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HISTÓRIAS DE BATUQUES

E BATUQUEIROS:
Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre

Denis Pereira Gomes


Jovani de Souza Scherer
Vinicius Pereira de Oliveira
Denis Pereira Gomes
Jovani de Souza Scherer
Vinicius Pereira de Oliveira

HISTÓRIAS DE BATUQUES
E BATUQUEIROS:
Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre

E-book

Pelotas, 2021
© Dos Autores 2021

Editoração: Denis Pereira Gomes e Luiz Felippe Leal Gomes


Capa: Denis Pereira Gomes
Imagens da capa: Acervo dos autores
Revisão: Miriam Queiroz Müller

E-book

Edição dos autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


( C â m a r a B r a s i l e i r a d o L i v ro , S P, B r a s i l )

O l i v e i r a , Vi n i c i u s P e r e i r a d e
Histórias de batuques e batuqueiros
[livro eletrônico] : Rio Grande, Pelotas e Porto
A l e g r e / Vi n i c i u s P e r e i r a d e O l i v e i r a , D e n i s P e r e i r a
G o m e s , J o v a n i d e S o u z a S c h e r e r. - - P e l o t a s , R S :
Ed. dos Autores, 2021.
PDF

ISBN 978-65-00-31645-2

1. Batuque (Culto) - Rio Grande do Sul 2. Cultos


afro-brasileiros - Rio Grande do Sul 3. Negros - Usos
e costumes - Rio Grande do Sul 4. Orixás - Culto -
Rio Grande do Sul I. Gomes, Denis Pereira.
I I . S c h e r e r, J o v a n i d e S o u z a . I I I . T í t u l o .

21-83422 CDD-299.8165

Índices para catálogo sistemático:

1. Rio Grande do Sul : Estado : Batuque de Nação :


Cultos afro-brasileiros : Religião 299.8165

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380


Em memória do Mestre Carlos Galvão
Krebs, pela sua doação ao estudo pioneiro do Batu-
que do Rio Grande do Sul.

Agradecemos imensamente à família do


Mestre por preservar seu acervo e permitir acesso
às informações aqui utilizadas, especialmente à sua
neta Cristina Krebs.
Carlos Galvão Krebs

Nascido em São Gabriel no ano de 1914, falecido em Porto Alegre em 1992. Foi um etnógrafo e fol-
clorista brasileiro, formado em Direito, História e Geografia e Artes Plásticas. Foi funcionário da Secretaria de
Educação do Estado do RS e fundador do Instituto de Tradição e Folclore, origem do IGTF (Instituto Gaúcho
de Tradição e Folclore), ao lado de figuras como Dante de Laytano e Paixão Cortes.
Foi um dos pioneiro no estudo etnográfico da religiosidade de matriz africana no Rio Grande do
Sul, ao lado de Dante de Laytano, Roger Bastide e Melville Herskovits. A partir de fins da década de 1940,
frequentou diversas casas de Batuque em Porto Alegre, com destaque para as de Mãe Moça de Oxum, Mãe
Andrezza de Oxum, Mãe Apolinária de Oyá, Mãe Ester de Iemanjá, Mãe Maria Horária do Bará, Pai Floren-
tino do Ogum e Irmão Laudelino Manoel de Souza (umbanda). Em uma época na qual o Batuque era alvo de
perseguições, publicou diversas reportagens em jornais e revistas do Brasil, buscando levar ao grande público
um pouco de conhecimento sobre o tema.
Dialogou com muitos folcloristas e etnógrafos como Câmara Cascudo, Peixe Grande, Edson Carnei-
ro e Veríssimo de Melo. Criou o primeiro curso de folclore do estado, nos anos 50. Entre fins da década de
1950 até 1980, voltou-se ao estudo do folclore gaúcho, em seus diversos aspectos. Temas como: congadas e
maçambique de Osório, cultura campeira, saberes e ofícios tradicionais, entre outros. Autor do livro Estudos
de Batuque (Krebs, 1988).
Sumário

1 - Introdução...............................................................................................................................................7

2 - Sobre os autores.......................................................................................................................................9

3 - Culto aos Orixás no Rio Grande do Sul...............................................................................................10

4 - As sementes do Batuque: religiosidades africanas no Rio Grande do Sul.......................................11


4.1 - Os batuques nos territórios negros de Rio Grande e Pelotas..........................................................12
Pelotas e os batuques na Várzea..........................................................................................................12
Elvira: uma liderança afro religiosa na Várzea...................................................................................16
O Arroio Santa Bárbara, a Praça Cipriano Barcelos e os ritos fúnebres afro brasileiros...................16
4.2 - Os territórios negros de Rio Grande e seus batuques......................................................................20
A comunidade de africanos minas e a religiosidade afrodescendente................................................22
4.3 - As religiosidades negras na Porto Alegre do século XIX...............................................................25
Porto Alegre e o Candombe da Mãe Rita...........................................................................................25
A Irmandade do Rosário de Porto Alegre...........................................................................................28
Os Mina e os Nagô em Porto Alegre – as nações da liberdade..........................................................30
A Semente do Batuque........................................................................................................................31
Os becos do centro antigo...................................................................................................................34

5 - O território negro do Areal da Baronesa............................................................................................37


A religiosidade afro no Areal..............................................................................................................40
Lideranças Religiosas na Cidade Baixa..............................................................................................41
Custódio Joaquim de Almeida - o Príncipe africano..........................................................................41

