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James Cannon
Parte 1
As lutas políticas em geral, incluindo sérias lutas fracionais em um partido, não ocorrem em
um vácuo. São realizadas sob a pressão das forças sociais e refletem a luta de classes em algum
grau. Esta lei é demonstrada do modo mais contundente no desenvolvimento da presente
discussão no interior do nosso partido.
No momento presente, a pressão das forças de classes alheias sobre a vanguarda proletária
é excepcionalmente pesada. É o que devemos entender antes de mais nada. Somente então
podemos nos acercar a uma compreensão da atual crise do partido. É a mais profunda e severa
crise que o nosso movimento já conheceu em uma escala internacional. A tensão sem precedentes
nas fileiras aponta para um conflito de posições de princípios que são obviamente irreconciliáveis.
Dois campos no partido lutam por diferentes programas, diferentes métodos e diferentes tradições.
O que levou o partido a esta situação em tão curto espaço de tempo? Obviamente, não foi a
descoberta súbita da incompatibilidade dos dirigentes individuais envolvidos; tais bagatelas são
sintomas do conflito, não as causas. Não é possível, também, explicar de modo plausível um
conflito desta profundidade e abrangência pela explosão de velhas diferenças de opinião sobre a
questão de organização. É necessário, para entender o significado real da crise, buscar causas
mais profundas.
Não é difícil, para os que entendem a política como uma expressão da luta de classes – e é
este o modo pelo qual os marxistas a entendem – encontrar a causa básica da crise no partido. A
crise representa a reação, em nossas fileiras, à pressão externa. Foi desta forma que a definimos,
logo no início da crise em setembro passado, imediatamente a seguir da assinatura do tratado do
Pacto Nazi-soviético e do começo da invasão alemã da Polônia. Dizemos, mais precisamente, que
a crise é o resultado da pressão da opinião pública democrático-burguesa sobre um setor da
direção partidária. É esta nossa análise da luta incontida entre as tendências proletária e pequeno-
burguesa em nosso partido.
Definimos as frações em luta não por termos gerais e abstratos como “conservadora” e
“progressista”. Julgamos as frações, não pelos traços psicológicos dos indivíduos, mas pelo
programa que defendem. A discussão revelou não uma diferença de opinião acerca da aplicação
do programa – tais diferenças ocorrem frequentemente e, normalmente, têm uma importância
transitória – mas uma tentativa de contrapor um programa a outro. Eis o que dividiu o partido em
dois campos. Estes termos, que utilizamos desde o começo da discussão para caracterizar as duas
tendências no partido, têm a função de ser, naturalmente, definições e não insultos. É necessário
repetir esta consideração em cada debate entre marxistas e políticos pequeno-burgueses de todos
os tipos; algo que eles não toleram é serem chamados pelo seu verdadeiro nome.
Os dirigentes da oposição consideram ultrajante, uma invenção maldosa fracional, colocar
uma tabuleta de classe sobre a sua fração quando o seu único crime consiste no simples fato de
que voltaram as costas para a União Soviética e negaram-lhe defesa na luta contra o imperialismo
mundial. Nossa definição, porém, deste tipo de atitude não é nova. Nos tempos em que
Schachtman estava parafraseando Trotsky e não Burnham, ele mesmo escreveu: “no fundo, a
posição ultraesquerdista sobre a União Soviética, que lhe nega qualquer direito a ser um Estado
operário, reflete as vacilações dos pequeno-burgueses, sua incapacidade de fazer uma escolha
firme entre os campos do proletariado e da burguesia, da revolução e do imperialismo”.
Esta citação, de um artigo escrito no New International por Schachtman há dois anos, pode ser
aceita como uma definição científica das combinações da oposição e da sua posição atual com
apenas uma pequena emenda. Não é correto descrever sua posição como “ultraesquerdista“.
Os dirigentes da oposição escreveram e falaram muito no passado seguindo a linha da citação
acima. Ano após ano, em inumeráveis artigos, documentos, teses e discursos, os dirigentes da
oposição prometeram e até ameaçaram defender a União Soviética: “na hora do perigo, vamos
estar em nossos postos!” Mas quando a hora aproximou-se, quando a União Soviética quase
começou a necessitar desta defesa, descumpriram a sua promessa.
O mesmo fizeram com o programa em geral, com a doutrina, os métodos e a tradição do
marxismo. Quando tudo isso deixou de ser assunto para exercícios literários em tempos de
tranqüilidade e tinha que ser tomado como um guia para a ação em tempo de guerra, esqueceram-
se de tudo que havia sido escrito e dito e começaram umas buscas frenéticas por “idéias novas e
frescas”. No primeiro teste um pouco mais sério revelaram-se como “trotskistas de tempos de paz”.
Este desempenho vergonhoso, esta traição do marxismo, ocorreu na seção americana da IV
Internacional antes mesmo da entrada formal do imperialismo americano na guerra. Na bíblia da
oposição – seu documento sobre “A guerra e o conservadorismo burocrático” – somos certificados
de que a crise do partido “foi provocada pela guerra”. Esta não é uma afirmação realmente precisa.
Os EUA ainda não entraram formalmente em guerra e, até agora, temos apenas uma vaga
indicação da pressão material e moral que pesará contra a vanguarda proletária sob condições de
guerra. Não a guerra, mas apenas a sombra da guerra que se aproxima foi suficiente para provocar
a debandada enlouquecida da boiada de Burnham, Schachtman e Abern.
Estes filósofos da retirada e da capitulação, atribuindo gratuitamente ao partido seu próprio
pânico, expressam a opinião de que camaradas que leiam seu documento sobre o regime do
partido, “tiram dele conclusões cínicas, desencorajadas ou derrotistas”. E acrescentam: “o futuro é
sombrio”. Burnham, que desnudou sua alma pequeno-burguesa em um documento especial
intitulado “Ciência e estilo”, proclama com uma satisfação maliciosa – o desejo é pai do pensamento
– a derrocada da IV Internacional. A realidade é diametralmente o oposto destas observações
lúgubres.
Na maioria proletária do partido não há um único traço de pessimismo. Ao contrário, há
satisfação universal de que a defecção de um setor da direção partidária tenha se revelado em
tempo, antes da guerra, e sob condições em que pudessem ser combatidas abertamente numa
discussão livre e derrotadas. A virtual unanimidade com que os quadros proletários agruparam-se
para defender o partido e a IV Internacional, a combatividade e irreconciliabilidade com que
enfrentaram o ataque de Burnham, Abern e Schachtman são uma prova viva da vitalidade e
indestrutibilidade do nosso movimento. Este é um bom agouro para o futuro. Nos dá confiança de
que enfrentará o teste real da guerra quando vier. Nos dá base para os cálculos mais otimistas de
que a IV Internacional não apenas “sobreviverá”, mas vencerá na luta.
