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AS CRISES ECONÔMICAS NO BRASIL: ANOS 60 E 70

João Ildebrando Bocchi1

RESUMO

Este artigo analisa as explicações marxistas sobre as crises econômicas

brasileiras dos anos 60 e 70. Estas crises são endogenamente determinadas

pelas contradições do processo de desenvolvimento capitalista dependente. É

destacada a explicação baseada no aumento da composição orgânica do capital

e a conseqüente queda na taxa de lucro.

ABSTRACT

This paper deals with the marxists aproaches to the brazilians economics

crisis in the 60 's and 70 's. These crisis are endogenously determined by the

contraditions of the dependent capitalism development process. Some aspects

discussed in this paper are highlighted using the falling rate of profit theory.

A inflexão cíclica que se segue ao período expansivo do Plano de Metas é

a primeira crise industrial da economia brasileira, causada por fatores endógenos.

Desde os anos 30, o centro dinâmico da economia brasileira já era determinado

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Professor Titular do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(Brasil). E-mail: jbocchi@pucsp.br
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pela produção industrial, embora só na segunda metade dos anos 50 o seu valor

tenha ultrapassado o valor da produção agrícola. Esta crise, que se estende de

1962 a 1967, só viria confirmar a importância dos investimentos na determinação

da nossa dinâmica econômica.

Um novo ciclo expansivo ocorre com o chamado "milagre econômico" no

período 1968-73, com um crescimento médio do PIB de 11,2% ao ano. Após um

crescimento de 14,0% do PIB em 1973, a economia atravessará a chamada crise

do milagre, com a queda no ritmo de crescimento. Mas em termos quantitativos

esta inflexão é relativa, na medida em que o crescimento médio do PIB atingiu

6,7% a.a. no período 1974-78.

As explicações para estas crises serão diferenciadas, conforme o

pertencimento teórico dos autores. Este artigo analisará as explicações com

enfoque marxista, bem como algumas de suas variações, quase todas centradas

na questão da desproporcionalidade departamental. A seção 1 analisa a crise dos

anos 60; a seção 2 trata da crise nos anos 70, e a seção final explora a

possibilidade de explicarmos estas crises a partir da elevação da composição

orgânica do capital e da conseqüente queda na taxa de lucro

1. A inflexão cíclica 1962-67


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O crescimento do PIB brasileiro no período 1956-62 atingiu uma média

anual de 7,1%. A produção industrial cresceu 9,8% a.a. Este forte ritmo de

crescimento é seguido por uma inflexão cíclica. No período 1962-67, o

crescimento do PIB apresenta uma média de 3,2%, e a produção industrial cresce

tão somente 2,6% a.a. Os primeiros sinais de desaceleração já se manifestaram

em 1962, após o ‘boom’ expansivo do Plano de Metas. Maria Conceição Tavares

e José Serra qualificam essa crise, que com várias inflexões se arrasta até 1967,

como de natureza cíclica , após a conclusão do volumoso pacote de

investimentos iniciados em 1956/57. As políticas de estabilização de 1963 (Plano

Trienal) e de 1964-66 (PAEG) também contribuíram para aprofundar esta

desaceleração, que sinalizou o próprio esgotamento do Processo de Substituição

de Importações, em um contexto de um mercado estruturalmente limitado para os

bens de consumo duráveis, convivendo com graves problemas de financiamento.

Para estes autores, a continuidade do forte ritmo de crescimento exigiria um novo

bloco de investimentos, que deveria "cumprir um papel semelhante ao da onda de

inovações de Schumpeter, a qual não ocorrendo regularmente no tempo tende a

provocar profundas flutuações no desenvolvimento capitalista" (Tavares&Serra,

1972:167-73). Os argumentos de Tavares&Serra, segundo Nora Lustig,

"claramente os classificam na teoria de crise de realização subconsumista"

(Lustig, 1980:40).

