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Curso de Capelania Cristã

Volume 03

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Curso de Capelania Cristã

Capítulo 3

O desequilíbrio das estruturas humanas


A qualidade de vida é uma riqueza, que se perde quando a vida entra em
desequilíbrio e as coisas não estão bem harmonizadas. Diferente capítulo anterior,
agora não se trata do ambiente externo, mas do ambiente interno e seu contexto
individual. É importante saber, o ser humano é um ser “biopsicossocioespiritual”,
ou seja, um ser que tem aspectos biológicos, psicológicos, sociológicos e espirituais.
É claro que, teologicamente falando, o ser humano é composto por três partes,
chamadas de tricotomia - corpo, alma e espírito -, assim, se não há harmonia nessa
tricotomia, o homem começa a entrar em certa falência. Por exemplo, se essa
pessoa passa por um pesar muito grande, começa a ter sua imunidade diminuída,
pode entrar em uma depressão, surgir sentimento de angústia e seu corpo pode
manifestar até perda de apetite, até sua própria fé pode começar a oscilar. Então,
quando alguma coisa acontece que possa prejudicar algumas dessas esferas, todo
o corpo entra em desequilíbrio e a vida vai se perdendo nesse sentido. Em um
aspecto mais amplo, o homem precisa de harmonia no seu contexto emocional,
psicológico, social e espiritual - que é sua relação com o transcendente - no meio
em que vive e também nos seus aspectos biológicos. O mundo onde vivemos
conspira contra isso pois é totalmente desequilibrado e isso cria uma série de
problemas que impedem uma vida abundante. Precisamos lembrar que Deus criou
o ser humano para ser feliz, habitar em um lugar de harmonia e paz. Deus colocou
à disposição do homem todas as bênçãos, tanto que a Bíblia apresenta o paraíso
como um “jardim” (Éden), pois natureza e o ser humano foram feitos para uma
relação harmônica. O homem desfruta dessa plenitude biopsicosocioespiritual,
quando está bem com Deus, com seu semelhante e com a natureza.

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Infelizmente, uma série de situações pode acabar trazendo certo desequilíbrio em


uma área ou em outra. Um exemplo bíblico que ilustra bem isso são as ações de
Jesus, que buscou agir em muitas dessas situações. Quando o problema era físico,
Ele procurava ministrar cura, quando o problema era social, Ele procurava
trabalhar com esse foco, ou quando o problema era emocional, Ele também sabia
ser resposta. Um texto bastante interessante narra o momento em que Jesus vai
até Samaria (João 4). Analisando bem a conduta de Jesus, percebemos como Ele
atua nas esferas biológica, psicológica, social e espiritual (O capelão muitas vezes
tem que saber trabalhar nesses contextos porque essa é a função da Capelania).
Então Jesus vai à Samaria, no poço de Jacó, e encontra uma mulher que vai tirar
água do poço. Essa mulher vai sozinha, no horário mais quente do dia, para uma
tarefa um pouco pesada. Chegando ao poço, Jesus conversa com ela, deixando-a
espantada, por Ele ser judeu e estar falando com uma samaritana. E Jesus diz: “Se
soubesse quem eu sou, você me pediria água da vida”. Jesus continua conversando
e ministrando àquela mulher, que depois volta ao povoado fazendo com que
aquelas pessoas fossem ao encontro dEle. Se formos notar algumas coisas, aquela
mulher, em primeiro lugar, deveria ser alguém a quem ninguém dava crédito
naquela cidade, pela sua condição moral. Era desacreditada, vivendo debaixo de
um preconceito tremendo, talvez até vivesse enclausurada, sem amigos.
É interessante notar que algo move o coração da mulher, possivelmente foi
excluída do seu grupo social e sofreu coisas que afetaram sua vida psicoemocional.
Talvez ela tivesse uma dificuldade biológica, precisando ir tirar água do poço em
um horário que ninguém ia para não sofrer discriminação ou até mesmo risco de
morte, pois vivia em uma sociedade machista, principalmente na questão espiritual;
ela tinha uma dúvida: “Onde é o lugar em que Deus pode agir na minha vida?” No
entanto, Jesus não rotulou a mulher, Ele a tratou muito diferente de como aquela
sociedade fazia, dizendo que ali havia uma “mulher da vida” ou imoral.

