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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MORTE: A ESPERA(NÇA) DOS

SOROPOSITIVOS

Ana Laura dos Santos Pereira (UNISALESIANO / Lins-SP)


Mário Lázaro Camargo (USP / Ribeirão Preto-SP; UNISALESIANO / Lins-SP)
Rodrigo Feliciano Caputo (UNISALESIANO / Lins-SP)

Esta pesquisa tomou a morte como objeto de estudo e buscou olhar para tal evento sob a
perspectiva dos soropositivos usuários de uma ONG intitulada MOVECA – Movimento
Vestindo a Camisa, localizada na cidade de Penápolis-SP. Nossa questão central dirigiu-se
para a compreensão de como os sujeitos da pesquisa lidam com a doença (AIDS) e enfrentam
sua mais temível característica: o fato de ser incurável. Assim, nossa investigação remeteu-
nos ao contato com os medos, as esperanças e desesperanças dos soropositivos que
cotidianamente lutam pela sobrevivência, objetivando analisar suas representações sociais da
morte. A coleta de dados realizou-se a partir de entrevistas semi-estruturadas, sendo que um
roteiro prévio foi formulado e testado como entrevista-piloto. Após o teste com a primeira
entrevista, os pesquisadores, que através do Grupo de Apoio estabeleceram vínculos com os
sujeitos da pesquisa, realizaram as entrevistas (cinco soropositivos de ambos os sexos, com
idade entre trinta e sessenta anos). Gravadas e integralmente transcritas, as entrevistas foram
submetidas à técnica de tratamento dos dados denominada Análise de Conteúdo (BARDIN,
1979) e analisadas sob a ótica da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2003).
Esta análise resultou na formulação de quatro categorias, cada uma com duas subcategorias,
as quais a seguir nos reportamos: 1) Concepções de morte - duas distintas formas de
representar a morte puderam ser registradas: a primeira, vinculada à modalidade do
conhecimento teológico, que remete o sujeito a uma visão sobrenatural da morte e,
conseqüentemente, à crença na existência de uma imortalidade para a alma; a segunda,
vinculada à modalidade do conhecimento científico, que remete o sujeito ao confronto com as
etapas primordiais do ciclo vital (nascer, crescer e morrer) e com a finitude da existência
humana; 2) Imagens da morte - aqui duas subcategorias foram registradas: “morte ideal” e
“morte indesejada”. A primeira está ancorada no morrer sem sofrimento e objetivada na morte
instantânea ou súbita, entendendo que assim, o sujeito sofrerá menos e proporcionará menor
sofrimento também a seus familiares. Já a segunda está ancorada a um morrer marcado pela
dor e sofrimento prolongado e é objetivada na morte degenerativa: aquela em que o
moribundo vai sendo consumido aos poucos; 3) Medo da dependência - esta categoria dividi-
se em duas subcategorias: o “cuidado de si” e o “cuidado dos filhos”. Por ser a Aids uma
síndrome que fragiliza o sistema imunológico e facilita a comorbidade de doenças
oportunistas, os sujeitos entrevistados temem uma sobrevida marcada pelo definhamento que
gera dependência em relação a seus cuidadores. Os soropositivos entrevistados que são pais
ou mães de crianças ainda pequenas, manifestam ainda o medo de não poder cuidar de seus
filhos durante os períodos de internação hospitalar e após a morte, definitivamente; 4)
Esperanças - esta categoria é resultado da expressão das expectativas abstrato-afetivas e
materiais presentes nas falas de nossos entrevistados. Por expectativas abstrato-afetivas
entendemos as falas com conteúdos que se configuram como antítese do
material/materialismo: a possibilidade de realização pessoal, por exemplo. Como expectativas
materiais estamos entendendo as falas por meio das quais os entrevistados se referem às
necessidades básicas (ter casa própria, tratamento de saúde adequado, emprego, alimentação,
etc.) e expectativas ligadas à idéia de que o dinheiro resolve todos os problemas. A presença
do HIV no organismo intensifica a vivência da esperança por uma vida longa e saudável e,
concomitantemente, a vivência do medo por uma morte lenta e sofrida. As tendências
capitalista e hedonista da sociedade atual, influenciam os sujeitos de nossa pesquisa à
construção de representações sociais da morte objetivadas pelo desejo de que a mesma venha
marcada pela ausência total ou parcial de sofrimento. O medo da dependência com relação ao
cuidado de si e/ou com relação ao cuidado dos filhos (para o caso dos entrevistados que os
têm) reflete o traço individualista da sociedade acima descrita, que prima pela produtividade e
autonomia do sujeito. A religião e a ciência influenciam as representações sociais da morte
permitindo que a mesma seja esperada pelos soropositivos como sendo algo ora sobrenatural
ora natural. Contudo, e invariavelmente, a espera e a esperança [espera(nça)] pela descoberta
da cura para a Aids, manifesta por todos os participantes da pesquisa, dirige-nos para à
consideração de que a vida após a contaminação pelo HIV passa a ser pautada pela vivência
de grandes paradoxos.

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