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A luta por um partido proletário

James Cannon

Parte 1

1º Capitulo: O que a discussão revelou

As lutas políticas em geral, incluindo sérias lutas fracionais em um partido, não ocorrem em
um vácuo. São realizadas sob a pressão das forças sociais e refletem a luta de classes em algum
grau. Esta lei é demonstrada do modo mais contundente no desenvolvimento da presente
discussão no interior do nosso partido.
No momento presente, a pressão das forças de classes alheias sobre a vanguarda proletária
é excepcionalmente pesada. É o que devemos entender antes de mais nada. Somente então
podemos nos acercar a uma compreensão da atual crise do partido. É a mais profunda e severa
crise que o nosso movimento já conheceu em uma escala internacional. A tensão sem precedentes
nas fileiras aponta para um conflito de posições de princípios que são obviamente irreconciliáveis.
Dois campos no partido lutam por diferentes programas, diferentes métodos e diferentes tradições.
O que levou o partido a esta situação em tão curto espaço de tempo? Obviamente, não foi a
descoberta súbita da incompatibilidade dos dirigentes individuais envolvidos; tais bagatelas são
sintomas do conflito, não as causas. Não é possível, também, explicar de modo plausível um
conflito desta profundidade e abrangência pela explosão de velhas diferenças de opinião sobre a
questão de organização. É necessário, para entender o significado real da crise, buscar causas
mais profundas.
Não é difícil, para os que entendem a política como uma expressão da luta de classes – e é
este o modo pelo qual os marxistas a entendem – encontrar a causa básica da crise no partido. A
crise representa a reação, em nossas fileiras, à pressão externa. Foi desta forma que a definimos,
logo no início da crise em setembro passado, imediatamente a seguir da assinatura do tratado do
Pacto Nazi-soviético e do começo da invasão alemã da Polônia. Dizemos, mais precisamente, que
a crise é o resultado da pressão da opinião pública democrático-burguesa sobre um setor da
direção partidária. É esta nossa análise da luta incontida entre as tendências proletária e pequeno-
burguesa em nosso partido.
Definimos as frações em luta não por termos gerais e abstratos como “conservadora” e
“progressista”. Julgamos as frações, não pelos traços psicológicos dos indivíduos, mas pelo
programa que defendem. A discussão revelou não uma diferença de opinião acerca da aplicação
do programa – tais diferenças ocorrem frequentemente e, normalmente, têm uma importância
transitória – mas uma tentativa de contrapor um programa a outro. Eis o que dividiu o partido em
dois campos. Estes termos, que utilizamos desde o começo da discussão para caracterizar as duas
tendências no partido, têm a função de ser, naturalmente, definições e não insultos. É necessário
repetir esta consideração em cada debate entre marxistas e políticos pequeno-burgueses de todos
os tipos; algo que eles não toleram é serem chamados pelo seu verdadeiro nome.
Os dirigentes da oposição consideram ultrajante, uma invenção maldosa fracional, colocar
uma tabuleta de classe sobre a sua fração quando o seu único crime consiste no simples fato de
que voltaram as costas para a União Soviética e negaram-lhe defesa na luta contra o imperialismo
mundial. Nossa definição, porém, deste tipo de atitude não é nova. Nos tempos em que
Schachtman estava parafraseando Trotsky e não Burnham, ele mesmo escreveu: “no fundo, a
posição ultraesquerdista sobre a União Soviética, que lhe nega qualquer direito a ser um Estado
operário, reflete as vacilações dos pequeno-burgueses, sua incapacidade de fazer uma escolha
firme entre os campos do proletariado e da burguesia, da revolução e do imperialismo”.
Esta citação, de um artigo escrito no New International por Schachtman há dois anos, pode ser
aceita como uma definição científica das combinações da oposição e da sua posição atual com
apenas uma pequena emenda. Não é correto descrever sua posição como “ultraesquerdista“.
Os dirigentes da oposição escreveram e falaram muito no passado seguindo a linha da citação
acima. Ano após ano, em inumeráveis artigos, documentos, teses e discursos, os dirigentes da
oposição prometeram e até ameaçaram defender a União Soviética: “na hora do perigo, vamos
estar em nossos postos!” Mas quando a hora aproximou-se, quando a União Soviética quase
começou a necessitar desta defesa, descumpriram a sua promessa.
O mesmo fizeram com o programa em geral, com a doutrina, os métodos e a tradição do
marxismo. Quando tudo isso deixou de ser assunto para exercícios literários em tempos de
tranqüilidade e tinha que ser tomado como um guia para a ação em tempo de guerra, esqueceram-
se de tudo que havia sido escrito e dito e começaram umas buscas frenéticas por “idéias novas e
frescas”. No primeiro teste um pouco mais sério revelaram-se como “trotskistas de tempos de paz”.
Este desempenho vergonhoso, esta traição do marxismo, ocorreu na seção americana da IV
Internacional antes mesmo da entrada formal do imperialismo americano na guerra. Na bíblia da
oposição – seu documento sobre “A guerra e o conservadorismo burocrático” – somos certificados
de que a crise do partido “foi provocada pela guerra”. Esta não é uma afirmação realmente precisa.
Os EUA ainda não entraram formalmente em guerra e, até agora, temos apenas uma vaga
indicação da pressão material e moral que pesará contra a vanguarda proletária sob condições de
guerra. Não a guerra, mas apenas a sombra da guerra que se aproxima foi suficiente para provocar
a debandada enlouquecida da boiada de Burnham, Schachtman e Abern.
Estes filósofos da retirada e da capitulação, atribuindo gratuitamente ao partido seu próprio
pânico, expressam a opinião de que camaradas que leiam seu documento sobre o regime do
partido, “tiram dele conclusões cínicas, desencorajadas ou derrotistas”. E acrescentam: “o futuro é
sombrio”. Burnham, que desnudou sua alma pequeno-burguesa em um documento especial
intitulado “Ciência e estilo”, proclama com uma satisfação maliciosa – o desejo é pai do pensamento
– a derrocada da IV Internacional. A realidade é diametralmente o oposto destas observações
lúgubres.
Na maioria proletária do partido não há um único traço de pessimismo. Ao contrário, há
satisfação universal de que a defecção de um setor da direção partidária tenha se revelado em
tempo, antes da guerra, e sob condições em que pudessem ser combatidas abertamente numa
discussão livre e derrotadas. A virtual unanimidade com que os quadros proletários agruparam-se
para defender o partido e a IV Internacional, a combatividade e irreconciliabilidade com que
enfrentaram o ataque de Burnham, Abern e Schachtman são uma prova viva da vitalidade e
indestrutibilidade do nosso movimento. Este é um bom agouro para o futuro. Nos dá confiança de
que enfrentará o teste real da guerra quando vier. Nos dá base para os cálculos mais otimistas de
que a IV Internacional não apenas “sobreviverá”, mas vencerá na luta.

Nós não tememos o futuro


Quanto ao “futuro sombrio” – os bolcheviques-marxistas nunca esperaram que o período da
agonia mortal do capitalismo pudesse produzir mais que crises e guerras com as suas inevitáveis
repercussões nas organizações operárias, incluindo o partido da vanguarda operária. Destas
“duras” circunstâncias, a IV Internacional somente tirou a conclusão de que as convulsões sociais
grandiosas, que previu e analisou com antecedência, criam as condições através das quais as
massas oprimidas, impelidas pela necessidade férrea devem realizar a revolução social e a
reorganização do mundo sobre uma base socialista. Uma coisa apenas é necessária: um genuíno
partido bolchevique da vanguarda. Somente o marxismo pode ser o programa de um partido como
este. Burnham e seus lamentáveis discípulos, os ex-marxistas, ex-trotskistas oferecem um
programa que nada tem em comum com o marxismo ou a revolução proletária. O conflito
fundamental entre a maioria e a oposição surge daí, um conflito que é manifestamente
irreconciliável e ao qual todas as demais questões, por mais importantes, são, não obstante,
subordinadas.
No decorrer de uns poucos meses de discussão as diferenças entre a maioria e a oposição
atingiram tanta profundidade e amplitude que completamente obscureceram todas as questões do
regime do partido. Se todas as supostas deficiências do regime do partido fossem verdadeiras, e
então multiplicadas por dez, toda a questão empalideceria por insignificância ao lado das
divergências de princípio que, agora, claramente separam as duas frações em luta.
A luta da oposição começou ostensivamente como uma luta contra o “regime de Cannon” e
como uma defesa, ou ao menos, como uma antecipação, da “mudança” de posições de Trotsky.
Em pouco tempo, porém, desdobrou-se como um conflito fundamental com a IV Internacional em
todas as questões do nosso programa, nosso método e nossa tradição.
Abern, que votou no Pleno (outubro de 1939) a favor da resolução de princípio da maioria
sobre a questão russa e nos acusa de inventar e exagerar divergências, terminou, pela lógica do
seu bloco sem princípios, no campo revisionista de Burnham. Schachtman, que no Pleno poderia
ser acusado apenas de construir uma ponte em direção a Burnham, tornou-se seu advogado,
escrevendo “cartas abertas” para o camarada Trotsky em sua defesa e dirigindo os ataques mais
venenosos contra a maioria proletária que o lembrava do passado recente. Burnham, em seu último
documento a respeito de “Ciência e Estilo”, fala a língua do inimigo inspirado pelo ódio do
movimento operário revolucionário e de todos os que permanecem fiéis a ele.
É isto que uns poucos meses de discussão política revelaram.

2º Capítulo: Um novo estágio no desenvolvimento do trotskismo americano

O corpo da doutrina e métodos conhecidos como “trotskismo” é indubitavelmente o marxismo


genuíno da nossa época, o herdeiro e continuador do bolchevismo de Lênin da Revolução Russa
e da Comintern dos primeiros tempos. Foi o movimento conhecido como trotskismo e nenhum outro
que desenvolveu o bolchevismo ao analisar e interpretar todos os grandes acontecimentos políticos
do período pós-Lênin e ao formular o programa para a luta proletária e a sua vitória. Não há outro
movimento, não há outra escola que tenha respondido nada. Não há outra escola que valha um
momento de consideração da parte dos revolucionários proletários. O trotskismo, que toma forma
na IV Internacional é o único movimento revolucionário.
A estrada, porém, da elaboração do programa até a organização de quadros firmes e daí para a
construção de partidos de massa da IV Internacional, é difícil e complicada. Atravessa vários
estágios de evolução e desenvolvimento bem como um processo contínuo de seleção, atraindo
novas forças e descartando outras que fracassam em manter o passo. A seção americana da IV
Internacional está neste momento em meio a uma crise neste processo de evolução. Se, como tudo
indica, estamos nos movendo no sentido de uma solução radical da crise, devemos atribuí-lo à
velocidade com que estão caminhando os acontecimentos mundiais, à imensidão da sua
abrangência e à sensibilidade do nosso partido ao seu impacto.
A II Guerra Mundial, não menos que a Primeira, atinge todas as organizações e tendências
do movimento operário com a força de um cataclismo. Nossa própria organização não é uma
exceção. Como todas as outras, está sendo abalada em suas fundações e compelida a revelar sua
verdadeira natureza. Fraquezas que permaneceram ocultas em tempo de paz são rapidamente
desnudadas com a aproximação da guerra. Numerosos indivíduos e grupos inteiros, sejam
formalmente membros da IV Internacional ou simpatizantes, estão sendo submetidos aos mesmos
testes. Haverá baixas, que podem parecer indicar um enfraquecimento do movimento.
Isso, no entanto, é mais uma aparência das coisas do que a realidade. O trotskismo é a
verdadeira doutrina e método da revolução proletária; revela sua verdadeira substância de modo
mais infalível em tempos de crise, guerra e luta revolucionária. Aqueles que tenham assimilado o
programa, a doutrina, o método e a tradição em sua carne e sangue, como o fio condutor da luta,
agarram-se tanto mais firmemente a eles em tempo de crise.
Somente aqueles que tomaram o bolchevismo como um conjunto de fórmulas literárias, cuja
adoção lhes deu uma certa distinção em círculos radicais sem incorrer em qualquer
responsabilidade séria; aqueles que adotaram o trotskismo como uma forma de “radicalismo
extremo”, que nunca foram além dos limites do debate sofisticado – são estas pessoas que tendem
a vacilar e perder a cabeça sob a pressão da crise e até mesmo culpar o próprio “trotskismo” pelo
seu pânico, o qual simplesmente permanece fiel a si mesmo.
Todos sabem que a crise desferiu um pesado golpe contra o imponente movimento do
stalinismo. Com a assinatura do Pacto Nazi-Soviético, a fuga dos companheiros de viagem
stalinistas começou. Puderam engolir os Processos de Moscou, mas não a perspectiva de entrar
em colisão com o governo democrático do imperialismo norte-americano. Depois da invasão
soviética da Polônia e depois da Finlândia, a fuga dos companheiros de viagem transformou-se em
uma debandada. Essa louca migração atraiu ampla atenção e comentário. Nós mesmos demos a
nossa contribuição na forma de observações e comentários de humor àquele ridículo espetáculo.
Até agora, no entanto, permanecemos calados diante de um fenômeno análogo em nossa própria
“periferia”. A fuga dos mais sofisticados, porém dificilmente mais corajosos companheiros de
viagem intelectuais do trotskismo americano não foi menos apressada e catastrófica.
O trotskismo, como doutrina e como um movimento, começou, com a aproximação da guerra,
a perder a sua “respeitabilidade”. Muitos dos intelectuais, farejando o perigo, organizaram uma
partida rápida e sem dignidade. Na verdade, não restou muito do exército de heróis de salão que
costumavam admirar o estilo literário de Trotsky e confundir a periferia menos inteligente do
stalinismo com pepitas de sabedoria garimpadas dos escritos de Trotsky. O colapso da “frente
cultural” trotskista foi tomado por certas pessoas, especialmente os próprios ex-combatentes desta
frente, como tendo significado o colapso do nosso movimento. Nos jornais do inimigo de classe,
aos quais prontamente se ligaram, alguns deles já criaram coragem para escrever acerca do
trotskismo como uma “tendência sectária ultrapassada”. No entanto, os “ultrapassados” são eles,
não o movimento da vanguarda proletária, o trotskismo.
Os intelectuais pequeno-burgueses são introspectivos por natureza. Confundem as suas
emoções, incertezas, medos e a sua preocupação egoísta a respeito do seu destino pessoal com
os sentimentos e movimentos das grandes massas. Medem a agonia do mundo pelas suas dores
e achaques inconsequentes. Na medida em que os membros do nosso partido são, em parte,
elementos pequeno-burgueses completamente desconectados da luta de classes proletária, a crise
que dominou a periferia do nosso movimento é transferida, ou antes, estendida para dentro do
partido.
É digno de nota que a crise atingiu a organização do partido em Nova Iorque, graças à sua
composição social desfavorável, com uma força e uma virulência excepcional, enquanto que os
centros proletários do partido permaneceram virtualmente ilesos. A tendência dos elementos
pequeno-burgueses a fugir do nosso programa e a repudiar nossa tradição contrapõe-se à
extraordinária lealdade ao programa do partido por parte da militância proletária. É preciso, de fato,
ser cego para não entender o significado desta diferenciação. Quando mais nosso partido revelou-
se como um genuíno partido proletário, quanto mais manteve-se firmemente na defesa dos seus
princípios e penetrou no movimento operário de massas, mais aguentou o choque da crise. Na
mesma proporção em que nosso partido fincou suas raízes no solo proletário ele ganhou, e não
perdeu, durante este período recente. O barulho que ouvimos em volta e em torno do nosso
movimento é simplesmente o roçar das folhas no cimo das árvores. As raízes não estão abaladas.
A evolução e desenvolvimento do trotskismo americano não se deram de acordo com um
plano pré-concebido. Foram condicionados por um número de circunstâncias históricas
excepcionais além do nosso controle. Após os quadros iniciais terem se acostumado a suportar os
ataques e as pressões dos stalinistas, o movimento começou a tomar forma como uma sociedade
de propaganda isolada. Por necessidade, devotou uma excessiva quantidade de energia à luta
literária contra o stalinismo. Os acontecimentos mundiais, um após outro, confirmaram nossas
críticas e prognósticos. Depois do colapso da Comintern na Alemanha, o fracasso dos sucessivos
planos quinquenais em trazer “socialismo” à Rússia, os excessos monstruosos da coletivização
forçada e fome fabricada pelo homem, as purgas assassinas e os processos – depois de tudo isto,
que somente Trotsky explicou e analisou com antecipação, o trotskismo tornou-se mais popular em
círculos pequeno-burgueses intelectuais e semi-intelectualizados. Tornou-se, por um período, até
mesmo uma moda. A filiação ao partido conferia uma certa distinção e não impunha nenhuma
dificuldade séria. A democracia interna era exagerada ao ponto da frouxidão. O centralismo e a
disciplina existiam apenas no programa, não na prática. O partido em Nova Iorque era mais como
um clube de discussão sofisticado que um partido de combate do proletariado.
A fusão com a organização de Muste e mais tarde a entrada no Partido Socialista foi levada
adiante com o objetivo deliberado de romper o isolamento propagandista e a estagnação e
encontrar o caminho para círculos mais amplos. Estas ações trouxeram centenas de novos recrutas
ao partido e nos deram a possibilidade de expandir nossas atividades. Os sucessos, porém,
trouxeram suas próprias contradições. Os membros do Partido Socialista em Nova Iorque, incluindo
sua ala esquerda e sua organização juvenil, era primariamente pequeno-burguesa em sua
composição e, a despeito de sua boa vontade, não eram fáceis de assimilar. Se a nossa
organização partidária em Nova Iorque tivesse sido muito maior e predominantemente proletária
em sua composição, a tarefa teria sido muito mais fácil. As novas forças do PS, da forma como foi,
complicaram o problema da proletarização do partido e contribuíram com recrutas pequeno-
burgueses frescos para a clique de Abern.
O partido, ao mesmo tempo, graças à nossa deliberada orientação no sentido do trabalho
sindical, estava se desenvolvendo em outras partes do país em um sentido proletário. A penetração
nos sindicatos estava trazendo novos elementos de combatentes proletários para o partido e o
contraste entre os centros proletários e a organização de Nova Iorque relampejou em numerosos
atritos até que explodiu na presente crise partidária.
A proximidade da guerra, com o seu anúncio de graves dificuldades e sacrifícios para os
membros do partido, trouxe com ela uma inquietude e uma insatisfação entre muitos dos elementos
pequeno-burgueses. Estes sentimentos encontraram expressão autêntica em um setor da direção.
Começaram a traduzir seu nervosismo em uma crítica exagerada ao partido e em exigências em
relação a ele que não poderiam ser atendidas nas circunstâncias. Depois da assinatura do Pacto
Stalin-Hitler, a oposição tornou-se mais articulada. Começou a se expressar na forma de uma luta
contra nosso programa e, eventualmente, em uma revolta contra toda a doutrina, tradição e método
do marxismo e do bolchevismo.
Seria completamente absurdo, porém, caracterizar a crise partidária como um resultado
meramente de divergências de opiniões políticas. Não tocaríamos o miolo do problema se nos
confinássemos a uma caracterização “política” das propostas fantásticas e cambalhotas da
oposição. Lutas políticas sérias, como estas, são uma expressão da luta de classes; esta é a única
maneira de entendê-las. Os dirigentes da oposição, e uma grande porcentagem dos seus
seguidores, mostraram que são capazes de mudar suas opiniões em todas as questões
fundamentais da teoria e da política de um dia para o outro. Isto apenas demonstra forçosamente
que suas opiniões em geral não devem ser levadas a sério.
Os impulsos dirigentes detrás da oposição como um todo são o nervosismo pequeno-burguês
diante da perspectiva das lutas iminentes, dificuldades e sacrifícios e o desejo inconsciente de
evitá-los a todo o custo. Para alguns, sem dúvida, a luta frenética contra o nosso programa e nossa
tradição é simplesmente um recurso para mascarar uma deserção capitulacionista do movimento
revolucionário em uma nuvem de fumaça e controvérsia. Para outros, sua recém descoberta
“posição política”, e sua conversa interminável a respeito dela e em torno dela, são uma
racionalização inconsciente da mesma compulsão interior. Em tais casos não é suficiente deter-se
em uma caracterização política das extravagantes proposições dos oposicionistas. É necessário
expor sua base de classe.
A atual crise no partido não é um mero episódio. Não será explicada por simples divergências
de opinião tal como ocorreu às vezes no passado e sempre ocorrerá em um partido livre e
democrático. A crise é o reflexo direto de uma pressão estranha de classe sobre o partido. Sob
essa pressão, o grosso dos elementos pequeno-burgueses e dos dirigentes pequeno-burgueses
perderam a cabeça completamente, enquanto que os setores proletários do partido mantêm-se
firmes e reúnem-se em torno ao programa com uma virtual unanimidade.
Disto, podemos e devemos tirar certas conclusões:
1. Não é suficiente para o partido ter um programa proletário, ele requer, também, uma
composição proletária. De outro modo, o programa pode ser transformado em um pedaço de papel
do dia para a noite.
2. Esta crise não pode ser resolvida simplesmente com uma votação na convenção e
reafirmando o programa por um voto de maioria. O partido deve proceder daí para uma verdadeira
proletarização de suas fileiras. Deve tornar-se obrigatório para os membros pequeno-burgueses do
partido conectar-se em um modo ou outro com o movimento operário e dar uma nova forma às
suas atividades e mesmos às suas vidas de acordo com isto. Aqueles que forem incapazes de fazê-
lo em um período de tempo definido e limitado devem ser transferidos para a categoria de
simpatizantes.
Estamos em um estágio definido de evolução do trotskismo americano de uma sociedade de
propaganda frouxa e um clube de discussão para um partido proletário centralizado e disciplinado
enraizado no movimento operário de massa. Esta transformação está sendo forçada rapidamente
sob a pressão da guerra que se aproxima. Este é o significado real da atual luta partidária.

