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A política científica e tecnológica no Brasil

e a racionalidade inovacionista
TILDO JOSÉ FURLAN JUNIOR*

Resumo: A política de ciência e tecnologia no Brasil é permeada atualmente por um


viés inovacionista, ou seja, é marcada por ações baseadas em uma racionalidade que
compreende a inovação tecnológica no setor empresarial como condição suficiente
para a ampliação da competitividade das empresas nacionais e como artificio para a
promoção do desenvolvimento econômico e social do país. Este artigo busca debater
o recente cenário da inovação tecnológica no Brasil, de modo a propor uma reflexão a
respeito das características e limites da política de ciência e tecnologia de viés
inovacionista. Para tal, busca revisitar de forma breve a trajetória recente da Política
de Ciência e Tecnologia (PCT) brasileira, principalmente a partir da segunda metade
da década de 1990, a fim de entender sua estrutura e sua dinâmica, suas diretrizes
principais, o papel de suas principais instituições e seu arcabouço legal. Diante disso,
discute os impactos da PCT no que diz respeito à efetividade da geração de inovações
na estrutura econômica brasileira por meio da análise de um importante instrumento
estatístico, a PINTEC (Pesquisa de Inovação Tecnológica).
Palavras-chave: Ciência; tecnologia; inovação; política pública.
Science and technology policy in Brazil and the inovationist rationale
Abstract: Brazilian science and technology public policy today is permeated by an
innovationist aspiration. It is marked by the promotion of technological innovation in
the business sector as a strategic element for increasing the competitiveness of
domestic firms and as an artifice to promote economic and social development. This
article seeks to unravel the phenomenon of technological innovation in Brazil, or even
the lack of technological innovation in the Brazilian economy. To this end, it seeks to
revisit briefly the recent trajectory of the Science and Technology Policy (STP) in
Brazil, mainly from the second half of the 1990s in order to understand its structure
and its dynamics, its main principles, the role of its main institutions and its legal
framework. Therefore, discusses the impacts of the STP regarding the effectiveness of
the generation of innovations in Brazilian economic structure through the analysis of
an important statistical tool, PINTEC (Technological Innovation Research).
Key words: Science; technology, innovation; public policy.

*
TILDO JOSÉ FURLAN JUNIOR é Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Política
Científica e Tecnológica (PPG-PCT) do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e bolsista do CNPq.

1
1. Introdução palavras, espera-se que a inovação
constitua o mecanismo capaz de alterar
Este trabalho busca discutir um tema
as condições estruturais da economia
que ocupa lugar de crescente destaque
brasileira, conferindo competitividade
na agenda governamental assim como
ao capital nacional e alargando as suas
faz parte do debate acadêmico acerca da
bases de acumulação. Nesse sentido, a
competitividade da economia nacional:
ideia é de que as empresas brasileiras
a questão da inovação, ou ainda, da
adotem um comportamento
escassez de inovações tecnológicas no
“schumpeteriano” e transformem a
Brasil.
prática inovativa em elemento
O termo “inovação” tem se tornado dinamizador da atividade econômica, de
cada vez mais presente no discurso forma a criar produtos que lhes
governamental dos últimos anos. A confiram lucros extraordinários,
racionalidade inovacionista – destruindo as velhas formas de
perspectiva reducionista que entende a organizar a produção e criar novas
inovação tecnológica como condição estruturas produtivas.
suficiente para a promoção do
Partindo dessas reflexões, o artigo
desenvolvimento econômico e social de
discute a recente ascensão da
um país – tem influenciado fortemente a
racionalidade inovacionista no Brasil.
conformação da agenda da política
Ele está dividido em duas partes
científica e tecnológica brasileira ao
principais, além desta introdução. A
longo das últimas duas décadas
primeira delas busca retomar
(OLIVEIRA, 2011).
brevemente a trajetória recente da
A partir desse momento, a atuação dos Política de Ciência e Tecnologia (PCT)
atores institucionais e as prerrogativas brasileira, discutindo em linhas gerais
legais na área de ciência e tecnologia os elementos que delimitam esta
têm sido pensadas a partir de um grande política no Brasil. A segunda parte
e claro mote: a promoção de atividades busca discutir os impactos da PCT no
inovadoras na economia brasileira. que diz respeito à efetividade da
Nesse sentido, o setor empresarial geração de inovações tecnológicas na
nacional deveria configurar-se como estrutura econômica brasileira por meio
ator central desta política pelo fato de da análise de um importante
que se encontra nas empresas o locus instrumento, a PINTEC (Pesquisa de
principal de irradiação da inovação Inovação Tecnológica, realizada pelo
tecnológica. IBGE), cujos resultados trazidos em sua
O estímulo à promoção de inovações edição mais atual evidenciam os baixos
nas empresas brasileiras cada vez mais índices de inovação na economia
faz parte das diretrizes de órgãos como brasileira.
a Financiadora de Estudos e Projetos 2. Resultados do fortalecimento do
(FINEP) e do Ministério de Ciência, discurso da inovação
Tecnologia [e, desde 2012] e Inovação
A ascensão da racionalidade
(MCTI) e reflete a preocupação mais
inovacionista no âmbito da política
geral da política de que a inovação
científica e tecnológica brasileira pode
tecnológica, em produto ou processo,
ser observada a partir das mudanças na
seja o instrumento responsável pela
política em uso (ou “explícita”). Aqui
dinamização da economia e geração de
destacamos alguns dos resultados –
desenvolvimento social. Em outras
instrumentos de política novos ou