6 - Os territórios negros da Colônia Africana e da Bacia do Mont Serrat...........................................48


6.1 - Religiosidade negra.........................................................................................................................51
Pai Antoninho da Oxum - nação Oyó.................................................................................................52
Mãe Andreza de Oxum.......................................................................................................................53
Mãe Apolinária de Oyá.......................................................................................................................54
6.2- A natureza e os orixás.......................................................................................................................55
6.3- Alguns outros territórios negros.......................................................................................................56
6.4 - A expulsão da população negra da Colônia Africana e do Mont Serrat..........................................56

7 - Proposta de atividade para uso em sala de aula................................................................................58

8 - Sugestão de documentários sobre o Batuque do RS.........................................................................60

Referências Bibliográficas..........................................................................................................................62

Notas............................................................................................................................................................70
Introdução

Histórias de batuques e batuqueiros, para batuqueiros. Assim foi pensada esta publicação, que tem
como objetivo analisar a formação histórica das religiosidades de matriz africana no Rio Grande do Sul, par-
ticularmente focando no Batuque de Nação.
Mediante um leque variado de fontes históricas (documentos estatais, jornais, depoimentos orais de
afro religiosos, registros de pesquisa, etc), bem como da bibliografia especializada, buscamos oferecer ao lei-
tor um panorama sobre o tema. Mais do que responder a todas indagações e lacunas que permeiam a temática,
propomos, acima de tudo, levantar questões para o debate.
Não se trata de uma publicação sobre "fundamentos" do Batuque, ou seja, sobre a sua "liturgia", mas
sim sobre alguns aspectos da sua formação. Para tal, foi dada especial atenção à noção de território negro,
espaços onde se construíram diversas práticas de resistência e solidariedade da comunidade negra, buscando
perceber a sua importância para a questão da religiosidade.
Usufruindo da liberdade que a poesia da vida nos permite, entendemos como territórios negros os
lugares nos quais, no suor do dia a dia e no enfrentamento da incompreensão, a comunidade afrodescendente
construiu e plantou suas raízes, seu projetos de vida, seus sonhos, suas lutas, seus amores e dessabores, seus
lazeres e suas religiosidades. Firmando assim uma identidade quanto a estes espaços.
Esse caminho foi trilhado a partir dos territórios negros das cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto
Alegre, berços do Batuque no estado, localidades que no século XIX foram não só cidades negras, mas tam-
bém africanas.
Trabalhadores e trabalhadoras escravizados, libertos e livres construíram ao longo dos tempos, com
seu trabalho, não só a prosperidade dessas terras, mas também uma importante e significativa parcela da cul-
tura nacional. Vidas negras, acima de tudo. Celebremos nossa ancestralidade negra!
As práticas de relação com o sagrado africano podem ser vistas dentro de um leque maior de expe-
riências de resistência negra, que ao longo da história englobaram também a luta pela alforria, a formação de
clubes sociais negros, de irmandades religiosas de homens de cor, bem como de formas mais radicais de re-
sistência como as fugas e a formação de quilombos. Lutas anti-racistas. Lutas coletivas. Todas elas, de formas
complementares, foram essenciais para a existência desses grupos.
Segundo o Censo de 2010, o Rio Grande do Sul é o estado do Brasil com maior percentual de pes-
soas auto-declaradas como adeptas de religiões de matriz africana. São dados que demonstram a presença
marcante, em um estado que insiste em se "vender" como branco e europeizado, de terreiros de religiosidade
de matriz africana, portadores de uma diversidade de linhagens e pertencimentos ancestrais e identitários, tais
como o Batuque de Nação, a Umbanda, a Quimbanda e em dimensão menor o Candomblé.
Mas se as narrativas tradicionais e conservadoras sobre a formação do Rio Grande do Sul nem sem-
pre contemplam a importância da população afrodescendente, nas memórias de famílias negras, nas falas dos
movimentos sociais e nas práticas dos afro religiosos ela permaneceu viva, resistindo no dia a dia de suas vidas
e lutas. Igualmente muitos pesquisadores acadêmicos - entre eles diversos afro religiosos e afrodescendentes
- têm já, há alguns bons anos, buscado contribuir para a construção de narrativas alternativas a esta invisibili-
zação da cultura negra. É a este conjunto de esforços que, modestamente, almejamos nos aproximar.
Esperamos que ao longo destas páginas o leitor possa adentrar, ainda que brevemente, nos cortiços e
territórios negros das cidades estudadas e, de lá, acompanhar as experiências dessas batuqueiras e batuqueiros
do passado. Se suas práticas eram vistas pelo olhar etnocêntrico e normatizador das classes dominantes sim-
plesmente como casos de curandeirismo e charlatanismo e tachadas de forma pejorativa e condenatória como
7
feitiçaria ou magia, por outro lado podem ser pensadas como forma de resistência, como elementos para cons-
trução de identidades, de alicerçamento de comunidades e territórios, como recurso para vivenciar o coletivo
e buscar conforto espiritual e social.
Este trabalho que ora apresentamos foi viabilizado mediante apoio do Edital Criação e Formação -
Diversidade das Culturas (SEDAC/RS), com recursos provenientes da Lei Aldir Blanc (Lei 14.017/20). É re-
sultado dos debates desenvolvidos pelo "Coletivo Moforibalé: Batuque e História", formado pelos três autores
e tem como objetivo apresentar uma abordagem introdutória sobre a formação histórica das religiosidades de
matriz africana no Estado, reservando para uma publicação futura o aprofundamento de uma série de possíveis
questões. Nele apresentaremos os resultados parciais de uma pesquisa ainda em andamento, colocando-nos o
desafio de escrever para um público diversificado (professores, estudantes, batuqueiros, ativistas de movimen-
tos sociais) sem, no entanto, abandonar o rigor teórico-metodológico e conceitual necessário.
Quanto ao conteúdo que segue, o leitor encontrará, inicialmente, uma brevíssima e simplificada des-
crição do Batuque e dos orixás cultuados no estado. No capítulo seguinte, denominado As sementes do Batu-
que, retornamos ao século XIX com o objetivo de traçar um panorama sobre as formas de religiosidade negra
visualizadas nos registros históricos. Na sequência, adentra-se o século XX a partir da análise dos territórios
negros onde o Batuque se estruturou na cidade de Porto Alegre: Areal da Baronesa, Colônia Africana e Bacia
do Mont Serrat. Algumas lideranças do Batuque receberam um pouco mais de atenção, como foi o caso de Pai
Antoninho da Oxum, Mãe Andreza, Mãe Apolinária e o lendário Príncipe Custódio Joaquim de Almeida. Por
fim, apresentamos uma sugestão de atividade didática para uso escolar, bem como, uma listagem de alguns
documentários sobre o Batuque do Rio Grande do Sul.
Optamos por colocar indicações da bibliografia utilizada, das fontes consultadas e outras observações
em notas de fim de livro, para tornar a leitura mais leve. Mas o interessado em verificar a procedência das fon-
tes documentais citadas e das afirmações colocadas, bem como no aprofundamento de alguma questão, pode
recorrer a estas notas. Muitos dos artigos, dissertações e teses citadas encontram-se disponíveis gratuitamente,
de forma online, na internet.
Colocar em destaque as matrizes africanas da nossa história é uma maneira de saudar os princípios
democráticos mais profundos na formação cultural e religiosa brasileira, em tempos cada vez mais marcados
pela intolerância com a diferença e pela crítica ao reconhecimento da diversidade, ambas alimentadas pelo
desconhecimento do passado. Entendemos não haver forma melhor de combater a ignorância do que o conhe-
cimento. Os velhos estigmas que pairam sobre a religiosidade de matriz africana e a comunidade batuqueira
não devem mais persistir no presente. Essa publicação busca potencializar a valorização da diversidade étni-
co-cultural e servir como instrumento para o enfrentamento à intolerância religiosa e ao racismo estrutural em
salas de aula, em casas de religião, e onde mais se queira discutir e ampliar a compreensão relativa ao Batuque
e sobre os batuqueiros de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas.