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Ao contrário, quando diz “se você soubesse quem está aqui, você pediria água da
vida e receberia”, Ele demonstra que está disposto a dar o melhor que Ele tinha.
Jesus a trata sem qualquer preconceito e apresenta a graça de Deus, para que
aquela mulher pudesse ter uma vida diferente da que vivia.
E, por último, Jesus não olhou o histórico daquela mulher, apesar de Ele
saber da sua história. Mas, independentemente disso, Jesus trouxe identidade e
uma valorização do ser humano para uma mulher que vivia nas desestruturas do
local onde morava. Era uma mulher que, talvez, tenha atravessado aquilo que
jamais podemos imaginar, porque se ela teve cinco maridos, ninguém sequer
imagina o que ela pode ter passado na mão de cada um deles.
Tratava-se de uma mulher que estava tentando se encontrar na vida, vivia
em uma cidade pequena e talvez vivesse toda sorte de discriminação e preconceito.
Jesus então olha para todas essas coisas e vai sendo a resposta para cada uma
dessas situações. Aquela mulher começou a se ver de uma maneira tão diferente
que ela consegue convencer aquelas pessoas (que talvez não dariam o mínimo
crédito a ela) a irem conhecer aquele que realmente trouxe algo diferente em sua
vida. Além das palavras, a maneira que Jesus trabalhou a situação (o desequilíbrio,
o politicamente incorreto e o distúrbio moral) fez com que aquela samaritana se
sentisse tratada como jamais havia sido em toda a sua vida. Apesar da sua
condição exterior e histórico, Jesus olhou um ser humano desestruturado e com
uma vida em desequilíbrio, ao perceber essas coisas, Ele procurou proporcionar
equilíbrio no aspecto biológico, psicológico, social e espiritual, e, mesmo com todo
o seu histórico, ela partiu sabendo que Jesus a amava muito. É isso que o capelão
precisa entender, apesar da história, idade, condição, e tudo o mais, precisamos
levar equilíbrio e orientação para muitas pessoas perdidas e desajustadas. Então,
vamos aprender algumas coisas importantes.

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Em primeiro lugar, precisamos ter clareza de nosso valor como ser humano;
precisamos entender que Deus nos ama também e precisamos enxergar a nossa
vida com amor-próprio. Precisamos aprender a amar nossos dons, talentos,
habilidades e biótipos, precisamos realmente nos amar, sabendo que nascemos
com um propósito e um chamado e que nossa vida é importante pois temos algo
para oferecer. Talvez aquela mulher pudesse pensar que Deus não a amava e que
a sociedade não a amava; quem sabe sofreu horrores nas mãos dos maridos,
poderia se sentir a pessoa mais indigna do mundo e talvez tenha perdido o amor
por si mesmo e estava apenas sobrevivendo. Mas Jesus deixa bem claro que ela
tinha valor e nós precisamos entender que a vida humana tem valor, como a Palavra
de Deus diz: “Uma vida vale mais do que o mundo inteiro”. A Declaração Universal
dos Direitos Humanos fala que o valor humano é imensurável, não existe um preço
para uma vida e você precisa valorizar o ser humano começando por você.
Valorizar a sua vida no aspecto biológico, precisa cuidar de você, buscar qualidade
de vida no seu aspecto emocional, valorizar sua mente e seu coração, recebendo o
valor que Deus te deu quando Ele te trouxe à existência. O fato de você estar vivo
hoje não é por um acidente de percurso, mas sim porque o Criador de todas as
coisas entendeu que era muito importante trazê-lo à existência nesse momento e
lugar para cumprir um propósito divino e maravilhoso.
Em segundo lugar, precisamos entender o valor das pessoas, mas não
vamos chegar a essa compreensão sem entender nosso próprio valor. Como diz o
versículo bíblico, “Ame o próximo como a si mesmo”, se não nos amamos, não
amaremos o outro. Muitas vezes só vamos sentir a dor do outro quando passarmos
por ela e é muito importante esse sentimento da compaixão, pois, o valor do ser
humano é independente e inalterado a qualquer situação que esse ser humano
possa estar vivendo. Um exemplo muito interessante sobre isso foi relatado por um
professor meu, que, certa vez me contou que estava andando na via marginal de
São Paulo e viu um carro com problema parado no acostamento com três moças.

