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DE GENÉTICA
FORENSE
FRANCISCO CORTE-REAL
DUARTE NUNO VIEIRA
TÍTULO TITLE
Princípios de Genética Forense
COORDENADORES COORDINATORS
Francisco Corte-Real
Duarte Nuno Vieira
PREFÁCIO PREFACE
Guilherme de Oliveira
EDITOR PUBLISHER
Imprensa da Universidade de Coimbra
Coimbra University Press
CONTACTO CONTACT
www.uc.pt/imprensa_uc
imprensa@uc.pt
INFOGRAFIA INFOGRAPHICS
Carlos Costa
ISBN
978-989-26-0956-0
ISBN Digital
978-989-26-0957-7
DOI
http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0957-7
© Outubro 2015
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
COIMBRA UNIVERSITY PRESS
Prólogo.................................................................................................................................... 7
Francisco Corte-Real e Duarte Nuno Vieira
Prefácio.................................................................................................................................... 9
Guilherme de Oliveira
Capítulo 1...............................................................................................................................19
Colheita e acondicionamento de amostras biológicas para identificação genética
Maria João Anjos Porto
Capítulo 2 ............................................................................................................................. 43
Criminalística biológica
M. Fátima Pinheiro
Capítulo 3 ............................................................................................................................. 75
Identificação genética de desconhecidos
Rosa Maria Espinheira
Capítulo 4.............................................................................................................................. 95
Investigação biológica de parentesco
Paulo Dario e Helena de Seabra Geada
Capítulo 5 ............................................................................................................................125
Alguns conceitos de genética populacional com relevância em genética forense
Luis Souto
Capítulo 6 ............................................................................................................................145
Base de dados de perfis de ADN
Francisco Corte-Real
Capítulo 7 ............................................................................................................................179
Problemas éticos do uso da genómica individual na investigação criminal
Bárbara Santa Rosa
P RÓ LO G O
Imparcialidade, independência, veracidade e deverá assim ser possuidor não apenas de conhe-
prudência são aspectos fundamentais no âmbito cimentos vastos e profundos nas matérias sobre
da intervenção da perícia forense. Aspectos que que se pronuncia, mas deverá possuir também
têm de estar necessariamente associados a com- a humildade científica suficiente que o habilite
petência e objetividade e a rigorosos princípios de a simplificar e a explicar o seu discurso, a ser
controlo de qualidade. Princípios que só podem facilmente inteligível para quem não pertence
ser assegurados se forem seguidas as normas e nem domine a sua área, mas que tem a complexa
as metodologias estabelecidas pela comunidade incumbência de decidir.
científica internacional e se, na actividade pericial, A Genética Forense constitui uma das áreas
se utilizar linguagem objectiva, rigorosa e clara. mais apaixonantes das ciências forenses e, se-
As ciências forenses têm registado uma as- guramente, uma das que mais evoluiu nos últi-
sinalável evolução, um substancial alargamento mos anos. Os diferentes tipos de polimorfismos
dos seus domínios de intervenção e um notável genéticos actualmente disponíveis bem como as
aprofundamento dos conhecimentos e das ma- técnicas, as metodologias e os equipamentos ao
térias que integram os seus diversos ramos, os dispor da comunidade científica, permitem uma
quais envolvem cada vez mais complexas espe- diversidade e profundidade de resultados que não
cificidades. Tais especificidades científicas têm, se imaginavam há alguns anos atrás. Além disso, é
contudo, de ser perceptíveis por todos aqueles uma ciência com características muito particulares,
que, não sendo especialistas na área em causa, designadamente por permitir quantificar a força
se podem ver confrontados com a necessidade dos seus resultados. Estes aspectos fazem com
de compreender e interpretar relatórios periciais. que seja uma área com capacidades extremamente
Com efeito, servirá de pouco um relatório pericial relevantes no apoio à Justiça, desde que devida-
que não consiga transmitir aos não especialistas mente aproveitada, concretizada e compreendida.
o sentido, alcance e limitações do que foi pos- As múltiplas especificidades que envolve devem,
sível concluir na situação concreta. Uma perícia repete-se, ser apreendidas e percebidas por aque-
forense pode ser realizada de forma correcta e les que vão receber e interpretar os relatórios peri-
completa, seguindo todas as normas científicas ciais. A título de exemplo, refira-se a necessidade
consensualmente aceites, mas se não for entendí- de se saber que quando se procede à identificação
vel pelos não especialistas na área, designadamen- genética de um pretenso pai ou de um “alegado
te por magistrados e advogados, não contribuirá criminoso” se realiza sempre uma comparação
certamente para a melhor realização da Justiça. com a probabilidade do resultado se o pai ou o
O vocabulário utilizado, as explicações dadas, “criminoso” for um homem ao acaso da popula-
os argumentos apresentados, deverão ser de- ção. E é também necessário saber-se que para se
vidamente adaptados a quem vai ter de os ler “determinar” esse homem ao acaso é importante
e perceber para melhor poder decidir. O perito que seja indicada qual a população de referência
P R E FÁC I O
Há anos, perguntava-se a deputados de um alguma desconfiança, que era gerada pela dificul-
certo estado norte americano: “Onde estão situa- dade de perceber os instrumentos de análise e os
dos os genes?” Parte significativa das respostas procedimentos. Por exemplo, quando a reforma
dizia: “na cabeça”. Não pode censurar-se a res- do código civil de 1977 admitiu a prova da data
posta por ela ser depreciativa; na verdade, o local provável da concepção ou, dito de outro modo, a
indicado tem a sua dignidade ou, pelo menos, há prova do tempo de gestação (art. 1800.º) um res-
pior. Outra parte dos inquiridos respondeu: “no peitado comentador ironizava com o novo regime,
corpo”. Convenhamos em que a resposta, apesar escrevendo que, daí em diante, os juízes teriam de
de genérica e muito defensiva, não deixa de es- pôr-se a adivinhar... E eu compreendo que não era
tar certa. E, afinal, o corpo é um lugar bastante fácil, nessa altura, procurar esclarecimentos sobre
razoável para guardar os nossos genes... os métodos que os neonatalogistas já usavam,
Interessa-me sublinhar que respostas deste quando queriam compreender as origens de algu-
tipo poderiam ser dadas em todo o mundo, até ma anomalia do recém-nascido, e que serviam para
hoje, mostrando uma certa ignorância generaliza- produzir a prova científica de que falava a norma.