3º Capítulo: O método deles e o nosso

Sob a luz destes fatos, que mostram as duas facções em luta já separadas em dois campos
que defendem programas e métodos antagônicos irreconciliáveis, que interesse possível pode um
apoiador da IV Internacional e do marxismo em geral ter em um “regime” da oposição pequeno-
burguesa ou vice-versa? O conjunto da abordagem à questão do “regime” deve ser
fundamentalmente diferente em cada caso, dependendo da posição adotada na questão do
programa. O objetivo daqueles que defendem nosso programa somente pode ser corrigir as
deficiências do regime e melhorar o seu funcionamento de modo a fazer dele um instrumento mais
eficiente do programa. Os críticos do campo da oposição, por outro lado, na medida que haja algum
sentido ou lógica em sua posição, não podem ter qualquer interesse verdadeiro em nosso regime
enquanto tal. Seu objetivo fundamental é substituir o programa atual por outro programa. Para isso,
requerem uma melhora do atual regime, mas a sua remoção e substituição por outro que realizará
o programa revisionista.
Está claro, assim, que a questão que coloca-se em primeiro lugar não é organizativa, mas
política. A linha política é e deve ser um fator determinante. É e deve ser colocada no centro da
discussão. Nos mantemos nesse método apesar de tudo, mesmo ao custo de perder o voto de
camaradas que estão interessados primeiramente em questões secundárias, porque somente
deste modo é possível educar o partido e consolidar uma base confiável de apoio para o programa.
Qual é a importância da questão organizativa enquanto tal em um partido político? Tem uma
importância independente em si própria no mesmo plano com as divergências políticas ou mesmo
acima delas? Muito raramente. E mesmo então de modo muito transitório, pois a linha política
atravessa e domina a questão organizativa todas as vezes. Esta é a primeira lição do ABC da
política partidária, confirmada por toda a experiência.
Em seu documento notório intitulado "Ciência e estilo “, Burham escreve: “a segunda questão
central é o problema do regime no Socialist Workers Party”. Na realidade, a oposição tentou desde
o começo da disputa fazer da questão do “regime” a primeira questão; os quadros básicos da
oposição foram recrutados precisamente sobre esta questão antes que as divergências teóricas e
políticas fundamentais estivessem completamente reveladas e desenvolvidas.
Este método de luta não é novo. A história do movimento operário revolucionário desde os
dias da I Internacional é uma crônica ininterrupta de tentativas de agrupamentos pequeno-
burgueses e tendências de todos os tipos a recompensar-se a si mesmos pela sua debilidade
teórica e ideológica por ataques furiosos aos “métodos organizativos” dos marxistas. E sob a rubrica
de métodos organizativos, incluíam tudo do conceito de centralismo revolucionário até questões
rotineiras relativas à administração e, indo além, aos modos pessoais e métodos dos seus
oponentes de princípio, os quais invariavelmente descrevem como “maus”, “agressivos”, “tirânicos”
e – é claro, é claro, é claro – “burocráticos”. Até os dias de hoje, qualquer pequeno grupo de
anarquistas explicar-lhe-á como o “autoritário” Marx maltratou Bakunin . A história de onze anos do
movimento trotskista nos Estados Unidos é extremamente rica em tais experiências. As lutas
internas e as lutas de fração, nas quais os quadros básicos do nosso movimento consolidaram-se
e educaram-se foram, em parte, sempre lutas contra tentativas de substituir as questões principais
por querelas organizativas. Os oponentes politicamente débeis lançavam mão deste subterfúgio
todas as vezes.
Este foi o caso desde os primeiros dias. Nos primeiros anos do nosso movimento, de 1929
quase sem interrupção até 1933, Abern-Schachtman travaram uma guerra de palavras furiosa
contra o “aparato burocrático” de Cannon-Swabeck , que consistia, na época, em uma máquina de
escrever e nenhuma estenógrafa e nenhum funcionário regularmente pago. A mesma gritaria era
feita pela fração de Abern-Muste contra o “regime” de Cannon-Schachtman. Então, Schachtman,
que escreve com igual facilidade em cada um dos lados do problema, defendia o “regime” – o
mesmo regime – em documentos escritos eloqüentemente e, desnecessário dizer, longos.
Em nossa batalha com a fração centrista de Symes-Clement no Partido Socialista da
Califórnia, o último controlava o comitê estadual e trapaceava e nos perseguia através de todos os
possíveis truques burocráticos, apelando finalmente para a nossa expulsão; isto não os deteve de
protestar todo o tempo contra os “métodos organizativos” de Cannon. Na disputa em torno à
questão russa, depois da nossa expulsão do Partido Socialista e precedendo a constituição formal
do SWP, Burham e Carter suscitaram a questão organizativa contra nós em uma resolução especial
inspirada pela concepção do menchevismo. Schachtman, que naquela estação estava ao lado do
bolchevismo, colaborou comigo em redigir um esboço de uma contra-resolução sobre a questão de
organização e defendeu o “regime”.
No atual conflito partidário, o mais fundamental de todos, a questão do regime é novamente
representada como a “questão central”. Desta vez, Schachtman está ao lado de Burham, atacando
o regime que defendia ontem e atacava anteontem. Os tempos mudaram, o advogado mudou de
clientes, mas a guerra contra o “burocratismo” no partido mais democrático do mundo é conduzido
do mesmo modo que antes e pelos mesmos fins que antes. Estes “problemas internos”, diz Abern
em sua carta para Trotsky de 6 de fevereiro (1940), “nunca foram resolvidos satisfatoriamente”. Ele
deve saber, pois vem conduzindo a guerra sem parar por dez anos – abertamente quando pôde
achar aliados importantes, através de intrigas secretas e como franco atirador em emboscada
quando ele e seu grupo ficaram sozinhos. Mas, nunca até o momento conseguiram “satisfação”.
Seus numerosos blocos organizativos, pelos quais estava sempre pronto a sacrificar qualquer
princípio, sempre entravam em colapso no momento crítico. Em cada caso, um novo estrato de
membros do partido que equivocadamente o haviam seguido, aprenderam uma dolorosa lição
sobre a superioridade da política de princípios marxista sobre os blocos organizativos.
Toda a experiência do nosso rico passado mostrou que não importa que sucesso temporário
possa ter uma combinação organizativa no começo, em recrutar camaradas experientes através
de contos de fada sobre o regime, a linha política sempre se impõe no final e conquista e subordina
a questão organizativa colocando-a em seu próprio lugar. É esta lei absoluta da luta política que
frustrou e derrotou Abern cada uma das vezes e o deixou e à sua clique isolados e desacreditados
ao final de cada conflito.
Abern e seu círculo íntimo de mexeriqueiros pequeno-burgueses nunca aprenderam.
Camaradas conscienciosos, no entanto, cuja inexperiência e ignorância explorava, que não tinham
interesse particular, e que tomaram esta exposição sobre a questão da organização como moeda
sonante, aprenderam. Este é o maior ganho das lutas passadas. Aqueles camaradas da nossa
geração mais jovem que tiveram experiências ruins com a tentativa, sob a tutela de Abern, a
substituir a linha política pela questão da organização, e mesmo elevá-la ao primeiro lugar acima
da luta política - são precisamente estes camaradas os mais imunes a este tipo de truque faccional
na atual disputa. Aprenderam, das suas infelizes experiência e de um estudo suplementar, a tirar
de lado o falatório acerca do regime no começo de cada disputa; aprenderam a sondar o fundo das
divergências políticas e assumir suas posições de acordo.
O longo documento da oposição a respeito da questão organizativa não foi escrito para os
quadros educados e bem informados do partido. Foi escrito para os inexperientes e os não
iniciados. Foi elaborado para apanhá-los desprevenidos e desorientá-los; para envenená-los com
animosidade faccional ou pessoal e, deste modo, torná-los incapazes de fazer uma avaliação
objetiva das grandes disputas políticas e teóricas que são a base do conflito.
Recusamo-nos, desde o princípio do presente conflito, firmemente nos recusamos a conduzir
a luta neste terreno. Estamos determinados a todo custo a expor a essência teórica e política da
disputa. Muitos camaradas levantaram objeções a esta estratégia. Queixaram-se de que
camaradas inexperientes estavam sendo desorientados por esta ou aquela história, por uma
suposta injúria ou outra, e alinharam-se em uma formação de cúpula antes mesmo de começar a
considerar seriamente as questões políticas. A despeito disso, instruídos pela experiência do
passado, nos mantivemos no nosso método. O desenvolvimento subseqüente das discussões no
partido confirmaram a sua correção. As questões estão bem claras agora. Este é o nosso grande
ganho.
Não há dúvida de que um certo número de camaradas foram desorientados e conquistados
para a oposição porque, nos primeiros estágios da discussão, nos recusamos ser desviados da luta
política e teórica fundamental e permitimos que a maior parte da fofoca e conversa miúda a respeito
do “regime” ficar sem resposta. A oposição tem todo o direito de manter os apoiadores ganhos por
estes meios; isto deve ser dito com toda a franqueza e seriedade.
Estamos vivendo em tempos sérios. Estamos na véspera de graves acontecimentos e
grandes testes para o nosso movimento. Pessoas que podem ser desorientadas e perder a cabeça
por meio de rumores e acusações não fundamentadas não serão soldados muitos confiáveis nos
duros dias que vêm. A pequena-burguesia, afinal, faz tudo em uma pequena escala. A fofoca e a
campanha difamatória da nossa oposição não é uma gota no balde comparada com as torrentes
de mentiras, desinformação e difamação que será derramada sobre as cabeças dos combatentes
revolucionários nos dias vindouros da crise da guerra através dos poderosos meios de propaganda
do inimigo de classe. Devemos esperar que, por longos períodos de tempo, seremos amordaçados,
amarrados pelas mãos e pés e não teremos meios de nos comunicar entre nós. Somente aqueles
que refletiram sobre os seus princípios e sabem como agarrar-se a eles firmemente serão capazes
de sustentar-se em tais tempos. Não é difícil prever que os que sucumbiram já diante desta fraca
antecipação desta campanha dentro do nosso partido podem ser engolidos pela primeira onda da
verdadeira campanha. Tais camaradas necessitam uma reeducação sobre a base dos princípios e
métodos da política marxista.
Somente então será possível apoiar-se neles para as futuras batalhas.