2
reestruturados para incorporar quarta e atual geração da PCT
efetivamente a inovação tecnológica em brasileira. Segundo essa autora, a
sua agenda – da mudança discutida concepção dos fundos foi baseada em
anteriormente. “teorias de inovação que visam tanto
mobilizar o conjunto de agentes do
Fundos Setoriais de Apoio do processo inovativo, em especial o
Desenvolvimento Científico e segmento empresarial, como estimular a
Tecnológico interação entre eles” (p. 58).
Os Fundos Setoriais visam promover o Esse formato institucional criado com
desenvolvimento científico e os Fundos Setoriais, segundo Bagattolli
tecnológico por meio de “apoio (2008), conferiu ao setor produtivo o
financeiro a programas de pesquisa papel de ator central no processo de
científica e tecnológica cooperativa inovação e definiu o mecanismo dos
entre universidades, centros de pesquisa arranjos cooperativos universidade-
e centros tecnológicos” (FINEP, 2011) e empresa como o principal instrumento
se dividem em grupos: são catorze para a promoção do financiamento e
Fundos relativos a setores específicos, execução da pesquisa científica e
dois de natureza transversal e dois de tecnológica dentro das empresas. No
caráter especial. Os fundos de natureza entanto, apesar dos recursos dos fundos
específica foram criados com o intuito terem como origem e principal destino
de serem fontes complementares de as empresas, apenas 18% do comando
recursos e auxiliar na promoção do dos comitês gestores é de
financiamento para o desenvolvimento responsabilidade da classe empresarial
de setores estratégicos para o Brasil. Os (apud BAGATTOLLI, 2008).
dois fundos de natureza transversal são Bagattolli (2008) discute a participação
destinados a promover a interação entre das empresas nos projetos financiados.
universidade e empresa e a apoiar a Sua análise revela que a despeito do
melhoria da infraestrutura das estímulo dado pelos Fundos Setoriais, a
Instituições Científicas e Tecnológicas – participação empresarial se revela
ICTs (FINEP, 2011). minoritária: “os fundos setoriais ainda
Alguns autores afirmam que a não têm logrado atingir o objetivo
percepção a respeito da criação dos estratégico de estimular as relações
Fundos foi fundamentada de acordo entre instituições de pesquisa e
com teorias de setorialidade, e que as empresas” (VELHO, et. al, 2006;
mudanças trazidas com a introdução PEREIRA, et. al 2007; GALVÃO,
dessa perspectiva no sistema de C&T 2007; apud BAGATTOLLI, 2008).
brasileiro basearam-se “mais na Pereira (2005) afirma que os Fundos
oportunidade de vincular recursos ao Setoriais são instrumentos de política e
setor de ciência e tecnologia do que de financiamento das ações do MCT
propriamente para alcançar maior nível bastante relevantes, a ponto de serem os
de aproveitamento na aplicação dos responsáveis por aproximadamente 30%
recursos disponíveis” (PEREIRA, 2005, dos investimentos em C, T&I do MCT,
p. 9). no ano de 2003. A despeito disso,
De acordo com Bagattolli (2008), a segundo este autor, as projeções e
política de Fundos Setoriais que teve expectativas de impacto dos
início em fins da década de 1990, investimentos nos Fundos Setoriais não
marcou o começo do que ela chama de foram alcançadas devido às seguintes