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Ele parou para ajudar, e quando se aproximou, percebeu que não eram moças, e
sim rapazes, que tinham uma opção sexual diferente. Então ele teve que começar a
lutar com seu preconceito, discriminação e desejo de ir embora, mas pensou: “Esses
rapazes também são seres humanos, se fossem moças eu não iria ajudar? Por que
eu não vou ajudar só porque eles têm opção sexual diferente da minha?” Resolveu
então se colocar à disposição ajudando aquelas pessoas. Por fim, aqueles
transexuais queriam agradecer a ajuda e o chamaram para tomar um café. Aí vem
o segundo teste: “E agora? Tomar ou não café com aquelas pessoas? Se fossem
moças eu iria. O que vão pensar de mim?” Então pensou novamente: “São seres
humanos!” Então explicou que entendia a opção deles em relação a essa área e
aceitou o convite. A partir daí ele pôde conhecer melhor as diferentes realidades,
tendo a oportunidade de exercer uma ação que foi importante, colaborando demais
com aquelas pessoas. Portanto, o valor do outro não depende das escolhas do
outro. Se fosse assim, Jesus não teria morrido para todo aquele que crê, Ele só teria
morrido por alguns. Mas a Palavra de Deus diz: “O amor do Senhor alcançou todas
as pessoas e tem todo tipo de gente nesse mundo”.
O terceiro item importante que o capelão deve entender é o valor da vida
saudável. Quando trabalhamos na Capelania, outra coisa que precisamos buscar,
para nós e o outro, é qualidade de vida. Se for em um presídio, onde as pessoas
ficam expostas a muitas situações que podem trazer realmente dificuldade e
prejuízos à saúde física, bem como os hospitais, então precisamos entender a
importância da vida saudável para que nós possamos ajudar o outro, pois se você
não entender como isso é importante, talvez a sua dinâmica ou o seu processo nos
lugares onde você está não serão tão relevantes. Nós só entendemos o valor da vida
saudável quando buscamos ter uma vida saudável. Portanto, o capelão precisa ser
um modelo de vida saudável, de prática de esportes, de pessoa que lê (qualidade
de vida intelectual) e que busca harmonia emocional e psicológica.

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É preciso cuidar de si mesmo para poder cuidar do outro, e incentivar a


alimentação e prática de exercícios, eliminar os excessos e procurar o equilíbrio.
Precisamos entender o nosso valor, o valor do outro e o valor da vida que vivemos.
Você pode ter dinheiro, carro, casa e viver no melhor lugar do mundo e não ter uma
vida saudável. É melhor viver em um lugar simples, ser mais comedido e ter saúde,
isso é o que importa. Finalizando, precisamos entender o limite da vida, ou seja,
aquilo que prejudica e tira a vida, os excessos, desequilíbrio e falta de harmonia;
por exemplo, vivemos desajuste financeiro, competitividade profissional, baixa
autoestima, crises emocionais, ausência de justiça social, sonhos não realizados,
má alimentação, senso de urgência, sedentarismo, excessos nas mais diversas
áreas, drogas, abandono, violência e outros fatores, todos esses aspectos somados
geram duas das grandes síndromes da atualidade: estresse e depressão.
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam a depressão como
a doença psiquiátrica mais diagnosticada, atualmente com mais de 350 milhões de
pessoas acometidas no mundo. O capelão é o portador do sentido da vida para as
pessoas que vivem mergulhadas em um vazio existencial por não conseguirem lidar
de maneira equilibrada com os infortúnios da vida. De acordo com a OMS, o
suicídio está entre as três maiores causas de morte, nas idades entre 15 e 35 anos.
O desequilíbrio na vida dessas pessoas é tão grande que chega um momento que
elas não suportam mais viver e a saída que encontram é cometer suicídio. Por isso,
você não pode desprezar nenhum sintoma. É muito triste quando alguém está
sofrendo alguma situação depressiva e as pessoas falam que é frescura, bobeira
ou falta de serviço, isso agrava ainda mais e deprecia a valorização da pessoa.
Precisamos ter cuidado com as nossas palavras. Outras estatísticas demonstram
que de 30% a 40% dos indivíduos, em alguma fase da vida, sofrem de insônia. E
muitos não conseguem dormir por falta de harmonia ao seu redor. Vivemos num
mundo caótico, como alguém que trabalha na capelania, você precisará levar
conforto a pessoa para auxiliá-la a sobreviver no meio desse caos.

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O Brasil registrou, em 2012, o maior número absoluto de assassinatos, a projeção


só tem aumentado cada vez mais e as pessoas têm tirado a vida uma das outras,
ou seja, estão perdendo o valor do outro ser humano. O SUS recebeu em seus
hospitais e clínicas uma média de duas mulheres por hora com sinais de violência
sexual. Então, a falta de harmonia e o desequilíbrio humano estão dentro de casa,
na vizinhança, na rua e em todo lugar. Tudo isso gera uma enfermidade gigante,
não só no corpo, mas na alma, e o capelão precisa ter esse entendimento de que
esse é o mundo em que estamos vivendo e, nesse momento, a sua postura, atitude
e percepção de como ele percebe o mundo, bem como buscar a harmonização entre
essas coisas, é o que vai fazer toda a diferença nesse ofício. Não vivemos em um
mundo cor de rosa, por vezes é um mundo nublado, sombrio e com trovoadas, o
capelão tem um guarda-chuva para ajudar ao menos uma pessoa a se abrigar,
exercendo a Capelania em momentos de caos nos lugares tempestuosos.

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