4º Capítulo: A questão da organização

Na medida que a verdadeira amplitude das disputas teóricas e políticas permaneceram


indeterminadas, o falatório a respeito da questão da organização não contribuiu e não poderia ter
contribuído com nada exceto confusão. Agora, porém, que as questões políticas fundamentais
estão completamente esclarecidas, agora que os dois campos assumiram suas posições nas linhas
fundamentais, é possível e talvez viável tomar a questão organizativa para discussão em seu
próprio contexto e no seu próprio lugar - como uma questão importante, porém subordinada; como
uma expressão em termos organizativos das divergências políticas, mas não um substituto para
elas.
O conflito fundamental entre as tendências proletária e pequeno-burguesa expressa-se a cada
volta na questão da organização do partido. Nestes conflitos secundários, porém, não estão
envolvidos apenas pequenos incidentes, mágoas, atritos pessoais e pequenas mudanças
semelhantes que são uma característica comum na vida de toda organização. A disputa é mais
profunda. Estamos em guerra com Burnham e os “burnhamistas” em torno da questão fundamental
do caráter do partido. Burnham, que é completamente estranho ao programa e às tradições do
bolchevismo, não é menos hostil aos seus “métodos organizativos”. Ele está muito mais próximo
ao espírito de Suvarine e todos os decadentes, céticos e renegados do bolchevismo que ao espírito
de Lênin e do se terrível “regime”.
Burnham preocupou-se, primeiro de tudo, com as “garantias democráticas” contra a
degeneração do partido após a revolução. Estamos preocupados, antes de mais nada, em construir
um partido que será capaz de liderar uma revolução. O conceito de Burnham de democracia
partidária é a de um ateliê de discussões onde a conversa continua para sempre e nada é decidido
com firmeza (ver a resolução da Conferência de Cleveland ). Consideremos esta “nova” invenção
- um partido com dois órgãos públicos diferentes, defendendo dois programas diferentes e
antagônicos! Como todo o resto das “idéias independentes” de Burnham, isto é simplesmente um
plágio de fontes estranhas. Não é difícil reconhecer neste brilhante esquema de organização
partidária, a reabilitação do mal fadado “partido que inclui todos” de Norman Thomas.
Nossa concepção de partido é radicalmente diferente. Para nós, o partido deve ser uma
organização de combate que leva diante uma luta determinada pelo poder. O partido bolchevique
que dirige a luta pelo poder não necessita apenas de democracia. Requer, também, um centralismo
imperioso e disciplina de ferro na ação. Requer uma composição proletária em conformidade com
o seu programa proletário. O partido bolchevique não pode ser dirigido por diletantes cujos
interesses reais e vidas reais estão em outro mundo, estranho a este. Requer uma direção
profissional ativa, composta de indivíduos selecionados e controlados democraticamente, que
devotem toda a sua vida ao partido e que encontrem no partido e em suas atividades multiformes
em um ambiente proletário, satisfação pessoal completa.
Para o revolucionário profissional, o partido é a expressão concentrada do seu propósito de
vida e ele está ligado a ele para toda a vida e a morte. Prega e pratica o patriotismo de partido
porque sabe que seu ideal socialista não pode ser realizado sem o partido. O maior dos crimes,
aos seus olhos, é a deslealdade e a irresponsabilidade em relação ao partido. O revolucionário
profissional tem orgulho do seu partido. Defende-o diante de todo o mundo em todas as ocasiões.
O revolucionário proletário é um homem disciplinado, uma vez que o partido não pode existir
como uma organização de combate sem disciplina. Quando se encontra em minoria, submete-se à
decisão do partido e leva adiante suas resoluções, enquanto aguarda novos acontecimentos para
verificar as disputas ou novas oportunidades para discutir novamente.
A atitude pequeno-burguesa em relação ao partido, representada por Burnham, é o oposto de
tudo isto. O caráter pequeno-burguês da oposição é mostrado em sua atitude relativa ao partido,
sua concepção de partido e mesmo em seu método de queixar-se e lamuriar-se a respeito das
“ofensas”, como de modo infalível em sua atitude leviana em relação ao nosso programa, nossa
doutrina e nossa tradição.
O intelectual pequeno-burguês, que quer ensinar e guiar o movimento operário sem participar
nele, sente apenas laços frouxos com o partido e está sempre cheio de “queixas” contra ele. No
momento em que seus pés são pisados ou em que ele é rejeitado, esquece tudo a respeito dos
interesses do movimento e lembra apenas que seus sentimentos foram feridos; a revolução pode
ser importante, mas a vaidade ferida do intelectual pequeno-burguês é mais importante. Ele é
completamente a favor da disciplina quando está sentando a lei para os outros, mas tão logo se
encontre em minoria, começa a lançar ultimatos e ameaça a maioria do partido com o rompimento.
Os dirigentes da oposição vêm se mostrando fiéis ao tipo. Tendo recitado todo o doloroso
catálogo das suas ofensas pequenas, sem conseqüência e, em sua maioria, imaginárias; tendo
sido repelidos pela maioria proletária em sua tentativa de revisar o programa; tendo sido chamados
política e sociologicamente pelo seu verdadeiro nome - tendo “sofrido” todas estas indignidades -
os líderes da oposição estão agora tentando uma vingança contra a maioria do partido com
ameaças de uma cisão. Não os ajudará. Não nos deterá de mostrar que sua atitude na questão de
organização está desconectada das suas concepções pequeno-burguesas em geral, mas é
simplesmente uma expressão secundária desta.
Questões de organização e métodos organizativos não são independentes das linhas
políticas, mas subordinados a elas. Como regra, os métodos organizativos derivam-se da linha
política. De fato, todo o significado da organização é o de realizar o programa político. Em última
análise não há exceções a esta regra. Não é a organização - partido ou grupo - que cria o programa;
antes, é o programa que cria a organização ou conquista e utiliza uma organização já existente.
Mesmo aqueles grupos sem princípio e camarilhas que não têm programa ou bandeira própria, não
podem deixar de ter um programa político imposto pelo curso de uma luta. Estamos agora
testemunhando uma ilustração da operação desta lei no caso daquelas pessoas em nosso partido
que entraram em uma combinação para lutar contra o “regime” sem ter qualquer programa político
definido das divergências com ele.
Estão, neste caso, apenas reproduzindo a experiência invariável dos seus predecessores que
colocaram o carro na frente dos bois e formaram frações para lutar pelo “poder” antes que tivessem
qualquer idéia clara do que fariam com o poder depois que o conseguissem.
Na terminologia do movimento marxista, camarilhas ou grupos sem princípios, que começam
uma luta sem um programa definido, foram caracterizados como bandidos políticos.
Um exemplo clássico de um grupo como este, do começo até o seu miserável fim nas águas
paradas do radicalismo americano, é o grupo conhecido como o dos “lovestonistas” . Este grupo,
que recebeu o seu nome do aventureiro sem caráter que foi o seu dirigente, envenenou e
corrompeu o movimento comunista norte-americano por muitos anos com as suas lutas faccionais
sem escrúpulos, que eram levadas adiante apenas para servir objetivos pessoais e ambições
pessoais ou para satisfazer ofensas pessoais. Os lovestonistas eram pessoas capazes e com
talento, mas não tinham princípios definidos. Sabiam apenas que queriam controlar o “regime” do
partido. Do mesmo modo que Abern, esta questão sempre ocupou o primeiro lugar em seus
cálculos; o programa “político” do momento era sempre adaptado ao seu objetivo primordial de
“resolver a questão do regime satisfatoriamente”, ou seja, em seu favor.
Foram radicais furiosos e ultraesquerdistas quando Zinoviev estava à cabeça da Comintern.
Com a queda de Zinoviev e violenta guinada da Comintern sob Bukharin, tornaram-se ardentes
bukharinistas tão rápida e calmamente como quando se troca de camisa. Devido a um erro de
cálculo ou atraso na informação, atrasaram-se em fazer a mudança de Bukharin para Stálin e para
o esquerdismo frenético do terceiro período. Tentaram, claro, compensar pelo seu descuido
propondo a expulsão de Bukharin na convenção partidária que controlavam em 1929. Esta última
demonstração, no entanto, de flexibilidade política a serviço de rígidos objetivos organizativos veio
tarde demais. Seu atraso lhes custou suas cabeças.
Sua política era sempre determinada à sua revelia pela pressão externa. No período em que
pertenciam ao Partido Comunista era a pressão de Moscou. Com a sua expulsão formal da
Comintern uma pressão ainda maior começou a pesar sobre eles e gradualmente adaptaram-se a
ela. Hoje, esta clique miserável e isolada, pequeno-burguesa até o fundo, é jogada de um lado para
o outro pela opinião pública pequeno-burguesa como uma pena ao vento. Os lovestonistas nunca
tiveram nenhum programa independente, próprio. Nunca foram capazes de desenvolver um
programa em anos desde a sua separação do Partido Comunista oficial. Hoje, seu jornal, Worker´s
Age, mal pode ser diferenciado de um jornal da esquerda liberal. Um exemplo horrível do resultado
final da política “organizativa” sem princípios.
O caso mais horrível de todos, com as mais incomensuráveis conseqüências trágicas finais,
é o da fração “anti-trotskista” no Partido Comunista Russo. É inquestionável que o bloco entre
Stálin-Zinoviev-Kamenev começou sua luta fraccional contra Trotsky sem qualquer objetivo
programático claramente definido. Precisamente porque não tinha programa tornou-se a expressão
de influência de classes estranhas. A degeneração eventual da fração stalinista em um instrumento
sem atenuantes do imperialismo e um oponente assassino dos verdadeiros representantes da
Revolução Russa não é, como dizem nossos inimigos, um desenvolvimento lógico do bolchevismo.
É, antes, um resultado final do afastamento do método bolchevique-marxista da política de
princípios.
Guardadas todas as proporções, a clique de Abern, de aderentes formais do programa e da
doutrina do marxismo para defensores faccionais do revisionismo seguiu o mesmo padrão que os
demais exemplos citados. A hegemonia ideológica e política atual de Burnham no bloco de
oposição é a prova mais contundente da lei política de que os grupos e cliques que não têm
programa próprio tornam-se os instrumentos do programa de outros. Burnham tem um tipo de
programa. É o programa da luta contra a doutrina, os métodos e a tradição do nosso movimento.
Era apenas natural, de fato, inevitável que aqueles que constituíram um bloco com Burnham para
lutar contra o “regime” deveriam cair sob a influência do seu programa. A velocidade com a qual
Abern realizou esta transformação pode ser explicada em parte pelo fato de que ele tinha
experiência prévia na traição ideológica a serviço de mesquinhos objetivos organizativos, e em
parte pelo fato de que a pressão social sobre o nosso partido é muito mais pesada hoje que nunca
antes. Esta pressão acelera todos os desenvolvimentos.

5º Capítulo: Os intelectuais e os operários

A aberta orientação proletária da maioria é retratada por Burham como a expressão de um