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razões: contingenciamento investimentos seriam conduzidos com o
orçamentário, que retirou dos recursos intuito de fortalecer a relação entre as
previstos para serem aplicados por instituições de ensino e pesquisa e os
intermédio dos Fundos Setoriais um agentes empresariais, o que seria
montante de R$ 1,67 bilhão, quantia fundamental para ampliar a geração,
maior do que o valor investido pelos aquisição e difusão de conhecimentos
próprios Fundos Setoriais (R$ 1,53 no País.
bilhão); e tendência de queda da A Estratégia Nacional de Ciência,
capacidade de investimento do MCT a Tecnologia e Inovação (ENCTI),
partir de 1996, “tendo os recursos lançada em 2012, dá continuidade a
aportados pelos FSs servido mais para esse plano. A ENCTI enfatiza o
recompô-la em seus patamares discurso inovacionista na medida em
históricos do que para propriamente que reforça a crença na importância da
aumentar as inversões desse órgão inovação para desenvolver o País. Nas
governamental” (PEREIRA, 2005). palavras do documento oficial do plano:
A ENCTI ratifica o papel
O PACTI indispensável da inovação no
O Plano de Ação em Ciência, esforço de desenvolvimento
Tecnologia e Inovação – PACTI – foi sustentável do País, com ênfase na
geração e apropriação do
lançado pelo Governo Federal em 2006
conhecimento cientifico e
e consiste em uma série de afirmativas
tecnológico necessário à construção
que versam sobre as linhas básicas e de uma sociedade justa e solidaria e
diretrizes de atuação do Ministério da de um ambiente empresarial mais
Ciência, Tecnologia e Inovação competitivo no plano internacional
(MCT&I). O Plano é estruturado em (MCT&I, 2012).
torno de quatro prioridades estratégicas,
Nesse sentido, a ENCTI não destoa de
a saber: I) Expansão e consolidação do
outros documentos de política pública
SNCTI; II) Promoção da Inovação
que têm sido publicados nos últimos
Tecnológica nas Empresas; III) P&D e
anos. Pelo contrário, explicita a
inovação em Áreas Estratégicas; IV)
importância da inovação tecnológica no
C,T&I para o Desenvolvimento Social.
âmbito da Política de Ciência,
As diretrizes do PACTI apontam para Tecnologia e Inovação (PCTI) e
um cenário em que só haverá uma apresenta uma síntese bastante
efetiva expansão da capacidade de organizada dos principais elementos que
pesquisa científica e tecnológica no País conformam o discurso inovacionista.
se for mantida a política de
consolidação, ampliação e apoio à
capacitação científica e tecnológica do Lei da Inovação
País. O grande objetivo do PACTI é a A Lei de Inovação é um importante
busca pelo equilíbrio na articulação do instrumento legal criado para fomentar
suporte às instituições de ensino e a inovação no Brasil. Responsável por
pesquisa e a capacitação tecnológica e estabelecer mecanismos que tem por
inovativa do setor empresarial. O apoio objetivo estimular a inovação no País, a
à infraestrutura e à pesquisa seria Lei nº 10.973, de 02/12/2004 criou
mantido ao mesmo tempo em que condições para constituição de parcerias
haveria investimentos na capacidade estratégicas e cooperação entre
inovativa das empresas. Tais

