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MESTRADO BOLONHA EM CIÊNCIA JURÍDICA

ESPECIALIDADE EM DIREITO PENAL E CIÊNCIAS CRIMINAIS

ROSEANE MIRANDA REZENDE DE BRITTO

A FALTA DE CONSENTIMENTO COMO ELEMENTO DO TIPO DE


VIOLAÇÃO SEGUNDO A CONVENÇÃO DE ISTAMBUL

Lisboa, outubro de 2019


de 2019
Universidade de Lisboa

Faculdade de Direito

Mestrado Bolonha em Direito e Ciência Jurídica

Especialidade em Direito Penal e Ciências Criminais

Professores Doutores : Augusto Silva Dias e Inês

Ferreira Leite

RELATÓRIO DE CRIMINOLOGIA

A FALTA DE CONSENTIMENTO COMO ELEMENTO DO TIPO DE


VIOLAÇÃO SEGUNDO A CONVENÇÃO DE ISTAMBUL

Aluna: Roseane Miranda Rezende de Britto

Lisboa, outubro de 2019


Índice

Introdução……………………………………………………………...1
1.A Convenção de Istambul e o crime de violação……………………3
1.1Evolução histórica………………………………………………5
1.2 O bem jurídico protegido……………………………………...10

2.O crime de violação em Portugal…………………………..............12


2.1 Positividade do crime de violação sexual……………………. 12
2.2 Visão crítica do tratamento da violação em Portugal……...….16

3. Há necessidade de melhorar a resposta penal no crime de violação?


……………………………………………………...............19
3.1 Compreensão da Convenção de Istambul quanto ao ordenamento
nacional e o entendimento do artigo
164……………………………..19
3.2Consentimento ou constrangimento? ………………………… .22

4.Consequências geradas pela escolha do legislador português……. .


24

5. Projetos de lei de alteração do artigo 164…………………………26


6.Jurisprudência……………………………………………
…………28

7. A recente lei 101/2019…………………………………………… 33

Conclusões……………………………………………………………35
Referências…………………………………………………………...38
RESUMO

Neste relatório temos como enfoque principal a discussão a respeito do tipo penal da
violação do artigo 164 do código penal português, suas alterações no decorrer dos tempos,
sobretudo, após a alteração trazida pela mais recente lei 83/2015, em confronto com os
ditames da Convenção de Istambul. Mesmo após a ratificaçao da Convenção, Portugal
ainda manteve no dispositivo do artigo 164 o constrangimento como elemento
fundamental do tipo penal em questão. Se tentará aqui responder a várias dúvidas para que
se chegue à resposta do questionamento nuclear do presente relatório que é a necessidade
ou não de se substituir o constrangimento, elemento hoje existente no tipo penal da
violação, pelo não consentimento, como prevê a Convenção de Istambul. A previsão do
constrangimento, ao invés da falta de consentimento, como prevê a Convenção de
Istambul, implicaria uma maior desproteção das vítimas do crime de violação? Quais
casos seriam englobados pelo constrangimento previsto no tipo? O constrangimento
poderia abranger todos os casos de não consentimento? Haveria uma zona cinzenta de
casos nos quais o tipo penal da violação, com base no constrangimento, não abarcaria?
Quais seriam as consequências dessa escolha pelo legislador português? Como melhor
poderia se interpretar o artigo 164 de acordo com os ditames da Convenção de Istambul?
Haveria necessidade de nova alteração do artigo 164 para se adequar, verdadeiramente,
aos mandamentos do art.36 da Convenção de Istambul? Essas, dentre outras, são as
questões que iremos nos debruçar neste relatório para construirmos uma resposta plausível
ao questionamento central deste trabalho.

ABSTRACT

The main focus of this report is the discussion about the criminal type of violation of
article 164 of the Portuguese Penal Code, its changes over time, especially after the
amendment brought by the latest law 83/2015, in comparison with the dictates. of the
Istanbul Convention. Even after the ratification of the Convention, Portugal still
maintained in its article 164 the constraint as a fundamental element of the criminal type
in question. We will try to answer a number of questions in order to arrive at the answer to
the nuclear question of this report, which is the need or not to replace the embarrassment,
which is today a part of the criminal type of sexual rape, by non-consent, as provided for
in the Istanbul. Would prediction of embarrassment rather than lack of consent, as
provided for in the Istanbul Convention, imply greater unprotection of victims of rape?
Which cases would be encompassed by the constraint predicted in the type? Could the
embarrassment cover all cases of non-consent? Would there be a gray zone of cases where
the criminal type of rape based on embarrassment would not cover? What would be the
consequences of this choice by the Portuguese legislator? How better could Article 164 be
interpreted in accordance with the dictates of the Istanbul Convention? Would there be a
need for a new amendment to article 164 to truly conform to the commandments of article
36 of the Istanbul Convention? These, among others, are the questions we will address in
this report to build a plausible answer to the central questioning of this paper.
1

INTRODUÇÃO

Neste trabalho procuraremos tomar posição diante da questão que se criou após o
surgimento da Convenção de Istambul de 1 de agosto de 2014, que estabeleceu a
obrigatoriedade de constar no tipo penal de violação, nos ordenamentos jurídicos dos
Estados-partes, o “não consentimento”como elemento fundamental do tipo penal da
violação.

A Convenção de Istambul surgiu com o intuito de não só harmonizar os


ordenamento jurídicos nacionais, como também ampliar a proteção das mulheres vítimas
dos inúmeros tipos de violência por ela definidos.

Esta Convenção assenta no reconhecimento de que a violência contra as mulheres


é uma manifestação das relações de poder, historicamente, desiguais entre mulheres e
homens que levou à dominação e discriminação das mulheres pelos homens, privando
assim as mulheres do seu pleno progresso.

A violação simboliza, como nenhum outro, a violência de gênero empregada há


milhares de anos contra a mulher, sendo reflexo da sedimentação das relações de poder
existentes no nosso sistema patriarcal, no qual o corpo da mulher é subentendido como
um objeto à disposiçãodos homens, os quais têm total disponibilidade sobre ele, podendo
dele dispor como bem lhe aprouver.

Desta feita é muito bem-vinda a Convenção de Istambul, pois como entende Rita
de Sousa Mota1: “A lei é um discurso de autoridade, com uma particular capacidade para
criar sentidos, reforçando certas visões de mundo e capaz de, definitivamente, moldar o
pensamento coletivo”.

Nosso trabalho gira em torno da questão de se saber se o ordenamento português


se adequou perfeitamente à Convenção de Istambul que assinou em 11 de maior de 2011
ou se, mesmo após a alteração do código penal pela lei 83/2015, o ordenamento
português ainda mantém o tipo legal da violação pautado em outros elementos que não
sejam a ausência de consentimento.

Além de procurarmos responder a essa pergunta, iremos abordar também o


tratamento do crime de violação em Portugal, as implicações da escolha feita pelo

1
SOUSA, Rita Mota. Introdução às Teorias Feministas do direito, Porto: Edições Afrontamento, 2015, p.59.
2

legislador português, após Convenção de Istambul e, sobretudo, como se comporta a


Jurisprudência Portuguesa no tocante à adequação típica do crime de violação.

Finalizaremos o relatório tentando responder se há necessidade ou não de se alterar


o código penal português para se adequar, integralmente, à Convenção de Istambul.
3

1. A Convenção de Istambul e o crime de violação:

A mentalidade patriarcal existente nas sociedades pelo mundo afora, não apenas na
Europa, implica, não apenas uma legislação menos protetiva das causas das mulheres
como também, interpretações que levam a decisões controvertidas pelos poderes
judiciários no tocante ao crime de violação. Decisões que muitas vezes são aplicadas pelo
mesmo órgão julgador a casos semelhantes, sem falar em decisões escatológicas que não
guardam guarida na melhor interpretação protetora das pessoas vítimas de violação.

Como bem entende Rita Mota Sousa2: “O direito, em muitos de seus aspectos, é
masculino, porque estes experimentam a normatividade androcêntrica.”

Ressalta-se que a despeito, do princípio da legalidade ser um dos princípios basilares


do Direito penal, sendo a lei o norte da interpretação e posterior aplicação, muitas dessas
decisões judiciais são fruto de interpretações impregnadas de cariz preconceituoso,
sobretudo, marcadas pelo machismo transverso existentes em sociedades cujo patriarcado
é deveras significativo.

Diante desse quadro, não só europeu, mas no mundo afora, o Conselho europeu
entendeu por bem promover a Convenção para Prevenção e o Combate à Violência
Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, designada por Convenção de Istambul,
ratificada por Portugal em 21 de janeiro de 2013, tendo entrado em vigor a 1 de Agosto
de 2014.

Segundo Sottomayor:

A Convenção de Istambul reflete um avanço ideológico e


simbólico na teorização da violência contra as mulheres,
ultrapassando-se a linguagem neutra em relação ao género,
que tem sido adotada na legislação nacional (Lei n.º
112/2009, de 16 de Setembro), que não reconhece as
mulheres como o principal grupo alvo de violência no seio
da família. Pelo contrário, a Convenção, reconhecendo que
existe violência contra homens, afirma que os vários tipos
de violência nela descritos atingem de forma
desproporcionada as mulheres e concebe a violência contra

2
SOUSA, Rita Mota. Op., cit., pp.8 e 9.
4

as mulheres como violência de género, de caráter estrutural


e epidêmico em todas as sociedades, e que tem sido
legitimada como natural e inevitável pela cultura.3

A Convenção reconhece a vida difícil que as mulheres e as meninas têm de


enfrentar, diariamente, no seio da família, na rua, na escola e no trabalho, sobretudo,
sendo víitmas de discriminações pelo simples fato de serem mulheres, ou seja, pelo
simples fato de pertencerem ao gênero feminino. Sendo assim, a Convenção de Istambul
é um documento pensado e direcionado para o bem-estar da mulher, como garantia do
seu direito de viver em paz e segurança, sendo respeitada.4

A mais recente alteração do Código Penal, mais, precisamente, a referente ao


número 2 do artigo 164º, esteve intimamente ligada à adoção desta Convenção pelo
nosso Ordenamento Jurídico.

Portugal ratificou a Convenção em 21 de janeiro de 2013, que entrou em vigor a 01


de agosto de 2014, sendo um dos primeiros Estados-membro da União Europeia a
ratificar este instrumento internacional que faculta um conjunto de normas,
juridicamente, vinculativas para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres
e à violência doméstica.

A Convenção reconhece no seu preâmbulo a existência de desigualdades entre


mulheres e homens, de onde resultam diferentes tipos de discriminação, expondo-as,
muitas vezes, a formas graves de violência, tais como a violência doméstica, o assédio
sexual, a violação, o casamento forçado, os chamados “crimes de honra” e a mutilação
genital. Todas estas formas de violência são a representação de um grave atentado aos
direitos humanos das mulheres, maiores e menores. 5

Os crimes sexuais ficam, muitas vezes, sem a devida punição, uma vez que existem
vítimas que são desacreditadas, quando não conseguem provar o não consentimento ou a
tentativa de resistência ao ataque sexual. Infelizmente, estes crimes acarretam o peso da

3
SOTTOMAYOR, Maria Clara. Disponível em: > http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0874-55602015000100009< Acesso em 17 de agosto de 2019.
4
Ibidem
5
Convenção de Istambul. Disponível em: >http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?
nid=1878&tabela=leis< Acesso em 24 de setembro de 2019.
5

dificuldade da prova do frozen fright6, medo paralisante que acomete, em muitas casos,
as vítimas, sem qualquer testemunha que o comprove.