da relativamente a uma área científica que irrom- Recordo também que, numa certa época,
peu pelos tratados e pelos laboratórios sem pedir acelerou-se muito o progresso das provas sanguí-
licença, com uma taxa de crescimento enorme, neas para identificação, designadamente em ações
e que alterou irreversivelmente a prática clínica. de parentesco, sobretudo quando se aproveitou a
O efeito-surpresa deste fenómeno arrasador técnica da histocompatibilidade desenvolvida para
encontrou a humanidade desapetrechada para os transplantes, mesmo antes da generalização
compreendê-lo e, sobretudo, para medir o alcance das técnicas genéticas. Os resultados negativos
das suas implicações. A Genética, ainda hoje é chegavam com frequência aos 99,9999%. Porém,
desconhecida e mesmo assustadora para muitos os juristas que queriam contrariar a negação da
cidadãos, e falar de Genética lembra frequente- paternidade alegavam facilmente que o resulta-
mente galinhas sem penas e outras coisas bizarras. do não era certo, isto é, 100% certo, e que era
Os conhecimentos da Genética foram facil- importante tomar em consideração a margem de
mente transpostos para outros sectores da vida, erro de 0,0001%, ignorando que, provavelmente,
como o da atividade forense. E este livro é sobre a margem de erro de todas as outras decisões
Genética Forense. judiciais é superior...
Mas o “mundo” dos juristas não tinha nenhu- A verdade é que os juristas nunca receberam
ma razão para se manifestar mais tranquilo do que as bases de biologia e bioquímica que podiam
o comum dos cidadãos. A formação académica em facilitar a absorção dos conceitos e da prática
letras e humanidades não predispunha os juristas genética. Assim, de um modo geral, precisam de
para aceitar facilmente as conquistas científicas. algum tempo para aderir às aplicações forenses
Os meios de prova científica foram recebidos com das conquistas científicas.
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Série, nº 30), que aprova a criação de uma base de dados
de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal.
Capítulo 2
CRIMINALÍSTICA BIOLÓGICA
M. Fátima Pinheiro
Professora Afiliada do ICBAS, Universidade do Porto
Professora Afiliada da Faculdade de Medicina, Universidade do Porto
Membro do CENCIFOR (Centro de Ciências Forenses)
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_2
RESUMO SUMMARY
São abordados os objetivos das perícias de Genética The objectives of the exam of Forensic Genetics are
Forense na perspetiva da identificação genética de amos- addressed from the perspective of genetic identification
tras biológicas (problema e de referência) colhidas no of biological samples (problem and reference) collected
âmbito das perícias de criminalística biológica, bem como within the expertise of biologic criminalistics, as well as
os capítulos e as particularidades a mencionar no respetivo chapters and particularities to mention at the appropriate
relatório pericial. Para além da referência aos marcadores expert report. Apart from the reference to the genetic
genéticos mais usados na atualidade, para a resolução markers most used today, to solve this kind of expertise,
deste tipo de perícias, são indicados os principais tipos are listed the main types of related crimes with which
de crimes relacionados com os quais são solicitadas as these exams are required, and the respective biological
referidas perícias. Acresce as respetivas amostras bio- samples taken at different crimes (blood, semen, saliva,
lógicas colhidas nos diferentes delitos (sangue, sémen, hair and skin cells). Finally, the possible conclusions of
saliva, pelos e células epiteliais). Por fim, são enumeradas the expert report are listed, as well as the respective
as conclusões possíveis do relatório pericial, assim como weighing of the evidence, if there is agreement from
a respetiva valorização da prova, quando se verifique a genetic profiles of unknown sample(s) with the refe-
concordância de perfis genéticos da(s) amostra(s) proble- rence sample.
ma com a amostra de referência.
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Criminalística biológica; amostras biológicas; relatório Biologic criminalistics; biological samples; expert report.
pericial.
delito e o perfil genético do suspeito é fortemente haplóide, por possuírem apenas um conjunto de
indicativa de que este foi o seu dador. Neste caso, 23 cromossomas. Aquando da fecundação o zigo-
faz-se a valorização dos resultados através da to, derivado da junção dos dois gâmetas, resulta
determinação do Likelihood Ratio (LR). diplóide (Pinheiro, 2010b).
