Você está na página 1de 8

INSTITUTO LATINO AMERICANO DE ECONOMIA, SOCIEDADE E

POLÍTICA - ILAESP
RELAÇÕES INTERNACIONAIS E INTEGRAÇÃO
INTRODUÇÃO AO DIREITO

FICHAMENTO DO LIVRO “TEORIA DO ORDENAMENTO


JURÍDICO”, DE NORBERTO BOBBIO

Ana Karolina Morais da Silva

Foz do Iguaçu
2015
Entende-se por ordenamento jurídico um conjunto ou complexo constituído por
normas. As normas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de
normas (ordenamento) com relações particulares entre si. Bobbio observa neste ponto
que a palavra Direito, dentre seus inúmeros sentidos, contém também o sentido de
ordenamento jurídico (como nos casos do Direito Romano e do Direito Canônico, por
exemplo).
Dentro das teorias gerais do Direito que foram desenvolvidas ao longo de muitos
séculos, os estudos quase nunca foram orientados pelo ponto de vista do ordenamento
jurídico, mas sim pelo ponto de vista da norma, sem inseri-la no ordenamento. O
pioneiro nos estudos do ordenamento jurídico como parte complementar, e portanto, de
suma importância, dos estudos da norma jurídica, foi Hans Kelsen. O livro de Norberto
Bobbio segue a mesma premissa kelseniana.

Houveram diversas tentativas de caracterização do Direito através da norma,


dentre as quais podemos ressaltar quatro critérios:

1 - critério formal;
2 - critério material;
3 - critério do sujeito que põe a norma;
4 - critério do sujeito ao qual a norma é destinada.

Os dois primeiros critérios demonstraram-se inconcludentes, ao passo que foram


incapazes de solucionar diversas problemáticas gerais do Direito. O terceiro e o quarto
critério não são inconcludentes, e em suas análises – mesmo que não intencionalmente –
assumem o ordenamento jurídico como o objeto a ser analisado.

Isso ocorre porque o terceiro critério tece sobre o sujeito que põe a norma ser o
sujeito de poder soberano, e este só se constitui como soberano por possuir o monopólio
legítimo da força, que só é legítimo por estar incutido como tal em um ordenamento
jurídico. Logo, o poder soberano é intrínseco ao ordenamento jurídico.

Quanto ao quarto critério, este pode dizer que o sujeito ao qual a norma é
destinada é o indivíduo (o que implica a existência da noção de obrigatoriedade, que
implica a sujeição dos indivíduos a sanções, e que implica a existência de um
ordenamento jurídico complexo) ou o juiz (que só possibilita a execução de uma sanção
através de um poder a ele conferido por uma norma, que está inserida em um
ordenamento jurídico complexo).

Diversos problemas teóricos como o fenômeno das normas sem sanção, a


eficácia das normas e a norma consuetudinária possuem resolução somente no plano do
ordenamento, e não no plano da norma. Analisando a resolução desses problemas
conclui-se que as normas existem a partir do momento que se encontram inseridas em
um ordenamento jurídico. As normas não podem ser validadas se não por um
ordenamento.

Assim sendo, mesmo partindo da norma, os teóricos gerais do Direito sempre se


voltam à compreensão do ordenamento jurídico antes de tudo. Daí a importância de
respondermos a seguinte pergunta: O que é o ordenamento jurídico?

A constituição dos ordenamentos se dá por dois tipos de normas: as de conduta


(normas de primeira instância) e as de estrutura (normas de segunda instância).

As de conduta referem-se à ações obrigatórias, permissíveis e proibitivas, e por


isso é impossível existir um ordenamento jurídico composto por apenas uma norma de
conduta, já que esta precisaria abranger todas as ações possíveis, qualificando-as
unicamente.

As de estrutura são classificadas em nove tipos diferentes de normas de segunda


instância, e são as normas que definem as condições e procedimentos através dos quais
as normas de conduta válidas devem surgir, o que torna possível que um ordenamento
jurídico possua uma única norma estruturante (como no caso da monarquia, no qual
toda norma válida deve ser posta pelo soberano).

A hipótese de um ordenamento com somente uma ou duas normas é, entretanto,


puramente acadêmica. Na prática os ordenamentos possuem inúmeras normas advindas
de diversas fontes de direito (fatos ou atos pelos quais o ordenamento jurídico determina
a produção normativa), e é isto que lhes confere sua complexidade: não existe poder ou
órgão capaz de formular sozinho todas as regras necessárias.

Assim, surgem fontes reconhecidas (ligadas às normas provenientes de


costumes históricos) e delegadas (ligadas às normas provenientes do ato de criação de
leis – poder legislativo).
Fontes reconhecidas existem porque um novo ordenamento não é capaz de
eliminar as normas (sejam elas morais, sociais, religiosas ou consuetudinárias) que o
precederam, e então as assimila. Quanto às fontes delegadas, estas sempre se dividem
em diversas esferas (municipais, regionais, estados-membros de um Estado federal etc).