O crime de violação é a expressão da norma masculina oculta, como bem entende


Rita Mora Sousa7, por isso a pauta da comprovação desse crime no constrangimento por
meio da violência utilizada em face da vítima e da resistência dessa. A essa expressão
masculina da lei se soma a leitura androcêntrica por parte do Judiciário do fatos
pertinentes, fazendo com que , em muitas das vezes, o princípio da presunção de
inocência e o juízo de probabilidade sejam favoráveis ao descrédito da palavra da
vítima.8

É neste contexto que a Convenção exige que sejam tidas em conta, na avaliação do
consentimento, as circunstâncias em que aconteceu o crime, independentemente, de a
vítima ter tentado resistir ou não, ter usado a força ou não. É também prevista a violação
na constância do matrimônio, entre parceiros, ou entre ex-cônjuges, ou ex parceiros. Este
documento prevê, não só disposições relativas a crimes, mas também formas de apoio à
vítima, nomeadamente, a criação de centros de crise (art.25º), com vista a apoiar as
vítimas de crimes sexuais, entre outras medidas de proteção.9

A convenção atua na proteção dos direitos das mulheres e retrata a violação no seu
artigo 36º, que contém a seguinte formulação: “ Violência sexual, incluindo violação” 1 -
As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar a
criminalização das seguintes condutas intencionais: a) a penetração vaginal, anal ou oral
não consentida, de carácter sexual, do corpo de outra pessoa com qualquer parte do corpo
ou com um objecto; b) outros actos de carácter sexual não consentidos com uma pessoa;
c) obrigar outra pessoa a praticar actos de carácter sexual não consentidos com uma
terceira pessoa. 2 - O consentimento deve ser dado voluntariamente, por vontade livre da
pessoa, avaliado no contexto das circunstâncias envolventes. 3 - As Partes tomarão as
medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar que as disposições do parágrafo

6
SOUSA, Rita Mota. Op., cit., p.73.
7
Ibidem, p.77.
8
Ibidem, p.76
9
APAV, Parecer da APAV sobre as implicações legislativas da Convenção de Istambul do Conselho da
Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, disponível
em:>https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Parecer_da_APAV_relativo_as_implicacoes_legislativas_da_Conv
encao_de_Istambul.pdf< Acesso em 24 de setembro de 2019.
6

1º se apliquem também a actos cometidos contra actuais cônjuges ou excônjuges ou


parceiros, em conformidade com o direito interno”.10

Com a leitura da Convenção temos a noção de que esta norma determina que a
incriminação das condutas deve operar tão simplesmente pelo “não consentimento”, por
parte da vítima. Resulta cristalino que o crime de violação não carece, propriamente, de
uma “violência física”, de uma resistência “visível” por parte da vítima, para o seu
preenchimento legal. A norma acrescenta ainda, no seu nº2, que “o consentimento deve
ser dado, voluntariamente, por vontade livre da pessoa, avaliado no contexto das
circunstâncias envolventes”, o que deve ser apreendido no sentido de que, qualquer outra
forma de consentimento não deve ser valorada.11

1.1 Evolução histórica:

O crime de violação está inserido no rol dos crimes sexuais, situando-se no livro II
(Parte Especial), Título I (dos crimes contra as pessoas), Capítulo V (dos crimes contra a
liberdade e autodeterminação sexual), Secção I (crimes contra a liberdade sexual), o que
nem sempre foi assim.

Com o passar do tempo, o crime de violação sofreu profundas alterações e sua


inclusão e permanência no rol dos crimes sexuais foi um êxito, pois não se considerava tal
crime como um atentado à liberdade sexual da vítima, mas sim, um atentado à moral
pública, à honra ou até mesmo aos bons costumes.

O sujeito passivo desse crime não era a mulher, simplesmente, mas sim, a mulher
solteira e virgem ou a mulher casada, cujo agressor era um desconhecido, jamais o
marido.12

O estudo dessas profundas alterações nas legislações que previam tal crime é
necessário para se demonstrar a positiva mudança que houve no tratamento desse ilícito
penal, sobretudo, para as vítimas.

Primeiramente, iremos até as Ordenações Afonsinas13, que em seu Livro V, Titulo

10
Convenção de Istambul. Op., cit.
11
Convenção de Istambul. Op., cit.
12
BELEZA, Tereza Pizarro. Sem sombra de pecado: o Repensar dos Crimes Sexuais na Revisão do Código
Penal. Separata de Jornadas de Direito Criminal: Revisão do Código Penal, Lisboa: Centro de Estudos
Judiciários, 1996, pp.12 e 13.
13
Ordenações Afonsinas. Disponível em; > http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/l5pg29.htm< . Acesso em
16 de agosto de 2019.
7

VI prescrevia: “Da molher forçada, e como fe deve a provar a força”.

Neste período a interpretação exegética deste crime obrigava a vítima, no caso a


mulher, a demonstrar, veementemente, a sua contrariedade em ser molestada pelo
agressor, através de gritos pelas ruas, nomeando, categoricamente, quem a fez mal,
demonstrando, indubitavelmente, a sua indignação por ter sido forçada a ter relações
sexuais com determinado sujeito. Tal humilhação era conduta obrigatória de toda mulher
que quisesse que sua denúncia fosse eficaz.

Bem mais avançada era a previsão do Código Penal de 1852 14, no qual os crimes
sexuais encontravam-se inseridos no Título IV (dos crimes contra as pessoas), Capítulo
IV, dos crimes contra a honestidade.

Estavam nos artigos 392º e 393º as previsões do crime de estupro voluntário,


sendo, em ambos os tipos penais, o sujeito passivo a mulher virgem ou a viúva honesta
entre os 12 e os 25 anos. Tanto no primeiro artigo, como no segundo, havia o uso de
meios fraudulentos contra a mulher virgem ou a viúva honesta de 17 aos 25 anos.

O artigo 394º, por sua vez, previa o crime de violação, que seria a cópula ilícita,
cujo agressor usava de meios violentos ou meios fraudulentos de sedução em face de
vítima mulher, não menor e nem honesta, contra a sua vontade, com o intuito de suspender
os seus sentidos ou o conhecimento do crime.

No código penal de 188615, por sua vez, o crime em análise situava-se no art.393º e
sua descrição típica e o bem jurídico protegido não eram diferentes do código predecessor,
ou seja, ainda era um crime tido contra a honestidade da mulher.

Porém, a despeito disso, a condição da vítima foi alargada, já que não se previa
mais a necessidade da mulher ser virgem ou honesta. Conforme se depreende da descrição
típica:

Art. 393. Aquele que tiver cópula ilicita com qualquer mulher, contra
sua vonlade, por meio de violência fisica, de veemente intimidação, ou
de qualquer fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a mulher
privada do uso da razão, ou dos sentidos, comete o crime de violação, e
terá a pena de prisão maior celular de dois a oito anos, ou, em

14
Código Penal Português, decreto de 10 de dezembro de 1852. Disponível em:
>https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1829.pdf< Acesso em 16 de agosto de 2019.
15
Código Penal Português, decreto de 16 de setembro de 1886, Disponível em:
>https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1274.pdf> Acesso em 16 de agosto de 2019.
8

alternativa, a de prisão maior temporária.16

Nesta descrição típica pode-se dizer que podemos visualizar outros elementos
típicos importantes que denotam uma certa alteração de mentalidade, como, por exemplo,
a intimidação, não constando apenas como obrigatório o uso da força para a configuração
do crime de violação.

No Código Penal Português de 1982 17, o crime de violação era previsto no Título
III (dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade), Capítulo I (dos crimes
contra os fundamentos ético-sociais da vida em sociedade), na Secção II (dos crimes
sexuais), mais, precisamente, no artigo 201º e tinha a seguinte redação:

Art.201º (Violação)

1 - Quem tiver cópula com mulher, por meio de violência, grave ameaça
ou, depois de, para realizar a cópula, a ter tornado inconsciente ou posto
na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a
constranger a ter cópula com terceiro, será punido com prisão de 2 a 8
anos.18

Aparece pela primeira vez a referência à “grave ameaça” e “ter tornado


inconsciente” e na “impossibilidade de resistir”, assim como, “ao constrangimento a ter
cópula com terceiro” e, por fim, mas não menos importante, surge pela primeira vez a
inserção deste crime no rol dos “crimes sexuais”, ao invés de estar posicionado nos crimes
“contra a honestidade”.

Somente na reforma de 199519 surgiu uma Seção I intitulada “Crimes contra a


Liberdade Sexual” e outra Seção II denominada“Crimes contra a Autodeterminação
Sexual”, ambas situadas no Capítulo V referente aos “Crimes contra a Liberdade e
Autodeterminação Sexual”. Ressalta-se também que houve uma ampliação dos elementos
do tipo, inserindo o constrangimento à prática do coito anal, como ato análogo à cópula.

Desta feita parece que só com a reforma de 1995 se alcançou, plenamente, a


mudança almejada, passando os crimes sexuais a serem verdadeiros crimes contra as
pessoas, mais, propriamente, contra o valor da liberdade e autodeterminação sexual
16
Artigo 393 do Código Penal Português, decreto de 16 de setembro de1886.
17
Código penal português, Decreto-lei 400/82. Disponível em:>
https://dre.pt/home/-/dre/319744/details/maximized < Acesso em 18 de agosto de 2019.
18
Artigo 201º, n.1 do Código Penal Português de 1982, decreto-ei 400/82.
19
Reforma do Código Penal Português, Decreto-lei 48/95. Disponível em:
>https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/185720/details/normal?p_p_auth=3y5Z96KX< Acesso em 17 de
agosto de 2019.
9

(concepção que não se alterou nas posteriores reformas de 1998 e 2001).

Neste ponto temos a positivação na lei penal de uma guinada de mentalidade


social, tendo o Código Penal, pela primeira vez, inserido os crimes sexuais nos crimes
contra as pessoas, determinando o bem jurídico que pretendia proteger, a liberdade e
autodeterminação sexual da mulher e não mais a moral ou a honra. Este passo foi
determinante na evolução do tipo legal. No entanto, este ainda estava longe de ser
satisfatório, já que a vítima se limitava a ser apenas a mulher, não havendo qualquer
menção ao homem.

A reforma legislativa de 199820 ampliou ainda mais o tipo penal, adicionando o


coito oral à cópula e ao coito anal, com a inclusão da possibilidade do homem também ser
vítima do crime de violaçáo. Também o seu número 2 encontra uma nova formulação,
criando assim a violação-assédio “(…) e acrescentaram ao crime de violação em sentido
próprio, do art. 164º-1, a incriminação correspondente à do art. 163º-2, quando a conduta
conduz à prática de cópula, de coito anal ou de coito oral (assédio/violação).

Trata-se da criminalização de relacionamentos sexuais em situações de abuso de


autoridade resultante de relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho,
por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número 1. Assim, em conclusão, a
partir desta data o bem jurídico tutelado define-se como a liberdade e autodeterminação
sexual de todas as pessoas, independentemente do género.

Uma outra reforma ocorreu em 200721, ampliando ainda mais o crime de violação,
igualando-o para fins de violação à cópula, coito anal ou coito oral (nºs 1 e2, alínea a), a
introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos (nºs 1 e 2 alínea b). Quanto ao
número 2, foi acrescentado à previsão já existente, o abuso de autoridade dependente de
relação familiar, de tutela, ou curatela e o aproveitamento do temor causado, por qualquer
meio não compreendido no número 1, e não apenas por ordem ou ameaça.