No relatório pericial deve constar, entre ou- A resolução dos casos forenses consta da
tras particularidades do caso em estudo, informa- identificação genética das amostras biológicas
ção relativa à entidade requisitante, referência ao com eles relacionadas e baseia-se na caracteriza-
material enviado para exame, descrição porme- ção de polimorfismos do DNA, também chamados
norizada desse material, metodologias usadas e de marcadores genéticos, das regiões não codifi-
respetivas referências bibliográficas, resultados cantes do genoma humano. Atualmente, para a
e conclusões, nas quais pode ser incluído o LR. conclusão das perícias forenses usa-se preferen-
Serão efetuadas referências ao Serviço de cialmente o DNAnu, podendo em circunstâncias
Genética e Biologia Forense da Delegação do especiais utilizar-se o DNA mitocondrial (DNAmt).
Norte, do Instituto Nacional de Medicina Legal, Para além das suas diferenças de tamanho e es-
IP, identificado no texto por SGBF, DN. truturais, apresentam distintas formas de herança,
pois, o DNAnu é herdado de ambos os progenito-
res, à exceção do cromossoma Y, sendo o DNAmt
2 . P O L I M O R F I SM OS D E D N A de herança uniparental materna (Pinheiro, 2010b).
(M A RC A D O R ES G E N É T I COS) Aproximadamente 3% do genoma humano
M A I S USA D OS é constituído por repetições em tandem. Trata-se
de sequências de DNA não codificante que se
Nas células nucleadas humanas existem dois repetem sucessivamente, cuja diferenciação entre
tipos de DNA, o DNA nuclear (DNAnu) e o DNA indivíduos da mesma espécie reside no número de
mitocondrial (DNAmt). repetições que cada indivíduo apresenta para um
O DNA do núcleo das células está organi- determinado locus de um par de cromossomas
zado em cromossomas, apresentando-se alta- homólogos. A herança do número de repetições
mente compactado e protegido por proteínas obedece às Leis da Hereditariedade estabelecidas
denominadas histonas. Uma única cópia do ge- por Mendel, tal como a de qualquer outro poli-
noma humano é constituída por cerca de 3.200 morfismo usado com fins forenses. Assim, este
milhões de pb (pares de bases), sendo que cada DNA repetitivo, excetuando o DNA satélite que
célula somática possui 22 pares de autossomas se encontra nas proximidades dos centrómeros
e dois cromossomas sexuais (X,Y no homem e dos cromossomas, é classificado em dois grupos,
X,X na mulher). Assim, cada célula somática hu- minissatélite e microssatélite, de acordo com o
mana normal possui 46 cromossomas (23 pares tamanho da sequência de repetição (unidade de
de cromossomas), sendo, por isso, designada de repetição) (Pinheiro, 2010b).
diplóide. As células germinais ou gâmetas (ovó- São, fundamentalmente, as regiões micros-
citos e espermatozoides) encontram-se na forma satélite do genoma que constituem a base da
identificação genética. Trata-se de marcadores Não obstante existirem STRs com o tamanho
genéticos, designados de STRs (Short Tandem da unidade de repetição variável (2-7 pb), os mais
Repeats), que consistem em sequências de DNA usados em Genética Forense são os tri, tetra e
de 2-7 pb, dispersas pelo genoma, que se repetem pentanucleotídicos, sendo os tetranucleotídicos
em tandem, cujo tamanho dos alelos é inferior (unidade de repetição com 4 nucleótidos, por
a 350 pb. ex. GATA) os mais utilizados. Calcula-se que o
A importância da análise destas sequências genoma humano contenha, aproximadamente,
de DNA não codificante, em perícias de Genética 500.000 STRs, dos quais 6.000 a 10.000 são tri
Forense, prende-se com o facto de não estarem ou tetraméricos.
relacionadas com a síntese de proteínas e, por isso, As principais vantagens dos STRs prendem-
não haver qualquer correlação que permita dedu- -se, fundamentalmente, com o facto de possuí-
zir a predisposição do dador da amostra biológica rem alelos de tamanhos próximos, o que possi-
para manifestar uma determinada patologia. bilita a realização da sua análise em simultâneo
O número de repetições para cada polimor- (multiplex) e a capacidade de gerarem produtos
fismo pode variar de indivíduo para indivíduo. de amplificação de pequeno tamanho, o que é
Esta característica permite diferenciar indivíduos benéfico, tendo em consideração a análise de
de uma determinada população, mesmo irmãos DNA de amostras degradadas.
germanos (filhos do mesmo pai e da mesma O percurso laboratorial das amostras pro-
mãe) e até gémeos dizigóticos, porque os mo- blema no contexto da criminalística biológica
nozigóticos possuem para estes marcadores in- inclui, habitualmente, os seguintes passos: a)
formação genética idêntica, salvo raras exceções observação do material recebido; b) descrição
(existência de mutações). Evidencia-se que as do material recebido; c) testes preliminares para
sequências de DNA codificante, que possuem determinação da natureza da amostra biológica
informação genética para a produção de pro- (sangue, sémen, saliva); d) extração do DNA;
teínas, são praticamente idênticas para todos e) quantificação do DNA (Real-Time qPCR); f)
os indivíduos, razão pela qual estas regiões do amplificação do DNA por PCR (em termocicla-
genoma não são as indicadas para distinguir dores); g) análise dos produtos amplificados
indivíduos de uma população, não sendo, por (em sequenciadores automáticos); h) análise
isso, as eleitas em Genética Forense. Esta prer- dos resultados obtidos (comparação do perfil
rogativa desmistifica o argumento, por vezes genético da(s) amostra(s) problema(s) com o(s)
apresentado, de que se pode inferir, a partir da da(s) amostra(s) de referência(s)); i) valorização
análise de amostras biológicas, a predisposição estatística dos resultados (por vezes não incluída
de um determinado indivíduo para contrair uma no relatório pericial); j) elaboração do relatório
certa doença, circunstância que podia ser apro- pericial.