antagonismo aos “intelectuais” enquanto tais, como um preconceito ignorante e rústico contra a
educação em geral. Em seu principal documento, “A guerra e o conservadorismo burocrático”,
escreve: “acima de tudo, uma atitude ‘antiintelectual’ e ‘antiintelectuais’ é martelada nas mentes
dos membros do partido. Os integrantes da fração são ensinados, praticamente de modo literal, a
desprezar, e despreza, e a escarnecer dos ‘intelectuais’ e do ‘intelectualismo’”. Schachtman e
Abern, por razões que somente eles conhecem, assinam seus nomes neste protesto e tomam
partido em um conflito no qual têm todo o direito de proclamar neutralidade.
O órgão do lovestonistas, Worker’s Age, que acompanha nossa discussão interna com
inocultável simpatia pela oposição, entra no conflito como parte interessada. Ao comentar uma
observação em meu discurso publicado no sentido de que os elementos operários entendem a
questão russa melhor que os escolásticos mais cultos, o Worker’s Age de 9 de março diz: “isto está,
obviamente, dirigido contra Burham, que tem a ‘infelicidade’ de ser culto. O que é este tipo de
difamação senão a velha demagogia stalinista que contrastava o elemento ‘proletário’ virtuoso e de
visão clara com o ‘intelectual’ confuso e malvado? É o mesmo tipo de demagogia podre sem
princípios, não nos enganemos!
Vejamos. A questão em pauta é a atitude dos revolucionários proletários em relação aos
membros cultos da classe pequeno-burguesa que bandearam para o movimento proletário. Esta é
uma questão importante e merece um esclarecimento. Burham é, sem dúvida, um intelectual, como
o testemunham o seu treinamento acadêmico, profissão e realizações. Nada há de errado nisto,
como tal, e não podemos ter a menor razão para criticá-lo por este motivo. Somos muito
conscientes, como disse Marx, de que a “ignorância nunca fez bem algum a ninguém”, e nada
temos em comum com os preconceitos vulgares contra "pessoas cultas” estimulados por
demagogos canalhas para servir aos seus próprios objetivos. Lênin escreve a Gorki sobre esta
questão: “claro que não sonhei de ‘perseguir a inteligentsia’ como fazem os pequenos sindicalistas
estúpidos ou negar sua necessidade para o movimento operário”. É uma acusação difamatória
contra a ala marxista do partido, atribuir-lhe tais sentimentos.
Por outro lado, não estamos indevidamente impressionados por mera “cultura” e ainda menos
por pretensões a ela. Abordamos esta questão, como todas as demais, criticamente.
Nosso movimento, o movimento do socialismo científico, julga as coisas e as pessoas de um
ponto de vista de classe. Nosso objetivo é a organização de um partido de vanguarda para liderar
a luta do proletariado pelo poder e a reconstituição da socialista sobre fundações socialistas. Esta
é a nossa “ciência”. Julgamos todas as pessoas que vêm até nós de outra classe pela extensão da
sua verdadeira identificação com a nossa classe e as contribuições que possam fazer que ajudem
o proletariado em sua luta contra a classe capitalista. Este é o quadro no qual consideramos
objetivamente o problema dos intelectuais no movimento. Se ao menos 99% dos intelectuais - para
falar com o máximo conservadorismo - que se aproximam o movimento operário revolucionário se
revelam mais um problema do que um a vantagem não é devido aos nossos preconceitos contra
eles ou porque não os tratamos com devida consideração, mas porque não correspondem aos
requerimentos que somente eles podem torná-los úteis para a nossa luta.
No Manifesto Comunista, no qual a teoria e programa do socialismo científico foi, pela primeira
vez, tornada pública, já se apontava que a desintegração da classe dominante capitalista lança
parcelas daquela classe para o proletariado; e que outras - uma parte menor com certeza, e
principalmente indivíduos - desligam-se da classe capitalista e fornecem elementos frescos de
esclarecimento e progresso ao proletariado. Os próprios Marx e Engels, os fundadores do
movimento do socialismo científico, vieram para o proletariado de outra classe. O mesmo é
verdadeiro de todos os demais grandes professores do nosso movimento sem exceção.
Lênin, Trotsky, Plekhânov, Luxemburgo - nenhum deles era proletário em sua origem social,
mas vieram para o lado do proletariado e tornaram-se os maiores dos dirigentes proletários.
Tiveram, no entanto, para fazê-lo, que desertar de sua própria classe e integrar-se à “classe
revolucionária, à classe que mantém o futuro em suas mãos”. Fizeram esta mudança de lealdade
de classe incondicionalmente e sem reservas. Somente deste modo puderam tornar-se os
representantes genuínos da classe que adotaram e fundir-se completamente com ela, eliminando
toda sombra de conflito entre eles e os revolucionários de origem proletária. Não havia, nem poderia
haver qualquer “problema” neste caso.
O conflito entre os revolucionários proletários e os intelectuais pequeno-burgueses em nosso
partido, assim como no movimento operário em geral, em todo mundo, geração após geração, não
surge dos preconceitos ignorantes dos operários contra eles. Surge do fato de que eles nem “se
separam” das classes estranhas, como o Manifesto Comunista especifica, nem “integram-se à
classe revolucionária” no pleno sentido da palavra. Diferentemente dos grandes diligentes
mencionados acima, que vieram para o proletariado incondicionalmente e em toda a extensão do
caminho, hesitam a meio caminho entre as alternativas de classe. Sua inteligência e, até certo
ponto, também seu conhecimento, os leva a revoltar-se contra a estagnação espiritual e intelectual
da parasitária classe dominante cujo sistema exala um odor fétido de apodrecimento.
Por outro lado, seu espírito pequeno-burguês os impede de identificar-se completamente com
a classe proletária e seu partido de vanguarda e remodelar todas as suas vidas em um ambiente
proletário.
O movimento operário revolucionário, consciente de que “tem o futuro em suas mãos” é auto-
confiante, imperioso, exigente no grau mais alto. Repele todo flerte e lealdades pela metade.
Reivindica de todos, especialmente dos dirigentes, “tudo ou nada”. Não é a sua “educação”, como
os lovestonistas simpatizantes dos oposicionistas em nosso partido, que coloca os intelectuais em
conflito com os quadros proletários do nosso partido, mas o seu espírito pequeno-burguês, sua
miserável inconseqüência, sua ambição absurda de dirigir o movimento operário revolucionário em
seu tempo livre.
Não é verdade que os militantes operários avançados sejam hostis à educação e
preconceituosos contra as pessoas cultas. Exatamente o contrário. Têm um respeito exagerado
por cada intelectual que se aproxima do movimento e uma apreciação exagerada de cada pequeno
serviço que prestam. Nunca foi isto demonstrado mais convincentemente que na recepção
concedida a Burham quando ingressou formalmente em nosso movimento e na extraordinária
consideração dada a ele durante todo este tempo. Tornou-se membro do Comitê Nacional sem ter
servido qualquer período de aprendizado na luta de classes. Foi indicado como um dos editores da
revista teórica.
Todo o reconhecimento e as “honras” de um dirigente proeminente do partido foram livremente
concedidas a ele.
Sua atitude escandalosa em relação às responsabilidades de direção; sua recusa sistemática
em devotar-se ao trabalho partidário como uma profissão, não como um passatempo; sua atitude
arrogante e desdenhosa em relação aos seus colaboradores no partido; seu desrespeito pela nossa
tradição e mesmo pela nossa organização internacional e sua direção - tudo isto e ainda mais foi
passado em silêncio pelos elementos operários no partido, mesmo se, de modo algum, com
aprovação. Não foi senão quando Burham veio tentar abertamente derrubar o nosso programa que
os elementos operários do partido levantaram-se contra ele e chamaram-lhe a atenção. Sua
tentativa, agora, de retratar esta ação revolucionária como uma expressão de um preconceito
ignorante contra ele devido à sua “cultura” é apenas outra, e muito reveladora, exibição do seu
próprio espírito pequeno-burguês e de desprezo pequeno-burguês pelos operários.
Um partido proletário que seja educado teoricamente nas doutrinas científicas do marxismo
não pode ser intimidado por ninguém, nem desorientado por alguma experiência infeliz. O fato de
que o culto professor Burham tenha se revelado apenas como outro pequeno-burguês pode talvez
criar um pouco mais de cautela em relação a tipos similares no futuro. Não mudará, no entanto,
nada na atitude fundamental da vanguarda operária em relação aos intelectuais do mundo burguês
que se aproximem do movimento no futuro. É possível que, instruídos pela experiência, o próximo
que venha terá que enfrentar condições mais rigorosas. É muito improvável que no futuro a ninguém
será permitido pretender a direção a menos que rompa de modo claro com seu ambiente de classe
estranho e venha viver no movimento operário. Uma mera visitação não será.
O movimento americano teve uma experiência muito negativa com intelectuais. Aqueles que
pareceram no horizonte até o momento foram um bando bastante indigente. Aventureiros,
carreiristas, pessoas que buscavam a si mesmas, diletantes, pessoas que fogem sob o fogo - este
é o retrato desgraçado da parada de intelectuais através do movimento operário americano pintado
por eles mesmo. Daniel De Leon se destaca como a grande exceção. Não era apenas um
intelectual. Era um homem e um lutador, um partidário incapaz de qualquer lealdade dividida. Uma
vez que se decidiu a vir para a classe proletária, a atmosfera estagnada do mundo acadêmico
burguês tornou-se intolerável para ele. Saiu da universidade, batendo a porta atrás de si e nunca
olhou para trás.
Daí em diante, até o fim da sua vida, identificou-se completamente com o movimento socialista
e a luta dos operários. Os operários revolucionários da atual geração lembram-se dele com gratidão
por isso, sem, no entanto, deixar de ver os seus erros políticos. Outros, esperamos, maiores De
Leons, virão até nós no futuro e receberão uma acolhedora recepção do partido da vanguarda
proletária. Não serão suscetíveis se examinarmos com atenção suas credenciais e os submetermos
a um certo aprendizado. Não ficarão ofendidos se insistirmos em um entendimento explícito de que
sua tarefa é interpretar a ciência do marxismo, não em impingir um substituo burguês para ela. Os
novos De Leons entenderão rapidamente que este exame preliminar é simplesmente uma
precaução contra a infiltração dos farsantes intelectuais e não representa, de modo algum, um
preconceito contra os intelectuais que realmente vêm servir a causa proletária.
Os genuínos intelectuais marxistas que vêm até nós entenderão o ponto cardeal da nossa
doutrina, de que o socialismo não é apenas um “ideal moral”, como Burham tenta nos instruir no
ano de 1940 - 92 anos após o Manifesto Comunista - mas o resultado necessário de uma luta de
classe irreconciliável conduzida pelo proletariado contra burguesia. São os operários que devem
fazer a revolução e são os operários que devem compor o partido da vanguarda proletária. A função
do intelectual marxista é a de ajudar os operários em sua luta. Pode fazê-lo construtivamente
somente virando as costas para o mundo burguês e integrando-se ao campo do proletariado
revolucionário, ou seja, deixando de ser um pequeno-burguês. Sobre esta base, os operários
bolcheviques e os intelectuais marxistas dar-se-ão muito bem.

Parte 2

6º Capítulo: “O caso de Burham”

Ao estilo de todos os pequeno-burgueses impenitentes, para os quais as considerações