Por último, em 2015, com a Lei 83/2015 22, o nº 2 do artigo 164º modificou-se
completamente, deixando, assim, de fazer referência aos casos de abuso de autoridade e

20
Lei 65 de 2 de setembro de 1998 que alterou o Código Penal Português. Disponível em:>
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/566854/details/maximized< Acesso em 17 de agosto de 2019.
21
Reforma do Código Penal Português, Lei 59 de 4 de setembro de 2007. Disponível em:
>http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=930&tabela=leis&so_miolo=<. Acesso em 17
de setembro de 2019.
22
Lei 83 de 5 de agosto de 2015 que alterou o Código Penal Português. Disponível em:
>http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?tabela=leis&nid=2381&pagina=1&ficha=1<.
Acesso em 17 de setembro de 2019.
10

relações hierárquicas, familiares, econômicas ou de trabalho e passou apenas a exigir para


o seu preenchimento o constrangimento por “meios não compreendidos no número
anterior”, deixando a formulação anterior apenas para os casos de agravação, presentes na
alínea b) do número 1 do artigo 177º do C.P.

1.2 O bem jurídico protegido:

O bem jurídico protegido no crime de violação é a liberdade sexual.

Segundo Inês Ferreira Leite23 o entendimento das variadas formas que o legislador
se dispôs para tutelar a liberdade sexual implica algumas incompreensões e perplexidades,
quase sempre propiciando respostas dogmáticas contraditórias.

Sendo assim:

A tutela da liberdade sexual presente no crime de violação


parece evidente. O recurso às expressões (…) violência,
ameaça grave, ou depois de, para esse efeito, a ter tornado
inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir,
constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar (…) não
deixa dúvidas de que trata de uma agressão à liberdade de
decisão sobre a fruição sexual.24

De acordo com Rita Alfaiate:25

A liberdade sexual, enquanto bem jurídico-penal possui uma


natureza complexa com uma dupla feição, sendo a primeira
uma feição negativa, estática, defensiva que se
consubstancia no direito de cada um a não suportar de
outrem qualquer tipo de intromissão na realização de sua
sexualidade; e outra feição positiva e dinâmica traduzida na
possibilidade de dispor como quiser do próprio corpo.

A lesão da liberdade sexual alcança três estágios em seu alcance, no tocante ao


respeito à formação e manifestação da vontade, no âmbito da tutela da sexualidade entre

23
LEITE, Inês Ferreira. A tutela penal da liberdade sexual. Disponível em:> file:///D:/Material
%20Criminologia/Atuteladaliberdadesexual-InsFerreiraLeite.pdf<. Acesso em 18 de setembro de 2019, p.4.
24
Ibidem
25
ALFAIATE, Ana Rita .A relevância penal da sexualidade dos menores. Disponível em: >
file:///C:/Users/worten/Desktop/A%20relevância%20penal%20da%20sexualidade%20dos
%20menores.pdf<. Acesso em 17 de setembro de 2019, p. 87.
11

adultos: A tutela da liberdade enquanto mera manifestação do sentido da vontade, a tutela


da liberdade enquanto manifestação espontânea de vontade e a tutela da liberdade
enquanto autonomia do processo de formação da vontade.26

O artigo 164, n.1 faz parte do rol de tipos penais que tutelam a liberdade sexual
enquanto mera manifestação do sentido de vontade, já o n.2 faz parte dos tipos penais
que tutelam a liberdade sexual enquanto manifestação espontânea de vontade. No
primeiro rol há supressão total da vontade ou superação da expressa declaração de
vontade da vítima. Pode-se inferir assim que no art.164, n.1 há emprego de uso da força
para que a vítima adira ao contato sexual.27

Tal uso da força se dá mediante violência. Este conceito pode ser tido como todo e
qualquer uso da força física apto a diminuir ou eliminar quaisquer resistências que a
vítima pudesse exercer ao acto sexual. (…) 28

Segundo CUNHA apud Inês Ferreira Leite a maioria da jurisprudência acaba por
equiparar à violência a mera ameaça de violência, logo, se a violação se enquadra no
conjunto de tipos que tutelam a liberdade sexual enquanto mera manifestação de sentido
da vontade, no âmbito da violação deverão estar todas as formas de obliteração da
vontade, sendo ou não exercida uma forma de violência concreta sobre a vítima.29

Há que se igualar a violência de fato já praticada sobre a vítima à violência sob a


forma de coação, ou seja, a ameaça de violência, ou sob a intimidação pela violência. O
que importa é o entendimento de que a verificação do conceito de violência não depende
de uma efectiva resistência da vítima, nem da qualidade ou intensidade da mesma
resistência, mas sim na idoneidade objectiva do meio de coacção ou ameaça utilizado
pelo agressor. Por exemplo, quando a mera superioridade física ou numérica dos
agressores é suficiente para eliminar a resistência da vítima.30

Assim, a ameaça exigida para que se esteja perante o crime de violação deverá ser
de molde a eliminar o sentido da vontade, isto é, deverá ser de tal intensidade que à
vítima não reste outra alternativa que não a ausência de resistências.

26
LEITE, Inês Ferreira. Op., cit., p.9 e 10.
27
Ibidem
28
Ibidem
29
MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, “Crimes sexuais contra crianças e jovens”, Cuidar
da justiça de crianças e jovens: a função dos juízes sociais: actas do encontro, coordenador científica Maria
Clara Sottomayor, Coimbra, Almedina, 2003, p. 199. Apud LEITE, Inês Ferreira., Op., cit., p21.
30
MOURAZ, José Lopes. Os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual no Código Penal, 4.ª
Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 51. Apud LEITE, Inês Ferreira. Op.,cit., p.21.
12

Desta feita, subsistem nos crimes (…) e de violação (art. 164.º n.º 1) todas as
formas de impor a participação em acto sexual (de relevo) que passem pela superação de
uma vontade contrária expressa pela vítima ou pela prévia supressão da vontade, o que se
tem é a inexistência de qualquer forma de adesão da vontade da vítima à prática do acto
sexual ou seja, pode-se dizer que a vítima é sempre “forçada” a um contacto sexual,
embora a intensidade do contacto sexual seja distinto entre os diversos tipos. 31

Assim, não podemos deixar de concordar que “(…) o bem jurídico a ser tutelado
é a liberdade sexual, pois os comportamentos sexuais devem ser criminalizados quando
limitarem a liberdade sexual da vítima; ou seja, o que se criminaliza é o relacionamento
sexual (em sentido amplo, englobando diversos atos sexuais) que não seja praticado de
acordo com a vontade livre das pessoas envolvidas – podendo assim identificar-se um
(ou vários) agente (s) e uma (ou várias) vítimas”32

2. O crime de violação em Portugal:

2.1 Positividade do crime de violação:

Artigo 164.º Violação

1 — Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para


esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de
resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou
coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é
punido com pena de prisão de três a dez anos.
2 — Quem, por meio não compreendido no número anterior e abusando
de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela,
ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou
aproveitando-se de temor que causou, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou
coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; é
punido com pena de prisão até três anos.

Comecemos num primeiro momento fazendo uma análise perfunctória do tipo em


questão, para depois nos atermos ao mais importante que é a situação pragmática
consubstanciada na sua ocorrência em Portugal e o seu tratamento pelos órgãos judiciais.

Este crime difere da coação sexual, sobretudo, pelos ditos atos sexuais de relevo,
31
LEITE, Inês Ferreira, Op., cit., p.20.
32
CUNHA, Maria da Conceição. “Do dissentimento à falta de capacidade para consentir”, “Combate à
Violência do Género – Da Convenção de Istambul à nova legislação penal”, Universidade Católica Editora,
2016, p.113.
13

caracterizando-se a violação por atos sexuais de relevo mais graves. Na violação temos a
cópula, os coitos anal e oral, a introdução de partes do corpo do agente ou objetos no
corpo da vítima.

Dias entende que:

A lei ao exigir que o ato sexual seja de relevo impõe que se


rejeite como atos típicos não apenas os atos insignificantes
ou bagatelares (função negativa), mas também que se
investigue do seu relevo na perspetiva do bem jurídico
protegido (função positiva), ou seja, é o grau de
perigosidade da ação para o bem jurídico que, em função da
sua espécie, intensidade ou duração, assume neste contexto
valor decisivo.33

Tanto o sujeito ativo, como o sujeito passivo, podem ser uma pessoa de qualquer
gênero e de qualquer idade. Nos casos em que temos vítima menor, a pena prevista para o
crime de violação, em particular, é agravada de um terço nos seus limites mínimo e
máximo, se a vítima for menor de 16 anos, e agravada em metade, se for menor de 14
anos, de acordo com os nºs 6 e 7 do art. 177º.

O bem jurídico protegido é a liberdade sexual, como já dissemos antes. A


liberdade, segundo Teresa Pizarro Beleza:34 “prende-se, no caso dos adultos, com a
liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem se queira, e no caso das
crianças e adolescentes com a liberdade de crescer na relativa inocência até se atingir a
idade da razão, para aí se poder exercer plenamente aquela liberdade.”

Neste tipo penal os verbos remetem-se a atos sexuais de relevo mais graves,
diferindo nesse ponto da coação sexual. Segundo Figueiredo Dias: “Ato sexual será
assim todo aquele comportamento que, de um ponto de vista, predominantemente,
objetivo e segundo uma compreensão natural, assume uma natureza, um conteúdo ou um
significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade e com a liberdade de
determinação sexual de quem o sofre ou pratica”.35

Segundo o mesmo autor “há quem acrescente a este elemento objetivo também

33
DIAS, Jorge de Figueiredo, Anotação ao artigo 163º do Código Penal, in “Comentário Conimbricense do
Código Penal, Parte Especial, Tomo I, artigos 131º a 201º”, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2012, p. 720.
34
BELEZA, Tereza Pizarro. Op., Cit., 1996, p.11
35
DIAS, Jorge de Figueiredo. Op., cit., 2012, p. 718 e 719.
14

uma conotação subjetiva, que é a a intenção do agente de despertar ou satisfazer, em si ou


em outrem, a excitação sexual, dita também intenção libidinosa.”36

Maria do Carmo Dias ordena os atos sexuais em três categorias e por ordem
crescente: “Em primeiro lugar, os menos graves que são os atos de caráter exibicionista e
o contacto de natureza sexual. Depois temos os atos sexuais de relevo, como na coação
sexual e , por último, os atos sexuais de relevo mais grave, como na violação.37

A violação é um crime de dano, cujo tipo objetivo consiste no constrangimento da


vítima a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, um ou mais atos sexuais de especial
relevo: cópula, coito anal, coito oral, introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou
objetos.38 A cópula foi a primeira conduta a ser criminalizada e é, pacificamente, definida
como a penetração da vagina pelo pênis. Com as sucessivas alterações no sentido do
alargamento da norma foram-se equiparando a esta, primeiramente, o coito anal, que
consiste na penetração do ânus pelo pénis e, posteriormente, o coito oral, que consiste na
penetração da boca pelo pénis.

A conduta punível mais, recentemente, acrescentada ao tipo da violação sexual foi


a penetração vaginal ou anal de partes do corpo do agressor ou objetos. Essa introdução se
consubstancia na penetração da vagina, não na vulva apenas, ou no ânus de qualquer parte
do corpo (um dedo, os lábios, a língua…) ou de um qualquer objeto (pénis artificial,
vibrador…) ou não (pau, ferro, fruto…) que tenha ou não conotação sexual.