Francisco de Oliveira irá identificar na crise econômica as conseqüências

da crise política, no momento em que as classes trabalhadoras denunciam o

pacto populista, em que “não participavam dos ganhos, como viam deteriorar-se o

próprio nível de participação na renda nacional que já haviam alcançado”


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(Oliveira, 1977: 48). No célebre artigo A economia brasileira: crítica à razão

dualista, o autor introduz também a questão da proporcionalidade departamental

para a continuidade do processo de acumulação. Analisando a relação entre o

crescente excedente, a poupança e a acumulação real, Oliveira conclui que é

necessário que a velocidade de crescimento das relações interindustriais entre os

departamentos I e II da economia seja mais alta que o crescimento da poupança,

para a continuidade do crescimento. Mas a “dessubstituição de importações” de

bens de capital, a partir do Plano de Metas, vai contra este incremento de

relações interindustriais e aparece como elemento potencialmente causador de

crise. Continuando a análise, o autor ao tratar já dos anos do "milagre

econômico", se refere explicitamente à instabilidade potencial da sobre-

acumulação existente naqueles anos na economia brasileira, quando a poupança

crescente não encontra oportunidades de inversão real, conforme análise clássica

desenvolvida por Dobb (1978). Na parte final deste mesmo artigo, o autor, ao

discutir as perspectivas da continuidade da expansão capitalista no Brasil,

introduz a questão do mercado, tendo em vista o agravamento do processo de

concentração de renda no pais. Na verdade, apesar das críticas de Oliveira a

Tavares&Serra, encontra-se nos artigos destes autores mais semelhanças

teóricas do que diferenças. O elemento condutor da análise é em ambos artigos o

desequilíbrio departamental, causado pelo desenvolvimento insuficiente do

departamento I da economia brasileira. Mesmo a questão do mercado, sempre

tão presente em Tavares&Serra, acaba sendo também abordada por Oliveira.

Singer(1977 e 1982) analisa as crises considerando além das

características inerentes ao modo de produção capitalista ( anarquia da produção


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e conseqüente possibilidade de desproporcionalidades), os chamados ciclos

econômicos políticos, desenvolvidos pioneiramente por Kalecki, em que são

considerados os efeitos das políticas econômicas keynesianas, que geram crises

cíclicas exatamente ao implementarem as políticas anti-cíclicas. Assim, este

autor analisa a crise dos anos 60 como uma crise estrutural de superprodução ou

subconsumo, agravada conjunturalmente pela política econômica recessiva do

governo militar, após a recessão de 1963 com o Plano Trienal de Celso Furtado.

Isto em um contexto de desequilíbrios estruturais presentes desde o final da II

Guerra, e decorrentes do processo de industrialização do pais via substituição de

importações.

A questão da superprodução ou sobreacumulação será considerada por

quase todos os autores que vão analisar a crise dos anos 60. Certamente a

existência de elevada capacidade ociosa em importantes indústrias, será

fundamental para isto: Serra (1982) estima em 50% a capacidade ociosa na

indústria automobilística no início dos anos 60, enquanto Leff(1977) aponta a

existência de capacidade ociosa generalizada no conjunto do setor de bens de

capital. Este excesso de capacidade deve-se mais a determinantes

microeconômicos, do que a fatores macroeconômicos: investimentos em

indústrias oligopolizadas, capital-intensivas, com grandes escalas mínimas de

produção, em um mercado relativamente restrito. Não se trata, na verdade, das

crises clássicas de superprodução de capital, em que o capital reinvestido não se

valoriza às taxas de lucro auferidas anteriormente, tornando-se, assim, um capital

em excesso, que deverá ser destruído.


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No campo marxista há toda uma tradição crítica sobre a questão da

desproporcionalidade, bem como sobre a identidade super-

produção/subconsumo. Embora não esteja entre os objetivos deste artigo o

enfrentamento desta questão, excelentes revisões críticas podem ser encontradas

em Roldosky(1979), Mandel(1982) e Sousa(1992).

Uma das análises mais complexas e completas sobre a crise econômica

que ocorre no pais nos anos 60 é desenvolvida por Maria Moraes. Esta autora

articula a questão da tendência decrescente da taxa de lucro, em um momento

conjuntural de inflexão cíclica e de dificuldades na agricultura, com o ascenso da

luta política: “A crise de 1964 é pois a unidade de determinações econômicas (as

contradições oriundas do desenvolvimento capitalista brasileiro na década dos

anos 60, apoiado no Estado e no capital estrangeiro, numa conjuntura de baixa do

ciclo industrial e de dificuldades do setor agrário, em que não conseguiram ser

postos em prática mecanismos que contrabalançassem a tendência decrescente

da taxa de lucro ) e políticas ( ascensão do movimento de massa no contexto de

um governo de inspiração democrático-nacional)” (Moraes,1974:46). É

interessante assinalar que Mário Henrique Simonsen, autor com posição política

antagônica aos aqui focalizados, também associa a desacelelação dos

investimentos no início dos anos 60 à instabilidade política que se segue à

renuncia de Jânio Quadros (Simonsen,1969 ). Dentre os autores que estamos

tratando, Francisco de Oliveira reconhece na luta política a principal causa da

crise; Singer também aborda a questão, considerando que a inflação crescente

estimula a ação sindical dos trabalhadores, e provoca, ainda, a radicalização das

reivindicações políticas,
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2. O "milagre" e sua crise

Após o golpe militar de 1964, será implantado o PAEG, buscando controlar

a inflação e realizar um amplo conjunto de transformações institucionais no país.