pessoais, especialmente as mágoas pessoais, reais ou imaginárias, têm peso maior que os
problemas do partido e da classe, nossos oposicionistas circulam industriosamente a acusação de
que estamos “perseguindo” Burham. Faz-se circular que Cannon particularmente, que é a
“encarnação” de todo o mal no partido, não pode tolerar qualquer pessoa inteligente na direção e
quer “expulsar Burham do partido”. Não há dúvida de que este clamor ganhou uma simpatia dos
humanitários do partido e amealhou alguns votos para a oposição. Outros, aspirantes desprezados
à direção, viram no “perseguido” Burham um símbolo da sua própria tragédia de partir o coração.
Todos os ofendidos e insultados agruparam-se para sua defesa com solidariedade instintiva.
Esta mágoa, no entanto, é inteiramente imaginária. Burham nunca encontrou qualquer
hostilidade pessoal da ala proletária do partido. Ao contrário, como os fatos os demonstram
abundantemente, foi sempre tratado com luvas de pelica e recebeu todo o tipo de liberdades
negadas a outros. Suas qualidades e habilidades foram apreciadas no mais alto grau e cada passo
dado na nossa direção, ou seja, na direção do bolchevismo e da integração completa ao partido,
foi bem-vindo e encorajado. Foram feitos, longe de procurar “expulsar Burham”, extraordinários
esforços para integrá-lo mais completamente na vida partidária. Ao mesmo tempo, os
companheiros com maior experiência e discernimento entenderam bem que ele estava em uma
posição insustentável; que cedo ou tarde teria que se decidir a juntar-se a nós integralmente ou
voltar para o mundo burguês. A decisão inevitável, quando finalmente veio, foi da sua própria
autoria.
Olhando meus arquivos pessoais outro dia deparei-me com uma carta do camarada Dunne,
endereçada a mim na Califórnia, no dia 21 de novembro de 1936. Esta carta é uma prova
convincente da boa vontade em relação a Burham. Vicent escrevia: “Recebi uma carta
razoavelmente longa do camarada Burham com uma muito boa crítica a respeito do The Organizer
e da campanha eleitoral. Penso que Jim está realizando um trabalho muito bom e é especialmente
gratificante saber que ele acompanha tão de perto e é capaz de falar em termos que indicam que
está se desenvolvendo muito rapidamente. Enviar-lhe-ei uma cópia dos seus comentários, a
maioria dos quais acredito que são bastante válidos. Acredito que a sua apreciação dos efeitos da
minha candidatura e sua relação às tarefas do sindicato na eleição não é muito bem pensada, mas
não se pode esperar mais dele, uma vez que tem pouca ou nenhuma experiência no movimento
de massas.”
Esta carta ilustra de modo marcante a atitude amigável dos elementos proletários em relação
a Burham e as esperanças albergadas em relação ao seu desenvolvimento futuro. Ao mesmo
tempo, coloca o dedo com muita propriedade em seu ponto fraco, “nenhuma experiência no
movimento de massas”, a qual infelizmente, Burham não fez esforço algum para corrigir e que, sem
dúvida, contribuiu muito pesadamente para o seu fracasso em assimilar-se ao nosso movimento.
Esta carta mostra que Dunne estava disposto a aprender do intelectual. Infelizmente nunca ocorreu
a Burham que ele pudesse aprender alguma coisa do dirigente dos operários. Se ele apenas
soubesse, havia muito que poderia aprender.
O camarada Dunne poderia ter acrescentado outra debilidade igualmente séria na posição de
Burham: sua falta de experiência no partido. Não se pode aprender tudo o que há para saber sobre
um partido, sua vida interna e funcionamento através de visitas semanais às reuniões do Comitê
Político. Também não se pode ser um dirigente sério do partido em seu tempo livre. A social-
democracia dos tempos antes da guerra era uma organização desajeitada e lerda que atuava sobre
a base da teoria de que tinha tempo ilimitado para avançar para o socialismo a passo de tartaruga
em um processo evolucionista completamente normal, sem ser interrompida por guerras e
revoluções. A direção correspondia no fundamental ao caráter do partido. Advogados, médicos,
professores, pregadores, escritores - pessoas deste tipo que viviam as suas vidas reais em outro
mundo e cediam uma noite, ou no máximo duas, por semana do seu tempo para o movimento
socialista pelo bem das suas almas - eram os dirigentes destacados do partido socialista antes da
guerra.
Eles decidiam tudo. Faziam a lei. Eram os oradores nas ocasiões cerimoniais, posavam para
as suas fotografias e davam entrevistas para os jornais. Havia, entre eles e os Jimmy Higginses
proletários na base, um abismo. Quanto aos funcionários do partido, as pessoas que dedicavam
todo o seu tempo ao trabalho diário e rotina do partido, eram encarados simplesmente como criados
a serem carregados com tarefas desagradáveis, mal pagos e culpados se algo desse errado.
Cultivava-se um preconceito contra os trabalhadores profissionais do partido. As verdadeiras
honras e influência decisiva ia para os dirigentes que tinham ocupações profissionais fora do partido
e que, em sua maior parte, levavam vidas tipicamente pequeno-burguesas muito distantes das
vidas dos operários que eles, supostamente, “dirigiam”.
Quando organizamos o Partido Comunista neste país em 1919, sob a inspiração da
Revolução Russa, colocamos um ponto final em toda esta loucura. Éramos da opinião de que a
direção do movimento revolucionário era um assunto sério, uma profissão em si mesma, e a mais
elevada e mais honrosa de todas as profissões.
Considerávamos indigno de um dirigente revolucionário desperdiçar o seu tempo em algum
emprego trivial no mundo burguês e errado que o partido o permitisse. Decretamos que ninguém
poderia ser membro do Comitê Central do partido a menos que fosse um profissional de tempo
integral para o partido ou que tivesse a disposição de sê-lo assim que o partido o requisitasse.
Acredito que estávamos certos em 1919. No presente momento do relógio da história, acreditamos
que esta idéia é ainda mais certa, quando o problema supremo da revolução é o partido proletário
sobre a base maior possível de eficiência.
De um modo geral, não há desculpa para nenhuma excepção a esta regra a menos que o
próprio partido, por razões próprias, ache aconselhável ter um dirigente de destaque nesta ou
naquela posição fora do partido para servir fins partidários. Naturalmente, há, houve e haverá casos
nos quais as responsabilidades pessoais do indivíduo não poderão ser atendidas pelo partido e ele
pode ser obrigado a procurar um emprego exterior por razões econômicas. Este é o caso agora
mesmo com um grande número de camaradas do partido que deveriam de direito estar devotando
todo o seu tempo ao partido. Tais situações, porém, devem ser encaradas como expedientes
temporários, a serem abandonados quando os recursos econômicos do partido melhorem.
Seria completamente natural que um homem com os talentos destacados e recursos de
Burham devesse desempenhar um papel dirigente no partido. Este fato foi universalmente
reconhecido. Ao mesmo tempo, parece-me, colocava sobre Burham a obrigação de colocar-se
completamente a serviço do partido e fazer do trabalho partidário a sua profissão. Nos primeiros
dias do nosso relacionamento com ele, tínhamos como certo de que tinha este objetivo em vista.
Longe de barrar esta via para ele, fiz, pessoalmente, várias tentativas para abri-la.
Apresentei a questão para ele pela primeira vez em no verão de 1935. Já nesta época, ele
era altamente crítico da eficiência dos trotskistas; até propôs a teoria de que esta era uma
debilidade inerente ao trotskismo. Estava inclinado a pensar que nosso “regime” - então
“incorporado” por Schachtman and Cannon - estava tão preocupado com as idéias políticas e com
a convicção de que elas prevaleceriam apesar de tudo, que a máquina organizativa e administrativa
para realizar as idéias não recebia atenção suficiente. (Isto foi antes de que Burham descobrisse
que Cannon não tem idéias políticas ou interesse nelas.)
Propus a ele, no mais amigável espírito, que ajudasse a remediar esta debilidade indubitável.
Propus, concretamente, que ele colocasse um fim no negócio minúsculo de ensinar estudantes de
faculdade que não tinham intenção de ligar-se ao movimento operário e devotasse suas energias
e talentos inteiramente ao nosso partido. Depois de “pensar a respeito”, por um dia ou dois, rejeitou
a proposta. A razão que deu era surpreendente: disse que não estava convencido a devotar sua
vida inteiramente a uma causa que poderia não ser vitoriosa durante a sua vida! Não poderia,
naturalmente, dar-lhe qualquer garantia...
Depois que retornei da Califórnia, no verão de 1937, quando estávamos trabalhando para
formar nosso partido novamente após a nossa expulsão do PS, novamente trouxe à baila com
Burham a questão de que assumisse o posto de secretário nacional. Novamente, recebi uma
resposta negativa. Na discussão da pré-convenção que precedeu a nossa convenção de fundação
em Chicago pouco mais de dois anos atrás, Burham começou a desenvolver sua teoria revisionista
sobre a questão russa. Em acréscimo, começou a levantar a “questão organizativa” de um modo
que sugeria uma divergência conosco que fosse mais profunda que nossas diferenças em torno a
este ou aquele detalhe do trabalho corrente. Na realidade, suas críticas eram dirigidas não tanto ao
regime do partido como às concepções organizativas e tradições do bolchevismo.
Começou a expressar uma grande preocupação com a “democracia” depois da revolução, um
tanto no mesmo modo daqueles democratas que identificam stalinismo e bolchevismo. Ficamos
muito preocupados com estas manifestações. Pareciam indicar, muito claramente que Burham
movia-se não na nossa direção, mas na direção oposta. Eu e o camarada Schachtman, que
trabalhávamos juntos naquele momento, havíamos elaborado a resolução organizativa contra a
resolução de Burham. Tivemos diversas discussões a respeito destes sintomas alarmantes da
defecção de Burham da linha do nosso movimento. Havíamos seguido um curso deliberado de
minimizar a fricção pessoal. Não era fácil diante da atitude provocativa e arrogante de Burham, mas
tivemos êxito em manter os antagonismos pessoais em um nível mínimo. Em uma conversa que
tivemos com Burham naquele período, ele deixou claro que sua apreensão não estava dirigida
contra o nosso bolchevismo ortodoxo ou, de qualquer modo, à nossa interpretação dele. Expressou
a opinião de que nós, como dirigentes do futuro Soviete, seríamos implacáveis demais na nossa
supressão da oposição.
Não estava, no entanto, de modo algum, seguro de si mesmo nestas questões. Estava,
obviamente, atravessando um período difícil de ceticismo e de conflito interno que foi, sem dúvida,
acentuado, senão inspirado, pela insuperável contradição entre a sua vida pessoal e a sua posição
como dirigente partidário. Parecia-nos, porém, que as suas concepções suvarinistas a respeito do
bolchevismo e do stalinismo não estavam, de forma alguma, completamente formadas. Suas
concepções revisionistas sobre a questão russa ainda não haviam levado às conclusões contra-
revolucionárias com relação ao defensismo ou derrotismo. Esperávamos que ele sobrevivesse sua
crise pessoal e encontrasse o caminho para o bolchevismo. Para facilitá-lo, como disse antes,
fizemos tudo para manter relações pessoais amigáveis sem fazer qualquer concessão de princípio,
seja na questão russa, seja na questão de organização.
Schachtman e eu trabalhávamos ombro a ombro naquele período, defendendo juntos o
programa da IV Internacional sobre a questão russa e defendendo juntos o “regime”. Naquele
momento, com o conhecimento e a participação de Schachtman, escrevi uma carta a respeito desta
questão ao camarada Crux. Considero necessário agora publicar esta carta. Penso que convencerá
qualquer camarada objetivo de ao menos dois pontos: 1) que o conflito com Burham, que atingiu o
estado atual de irreconciliabilidade, foi claramente prognosticado há mais de dois anos; 2) que eu
pessoalmente queria fazer todo o possível para manter boas relações com ele e preservá-lo para
o movimento revolucionário. Aqui, reproduzo integralmente minha carta para Crux:
“5ª Avenida, nº 100, quarto1.609, Nova Iorque
Caro camarada Crux [Trotsky],
A viagem a Mineápolis ocupou duas semanas da minha programação
em um momento muito impróprio: véspera da Convenção. Não obstante,
penso que valeu a pena. Por todos os indícios, conseguimos não apenas
frustrar a farsa montada pelos stalinistas, mas dar-lhes um pesado golpe no
interior do movimento sindical. Neste caso, eles se opuseram não só aos
“trotskistas” como grupo, mas a todo o movimento operário de Mineápolis. Os
resultados foram esmagadores para eles. E deve-se admitir que ajudamos a
marcha do processo natural.
Nossos camaradas em Mineápolis estavam na ofensiva em toda a linha.
Parece-me, também, que a sua posição no movimento sindical está mais forte
que nunca. Penso que também nacionalmente saímos vitoriosos deste
enfrentamento. O fato de que o professor Dewey, em seu discurso no rádio,
tenha feito referência à farsa de Mineápolis, é em certa medida indicativo de
que a nossa campanha gravou-se nas mentes de um círculo bastante amplo
de pessoas que seguem os desenvolvimentos no movimento operário.
Espero, agora, ser capaz de concentrar todo o meu tempo e atenção na
preparação para a convenção. Estou totalmente otimista a este respeito. Sei
que a militância ativa em todos o país, especialmente os que estão envolvidos
no trabalho de massas, e não são, de modo algum poucos, estão aguardando
a convenção com grande expectativa e entusiasmo.
Estamos planejando orientar a convenção de acordo com as linhas das
nossas perspectivas gerais e tarefas de nosso trabalho concreto nos
sindicatos, colocando a controvérsia em torno da questão russa na proporção
adequada. Os camaradas no campo levantaram em armas diante da
perspectiva, indicada nos boletins internos, de que a convenção possa se
transformar meramente em uma discussão da questão russa.
Ficou decidido que eu deveria fazer o informe sobre a questão sindical
com o objetivo de trazer esta questão para o primeiro lugar nas deliberações
da convenção. Nossos camaradas envolvidos na atividade sindical estão
assegurando sucessos modestos em um número inesperado de lugares. É,
também, precisamente nestes lugares onde o partido avança, atraindo novos
membros e onde o espírito de otimismo revolucionário prevalece.
O pessimismo geral e o espírito de derrotismo, tão forte nos círculos de
radicais intelectualizados e des-classados, afeta a nossa organização
sobretudo em Nova Iorque. Aqui, devemos admitir, a composição social não
é a melhor e isto explica muitas coisas. Quanto aos verdadeiros operários, as
duras exigências da luta diária não permite especular muito a respeito do triste
estado do mundo e eles não têm para onde correr.
Sinto-me razoavelmente seguro de que a convenção será um sucesso
do ponto de vista de organizar e estimular nosso trabalho de massas, e de
apontar toda a atividade do partido nesta direção. Ao mesmo tempo, está
claro, não passaremos por cima das controvérsias de princípio.
Tive diversas conversas com o camarada Schachtman a respeito disto.
Estamos completamente de acordo e decididos firmemente a lutar por uma
resposta e sem ambígüidade, de um ponto de vista bolchevique a cada
questão. Esperamos ao mesmo tempo conduzir esta luta intransigente de tal
modo, e com tal tom, que permita evitar qualquer ruptura séria de relações de
camaradagem pessoal. Podemos nos restringir a este respeito ao máximo
porque temos certeza do apoio firme da esmagadora maioria do partido, em
particular dos operários bolcheviques.
A respeito da sugestão de que o camarada B. devesse ser convidado
para visitá-lo, tanto Max como eu somos da opinião de que está fora de
questão antes da convenção. Na realidade, tenho muitas dúvidas de que será
viável após a convenção. Devemos esperar e ver o resultado da convenção.
Sinto que é meu dever escrever-lhe com completa franqueza a respeito
deste assunto e o faço com total confiança de que minhas observações
permanecerão com você e com seus colaboradores imediatos.
Não queremos fazer ou dizer nada que tenda a aguçar conflitos
pessoais. Tanto Max como eu estamos indo o mais longe possível para
conciliar e suavizar tudo, na medida em que não seja uma questão de borrar
as linhas de princípio. Este, porém, é justamente o busílis da questão. Parece-
nos que o camarada B. decidiu revoltar-se contra os princípios fundamentais
em geral e não apenas na questão russa.
À medida em que se aproxima a Convenção entramos mais e mais em
conflito sobre a concepção do partido. As questões da democracia, do
centralismo, irreconciliabilidade, resistência obstinada contra a infiltração de
humores e teorias estranhas, a necessidade de uma ofensiva brutal contra a
os pregoeiros intelectuais de calamidades, derrotistas e chorões em geral -
sobre todas estas questões que, na situação atual, expressam o significado
do bolchevismo, caminhamos mais e mais para um profundo enfrentamento,
ainda que levado adiante de modo educado. Em tempos como este, quando
temos que pegar em armas contra um mundo de inimigos e fatores de
desintegração, o camarada B. tem como grande deficiência a sua formação,
o seu meio e o seu treinamento. Ele tem um caráter forte e não é necessário
mencionar sua habilidade, parece-me, contudo, que as divergências que
surgem da questão russa e agora de outras questões não primordialmente,
ou melhor, não são fundamentalmente intelectuais ou teóricos.
É preciso que diga, caro amigo, que ele está sofrendo de uma depressão
intelectual. Podemos curar tal coisa? Se ele estivesse mais identificado com
um grupo de operários bolcheviques e pudesse ser colocado sob a influência
do seu espírito na luta diária, poderíamos ter maior esperança. Mas eis aí o
problema. Ele não se sente realmente um de nós. O trabalho do partido, para
ele, não é uma vocação, mas uma distração. Ele não está em condições de
viajar pelo país, participar da atividade dos nossos camaradas no campo de
ação, viver com eles, aprender deles e colocar-se sob a sua influência em sua
vida pessoal. Seu ambiente social é inteiramente diferente. Você sabe muito
bem que o mundo acadêmico dos intelectuais, tanto reais como pseudo
intelectuais, está carregado com um pesado pessimismo e com um novo
ceticismo a respeito de tudo. Se chegar realmente a compreendê-lo, o
camarada B. é ele próprio afetado pela pressão do seu meio diário. Combine-
se este fato com uma grande tendência da sua parte para censurar seus
colaboradores de partido e a resistir à idéia de ser influenciado ou ensinado
qualquer coisa, mesmo por nossos camaradas internacionais e podemos ver
que o problema não promete nenhuma solução fácil.
Devo dizer que tive durante muito tempo a sensação de que esta crise
pessoal viria - eis o que isto é de fato - do camarada B. Sei, como sabemos
todos, que o partido revolucionário devora homens. Exige tudo e repele os
flertes. De acordo com a situação, agora, o camarada B., tendo se
estabelecido como um dos mais eminentes dirigentes partidários e
considerando a necessidade indispensável do partido de uma equipe dirigente
mais profissional, deveria estar se preparando, ao menos, para se tornar um
assalariado, com tudo o que implica. Quando voltei da Califórnia na primavera
passada, tinha a esperança de que ele estivesse pronto para uma decisão
drástica como esta. Indiretamente sugeri a ele que, com a nossa ruptura com
o PS ele deveria assumir o cargo de secretário nacional. Sua incapacidade de
responder a esta sugestão naquele momento, ainda que não houvesse, então,
nenhum traço de divergências sérias, encheu-me de apreensão pelo futuro.
Escrevi-lhe esta opinião extremamente franca porque creio ser
necessário que você conheça a natureza do problema, como eu a vejo. Talvez
sobre esta base você possa fazer sugestões ou propostas que nos ajudarão,
a nós e ao camarada B. a encontrar uma linguagem comum e um caminho
comum.
Do seu camarada,
J. P. Cannon”

Desta carta é evidente que minha opinião da atitude pequeno-burguesa de Burham não foi
formulada inopinadamente no início da atual luta fracional. A “depressão intelectual” é a doença
pequeno-burguesa.
Esta não é, no entanto, a história toda. Pouco antes de escrever a carta acima tive a
oportunidade de estar em Mineápolis (no tempo do assassinato de Corcoran) como mencionei na
carta a Crux. Ali tive uma discussão com um grupo de camaradas dirigentes em Nova Iorque. Estes
camaradas, que os oposicionistas hoje retratam como pessoas ignorantes que odeiam intelectuais,
enfatizaram com muita força para mim na discussão seus desejos de que a disputa com Burham
fosse conduzida de tal modo a não criar com ele um antagonismo desnecessário ou enfraquecer
indevidamente sua posição no partido. Deixaram claro que valorizavam em alto grau as suas
habilidades e queriam segurança de um tratamento de camaradagem com ele que facilitasse a sua
permanência como dirigente do partido após a Convenção.
Foram assegurados da minha presteza em atender a sua vontade a este respeito. Expressei,
todavia, a opinião de que o verdadeiro problema com Burham era não tanto a sua posição política
equivocada como um conflito mais fundamental entre sua vida pessoal burguesa e as crescentes
exigências que o partido deve fazer para um dirigente. Em tais casos, lhes disse, eu havia
observado com freqüência que as pessoas procuram inconscientemente racionalizar suas
dificuldades pessoais e contradições na forma de “divergências políticas” com o partido
apressadamente obtidas. Disse que se pudéssemos nos sentir seguros de que Burham fosse
realmente um de nós, daria um sinal de determinação da sua parte para resolver suas contradições
pessoais e vir trabalhar no movimento revolucionário de modo sério - neste caso, teríamos muito
maior terreno para esperar que as divergência políticas entre nós seriam eventualmente superadas
no curso de uma discussão entre camaradas e do trabalho partidário comum.
Pouco depois da Convenção, Burham requereu que Schachtman e eu o encontrássemos para
almoçar longe do escritório partidário para discutir uma questão muito importante. Nesta reunião,
ele nos disse que um camarada, que havia participado da discussão em Mineápolis, havia relatado
meus comentários a ele. Enfatizou, porém, que havia sido feito de boa fé e com a melhor das
intenções. Expressei meu pesar de que as questões houvessem sido apresentadas a ele de modo
tão repentino antes que estivesse preparado para dar uma resposta. Contudo, agora que o fato já
estava feito não havia nada a fazer exceto enfrentar o problema.
Burham afirmou francamente que não estava seguro de que não estivesse certo em minha
suposição de que em suas controvérsias políticas conosco estava simplesmente racionalizando
suas contradições pessoais. Disse que era uma contradição real, que reconhecia este fato, e que
ainda não estava pronto para resolvê-la de modo definitivo. Ao invés de mergulhar mais
profundamente no trabalho partidário, queria mais tempo para considerar o problema e queria ser
liberado, pelo próximo período de todos os deveres partidários exceto seu trabalho literário regular.
Discutimos a questão de um modo amigável; não lhe demos nenhuma ordem burocrática,
aceitamos suas reivindicações.
As atas do Comitê Político reunido em 20 de janeiro registram a disposição oficial do assunto
da seguinte forma:
“Proposta de Cannon: pelo próximo período, considerar o trabalho do camarada Burham como
sendo especificamente literário e editorial e que ele seja eximido do trabalho de rotina do sub-
comitê. Aprovada.”
Se algum operário no partido, a quem é negado isentar-se de tarefas desagradáveis, ler este
trecho da ata do Comitê Político, pode, de fato, tirar certas conclusões a respeito da existência de
“cidadãos de segunda classe” no partido. Mas não encontrará nenhum indício de que o principal
intelectual do partido tenha sido colocado nesta categoria. (Incidentalmente, podemos aprender
deste relato que a famosa ‘reunião de ano novo’ na campanha automobilística não foi a única
ocasião em que as decisões formais do CP foram preparadas de antemão em conversas informais.
Houve muitas ocasiões como esta e haverá muitas mais no futuro. É o método normal de qualquer
“direção coletiva” séria.)
O que mudou desde então? O que aconteceu para que se quebrasse toda colaboração política
e pessoal e eventualmente nos trouxesse à atual situação? Da minha parte, nada mudou; meu
curso é hoje o mesmo de então. Burham moveu-se firmemente na direção oposta. Schachtman,
logo depois da conversa registrada acima, começou a mudar para a órbita de Burham. Separamo-
nos e agora estamos em campos opostos. Burham, como o testemunha seu artigo “Ciência e estilo”,
rompeu completamente com o marxismo e o bolchevismo e a revolução proletária. Shachtman, que
ontem defendia o bolchevismo contra Burham, hoje defende Burham contra o bolchevismo.
Deixemo-los explicar estes progressos por referências ao “burocratismo” de Cannon e às
maquinações de uma “clique”. Estes são simplesmente pretextos inventados após o fato. Todos os
meus esforços, como creio ter demonstrado, foram feitos para um fim diferente.