veitada por empregadores para rejeitar contratos A(s) amostra(s) de referência segue(m) o
ou por seguradoras para onerar a prestação de mesmo percurso laboratorial, à exceção dos 3
um seguro, entre outras consequências. primeiros passos.
frequentemente, a comparação é feita entre as de medula, tendo a dadora da medula sido a sua
características genéticas desses restos cadavéricos irmã (Pinheiro, 2010b).
e as dos seus possíveis familiares, cujo grau de No que à criminalística biológica diz respeito,
parentesco não é, algumas vezes, tão próximo a identificação de um perfil genético masculino
como o que seria desejável. Por isso, a utilização em amostras relacionadas com um crime, em que
de um maior número de marcadores altamente a vítima é mulher e o perpetrador é homem, o
informativos e que proporcionem resultados mes- estudo do gene homólogo da Amelogenina é
mo com material degradado é de grande interesse extremamente importante. A presença de dois
para a conclusão da perícia. picos resultantes da amplificação do DNA de
Há, também, um outro aspeto de especial um vestígio biológico, com os kits comerciais
importância quando se está a analisar material geralmente usados nos laboratórios forenses, é
genético de uma amostra biológica, que é a deter- indicativa de que o dador desse vestígio é do
minação do sexo do indivíduo do qual ela provém. género masculino, sendo que o pico de menor
Esta determinação é feita concomitantemente tamanho corresponde ao do cromossoma X (com
com o estudo de STRs autossómicos. Esta pos- a deleção de 6 pb no intrão 1 da Amelogenina)
sibilidade de determinação do género, através e o restante, que difere do anterior em 4 pb, ao
do estudo da Amelogenina, reveste-se do maior cromossoma Y.
interesse, uma vez que há perícias em que esta São, atualmente, comercializados kits (Next-
determinação é relevante. Generation STR Kits) que podem colmatar as de-
Nas investigações de parentesco biológico ficiências relativas aos disponíveis até há pouco
a determinação do género poderá não ter muito tempo, em termos de proporcionarem um aumen-
interesse, uma vez que, habitualmente, as amos- to do poder de discriminação. Para além disso, os
tras biológicas são colhidas aos intervenientes no produtos de amplificação (alelos) de alguns dos
próprio serviço onde irá ser realizada a perícia. polimorfismos incluídos são de pequeno tamanho
Por isso, aquando da colheita dos dados pessoais/ (miniSTRs), indicados para a análise de amostras
processuais e das amostras biológicas o género degradadas e/ou com escassa quantidade de
fica estabelecido. Há, no entanto, casos excecio- material genético. Acresce o incremento do seu
nais, já identificados em diversas ocasiões, que desempenho na presença de inibidores, tais como
surgem quando se analisa o DNA extraído das o grupo heme (componente da hemoglobina) exis-
amostras e o perito depara-se com resultados tente no sangue. Como foi atrás referenciado, o
que não eram expectáveis. A título de exemplo, seu uso pode viabilizar a supressão de um dos
refere-se a identificação de um perfil genético passos do percurso laboratorial, a extração do
feminino obtido a partir de uma amostra de DNA, quando as amostras se encontrarem em
sangue colhida a um pretenso pai. A explicação suporte apropriado.
para a obtenção deste resultado ficou clarificada, Os miniSTRs são produtos de amplificação de
depois da confirmação, por parte do dador da tamanho consideravelmente reduzido em relação
amostra, de ter sido submetido a um transplante ao dos STRs convencionais, constituindo uma boa
ADN ser mínima, bem como pela possibilidade exclusivamente do pai para filhos do sexo mascu-
de conter ADN não apenas da vítima, obtendo-se lino, as amostras de referência para comparação
perfis de mistura, dado não haver garantia do são amostras de todos os familiares relacionados
objecto ter sido só usado pela vítima. O incon- por via paterna. O ADN mitocondrial, de herança
veniente desta estratégia, é comprometer a iden- exclusivamente materna, permite a comparação
tificação, conduzindo a falsas exclusões, devido com parentes relacionados por via materna.
à contaminação exógena de células de outros
contribuidores. Sendo questionável a autentici-
dade dos objectos, é sempre recomendável, caso 6 . ES T U D O L A B O R ATO R I A L
seja possível, a colheita de outras amostras (de E VA LO R I Z AÇ ÃO ES TAT Í S T I C A
membros da família) para análise e comparação D E R ESU LTA D OS
(Pinheiro, 2009).