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universidade, institutos de pesquisa que o governo federal, as ICTs e as
públicos e empresas privadas, com a agências de fomento promovam e
finalidade de intensificar as atividades incentivem por meio de convênios ou
de P, D&I e aumentar o número de contratos específicos atividades de
inovações. P&D, tendo como objetivo a satisfação
das demandas da política industrial e
Importantes avanços dentro dos quadros
tecnológica nacional. Esse ponto, no
dessa lei foram: permitir a participação
entanto, configura-se como um dos
minoritária do governo federal no
problemas da Lei, já que não são
capital de empresas privadas de
delimitadas quais são as prioridades que
propósito específico que tenham como
devem ser perseguidas. O texto da Lei
escopo o desenvolvimento de
discorre ainda sobre a promoção de
inovações; permitir que o governo
programas específicos pelas agências de
federal conceda recursos financeiros sob
fomento que visem estimular à inovação
a forma de subvenções econômicas,
nas micro e pequenas empresas. A Lei
financiamentos ou participações
autoriza, finalmente, a criação de
acionárias; obriga as ICTs a possuírem
fundos de investimento em empresas
um núcleo de inovação tecnológica que
cuja atividade principal seja a inovação
seja capaz de gerir sua própria política
(BRASIL, 2004).
de inovação e manter a qualidade dos
seus processos de pesquisa. Essa Lei Dessa forma, nos termos da Lei da
possibilita ainda que o governo federal Inovação, o MCT&I é o grande tutor do
realize encomendas tecnológicas com processo de inovação e subordina por
vistas à otimização de processos e meio de seus órgãos, as ICTs. Para que
resolução de problemas que atendam a o MCT&I possa controlar as atividades
interesses públicos. Nesse sentido, a Lei de pesquisa e processos de inovação, a
da Inovação dispõe sobre incentivos e Lei de Inovação determina que as ICTs
cria instrumentos para promover a devam prestar contas ao Ministério
inovação e a pesquisa científica e naquilo que tange a propriedade
tecnológica no ambiente produtivo. intelectual e as patentes requeridas e
conquistadas.
A Lei em questão é responsável também
pela caracterização legal do que vem a
ser uma agência de fomento, uma Lei do Bem
Instituição Científica e Tecnológica
(ICT), um núcleo de inovação A Lei 11.196, de 21 de Novembro de
tecnológica e uma instituição de apoio, 2005, conhecida como Lei do Bem é
assim como pela conceitualização dos responsável por instituir o Regime
termos: criação, criador, inovação, Especial de Tributação para a
pesquisador público e inventor Plataforma de Exportação de Serviços
independente. A Lei permite que os de Tecnologia da Informação (REPES),
órgãos da administração pública o Regime Especial de Aquisição de
estimulem e apoiem parcerias e projetos Bens de Capital para Empresas
de cooperação entre empresas Exportadoras (RECAP), e o Programa
nacionais, ICTs e organizações privadas de Inclusão Digital, assim como dispõe
sem fins lucrativos que busquem gerar sobre os incentivos fiscais para a
produtos e processos inovadores. Mais inovação tecnológica (BRASIL, 2005).
do que isso, com o objetivo de fomentar O Capítulo I da Lei do Bem dispõe
a inovação nas empresas, a Lei prevê sobre o REPES e estabelece como

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beneficiária desse regime a pessoa redução do Imposto sobre Produtos
jurídica cuja maior parte de suas Industrializados – IPI que incidem sobre
atividades forem destinadas à produção insumos físicos adquiridos com o
de softwares ou à prestação de serviços objetivo de servirem à pesquisa e ao
de tecnologia da informação. Estas desenvolvimento tecnológico e a
empresas devem se comprometer, ao se redução até a eliminação da alíquota do
incluir no REPES, a exportar 60% ou IR – Imposto de Renda – retido na fonte
mais de sua receita bruta anual. relativo ao registro e manutenção de
marcas, patentes e cultivares. Outros
A Lei considera que caso sejam
itens a serem destacados são a definição
vendidos ou importados bens novos
de inovação tecnológica e a dedução no
com o intuito de promover o
IRPJ a ser calculada sobre gastos com
desenvolvimento de softwares e
pesquisa e inovação tecnológica
serviços de tecnologia da informação,
contratados no Brasil com
no Brasil, suspende-se a necessidade de
universidades, instituições de pesquisa
contribuir com alguns impostos como o
ou inventores independentes.
PIS/PASEP, COFINS e IPI. As
Finalmente, a Lei do Bem traz a
empresas ligadas ao Sistema Integrado
possibilidade de subvenção econômica
de Pagamento de Impostos e
por parte da União, à remuneração de
Contribuições e às empresas de natureza
pesquisadores, mestres e doutores, que
Micro e Simples são proibidas de aderir
estejam engajados em projetos que
ao REPES.
busquem a inovação tecnológica em
O Capítulo II da Lei do Bem dispõe empresas situadas no Brasil.
sobre o RECAP. A Lei considera apta a
Em relação à Lei, é preciso, ademais,
ser beneficiária deste Regime, a pessoa
apontar para a falta de clareza
jurídica que tenha como atividade
conceitual no que diz respeito à
principal a exportação. Vale ressaltar
equivalência que confere a empresas de
que as empresas registradas como
capital nacional e estrangeiro, abrindo
Simples não têm direito de aderir ao
brechas para que grandes multinacionais
RECAP e os estaleiros navais
façam uso dos recursos públicos a fundo
brasileiros, em contrapartida, possuem
perdido. Essa característica, combinada
esse direito independentemente destes
aos incentivos focados em empresas que
cumprirem o pré-requisito sobre
se enquadram no sistema de apuração
exportação. A Lei suspende a exigência
do lucro real (normalmente utilizado
de contribuição de impostos como o
apenas por grandes empresas), acaba
PIS/PASEP e o COFINS quando ocorre
por favorecer às multinacionais e
venda ou importação de máquinas,
prejudicar as pequenas e médias
aparelhos, instrumentos e equipamentos
empresas de capital nacional (DIAS,
novos.
2011).
A Lei do Bem dispõe ainda sobre os
Outro ponto passível de crítica remete
incentivos à inovação tecnológica
ao fato da Lei do Bem fornecer apoio
através do seu Capítulo III: a pesquisa e
estatal à pesquisa empresarial por meio
a inovação tecnológicas passam a ser
de recursos públicos: a lei prevê
passíveis de serem classificadas como
incentivos, principalmente sob a forma
despesas operacionais para efeito de
de renúncia fiscal, para empresas que
calculo do Imposto de Renda da Pessoa
realizarem atividades de P&D. Esse
Jurídica – IRPJ. Outros mecanismos
mecanismo de renúncia fiscal e,
também surgem com essa Lei, como a