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Sobre os autores

Denis Pereira Gomes


Licenciado em História/Ulbra Canoas, Licenciado em Geografia Uniasselvi, Especialista em História do RS/
UNISINOS. Linhas de pesquisas: Rev. Federalista, Movimento tenentista de 1926, formação do Batuque em
Porto Alegre. Babalorixá Nação Cabinda.

Jovani de Souza Scherer


Licenciado em História/UFRGS (2005). Mestre em História/UNISINOS (2008). Atualmente cursa Douto-
rado em História/UFRGS, com foco na história do Príncipe Custódio Joaquim de Almeida. Tem trajetória
de pesquisa sobre temas ligados às experiências negras no Brasil Império, tais como alforrias, liberdade e
escravidão de africanos no Rio Grande do Sul e a formação do Batuque no estado. Capoeirista desde 2003,
integra a Escola de Capoeira Angola Africanamente desde 2012, onde é discípulo do Mestre Guto Obafemi.

Vinicius Pereira de Oliveira - Vinicius de Aganjú:


Licenciado em História/UFRGS (2002). Mestre em História/UNISINOS (2005) e Doutor em História/
UFRGS (2013). Pesquisa temas relacionados à trajetória da população afrodescendente no Rio Grande do
Sul, como: experiências de escravidão, liberdade e resistência; lanceiros negros farroupilhas; comunidades
remanescentes de quilombos; Batuque e afro religiosidade. Iniciado e aprontado no Batuque de Nação Jêje,
pelas mãos da Mãe Maria do Xangô (Maria Vieira Ferrão - Porto Alegre), da bacia de Joãozinho do Exu Bí.
Reafirmado na Nação Ijexá pelas mãos da Mãe Nara do Xapanã (Nara Louro - Pelotas), da bacia de Zeca
Pinheiro do Xapanã Obirobô (Porto Alegre). Autor do livro De Manoel Congo a Manoel de Paula: um afri-
cano ladino em terras meridionais (Porto Alegre: EST Edições, 2006).

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3 - Culto aos Orixás no Rio Grande do Sul

Para os adeptos do Batuque, os orixás são representações das forças da natureza e de tudo que existe
no mundo. Os orixás cultuados no Rio Grande do Sul são originários da cultura nagô, mas o culto de Nação
Africana, como era denominado o "Batuque" até meados dos anos 60, possui também elementos da cultura
Jeje, atual região do Benin.
O Batuque ( terminologia dada pelos brancos, que foi adotada pelos seus praticantes ao longo do
tempo) é bastante difundido em todo o estado do RS e na região platina. Atualmente cultua as nações Oyó,
Ijexá, Jeje, Cabinda e Nagô.
Vejamos, a seguir, os orixás cultuados no Rio Grande do Sul e suas características:

Exu (Bará): orixá de extrema importância pois no culto faz a ligação dos homens com os deuses.
É o orixá mais próximo dos seres humanos. Sendo dono dos caminhos, tem o poder de abri-los ou fechá-los,
trancando ou destrancando situações. Representa a força que movimenta o universo. Saudação: Alupô.
Ogum: é o dono do ferro e de todos os seus derivados, como armas e ferramentas. Também é dono
da bebida alcoólica e é considerado o senhor da guerra. É esposo de Iansã. Senhor das demandas. Saudação:
Ogunhê.
Iansã/Oyá: dona dos ventos, das tempestades e dos raios, é uma orixá guerreira. Ligada aos rituais
dos eguns (espíritos). Saudação: Epaêi-o.
Xangô: orixá enérgico, é considerado o dono dos trovões e do fogo, regente dos intelectuais e de
todos que lidam com as leis e com a justiça. Seu símbolo é a balança, o livro e o machado duplo. Saudação:
Caô Cabecile.
Ibedji: considerados orixás gêmeos, são divindades infantis, os protetores das crianças. Tem seu ritu-
al ligado ao culto de Xangô e Oxum). Saudação: Iê-Iê-o Oxum Ibedje e Caô Cabecile Xangô Ibedje.
Odé/Otim: casal ligado às matas; caçadores. Saudação: Okebambo.
Obá: tem em seu culto muitos fundamentos secretos. Sua feitura é complexa sendo poucos os sacer-
dotes que a conhecem a fundo. Dona do movimento e da cura, seu símbolo é a roda. Saudação: Exó.
Ossanha: também referido como Ossae ou Ossanhe, é o médico entre os orixás. É o dono das folhas,
das plantas medicinais, sem as quais não haveria nenhum ritual. Saudação: Êu êu.
Xapanã: conhecido também como o orixá da varíola, rege as doenças (principalmente as pestes e
doenças de pele) e está ligado diretamente à saúde. Pode tanto espalhar as doenças como curá-las. Com sua
vassoura varre os males em geral, particularmente as doenças. Saudação: Ábao.
Oxum: dona das águas doces, da riqueza e do ouro, sendo assim considerada a regente da prosperida-
de. Associada à vaidade, à beleza e ao amor. Rege a fecundidade feminina, protegendo as gestações. Mulheres
grávidas ou que querem engravidar recorrem sempre a Oxum. Saudação: Iê-Iê-o.
Iemanjá: divindade das águas salgadas, é considerada a orixá do pensamento, dos oceanos, protetora
dos lares, da família e de todos que dependem do mar (marinheiros, pescadores). A grande Mãe de todos os
orixás. Saudação: Omiodo.
Oxalá: pai de todos os Orixás, rege a harmonia, o equilíbrio, a serenidade e a sabedoria. No Rio
Grande do Sul é também o Orixá do Ifá, ou seja, dono do oráculo e adivinhação pelo jogo dos búzios. É o mais
velho dos orixás. Saudação: Epaô-babá

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4 - As sementes do Batuque: religiosidades africanas no Rio Grande do Sul

Ao andar por entre as ruas, becos e encruzilhadas de alguns dos antigos territórios negros de diversas
cidades do Brasil, é possível perceber claramente a forte presença da religiosidade de matriz africana. Em
Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas não é diferente. Estas cidades são referidas na memória de muitos afro
religiosos antigos como sendo os berços do Batuque de Nação no estado, já que a região concentrou grandes
quantidades de africanos e afrodescendentes e estava articulada com o único porto marítimo do estado, pelo
qual adentrava a maior parte destes trabalhadores.
As sementes do Batuque (culto aos orixás africanos) podem ser encontradas ao longo do século XIX
nestas cidades. Não apenas em uma ou em outra. Todas foram berços simultâneos do culto aos orixás no es-
tado. Foram importantes centros econômicos, cidades negras que rec eberam grandes levas de africanos de
diversas origens, inicialmente mais bantos (congos, cabindas, benguelas, cassanges, moçambiques), depois
com a maior entrada dos iorubanos (minas, jejes, nagôs, haussás etc). É justamente da tradição cultural destes
últimos, originários da África Ocidental, que emerge o culto aos orixás no Rio Grande do Sul1.
Importante é reafirmar que o Batuque não descende
POPULAÇÃO AFRICANA EM RIO GRAN-
do Candomblé bahiano, nem do Xangô de Pernambuco. Ain-
DE E PELOTAS
da que a memória batuqueira refira a possíveis relações des-
A proporção de africanos entre a população de Rio
tas religiões irmãs com o Batuque, mediante alguns persona-
Grande e Pelotas variou ao longo do século XIX. Em Rio
gens de lá migrados em algum momento, todas estas práticas
Grande, até 1830, a cada cinco africanos pelo menos quatro
de relação com o sagrado foram frutos da diáspora africana
eram originários da África Central Atlântica, ou de Congo
nas américas. Cada uma representa um arranjo possível do
e Angola. Ou seja, mais de 80% dos africanos eram bantos.
que chamamos, genericamente, de religiões de matriz afri-
Nessa época, os africanos ocidentais, Minas e Nagôs, eram
cana ou religiões afro-diaspóricas, presentes inclusive em
apenas cerca de 10%.
outros países, como a Santeria cubana ou o Vodu haitiano.
Ao longo do século, no entanto, a proporção de pes-
Foi a partir das sementes plantadas ao longo de dé-
soas trazidas da África Ocidental foi aumentando gradati-
cadas de vivências negras que veio a ocorrer, no início do
vamente sua participação no total de africanos nesta cidade
século XX, o que se pode chamar de institucionalização do
portuária.. Entre 1831 e 1850 eles correspondiam a cerca de
Batuque no Rio Grande do Sul: o estabelecimento de um mo-
20 % dos africanos, e entre 1850 e 1865 já chegavam a 40%.
delo organizado a partir das "casas de nação", com rituais
Ocorreu um processo semelhante em Pelotas. As
e lideranças publicamente reconhecidas - mesmo que, por
pessoas provenientes da África Central Atlântica predomi-
vezes, perseguidas. Um momento de organização de uma
navam entre 1830 e 1850, enquanto os africanos ocidentais
certa forma de vivenciar o culto aos orixás vigente até os
representavam cerca de 30% dos escravizados. Entre 1850
dias de hoje. Processo esse acompanhado, obviamente, por
e 1888 os ocidentais tornam-se a maioria entre os africanos
mudanças, transformações e reconfigurações, uma vez que
escravizados, chegando a cerca de 50% da população afri-
nenhuma cultura é estática e sofre variações para que possa
cana.
continuar existindo em diferentes contextos.
Os africanos ocidentais viriam a ser, contudo, real-
Para compreender como essa tradição se construiu
mente atuantes no mercado da liberdade. Alcançando níveis
historicamente, é fundamental buscar se aproximar do ponto
de alforria de quase o dobro da sua proporção entre escravi-
de vista daqueles que a viveram. Para tal, tentar reconstituir
zados tanto em Pelotas como em Rio Grande (Scherer, 2008;
os territórios negros onde as sementes do Batuque germina-
Pinto, 2012; Pinto, 2018).
ram é um recurso para tentarmos ouvir hoje as vozes de ba-
tuqueiras e batuqueiros de antigamente.