Sob a luz destes fatos, que mostram as duas facções em luta já separadas em dois campos
que defendem programas e métodos antagônicos irreconciliáveis, que interesse possível pode um
apoiador da IV Internacional e do marxismo em geral ter em um “regime” da oposição pequeno-
burguesa ou vice-versa? O conjunto da abordagem à questão do “regime” deve ser
fundamentalmente diferente em cada caso, dependendo da posição adotada na questão do
programa. O objetivo daqueles que defendem nosso programa somente pode ser corrigir as
deficiências do regime e melhorar o seu funcionamento de modo a fazer dele um instrumento mais
eficiente do programa. Os críticos do campo da oposição, por outro lado, na medida que haja algum
sentido ou lógica em sua posição, não podem ter qualquer interesse verdadeiro em nosso regime
enquanto tal. Seu objetivo fundamental é substituir o programa atual por outro programa. Para isso,
requerem uma melhora do atual regime, mas a sua remoção e substituição por outro que realizará
o programa revisionista.
Está claro, assim, que a questão que coloca-se em primeiro lugar não é organizativa, mas
política. A linha política é e deve ser um fator determinante. É e deve ser colocada no centro da
discussão. Nos mantemos nesse método apesar de tudo, mesmo ao custo de perder o voto de
camaradas que estão interessados primeiramente em questões secundárias, porque somente
deste modo é possível educar o partido e consolidar uma base confiável de apoio para o programa.
Qual é a importância da questão organizativa enquanto tal em um partido político? Tem uma
importância independente em si própria no mesmo plano com as divergências políticas ou mesmo
acima delas? Muito raramente. E mesmo então de modo muito transitório, pois a linha política
atravessa e domina a questão organizativa todas as vezes. Esta é a primeira lição do ABC da
política partidária, confirmada por toda a experiência.
Em seu documento notório intitulado "Ciência e estilo “, Burham escreve: “a segunda questão
central é o problema do regime no Socialist Workers Party”. Na realidade, a oposição tentou desde
o começo da disputa fazer da questão do “regime” a primeira questão; os quadros básicos da
oposição foram recrutados precisamente sobre esta questão antes que as divergências teóricas e
políticas fundamentais estivessem completamente reveladas e desenvolvidas.
Este método de luta não é novo. A história do movimento operário revolucionário desde os
dias da I Internacional é uma crônica ininterrupta de tentativas de agrupamentos pequeno-
burgueses e tendências de todos os tipos a recompensar-se a si mesmos pela sua debilidade
teórica e ideológica por ataques furiosos aos “métodos organizativos” dos marxistas. E sob a rubrica
de métodos organizativos, incluíam tudo do conceito de centralismo revolucionário até questões
rotineiras relativas à administração e, indo além, aos modos pessoais e métodos dos seus
oponentes de princípio, os quais invariavelmente descrevem como “maus”, “agressivos”, “tirânicos”
e – é claro, é claro, é claro – “burocráticos”. Até os dias de hoje, qualquer pequeno grupo de
anarquistas explicar-lhe-á como o “autoritário” Marx maltratou Bakunin . A história de onze anos do
movimento trotskista nos Estados Unidos é extremamente rica em tais experiências. As lutas
internas e as lutas de fração, nas quais os quadros básicos do nosso movimento consolidaram-se
e educaram-se foram, em parte, sempre lutas contra tentativas de substituir as questões principais
por querelas organizativas. Os oponentes politicamente débeis lançavam mão deste subterfúgio
todas as vezes.
Este foi o caso desde os primeiros dias. Nos primeiros anos do nosso movimento, de 1929
quase sem interrupção até 1933, Abern-Schachtman travaram uma guerra de palavras furiosa
contra o “aparato burocrático” de Cannon-Swabeck , que consistia, na época, em uma máquina de
escrever e nenhuma estenógrafa e nenhum funcionário regularmente pago. A mesma gritaria era
feita pela fração de Abern-Muste contra o “regime” de Cannon-Schachtman. Então, Schachtman,
que escreve com igual facilidade em cada um dos lados do problema, defendia o “regime” – o
mesmo regime – em documentos escritos eloqüentemente e, desnecessário dizer, longos.
Em nossa batalha com a fração centrista de Symes-Clement no Partido Socialista da
Califórnia, o último controlava o comitê estadual e trapaceava e nos perseguia através de todos os
possíveis truques burocráticos, apelando finalmente para a nossa expulsão; isto não os deteve de
protestar todo o tempo contra os “métodos organizativos” de Cannon. Na disputa em torno à
questão russa, depois da nossa expulsão do Partido Socialista e precedendo a constituição formal
do SWP, Burham e Carter suscitaram a questão organizativa contra nós em uma resolução especial
inspirada pela concepção do menchevismo. Schachtman, que naquela estação estava ao lado do
bolchevismo, colaborou comigo em redigir um esboço de uma contra-resolução sobre a questão de
organização e defendeu o “regime”.
No atual conflito partidário, o mais fundamental de todos, a questão do regime é novamente
representada como a “questão central”. Desta vez, Schachtman está ao lado de Burham, atacando
o regime que defendia ontem e atacava anteontem. Os tempos mudaram, o advogado mudou de
clientes, mas a guerra contra o “burocratismo” no partido mais democrático do mundo é conduzido
do mesmo modo que antes e pelos mesmos fins que antes. Estes “problemas internos”, diz Abern
em sua carta para Trotsky de 6 de fevereiro (1940), “nunca foram resolvidos satisfatoriamente”. Ele
deve saber, pois vem conduzindo a guerra sem parar por dez anos – abertamente quando pôde
achar aliados importantes, através de intrigas secretas e como franco atirador em emboscada
quando ele e seu grupo ficaram sozinhos. Mas, nunca até o momento conseguiram “satisfação”.
Seus numerosos blocos organizativos, pelos quais estava sempre pronto a sacrificar qualquer
princípio, sempre entravam em colapso no momento crítico. Em cada caso, um novo estrato de
membros do partido que equivocadamente o haviam seguido, aprenderam uma dolorosa lição
sobre a superioridade da política de princípios marxista sobre os blocos organizativos.