Como estes dois tipos de fontes estão diretamente relacionados ao processo pelo
qual se produz as normas, é necessário partir da compreensão e enumeração das fontes
de direito de um ordenamento para então analisá-lo.

E sendo os ordenamentos constituídos de tantas fontes diferentes, o que pode


garantir sua unidade? Bobbio encontra a resposta para esta pergunta no trabalho de
Kelsen: o sistema escalonado (hierárquico) de normas, com a norma fundamental no
topo da hierarquia normativa, regulando de forma direta ou indireta que as normas e
fontes de direito sejam sempre condizentes com a unidade do ordenamento. Esta
garantia se dá pelos limites materiais (de conteúdo) e formais (de forma) impostos pelo
poder superior da hierarquia normativa (o poder constituinte) aos poderes inferiores
para restringi-los.

Sendo a norma fundamental o topo da hierarquia normativa, questiona-se o que a


torna o fundamento de validade de um ordenamento, ou seja, qual é a fonte última de
poder. A este tema Bobbio cita as três respostas mais recorrentes dos teóricos: todo
poder vem de Deus; a lei natural atribui validez ao poder constituinte; o contrato social.

Além dos debates acerca da validade da norma fundamental, também debate-se o


seu conteúdo. O poder constituinte é um conjunto de poderes políticos que, atrelados ao
poder coercitivo e através de um processo histórico, dominam o ordenamento jurídico.
A norma fundamental é o que legitima este poder, ao passo que seu conteúdo estabelece
que ele seja obedecido e prevê juridicamente que ele faça uso da força. O poder
constituinte é o pilar que garante a funcionalidade do ordenamento jurídico, e, portanto,
a norma fundamental encontra-se como indispensável para a existência de um
ordenamento.

Ainda respondendo a pergunta “O que é o ordenamento jurídico?”, podemos


apontar como uma das possíveis respostas que o ordenamento jurídico constitui um
sistema. Esta afirmação foi escassamente estudada até os dias atuais, falhando em
explicitar o que de fato é um sistema normativo.
Para Kelsen existem dois tipos de sistemas: os estáticos, que são sistemas
normativos organizados de acordo com o conteúdo das normas (relacionado ao aspecto
moral), e os dinâmicos, organizados de acordo com a autoridade de que derivam as
normas (relacionado ao aspecto formal). Desta maneira, Kelsen conclui que os
ordenamentos jurídicos são sistemas dinâmicos, constituídos principalmente pela
formalidade.

Contudo, esta definição apresenta, segundo Bobbio, certas limitações quando


tratamos de duas normas que se opõem inseridas em um mesmo ordenamento – como
um sistema permeado de normas opostas pode ser coerente?

Na filosofia do Direito e na jurisprudência, três definições de sistema são


constantemente empregadas.

A primeira, amplamente utilizada pelos jusnaturalistas modernos, é a do


“sistema dedutivo”, no qual todas as normas encontram-se, por dedução, em
consonância com certos princípios gerais do sistema.

A segunda definição faz uso da técnica classificatória ao invés da dedutiva,


reunindo os dados de um ordenamento até condensá-los em dados gerais da constituição
de um sistema.

A terceira e última definição atém-se a compatibilidade existente entre as


normas para o estabelecimento de um sistema, e é esta a definição admitida por Bobbio
em sua análise do ordenamento jurídico.

Desta forma, segue-se o debate acerca das antinomias. Antinomia é a


incompatibilidade entre duas normas pertencentes a um mesmo ordenamento e que
tenham o mesmo âmbito de validade, sendo sua existência possível em três casos
específicos:

1 - entre uma norma que declare um comportamento obrigatório e uma norma


que o proíba;
2- entre uma norma que declare um comportamento obrigatório e uma norma
que permita não executa-lo;
3- entre uma norma que proíba um comportamento e uma norma que o permita.

Existem ainda, de acordo com Ross, três tipos de antinomia:


1- total-total (quando a contraditoriedade entre as duas normas é total);
2- parcial-parcial (quando uma das normas contraria a outra, mas apenas em
partes);
3 - total-parcial (quando uma das normas pode ser aplicada sem entrar em
contraditoriedade com a outra mas a situação não é recíproca).

Mas até então tratamos apenas da concepção clássica de antinomia. Esta pode
ser também concebida como de princípios, ao analisarmos as contradições entre os
valores morais de um ordenamento, de avaliação quando há discrepâncias nas
penalidades de determinados delitos (e por isso esta concepção relaciona-se mais com
justiça que antinomia), ou teleológica quando existem inconsistências entre uma norma
que prescreva o meio para determinado fim e a norma que prescreva especificamente o
fim (mas esta concepção possui além de elementos típicos da antinomia, elementos
relacionados às lacunas).