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consequentemente, de apoio à pesquisa Segundo os resultados oficiais
privada revela-se, dessa forma, “mais divulgados pela PINTEC 2008 no ano
um indício da “privatização implícita” de 2010, embora 22,8% das empresas
pela qual tem passado a PCT brasileira. do setor industrial tenham realizado
Representa, além disso, uma forma de inovações em produto, apenas 4,1%
atuação tipicamente associada ao Estado efetivamente implementaram produtos
neoliberal, na qual a promoção do gasto novos ou substancialmente
público se dá de forma indireta” (DIAS, aperfeiçoados no mercado nacional.
2011). Dentre as empresas do setor de serviços,
a relação também se mantém: apesar de
3. Os resultados da PINTEC:
37,4% terem inovado em produto,
algumas evidências das deficiências
apenas 9,1% implementaram suas
das políticas
inovações no mercado nacional
A Política Científica e Tecnológica (PINTEC, 2010, p. 37).
(PCT) brasileira dispõe de um
interessante instrumento estatístico de A análise das inovações em processo
avaliação. Trata-se de uma pesquisa de mostra que seus índices são mais
grande abrangência que busca reduzidos ainda: no setor industrial, de
identificar atividades inovadoras e 32,1% das empresas inovadoras em
medir o grau de importância dessas processo, 2,3% conseguiram aplicação
atividades dentro das empresas que efetiva de suas inovações; no setor de
participam da pesquisa. O objetivo da serviços, de 30,9% das empresas
Pesquisa é construir indicadores inovadoras, apenas 2,8% conseguiram
setoriais nacionais sobre as atividades por em prática seus novos processos
de inovação nas empresas brasileiras, de (PINTEC, 2010, p. 37). A Tabela 1 a
forma que os índices gerados possam seguir ilustra de forma mais clara esses
servir de base de dados para dados:
comparações com outros países.

Tabela 1 – Taxa de inovação de produto e processo, por atividades da indústria e dos serviços
selecionados, segundo o referencial da inovação – Brasil – 2006-2008.
Inovação em Processo novo para o Inovação em Produto novo para o
processo setor no Brasil produto mercado nacional
Indústria 32,1 2,3 22,9 4,1
Serviços
30,9 2,8 37,4 9,1
selecionados
Fonte: elaboração própria com base em IBGE, 2010.

A estrutura dos gastos empresariais com máquinas e equipamentos e apenas


inovação explicita o baixo índice de 0,62% às atividades internas de P&D. O
investimentos em atividades de P&D, setor de serviços selecionados destina
sendo a maior parcela dos gastos 1,53% à aquisição de máquinas e
destinada à aquisição de máquinas e equipamentos e 0,93% às atividades
equipamentos. No caso da indústria, internas de P&D, como mostra o gráfico
1,25% é destinado à aquisição de abaixo.