Toda a experiência do nosso rico passado mostrou que não importa que sucesso temporário
possa ter uma combinação organizativa no começo, em recrutar camaradas experientes através
de contos de fada sobre o regime, a linha política sempre se impõe no final e conquista e subordina
a questão organizativa colocando-a em seu próprio lugar. É esta lei absoluta da luta política que
frustrou e derrotou Abern cada uma das vezes e o deixou e à sua clique isolados e desacreditados
ao final de cada conflito.
Abern e seu círculo íntimo de mexeriqueiros pequeno-burgueses nunca aprenderam.
Camaradas conscienciosos, no entanto, cuja inexperiência e ignorância explorava, que não tinham
interesse particular, e que tomaram esta exposição sobre a questão da organização como moeda
sonante, aprenderam. Este é o maior ganho das lutas passadas. Aqueles camaradas da nossa
geração mais jovem que tiveram experiências ruins com a tentativa, sob a tutela de Abern, a
substituir a linha política pela questão da organização, e mesmo elevá-la ao primeiro lugar acima
da luta política - são precisamente estes camaradas os mais imunes a este tipo de truque faccional
na atual disputa. Aprenderam, das suas infelizes experiência e de um estudo suplementar, a tirar
de lado o falatório acerca do regime no começo de cada disputa; aprenderam a sondar o fundo das
divergências políticas e assumir suas posições de acordo.
O longo documento da oposição a respeito da questão organizativa não foi escrito para os
quadros educados e bem informados do partido. Foi escrito para os inexperientes e os não
iniciados. Foi elaborado para apanhá-los desprevenidos e desorientá-los; para envenená-los com
animosidade faccional ou pessoal e, deste modo, torná-los incapazes de fazer uma avaliação
objetiva das grandes disputas políticas e teóricas que são a base do conflito.
Recusamo-nos, desde o princípio do presente conflito, firmemente nos recusamos a conduzir
a luta neste terreno. Estamos determinados a todo custo a expor a essência teórica e política da
disputa. Muitos camaradas levantaram objeções a esta estratégia. Queixaram-se de que
camaradas inexperientes estavam sendo desorientados por esta ou aquela história, por uma
suposta injúria ou outra, e alinharam-se em uma formação de cúpula antes mesmo de começar a
considerar seriamente as questões políticas. A despeito disso, instruídos pela experiência do
passado, nos mantivemos no nosso método. O desenvolvimento subseqüente das discussões no
partido confirmaram a sua correção. As questões estão bem claras agora. Este é o nosso grande
ganho.
Não há dúvida de que um certo número de camaradas foram desorientados e conquistados
para a oposição porque, nos primeiros estágios da discussão, nos recusamos ser desviados da luta
política e teórica fundamental e permitimos que a maior parte da fofoca e conversa miúda a respeito
do “regime” ficar sem resposta. A oposição tem todo o direito de manter os apoiadores ganhos por
estes meios; isto deve ser dito com toda a franqueza e seriedade.
Estamos vivendo em tempos sérios. Estamos na véspera de graves acontecimentos e
grandes testes para o nosso movimento. Pessoas que podem ser desorientadas e perder a cabeça
por meio de rumores e acusações não fundamentadas não serão soldados muitos confiáveis nos
duros dias que vêm. A pequena-burguesia, afinal, faz tudo em uma pequena escala. A fofoca e a
campanha difamatória da nossa oposição não é uma gota no balde comparada com as torrentes
de mentiras, desinformação e difamação que será derramada sobre as cabeças dos combatentes
revolucionários nos dias vindouros da crise da guerra através dos poderosos meios de propaganda
do inimigo de classe. Devemos esperar que, por longos períodos de tempo, seremos amordaçados,
amarrados pelas mãos e pés e não teremos meios de nos comunicar entre nós. Somente aqueles
que refletiram sobre os seus princípios e sabem como agarrar-se a eles firmemente serão capazes
de sustentar-se em tais tempos. Não é difícil prever que os que sucumbiram já diante desta fraca
antecipação desta campanha dentro do nosso partido podem ser engolidos pela primeira onda da
verdadeira campanha. Tais camaradas necessitam uma reeducação sobre a base dos princípios e
métodos da política marxista.
Somente então será possível apoiar-se neles para as futuras batalhas.
Parte 2
Desta carta é evidente que minha opinião da atitude pequeno-burguesa de Burham não foi
formulada inopinadamente no início da atual luta fracional. A “depressão intelectual” é a doença
pequeno-burguesa.
Esta não é, no entanto, a história toda. Pouco antes de escrever a carta acima tive a
oportunidade de estar em Mineápolis (no tempo do assassinato de Corcoran) como mencionei na
carta a Crux. Ali tive uma discussão com um grupo de camaradas dirigentes em Nova Iorque. Estes
camaradas, que os oposicionistas hoje retratam como pessoas ignorantes que odeiam intelectuais,
enfatizaram com muita força para mim na discussão seus desejos de que a disputa com Burham
fosse conduzida de tal modo a não criar com ele um antagonismo desnecessário ou enfraquecer
indevidamente sua posição no partido. Deixaram claro que valorizavam em alto grau as suas
habilidades e queriam segurança de um tratamento de camaradagem com ele que facilitasse a sua
permanência como dirigente do partido após a Convenção.
Foram assegurados da minha presteza em atender a sua vontade a este respeito. Expressei,
todavia, a opinião de que o verdadeiro problema com Burham era não tanto a sua posição política
equivocada como um conflito mais fundamental entre sua vida pessoal burguesa e as crescentes
exigências que o partido deve fazer para um dirigente. Em tais casos, lhes disse, eu havia
observado com freqüência que as pessoas procuram inconscientemente racionalizar suas
dificuldades pessoais e contradições na forma de “divergências políticas” com o partido
apressadamente obtidas. Disse que se pudéssemos nos sentir seguros de que Burham fosse
realmente um de nós, daria um sinal de determinação da sua parte para resolver suas contradições
pessoais e vir trabalhar no movimento revolucionário de modo sério - neste caso, teríamos muito
maior terreno para esperar que as divergência políticas entre nós seriam eventualmente superadas
no curso de uma discussão entre camaradas e do trabalho partidário comum.