A possibilidade de usar amostras de referên- 6.1. EXTRACÇÃO DE ADN
cia do próprio indivíduo, colhidas ante mortem E TRATAMENTOS PRÉVIOS
(como os cartões de sangue de recém nascidos
relativos a programas de rastreio de doenças ge- Quanto à extracção de ADN de amostras de
néticas) com cadeia de custódia documentada, ul- referência, designadamente manchas de sangue
trapassa os inconvenientes dos objectos pessoais. em suporte de papel e células da mucosa oral em
Em diversos países, a existência de um arquivo de zaragatoa, em que, a priori sabemos ter ADN em
cartões de manchas de sangue dos militares mo- quantidade e qualidade, o método de extracção
bilizados para conflitos armados é recomendado mais utilizado internacionalmente é o método
para facilitar a identificação em caso de eventual de Chelex (Walsh et al., 1995). Genericamente é
acidente (Alonso et al., 2005). um método de extracção que recorre ao factor
As amostras de referência de familiares de- temperatura para alcançar a extracção de ADN
pendem do tipo de estudo de ADN a realizar. e utiliza um elemento inerte, o Chelex, para re-
O estudo de STR autossómicos (13 a 17), marca- tenção e isolamento de restos celulares numa
dores com elevado poder discriminatório, permi- solução em que se pretende que só o próprio
te a identificação precisa, mediante comparação ADN se mantenha como soluto.
com amostras de familiares directos da vítima: Neste momento será importante realçar que
(a) progenitores da vítima, (b) filhos biológicos e a extracção das amostras de referência, para evitar
cônjuge da vítima (c) vários irmãos com os mes- a contaminação no percurso laboratorial, deve-se
mos pai e mãe. realizar de forma separada, em tempo e espaço,
Se não dispomos destas amostras de fa- da extracção das amostras problema.
miliares directos ou não é possível estudar os No processo de análise de ADN, a extrac-
marcadores de ADN autossómico, os marcadores ção é um passo crucial, com especial destaque
monoparentais podem ser úteis. Com a análise para a extracção de ADN de amostras problema.
dos marcadores do cromossoma Y, cuja herança é A recuperação máxima de ADN, em termos de
et al., 2009). Nas perícias da rotina do INMLCF, repetitivo) e temos sequências de ADN altamente
utilizamos, muito frequentemente, os métodos repetitivas, também conhecidas por ADN satélite,
baseados em princípios enzimáticos e sílica, com que se repetem mais de 100 000 vezes ao longo
resultados muito satisfatórios. do genoma. Estas últimas são sequências peque-
Após a extracção do ADN das amostras ós- nas, de 1 a 50 pares de bases e são sequências de
seas ou outras amostras problema, a quantidade ADN não codificante. É deste grupo que fazem
de ADN recuperado deve ser determinada, sempre parte os microssatélites ou Short Tandem Repeats
que possível. Conhecer a quantidade de ADN para (STR), que são, actualmente, os marcadores de
a reacção de PCR, pode favorecer a obtenção de eleição, utilizados a nível internacional, no âmbito
melhores resultados analíticos, ou, por outro lado, da identificação genética, muito especialmen-
pode dar-nos informação de que não foi possível te devido ao seu elevado poder discriminatório
obter ADN, pelo que, não terá utilidade prosseguir inter-indivíduos e, portanto, elevado poder de
com métodos de análise de ADN. individualização.
O Conselho da União Europeia, por Resolução
6.2. MARCADORES DE ADN ESTUDADOS de 25 de Junho de 2001, estabeleceu um conjunto
POR PCR E PERFIS GENÉTICOS de 7 loci, designado por European Standard Set
(ESS), como conjunto de loci adequado à definição
ADN nuclear (STR), ADN mitocondrial de um perfil genético individual, constituído pe-
(ADNmit), mini-STR e SNPs los STR autossómicos D3S1358, FIBRA, D8S1179,
TH01, vWA, D18S51, D21S11.
Após extracção de ADN das amostras a es- No âmbito da investigação criminal, a
tudar, as mesmas são amplificadas, pela técnica Interpol, utiliza os 7 loci do ESS e, opcionalmen-
de PCR, com iniciadores específicos para deter- te, o gene homólogo da amelogenina.
minados marcadores. O Reino Unido utiliza os 7 loci do ESS e
Genericamente, quanto à sua localização, mais 4 loci, portanto, utiliza um conjunto de 11
distinguem-se dois tipos de ADN: o ADN nuclear loci - D2S1338, D3S1358, FIBRA, D8S1179, TH01,
e o ADN extra-nuclear. O extra-nuclear é o ADN vWA, D16S539, D18S51, D19S433, D21S11 e o
mitocondrial. gene homólogo da amelogenina.
Relativamente ao ADN nuclear, quanto ao A Alemanha utiliza os 7 loci do ESS e mais 2
número de cópias das suas sequências ou frag- loci, portanto, um conjunto de 9 loci - D3S1358,
mentos, ele pode agrupar-se em diferentes cate- FIBRA, D8S1179, TH01, vWA, D18S51, D21S11,
gorias. Assim temos sequências de ADN de cópia SE33 e o gene homólogo da amelogenina.