7º Capítulo: O mal da política dos blocos sem princípios (“combinacionismo”)

A oposição é o pior e mais desleal de todos os tipos de formações faccionais em um partido


operário revolucionário: uma combinação sem princípios. O bloco sem princípios é o pior delito
contra o partido porque atravessa as linhas de princípio político, visa a uma decisão organizativa
que deixa sem esclarecimento as controvérsias de princípios e políticas e sem decisão. Assim, na
medida que a luta do bloco sem princípios for bem sucedida, impede a educação do partido e a
solução da disputa sobre uma base de princípios. O bloco sem princípios é em todos os casos, a
expressão da política pequeno-burguesa. É a antítese do método marxista de luta política.
Os marxistas sempre começam com o programa. Reúnem apoiadores em torno ao programa
e os educam quanto ao seu significado no processo da luta. As vitórias políticas dos marxistas são
sempre em primeiro lugar vitórias para o seu programa. A fase organizativa da vitória em todos os
casos, da eleição de uma determinada chapa de candidatos em luta de facções de partido até e
inclusive a tomada do poder em uma luta armada sempre tem um único e mesmo significado;
fornecer os meios e o instrumento para realizar o programa político. A política marxista é a política
de princípios. Isto explica, entre outras coisas, a homogeneidade da formação marxista,
independentemente de se é uma facção em um partido em pequena escala, ou um partido
amadurecido e completamente desenvolvido enfrentando os partidos do inimigo de classe. É esta
homogeneidade da organização marxista o que torna possível a sua disciplina firme, a sua
centralização e o seu poder de fogo.
A política pequeno-burguesa é sempre uma mistura confusa. Nunca chega a um programa
completamente desenvolvido e consistente. Toda formação pequeno-burguesa, seja uma facção
ou um partido independente, tem este traço característico. Na melhor das hipóteses, luta por
objetivos parciais e passa por cima das contradições e diferenças nas suas fileiras de modo a
preservar uma unidade formal. Os agrupamentos pequeno-burgueses lutam não em nome de
grandes princípios, mas por objetivos organizativos. Para este fim, quase que invariavelmente
unem pessoas de diferentes visões e diferentes tendências e subordinam o esclarecimento das
suas divergências ao sucesso da luta organizativa. Isto explica sua ausência de disciplina interna
e aversão ao centralismo o qual é incompatível com uma composição política heterogênea. Isto
determina a sua tendência desmoronar no curso de uma luta severa ou logo depois que tenham
obtido uma vitória organizativa momentânea.
A política pequeno-burguesa é a política da futilidade, do aviltamento da teoria, da
deseducação dos militantes de base, da distração dos objetivos primordiais e decisivos - as
questões de princípio - para todo o tipo de considerações de ordem secundária, incluindo a luta
pelo controle organizativo. A luta atual entre as tendências proletárias e pequeno-burguesa em
nosso partido é uma ilustração clássica do contraste entre o método político de princípio e o bloco
sem princípio.
Foi claramente estabelecido cedo na discussão que a oposição representava uma
combinação de pelo menos tendências políticas diferentes sobre a questão russa, com uma única
coisa em comum sobre a qual todos concordavam, a saber, a oposição ao “regime do partido”. A
luta faccional atual começou formalmente no pleno do partido de outubro passado acerca da
questão russa; mais precisamente, sobre dois aspectos de uma mesma questão: a natureza do
estado soviético e a sua defesa. O “defensista” Abern votou pela nossa proposta, caracterizando a
União Soviética como um estado operário degenerado e declarando sua defesa incondicional
contra o imperialismo. O “derrotista” Burnham já havia introduzido um documento no Comitê Político
declarando: “é impossível encarar a União Soviética como um estado operário em qualquer sentido
que seja”, negando a ele qualquer tipo de defesa “na guerra atual”. Quanto ao “cético” Shachtman,
“absteve-se” de “levantar neste momento o problema da natureza de classe do estado soviético”,
deixando a questão da defesa para desenvolvimentos futuros.
Os três líderes da oposição deram, cada qual, diferentes respostas à questão teórica básica
da natureza, o critério pelo qual todos os marxistas determinam a sua atitude em relação a um
Estado determinado e à questão política básica da sua defesa. Isto não os impediu de formar uma
fração. Sua incapacidade para dar uma resposta comum quanto ao caráter do regime de Stálin na
União Soviética não os impediu de formar uma fração comum contra o “regime” no nosso partido.
Aos seus olhos todas as questões estão subordinadas a isto.
O bloco sem princípios viola a tradição marxista de modo tão cru que os que o praticam
sentem-se obrigados sempre a cobrir suas operações por meio do engano e da negação. Nossos
“bloquistas” atuais seguem esta rotina familiar. Citam a “declaração” feita por Abern no pleno para
explicar seu voto tanto pela nossa moção precisa como pela resolução ambígua de Shachtman:
“Com esta avaliação básica não encontro contradição na resolução de Shachtman que aceito
em seus aspectos essenciais como um interpretação ou análise das questões correntes específicas
ali citadas, sem invalidar a posição básica do partido. Estou pronto a deixar para o próximo período
o desdobramento ou outro das interpretações ou implicações afirmadas por alguns camaradas aqui
quanto ao caráter de “ponte” da resolução de Shachtman ou se ela se mantém episodicamente por
si mesma, e formar meus julgamentos de acordo com os méritos de cada assunto.”
Assim dizem que “se desembaraçam, de passagem, do Argumento de Cannon de que a
minoria é um ‘bloco sem princípios’”. “De passagem”, a declaração prova o oposto. As seções da
declaração que sublinhei o tornam claro. A ambígua resolução de Shachtman estava sob o fogo da
maioria no pleno como uma “ponte” para a posição derrotista de Burnham. A declaração de Abern
era uma resposta a esta crítica, uma explicação de que ele entedia que a resolução de Shachtman
“não invalidava a posição básica do partido” de “defesa incondicional” pela qual havia votado e a
declaração de que “deixaria para o próximo período” o “desdobramento ou outro” - de que? As
afirmações da maioria “quanto ao caráter de ‘ponte” da resolução de Shachtman”! Ocorre que elas
“desdobram-se” e não outro. Shachtman logo apareceu com armas e bagagens no campo derrotista
de Burnham. E Abern - que iria esperar para ver se a posição de Shachtman era uma “ponte”? Ele,
o “defensista incondicional” do Pleno de Outubro, sem se abalar cruzou a ponte” para o “derrotismo
incondicional”. E, então, pergunta amavelmente, em sua carta aberta para Trotsky, “O que há de
errado nisso?”
Manter a sua posição política e unir-se organizativamente com pessoas que mantém uma
posição diametralmente oposta contra outros com que declarou concordância fundamental e,
então, sustentar que nada ocorreu - claro, não há nada “errado nisso”. Nada errado, isto é, se
somos formadores de blocos cínicos sem nenhum respeito pelo partido, sua tradição marxista e a
inteligência dos seus membros. Aos olhos dos marxistas, todavia, é uma traição aos princípios -
um crime imperdoável contra o partido.
Houve uma época em que Shachtman sabia como caracterizar tal conduta e apresentar, como
explicava, “o ponto de vista marxista estabelecido sobre o problema”. No Boletim Interno do Partido
Operário, nº 3, fevereiro de 1936, em um artigo intitulado Política marxista ou bloco sem princípios?”
Shachtman escreveu:
“Finalmente, escrevendo acerca do caso de Mill, que tinha também feito um “pequeno bloco
organizativo” - apenas temporário! - com um grupo na Oposição de Esquerda francesa que havia
definido como não-marxista, contra outro grupo que, ainda que o chamasse de marxista, era
acusado por ele de ter “maus métodos organizativos”. Mill logicamente concluiu esta prática política
passando-se para o stalinistas. Trotsky resumiu esta situação em uma carta escrita em 13 de
outubro de 1932: “para Mill, princípios são em geral claramente sem nenhum importância;
considerações pessoais, simpatias e antipatias determinam sua conduta política em um grau maior
do que os princípios e as idéias. O fato de que Mill pudesse propor um bloco com um homem que
havia definido como não-marxista contra camaradas que havia considerado como marxistas,
mostrava claramente que Mill era moral e politicamente sem confiança e incapaz de manter sua
lealdade a uma bandeira. Se ele traiu naquele dia em uma pequena escala, seria capaz de trair
amanhã em uma escala maior. Era esta a conclusão que todo revolucionário deveria tirar naquele
momento...”
Nada precisa ser acrescentado a este parágrafo demolidor. Os argumentos de advogado que
Shachtman agora está empregando para defender os métodos que condenava em 1936 não
mudam a qualidade dos métodos ou a apreciação marxista deles em qualquer aspecto.
Ensinaremos os membros do partido a desprezar tais métodos e levantar uma barricada política e
moral contra eles.

8º Capítulo: Abernismo - relatório de caso de uma doença

Quase desde o começo do movimento trotskista neste país, há mais de onze anos, seu
desenvolvimento normal e funcionamento tem sido obstruído por uma doença interna que
envenenou a corrente sangüínea do organismo partidário. O nome desta doença é abernismo. As
características do abernismo, como se manifestaram de modo consistente e ininterrupto durante
mais de dez anos são: política de clique, incessante disseminação de mexericos e reclamações a
respeito do regime partidário, subordinação das questões de princípio a considerações
organizativas e pessoais; combinacionismo sem princípios em toda luta de facção, traição
ideológica.
Esta doença interna sempre esteve presente e sempre foi prejudicial. Em tempos “normais”
quando não havia nenhuma luta faccional aberta, ela ficava adormecida, sapando a vitalidade do
partido. A cada virada brusca, a doença assumia sempre imediatamente uma forma extremamente
virulenta, complicando as lutas ideológicas no mais alto grau e empurrando-as à beira da cisão.
O grupo de Abern é uma clique familiar permanente cuja existência ininterrupta e práticas
pérfidas são conhecidas de todos os velhos membros do partido. Durante mais de dez anos tem
travado uma luta fracional, ora aberta, ora oculta, mas nunca interrompida, contra a direção
partidária.
Alguma vez no passado a maior parte dos camaradas dirigentes teve divergências e formaram
agrupamentos de fração temporários na luta por conflitantes visões políticas. As disputas tendo
sido resolvidas, a paz era feita e uma boa colaboração retomada, os oponentes com muita
freqüência tornavam-se os melhores amigos, sem ressentimentos. Abern, porém, sem uma
plataforma, sem uma única vez apresentar nenhuma posição política independente, nunca se
reconciliou, nunca cessou sua inexplicável luta faccional consistente.
Na disputa atual Abern está apenas repetindo suas velhas e gastas práticas. Entra em uma
combinação organizativa; comercia sua posição sobre a questão russa em troca de um bloco contra
o regime; envenena a atmosfera da discussão; e, agora, como sempre antes de uma etapa crítica,
trabalha deliberadamente na direção de uma ruptura. Em sua carta ao camarada Trotsky, datada
de 29 de janeiro, anuncia sua intenção de “levar esta luta até o fim”. Por “fim”, obviamente quer
dizer o que sempre quis dizer em situações semelhantes no passado, não uma decisão democrática
por uma maioria do partido na convenção, mas uma ruptura destrutiva nas fileiras do partido.
A trajetória indefensável de Abern está inscrita na história do nosso partido. Os camaradas
mais jovens devem conhecer esta história e não se deve permitir passar por cima dela. O
conhecimento deverá ajudá-los a evitar as traiçoeiras armadilhas da política de clique e
combinacionismo.
Shachtman está muito ocupado nos dias atuais com a tentativa de passar a rica história do
nosso partido como uma série de conflitos dos quais nenhuma lição pode ser extraída. Isto não é
verdade. Não lutamos por bagatelas. Shachtman objeta a que se faça referência ao registro do
passado apenas porque ele condena o seu curso atual. Inventa para a atual luta faccional o mito
de uma “clique de Cannon”, como um artifício super inteligente para aparar o golpe de um exame
da trajetória da verdadeira clique cuja acusação ele mesmo fez em documentos que mantêm até
hoje a sua validade. Se alguns camaradas ficaram chocados e espantados pela frieza com que
Abern, o “marxista ortodoxo” entrou em uma combinação com o revisionista Burham, uma resenha
da história do partido mostrar-lhes-á que tais ações da parte de Abern nada têm de novo. Nas suas
lutas anteriores com a direção partidária, Abern não hesitou em combinar com o sectário Oehler,
com o não-marxista Muste e até mesmo com os agentes stalinistas no partido. Na luta atual, Abern
está apenas continuando um curso extraordinariamente persistente.
A tentativa dos escribas da oposição para revisar nossa história bem como nosso programa
é, por assim dizer, uma “concessão” a Abern, cujo prontuário de luta de camarilhas e
combinacionista mancha qualquer fração que apóie. Shachtman e Burham, porém, escrevem
demais e esquecem rápido demais o que escreveram. Eles próprios já caracterizaram o grupo de
Abern como uma clique desleal e sem princípios; expuseram e condenaram seu combinacionismo
sem princípios e registraram a sua história. Querem agora descartar toda referência a esta história,
especialmente os documentos que eles mesmos escreveram, como não sendo pertinentes à
discussão atual. Eis porque não encontraram nada na “história” de Abern que valha a pena
defender.
Dizemos e provamos que Abern está recorrente na atual situação crítica às mesmas práticas
e métodos que sempre empregou nas crises anteriores do partido. Tentam mudar o assunto
acusando-nos de remexer divergências políticas que não têm relação com a disputa atual. Não,
não é esse o caso.
Não estamos falando dos erros políticos passados de Abern, ainda que todas as vezes que
ele tenha se aventurado a dar à sua “luta organizativa” contra o regime do partido uma expressão
política nada cometeu senão erros. Não estamos falando da sua oposição à entrada no Partido
Socialista ou, antes disso, sua tentativa de obstruir a fusão com os musteístas e, ainda antes, suas
malfadadas aventuras nos sindicatos que terminaram precipitadamente. Não estamos tentando
conectar estas lutas ultrapassadas com a luta atual de vida ou morte em torno da questão russa.
Nossas referências específicas são daquelas características da conduta passada de Abern
que têm uma relação direta com o presente: seus métodos, sua política de clique, seu
combinacionismo sem princípio, suas traições de princípio para servir a fins faccionais. São estas
as práticas a que ele recorre na luta atual; foram estas as práticas invariáveis do passado.
Conseqüentemente, uma resenha do passado neste domínio é absolutamente pertinente para a
luta atual. O setor do partido que atravessou as experiências do passado conhece bem a sua
trajetória. Eis porque o abernismo é abominado pelos quadros básicos do partido. Os novos
membros do partido e a juventude precisam conhecer esta trajetória, precisam entender sua
conexão indissolúvel com o presente de modo que possam ajustar contas definitivamente com esta
tendência corruptora na próxima convenção.
Desde o começo mesmo da atual luta faccional, Shachtman e Burham vêm sofrendo com
mais constrangedora contradição, como resultado da sua combinação com Abern. Não são
capazes de defender a trajetória do grupo de Abern. Por outro lado, não podem passar sem Abern,
uma vez que seu grupo é a espinha dorsal organizativa da combinação. Tentaram resolver o
problema negando a existência da clique de Abern totalmente. A “questão Abern”, diz Shachtman,
levantando a sua varinha de condão, é “espúria”, “não existe”. Cannon sabe o que todo dirigente
partidário bem informado, e muitos militantes, sabem, ou seja, que durante vários anos pelo menos
não existiu tal coisa como um “grupo de Abern”.
São boas notícias, só que não são verdadeiras e ninguém “sabe” disso melhor que Shachtman
e Burham. Provaremos este fato pelas suas próprias bocas. A existência desta clique, sua natureza
e método de funcionamento foram estabelecidos e registrados com precisão mortal por ninguém
menos que Burham, não “muitos anos” atrás, mas meros três meses antes do começo da atual luta
faccional. Em um documento apresentado ao Comitê Político do partido em 13 de junho de 1939,
Burham escrevia:
“Há alguns anos, Abern constituiu um grupo de seguidores sobre uma base primordialmente
pessoal antes que política. Este grupo tem sido mantido vivo e ainda vive, alimentado por um
extenso contato pessoal e por correspondência, ajuda mútua e proteção no que diz respeito a
tarefas partidárias e cargos, pela distribuição conjunta de fofocas e informação, inclusive de
informação confidencial, e inimizade a Cannon. Quaisquer postos que Abern assuma são
administrados com competência, mas ao mesmo tempo administrado de tal forma que ajude a
manutenção da sua clique” (“Para acertar a cabeça do prego”, itálicas minhas).
O que levou Burham a colocar por escrito em um documento oficial uma caracterização tão
demolidora? O que o levou a estabelecer com tal precisão a origem, os métodos, motivações e
atual existência da clique de Abern? Estava simplesmente registrando de modo natural uma
circunstância que “todo membro bem informado do partido conhece”, incluindo Shachtman. O fato
de que ele não tenha previsto alguns meses no futuro quando o bloco opositor necessitaria do apoio
de Abern e pensasse necessário negar a existência da sua clique e denunciar até mesmo que se
a mencionasse como sendo “espúrio”, tudo isso atesta a miopia de Burham. Não altera, porém, em
modo algum os fatos mencionados.

