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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

LICENCIATURA EM FÍSICA
FIS 717 – PROJETO DE ENSINO
PROFº: ELDER SALES TEIXEIRA

LEONARDO SILVA SANTA ROSA MACÊDO

RESENHA 03
LORENZ, Karl M.; BARRA, Vilma Marcassa. Produção de Materiais Didáticos de
Ciências no Brasil, Período 1950 a 1980 [The Development of Science Education
Materials in Brazil from 1950 to 1980]. Ciência e Cultura, p. 1970, 1986.

O objetivo principal do presente trabalho foi apresentar a história do


desenvolvimento do movimento curricular brasileiro que, entre as décadas de 1950 e
1980, foi responsável por extensa produção de materiais didáticos voltados ao ensino de
ciências. O artigo cumpriu brilhantemente o objetivo proposto, com apresentação e
análise histórica ímpares. Extremamente esclarecedor, de leitura fluida e referenciado
pelo material original e pelas leis que acompanharam o recorte temporal proposto no
trabalho.
A importância da análise dos matérias didáticos reside no fato de que estes
são guiados por uma escolha de conteúdos, visão metodológica e epistemologias que
trazem ricas informações sobre o momento histórico no qual estavam inseridos sendo,
portanto, fonte bibliográfica confiável para uma visão crítica dos caminhos e escolhas
que a sociedade brasileira realizou a respeito do ensino de ciências no país. Seus
impactos podem ser sentidos até hoje nos currículos, formação de professores, produção
de matérias didáticos, metodologias de ensino, epistemologia e valores presentes na
prática de sala de aula.
Do ponto de vista histórico, houve um deslocamento do centro de influência
cultural da Europa (França, mais acentuadamente) para os EUA, o que também ocorreu
no Brasil. Os matérias didáticos aqui utilizados durante o século XIX até quase a década
de 1940, do século XX, estiveram focados na realidade europeia por isso mesmo eram
descontextualizados. Além disso, não serviam de subsídios para o desenvolvimento das
habilidades científicas (traziam poucos experimentos e carência de atividades e
problemas).
Em 1946 é criado o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e
Cultura) que terá uma atuação decisiva para o ensino de ciências no país durante as
décadas seguintes. Seu principal objetivo era promover a melhoria da formação
científica para aqueles estudantes que cursariam o ensino superior (a elite branca do
país, obviamente) numa tentativa de promover o “desenvolvimento nacional”. Uma
visão deturpada de “desenvolvimento” que não levava em consideração as massas
empobrecidas da população, como se o destino nacional pudesse ser conduzido
unicamente por uns poucos indivíduos privilegiados. Além disso, a iniciativa surgiu
como uma resposta às deliberações da UNESCO e não fruto de um amadurecimento do
pensamento nacional. No entanto, independentemente de seu motor inicial, foi uma
iniciativa de extrema importância justamente para despertar o pensamento a respeito da
qualidade da educação no país e o papel que queríamos ocupar na geopolítica mundial.
O IBECC focou na produção de matérias didáticos baseados, sobretudo, na
experimentação. O ideia era que o estudante era o principal responsável pelo seu
aprendizado e colocava o professor como mero “orientador” desse processo. Aqui
vemos ecos de uma epistemologia que terá como expoente maior as ideias piagetianas.
Vale citar o caráter pioneiro do Brasil nas iniciativas que efetivaram o objetivo de
repensar o ensino de ciências. Antes mesmos dos clássicos projetos da “Era dos
Projetos”.
A década de 1960, sob o impacto das conquistas soviéticas de exploração do
espaço e da emergência da contracultura, viu as nações ocidentais empreenderem seus
primeiros esforços intensos para pensar e propor novos rumos para o ensino de ciências.
Daí o surgimento de vários projetos de ensino de física, biologia e química, como os
famigerados PSSC, CBA, BSCS, Projeto Harvard (todos norte-americanos) e o Nuffield
(versão inglesa). Continua a ênfase na experimentação.
Ocorre, então, uma ampla influência dos norte-americanos no IBECC,
traduzida em verbas financeiras, disponibilização de matérias e fiscalização de