Não se fazem parte do tipo o coito vulvar ou vestibular e a automasturbação.


Condutas estas que podem ter um viés ilícito muito maior e mais agressivo da
autodeterminação sexual da vítima, mas que não estão inseridas no tipo.39

O crime de violação, nos termos do art.164, n. 1 é um crime de execução vinculada


e nos termos do art.164, n.2 de execução livre.

O verbo constranger significa coagir alguém a fazer alguma coisa, deixar de fazê-
la, como também, ter de suportar alguma coisa. Essa alguma coisa no crime de violação é
o ato sexual. O agente constrange a vítima por meio de violência, ameaça grave , tornar a

36
Ibidem, p.718.
37
DIAS, Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva. Notas substantivas sobre crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual in Revista do Ministério Público 136: outubro: dezembro, 2013, p.75.
38
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código Penal Anotado à luz da Constituição da
República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª Edição atualizada, Universidade Católica
Editora, 2015. p. 654.
39
DIAS, Jorge de Figueiredo. Op., cit., p.. 750.
15

vítima inconsciente ou pô-la na impossibilidade de resistir.

Como deve se evidenciar a violência no crime de violação? Será um ato de


violência constranger a vítima à prática de ato sexual, sem o uso da força, existindo
“apenas” o seu dissentimento? Maria da Conceição Ferreira da Cunha defende que
existem três correntes sobre a caracterização da violência na violação. Aquela que exige
uma verdadeira luta entre o agente e a vítima, uma intermediária em que não se exige luta,
mas os meios utilizados pelo agente devem ser idôneos a vencer a resistência da vítima, ou
seja, deve haver um “plus” de força física e por fim, uma mais liberal, que aceita que o
dissentimento por parte da vítima é suficiente para que o tipo legal se encontre
preenchido.40

Clara Sottomayor41 defende que não se afigura necessária uma luta entre agressor e
vítima, acrescentando que só o facto de o autor do crime praticar um ato sexual de relevo
contra a vontade da vítima, já se revela também um ato violento por si só.

Figueiredo Dias entende que “a violência para preenchimento do tipo é a física,


apesar de não exigir que seja pesada ou grave, no entanto, “deve ser idônea, segundo as
circunstâncias do caso, nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a
resistência efetiva ou esperada da vítima.”42

Quanto ao meio típico ameaça grave, como o próprio adjetivo o indica, não se
pode tratar de uma “simples” ameaça, esta deve revestir-se de uma certa gravidade.

Américo Taipa de Carvalho 43 descreve três características essenciais do conceito


de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. Acrescenta ainda
que o mal tanto pode ser de natureza pessoal, como patrimonial e, este mal tem de ser
futuro, sendo a característica temporal o principal critério de distinção entre esta, a coação
e a violência. Por fim, aponta o autor, a concretização futura do mal deve depender, ou
pelo menos, parecer depender, da vontade do agente.

Alguns autores entendem que a violência psíquica poderá integrar este meio típico,
outros entendem que no conceito de violência deve caber não apenas a violência física,

40
CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da. Op., cit., 2016, pp.136 e 137.
41
SOTTOMAYOR, Maria Clara, “o conceito legal de violação: um contributo para a doutrina penalista, A
propósito do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Abril de 2011, in Revista do Ministério
Público, 128: Outubro: Dezembro 2011, p.298.
42
DIAS, Jorge de Figueiredo. Op., cit., 2012, p. 726.
43
CARVALHO, Américo Taipa, Comentário ao artigo 153º do Código Penal, in “Comentário Conimbricense
do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, artigos 131º a 201º”, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2012, p. 555.
16

como também a psíquica. A ameaça tem de ser grave, sendo essa gravidade auferida pelo
julgador da causa, que analisará sobre o conteúdo, a medida e a intensidade da ameaça. A
ameaça pode ser empregada contra a vítima ou contra terceiro, cuja vida ou integridade
física seja importante para aquela, como, por exemplo, um filho ou os pais.44

O último meio típico de constrangimento presente no nº1 é a colocação, pelo


agente, da vítima em estado de inconsciência ou na impossibilidade de resistir.

Estas condutas diferem do tipo do art.165, no qual, a vítima já se encontra em


estado inconsciente ou impossibilitada de reagir, independentemente, de alguma ação do
agente pra isso, como por exemplo, quando a vítima está em coma e o agente a viola nesse
estado.45

2.3 Visão Crítica do tratamento do crime de violaçãoem Portugal:

É importante nesta parte do trabalho o enfoque dado à incidência desse crime em


Portugal, seu tratamento pelo Poder Judiciário e, sobretudo, as consequências desse
tratamento para as vítimas.
Infelizmente, constata-se em muitos acórdãos em que se discute a ocorrência ou
não do crime de violação, uma situação pouco respeitosa em relação à vítima, a qual,
muitas das vezes, parece ter de preencher um conjunto de requisitos para ser considerada
vítima.
Pode-se constatar muito, recentemente, decisões de tribunais portugueses, nas
quais se verifica um pré-julgamento preconceituoso das vítimas, a partir da análise do seu
modo de vestir e de seu comportamento, fazendo-se juízo de valor sobre o tipo de roupas
que veste, se ousadas ou sexy, se a vítima sai sozinha pra beber, se é adepta de sexo casual
ou não, se possui ou já possuiu vários parceiros sexuais, etc, sendo tais informações
cruciais para que a vítima tenha o status de vítima, ou seja, se ela não contribuiu de
alguma forma com a sua conduta, pouco “respeitosa, para a ocorrência do fato
criminoso.46
Outro ponto vexatório para a vítima se traduz no modo pouco técnico, diríamos
assim, com que nas decisões se vem relatados os atos sexuais ocorridos. Tais decisões

44
DIAS, Jorge de Figueiredo. Op., cit., 2012, p. 727.
45
CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da, “Crimes sexuais contra crianças e jovens”, “Cuidar da justiça
de Crianças e Jovens: a função dos juízes sociais, Coimbra, Almedina, 2003, p.200.
46
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, oacórdão da “sedução mútua. Disponível em:>
>http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6f7c90fb3d34e281802582eb0049ac25?
OpenDocument<Acesso em 28 de setembro de 2019
17

parecem, em muitas das vezes, contos eróticos. Basta que façamos um passeio pela vasta
jurisprudência para inferirmos que os tribunais fazem uma leitura pouco técnica de tais
atos, focando-se numa feição mais sexualizada, mais erotixada dos mesmos.
As expressões utilizadas são quase sempre as mesmas, descrevendo o tribunal
minuciosamente o corpo violado, sendo reduzidas as vítimas, a bocas, línguas, dedos,
seios, ânus, vulvas, vaginas, mamilos, clitóris, pênis eretos, coxas, etc. As vítimas
desaparecem, enquanto, suas partes são ovacionadas numa segunda objetivização sexual,
agora pelo Poder judiciário.47
Tal maneira insensível que o Judiciário trata tal questão faz com que a vítima seja
colocada numa situação de total constrangimento e humilhação, sendo totalmente
impertinente tal relato minucioso que beira a contos eróticos ou até mesmo pornográficos.
Não bastasse a situação estigmatizante de ter sido violada e justificar o porquê de
não ter conseguido se safar, a vítima ainda terá que percorrer a via crucis de ouvir
minúcias de um fato tão doloroso, numa revitimização desnecessária.
Não seria suficiente o relato técnico com base na lei? Os fatos narrados só podem
ser relatados de uma maneira como se estivesse lendo um conto erótico ou pornográfico?
É uma questão que deve permear as discussões a respeito do tratamento do crime de
violação nas decisões judiciais.
O relatório RASI de 2017 assevera que no âmbito da criminalidade grave e
violenta, o crime que mais aumentou no ano passado foi o da violação.48
A conclusão é a do último Relatório de Administração e Segurança Interna (RASI)
disponível e com dados referentes a 2017, ano em que se registaram 408 ocorrências, mais
73 das contabilizadas em 2016 (aumento de quase 22%).
Contudo, é importante não esquecer que as estatísticas para esta tipologia de
violência podem não corresponder à realidade, já que muitos casos não chegam a ser
denunciados. 49
No relatório também podemos inferir que50:
 18,7% dos inquéritos iniciados no ano de 2017 foram pelo crime de
violação;
 A maioria dos agressores são do sexo masculino, 99, 2% ;

47
VENTURA, Isabel, “A violação na jurisprudência e na doutrina”, “Combate à Violência do Género – Da
Convenção de Istambul à nova legislação penal”, Universidade Católica Editora, 2016, p.47.
48
Relatório Anual da Administração e Segurança Interna do ano de 2017.
49
ANEXO – Gráfico 1 / RASI 2017.
50
ANEXO – Gráficos 2, 3, 4, 5, 6 e 7/ RASI 2017.
18

 A maioria das vítimas são do sexo feminino 90, 7%;


 A violação é o segundo crime com maior número de detidos, 53 casos,
todos de autoria masculina;
Conforme analisamos, na jurisprudência nacional também se verifica que a
esmagadora maioria dos acusados são do sexo masculino. Estes dados nos demonstram a
desigualdade entre homens e mulheres no tocante ao crime de violação.
A realidade portuguesa nos mostra o quanto as mulheres são atingidas por esse
crime e isto implica dizer que tal situação é consequência e não causa de um estado de
coisas contaminado por uma concepção patriarcal na sociedade portuguesa (não apenas
portuguesa), cujas relações entre homem e mulher se caracterizam por relações de poder
em todos os âmbitos, baseadas na falsa noção de superioridade masculina e no imaginário
direito de dispor do corpo feminino.
Essas relações de poder subjacentes aos papéis sociais que homem e mulher
assumem na nossa sociedade são fruto da concepção patriarcal muito bem arraigada e que
se perpetua, como forma de controle, através da mídia, escolas, meios culturais,
economia, lei, etc.
A concepção de que a mulher é um ser inferior ao homem, podendo este dispor de
seu corpo como bem lhe aprouver é, sem simplismo, o que leva a todo tipo de violência
sexual contra a mulher, pois está na conformidade com esta mentalidade o uso do corpo da
mulher para satisfazer a libido masculina, quando e onde o homem assim decidir.
Tais relações de poder podem ser vistas, por exemplo, nas remunerações mais
baixas das mulheres quando ocupam os mesmos cargos que os homens, na desigualdade
de visibilidade e apoio às mulheres quando estas ocupam posições em determinados
esportes praticados também pelos homens, nas relações de desrespeito às mulheres em
trasportes coletivos, no assédio sexual no trabalho e demais violências sexuais sofridas até
o estágio final do feminicídio. Tudo isso é expressão dessa mentalidade patriarcal arcaica
que vivenciamos e que é reproduzida a cada dia.51
É importante que também falemos que este estado de coisas não é salutar nem para
as mulheres, nem, tampouco, para os homens, os quais diante da sua masculidade tida
como superior, não se sentem à vontade em denunciar possíveis abusos e violações
sofridas, pois tal conduta implicaria sinal de fraqueza não permitida aos olhos de quem
reproduz a falácia desta superioridade, o que implicará, fatalmente, subnotificações em

51
SOUSA, Rita Mota. Introdução às Teorias Feministas do direito, Porto: Edições Afrontamento, 2015,
p.33.
19

eventuais crimes sexuais sofridos


É neste cenário de relações de poder, que mesmo a despeito dos muitos avanços
femininos, como o voto e o exercício de qualquer profissão, ainda temos muito que
avançar, sobretudo, quando pensamos que tais relações são reproduzidas na seara das
leis, da sua interpretação e aplicação.
Muitas das vezes são as próprias mulheres que são consideradas piores que os
próprios homens na defesa dessas relações de poder. Tal defesa instransigente ocorre até
mesmo pela vontade que elas têm em se posicionar no mundo da superioridade
masculina, de serem aceitas nesse universo.
É nesse sentido que bem assevera Tereza Pizarro Beleza: “As mulheres podem ser
mais agressivas do seu próprio gênero que os homens, funcionando como suportes dessa
mesma ideologia que as reprime, ou sendo, talvez, a isso levadas pela necessidade de
serem aceitas em profissões masculinas”52

3.Há necessidade de melhorar a resposta penal para o crime de violação em


Portugal?