Estas transformações internas e a conjuntura externa favorável produziriam o

milagre econômico brasileiro, com um crescimento médio do PIB de 11,2% ao ano

entre 1968/73, atingindo o crescimento máximo de 14% em 1973. A indústria de

transformação cresceu à taxa média de 13,3% ao ano (com um crescimento

máximo de 16,6% em 1973), enquanto a indústria da construção cresceu à taxa

média de 15% a. a. Os serviços de utilidade pública, incluindo principalmente a

geração de energia elétrica, cresceram 12,1% a. a. No setor terciário, o comércio

cresceu 11,1% e o setor de transporte e comunicações apresentou uma média de

crescimento pouco superior a 13% a. a. Já o setor primário, em que incluímos a

agricultura, cresceu tão somente 4,5% a. a. (Lago, 1992).

Os dados relativos ao crescimento tornam-se ainda mais impressionantes

quando analisados desagregadamente. O crescimento da indústria de material de

transporte, por exemplo, ultrapassou a média de 20% a. a. nesse período. A

indústria de material elétrico cresceu 28% a. a. no período 1970/73. Já a industria


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da construção civil após um crescimento negativo de 2,8% a. a. entre 1962/67,

apresenta um crescimento de 10,9% a. a. entre 1967/73.

No período 1974/77 os vários setores industriais serão atingidos

desigualmente pela forte redução no ritmo de crescimento. A indústria de

transformação após ter atingido um crescimento médio anual de 14% no período

1970/73, crescerá tão somente 6,6% a.a. no período 1974/77. O setor de bens

duráveis que cresceu à taxa anual de 25,5% no período 1970/73, apresentará um

crescimento médio de 4,5% a.a. no período 1974/77, enquanto o setor de bens de

produção tem o seu crescimento médio de 15,7% a.a. no período 1970/73

reduzido para 8,6% a.a. no período 1974/77 e o sub-setor de bens de capital, que

atingiu um crescimento de 22,5% a.a. no período 1970/73, terá o seu crescimento

reduzido a 8,4% a.a. no período seguinte.

O fim do milagre econômico não significou, portanto, uma recessão como

ocorreu nesse momento nos países desenvolvidos. Aqui, apesar das grandes

variações que os dados anteriores mostram, o PIB manterá um crescimento

médio de 8,3% a.a. no período 1973/76, de 6,2% entre 1976/80 e de 7,1% a.a.

no período 1973/80, taxa exatamente igual ao crescimento médio do PIB

brasileiro de 1947 a 1980 (Serra, 1982).

Mais uma vez as explicações para essa inflexão no ritmo de crescimento

serão diversas. Uns, especialmente aqueles vinculados ao governo e/ou às

teorias econômicas ortodoxas, associam esse quadro aos problemas criados na

economia mundial pelo choque do petróleo de 1973. Outros, enxergarão na

desarticulação das políticas econômicas governamental em resposta à turbulência


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mundial a causa amplificadora da crise, invertendo exatamente a relação causal:

é a crise mesma que provoca essa desarticulação.

Para Serra(1982) a inflexão cíclica a partir de 1974 é “determinada

fundamentalmente pela aceleração da inflação e seus efeitos sobre os salários e

a política de crédito”. Esta aceleração da inflação deveu-se à desproporção inter e

intra-setoriais do crescimento, ou seja, pelo atraso no crescimento do setor de

bens de produção, relativamente aos outros setores industriais.