11
Convidamos o leitor a percorrer alguns dos territórios negros nos quais as sementes do Batuque ger-
minaram ao longo do século XIX e XX, com destaque para as cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre.

4.1 - Os batuques nos territórios negros de Rio Grande e Pelotas


O porto de Rio Grande e as charqueadas pelotenses são dois espaços emblemáticos para os
adeptos das religiões de matriz africana. Por lá adentraram milhares de trabalhadoras e trabalhadores africa-
nos e afro-brasileiros que foram responsáveis não apenas por carregar o Brasil nas costas, mas também, por
contribuírem com a riqueza da cultura brasileira, da qual o culto aos orixás faz parte.

Pelotas e os batuques na Várzea


As mais antigas referências associadas ao batuque em Pelotas são as memórias de dois viajantes es-
trangeiros: a primeira é a descrição de um casamento de negros efetuada por Carl Seidler em 1827, às margens
do Canal São Gonçalo, onde foi utilizado um instrumento percussivo aos moldes do atualmente conhecido
tambor de sopapo (Seidler, 2003, p. 316-317)2.
SOPAPO
Mestre Baptista com tambores de sopapo - Pelotas

O tambor de sopapo é considerado um instrumento


afro-gaúcho. Foi largamente utilizado no carnaval antigo
destas cidades e teve seu uso resgatado a partir dos anos
2000. Em agosto de 2021, foi reconhecido como Patrimô-
nio Imaterial da cidade de Pelotas (Lei n. 9615/21). Nas
palavras do músico e estudioso Marco Maia, o sopapo é:
"[...] um gênero de tambor de grandes dimensões
conhecido hoje nas cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto
Alegre, é cercado por incertezas quanto às suas origens e
Fonte: Junior (2013) circulação. Produto da reconstrução diaspórica, atribuído
aos escravos trabalhadores nas Charqueadas em Pelotas e
Segundo Nei Lopes: “A Diáspora africana com- Rio Grande, no século XIX, o instrumento foi amplamente
preende dois momentos principais. O primeiro, gerado usado a partir da década de 1940 em escolas de samba nes-
pelo comércio escravo, ocasionou a dispersão de povos tas cidades, conferindo particularidades ao samba executa-
africanos tanto pelo Atlântico quanto pelo oceano Índi- do pelas baterias destas escolas". (Maia, 2008, p. 13-14)
co e mar Vermelho, caracterizando um verdadeiro ge-

nocídio, a partir do século XV - quando talvez mais de

10 milhões de indivíduos foram levados, por traficantes

europeus, principalmente para as Américas. O segundo

momento ocorre a partir do século XX, com a emigra-

ção, sobretudo para a Europa, em direção às antigas

metrópoles coloniais. O termo “diáspora” serve também

para designar, por extensão de sentido, os descendentes

de africanos nas Américas e na Europa e o rico patrimô-

nio cultural que construíram.” (Lopes, 2004)


Fonte: Wendroth (1982)

12
Uma segunda referência aparece nos relatos do francês Nicolau Dreys sobre sua viagem ao Brasil
(1818-1827). Ao retratar o trabalho das charqueadas, referiu não ser raro ver os escravizados "consagrar a
seus batuques as horas de repouso que decorrem desde o fim do dia até o instante da noite em que a voz do
capataz se faz ouvir" (Dreys, 1839, p. 204)3.

Mercado Público Municipal de Pelotas - sem data.