***

Shachtman pratica uma fraude deliberada contra o partido quando tenta negar estes fatos que
nenhum de nós foi capaz de esquecer. Eram sempre uma fonte constante de irritação e perturbação
na direção partidária, mesmo nos tempos “normais” e uma ameaça à sua unidade em toda luta de
fração séria. A inexistente clique de Abern era o assunto de repetidas discussões na direção,
particularmente entre os mesmos Shachtman e Burham e Cannon. Burham, mais de uma vez,
caracterizou Abern como um incipiente “Stálin americano”, referindo-se deste modo às suas intrigas
incessantes, sua deslealdade, seu faccionalismo destituído de considerações de princípios, suas
motivações mesquinhas, alheias ao espírito do comunismo, de despeito e “vingança”.
Nenhum de nós que realmente conhecíamos Abern tinha em alta estima suas contribuições
para a direção do partido. Se concordamos em aceitá-lo como membro do Comitê Político, não foi
por suas contribuições políticas. Ele nunca fez uma única. Com certeza, porque não havia “tal coisa”
como um grupo de Abern. Ao contrário, era precisamente porque sabíamos que ele representava
um grupo que o aceitávamos no Comitê Político como uma concessão a este grupo, em uma
tentativa de satisfazê-lo e ao mesmo tempo para desarmá-lo mostrando que não discriminávamos
opositores derrotados. Aceitamo-lo no Comitê Político por outra razão, não porque confiássemos
nele, mas porque queríamos tê-lo em um lugar onde poderíamos observá-lo mais cuidadosamente.
Tais são os fatos do caso e ninguém os conhece melhor que Shachtman.
Quando tínhamos questões de natureza extremamente confidencial para considerar - e não
uma nem duas vezes, mas repetidamente - nós nos desembaraçávamos delas informalmente, sem
levá-las à reunião oficial do Comitê Político. A razão? Não confiávamos em Abern para respeitar
confidências do CP. Em mais de uma ocasião, quando deixamos de lado esta precaução, tivemos
motivos para nos arrepender da nossa falta de cuidado.
Várias vezes informações confidenciais foram transmitidas por Abern aos membros da sua
clique - este é um dos privilégios que gozam estes perseguidos “cidadãos de segunda classe” - e,
então, passadas para círculos mais amplos, algumas vezes nas mãos dos nossos inimigos.
Igualmente fraudulenta é a tentativa de Shachtman de provar a inexistência do grupo de Abern por
referência ao fato de que o Comitê Político eleito na Convenção de Chicago “tinha nele quatro ex-
abernistas de um total de sete membros, ou seja, uma maioria!” Os quatro “ex-abernistas” eram
Abern, Widick, McKinney e Gould. Em primeiro lugar, não havia o objetivo de dar-lhes uma maioria;
Widick foi eleito não como membro do CP, mas como aspirante, apontado por Shachtman,
conforme atestam as atas, “pela razão de que ele seria capaz de servir como secretário sindical até
que Farrell Dobbs pudesse assumir suas funções”. Dobbs foi eleito como o membro regular do CP,
mas não estava em condições de assumir por outras razões que impediam que viesse para o
centro. Goldman, proposto como primeiro aspirante, também estava incapacitado de vir para Nova
Iorque naquele momento. Em segundo lugar, as seleções para este CP foram feitas sobre uma
base funcional antes que política. McKinney, naquele momento, Organizador de Distrito de Nova
Iorque, era considerado necessário no CP devido às suas funções. Quanto a Gould, sua escolha
foi feita pelo Comitê Nacional do YPSL. Estes fatos do registro, omitidos por Shachtman, são
suficientes para mostrar que não havia objetivo algum de colocar uma maioria de ex-abernistas no
comitê.
A circunstância de que quatro abernistas eventualmente foram parar no comitê, devido a uma
seleção por função e devido à impossibilidade de Dobbs ou Goldman de vir para o centro e o fato
de que não levantássemos objeção a este resultado, não prova de modo algum a “inexistência” da
clique de Abern. Prova somente que não foram privados de suas funções devido às suas faltas
passadas. Mais ainda, esta composição um tanto acidental do CP era aceitada deliberadamente
como um teste para os indivíduos envolvidos, como um esforço para que rompessem com as
formações e associações de clique integrando-os no corpo dirigente do partido. Por exemplo, no
caso de Widick, sentimos que apontando-o para o trabalho sindical, um campo completamente
alheio aos círculos de fofoca da clique de Abern, a atividade neste campo mais amplo poderia
operar para curá-lo da sua doença de clique e torná-lo um homem de partido.
Gould, conforme afirmado, veio ao comitê como representante do Comitê Nacional do YPSL.
Mas quando Gould, durante a convenção de Chicago, inquiriu a respeito da nossa atitude em
relação a ele como secretário nacional do YPSL, demos-lhe certas condições explícitas,
estabelecidas por Shachtman. Em uma reunião entre nós três, Shachtman disse sem rodeios a
Gould: “estamos dispostos a apóiá-lo se você for um homem de partido no YPSL, mas não se você
for um abernista. Não queremos que o YPSL se transforme em um brinquedo para a política de
clique de Abern. Eis aqui o quanto Shachtman realmente acreditava na época da Convenção de
Chicago que “não houve tal coisa como um ‘grupo de Abern’”. A tentativa de Shachtman de dar
uma impressão contrária em sua “Carta aberta a Trotsky” representa simplesmente uma perversão
deliberada perversão dos fatos de modo a enganar o partido. Shachtman declarou que a clique de
Abern “dissolvida” apenas quando necessitava-a em sua realidade não dissolvida para propósito
de uma combinação contra o regime do partido.

***

Shachtman escreve a respeito de muitos assuntos que ele não entende completamente, mas
sobre a questão da clique Abern, sua origem, seus métodos, sua deslealdade e sua ameaça
permanente à unidade do partido - a respeito deste assunto, ele formou-se como uma autoridade
há muito tempo. O que ele escreveu ontem sobre este assunto, quando não tinha necessidade
fracional alguma de esconder a verdade, é totalmente aplicável hoje, pois o grupo de Abern não
mudou em absolutamente nenhum aspecto.
Em fevereiro de 1936, perto do fim da luta longa fracional em torno da entrada no Partido
Socialista, quando a combinação oposicionista de Muste e Abern nos ameaçava com uma ruptura,
Shachtman resumiu a história da luta e a história do movimento trotskista na América, em um
documento mimeografado de 70 páginas com espaço simples que ocuparam totalmente dois
boletins internos do partido. O tema principal do seu conteúdo indicado pelo título “Política marxista
ou combinacionismo sem princípios?” é, do começo ao fim, uma polêmica sistemática contra a
clique de Abern. O propósito do documento, como estabelece a sua introdução, era o de educar a
juventude na luta contra a política de clique e o combinacionismo sem princípios.
“Está dirigido, escreveu Shachtman, acima de tudo para o militante sedento de conhecimento do
nosso movimento. Em certo sentido, é dedicado a eles (...) A juventude deve ser treinada no espírito
do marxismo revolucionário, da política de princípios. Através da sua corrente sangüínea deve
correr uma poderosa resistência ao veneno da política de clique, ou subjetivismo, do
combinacionismo pessoal, da intriga, da fofoca. Deve aprender a atravessar todas as
superficialidades e atingir a essência do problema. Deve aprender a pensar politicamente, a ser
guiada exclusivamente por considerações políticas, a discutir os problemas consigo mesma e com
outros sobre a base de princípios e agir sempre por motivos de princípio.” (Boletim Interno do
Worker Party, nº 3, fevereiro, 1936, página 2).
Quando Shachtman escreveu, naquele momento, a respeito da política de clique, não estava
se referindo a uma imaginária clique de Cannon. Estava lutando ombro a ombro com Cannon contra
a clique que existia na realidade então tanto quanto existe hoje. Shachtman nunca nos iluminou
quanto à origem precisa da chamada “clique de Cannon”. Quanto à origem da clique de Abern, ele
nos deu informação muito mais precisa.
Prometeu provar e provou de fato que “era formada na calada da noite sem uma plataforma
política e sem nunca, em dois anos de existência, ter elaborado uma plataforma política, que a sua
base de existência é a de uma combinação pessoal sem princípios, de uma clique que se recusa a
superar na prática animosidades pessoais e faccionais completamente ultrapassadas, que seu
principal objetivo é ‘esmagar Cannon” (e Shachtman, devido à sua associação com aquele)” (idem,
página 22).
Na realidade, a clique da qual está falando foi “formada na calada da noite” nos primeiros dias
da Oposição de Esquerda, não “dois anos”, mas sete anos antes do artigo de Shachtman citado
acima ter sido escrito. O grupo de Shachtman datou incorretamente no futuro a origem do grupo de
Abern no momento da sua ruptura com ele. Abern está sempre sendo “dissolvido” pelas defecções
das pessoas que aprendem algo de uma experiência infeliz e então é reconstituído com o seu
núcleo básico intacto. Começa então a atrair novos recrutas das fileiras dos inexperientes e dos
mal informados, que confundem fofoca, queixas pessoais e “questões de organização” com política
revolucionária.
Quais, de acordo com Shachtman, eram os métodos de recrutamento desta clique? Naquele
momento, como hoje: “(...) não ganhou um único partidário pelos métodos de um confronto
ideológico honesto e aberto aos seus oponentes. Seus métodos são outros: diz uma coisa nas
cartas, venenosas ‘notas informativas’ enviadas secretamente por Abern, mas que nunca ousam
apresentar publicamente diante do partido, e dizem outra coisa abertamente (...)” (página 61).
O que a clique representava politicamente? O sempre dinâmico Shachtman, que mantém a
pose enquanto assina com Abern condenações do “conservadorismo” de Cannon, tinha a dizer
acerca da política do grupo pendular de Abern, que: “representa esterilidade política, passividade,
negativismo, timidez, medo de inovações - uma espécie de (ouçam! Ouçam!) sectarismo
conservador” (página 61).
Novamente, “se fôssemos obrigados a dar uma caracterização concisa da facção Abern-
Weber nossa fórmula confirmar-se-ia a duas palavras para descrever sua predisposição política e
seus métodos organizativos: uma clique conservadora” (página 62).
O que representa? “Representa uma corrente insalubre e sinistra na nossa corrente
sangüínea, a corrente do marxismo revolucionário que se baseia em métodos de princípio, que
detesta a política de clique e combinacionismo pessoal. Sua moral, seus hábitos, sua maneira, seus
métodos tornam-na um sistema estranho em nosso movimento” (página 63).
No documento citado acima e em outros publicados durante a luta de facções na época,
Shachtman provou minuciosamente que a clique sem princípios de Abern, cega para todas as
metas com exceção a de “esmagar Cannon”, combinou-se com os ultra-esquerdistas oehleristas,
com Muste e mesmo com agentes stalinistas mal disfarçados no partido! Cada uma destas
combinações teve um resultado terrível. Os oehleristas romperam com o partido e a IV Internacional
e tornaram-se inimigos encarniçados. Sem se incomodar com isto, Abern, em combinação com
Muste, deliberadamente preparou-se para torpedear o partido com outra ruptura. Enfrentado, como
agora, com uma certa perspectiva de ficar em minoria na convenção, Abern recusou-se firmemente,
então como agora, a dar ao partido qualquer segurança de que aceitará as decisões da convenção
sob o princípio do centralismo democrático. Ao contrário, continuou com um plano deliberado de
romper nossas fileiras no mais crucial ponto de inflexão da nossa história, quando estávamos
reunindo nossas forças para uma manobra complicada para quebrar o nosso isolamento entrando
no Partido Socialista.
Qual foi o motivo deste programa pérfido? Qual foi o motivo da sua orientação para a ruptura
na velha luta de 1933, nos dias do nosso isolamento e estagnação, quando uma ruptura das nossas
débeis forças poderia bem ter soado o dobre de finados do nosso jovem movimento - uma ruptura
que somente foi evitada pela intervenção da nossa organização internacional e a separação de
Shachtman, Lewit e outros de Abern? Qual é o motivo da ameaça de uma ruptura na seção
americana da IV Internacional na véspera da guerra e da oportunidade e teste histórico do nosso
movimento?
Esta são as questões que começaram como pensamentos não pronunciados nas mentes dos
camaradas experientes do nosso partido no curso desta discussão. À medida que a luta se
desenvolvia e o pérfido programa de Abern tornava-se mais claramente revelado, o pensamento
tornava-se um sussurro e o sussurro está hoje se tornando um grito! Alerta pela unidade do partido!
Alerta contra os desígnios sinistros para romper nossas fileiras no momento mais crítico da nossa
história!