única e sequências de ADN com multi-cópias. Os Estados Unidos da América utilizam os
Quanto às sequências de ADN com multi-cópias 7 loci do ESS e mais 6 loci, portanto, utilizam
temos sequências com cerca de 300 pares de um conjunto de 13 loci STR autossómicos para
bases que se repetem entre 100 a 100 000 ve- definição de um perfil genético individual, desig-
zes ao longo do genoma (ADN moderadamente nado por painel de STR do Combined DNA Index
System (CODIS), composto pelos loci autossómicos vantagens do ADNmt, em relação ao ADN nu-
TPOX, D3S1358, FIBRA, D5S818, CSF1PO, D7S820, clear (2 cópias por célula), consiste no facto de
D8S1179, TH01, vWA, D13S317, D16S539, D18S51, possuir cerca de 500-2000 cópias por célula, o
D21S11. Além destes 13 loci autossómicos o sis- que aumenta as probabilidades de existirem al-
tema CODIS inclui sempre informação do gene gumas cópias mesmo em amostras forenses mui-
homólogo da amelogenina (Butler, 2005). to degradadas e/ou antigas. O comprimento do
No INMLCF são utilizados os 13 loci STR ADNmt (100000 vezes inferior ao ADN nuclear)
do sistema CODIS e mais 4 loci autossómicos - e a sua forma circular também lhe conferem uma
D2S1338, D19S433, Penta D e Penta E (Amorim et menor probabilidade de degradação em relação
al., 2011b), e, em casos especialmente complexos, ao ADN nuclear.
designadamente casos em que só se verifica in- Outras vantagens do ADNmt, consiste no
compatibilidade em dois loci, estudam-se, ainda, facto de este ser herdado por via materna, ou
como loci adicionais, os loci STR autossómicos seja, todos os indivíduos pertencentes à mesma
SE33, ES, LPL, F13B, FESFPS, F13A01, D10S1248, linhagem materna, possuem o mesmo ADNmt
D22S1045, D2S441, D1S1656 e D12S391, e, caso (excepto na presença de mutações). Assim, mesmo
seja aplicável, estudam-se também 16 loci STR do que só existam familiares por via materna, estes
cromossoma Y, onde, além dos 8 marcadores que podem fornecer amostras referência com vista à
definem o designado haplótipo mínimo - DYS19, identificação. A análise pelo ADNmt é de grande
DYS385, DYS389I, DYS389II, DYS390, DYS391, utilidade, quando várias gerações separam as víti-
DYS392, se incluem mais 8 loci - DYS437, DYS438, mas dos seus descendentes vivos, como os casos
DYS439, DYS448, DYS456, DYS458, DYS635 e de desaparecidos durante décadas, decorrentes
GATAH4. Em casos muito específicos estudam-se, de conflitos políticos ou de guerras (Afonso-Costa
ainda, a região hipervariável I (HVI) e a região hi- et al., 2010).
pervariável II (HVII) do ADN mitocondrial (ADNmt). No entanto, os marcadores haplotípicos
Recentemente, em finais de 2009, o Conselho (ADNmt e cromossoma Y) apresentam baixo poder
da União Europeia, por Resolução de 30 de de discriminação, em comparação com o poder de
Novembro, redefiniu o conjunto dos loci que inte- discriminação que proporcionam os marcadores
gram o ESS. Os loci que integram o actual ESS são autossómicos, o que leva a um menor grau de
os STR autossómicos D3S1358, FIBRA, D8S1179, certeza na identificação final. Neste sentido e para
TH01, vWA, D18S51, D21S11, D1S1656, D2S441, reforçar a identificação deve-se empregar/utilizar
D10S1248, D12S391 e D22S1045. Contudo, como a análise de ADNmt e de cromossoma Y (quando
ainda não existem frequências alélicas calculadas se trate de vítimas do sexo masculino) de forma
e publicadas para os novos STR, continuam a ser conjunta, estabelecendo-se para eles os irmãos
utilizados, no INMLCF, os STR atrás mencionados. do sexo masculino como familiares de eleição a
Quando não é possível obter um perfil de integrar no estudo (Crespillo, 2011).
ADN nestes marcadores nucleares, procede-se à As amostras com ADN muito degradado ou
análise de ADN mitocondrial. Uma das principais em quantidades ínfimas poderiam ser sujeitas a
de estudos. Para se perceber como estes marca- responsável pela sua principal desvantagem re-
dores são abundantes, foi inicialmente estimada a lativamente aos STRs: são pouco polimórficos!
ocorrência de 1 SNP por cada 1000pb do genoma Deste modo, para obter o poder discriminativo de
humano (Venter et al., 2001). Contudo, na base de 10-15 loci STR, para serem usados, por rotina, a
dados de SNPs dbSNP, pode verificar-se que já se nível laboratorial em investigação forense, serão
encontram descritos cerca de 20 milhões de SNPs, necessários cerca de 50 a 100 SNPs com segre-
18 milhões dos quais validados, número que, a ser gação independente, isto é, sem fenómenos de
validado, indica a possibilidade da existência de linkage (Gill, 2001; Amorim et al., 2005).