Fonte: Rubira (2012)

Mercado Público Municipal de Pelotas. Pátio interno, em dia de comércio - data não informada

Fonte: Rubira (2012)

13
CHARQUEADA

As primeiras charqueadas rio-grandenses surgiram em fins do séc. XVIII. Eram estabelecimentos de pro-
dução de carne seca salgada e de outros subprodutos de origem bovina como couros secos, sebo, graxa, cascos,
chifres e crinas. Esta carne seca, ou charque, tornou-se o alimento básico da escravaria em amplas regiões da
América. A escravidão era a mão de obra básica destes estabelecimentos, podendo empregar por vezes cerca
de 150 escravizados. A região de Pelotas concentrou a maior parte das charqueadas rio-grandenses, as quais
geralmente se situavam nas margens dos arroios, rios e lagoas, tanto por necessitarem das águas como local de
despejo de grande quantidade de sangue dos animais abatidos, como também pela facilidade do transporte náu-
tico do produto desta manufatura para o porto de Rio Grande e a partir daí para diversas localidades atlânticas.

Aquarela de uma Charqueada de Pelotas – Aquarela de J.B. Debret (1829)

A região da Várzea, juntamente com as margens do Arroio Pelotas, do Arroio Santa Bárbara e do
Canal São Gonçalo, foi ao longo dos séculos XIX e XX área destacada de moradia, trabalho e religiosidade
popular e afro brasileira na cidade de Pelotas (Moreira e Al- Alam, 2013, p. 135-136). O documento abaixo
noticia uma batida policial em uma casa onde se realizava um culto de matriz africana, localizada na região da
Várzea, vizinha do espaço portuário e que compreende os atuais bairros do Porto, Baixada, Fátima, Navegan-
tes e Balsa. É uma área até os dias de hoje marcada por um grande número de casas de religiosidade de matriz
africana. No dia 22/03/1885 o jornal Diário de Pelotas estampava a seguinte notícia:
"Prisão de Feiticeiros - A polícia particular efetuou anteontem, às 10 horas da noite, na
várzea, a prisão de uma tribo de feiticeiros, ou antes, de larápios industriosos; porque os feiticeiros
desapareceram na mesma ocasião em que se ocultaram para sempre os astrólogos.
Agora só há feiticeiras, e estas a polícia só cumpre-lhe tratá-las gentilmente.
O comandante da polícia particular que pensa do mesmo modo, e sabe distinguir as cousas,
conhece bem a diferença que existe entre feiticeiros e feiticeiras.
Por isso mesmo, anteontem ás 10 horas penetrou na casa de um feiticeiro e surpreendeu-o
no momento em que, precedido de sua corte, trajava vestimenta imperial, semelhante a um imperador
de comédia.
Pois assim mesmo trajado, o Sr. Comandante da polícia particular o fez seguir para o xadrez.
E não houve apelação nem agravo, imperador e Corte lá foram a caminho da prisão.
Bravo! A polícia virou a republicana.
Guerra de morte aos imperadores… feiticeiros.
- Dizem-nos que este imperador já foi preso no Rio Grande, pelo subdelegado de polícia,
Sr. Tigre Junior.
É um desgraçado o tal imperador." 4

14
Interessante chamar a atenção para o fato da liderança religiosa, tratada negativamente como "feiti-
ceiro", estar usando uma "vestimenta imperial". Seria um axó ("roupa" no idioma iorubá, usado como veste
ritualística nas cerimônias do Batuque)?

Trabalhadores negros no RS - 1852 - Aquarelas de Wendroth

Fonte: Wendroth (1982)

Arredores da cidade de Pelotas - 1852

Fonte: Wendroth (1982)

Mas o documento possibilita também pensar a tônica do que foi a postura recorrente da imprensa,
do estado brasileiro e da sociedade branca para com a cultura afro religiosa: o preconceito, a condenação e a
ironia. Ao denominar as práticas afro religiosas como feitiçaria, magia e curandeirismo, a cultura dominante
brasileira demonstrou a sua incompreensão e a sua intolerância para com as práticas sagradas oriundas do
continente africano. Passado ou presente?

15
Elvira: uma liderança afro religiosa na Várzea
Talvez a mais célebre afro religiosa que as fontes históricas tenham permitido conhecer para o sécu-
lo XIX em Pelotas tenha sido Elvira. Em diversos momentos, a "preta Elvira" - como é tratada nas fontes -,
aparece sendo reprimida em suas práticas, o que sugere que fosse uma importante liderança. No dia doze de
junho de 1878, por exemplo, agentes da Polícia invadiram o local onde Elvira comandava um ritual, situado na
Várzea, e apreenderam "diversos objetos de que se serviam". A maior parte dos presentes, porém, conseguiu
fugir, sendo preso apenas um único "devoto" do "manipanso" (Monquelat, 2014, p. 57-58).

Uma trabalhadora negra - RS (1852) No dia sete de julho de 1879, o jornal Correio Mercan-
til relatou que, em pleno dia, Elvira fora "apanhada" novamente
pelos lados da Várzea em flagrante delito por "feitiçaria". E cerca
de um ano depois Elvira volta a ser notícia, quando na noite de
25/07/1880 a polícia deu uma batida na casa desta "muito conhe-
cida feiticeira", na rua 24 de Outubro (atual Tiradentes). Nela es-
tavam presentes 14 pessoas que dançavam "ao som de berimbau e
uma gaita" (Monquelat, 2014, p. 90-91).
Apesar de ter sido detida diversas vezes, Elvira perma-
necia a praticar sua fé e a agregar pessoas escravizadas, livres e
forras, demonstrando a força e a importância desta cultura para a
comunidade negra da cidade. A polícia, porém, não compreendia o
Fonte: Wendroth (1982) ocorrido desta forma: todos materiais ritualísticos encontrados em
uma dessas batidas foram queimados numa fogueira no pátio do
quartel. Quantas 'Elviras' Pelotas conheceu e reprimiu?