Pouco depois da Convenção, Burham requereu que Schachtman e eu o encontrássemos para
almoçar longe do escritório partidário para discutir uma questão muito importante. Nesta reunião,
ele nos disse que um camarada, que havia participado da discussão em Mineápolis, havia relatado
meus comentários a ele. Enfatizou, porém, que havia sido feito de boa fé e com a melhor das
intenções. Expressei meu pesar de que as questões houvessem sido apresentadas a ele de modo
tão repentino antes que estivesse preparado para dar uma resposta. Contudo, agora que o fato já
estava feito não havia nada a fazer exceto enfrentar o problema.
Burham afirmou francamente que não estava seguro de que não estivesse certo em minha
suposição de que em suas controvérsias políticas conosco estava simplesmente racionalizando
suas contradições pessoais. Disse que era uma contradição real, que reconhecia este fato, e que
ainda não estava pronto para resolvê-la de modo definitivo. Ao invés de mergulhar mais
profundamente no trabalho partidário, queria mais tempo para considerar o problema e queria ser
liberado, pelo próximo período de todos os deveres partidários exceto seu trabalho literário regular.
Discutimos a questão de um modo amigável; não lhe demos nenhuma ordem burocrática,
aceitamos suas reivindicações.
As atas do Comitê Político reunido em 20 de janeiro registram a disposição oficial do assunto
da seguinte forma:
“Proposta de Cannon: pelo próximo período, considerar o trabalho do camarada Burham como
sendo especificamente literário e editorial e que ele seja eximido do trabalho de rotina do sub-
comitê. Aprovada.”
Se algum operário no partido, a quem é negado isentar-se de tarefas desagradáveis, ler este
trecho da ata do Comitê Político, pode, de fato, tirar certas conclusões a respeito da existência de
“cidadãos de segunda classe” no partido. Mas não encontrará nenhum indício de que o principal
intelectual do partido tenha sido colocado nesta categoria. (Incidentalmente, podemos aprender
deste relato que a famosa ‘reunião de ano novo’ na campanha automobilística não foi a única
ocasião em que as decisões formais do CP foram preparadas de antemão em conversas informais.
Houve muitas ocasiões como esta e haverá muitas mais no futuro. É o método normal de qualquer
“direção coletiva” séria.)
O que mudou desde então? O que aconteceu para que se quebrasse toda colaboração política
e pessoal e eventualmente nos trouxesse à atual situação? Da minha parte, nada mudou; meu
curso é hoje o mesmo de então. Burham moveu-se firmemente na direção oposta. Schachtman,
logo depois da conversa registrada acima, começou a mudar para a órbita de Burham. Separamo-
nos e agora estamos em campos opostos. Burham, como o testemunha seu artigo “Ciência e estilo”,
rompeu completamente com o marxismo e o bolchevismo e a revolução proletária. Shachtman, que
ontem defendia o bolchevismo contra Burham, hoje defende Burham contra o bolchevismo.
Deixemo-los explicar estes progressos por referências ao “burocratismo” de Cannon e às
maquinações de uma “clique”. Estes são simplesmente pretextos inventados após o fato. Todos os
meus esforços, como creio ter demonstrado, foram feitos para um fim diferente.
Quase desde o começo do movimento trotskista neste país, há mais de onze anos, seu
desenvolvimento normal e funcionamento tem sido obstruído por uma doença interna que
envenenou a corrente sangüínea do organismo partidário. O nome desta doença é abernismo. As
características do abernismo, como se manifestaram de modo consistente e ininterrupto durante
mais de dez anos são: política de clique, incessante disseminação de mexericos e reclamações a
respeito do regime partidário, subordinação das questões de princípio a considerações
organizativas e pessoais; combinacionismo sem princípios em toda luta de facção, traição
ideológica.
Esta doença interna sempre esteve presente e sempre foi prejudicial. Em tempos “normais”
quando não havia nenhuma luta faccional aberta, ela ficava adormecida, sapando a vitalidade do
partido. A cada virada brusca, a doença assumia sempre imediatamente uma forma extremamente
virulenta, complicando as lutas ideológicas no mais alto grau e empurrando-as à beira da cisão.
O grupo de Abern é uma clique familiar permanente cuja existência ininterrupta e práticas
pérfidas são conhecidas de todos os velhos membros do partido. Durante mais de dez anos tem
travado uma luta fracional, ora aberta, ora oculta, mas nunca interrompida, contra a direção
partidária.
Alguma vez no passado a maior parte dos camaradas dirigentes teve divergências e formaram
agrupamentos de fração temporários na luta por conflitantes visões políticas. As disputas tendo
sido resolvidas, a paz era feita e uma boa colaboração retomada, os oponentes com muita
freqüência tornavam-se os melhores amigos, sem ressentimentos. Abern, porém, sem uma
plataforma, sem uma única vez apresentar nenhuma posição política independente, nunca se
reconciliou, nunca cessou sua inexplicável luta faccional consistente.
Na disputa atual Abern está apenas repetindo suas velhas e gastas práticas. Entra em uma
combinação organizativa; comercia sua posição sobre a questão russa em troca de um bloco contra
o regime; envenena a atmosfera da discussão; e, agora, como sempre antes de uma etapa crítica,
trabalha deliberadamente na direção de uma ruptura. Em sua carta ao camarada Trotsky, datada
de 29 de janeiro, anuncia sua intenção de “levar esta luta até o fim”. Por “fim”, obviamente quer
dizer o que sempre quis dizer em situações semelhantes no passado, não uma decisão democrática
por uma maioria do partido na convenção, mas uma ruptura destrutiva nas fileiras do partido.
A trajetória indefensável de Abern está inscrita na história do nosso partido. Os camaradas
mais jovens devem conhecer esta história e não se deve permitir passar por cima dela. O
conhecimento deverá ajudá-los a evitar as traiçoeiras armadilhas da política de clique e
combinacionismo.
Shachtman está muito ocupado nos dias atuais com a tentativa de passar a rica história do
nosso partido como uma série de conflitos dos quais nenhuma lição pode ser extraída. Isto não é
verdade. Não lutamos por bagatelas. Shachtman objeta a que se faça referência ao registro do
passado apenas porque ele condena o seu curso atual. Inventa para a atual luta faccional o mito
de uma “clique de Cannon”, como um artifício super inteligente para aparar o golpe de um exame
da trajetória da verdadeira clique cuja acusação ele mesmo fez em documentos que mantêm até
hoje a sua validade. Se alguns camaradas ficaram chocados e espantados pela frieza com que
Abern, o “marxista ortodoxo” entrou em uma combinação com o revisionista Burham, uma resenha
da história do partido mostrar-lhes-á que tais ações da parte de Abern nada têm de novo. Nas suas
lutas anteriores com a direção partidária, Abern não hesitou em combinar com o sectário Oehler,
com o não-marxista Muste e até mesmo com os agentes stalinistas no partido. Na luta atual, Abern
está apenas continuando um curso extraordinariamente persistente.