um SNP por cada 150pb (Phillips, 2009). Em 2003, foi criado o Consórcio Internacional
Estes marcadores genéticos, para além de — SNPforID — com o objetivo de estudar e avaliar
serem muito abundantes no genoma, permitem o uso de cerca de 50 loci SNP para análise foren-
facilidade na análise, pelo facto de, na sua grande se, os quais teriam um poder de discriminação
maioria, serem marcadores bialélicos, isto é, possuí- próximo dos 13 STRs do CODIS. Este Consórcio
rem apenas dois alelos. Tal acontece porque a sua desenvolveu um multiplex de 52 SNPs (Sanchez et
taxa de mutação é muitíssimo baixa (10 vs. 10 nos
-8 -3
al., 2006), baseado na tecnologia SNaPshot, tendo
STRs), sendo, em média, no caso dos SNPs, de uma sido validado para uso forense (Musgrave-Brown
mutação por cada 100 milhões de gerações (Butler, et al., 2007). Com base neste multiplex, foram
2005). Assim, é extremamente improvável que duas efetuados vários estudos, quer com a totalida-
mutações pontuais ocorram numa mesma posição. de dos 52 SNPs, quer apenas com alguns SNPs,
Esta característica torna-os muito úteis na verificando-se a utilidade destes na resolução de
análise de casos em que existam incompatibili- simples casos de paternidade, assim como em ca-
dades genéticas nos sistemas STRs autossómicos sos mais complexos (Ballard et al., 2009; Borsting
e em casos envolvendo indivíduos que não se et al., 2011; Borsting et al., 2008; Dario et al.,
encontram geneticamente próximos, como nos 2009; Dario et al., 2011a; Dario et al., 2011b).
trios p.pai/mãe/filho. Quanto mais afastados ge- Também os INDELs demonstraram ser úteis
neticamente estiverem os indivíduos em estudo, na investigação de parentesco biológico (Friis et
maior será a probabilidade de terem ocorrido al., 2011; Neuvonen et al., 2011; Manta et al.,
mutações nos sistemas STRs estudados, dando 2012; Zidkova et al., 2011; Pereira et al., 2012), ten-
origem a incompatibilidades genéticas entre in- do para isso contribuído o multiplex Investigator
divíduos. Estas incompatibilidades, a somarem ao DIPplex, recentemente comercializado, para deter-
já de si pequeno número de alelos partilhados minação de um perfil genético destes marcadores
entre indivíduos geneticamente afastados, pode (Pereira et al., 2009).
dificultar a resolução do caso, tornando-o mes- Os INDELs permitem a obtenção de fragmen-
mo inconclusivo. A análise dos SNPs permitirá a tos de ADN mais pequenos que os obtidos pela
obtenção de informação genética adicional. amplificação de loci STR, possibilitando melhores
Todavia, o facto de estes marcadores apre- resultados a partir de amostras degradadas, como,
sentarem uma baixa taxa de mutação, é também por exemplo, de restos cadavéricos (Manta et al.,
2012; Romanini et al.), que, devido ao estado de Por outro lado, o surgimento das novas tec-
degradação, podem não permitir a obtenção de um nologias de sequenciação NGS (Next Generation
perfil genético de STRs para estudos de parentesco. Sequence) de segunda e terceira geração, de que
Contudo, o principal obstáculo à implemen- são exemplos o 454 e o ION Torrent, respetiva-
tação da análise de marcadores bialélicos, na ro- mente, permitem uma rápida sequenciação de
tina forense, prende-se com o limitado número grandes segmentos do genoma humano ou da
de marcadores possíveis de serem analisados, sua totalidade, a custos cada vez menores. Deste
simultaneamente, com a tecnologia existente modo, permitem a rápida determinação de um
nos laboratórios, pois esta tecnologia permite a grande número de loci SNP, a partir dos quais se
análise simultânea de poucas dezenas de SNPs, poderá obter um aumento no poder de análise
dificilmente ultrapassando a meia centena de genética nos casos de investigação biológica de
marcadores, devido a questões técnicas. parentesco (Berglund et al., 2011).
Todavia, os SNPs podem ser analisados atra- Porém, existem ainda problemas que terão
vés de uma grande variedade de tecnologias de de ser ultrapassados para a utilização destas tec-
processamento em larga escala, com análise de nologias, nomeadamente os problemas de análise
dados automatizada, de dezenas, centenas, ou estatística e informática, derivados de fenómenos
mesmo milhares destes marcadores, fornecendo de linkage entre SNPs que se encontrem próximos
um elevado poder de informação para análise e os problemas tecnológicos e computacionais
genética, o que seria muito útil na investiga- derivados da grande quantidade de ADN a ana-
ção de parentesco biológico. Como exemplos, lisar e da ainda elevada taxa de erro na leitura
referem-se os equipamentos de Microarrays (mi- da sequenciação do ADN (Berglund et al., 2011).
crochips) e de espectroscopia de massa MALDI- Apesar dos SNPs e dos INDELs não virem a
TOF (Matrix Assisted Laser Desorption/ Ionization substituir os STRs, pelo menos nos tempos mais
Time-Of-Flight). próximos, estes marcadores, assim como as tec-
Foi já realizado um estudo sobre o uso de nologias desenvolvidas nos últimos anos para a
SNPs, analisados com microchips de ADN, na in- sua deteção e análise, poderão vir a desempe-
vestigação de um caso muito complexo de paren- nhar, no futuro, um papel fundamental nas pe-
tesco biológico, nomeadamente, na investigação rícias mais complexas de investigação biológica
de presumíveis primos em segundo grau (Lareu de parentesco.