Singer(1982) e, especialmente, Oliveira(1980), vêem nessa desproporção

entre o crescimento do Departamento produtor de bens de produção ( D I) e do

Departamento produtor de bens de consumo duráveis ( D III) o principal fator

dessa desaceleração do crescimento. Para Singer, a partir de 1973, “o

desenvolvimento das forças produtivas começou a se chocar com uma série de

barreiras ‘físicas’ : o sistema de transporte passou a não dar mais vazão a

volumes acrescidos de mercadorias ( mormente em época de safra); numerosas

matérias-primas ( desde papel até aço) e insumos acabados ( desde material de

embalagem até fertilizantes) passaram a escassear tanto no mercado interno

quanto no externo... A aceleração do ritmo inflacionário, que se registra a partir

daquele ano, apesar de toda a rigidez do sistema de controle de preços, foi o

resultado da contradição entre o impulso cada vez mais poderoso para acumular

e as limitadas disponibilidades reais para fazê-lo”(Singer, 1982, p.117).

Aqui vemos que Singer aplica para a análise desse período o diagnóstico

desenvolvido nos anos 60, quando explicita sua visão geral sobre as crises

capitalistas: “ A possibilidade das crises no capitalismo é dada pela ‘anarquia da

produção’... Desta maneira, o crescimento da produção tende a acelerar-se até


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que sejam encontradas as barreiras físicas à expansão, contra as quais o impulso

a acumular se choca, o que ocasiona a crise, a partir da qual os indicadores do

mercado invertem seu sentido, levando ao decréscimo da acumulação, o que

produz a depressão ou, quando moderada, a recessão.” (SINGER, 1982: 126).

Esta interpretação de Singer é o caso clássico de crise de desproporção, o que

coloca sérios problemas na sua aplicação para a explicação da crise brasileira,

ao não considerar as especificidades deste crescimento.

Francisco de Oliveira também localiza nessa desproporcionalidade o

principal fator da desaceleração do ritmo de crescimento econômico. Mas aqui o

autor faz uma qualificação de importância fundamental: em um processo de

industrialização liderado pelo capital estrangeiro, através de investimentos diretos

e financiamentos, mas com a produção voltada para o mercado interno, tendem a

ocorrer sérios problemas de circulação internacional de capitais, na insuficiência

de geração de meios de pagamentos que possibilitem a efetivação dessa mesma

circulação. Essa industrialização liderada pelo D III (bens duráveis) leva à atrofia

relativa do D I ( bens de produção ), que esta localizado parcialmente no exterior

e para onde serão desviados os estímulos desse crescimento do D III,

exatamente como mostra o intenso crescimento das importações de bens de

produção nos anos do ‘milagre’ : a participação das importações na oferta de

bens de capital passa de 27,17% em 1967 para 37,47% em 1975. Isto

pressionará a balança comercial, que somado às necessidades crescentes da

conta de serviços devido à remessa de lucros, despesas com licenças etc, e

especialmente, ao pagamento do serviço da dívida externa, repõe de forma

ampliada as tradicionais crises do balanço de pagamentos, que desaguará na


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crise das dívidas nos anos 80 : “O padrão de acumulação baseado na

predominância do D III entrou em agonia, não por nenhum esgotamento do

mercado ou outros argumentos do mesmo jaez; entrou em agonia bloqueado pela

intensidade de requerimentos do D I que a própria expansão estimulou. E este

esgotamento se dá principalmente pela contradição entre uma industrialização

voltada para o mercado interno e o controle externo da propriedade do capital do

D III, que requer o contínuo, e em elevação, retorno da fração dos lucros à

circulação internacional do capital” (Oliveira, 1980: 107). Como assinalamos, o

autor já apontava em 1972 a chamada “dessubstituição de importações” de bens

de capital como elemento potencialmente causador de crise.

Mantega (1980) critica as várias visões que associam a crise pós-milagre à

desproporcionalidade departamental, consubstanciada na atrofia relativa do DI,

bem como as várias análises de corte sub-consumista: “A nova fase recessiva

será explicada menos como o fruto de uma desconexão entre vários setores

produtivos ( anarquia da produção ) ou ainda como uma deficiência do mercado

consumidor, mas sim pelos mecanismos estabelecidos pelos monopólios

internacionais, mancomunados com capitais locais e o Estado, para a

expropriação crescente do excedente nacional” (Mantega,1979:52). Aqui, apesar

da crítica à questão da desproporcionalidade, devemos ressaltar a proximidade

desta análise com a de Oliveira (1980), centrada na ‘dependência’ financeira do

pais com relação ao capital internacional. Na verdade, a visão de Oliveira centra-

se no uso dos esquemas de reprodução para a análise de uma economia

capitalista dependente, antecipando, assim, o tratamento dado por Souza(1992) à

questão.
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Uma das visões consideradas por Mantega (1979) e por Mantega& Morais