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Gráfico 1

Outro elemento bastante relevante é a equipamentos e 11,5% e 16% de


identificação das atividades inovativas importância à promoção de atividades
que são consideradas mais importantes internas que busquem a inovação. Esse
pelas empresas inovadoras, de acordo talvez seja o maior sinal de que as
com as suas atividades da indústria, dos atividades de inovação não ocupam
serviços selecionados e de P&D. lugar de destaque no planejamento
estratégico e orçamentário das empresas
O setor industrial brasileiro e o setor de
serviços selecionados conferem, brasileiras, conforme se observa no
Gráfico 2.
respectivamente, 78,1% e 72,3% de
importância à aquisição de máquinas e

8
Gráfico 2

As empresas consultadas também 2005) e a PINTEC 2008 (2006-2008),


conferiram importância a algumas ainda é pequena a aderência das
atividades complementares à aquisição empresas aos mecanismos de ajuda
de máquinas e equipamentos. No caso oferecidos pela Política. No período
do setor industrial, merece destaque as 2003-2005, 18,8% das empresas se
atividades de treinamento (59,4%) e de valeram dos instrumentos, ao passo que
projeto industrial (37%). No caso do no período 2006-2008, 22,3% das
setor de serviços, merece destaque as empresas utilizaram os mecanismos.
atividades de treinamento (66,6%) e Em números absolutos foram 9,2 mil
aquisição de software (54,8%). empresas entre 2006 e 2008 que se
Do total de empresas que declararam valeram de algum incentivo público
inovar em produto e processo entre federal para inovar.
2006 e 2008, 69% realizam ao menos Dentre as empresas do setor industrial
uma inovação organizacional e 59,5% que se declararam inovadoras entre
algum tipo de inovação em marketing. 2006 e 2008, 22,8% utilizaram os
No caso das empresas industriais, instrumentos, ou seja, 8,7 mil empresas.
68,7% inovaram organizacionalmente e A Pesquisa traz uma interessante
59,3% inovaram em marketing. No caso informação associada a este dado: a
das empresas do setor dos serviços, proporção de empresas que se valeram
79,5% inovaram organizacionalmente e dos incentivos varia de acordo com o
61% inovaram em marketing. número de empregados. Na medida em
Outro interessante indicador para que aumentam os quadros de
avaliação da efetividade da PCT é o trabalhadores da empresa, aumenta
índice de uso dos instrumentos de apoio também o uso dos recursos. Nesse
governamental. Apesar do aumento sentido, o Gráfico 3 ilustra em detalhes
registrado entre a PINTEC 2005 (2003- como as grandes empresas são as que

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mais se beneficiaram dos programas de PCT.
fomento governamentais propostos pela

Gráfico 3

O mecanismo mais usado pelas É importante resgatar os dados


empresas do setor industrial que se divulgados por pesquisas anteriores e
declararam inovadoras é o compará-los, a fim de mostrar a
financiamento para compra de máquinas evolução do resultado das políticas.
e equipamentos (14,2%) e os menos Índices que poderiam representar o
utilizados por esta mesma categoria de sucesso das políticas revelam efeitos
empresas são os instrumentos de contrários. O indicador que mostra o
subvenção econômica (0,5%) e o porcentual de empresas que inovaram
financiamento a projetos de P&D e em produto e processo com qualquer
inovação tecnológica em parceria com grau de novidade praticamente não se
universidades ou institutos de pesquisa alterou. Indicadores como o porcentual
(0,8%). O Gráfico 3 trata ainda dos de empresas inovadoras que realizaram
incentivos fiscais regulamentados pela atividades internas de pesquisa e
Lei da Inovação e pela Lei do Bem e desenvolvimento, assim como o
mostra que a porcentagem das empresas porcentual das empresas inovadoras que
do setor industrial que se valeram deles conferiram alta importância às
é de 1,1%, no entanto, é valido destacar atividades internas de P&D diminuíram.
que quando são analisadas as empresas Nesse mesmo sentido, o porcentual de
com 500 ou mais pessoas ocupadas essa empresas inovadoras que afirmaram
porcentagem alcança os 16,2%. conferir baixa ou nenhuma importância
às atividades internas de P&D ou que
nem sequer realizaram tais atividades
4. Considerações finais aumentou. Vale destacar também que a

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alta importância conferida pelas desenvolvimento: o porcentual do
empresas não inovadoras à escassez de financiamento às atividades de P&D
fontes apropriadas de financiamento realizado com recursos da própria
diminuiu e a baixa importância empresa diminui consideravelmente, ao
conferida por estas mesmas empresas à passo que o porcentual do
escassez de fontes apropriadas de financiamento a estas mesmas
financiamento aumentou. Finalmente, atividades realizado com recursos
os dados mais impactantes advêm da públicos cresceu de forma significativa.
análise da origem das fontes de A Tabela 2, abaixo, sintetiza estes
financiamento para a realização das dados:
atividades de pesquisa e

Tabela 2 – Dados selecionados, em % – Brasil.