et al.). Este tipo de investigação, por recorrer a
um elevado número de marcadores, dificilmente
poderia ser realizado apenas através da análise de 9. CO N C LUSÃO
STRs, mesmo conjuntamente com os multiplex de
SNPs e INDELs analisados por eletroforese capilar. As perícias de investigação biológica de pa-
Estas tecnologias dificilmente serão implementa- ternidade, no caso dos trios p.pai/mãe/filho(a), são
das nos laboratórios forenses, pelo facto de serem realizadas nos Laboratórios de Genética Forense,
tecnologias muito dispendiosas. essencialmente, através do estudo de 15 ou 17
STRs pelos sistemas PowerPlex® 16 (/HS) System Por outro lado, todos os Laboratórios de
e/ou AmpFℓSTR® Identifiler® (/Direct/Plus). Genética Forense possuem idêntica tecnologia,
Embora estes sejam os casos mais comuns, necessária para o estudo daqueles marcadores,
são, também, solicitadas investigações biológi- o que facilitará o intercâmbio de dados do ponto
cas de paternidade em casos com dois ou mais de vista nacional e internacional, mesmo neste
pretensos pais, ou com dois ou mais pretensos tipo de investigações.
filhos, sendo que, também nestes casos, a base Porém, podem, também, ser utilizados, em
de estudo será sempre o trio p.pai/mãe/filho(a). investigações biológicas de parentesco mais com-
Mas nem sempre há a possibilidade do es- plexas, outros marcadores genéticos. Consoante
tudo de um trio, pelo que as investigações serão o caso, pode recorrer-se ao estudo de Y-STRs para
de casos incompletos, o que muitas vezes torna estabelecimento da linha paterna, ao estudo de
os casos bastante mais complexos. Nestas situa- ADN mitocondrial no caso de ser necessário o
ções, recorre-se à investigação de paternidade estabelecimento da linha materna ou, em casos
com familiares do pretenso pai, o que levará ao especiais, ao estudo dos STRs do cromossoma
estudo dos pretensos avós, de pretensos tios ou X, que são passados intactos de pais para filhas,
de filhos do pretenso pai, com possibilidade ou podendo, assim, estabelecer-se uma hipótese de
não do estudo das respetivas mães. relação de irmandade.
Mas a realidade com que o Laboratório se Os SNPs autossómicos que usam a tecno-
depara, por vezes, é bastante complexa, e em- logia de sequenciação e determinação de perfis
bora dispondo de tecnologia adequada para as de STRs, são os marcadores que, atualmente,
investigações biológicas de parentesco, pode ser começam a ser utilizados, com muito êxito na
necessário proceder a novas avaliações dos dados prática forense, assim como o estudo de INDELs,
familiares fornecidos ao Laboratório. Em certas para complementar investigações complexas de
situações, por impossibilidade de estudo dos fa- parentesco.
miliares do pretenso pai falecido, pode, por ordem Têm, também, sido implementadas bases de
do Tribunal, ter de se proceder à exumação do dados populacionais de perfis genéticos de STRs
cadáver para recolha de material biológico dis- para estudo das respetivas frequências alélicas, a
ponível (ossos, dentes), de modo a realizar uma aplicar nos cálculos estatísticos realizados através
investigação de paternidade direta. do programa Familias, considerando a dinâmica
Embora os 17 STRs autossómicos sejam os populacional do respetivo Laboratório, que va-
marcadores, por excelência, para este tipo de in- ria, consoante o fluxo populacional imergente e
vestigações, por vezes, em casos mais complexos, emergente, que se vai estabelecendo a nível das
pode ser necessário aumentar o número destes diversas Comunidades.
marcadores, recorrendo a outros sistemas multi- O surgimento das novas tecnologias de
plex utilizados nas perícias forenses - AmpFℓSTR® sequenciação NGS (Next Generation Sequence)
NGM , um multiplex de nova geração, comple-
TM
de segunda e terceira geração, como o 454 e o
mentado com o sistema PowerPlex® SE. ION Torrent, respetivamente, irão permitir uma
genética nos casos de investigação biológica de Egeland, T., Mostad, P. F., Mevag, B. e Stenersen, M. (2000).
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Capítulo 5
ALGUNS CONCEITOS DE GENÉTICA POPULACIONAL
COM RELEVÂNCIA EM GENÉTICA FORENSE
Luís Souto
Departamento de Biologia, Universidade de Aveiro
CENCIFOR - Centro de Ciências Forenses
DOI | HTTP://DX.DOI.ORG/10.14195/978-989-26-0957-7_5
RESUMO SUMMARY
A Genética Forense não faz sentido sem a Genética das Forensic Genetics makes no sense without the Population
Populações, pois é nesse ramo da Biologia que radica a Genetics, because it is the branch of biology where lies
validade da aplicação das suas metodologias. A amostra the validity of the application of its methodologies. The
forense ao ser analisada revela uma informação que tem forensic sample analysis reveals information that has to
que ser enquadrada no contexto de uma população à qual be framed in the context of a population to which belong
pertencerá o indivíduo ou indivíduos que produziram uma the individual or individuals who have produced such a
tal amostra, seja ela de referência (para comparação) ou sample, either reference (for comparison) or unknown
a amostra-problema de um caso. Atribuir um maior ou samples. Assign a greater or smaller weight to informa-
menor peso à informação obtida analiticamente implica tion obtained analytically implies the understanding of
a compreensão de alguns princípios basilares da genética some basic principles of population genetics including
populacional entre os quais o de Hardy-Weinberg, as cau- the Hardy-Weinberg, the causes of deviations from this
sas de desvios a esse princípio e as formas de o detetar. principle and ways to their detection.
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Genética forense; genética populacional; Hardy-Weinberg. Forensic genetics; Population genetics; Hardy-Weinberg.