A tentativa dos escribas da oposição para revisar nossa história bem como nosso programa
é, por assim dizer, uma “concessão” a Abern, cujo prontuário de luta de camarilhas e
combinacionista mancha qualquer fração que apóie. Shachtman e Burham, porém, escrevem
demais e esquecem rápido demais o que escreveram. Eles próprios já caracterizaram o grupo de
Abern como uma clique desleal e sem princípios; expuseram e condenaram seu combinacionismo
sem princípios e registraram a sua história. Querem agora descartar toda referência a esta história,
especialmente os documentos que eles mesmos escreveram, como não sendo pertinentes à
discussão atual. Eis porque não encontraram nada na “história” de Abern que valha a pena
defender.
Dizemos e provamos que Abern está recorrente na atual situação crítica às mesmas práticas
e métodos que sempre empregou nas crises anteriores do partido. Tentam mudar o assunto
acusando-nos de remexer divergências políticas que não têm relação com a disputa atual. Não,
não é esse o caso.
Não estamos falando dos erros políticos passados de Abern, ainda que todas as vezes que
ele tenha se aventurado a dar à sua “luta organizativa” contra o regime do partido uma expressão
política nada cometeu senão erros. Não estamos falando da sua oposição à entrada no Partido
Socialista ou, antes disso, sua tentativa de obstruir a fusão com os musteístas e, ainda antes, suas
malfadadas aventuras nos sindicatos que terminaram precipitadamente. Não estamos tentando
conectar estas lutas ultrapassadas com a luta atual de vida ou morte em torno da questão russa.
Nossas referências específicas são daquelas características da conduta passada de Abern
que têm uma relação direta com o presente: seus métodos, sua política de clique, seu
combinacionismo sem princípio, suas traições de princípio para servir a fins faccionais. São estas
as práticas a que ele recorre na luta atual; foram estas as práticas invariáveis do passado.
Conseqüentemente, uma resenha do passado neste domínio é absolutamente pertinente para a
luta atual. O setor do partido que atravessou as experiências do passado conhece bem a sua
trajetória. Eis porque o abernismo é abominado pelos quadros básicos do partido. Os novos
membros do partido e a juventude precisam conhecer esta trajetória, precisam entender sua
conexão indissolúvel com o presente de modo que possam ajustar contas definitivamente com esta
tendência corruptora na próxima convenção.
Desde o começo mesmo da atual luta faccional, Shachtman e Burham vêm sofrendo com
mais constrangedora contradição, como resultado da sua combinação com Abern. Não são
capazes de defender a trajetória do grupo de Abern. Por outro lado, não podem passar sem Abern,
uma vez que seu grupo é a espinha dorsal organizativa da combinação. Tentaram resolver o
problema negando a existência da clique de Abern totalmente. A “questão Abern”, diz Shachtman,
levantando a sua varinha de condão, é “espúria”, “não existe”. Cannon sabe o que todo dirigente
partidário bem informado, e muitos militantes, sabem, ou seja, que durante vários anos pelo menos
não existiu tal coisa como um “grupo de Abern”.
São boas notícias, só que não são verdadeiras e ninguém “sabe” disso melhor que Shachtman
e Burham. Provaremos este fato pelas suas próprias bocas. A existência desta clique, sua natureza
e método de funcionamento foram estabelecidos e registrados com precisão mortal por ninguém
menos que Burham, não “muitos anos” atrás, mas meros três meses antes do começo da atual luta
faccional. Em um documento apresentado ao Comitê Político do partido em 13 de junho de 1939,
Burham escrevia:
“Há alguns anos, Abern constituiu um grupo de seguidores sobre uma base primordialmente
pessoal antes que política. Este grupo tem sido mantido vivo e ainda vive, alimentado por um
extenso contato pessoal e por correspondência, ajuda mútua e proteção no que diz respeito a
tarefas partidárias e cargos, pela distribuição conjunta de fofocas e informação, inclusive de
informação confidencial, e inimizade a Cannon. Quaisquer postos que Abern assuma são
administrados com competência, mas ao mesmo tempo administrado de tal forma que ajude a
manutenção da sua clique” (“Para acertar a cabeça do prego”, itálicas minhas).
O que levou Burham a colocar por escrito em um documento oficial uma caracterização tão
demolidora? O que o levou a estabelecer com tal precisão a origem, os métodos, motivações e
atual existência da clique de Abern? Estava simplesmente registrando de modo natural uma
circunstância que “todo membro bem informado do partido conhece”, incluindo Shachtman. O fato
de que ele não tenha previsto alguns meses no futuro quando o bloco opositor necessitaria do apoio
de Abern e pensasse necessário negar a existência da sua clique e denunciar até mesmo que se
a mencionasse como sendo “espúrio”, tudo isso atesta a miopia de Burham. Não altera, porém, em
modo algum os fatos mencionados.
***
Shachtman pratica uma fraude deliberada contra o partido quando tenta negar estes fatos que
nenhum de nós foi capaz de esquecer. Eram sempre uma fonte constante de irritação e perturbação
na direção partidária, mesmo nos tempos “normais” e uma ameaça à sua unidade em toda luta de
fração séria. A inexistente clique de Abern era o assunto de repetidas discussões na direção,
particularmente entre os mesmos Shachtman e Burham e Cannon. Burham, mais de uma vez,
caracterizou Abern como um incipiente “Stálin americano”, referindo-se deste modo às suas intrigas
incessantes, sua deslealdade, seu faccionalismo destituído de considerações de princípios, suas
motivações mesquinhas, alheias ao espírito do comunismo, de despeito e “vingança”.
Nenhum de nós que realmente conhecíamos Abern tinha em alta estima suas contribuições
para a direção do partido. Se concordamos em aceitá-lo como membro do Comitê Político, não foi
por suas contribuições políticas. Ele nunca fez uma única. Com certeza, porque não havia “tal coisa”
como um grupo de Abern. Ao contrário, era precisamente porque sabíamos que ele representava
um grupo que o aceitávamos no Comitê Político como uma concessão a este grupo, em uma
tentativa de satisfazê-lo e ao mesmo tempo para desarmá-lo mostrando que não discriminávamos
opositores derrotados. Aceitamo-lo no Comitê Político por outra razão, não porque confiássemos
nele, mas porque queríamos tê-lo em um lugar onde poderíamos observá-lo mais cuidadosamente.