O Arroio Santa Bárbara, a Praça Cipriano Barcelos e os ritos fúnebres afro brasileiros
A Praça Cipriano Barcelos é conhecida pela memória popular como a Praça dos Enforcados. Embora
não tenha sido o único local no qual ocorreram enforcamentos de escravizados condenados pela justiça, este
local acabou ecoando a lembrança destes tristes momentos5.
No centro dessa praça, exatamente onde hoje está localizado o prédio do Pop Center (inaugurado
em 2012), antigamente corria o leito do Arroio Santa Bárbara. Tanto essa área, como a Várzea e o Porto, ti-
nham em comum serem áreas propensas a alagamentos, espaços de moradia e de intensas vivências populares
e negras. Locais onde desde o século XIX ocorriam batuques, nos quais escravizados fugidos por vezes se
escondiam em moradas de "pessoas de cor" e onde a população trabalhadora confraternizava em botequins e
cortiços, bebendo e dançando, para o desgosto da elite branca.

16
Mapa de Pelotas, século XIX

Fonte: Arquivo Nacional, Fundo Ministério da Guerra


(escritas em vermelho foram acrescidas)

17
Praça 20 de Setembro, ângulo em direção ao Centro (em primeiro plano, a antiga Praça das Carretas)

Fonte: Rubira (2012)

Antigo leito do Canal de Santa Bárbara. Ao fundo, o complexo da Cervejaria Ritter. Postal

Fonte: Rubira (2012)

18
O Santa Bárbara era ainda local de trabalho de lavadeiras negras escravizadas ou libertas, de forma
que a rua Prof. Araújo, contígua a atual Praça Cipriano Barcelos, era conhecida à época como Rua das Lava-
deiras (Maciel, 2017). Até a década de 1960 este curso d'água cruzava a Praça, quando teve seu leito desviado
para fora da área urbana mediante uma obra de grande impacto (Peter, 2004).

Lavadeiras nas margens do Arroio Santa Bárbara

Fonte: Rubira (2012)

Um relato publicado originalmente em 1922 revela o uso dos entornos da atual Praça Cipriano
Barcelos para práticas de rituais fúnebres da comunidade negra pelotense na primeira metade do século XX,
quando as águas do Arroio Santa Bárbara ainda seguiam seu fluxo original:
"Batuques –
Desde épocas muito remotas, a população africana aqui, então representada por al-
guns milhares de pretos, hoje aliás raríssimos, todos os domingos e dias santos do meio-dia à
noite, exibia-se publicamente em danças e cantigas usadas entre os gentios. O ponto dessa reu-
nião era sempre à grande sombra de cinco de nossas frondosas figueiras, dispostas em amplo
círculo que indicava o traço de um antiqüíssimo curral, oferecendo, por essa amplitude, franca
área e todas as condições para a diversão. Essa localidade é além do Arroio Santa Bárbara, à
esquerda da ponte da Rua Riachuelo, entre a Manduca Rodrigues e o referido arroio. À hora
acima indicada, do centro da cidade partia o grande grupo de africanos, cantando em altas vo-
zes, ao som de rudes tambores, chocalhos, guizos e de estranhos instrumentos feitos de grandes
porongos, revestidos de elevado número de contas, búzios, pequenos caramujos e miçangas. O
vestuário era esquisitíssimo, constituído de tangas, turbantes, capacetes, mantos, tudo das mais
vivas e variadas cores. À frente, vestida no mesmo estilo, seguia o Rei, por todos acompanhado
até o lugar do batuque como eles denominavam. Todo esse cerimonial era também executado
nos velórios, assim como nos enterros até o defunto baixar à sepultura". (Osório, 1962, p. 154)

19
Interessante pensar que a Santa Bárbara poderia ser associada à orixá Iansã, a qual, por sua vez, re-
laciona-se aos ritos que envolvem os eguns - os espíritos dos mortos, sejam ancestrais religiosos ou não. Não
podemos descartar, em nível de suposição, que esta relação tenha potencializado o significado deste espaço
para a realização dos rituais funerários aos moldes africanos na cidade de Pelotas6.

4.2 - Os territórios negros de Rio Grande e seus batuques


Na vizinha cidade portuária de Rio Grande, as práticas afro religiosas eram "denunciadas" desde mui-
to tempo pela imprensa e pela polícia. O Jornal Gazeta Mercantil do dia 03/04/1877, por exemplo, noticiou a
realização de "sessões" de magia levadas a cabo por uma preta "especialista nos milagres do amor":

"Ali há fumigações, trípodes, catentanhas e bugigangas [...]. Grandes desordens podem lavrar no
seio das famílias incautas e desprevenidas, se algum de seus membros, levados pela ignorância ou fanatis-
mo, se deixarem possuir das sentenças de tal bruxa [...]
Às autoridades policiais recomendamos a inspirada preta, para que façam cessar tão torpe espe-
culação"7.