representantes enviados pela Fundação Ford. Começa as traduções dos projetos,
produção e disponibilização dos equipamentos laboratoriais para escolas públicas e,
produção dos famosos kits de experimentação. No lastro das atividades do IBECC,
mudanças ocorridas na Lei de Diretrizes e bases da Educação, em 1961, que retirou a
obrigatoriedade das escolas adotarem os programas do governo federal – o que
institucionalizou a influência estrangeira nos rumos da educação nacional justamente no
momento que os EUA ampliava seu campo de influência geopolítica na América Latina
– e estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de ciências em todas as séries do ginásio,
concretizada com a promoção do programa “Iniciação à Ciência”. Tal fato facilitou a
mudança na metodologia de ensino no nível ginasial. Para tanto, foram produzidos
materiais didáticos que tornava impossível de serem aplicados sem a realização das
atividades práticas.
Vamos percebendo a sedimentação de uma visão de ensino de ciências
baseada, sobretudo, nas atividades práticas. Aliado a isso há o deslocamento
progressivo do papel do professor no processo de aprendizagem o que condiz com uma
realidade brasileira em que a maior parte dos professores possuíam baixo grau de
instrução e não possuíam uma licenciatura plena em suas áreas de ensino. Fez-se
necessário, portanto, investir em treinamento de professores de modo a torná-los
minimamente aptos a aplicarem os matérias didáticos produzidos de acordo com as
recomendações .
Enquanto isso, ocorria a criação da FUNBEC (Fundação Brasileira para o
Desenvolvimento do Ensino de Ciências) para cuidar, principalmente, da
comercialização dos matérias didáticos produzidos pelo IBECC impossibilitado de
realizar tal tarefa por deliberação dos acordos com a UNESCO. Além disso, a FUNBEC
também dispensou esforços para o treinamento de professores primários e a formulação
de programas específicos para o ensino superior. Sua extensa produção bibliográfica
baseava-se em proporcionar aos estudantes uma vivência integral da metodologia
científica logrando desenvolver o espírito crítico e o raciocínio lógico.
Percebemos que as intenções por trás do IBECC e FUNBEC extrapolam a
mera formação de indivíduos para as exigências do mercado de trabalho advindo com a
industrialização da economia brasileira. Há uma preocupação mais humanística que
visava a formação de indivíduos mais autônomos e capazes de dialogar criticamente
com a realidade que estavam inseridos.
Apesar dos esforços empreendidos na melhoria do ensino de ciências, os
dados coletados apontaram para o fracasso do projeto BSCS, por exemplo, na melhoria
da aprendizagem. No que diz respeito à realidade brasileira, éramos um país
eminentemente agrário cuja população era, em sua maioria, analfabeta ou
semianalfabeta e que investia em paliativos como os tais “treinamentos” dos poucos
professores da rede pública, sem a democratização do acesso ao ensino superior para
uma formação plena das licenciaturas. Além disso, a falta da infraestrutura laboratorial
requerida pelos projetos, as condições de pobreza dos estudantes e a aplicação restrita
dos projetos também podem ser apontada como um fator importante na explicação do
fracasso destes. Desse modo, apesar de toda a potencialidade dos projetos em propiciar
uma aprendizagem mais significativa, as condições impostas pela realidade brasileira
tornavam o empreendimento difícil de alcançar seus objetivos.
A década de 1970 deixou mais clara a falta de professores capacitados, a já
inadequação dos materiais didáticos e das metodologias empregadas em sala de aula.
Ainda trouxe a reforma educacional, de 1971, que integrou o ensino de ciências nas
séries iniciais, desmembrando as disciplinas de cunho científico (química, física e
biologia) somente no 2º grau, o que se perpetua até hoje.
Em 1972, é proposto pelo Ministério de Educação e Cultura, o Projeto
Nacional de Melhoria do Ensino de Ciências, que teve sua execução realizada pelo
PREMEN (Projeto Nacional para a Melhoria do Ensino de Ciências). Seus objetivos
eram a formulação de novos materiais didáticos adequados às mudanças trazidas pela lei
