já que foram eleitos pelo voto popular – no
comando do Poder Executivo”, aborda o documento.

Simões lembra que, em vez das táticas de repressão


violentas da época da ditadura, o governo estadual
tem usado de táticas de controle silencioso e de
repressão indireta, como demonstra o pedido do Dipol
à rede de delegacias da polícia civil. Nesta lógica, os
movimentos sociais são considerados inimigos e uma
ameaça à manutenção da “paz social”. “Nosso temor
de que haja de fato um aparelho à margem da
Constituição e do Estado de direito atuando na polícia
de São Paulo. Achamos que este monitoramento não é
uma atividade esporádica, mas permanente do Dipol. A
polícia de São Paulo tem muitos antecedentes de
arapongagem e infiltração nos movimentos sociais”,
lembra.

Histórico comprometedor
Uma das possíveis explicações para o desvio de função
por parte do Dipol denunciado pelas entidades
defensoras de direitos humanos é o perfil dos próprios
profissionais envolvidos na implantação de direção do
órgão. Segundo o histórico relatado na representação
entregue ao MP, o delegado Aparecido Laertes
Calandra, conhecido pelo codinome de Capitão
Ubirajara, que atuou no Doi-Codi durante os anos mais
duros da ditadura, participa da Secretaria de

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Segurança Pública e chegou a ser nomeado para posto


de comando no Dipol. Hoje, ele seria um dos
responsáveis pelo departamento não fosse a
mobilização das organizações de direitos humanos que
se manifestaram contra sua nomeação. Apesar da
documentação que comprova o envolvimento direto do
Capitão Ubirajara em processos de torturas e mortes,
seu nome continua a integrar os quadros da Secretaria
de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Calandra exerceu atividades como delegado junto à


Divisão de Informações Sociais do Departamento de
Comunicação Social da Polícia Civil do Estado de São
Paulo (DCS), um dos antecessores do Dipol na
estrutura da polícia civil. O DCS foi o departamento
responsável pela captação e armazenamento de
informações políticas sobre milhares de pessoas –
função exercida pelo antigo Dops. Os arquivos
mantidos pelo governo do Estado foram descobertos
após denúncia em março de 1999. Antes disso, o
monitoramento individual, incluindo o fichamento da
atividade dos movimentos estudantis, sindicais e
sociais, seguia existindo.

Outro representante do regime militar nomeado para o


Dipol foi o delegado José Massilon Bernardes Filho, que
iniciou sua carreira no Dops, onde permaneceu até o
final de junho de 1978, quando foi cedido para a Polícia
Federal, até 1986. “Ambos os integrantes do
departamento de inteligência tiveram uma trajetória
parecida, tendo ampla experiência em espionagem e
repressão ofensiva contra os integrantes dos
movimentos sociais e membros da sociedade civil em
geral”, diz Simões.

“Esta concepção de inteligência policial, concebida


durante os anos de arbítrio, continua viva e
constantemente reaparece publicamente na ação
destes departamentos e policiais em pleno Estado
Democrático de Direito. Isso aconteceu recentemente
na história da polícia paulista com a descoberta de
ações clandestinas e ilegais por policiais militares
vinculados ao Gradi [Grupo de Repressão e Análise dos
Delitos de Intolerância], subordinado diretamente ao
gabinete do Secretário de Segurança]”, ressalta.

Nesta quinta-feira (9), a Comissão de Direitos


Humanos da Assembléia Legislativa apresenta um
requerimento para a convocação do delegado Massilon
Bernardes para prestar esclarecimentos sobre as ações
do Dipol.

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