(1979) como sub-consumista é a interpretação sobre a economia brasileira

apresentada pelos autores vinculados à UNICAMP e ao IEI da UFRJ:

Tavares&Belluzzo ( 1978 ), Serra ( 1982 ) e Lessa ( 1978 ), por exemplo, insistem

em que se a desproporcionalidade traz problemas para a economia, ela em si

não é um empecilho à continuidade do crescimento, pois apesar do aumento das

importações de bens de produção, não houve dificuldades para o financiamento

dessas importações nesse período. Para esta linha interpretativa da economia

brasileira, o caráter cíclico da acumulação é dado exatamente por esta

desproporcionalidade, tão somente na medida em que o D I não é amplo o

suficiente para permitir a continuidade do crescimento centrado nele próprio

(produzir aço, para construir máquinas e equipamentos, para produzir aço...,num

esquema auto reprodutivo à la Tugan-Baranovski ), enquanto os setores de bens

de consumo duráveis e não-duráveis são relativamente limitados. Segundo

Tavares&Belluzzo (1978) o setor de bens duráveis apresenta-se sobre-acumulado

no período 1970/73 (taxa de acumulação de 35% em 1973 !). O setor de bens de

consumo não duráveis além da suas limitações devido à contenção dos salários,

não apresenta condições de alavancar a produção de bens de produção

exatamente pelo seu caráter de subordinação estrutural. Essa incompatibilidade

entre as taxas de acumulação e de crescimento da demanda de bens duráveis de

consumo vai provocar o que Belluzzo&Mello (1977) chamam de problemas de

realização dinâmica, seguindo a interpretação kaleckiana. Bresser Pereira (1982)

critica esta posição, afirmando que neste momento está ocorrendo uma crise

cíclica de sobreacumulação, semelhantemente aos anos 60. Para este autor, a


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crise clássica de desproporção ocorre de forma contrária ao que afirma Maria

Conceição Tavares em Ciclo e Crises: a crise de desproporção seria um subtipo

de crise de subconsumo, que ocorre quando a indústria de bens de capital cresce

mais rapidamente que a indústria de bens de consumo, provocando afinal

capacidade ociosa na primeira.

3. A lei da queda tendencial da taxa de lucro

Constata-se, entretanto, que quase todos os autores que analisam a crise,

inclusive os que utilizam as categorias marxianas, não consideram a variável taxa

de lucro em sua análise, como nos recomendam os bons e velhos clássicos. A

taxa de lucro até pode surgir, en passant , reforçando uma argumentação ou

outra, mas nunca como a categoria central de análise. Como exceções, devemos

considerar os artigos de Mantega (1980) e Mantega&Moraes (1980), embora esta

categoria seja considerada mais qualitativamente, sem o apoio de estudos

empíricos. Um dos poucos autores que dão grande importância a esta categoria

em suas análises é Bresser Pereira, apesar de usar um pouco livremente as

categorias marxianas. Para este autor existe a possibilidade de reversão do ciclo

devido a elevação da composição orgânica do capital, causada por investimentos


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capital-intensivos na sua fase ascendente. Isto eleva a relação capital-trabalho e

diminui a relação produto-capital, diminuindo conseqüentemente a taxa de lucro.

Apesar deste autor considerar a explicação vinculada à tendência declinante da

taxa de lucro como inadequada para explicar ciclos curtos, ele afirma que este

referencial teórico ajuda a explicar a crise de 1962, considerando o grande

aumento da intensidade de capital no período anterior - Plano de Metas - bem

como o encarecimento dos bens de capital importados, com a retirada dos

subsídios cambiais à sua importação existentes desde os anos cinqüenta(Bresser

Pereira, 1982).

Dados de Serra(1982:102-3) mostram uma queda na relação capital-

produto entre 1955-61, um aumento entre 1962-67, uma nova diminuição entre

1968-73, com a relação voltando a crescer no período 1974-81, certamente em

decorrência dos investimentos do II PND. Se para Bresser Pereira a explicação

baseada na queda da taxa de lucro é consistente para 1962-67, também deveria

sê-lo para o período 1974-81, quando cresceu a relação capital-produto e a taxa

de lucro caiu de 21,4% em 1974, para 10,7% em 1979, segundo

Bonelli&Guimarães(1981), autores citados pelo próprio Bresser Pereira.