2001- 2006-
2003 2008
% de empresas que inovaram em produto ou processo (qualquer grau
38,9 38,6
de novidade)
% de empresas inovadoras que realizaram atividades internas de P&D 24,0 14,4
% de empresas inovadoras que conferiram alta importância às
17,2 8,4
atividades internas de P&D
% de empresas inovadoras que conferiram baixa ou nenhuma
importância às atividades internas de P&D, ou empresas que não 79,3 88,1
realizaram P&D
% de empresas não inovadoras que conferiram alta importância à
45,7 39,9
“escassez de fontes apropriadas de financiamento”
% de empresas não inovadoras que conferiram baixa ou nenhuma
39,9 46,6
importância à “escassez de fontes apropriadas de financiamento”
% do financiamento às atividades de P&D realizado com recursos da
90,0 76,0
própria empresa
% do financiamento às atividades de P&D realizado com recursos de
5,0 19,0
fontes públicas
Fonte: elaboração própria com base em IBGE (2005) e IBGE (2010).

A partir dessas informações e das que realizaram atividades internas de


reflexões apresentadas ao longo deste P&D, o que pode sinalizar um
artigo, nota-se um significativo movimento contrário ao que se procura,
contraste entre a criação de novos ao menos explicitamente, fomentar.
instrumentos legais, aliada à ênfase na Uma questão que pode ser extraída
ideia de inovação presente no discurso dessa percepção – e que poderia ser
governamental recente e os resultados foco de estudos posteriores – é: seriam
dessas ações verificadas a partir dos essas ações “apenas” pouco efetivas?
resultados da PINTEC. De fato, Ou estariam elas mesmas contribuindo
observa-se uma redução da para o problema da “falta de inovações”
porcentagem de empresas inovadoras no Brasil, à medida que substituiriam o

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gasto privado em P&D pelo gasto NELSON, R. (1993) “National Innovation
público e pelo estímulo à aquisição de Systems: a comparative analysis”. University of
Illinois Accepted Papers Series.
máquinas e equipamentos? Trata-se de
uma reflexão fundamental para que se OLIVEIRA, M. B. (2011) “O inovacionismo em
questão”. Scientiae Studia, vol. 9, n°3.
possa pensar os rumos da política
científica e tecnológica brasileira, o que PEREIRA, N. M. Fundos Setoriais: avaliação
constitui uma tarefa necessária e das estratégias de implementação e gestão.
Textos para discussão nº. 1.136. IPEA. 2005.
urgente.
PEREIRA, N. M.; VELHO, L. M.. S.;
AZEVEDO, A. M. M.; HASEGAWA, M..
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XII Seminario Latino-Iberoamericano de
BAGATTOLLI, Carolina. Política científica e Gestión Tecnológica - ALTEC 2007, 2007,
tecnológica e dinâmica inovativa no Brasil. Buenos Aires. XII Seminario Latino-
Campinas (SP): Unicamp. 2008. Dissertação de Iberoamericano de Gestión Tecnológica -
mestrado. ALTEC 2007, 2007.
BRASIL. (2004) Lei nº 10.973 de 02 de VELHO, L.; PEREIRA, N. M.; AZEVEDO, A.
dezembro de 2004. Presidência da República, M. M (2006) Avaliação de Aderência de
Casa Civil – Subchefia para assuntos jurídicos. Fundos Setoriais (contrato CGEE 083/2005,
BRASIL. (2005) Lei nº 11.196 de 21 de 03/2006). (Relatório de pesquisa).
novembro de 2005. Presidência da República,
Casa Civil – Subchefia para assuntos jurídicos.
Recebido em 2014-11-17
DIAS, R. B. (2011) Sessenta anos de política Publicado em 2015-02-22
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GALVÃO, Antônio Carlos F. (2007) Fundos
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