Tais são os fatos do caso e ninguém os conhece melhor que Shachtman.
Quando tínhamos questões de natureza extremamente confidencial para considerar - e não
uma nem duas vezes, mas repetidamente - nós nos desembaraçávamos delas informalmente, sem
levá-las à reunião oficial do Comitê Político. A razão? Não confiávamos em Abern para respeitar
confidências do CP. Em mais de uma ocasião, quando deixamos de lado esta precaução, tivemos
motivos para nos arrepender da nossa falta de cuidado.
Várias vezes informações confidenciais foram transmitidas por Abern aos membros da sua
clique - este é um dos privilégios que gozam estes perseguidos “cidadãos de segunda classe” - e,
então, passadas para círculos mais amplos, algumas vezes nas mãos dos nossos inimigos.
Igualmente fraudulenta é a tentativa de Shachtman de provar a inexistência do grupo de Abern por
referência ao fato de que o Comitê Político eleito na Convenção de Chicago “tinha nele quatro ex-
abernistas de um total de sete membros, ou seja, uma maioria!” Os quatro “ex-abernistas” eram
Abern, Widick, McKinney e Gould. Em primeiro lugar, não havia o objetivo de dar-lhes uma maioria;
Widick foi eleito não como membro do CP, mas como aspirante, apontado por Shachtman,
conforme atestam as atas, “pela razão de que ele seria capaz de servir como secretário sindical até
que Farrell Dobbs pudesse assumir suas funções”. Dobbs foi eleito como o membro regular do CP,
mas não estava em condições de assumir por outras razões que impediam que viesse para o
centro. Goldman, proposto como primeiro aspirante, também estava incapacitado de vir para Nova
Iorque naquele momento. Em segundo lugar, as seleções para este CP foram feitas sobre uma
base funcional antes que política. McKinney, naquele momento, Organizador de Distrito de Nova
Iorque, era considerado necessário no CP devido às suas funções. Quanto a Gould, sua escolha
foi feita pelo Comitê Nacional do YPSL. Estes fatos do registro, omitidos por Shachtman, são
suficientes para mostrar que não havia objetivo algum de colocar uma maioria de ex-abernistas no
comitê.
A circunstância de que quatro abernistas eventualmente foram parar no comitê, devido a uma
seleção por função e devido à impossibilidade de Dobbs ou Goldman de vir para o centro e o fato
de que não levantássemos objeção a este resultado, não prova de modo algum a “inexistência” da
clique de Abern. Prova somente que não foram privados de suas funções devido às suas faltas
passadas. Mais ainda, esta composição um tanto acidental do CP era aceitada deliberadamente
como um teste para os indivíduos envolvidos, como um esforço para que rompessem com as
formações e associações de clique integrando-os no corpo dirigente do partido. Por exemplo, no
caso de Widick, sentimos que apontando-o para o trabalho sindical, um campo completamente
alheio aos círculos de fofoca da clique de Abern, a atividade neste campo mais amplo poderia
operar para curá-lo da sua doença de clique e torná-lo um homem de partido.
Gould, conforme afirmado, veio ao comitê como representante do Comitê Nacional do YPSL.
Mas quando Gould, durante a convenção de Chicago, inquiriu a respeito da nossa atitude em
relação a ele como secretário nacional do YPSL, demos-lhe certas condições explícitas,
estabelecidas por Shachtman. Em uma reunião entre nós três, Shachtman disse sem rodeios a
Gould: “estamos dispostos a apóiá-lo se você for um homem de partido no YPSL, mas não se você
for um abernista. Não queremos que o YPSL se transforme em um brinquedo para a política de
clique de Abern. Eis aqui o quanto Shachtman realmente acreditava na época da Convenção de
Chicago que “não houve tal coisa como um ‘grupo de Abern’”. A tentativa de Shachtman de dar
uma impressão contrária em sua “Carta aberta a Trotsky” representa simplesmente uma perversão
deliberada perversão dos fatos de modo a enganar o partido. Shachtman declarou que a clique de
Abern “dissolvida” apenas quando necessitava-a em sua realidade não dissolvida para propósito
de uma combinação contra o regime do partido.
***
Shachtman escreve a respeito de muitos assuntos que ele não entende completamente, mas
sobre a questão da clique Abern, sua origem, seus métodos, sua deslealdade e sua ameaça
permanente à unidade do partido - a respeito deste assunto, ele formou-se como uma autoridade
há muito tempo. O que ele escreveu ontem sobre este assunto, quando não tinha necessidade
fracional alguma de esconder a verdade, é totalmente aplicável hoje, pois o grupo de Abern não
mudou em absolutamente nenhum aspecto.
Em fevereiro de 1936, perto do fim da luta longa fracional em torno da entrada no Partido
Socialista, quando a combinação oposicionista de Muste e Abern nos ameaçava com uma ruptura,
Shachtman resumiu a história da luta e a história do movimento trotskista na América, em um
documento mimeografado de 70 páginas com espaço simples que ocuparam totalmente dois
boletins internos do partido. O tema principal do seu conteúdo indicado pelo título “Política marxista
ou combinacionismo sem princípios?” é, do começo ao fim, uma polêmica sistemática contra a
clique de Abern. O propósito do documento, como estabelece a sua introdução, era o de educar a
juventude na luta contra a política de clique e o combinacionismo sem princípios.
“Está dirigido, escreveu Shachtman, acima de tudo para o militante sedento de conhecimento do
nosso movimento. Em certo sentido, é dedicado a eles (...) A juventude deve ser treinada no espírito
do marxismo revolucionário, da política de princípios. Através da sua corrente sangüínea deve
correr uma poderosa resistência ao veneno da política de clique, ou subjetivismo, do
combinacionismo pessoal, da intriga, da fofoca. Deve aprender a atravessar todas as
superficialidades e atingir a essência do problema. Deve aprender a pensar politicamente, a ser
guiada exclusivamente por considerações políticas, a discutir os problemas consigo mesma e com
outros sobre a base de princípios e agir sempre por motivos de princípio.” (Boletim Interno do
Worker Party, nº 3, fevereiro, 1936, página 2).