5.692/71; manutenção e criação de novas equipes para atualização do ensino de
ciências; treinamento de professores; habilitação de professores de 1º grau por meio de
licenciaturas de curta duração; aperfeiçoamento dos professores das 1º e 2º graus.
Assim, vê-se uma maior atenção dada à formação de professores, apesar de
focar em licenciaturas de curta duração. A má formação dos professores pode ser
percebida empiricamente ainda por minha geração que foi educada (principalmente até
o ensino ginasial) por professores sem uma licenciatura plena em suas disciplinas. O
professor deve ser o principal foco dos projetos de educação. Sem a sua atuação
capacitada nenhum novo método de aprendizagem terá êxito. Os últimos lugares
ocupados por estudantes brasileiros das escolas públicas em avaliações internacionais
deixa patente vários problemas do sistema educacional brasileiro, sobretudo porque não
há valorização nem da profissão docente nem do profissional que já atua na área.
Estados brasileiros que reverteram essa lógica cruel, como Maranhão e Espírito Santo,
colheram os frutos disso em menos de uma década, saindo de baixas posições do IDEB
para ocupar as primeiras posições à frente de estados cujos PIBs são dezenas de vezes
maiores. Claro que é um conjunto de ações que efetivam uma melhoria da qualidade da
educação em qualquer lugar, mas sempre há de se passar pela valorização dos
professores que, como vimos ao longo do trabalho, foi posto como um apêndice do
processo de ensino.
A década de 1970 também presenciou a progressiva redução das verbas do
IBECC, FUNBEC e PREMEN, apesar do sucesso que alcançaram com a produção odos
matérias didáticos, especificamente. Na década de 1980 ocorre outro passo importante
para a melhoria do ensino de ciências no país com o lançamento da Revista do Ensino
de Ciências que possibilita a maior divulgação dessa área de pesquisa bem como
aumenta o fluxo de informação entre os educadores.
Há uma progressiva diminuição de materiais didáticos simultânea com o
aumento do investimento na formação de professores. Um indicativo importante de uma
reflexão sobre o fracasso dos projetos quanto à melhoria da aprendizagem dos
estudantes.
Podemos perceber que esse movimento de produção de matérias didáticos
que se estendeu por, pelo menos, três décadas foi uma resposta às mudanças na
sociedade e em suas demandas de reprodução material, foram concebidos sobre a égide
do trabalho experimental como principal motor do processo de aprendizagem o que
reduzia a importância do papel do professor talvez causado pela inexistência de
professores aptos a se adequarem ao que era exigido pela nova visão de ensino de
ciências (tanto aqui quanto nos países ricos). Se num primeiro momento esse
movimento foi caracterizado pela importação de materiais estrangeiros sem uma devida
adequação à realidade brasileira (em consonância com o que já era feito desde o século
XIX), por fim vemos um esforço para reverter esse quadro e realizar a contextualização
do material.
Os materiais didáticos, baseados em projetos de ensino de ciências, também
refletiram outra mudança importante: a valorização do trabalho multi e interdisciplinar
que passa a ser um valor-chave na elaboração de todos os projetos de ensino, materiais
didáticos e na formação docente. Foi o início de uma mudança da visão de todo o
processo de ensino-aprendizagem que foi se efetivando em diferentes graus e
velocidades pelo país, mas, que hoje, é uma visão hegemônica nas instituições de ensino
e em todos os níveis da educação. Por fim, todo esse movimento evidenciou
sobremaneira a importância de uma formação docente de qualidade e continuada sem a
qual qualquer material didático ou plano de educação jamais poderá se efetivar na
realidade. Termino reiterando o que foi apresentado na abertura desta resenha ao
salientar a qualidade deste trabalho que conseguiu apresentar um momento histórico que
gerou profundas mudanças na realidade brasileira de um modo extremamente claro,
preciso, conciso e com um adequado trabalho historiográfico.

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