3.1 Compreensão da Convenção de Istambul quanto ao ordenamento nacional


e o entendimento do artigo 164:
A Convenção de Istambul surgiu como símbolo de mais uma etapa de
desconstrução da mentalidade patriarcal tão sedimentada na maioria das sociedades no
mundo.
Buscou-se com ela uma tentativa de proteger os direitos das mulheres, em nível
universal e regional, aprimorando os ordenamentos nacionais dos Estados-partes.
Além de reforçar os anseios por igualdade entre mulheres e homens, a Convenção
também buscou uma maior proteção das mulheres contra todo tipo de violência (artigo
1º).
Desta feita a Convenção buscou assim determinar que os Estados-partes
observassem seus preceitos e legislassem, conforme tais mandamentos, nos seus
ordenamentos nacionais, havendo uma harmonização destes, por consequência.
O artigo 36 da Convenção53 preceitua que:
52
BELEZA, Teresa Pizarro. A mulher no direito penal, Cadernos Condição Feminina, nº19, Lisboa:
Comissão da condição feminina, 1984, p.45.
53
Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a
Violência Doméstica artigo 36. Disponível em: >https://rm.coe.int/168046253d< Acesso em: 28 de setembro
de 2019.
20

1) As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para


assegurar a criminalização das seguintes condutas intencionais:
a) a penetração vaginal, anal ou oral não consentida, de carácter
sexual, do corpo de outra pessoa com qualquer parte do corpo
ou com um objecto;
b) outros actos de carácter sexual não consentidos com uma
pessoa;
c) obrigar outra pessoa a praticar actos de carácter sexual não
consentidos com uma terceira pessoa.
2) O consentimento deve ser dado voluntariamente, por vontade livre
da pessoa, avaliado no contexto das circunstâncias envolventes.
3) As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para
assegurar que as disposições do parágrafo 1 se apliquem também a
actos cometidos contra actuais ou ex cônjuges ou parceiros, em
conformidade com o direito interno.

Em suma, a Convenção determinou que o não consentimento , previsto nas alíneas


do nº1, implica dizer que a conduta não é lícita, ou seja, atuar sem o consentimento do
outro quando da realização dos atos sexuais descritos, é crime.
Outra conclusão da convenção é que esse consentimento deve ser dado,
voluntariamente, senão, a conduta também será ilícita.
A última conclusão é a de que tais condutas ilícitas valem em face de cônjuges ou
parceiros atuais ou antigos, o que ratifica a tese de que há estupro em caso de marido e
mulher.
Mesmo com o intuito de harmonizar os ordenamentos nacionais dos Estados-
partes, o que houve, pelo menos em Portugal foi o contrário, ou seja, Portugal é que quis
adequar a Convenção ao seu ordenamento. Por isso tivemos a mais recente alteração do
artigo 164, sem que nada tivesse mudado em termos de inserir a falta de consentimento no
tipo penal de violação.
A violação sempre foi criminalizada desde o código penal português de 1852,
tendo sido seu tipo penal ampliado no decorrer dos tempos, porém, jamais houve a
alteração ou substituição do conceito nuclear da violação como ação violenta em que deve
haver um embate ente autor e vítima. Essa ideia de violência arraigada ao crime de
violação prossegue até os nossos dias, é o que se depreende do art.164, nº 1.
A despeito de se ter substituída a proteção dos fundamentos ético-sociais pela
liberdade sexual, nunca o legislador se sentiu à vontade para determinar a falta de
21

consentimento como elemento do tipo penal da violação.


Além da violência, o legislador também incluiu o constrangimento, no código
penal de 1982, como elemento do tipo, se furtando à prever na lei a falta de
consentimento.
Mesmo com a mais recente lei que alterou o atigo 164 do código penal português,
a lei 83 de 2015, não houve a substituição do constrangimento pelo não consentimento.
Esta alteração incluiu o nº2 ao artigo 164, conforme se verifica:
Art, 164 (redação dada pelalei 83/2015)
1. (…)
2. Quem, por meio não compreendido no número anterior, constranger
outra pessoa a:
a) A sofrer ou praticar , consigo ou com outrem, cópula, coito anal, coito
oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos;
é punido com pena de 1 a 6 anos.

O constrangimento perdurou nos dois incisos do art.164. No inciso I, o


constrangimento se dá por meio de violência, grave ameaça ou pela ação de tornar a
vítima insconsciente ou na impossibilidade de resistir e no inciso II há a previsão de meio
de constrangimento não compreendido no número anterior.
Dessa estrutura do artigo 164 o que podemos inferir é que o crime de violação
continuou a ser pautado pela violência como meio principal de realização do tipo penal,
isto é, o crime de violação é cometido, em regra, mediante violência, grave ameaça ou
inibição de resistência, o que induz a se pensar que deva haver resistência por parte da
vítima para que se configure a subsunção ao fato típico.
Tal execução vinculada do nº I do art.164 implica uma pena maior em relação ao
segundo inciso, o que também poderia induzir a que se conclua por um crime de violação
carro-chefe, mais importante, e um de menos importância, já que a pena do inciso II é bem
menor que a do primeiro, sendo que em ambos dispositivos a violação se dá por
constrangimento e não pela ausência ou falta de consentimento.
Há assim uma supervalorização da violência como meio mais condizente de
existência da violação, não se conferindo o devido valor ao simples “não”, ou seja, ao não
consentimento como motivo bastante para se configurar o crime em questão.
Essa escolha legislativa pela violência e pelo ônus da resistência da vítima como
reação implicará, por sua vez, decisões judiciais baseadas na exigência de comprovação de
22

alguma resistência da vítima, ignorando-se casos que seriam verdadeiras violações por
obediência ao princípio da tipicidade penal.
Conforme entende Teresa Pizarro Beleza54, o disposto do nº I do artigo 164 revela
uma perspectiva masculina patriarcal da violação que implica a exigência da resistência da
vítima como necessária à comprovação da violação, que deverá existir mediante o
emprego de força física, de grave ameaça e de inibição de resistência da vítima.
Não concordamos assim com essa estrutura do artigo 164 em que se tem no nºI a
regra e no nºII as atenuantes, já que a execução por meio de outro modo diferente do
descrito no nº I implica uma pena bem menor.
Acompanhamos o entendimento de Clara Sottomayor 55 no sentido da inversão do
artigo 164, sendo o inciso nºII a regra e o inciso nº I as agravantes. Ao invés da estrutura
regra + atenuante, teríamos a estrutura agravante + regra. Isto implicaria uma simbologia
diferente na mensagem que o tipo transmite, isto é, haveria a valorização do “não” , com a
agravante da violência em caso de ocorrência. Isto seria positivo em termos de
entendimento jurisprudencial, sem dúvida.

3.2 Constrangimento ou consentimento?


Autoras como Tereza Pizarro56, Rita Mota Sousa57, Clara Sottomayor58, dentre
muitas outras, concordam com a necessidade de se alterar a lei portuguesa, a despeito da
última alteração de 2015.
A preservação do constrangimento, ao invés da falta de consentimento, não seria o
ideal para se perseguir a maior proteção possível das vítimas desse crime tão abominável,
cujas mulheres são as principais vítimas.
Acompanhamos assim, o pensamento da professora Inês Ferreira Leite 59 segundo
o qual: “A violação existe sempre que alguém constrange outra pessoa – após um
dissentimento claro – a sofrer ou praticar atos sexuais, sem necessidade de se demonstrar
que foi usada violência. Seria apenas necessário que se demonstrasse que não houve
54
BELEZA, Tereza Pizarro. Mulheres, Direito, Crime ou a perplexidade de Cassandra. Lisboa: AAFDL,
1990, pp.221e ss.
55
SOTTOMAYOR, Clara. O conceito legal de violação: Um contributo à doutrina penalista –a propósito do
acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de abril de 2011 in Separata da revista do ministério
público,nº128,out/dez, ano 32, 2011 , p.284
56
Idem. Consent – It´s as simple as tea: Notas sobre a relevância do dissentimento nos crimes sexuais, em
especial na violação in combate à violência de gênero – Da Convenção de Istambul à nova legislação penal.
Porto: Universidade católica editora. P. 22.
57
SOUSA, Rita Mota. Introdução às teorias feministas do Direito, Porto: Edições Afrontamento, 2015, p.73.
58
SOTTOMAYOR, Clara. Op.,cit., p.282 e 283
59
LEITE, Inês Ferreira. Crimes novos, lei nova. Disponível em: >https://www.capazes.pt/cronicas/crimes-
novos-lei-nova-por-ines-ferreira-leite/view-all/< Acesso em 29 de setembro de 2019.
23

consentimento da vítima.”
Apesar de acompanharmos o entendimento das autoras supracitadas quanto à
necessidade de alteração legislativa do artigo 164 do código penal para se adequar aos
mandamentos da Convenção de Istambul, não podemos, por outro lado, deixar de
mencionar o importante entendimento da professora Inês Ferreira Leite60no sentido de se
interpretar o constrangimento previsto no inciso nº II do artigo 164, inserido pela lei
83/2015, como abrangente da falta de consentimento, podendo assim, conferir uma maior
proteção às vítimas da violação, mesmo não tenho havido ainda uma alteração expressa
do artigo 164.
Incluíriam-se assim os atos não consentidos no inciso nºII, ou seja, o
constrangimento previsto englobaria o não consentimento, quando a vítima disser,
categoricamente, que não quer ter qualquer tipo de ato sexual com o autor. Nesses casos
há a possibilidade de se aproveitar a abertura do dispositivo nº II do artigo e inserir o não
consentimento no conceito mais amplo do constrangimento.
Porém, a dúvida paira quando evidenciamos uma situação em que não se tem um
consentimento expresso, mas também não há um constrangimento, como por exemplo, na
situação em que uma mulher que se embriagou, voluntariamente, numa danceteria e, que
após estar inconsciente, manteve relação sexual com alguém. Poder-se-ia dizer que não
houve consentimento para o ato e nem, tampouco, constrangimento 61. Estaríamos assim
numa zona cinzenta, na qual a violação seria descartada, subsumindo-se a realidade fática
a outros tipos penais, como por exemplo, ao abuso sexual.62
Esta última assertiva nos induz a ratificar o nosso posicionamento no sentido de ser
importante nova alteração do código penal português, para que melhor se aclare a
tipificação do crime de violação sexual, dando a devida importância à falta de
consentimento como elemento fundamental ao tipo penal, para que não se tenha dúvidas
a respeito da importância do “não” expressado pelas vítimas.
Isso conferiria maior proteção às vítimas desse crime tenebroso, como também,
sobretudo, permitiria uma interpretação mais sedimentada e menos discutível por parte
dos magistrados nas suas decisões judiciais, evitando-se assim, o que acontece, em
muitas das vezes, decisões diversas sobre casos semelhantes.
60
Opinião expressada na aula da disciplina de criminologia, ministrada no dia 11 de junho de 2019, na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
61
Opinião que não adere a professora Inês Ferreira Leite, conforme aula supra citada, já que para a ilustre
autora essa situação estaria também abrangida pelo constrangimento.
62
Acórdão da Relação do Porto, conhecido como da” sedução mútua”. Disponível em:
>http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6f7c90fb3d34e281802582eb0049ac25?
OpenDocument<Acesso em 28 de setembro de 2019.
24