Quando Shachtman escreveu, naquele momento, a respeito da política de clique, não estava
se referindo a uma imaginária clique de Cannon. Estava lutando ombro a ombro com Cannon contra
a clique que existia na realidade então tanto quanto existe hoje. Shachtman nunca nos iluminou
quanto à origem precisa da chamada “clique de Cannon”. Quanto à origem da clique de Abern, ele
nos deu informação muito mais precisa.
Prometeu provar e provou de fato que “era formada na calada da noite sem uma plataforma
política e sem nunca, em dois anos de existência, ter elaborado uma plataforma política, que a sua
base de existência é a de uma combinação pessoal sem princípios, de uma clique que se recusa a
superar na prática animosidades pessoais e faccionais completamente ultrapassadas, que seu
principal objetivo é ‘esmagar Cannon” (e Shachtman, devido à sua associação com aquele)” (idem,
página 22).
Na realidade, a clique da qual está falando foi “formada na calada da noite” nos primeiros dias
da Oposição de Esquerda, não “dois anos”, mas sete anos antes do artigo de Shachtman citado
acima ter sido escrito. O grupo de Shachtman datou incorretamente no futuro a origem do grupo de
Abern no momento da sua ruptura com ele. Abern está sempre sendo “dissolvido” pelas defecções
das pessoas que aprendem algo de uma experiência infeliz e então é reconstituído com o seu
núcleo básico intacto. Começa então a atrair novos recrutas das fileiras dos inexperientes e dos
mal informados, que confundem fofoca, queixas pessoais e “questões de organização” com política
revolucionária.
Quais, de acordo com Shachtman, eram os métodos de recrutamento desta clique? Naquele
momento, como hoje: “(...) não ganhou um único partidário pelos métodos de um confronto
ideológico honesto e aberto aos seus oponentes. Seus métodos são outros: diz uma coisa nas
cartas, venenosas ‘notas informativas’ enviadas secretamente por Abern, mas que nunca ousam
apresentar publicamente diante do partido, e dizem outra coisa abertamente (...)” (página 61).
O que a clique representava politicamente? O sempre dinâmico Shachtman, que mantém a
pose enquanto assina com Abern condenações do “conservadorismo” de Cannon, tinha a dizer
acerca da política do grupo pendular de Abern, que: “representa esterilidade política, passividade,
negativismo, timidez, medo de inovações - uma espécie de (ouçam! Ouçam!) sectarismo
conservador” (página 61).
Novamente, “se fôssemos obrigados a dar uma caracterização concisa da facção Abern-
Weber nossa fórmula confirmar-se-ia a duas palavras para descrever sua predisposição política e
seus métodos organizativos: uma clique conservadora” (página 62).
O que representa? “Representa uma corrente insalubre e sinistra na nossa corrente
sangüínea, a corrente do marxismo revolucionário que se baseia em métodos de princípio, que
detesta a política de clique e combinacionismo pessoal. Sua moral, seus hábitos, sua maneira, seus
métodos tornam-na um sistema estranho em nosso movimento” (página 63).
No documento citado acima e em outros publicados durante a luta de facções na época,
Shachtman provou minuciosamente que a clique sem princípios de Abern, cega para todas as
metas com exceção a de “esmagar Cannon”, combinou-se com os ultra-esquerdistas oehleristas,
com Muste e mesmo com agentes stalinistas mal disfarçados no partido! Cada uma destas
combinações teve um resultado terrível. Os oehleristas romperam com o partido e a IV Internacional
e tornaram-se inimigos encarniçados. Sem se incomodar com isto, Abern, em combinação com
Muste, deliberadamente preparou-se para torpedear o partido com outra ruptura. Enfrentado, como
agora, com uma certa perspectiva de ficar em minoria na convenção, Abern recusou-se firmemente,
então como agora, a dar ao partido qualquer segurança de que aceitará as decisões da convenção
sob o princípio do centralismo democrático. Ao contrário, continuou com um plano deliberado de
romper nossas fileiras no mais crucial ponto de inflexão da nossa história, quando estávamos
reunindo nossas forças para uma manobra complicada para quebrar o nosso isolamento entrando
no Partido Socialista.
Qual foi o motivo deste programa pérfido? Qual foi o motivo da sua orientação para a ruptura
na velha luta de 1933, nos dias do nosso isolamento e estagnação, quando uma ruptura das nossas
débeis forças poderia bem ter soado o dobre de finados do nosso jovem movimento - uma ruptura
que somente foi evitada pela intervenção da nossa organização internacional e a separação de
Shachtman, Lewit e outros de Abern? Qual é o motivo da ameaça de uma ruptura na seção
americana da IV Internacional na véspera da guerra e da oportunidade e teste histórico do nosso
movimento?
Esta são as questões que começaram como pensamentos não pronunciados nas mentes dos
camaradas experientes do nosso partido no curso desta discussão. À medida que a luta se
desenvolvia e o pérfido programa de Abern tornava-se mais claramente revelado, o pensamento
tornava-se um sussurro e o sussurro está hoje se tornando um grito! Alerta pela unidade do partido!
Alerta contra os desígnios sinistros para romper nossas fileiras no momento mais crítico da nossa
história!
***
Por que Abern não levou adiante seus planos de ruptura em 1936? Por duas boas razões -
ambas fora de seu controle: 1) a facção estava reduzida a uma pequena minoria; 2) uma tendência
anti-ruptura a paralisou de dentro.
Weber, que havia se aliado a Abern na luta faccional e cuja influência pessoal havia sido uma
cobertura para ele, recuou diante da perspectiva de uma ruptura. Separou-se de maneira clara e
pública do programa rupturista de Abern e Muste saiu a campo firmemente pela unidade do partido.
Um exemplo para os outros diante da presente situação crítica! um exemplo de lealdade partidária
que ainda não recebeu o devido reconhecimento. Weber foi denunciado por Abern e seu círculo
como “traidor”. Até hoje ele está colocado no “ostracismo social” pela clique porque demonstrou na
situação mais crítica e responsável que sua maior lealdade era para com o partido. Como é
vergonhoso e criminoso denegrir Weber de modo a cobrir Abern nas referências àquela luta.
“Weber não desempenhou o menor papel na disputa daqueles anos”, diz o documento de Burham,
Abern, Shachtman e Bern intitulado “A guerra e o conservadorismo burocrático”. Monstruosa
perversão da história! Weber desempenhou o papel de homem leal ao partido e ajudou-o a frustrar
os desígnios daqueles que pretendiam rompê-lo. Esta ação apenas pesa mais que os erros
cometidos por Weber na luta faccional. Shachtman e Burham também o reconheceram naquele
momento. Sua tentativa de ditar um julgamento diferente agora os desacredita, não Weber.