Um trabalho recente de Adalmir Marquetti traz uma contribuição

extremamente interessante para a verificação empírica das categorias marxianas

na indústria brasileira. O autor calculou a taxa de mais valia, a composição do

capital (uma proxy para a composição orgânica do capital, conforme Foley(1986),

e com ela correlacionada negativamente), a taxa de rotação do capital e a taxa de

lucro na indústria manufatureira brasileira para o período 1949-1985. O objetivo

era verificar as hipóteses desenvolvidas por Serra (1982) e


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Tavares&Belluzzo(1982) para a crise dos anos 70. Este trabalho é um dos poucos

a tratar do tema no Brasil, retomando questões já abordadas também

solitariamente por Rosinger (1988), calculando a taxa de mais valia, a composição

orgânica do capital e a taxa de lucro na economia brasileira, nos anos de 1970 e

1975.

Segundo Marquetti, a taxa de lucro começa a cair em 1974, em um

movimento descendente que se prolonga até 1981 (Marquetti,1998:767). A

origem desta crise encontra-se no aumento da composição orgânica do capital,

seguindo a clássica explicação marxiana. Os dados mostram que durante o

período de ouro do Processo de Substituição de Importações (1949 - 1973), o

crescimento da taxa de mais valia foi suficiente para compensar o aumento da

composição orgânica do capital. Assim, o mark-up, a taxa de rotação do capital e

a taxa de lucro cresceram neste período. No período em que ocorre a crise dos

anos 70 (1973 - 1985), não só ocorre a redução da taxa de mais valia, como há

um forte aumento na composição orgânica do capital. Resultando na queda do

mark-up e da taxa de lucro, apesar da expansão da taxa de rotação do capital. "

Uma análise detalhada da taxa de lucro nos anos 70 revelou que a crise brasileira

tem sua origem no declínio da composição do capital. Este resultado contradiz os

economistas estruturalistas. Eles consideram que a crise tem sua origem na

esfera da realização. A análise apresentada neste trabalho indica que a crise tem

sua origem na redução da composição do capital (aumento da composição

orgânica do capital, JIB), seguindo a mais tradicional explicação marxiana"

(Marquetti, 1998:771)
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Conclusão

As explicações de corte marxista para as crises econômicas brasileiras dos

anos 60 e 70, quase sempre consideram a questão da desproporcionalidade

departamental como ponto de partida. Enquanto Singer tende a priorizar esta

explicação, considerando-a como o paradigma clássico de explicação das crises

capitalistas, autores com Francisco de Oliveira buscam articular esta questão com

o controle externo de nossa economia e suas conseqüências. Os autores ligados

à chamada Escola da Unicamp associam a desproporcionalidade à dificuldade da

realização dinâmica, procurando articular questões estruturais da estrutura

produtiva com a esfera da circulação.

Estas análises tendem quase sempre a abordar a problemática da crise

de forma ambígua, misturando explicações e níveis de análise, quer dentro do

referencial teórica marxista, quer utilizando aportes keynesianos e/ou kaleckianos.

Mesmo um autor rigoroso e criativo como Francisco de Oliveira, ao tratar da crise

dos anos 60, inicialmente avança explicações a partir do enfoque político, depois

associa a crise à desproporcionalidade e à sobreacumulação a la Dobb, e conclui

com a questão da crise de realização. Se todas estas contradições estão

efetivamente presentes no complexo movimento do real, cabe à investigação

científica avançar na determinação da contradição principal, e como as

contradições secundárias participam do processo.

São poucas as explicações baseadas na queda tendencial da taxa de lucro,

apesar da importância deste enfoque para a análise de uma economia que


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atravessou profundas transformações em sua estrutura produtiva. Neste sentido é

importante o registro dos trabalhos de Moraes e Mantega&Moraes, apesar do

tratamento mais qualitativo que deram à questão. A recente abordagem de

Marquetti associando a queda da taxa de lucro nos anos 70 com a elevação da

composição orgânica do capital é extremamente bem-vinda, considerando a falta

de trabalhos empíricos apoiados na visão teórica marxiana. Sua análise de um

período tão importante de nossa história econômica certamente irá estimular

novas revisões e qualificações, com o uso de um rico instrumental teórico que

estava sendo pouco utilizado nos últimos anos.

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industrialização recente no Brasil, in Belluzzo&Coutinho, op. cit.
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