4.Consequências geradas pela escolha do legislador português:


A despeito de ilustres autoras63 entenderem que o constrangimento constante no
inciso nºII do artigo 164, inserido pela lei 83/2015, pós Convenção de Istambul, abrange
os atos não consentidos, entendemos haver uma zona cinzenta em que há atos sexuais
não constrangidos, como também não consentidos pela vítima, descaracterizando o crime
cometido como crime de violação, propriamente dita.
Temos, como exemplo, a decisão do Tribunal da Relação do Porto, no conhecido
acórdão da “sedução mútua”, que respeitando o princípio da tipicidade penal, adequou-se
o caso ao crime de abuso sexual, sendo claro, porém, o cometimento de uma violação, se
na lei houvesse a previsão do não consentimento
. O Tribunal da Relação do Porto, por sua vez, não errou na adequação típica, já
que o tipo penal da violação, hoje em vigor, não estabelece o não consentimento como
elemento fundamental, ocasionando assim, esse tipo de decisão judicial.
No caso em questão uma moça embriagou-se, por conta própria, numa casa
noturna que frequentava com certa assiduidade, tendo relativa amizade com dois
funcionários que lá trabalhavam. Ao embriagar-se, fora levada ao banheiro por um dos
funcionários, ao qual já conhecia. Lá estando, os dois funcionários da danceteria,
aproveitando-se da confiança da vítima e do seu estado de embriaguez, mantiveram com
ela relações sexuais não consentidas.
Por não ter sofrido violência, nem grave ameaça, não poderia haver adequação
típica no inciso I do art.164, como também, por ter ela se colocado na situação
inconsciente, não se poderia adequar ao inciso II do mesmo artigo. Sendo assim, a única
adequação possível foi a do artigo 165, do abuso sexual.
Este é um dos casos que mesmo que acreditemos que qualquer ação que nos
impele a fazer o que não queremos seja um tipo de violência 64 ou um constrangimento,
63
Cf. Nota 53.
64
Maria Fernanda Palma numa entrevista ao Diário de Notícias, em 26 de setembro de 2019 , quando
comentou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que enquadrou a conduta dos arguidos em Abuso
Sexual, disse que: "No sentido contemporâneo de violência, não se pode dizer que não há violência no crime
tipificado no nº 165 do Código Penal, o "abuso sexual de pessoa incapaz de resistência" [pelo qual foram
condenados os agressores no acórdão que ficou conhecido como "da sedução mútua" - o caso de uma jovem
de 26 anos que numa discoteca em Gaia foi submetida a relações sexuais de "cópula completa", enquanto
inconsciente, por dois funcionários do estabelecimento]. Nesta situação no meu entender não haveria
dúvidas de que há violência. E vai mais longe: "O atual artigo 165º, que prevê o abuso de pessoa incapaz de
resistência, deveria estar compreendido no artigo 164º, da violação sexual. A pessoa é coisificada, usada
como objeto. Em termos culturais há violência. Do ponto de vista social e cultural é errado fazerem-se estas
distinções todas. O caso é gravíssimo e deve fazer-nos pensar numa alteração do crime de violação e num
agravamento das penas." Disponível em:> https://www.dn.pt/pais/interior/nao-basta-nao-haver-
consentimento-para-haver-violacao-diz-representante-sindical-de-juizes--9913682.html< Acesso em 25 de
25

como bem assinalou a professora Inês Ferreira Leite 65, é inegável a margem que se abre a
interpretações judiciais diversas, já que a não explícita inserção do não consentimento no
tipo penal da violação, implica também a diversidade de entendimentos doutrinários, o
que não é salutar para as vítimas, nem, tampouco, para a garantia dos acusados.
Por tudo o que fora dito acima, entendemos, data venia, opiniões ilustres em
contrário, que a escolha do legislador pelo tipo penal do artigo 164, atualmente, existente,
com a tônica no constrangimento, na violência e na grave ameaça, implica uma
mensagem arcaica à sociedade de que deve haver resistência por parte da mulher/criança
vítima para que se configure tal crime, mensagem esta que implica, sobretudo, a
exigência de comprovação de resquícios de violência física na seara da prova, já que sem
estes elementos físicos, os juizes não se sentem à vontade para condenar.
A permanência dessa tônica no tipo da violação simboliza, sem dúvida, apenas
mais um signo das relações de poder existentes na nossa sociedade patriarcal, devendo a
mulher provar, com uma verdadeira luta física, o seu não querer ser violada, pois o seu
simples “não” é insuficiente como aceitável na configuração da violação do seu corpo.
Corpo este considerado como objeto de disponibilidade pelos homens.
Essa disposição do tipo penal do artigo 164 vai de encontro aos ditames da
Convenção de Istambul, já que esta dispõe que a violação é um crime característico da
violência de gênero, isto é, violência que atinge as mulheres, apenas por serem mulheres.
Este tratado nasceu com o intuito, não só de definir os tipos de violência sofridas
pelas mulheres, mas, sobretudo, com o intuito de buscar estabelecer uma harmonização
dos ordenamentos nacionais dos estados-partes que a assinaram no sentido de uma maior
proteção das mulheres, dos seus corpos, de uma ampliação dessa proteção, o que passa,
necessariamente, pela inserção do não consentimento no tipo penal da violação.
De acordo com que prevê a Convenção de Istambul, vários partidos em Portugal
fizeram projetos de lei que adequassem o tipo penal da violação aos seus ditames. É o
que veremos a seguir:

5. Projetos de lei de alteração do artigo 164 após Convenção de Istambul:

 PROJETO DO PAN 1047/XIII/4º (7.12.2018)66


abril de 2019.
65
Cf. Nota 53.
66
Projeto de lei 1047/XIII/4º do PAN de 7 de dezembro de 2018. Disponível em:>
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43200< Acesso em
28de setembro de 2019.
26

Altera o Código Penal, nomeadamente o crime de violação, adaptando a


legislação à Convenção de Istambul ratificada por Portugal
Artigo 164.º
 […]
 1- Quem , sem o consentimento, de outra pessoa:
 a) praticar com ela ou levá-la a praticar com outrem, cópula, coito anal ou coito
oral; ou
 b) proceder à introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos;
 é punido com pena de prisão de seis a doze anos.
 2-Se os factos compreendidos no número anterior forem praticados por quem,
aproveitando-se das funções ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém
em estabelecimento onde se executem reacções criminais privativas da liberdade;
 b) Hospital, hospício, asilo, clínica de convalescença ou de saúde, ou outro
estabelecimento destinado a assistência ou tratamento; ou estabelecimento de
educação ou correcção.
 O agente é punido com pena de prisão de seis a catorze anos:
 3- Se os factos compreendidos nos números anteriores:
 a) tiverem sido precedidos ou acompanhados de violência de considerável
gravidade; ou
 b) tiverem sido praticados em circunstâncias que revelem especial censurabilidade
ou perversidade; ou tiverem resultado em danos físicos ou psíquicos graves para a
vítima; ou tiverem resultado no suicídio ou morte da vítima;
 O agente é punido com pena de prisão de seis a dezasseis anos.

 PROJETO DO BLOCO DE ESQUERDA Nº1058/XII/4º (21.12.2018)67


Procede à alteração dos crimes de violação e coação sexual no código penal em
respeito à Convenção de Istambul (47ª alteração ao codigo penal)
Artigo 164.º
(…)
 1 - Quem constranger outra pessoa, nomeadamente:

67
Projeto de lei do Bloco de Esquerda nº 1058/XII/4º de 21 de dezembro de 2018. Disponível em:>
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?
path=6148523063446f764c324679595842774f6a63334e7a637664326c756157357059326c6864476c325958
4d7657456c4a535339305a58683062334d76634770734d5441314f43315953556c4a4c6d527659773d3d&fic
h=pjl1058-XIII.doc&Inline=true< Acesso em 28 de setembro de 2019.
27

 a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral;
ou
 b) A sofrer introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos;
 é punido com pena de prisão de cinco a dez anos.
 A tentativa é punível

Neste projeto também se objetiva a alteração da natureza dos crimes de violação e coação
sexual de semi-públicos a públicos.

 PROJETO DE LEI DO PS Nº 1155/XII, 4ª (8/03/19)68


Reformula os crimes de violação, coação sexual e abuso sexual de pessoa
inconsciente ou incapaz no Código Penal, ao abrigo do disposto na
Convenção de Istambul, e alarga o âmbito de aplicação da medida de coação
de proibição de contacto aos crimes de ameaça, coação e perseguição
(stalking)

Artigo 164.º
 […]
 1 – Quem, sem o seu consentimento, constranger outra pessoa:
 a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral;
ou
 b) A sofrer introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos; é punido
com pena de prisão de um a seis anos.
 2 - As condutas previstas no número anterior praticadas por meio de violência ou
ameaça grave são punidas com pena de prisão de três a dez anos.

Quase todos os projetos, como podemos conferir, substituem o constrangimento pelo


não consentimento, com a única exceção do projeto de lei do bloco de esquerda que ainda
manteve o constrangimento, mas retirou os meios de execução vinculada, ou seja, a
violência e a grave ameaça do tipo penal da violação sexual.

68
Projeto de lei do PS 1155/XII/4º de 8 de março de 2019.Disponível em:
>https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43523< Acesso
em 28 de setembro de 2019.
28

6. Jurisprudência:

1) TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Nº 3897/16.9 JAPRT.P169


“Acórdao da sedução mútua”
 Nº Convencional: JTRP000
 Relator: Maria Dolores da Silva e Sousa
 Descritores: Crime de abuso sexual
 Data do Acordão: 27/06/2018
 Votação: Unanimidade
 Sumário: O estatuto da vítima (artº 67º A CPP e artº 16º da Lei 30/2015
de 4/9), no crime de abuso sexual p.p. pelo artº 165º 1 e 2 CP, impõe a
aplicação oficiosa, após contraditório, do disposto no artº 82º A CPP.
 Rec. Penal n.º3897/16.9JAPRT.P1
 Comarca do Porto
 Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia
 Excertos da Decisão:

Factos provados da Contestação do arguido C


 V. A ofendida era cliente assídua do estabelecimento onde ocorreram os factos.
 IV. E frequentadora de outros estabelecimentos de diversão nocturna.
 VII.O arguido é primário.
 VIII. Vive em união de facto com a sua companheira há 3 anos e tem 3 filhos, 2
dos quais tem a guarda conjunta com a respectiva progenitora, tendo-os consigo
dia sim, dia não.
 IX. Exerce actividade profissional de montador de mecânico na empresa de pneus
“K…”, em …, Vila Nova de Gaia.
 X. Tem a sua vida organizada no seio de uma família estruturada e com valores.
 XI. É respeitado profissional, social e, familiarmente.
 Da Medida da Pena
 E, apesar da censurabilidade das suas condutas, os danos físicos provocados não
assumem especial gravidade considerando o período de cura das lesões provocadas
essencialmente com as palmadas (equimoses e hematomas), a que acresce o
69
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto nº 3897/16.9 JAPRT.P1 do. Disponível em:
>http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6f7c90fb3d34e281802582eb0049ac25?
OpenDocument< Acesso em 28 de setembro de 2019.
29

diminuto receio de cometimento de novos e idênticos factos atento o facto de não


haver notícia de posteriores deslocações da ofendida ao “F…” ou de qualquer tipo
de contacto entre ela e os arguidos, com núcleos de vida familiar e profissional
perfeitamente afastados.
 Os factos demonstram que os arguidos estão perfeitamente integrados,
profissional, familiar e socialmente e dão-nos conta de, pelo menos, grande
constrangimento dos arguidos perante a situação que criaram.
 Os arguidos não têm qualquer percurso criminal.
 A leitura dos factos espelha personalidades com escassíssimo pendor para a
reincidência.
 A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso]
situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de
sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos.
 A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência
[o abuso da inconsciência faz parte do tipo].
 As necessidades de prevenção especial são reduzidas, embora as de prevenção
geral, elevadas.