Estando aqui expostas todas as resoluções acerca da determinação das


antinomias, ainda nos resta tratar das suas soluções.

Antinomias podem ser solúveis, quando há possibilidade de solucioná-las


através da aplicação de três critérios específicos (cronológico – lex posterior,
hierárquico – lex superior e de especialidade – lex specialis).

Podem também ser insolúveis, tanto quando não podem ser solucionadas através
dos critérios tradicionais e são geralmente solucionadas a partir do critério da forma
(que é ilegítimo por depender da subjetividade do intérprete para ser aplicado), quanto
quando mais de um dos critérios tradicionais pode ser aplicado para solucioná-las. Neste
último caso, o critério hierárquico e o de especialidade prevalecem sobre o cronológico,
mas qual prevalece entre o hierárquico e o de especialidade fica à par do intérprete.

Portanto, o que Bobbio conclui acerca das antinomias é que estas devem ser
evitadas e/ou eliminadas de todo e qualquer ordenamento jurídico para a mais profunda
efetivação (coerência) do mesmo.

Após tratarmos do que para nosso autor são as duas primeiras das três
características fundamentais do ordenamento jurídico (a unidade e a coerência), resta-
nos a completude.
A completude pode ser explicada como a ausência de lacunas. Uma lacuna
existe quando no ordenamento não existe nem a norma que proíba certo
comportamento, nem a norma que o permita. Também entende-se por lacuna a ausência
de critérios válidos para decidir qual norma deve ser aplicada em casos de normas
contraditórias entre si. Ou seja, a incompletude ocorre quando não existe no
ordenamento normas que abranjam certa problemática ou exista um problema de
coerência.

A coerência, que é a exclusão de toda situação na qual pertençam ao sistema


duas normas que se contradizem, é então considerada por Bobbio como uma condição
dispensável para o ordenamento jurídico, podendo mesmo admitir-se ordenamentos em
que haja a convivência de antinomias.

A completude, que é a exclusão de toda situação na qual não pertença ao sistema


nem uma norma permissiva/obrigativa, nem uma proibitiva, é em um ordenamento onde
o juiz deve julgar todas as controvérsias que se apresentarem mediante uma norma
pertencente ao sistema, uma condição estritamente necessária.

A fim de alcançar a completude, Bobbio nos dá notícia de dois métodos, quais


sejam, a hetero-integração (integra-se o ordenamento através do recurso a ordenamentos
e fontes diversos) e a auto-integração (integra-se o ordenamento através de analogias e
dos princípios gerais do Direito).

Tendo até então analisado o ordenamento jurídico a partir do seu interior, o autor
finaliza o livro com uma análise feita do ponto de vista exterior. Desta forma partimos
para as relações entre os ordenamentos, que podem ser distinguidas entre relações de
coordenação e relações de subordinação (ou reciprocamente de supremacia).

Relacionamentos típicos de coordenação são aqueles que têm lugar entre


Estados soberanos e dão origem a regimes jurídicos pactuários, nos quais as regras de
coexistência são o produto de uma autolimitação recíproca.

Os relacionamentos típicos de subordinação são, por outro lado, os verificados


entre o ordenamento estatal e os ordenamentos sociais (associações, sindicatos, partidos,
igrejas etc) que têm estatutos próprios, cuja validade deriva do reconhecimento do
Estado.

Outro critério de classificação do relacionamento entre os ordenamentos é


aquele que leva em conta as diferentes extensões dos seus âmbitos de validade. São três
tipos de relação:

1 - de exclusão total (quando os âmbitos de validade dos sistemas não se


sobrepõem entre si nem mesmo em partes);
2 - de inclusão total (quando o âmbito de validade de um dos sistemas está
completamente compreendido no do outro);
3 - de exclusão/inclusão parcial (quando os âmbitos de validade dos sistemas
possuem uma parte em comum e outra não-comum).

Num terceiro ponto de vista, tomando como base a validade que um determinado
ordenamento atribui às regras de outros ordenamentos com os quais entra em contato, os
relacionamentos entre os ordenamentos podem ser de:

1 - indiferença (quando o que é permitido em um ordenamento é obrigatório em


outro);
2 - recusa (quando o que é proibido em um ordenamento é obrigatório em
outro);
3 - absorção (quando o que é obrigatório ou proibido em um ordenamento
também é obrigatório ou proibido em outro).

De acordo com a classificação utilizada para analisar os relacionamentos entre


os ordenamentos estes também podem ser classificados como temporais, espaciais ou
materiais.

Por fim, Bobbio propõe uma nova perspectiva teórica para a análise dos
fenômenos dos sistemas normativos, acentuando as definições que podem ser aplicadas
nesta análise e as problemáticas que delas derivam.

Você também pode gostar