A distância que se pode percorrer no caminho da traição ao substituir a política de princípios
pelo combinacionismo não está sendo revelada pela primeira vez pelo atual bloco de Abern com o
antimarxista e antisoviético Burham contra o partido e a IV Internacional. Já mencionei que na luta
de facções de 1935-36 ele não apenas combinou-se com os oehleristas ultra-esquerdistas e o
socialista cristão Muste contra o “regime de Cannon-Shachtman”, mas incluiu em sua combinação
alguns agentes políticos do stalinismo nas fileiras do Worker’s Party. Estes não eram provocadores
infiltrados tais como os que podem penetrar em qualquer organização ou grupo honesto sem revelar
sua identidade política; não há razão para duvidar de que temos tais agentes em nossas próprias
fileiras. Os aliados stalinistas de Abern no Worker’s Party mostraram repetida e consistentemente
a sua orientação e por um longo período de tempo. Eram consistentemente combatidos pelos
camaradas leais no ramo do partido em Allentown e pela fração Cannon-Shachtman no Comitê
Nacional e com a mesma consistência protegidos e encobertos pela cúpula Abern-Muste. Foram
mantidos nesta cúpula e, até mesmo, no seu corpo dirigente.
A combinação Muste-Abern-stalinista foi ao extremo de se combinar nas eleições da Liga de
desempregados local de Allentown com representantes oficiais dos stalinistas contra os membros
do seu próprio partido! Eis como a situação foi descrita no Boletim nº 5 do grupo Cannon-
Shachtman no Worker’s Party, publicado sob a data de 28 de janeiro de 1936:
“O musteísta Reich, que tem sido criticado durante o último ano por sua orientação pró-stalinista,
foi ao extremo de contribuir para a realização uma reunião stalinista na qual Mãe Bloor e Budenz
deveriam falar. Isto ocorreu em uma reunião de delegados da Liga de Desempregados de
Allentown. O CP, examinando a questão, chegou à conclusão de que o ramo de Allentown ao
apenas censurar Reich, havia assumido uma atitude demasiadamente suave em relação a um
crime como este. O CD ordenou sua suspensão por três meses, com a exceção de que deveria
manter seu direito de votar nas resoluções e nos delegados para a convenção (...) Decidiram
desafiar a decisão do CP (...)
Nas eleições para o comitê executivo de Lehig da Liga dos Desempregados, a cúpula (Muste-
Abern) decidiu eliminar os oponentes da sua facção no partido. Três membros da direção, eleitos
na chapa da nossa tendência, foram retirados da chapa para a reeleição e uma chapa de seis
musteístas para preencher os seis cargos foi aprovada pela maioria musteísta do ramo, uma
maioria na reunião de 22 a 21. Devido a um apelo da minoria do CP decidiu-se corrigir a chapa,
deixar os três dirigentes concorrer à reeleição e manter os candidatos musteístas para os demais
cargos. Foi uma divisão justa que correspondia à relação de forças real e também aos méritos dos
candidatos individuais. Esta decisão também foi violada sem maiores considerações. Os
musteístas concorreram à eleição contra os nossos companheiros e, COM O APOIO DOS VOTOS
STALINISTAS, derrotaram os nossos companheiros na eleição (...)”
Reich e Hallet, os agentes stalinistas em Allentown, juntos com Arnold Johnson, um membro do
grupo dirigente nacional da cúpula Abern-Muste estavam intimamente ligados a Budenz, os ex-
musteísta que tinha ingressado no partido stalinista. Naturalmente, estavam dirigidos com toda a
força para romper o partido e destruir a possibilidade de uma entrada bem sucedida no Partido
Socialista. O objetivo central dos provocadores stalinistas nas fileiras da IV Internacional em todos
os países sempre foi o de provocar rupturas desmoralizantes em momentos críticos, onde o partido
dava uma guinada política. Conforme nos aproximávamos da convenção do partido, a facção
Abern-Muste reduziu-se a uma pequena minoria e recuou em seu programa rupturista pela posição
em favor da unidade do partido de Weber e de outros. Assim sendo, os agentes stalinistas,
obviamente agindo sob orientação, decidiram mostrar suas cores. No dia em que a nossa
convenção foi aberta, os aliados stalinistas de Abern - Johnson, Reich e Hallet - apresentaram uma
carta de renúncia conjunta, nos denunciando como “contra-revolucionários” e anunciando que
estavam “ingressando” no Partido Comunista. A carta foi publicada no Daily Worker no dia seguinte.
É impossível descrever a impressão que esta reviravolta nos acontecimentos. Que resultado
desastroso da política combinacionista! É seguro dizer que nunca na história do movimento
revolucionário uma fração foi objeto de tanto descrédito como a facção combinacionista de Abern-
Muste naquela convenção. O clímax catastrófico produziu uma impressão inesquecível nas mentes
do camaradas jovens que estavam tendo as primeiras lições sérias na política revolucionária. Não
poucos camaradas que haviam sido pegos no labirinto da política combinacionista começaram a
sua reeducação naquela convenção. Aprenderam uma lição profunda ali. Quando grandes
princípios e posições políticas estão envolvidos em uma disputa partidária ninguém poderá apanhá-
los com conversa fiada sobre o “regime”.
Frustrada e derrotada, com a sua facção reduzida a um punhado de pessoas desmoralizadas,
Abern “submeteu-se” à decisão da convenção sob o princípio do centralismo democrático, não por
lealdade ao partido mas por desamparo. Mesmo fazendo-o, fez um gesto final característico de
despeito venenoso. Weber, que tinha sido um dos dirigentes reconhecidos da oposição, foi
recusado como candidato na chapa de candidatos para representar a minoria no novo Comitê
Nacional. Isto foi projetado para “puni-lo” por ter colocado a lealdade ao partido acima dos
interesses da fração e ter se posicionado de modo tão forte pela unidade do partido. Vai sem dizer
que a maioria da convenção não podia tolerar um procedimento tão mesquinho. A maioria retirou
um dos seus próprios candidatos em favor de Weber. Foi deste modo que todos nós, incluindo
Shachtman e Burham, avaliamos o “papel” de Weber “na disputa daqueles anos” quando o “papel”
de todos era claro acima de qualquer incompreensão.
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