A perplexidade maior dessa decisão foi a utilização de evidências sem valor


probatório relacionadas com o historial sexual e a conduta da vítima, como a frequência
da mesma em locais de diversão noturnos, sem falar na verificação de “ilicitude
mediana” nas condutas dos réus e a pouca violência física empregada, ignorando-se, por
completo, a violência psíquica cometida que deixará sequelas permanentes.

2) ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Nº32/10.0PLLRS.L1-


570
Relator: José Adriano
Descritores: Violação
Conceito jurídico violência
Consentimento
Nº de documento: RL
Data do acórdão: 02.07.2013
70
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nº 32/10.0PLLRS.L15. Disponível em:
>http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f090141c8a265de680257be200375649?
OpenDocument&Highlight=0,viola%C3%A7%C3%A3o,sexual< Acesso em: 28 de setembro de 2019.
30

Votação: Unanimidade
Texto integral: s
Decisão: Recurso penal não provido
 Actualmente é dominantemente o entendimento de que o exacto sentido jurídico-
penal da expressão cópula é o de introdução completa ou incompleta do órgão
sexual masculino no órgão sexual feminino
 II – No que respeita ao conceito de coito relevante para efeitos penais ele traduz
a ideia de penetração do pênis no ânus ou na boca
 III- Violência reporta-se à utilização de força física como meio de vencer a
resistência oferecida ou esperada por parte da vítima como reacção à actuação
do agente. Força essa que não tendo que revestir características específicas há-de
revelar-se como meio adequado e idoneo a vencer a resistência real ou
presumível que a vítima oponha à acção
 IV- Neste particular afasta-se o entendimento dominante na jurisprudência
que apresenta como suficiente para identificar uma situação de violência
relevante para efeitos da tipificação criminal a inexistência de
consentimento e/ou ele vontade livre da vítima para a prática da cópula.

3)ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 476/09.0PBBGC.P171


Processo: 476/09.0PBBGC.P1
Nºconvencional: JTRP000
Relator: Eduardo Lobo
Descritores:Violação
Violência
Nº do Documento: RP20110413476/09.0PBBGC.P1
Data do aórdão: 13.04.2011
Votação: Maioria com 1 voto vencido
Texto integral: s
Privacidade: 1
Meio processual: Rec Penal
Decisão: Provido
Indicações eventuais:1ª Secção
71
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto nº 476/09.0PBBGC.P1, de 13de abril de 2011. Disponível em:
>http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/0/1c550c3ad22da86d80257886004fd6b4?OpenDocument< Acesso em: 29 de
setembro de 2019.
31

 O crime de violação, previsto no artigo 164, n.1do Código penal é um crime de


execução vinculada, i.é, tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave
ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de
resistir.
 O agente só comete o crime se, na concretização da execução do acto sexual,
ainda que tentado, se debater com a pessoa da vítima, de forma a poder-se falar
em “violência”
 III – A força física destinada a vencer a resistência da vítima pressupõe que esta
manifeste de forma positiva, inequívoca e relevante a sua oposição à prática do
acto.
 IV – A recusa meramente verbal ou a ausência de vontade, de adesão ou de
consentimento da ofendida são, por si só, insuficientes para se julgar verificado o
crime de Violação.

4)ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Nº


1686/12.9JAPRT.P172
Nº Convencional: JTRP000
Relator: Lígia Figueiredo
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO
CONSENTIMENTO
Nº do Documento:RP201409241686/12.9JAPRT.P1
Data do acórdão:24,09,2014
Votação:UNANIMIDADE
Texto integral:S
Privacidade:1
Meio processual:Rec Penal
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações eventuais: 1ª Secção

 Preenche o elemento típico do crime de violação do artº 164º, 2, b) CP

72
Acórdão do Tribunal da Relaçáo do Porto nº1686/12.9JAPRT.P1, de 24 de setembrode 2014. Disponível
em:>http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/435dca4a6ea099b880257d6b0049c2c
4?OpenDocument&Highlight=0,viola%C3%A7%C3%A3o,sexual< Acesso em 29 de setembro de 2019.
32

“aproveitando-se do temor que causou, constranger outra pessoa” quem, se


apresentando como médico, pratica actos de cariz sexual e acaba por fazer
introdução vaginal, fazendo crer à ofendida que se encontrava numa acção de
formação com vista à obtenção do emprego, e que perante o desconforto dos
sucessivos actos expressa a dúvida sobre “ se era mesmo necessário” foi cedendo
à acção do arguido por se sentir pressionada face à resposta “ quer ou não quer o
emprego”;
 II - A conduta da ofendida demonstra a sua oposição a tais actos do arguido e o
constrangimento à sua realização por parte do arguido, retirando a liberdade ao
consentimento e à permissão para tais actos.
 III - A atuação do arguido no caso concreto é idóneo a colocar a vítima numa
situação de desprotecção perante a sua conduta sendo tais actos de
constrangimento idóneos a causar aquele temor;

Conforme se depreende da análise dos acórdãos citados acima (um breve apanhado
da jurisprudência portuguesa), podemos tentar inferir que a adequação típica dos atos
sexuais perpetrados em todas as decisões analisadas, se deu, tanto no número I, como no
número II, ambos do artigo 164 do Código penal português, com base no constrangimento
da vitima.
No número I do artigo 164 a violação sexual se dá por execução vinculada, ou seja,
a vítima é constrangida a manter relação sexual mediante violência, grave ameaça ou ter
tornado a vítima inconsciente ou impossibilitada de resistir. No número II a violação
sexual se dá mediante o constrangimento, por qualquer outro meio, que não sejam os
previstos no número I, ou seja, de execução livre.
Nesse pequeno apanhado da jurisprudência podemos concluir que para a
configuração do crime de violação há que se ter o constrangimento, sob pena da
adequação típica se estabelecer em outro tipo penal, como o abuso sexual, por exemplo.
Nos casos em que a vítima se encontra em coma ou numa embriaguez total
inconsciente por conta própria, mantendo relações sexuais, a despeito do seu estado
inconsciente, não haverá violação, mas sim, abuso sexual.
Há assim, uma zona em que não se pode adequar, tipicamente, atos sexuais que
não tenham sido consentidos, nem, tampouco, constrangidos à sua realização. Nesse
“limbo”, não há violação.
Podemos resumir a situação da seguinte maneira: a alteração da lei 83/2015 trouxe
33

o número II do artigo 164, devendo a jurisprudência incluir nele os casos de não


consentimento quando há constrangimento, ampliando assim a proteção penal às vítimas
do crime de violação.
Porém, no tocante ao vazio que se coloca nas hipóteses de casos em que não há
constrangimento e nem consentimento (acórdão da sedução mútua), por exemplo, há que
se ter a alteração do código penal para abarcar tais casos, por respeito ao princípio da
tipicidade penal.

7. LEI 101/2019: Alterou, dentre outros, o artigo 164 do Código Penal


Português:

Art.164

1. Quem constranger outra pessoa a:


a) Praticar consigo ou com outrem cópula, coito anal
ou coito oral; ou
b) Praticar atos de introdução vaginal, anal ou oral de
partes do corpo ou objetos;

é punido com pena de prisão de um a seis anos.

2. Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou


depois de, para esse fim, a ter tornado
inconsciente ou posto na impossibilidade de
resistir, constranger outra pessoa:
a) a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem,
cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do
corpo ou objectos;

é punido com pena de prisão de três a dez anos

3. Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se


como constrangimento qualquer meio, não
previsto no número anterior, empregue para a
prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a)
e b) contra a vontade cognoscível da vítima.

Conforme podemos verificar esta lei é recentíssima e mantém o constrangimento


como elemento do tipo, ao invés da falta de consentimento. A alteração foi benéfica no
sentido de se colocar o constrangimento por meio da violência, da grave ameaça, de ter
tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir como agravantes do crime
simples que é o constrangimento de forma livre do nº I.
A despeito de ser ainda uma lei recente e de não se poder colacionar variadas
34

interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, não se faz mister alterar nada do que fora
trazido até agora a esse trabalho, já que as críticas que fizemos, com acompanhamento de
autorizada doutrina, serão ratificadas em relação a essa nova lei.
O legislador português, após 167 anos de criminalização da violação, ainda optou,
mesmo após as recentes alterações pelas leis 83/2015 e 101/2019, a continuar a prever o
constrangimento e a violência, como elementos do tipo, ao invés do simples não
consentimento.
Na nova lei o legislador ainda fala em “vontade cognoscível da vítima”, ou seja,
para que haja violação é preciso que se constranja alguém que dissinta expressamente, ou
que, pelo menos, haja uma reação de vontade contraria ao ato sexual. E quando não há
nem vontade? Quando não há qualquer manifestação de vontade? Nesses casos bem
piores, em termos éticos, não há violação? Manter relações sexuais com alguém em coma
não é violação?
É incompreensível essa relutância do legisladorr nacional em inserir o não
consentimento como elemento do tipo de violação, isto nos faz pensar que o legislador,
em sua maioria, homens, expresse na lei penal toda a sua concepção de superioridade
masculina, não se valorando o simples “não” feminino como sinal bastante para que se
configure o crime de violação.
O crime de violação, conforme já dissemos aqui, anteriormente, expressa uma
norma masculina oculta, norma esta que exige um plus para a configuração do delito. Esse
plus é o constrangimento ou a violência. Tem-se receio do empoderamento do simples
“não” feminino ao inseri-lo como elemento do tipo.
A mantença do constrangimento, ao invés, do não consentimento, sugere uma
disparidade entre a ideia social do que seja violação e o tipo penal, pois em muitos casos,
por exemplo, em que se tem uma verdadeira violação no sentido social, a conduta será
subsumida a outros tipos penais, como o do abuso sexual.
Concluindo, entendemos que apesar da nova lei 101/2019 a mudança não foi
significativa para uma integral adequação à Convenção de Istambul, já que ainda resta um
vazio legal no sentido de se coadunar a concepção social da violação ao sentido do tipo
penal da violação. Haverá, assim, casos em que a conduta criminosa não se adequará aos
incisos do art.164, mesmo existindo uma concepção social de que esta conduta seja uma
verdadeira violação.