***

Por que Abern não levou adiante seus planos de ruptura em 1936? Por duas boas razões -
ambas fora de seu controle: 1) a facção estava reduzida a uma pequena minoria; 2) uma tendência
anti-ruptura a paralisou de dentro.
Weber, que havia se aliado a Abern na luta faccional e cuja influência pessoal havia sido uma
cobertura para ele, recuou diante da perspectiva de uma ruptura. Separou-se de maneira clara e
pública do programa rupturista de Abern e Muste saiu a campo firmemente pela unidade do partido.
Um exemplo para os outros diante da presente situação crítica! um exemplo de lealdade partidária
que ainda não recebeu o devido reconhecimento. Weber foi denunciado por Abern e seu círculo
como “traidor”. Até hoje ele está colocado no “ostracismo social” pela clique porque demonstrou na
situação mais crítica e responsável que sua maior lealdade era para com o partido. Como é
vergonhoso e criminoso denegrir Weber de modo a cobrir Abern nas referências àquela luta.
“Weber não desempenhou o menor papel na disputa daqueles anos”, diz o documento de Burham,
Abern, Shachtman e Bern intitulado “A guerra e o conservadorismo burocrático”. Monstruosa
perversão da história! Weber desempenhou o papel de homem leal ao partido e ajudou-o a frustrar
os desígnios daqueles que pretendiam rompê-lo. Esta ação apenas pesa mais que os erros
cometidos por Weber na luta faccional. Shachtman e Burham também o reconheceram naquele
momento. Sua tentativa de ditar um julgamento diferente agora os desacredita, não Weber.
A distância que se pode percorrer no caminho da traição ao substituir a política de princípios
pelo combinacionismo não está sendo revelada pela primeira vez pelo atual bloco de Abern com o
antimarxista e antisoviético Burham contra o partido e a IV Internacional. Já mencionei que na luta
de facções de 1935-36 ele não apenas combinou-se com os oehleristas ultra-esquerdistas e o
socialista cristão Muste contra o “regime de Cannon-Shachtman”, mas incluiu em sua combinação
alguns agentes políticos do stalinismo nas fileiras do Worker’s Party. Estes não eram provocadores
infiltrados tais como os que podem penetrar em qualquer organização ou grupo honesto sem revelar
sua identidade política; não há razão para duvidar de que temos tais agentes em nossas próprias
fileiras. Os aliados stalinistas de Abern no Worker’s Party mostraram repetida e consistentemente
a sua orientação e por um longo período de tempo. Eram consistentemente combatidos pelos
camaradas leais no ramo do partido em Allentown e pela fração Cannon-Shachtman no Comitê
Nacional e com a mesma consistência protegidos e encobertos pela cúpula Abern-Muste. Foram
mantidos nesta cúpula e, até mesmo, no seu corpo dirigente.
A combinação Muste-Abern-stalinista foi ao extremo de se combinar nas eleições da Liga de
desempregados local de Allentown com representantes oficiais dos stalinistas contra os membros
do seu próprio partido! Eis como a situação foi descrita no Boletim nº 5 do grupo Cannon-
Shachtman no Worker’s Party, publicado sob a data de 28 de janeiro de 1936:
“O musteísta Reich, que tem sido criticado durante o último ano por sua orientação pró-stalinista,
foi ao extremo de contribuir para a realização uma reunião stalinista na qual Mãe Bloor e Budenz
deveriam falar. Isto ocorreu em uma reunião de delegados da Liga de Desempregados de
Allentown. O CP, examinando a questão, chegou à conclusão de que o ramo de Allentown ao
apenas censurar Reich, havia assumido uma atitude demasiadamente suave em relação a um
crime como este. O CD ordenou sua suspensão por três meses, com a exceção de que deveria
manter seu direito de votar nas resoluções e nos delegados para a convenção (...) Decidiram
desafiar a decisão do CP (...)
Nas eleições para o comitê executivo de Lehig da Liga dos Desempregados, a cúpula (Muste-
Abern) decidiu eliminar os oponentes da sua facção no partido. Três membros da direção, eleitos
na chapa da nossa tendência, foram retirados da chapa para a reeleição e uma chapa de seis
musteístas para preencher os seis cargos foi aprovada pela maioria musteísta do ramo, uma
maioria na reunião de 22 a 21. Devido a um apelo da minoria do CP decidiu-se corrigir a chapa,
deixar os três dirigentes concorrer à reeleição e manter os candidatos musteístas para os demais
cargos. Foi uma divisão justa que correspondia à relação de forças real e também aos méritos dos
candidatos individuais. Esta decisão também foi violada sem maiores considerações. Os
musteístas concorreram à eleição contra os nossos companheiros e, COM O APOIO DOS VOTOS
STALINISTAS, derrotaram os nossos companheiros na eleição (...)”
Reich e Hallet, os agentes stalinistas em Allentown, juntos com Arnold Johnson, um membro do
grupo dirigente nacional da cúpula Abern-Muste estavam intimamente ligados a Budenz, os ex-
musteísta que tinha ingressado no partido stalinista. Naturalmente, estavam dirigidos com toda a
força para romper o partido e destruir a possibilidade de uma entrada bem sucedida no Partido
Socialista. O objetivo central dos provocadores stalinistas nas fileiras da IV Internacional em todos
os países sempre foi o de provocar rupturas desmoralizantes em momentos críticos, onde o partido
dava uma guinada política. Conforme nos aproximávamos da convenção do partido, a facção
Abern-Muste reduziu-se a uma pequena minoria e recuou em seu programa rupturista pela posição
em favor da unidade do partido de Weber e de outros. Assim sendo, os agentes stalinistas,
obviamente agindo sob orientação, decidiram mostrar suas cores. No dia em que a nossa
convenção foi aberta, os aliados stalinistas de Abern - Johnson, Reich e Hallet - apresentaram uma
carta de renúncia conjunta, nos denunciando como “contra-revolucionários” e anunciando que
estavam “ingressando” no Partido Comunista. A carta foi publicada no Daily Worker no dia seguinte.
É impossível descrever a impressão que esta reviravolta nos acontecimentos. Que resultado
desastroso da política combinacionista! É seguro dizer que nunca na história do movimento
revolucionário uma fração foi objeto de tanto descrédito como a facção combinacionista de Abern-
Muste naquela convenção. O clímax catastrófico produziu uma impressão inesquecível nas mentes
do camaradas jovens que estavam tendo as primeiras lições sérias na política revolucionária. Não
poucos camaradas que haviam sido pegos no labirinto da política combinacionista começaram a
sua reeducação naquela convenção. Aprenderam uma lição profunda ali. Quando grandes
princípios e posições políticas estão envolvidos em uma disputa partidária ninguém poderá apanhá-
los com conversa fiada sobre o “regime”.
Frustrada e derrotada, com a sua facção reduzida a um punhado de pessoas desmoralizadas,
Abern “submeteu-se” à decisão da convenção sob o princípio do centralismo democrático, não por
lealdade ao partido mas por desamparo. Mesmo fazendo-o, fez um gesto final característico de
despeito venenoso. Weber, que tinha sido um dos dirigentes reconhecidos da oposição, foi
recusado como candidato na chapa de candidatos para representar a minoria no novo Comitê
Nacional. Isto foi projetado para “puni-lo” por ter colocado a lealdade ao partido acima dos
interesses da fração e ter se posicionado de modo tão forte pela unidade do partido. Vai sem dizer
que a maioria da convenção não podia tolerar um procedimento tão mesquinho. A maioria retirou
um dos seus próprios candidatos em favor de Weber. Foi deste modo que todos nós, incluindo
Shachtman e Burham, avaliamos o “papel” de Weber “na disputa daqueles anos” quando o “papel”
de todos era claro acima de qualquer incompreensão.

***

Aquela convenção no início da primavera de 1936 decidiu a questão da entrada no OS. A


direção e a grande maioria do partido voltaram sua atenção para os novos problemas e novas
tarefas. Muste renegou o bloco com Abern contra Cannon de modo a fazer um bloco com Deus
contra outro demônio. Abern voltou-se para a tarefa de evitar a desagregação da sua clique a todo
o custo pelo seu notório método de escola de correspondência de “manter os camaradas
informados” de todos as mais sigilosas questões do comitê dirigente.
Este procedimento sórdido de intriga incessante e deslealdade persistente, continuado após
a convenção, era conhecido de todos os camaradas informados nos círculos dirigentes e foi
registrado de tempos em tempos em correspondência entre eles. Durante uma ausência da cidade
de algumas semanas devido a uma doença recebi uma carta de Burham afirmando:
“Uma carta recebida ontem à noite de Meyers contém o seguinte: ‘ouvimos dizer através de -
--------- que você irá à conferência do ICI. Foi dito na presença de não integrantes da nossa
tendência que sua viagem é sigilosa dentro do Comitê Político. Ela cita Abern como a fonte desta
informação e algumas outras.’ Uma carta recebida ao mesmo tempo de Kerry contém o seguinte:
‘(...) À noite passada, na presença de diversos camaradas e de uma pessoa de fora, o camarada
afirmou que tínhamos parado de trabalhar pela IV Internacional. Objetei à afirmação e desafiei-a
apresentar provas (...) Ela afirmou que recebera informação de um membro do Comitê Político, que
em uma reunião recente do Comitê Político esta mesma questão foi discutida e resultou em uma
confirmação da sua surpreendente afirmação. Neguei sem hesitação a verdade da afirmação e
disse que não podia e não acreditaria nela. Diante disso, ela passou a apresentar uma carta escrita
por Abern e leu a parte sobre a qual baseava a sua afirmação. Era com este propósito que haveria
uma conferência da IS e que Jim Cannon estaria presente nesta conferência, mas o assunto todo
devia ser mantida em segredo e sigilosa. Que o camarada Trotsky participaria nesta conferência e
era preparatória para uma conferência a ser convocada pela ICL etc. (...) Ela afirmou que o fato da
nossa participação nesta conferência era para ser um segredo. Tínhamos parado de trabalhar pela
IV Internacional. A ponto de afirmar nossa lealdade à Segunda...!”
Este é um dos incidentes dentre dúzias que são conhecidos de todos os camaradas dirigentes.
Burham sabia o que estava dizendo quando afirmou que no documento apresentado ao Comitê
Político junho passado que a clique de Abern “foi mantida viva e ainda vive”, entre outras coisas,
“pela distribuição coletiva de mexerico e informação, incluindo informação sigilosa”. No dia 17 de
novembro de 1936, quando Burham estava em conflito agudo comigo sobre algumas questões de
política e procedimento no PS, mas muito antes a idéia de um bloco com Abern havia raiado na
sua mente, ele escreveu-me na Califórnia: “Todos conhecemos a perspectiva de Abern. Como
sempre, luta por sua perspectiva com seus métodos de clique, fazendo surgir problemas, criando
obstáculos quando ninguém está olhando, pescando em águas turvas. Vimos um pouco disso nas
seis primeiras semanas. A paralisia nos comitês dirigentes um pouco antes de você ir e a defecção
de Muste o retardaram um pouco. Mas ele continua do seu próprio jeito; relatórios vêm filtrando”.
Na mesma carta, antes que a clique de Abern tivesse sido milagrosamente inventada, ele
escreveu a respeito dos meus métodos de luta por uma posição com a qual discordava:
“naturalmente, você não luta por ela nem a leva adiante como faz Abern. Você não é um homem
de clique; você prefere da sua própria maneira irlandesa urde o ‘punho bolchevique’.“Naturalmente,
a opinião de Burham daquela época acerca da minha rudeza era um tanto exagerada, como os
acontecimentos posteriores demonstraram. Na realidade, meus métodos nestas disputas eram
bastante moderados, até mesmo pacificistas. Burham, porém, estava 100% certo quando disse que
não havia nada de “camarilhesco” a respeito deles e esta avaliação seria 100% correta hoje ou em
qualquer outro momento.
Todo o partido lembra-se, com gratidão e apreciação, do magnífico trabalho feito pelos nossos
camaradas no Comitê de Defesa de Trotsky em 1936-37. O sucesso da tarefa requeria a
colaboração não apenas de todos os membros da nossa tendência, mas dos socialistas tomasistas
e também de um amplo círculo de liberais e radicais independentes; teria sido fatal conduzir este
tremendo empreendimento como um assunto estreito da facção “trotskista”. Em geral, penso, estes
perigos foram evitados sem sacrificar demasiado o conteúdo político do trabalho do comitê. Porém,
em um estágio, durante a ausência de Novack e a doença de Morrow, Abern foi colocado
temporariamente como responsável do escritório. De acordo com testemunho de todos os
companheiros envolvidos, ele converteu imediatamente o escritório em um quartel-general
faccional, não da facção trotskista como um todo, mas de uma facção da facção trotskista. Morrow
foi obrigado a voltar ao escritório antes que tivesse se recuperado de sua doença a pedido do
consciencioso administrador do escritório, camarada Pearl Kluger.
Abern sempre foi completamente cego para os interesses do partido e mesmo para o interesse
mais amplo do movimento geral, quando os interesses de sua própria clique mesquinha e
desprezível estavam envolvidos. São tais acontecimentos como o que transpirou no Comitê de
Defesa de Trotsky que Burham tinha em mente quando disse que os postos que Abern ocupa são
sempre “administrados de tal modo a ajudar na manutenção da sua clique”.
No início do verão de 1937, tornou-se evidente que nossa luta enquanto facção do Partido
Socialista estava se aproximando de uma decisão. Uma reunião altamente sigilosa do comitê
dirigente da nossa facção foi realizada para discutir nossa estratégia e fazer nossos planos para a
necessária e inevitável ruptura. Poucos dias depois, Jack Altman teve um relatório completo desta
reunião, incluindo seus aspectos sigilosos, o que um havia dito, o que um outro havia dito e o que,
finalmente, havia sido decidido - todos os nossos segredos “militares”. Altman publicou amplamente
este relatório nas fileiras do Partido Socialista e causou-nos não poucos constrangimentos e danos.
O relatório da nossa reunião sigilosa que Altman publicou consistia de uma carta escrita por Abern
para um aliado seu em outra cidade que sequer era membro do Comitê Nacional e que não tinha
qualquer direito à informação que não havia sido dada a outros camaradas naquele momento por
razões óbvias. Segundo Abern, a carta perdeu-se no correio e caiu nas mãos de Altman.
É desnecessário dizer que esta quebra de confiança, somada a toda a experiência anterior,
suscitou a maior indignação nos círculos dirigentes do nosso partido. Foi contemplada seriamente
a possibilidade de uma ação drástica contra Abern. A indignação cresceu ainda mais quando um
pouco depois quando descobriu-se que uma carta altamente sigilosa, tratando da nossa estratégia
na luta pela ruptura com os burocratas do PS, uma carta destinada apenas para o pequeno grupo
dirigente da nossa facção, foi tornada pública para membros individuais do partido e discutida
através da fileiras partidárias em Nova Iorque. Chegamos até a indicar uma Comissão de Controle
(Cannon e Shachtman!) para investigar o vazamento. A Comissão de Controle estabeleceu pelo
testemunho incontestável de camaradas que Abern havia tornado público o conteúdo da carta para
eles. Se não tomamos drásticas medidas disciplinares contra Abern naquele momento, foi apenas
porque estávamos no centro de uma luta desesperada contra os centristas do PS e sabiamente ou
não estimamos melhor passar por cima de um ato de deslealdade uma vez mais de modo a
concentrar toda a energia e atenção na luta contra o inimigo centrista. Além disso, nosso terrível
“regime” nunca punira ninguém por qualquer coisa que fosse e, por alguma razão idiota
incompreensível não queria estragar o recorde.

***

Em “A guerra e o conservadorismo burocrático”, somos presenteados com um retrato tocante


de um camarilheiro reformado e purificado que “durante os últimos três anos”, não apenas cessou
de criar problemas no partido por sua própria conta, como até mesmo desempenhou o papel de um
policial benevolente derimindo disputas instigadas por outros. “Na realidade, Abern, que com Weber
dirigiu a luta contra a entrada foi, nos últimos três anos, a extremos para evitar a erupção da
presente disputa, foi aos maiores extremos para evitar toda disputa e aquietá-las quando
apareceram.”
A verdade é que a clique de Abern estava tão desacreditada pelo seu desempenho passado
que não ousou conduzir quaisquer lutas abertamente. A clique de Abern nunca teve uma plataforma
política e nunca procurou nos seus 10 anos de história travar uma luta aberta sem aliados influentes
que fornecessem o programa político e a “fachada”. Originalmente, tinha Shachtman, depois Muste
e Spector e agora Burham - e Shachtman novamente. Na entressafra, a clique mantém-se oculta,
faz o seu pequeno comércio de fofocas, murmura suas mágoas e queixas a respeito dos métodos,
desorienta os camaradas jovens e inexperientes - e fica de tocaia pela eclosão de um conflito entre
os dirigentes de maior influência. Neste momento, procura mascatear seu apoio pelo programa
político da oposição - qualquer programa - em troca de uma combinação em torno da “questão
organizativa”.
Quando esta oportunidade não existe, o grupo de Abern, como um Estado balcânico, “evita
conflitos”, não por boa vontade, mas por desamparo e medo de manter-se sobre seus próprios pés.
Toda a história do nosso movimento, não apenas os “três últimos anos”, mostra que a clique de
Abern, o Estado balcânico do partido, mantém-se oculta quando há paz no partido, mas está
sempre pronta para a guerra no momento em que possa encontrar um aliado poderoso para
“garantir suas fronteiras” e mesmo abrir a perspectiva de uma pequena extensão “territorial”.
A política de clique e o combinacionismo e o grupo de Abern, que representa e simboliza estas
práticas odiosas são, de fato, como escreveu Shachtman em 1936, “uma corrente sinistra na
circulação sangüínea do partido”. Contribuem não para a educação, mas para a corrupção do
partido. O partido deve curar-se desta doença para poder viver e avançar para a realização das
suas grandes tarefas. A tentativa da combinação oposicionista de borrar o prontuário da clique de
Abern, tornou necessário este longo relato da sua história real, composta do começo ao fim de fatos
irrefutáveis e inatacáveis. A clique de Abern, como todas as camarilhas, cresce no escuro. Era
necessário arrastá-la para a luz do dia e mostrar ao partido o que é e o que sempre foi a ameaça
de ruptura na atual situação, à qual o pérfido grupo de Abern contribuiu no mais alto grau, é um
aviso final para o partido: a política de clique e o combinacionsimo não podem mais ser tolerados!
Para que o partido possa viver, a política de clique e o combinacionismo devem ser destruídos. A
próxima convenção do partido está confrontada com esta tarefa inadiável.

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