Conclusões
35

A lei é um discurso de autoridade, com uma particular capacidade para criar


sentidos, reforçando certas visões de mundo e capaz de, definitivamente, moldar o
pensamento coletivo.
O Direito não existe isoladamente, ele é pensado, positivado, interpretado e
aplicado num certo contexto histórico-político-social, refletindo-o e como, num círculo
vicioso, ratificando a mentalidade que o fez nascer.
Por isso o Direito exerce um papel fundamental na luta contra as relações de
poder do sistema patriarcal, pois as leis têm o papel de confirmar certas visões sociais,
como também, consolidar mudanças de paradigmas. A lei não apenas reflete desejos
sociais, ela também corrobora para sedimentar avanços e rupturas, conscientizando a
sociedade.
Desta feita, conforme se tentou esclarecer no presente trabalho, a Convenção de
Istambul surgiu como um marco na luta pela ampliação da proteção das mulheres vítimas
dos diversos tipos de violência nela definidas, com o objetivo de harmonizar os
ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados-partes no sentido de suprir suas eventuais
lacunas e alcançar a ampliação desejada.
Uma das determinações da Convenção foi estabelecer a necessidade dos
ordenamentos nacionais tipificarem o crime de violação com base no elemento “não
consentimento”, concepção essa, fruto de estudos e grupos de trabalho entendedores que
tal tipificação conferiria uma maior ampliação da proteção das vítimas desse crime.
Mesmo após a Convenção, as leis 83/2015 e 101/2019, foi mantido o
constrangimento como elemento do tipo penal. A primeira inovou o número II do artigo
164, o qual determinou, com base no constrangimento, uma livre execução, diversa da
prevista no número I do mesmo artigo. A segunda inseriu mais o inciso III e alterou a
ordem dos crimes que antes eram atenuantes + regra do crime e agora são regra do
crime+agravantes
Sendo assim, mesmo após a Convenção de Istambul e das leis 83/2015 e
101/2019, o tipo legal da violação em Portugal ainda se baseia no constrangimento.
A permanência da tipificação da violação com base no constrangimento implica,
além de deixar margem à diversidade de interpretações em casos semelhantes, com
dificuldade em avaliações probatórias e inaplicabilidade de juízos de probabilidade,
deixar de abarcar verdadeiras condutas de violação por respeito à tipicidade penal, como
se deu no acórdão da sedução mútua, no qual se entendeu pelo abuso sexual.
36

Podemos ressaltar que apesar dos vários relatórios 73 de órgãos insuspeitos, de


vários entendimentos doutrinários importantes e do entendimento do Tribunal Europeu
de Direitos Humanos74 que pugnaram pela alteração do código penal no sentido de
estabelecer o não consentimento como elemento do tipo penal de violação, o legislador
português achou por bem continuar a manter o constrangimento como elemento do tipo,
mesmo após a mais recente lei 101/2019.
Porém, há que se ressaltar que a análise das críticas feministas 75 do direito e da
jurisprudência mostram que a inclusão do consentimento no tipo legal pode não resolver
o problema das baixas taxas de condenações ou de acusação criminal.
Nesse sentido, Wendy Larcombe (2014) entende que, frequentemente, as práticas
judiciais contrariam as reformas legais (...) as atitudes sociais e culturais que toleram a
violência sexual desempenham um papel importante na esfera social para além da esfera
legal (apud Isabel Ventura, 2016, pág. 59) .
Mesmo assim, acreditamos no caráter indutor de novas mentalidades do discurso
legal, havendo a necessidade de alteração da definição do crime de violaçãol, pautado na
figura do não consentimento, para que haja a criminalização, sem margem de dúvidas de
qualquer relacionamento sexual não consentido, independentemente, de ter havido ou não
constrangimento.

73
Relatório da Anistia Internacional- Direito a viver livre de violação: Análise das legislações e ações e
constextos na Europa e padrões internacionais de direitos humanos. Segundo o documento, a legislação que
criminaliza a violação continua a ser inadequada e ineficaz na maioria dos países europeus. Foram
analisados os enquadramentos legais dados ao crime de violação em 31 países europeus: os 28 Estados-
membros da União Europeia, assim como Islândia, Noruega e Suíça. A conclusão é que apenas onze países
têm na lei uma definição de violação centrada no conceito de consentimento, o que estaria de acordo com as
recomendações da Convenção de Istambul. Em Portugal, que fez algumas alterações à lei em 2015, já depois
de ter assinado a Convenção de Istambul, reconhece-se que em vez da força possa haver “constrangimento”
a actos sexuais, mas este é um conceito que as autoridades já reconheceram que não é suficiente para incluir
todas as situações em que há ausência de consentimento. Sexo sem consentimento é violação. Este crime
continua sub-denunciado na Europa, devido a uma cultura de culpabilização das vítimas.
Relatório GREVIO (21/01/19) Grupo de peritos em ação contra a violência contra a mulher e a violência
doméstica. Observa que a mudança legislativa não suprimiu definitivamente a exigência do uso da força,
uma vez que a conduta ofensiva é qualificada pelo uso do verbo “constranger”, sendo silente no tocante à
ausência de consentimento. Considerando, assim, que tal formulação legislativa não é suficiente. É levantada
no relatório uma preocupação sobre a falta geral de ênfase na obtenção de condenações em casos de
violência contra as mulheres, incluindo consequência da utilização generalizada de processos suspensos.
Urge as autoridades portuguesas a tomarem medidas para evitar que nos processos judiciais sejam utilizadas
“evidências sem valor probatório relacionadas com o historial sexual e a conduta das vítimas”, como
aconteceu no caso do acórdão da “sedução mútua”.
74
75
SOUSA, Rita Mota. Introdução às Teorias Feministas do direito, Porto: Edições Afrontamento, 2015,
p.33e ss.
37

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c6864476c3259584d7657456c4a535339305a58683062334d76634770734d5441314f4331
5953556c4a4c6d527659773d3d&fich=pjl1058-XIII.doc&Inline=true<

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto nº 3897/16.9 JAPRT.P1 do. Disponível em:


>http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6f7c90fb3d34e281802
582eb0049ac25?OpenDocument< Acesso em 28 de setembro de 2019.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, oacórdão da “sedução mútua. Disponível em:>


>http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6f7c90fb3d34e281802
582eb0049ac25?OpenDocument<Acesso em 28 de setembro de 2019

Acórdão da Relação do Porto, conhecido como da” sedução mútua”. Disponível em:
>http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6f7c90fb3d34e281802
582eb0049ac25?OpenDocument<Acesso

ANEXO
RASI 2017

GRÁFICO 1

Quadro dos valores registados pelas tipologias que integram a criminalidade violenta
e grave
41

Crimes violentos e graves Ano


2017

Homicidio voluntário consumado Ano 82


2016
Ofensa à integridade física voluntária grave 76 584

Rapto, sequestro e tomada de reféns 521 292

Violação 296 408

Roubo a banco ou outro estabelecimento de crédito 335 23

Roubo a farmácias 39 44

Roubo a ourivesarias 35 19

Roubo a posto de abastecimento de combustível 23 102

Roubo a residência 137 569

Roubo a tesouraria ou estação de correios 591 19

Roubo a transportes de valores 16 12

Roubo de viatura 30 119

Roubo em edifícios comerciais ou industriais 139 398

507
42

Fonte: Ministério da Administração interna, 2017. Disponível em


>https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=9f0d7743-7d45-40f3-8cf2-
e448600f3af6< Acesso em 24 de setembro de 2019.

GRÁFICO 2 326
222 341
238 408
335
Outros crimes contra a 430
549

liberdade pessoal
+104 casos; +46,8% 14.246 14.610

Violação de regras de
segurança
+103 casos; +43,3% 23.416
23.173
Violação
+73 casos; +21,8%
Outros crimes contra a
vida
+119 casos; +27,7%
Ameaça e coacção
+364 casos; +2,6%
Ofensa à integridade
física voluntária simples
+243 casos; +1%

Violação: +73 casos em 2017 (acréscimo de 21, 8%)

Fonte: Ministério da administração interna, 2017. Disponível em:


>https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=9f0d7743-7d45-40f3-8cf2-
e448600f3af6< Acesso em 24 de setembro de 2019.
43

GRÁFICO 3
Índice de inquéritos iniciados por tipos de crimes

18,7 %

14,3 %

6,1 %
5,1 %
4,1 %
2,8 %
1,9 % 1,6 % 1,2 % 0,9 %
0,3 % 0,0 % 0,5 %

 18, 7% dos inquéritos iniciados pelo crime de violação sexual


44

GRÁFICO 4
Número de detidos 2017

98
3

53

1 34
0 0 0 0 0
0 0 0
0
12
5 6 5
1 1 1 3 1 1
0

Fonte: Ministério da administração interna, 2017. Disponível em:


>https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=9f0d7743-7d45-40f3-8cf2-
e448600f3af6< Acesso em 24 de setembro de 2019.

 Abuso sexual de criança – 1º lugar – 98 casos (autoria masculina) / 3 casos (autoria


feminina)
 Abuso sexual de menor dependente – 5 casos (autoria masculina)
 Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência – 12 casos (autoria masculina)
 Abuso sexual de pessoa internada – 1 caso (autoria masculina)
 Aliciamento de menor para fins sexuais -1 caso (autoria masculina)
 Atos sexuais com adolescentes – 6 casos (autoria masculina)/1caso (autoria feminina)
 Atos exibicionistas - 0 casos (autoria masculina)
 Coação sexual – 5 casos (autoria masculina)
45

 Importunação sexual - 1 caso (autoria masculina)


 Lenocínio – 3 casos (autoria masculina)
 Lenocínio de menor – 1 caso (autoria masculina)
 Pornografia de menor - 34 casos (autoria masculina)/ 3casos (autoria feminina)
 Recurso à prostituição de menor – 1 caso (autoria masculina)
 Violação – 2º lugar – 53 casos (autoria masculina) NENHUMA AUTORIA FEMININA

GRÁFICO 5
Relação de arguidos e vítimas do crime de violação sexual em Portugal em 2017

 99, 2% Autoria masculina


 90,7% Vítimas femininas

Fonte: Ministério da administração interna, 2017. Disponível em:


>https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=9f0d7743-7d45-40f3-8cf2-
e448600f3af6< Acesso em 24 de setembro de 2019.
46

GRÁFICO 6

Arguidos por faixa etária (sem menores)

20,3 %

13,6 %

5,9 %

3,4 %
2,5 %
1,7 % 1,7 %

GRÁFICO 7

Vítimas por faixa etária(sem menores)

19,2 %

11,7 % 11,4 %
11,2 %

7,7 %

4,6 % 4,9 %

3,1 %
1,8 %
0,7 % 0,9 %
0,0 %

Fonte: Ministério da administração interna, 2017. Disponível em:


>https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=9f0d7743-7d45-40f3-8cf2-
e448600f3af6< Acesso em 24 de setembro de 2019.
47

 50,8% dos arguidos - da faixa etária dos 21 aos 40 anos


 21, 7% das vítimas – da faixa etária dos 31 aos 40 anos e 19, 2% dos 19 aos 20
anos

GRÁFICO 8

Violação – relacionamento entre autor e vítima

37,7 %

31,0 %

17,6 %

11,2 %

1,5 % 1,1 %

Fonte: Ministério da administração interna, 2017. Disponível em:


>https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=9f0d7743-7d45-40f3-8cf2-
e448600f3af6< Acesso em 24 de setembro de 2019.

 Na relação entre autor e vítima observa-se que em cerca de 55%


dos casos existe uma relação familiar ou de conhecimento.

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