A condenação era a tônica da abordagem jornalística da época. Outro episódio que ilustra a presença
de práticas sagradas africanas em Rio Grande ocorreu em agosto de 1877, quando o escravizado Joaquim, de
apelido Camundongo, é preso após ficar três meses fugido e ser encontrado com objetos "próprios da profissão
de feiticeiro que exercia o tal pretinho". Juntamente com ele, foi detido o preto Manoel Monteiro, residente na
rua Uruguaiana e acusado de acoutar neste local "o grande Manipanso" (Mello, 1994, p. 33).
Mas onde residia a população negra da cidade no século XIX e início do seguinte? Os documentos
históricos mostram que, por entre a próspera cidade portuária, com seus belos sobrados, armazéns e casas
comerciais, havia uma Rio Grande popular, constituída de pequenas moradas, muitas delas feitas de barro e
cobertas de palha (Molet, 2007). Estas moradias ficavam nas proximidades do centro e eram denominadas
como "casebres" ou "cortiços", sendo frequentemente ocupadas por diversos moradores.

O Porto de Rio Grande - 1852 Aquarela de H. Wendroth.

Fonte: Wendroth (1982)

20
Balbina Maria da Conceição talvez tenha sido uma entre tantas outras afro religiosas da cidade. Ao
falecer, em 1859, teve listado entre seus bens, um "tambor de negros de nação". Balbina deixou para seus her-
deiros cinco lances de meias águas cobertas de telhas, sendo uma delas com paredes de tijolos e as demais de
pau-a-pique, localizadas na Rua da Alfândega (atual rua Andradas), tendo como vizinha a preta forra Isabel.
(Scherer, 2008, p. 173-174). Ainda que não se saiba se este tambor fosse usado em práticas afro religiosas, a
observação de que o mesmo era "de nação" evidencia sua origem africana.
Na zona portuária de Rio Grande havia diversos territórios nos quais cotidianamente circulavam
saberes e práticas afro religiosas, como o Mercado Público, as praias e atracadouros ao seu redor (onde atual-
mente se encontra o Porto Velho e as Docas do Mercado) e a Praça da Geribanda (atual Praça Tamandaré),
local onde as lavadeiras escravizadas e libertas faziam uso das águas dos poços e das lagoas que se formavam
com as chuvas, bem como onde escravos e libertos abasteciam os barris de seus senhores8.

Negros no Porto de Rio Grande, 1852

Fonte: Wendroth (1982)

Mapa do núcleo urbano de Rio Grande – meados do século XIX

Fonte: AHRS, Fundo Iconografia, Municípios RS, nº 494, Rio Grande.

21
GERIBANDA Existia ainda o Largo de São Pedro, conhecido popu-
larmente como o Largo das Quitandeiras, onde mulheres negras,
O viajante Saint-Hilaire, quando da sua
em grande parte africanas, realizavam seu ofício (atualmente
passagem por Rio Grande em 1820, registrou a se-
guinte observação sobre a Praça da Geribanda: é a Praça Júlio de Castilhos, na esquina das ruas Luiz Lorea e
“Ficou, dito, já, não haver aqui
Andradas)9. Agachadas por sobre seus calcanhares e em frente
nenhum manancial de água doce, mas atrás
da cidade, entre montículos de areia (em a panelas, fogueiras, cestos e tabuleiros, as quitandeiras prepara-
lugar denominado Geribanda) foram fei-
vam alimentos que eram vendidos aos trabalhadores da cidade. É
tos poços onde a pequena profundidade se
encontra muito boa água. Os negros vão possível que as quitandas fossem também palco para a comercia-
buscá-la em barris, apanhando-a por meio
lização de produtos de poder curativo e sobrenatural, tais como
de chifres de bois amarrados à ponta de va-
ras compridas, instrumento esse a que dão ervas e amuletos chegados da África mediante encomendas fei-
o nome de guampa.” (Saint-Hilaire, 1939,
tas junto a marinheiros inseridos nas rotas oceânicas10.
p. 122).
O primeiro registro conhecido, até o mo- Com o crescimento espacial da cidade a partir do início
mento, sobre a prática da capoeira no estado do Rio
do século XX, o bairro Getúlio Vargas, antiga Vila dos Cedros,
Grande do Sul ocorreu justamente na Geribanda, no
ano de 1850, envolvendo o pardo uruguaio Alexandre se tornou uma referência importante para a religiosidade de ma-
de Souza, filho de pais libertos, e Bernardo, escravi-
triz africana, por abrigar a população trabalhadora e algumas das
zado de Manoel José Correa de Sá (Oliveira, 2013, p.
162). mais antigas casas de Batuque e de Umbanda11.
Poços da Praça da Geribanda em 1865.
Mercado Público de Rio Grande - 1909

Fonte: obtida com a Fototeca do Centro


Municipal de Cultura de Rio Grande.

Autoria: Atelier Fontana. Disponível em: http://acervo.bndigital.


bn.br/sophia/index.html

A comunidade de africanos minas e a religiosidade afrodescendente


É possível que uma igreja católica ajude a contar a história do Batuque? No caso de Rio Grande, sim.
Até meados do século XX viveram na cidade três mulheres, que talvez fossem irmãs de sangue ou de santo,
conhecidas como as "minas do Bom Fim", pois residiam aos fundo da Igreja do Bom Fim (localizada na rua
Duque de Caxias). Seus nomes eram Damiana, Domingas e Gertrudes12.

22
Quitandeiras negras - RS (1852)

Fonte: Wendroth (1982)


O termo "mina" é uma referência à sua ancestralidade africana e no Brasil escravista era utilizado
para se referir a todos africanos escravizados originários da região da Costa da Mina, na África Ocidental,
onde se localizava o Castelo/Forte de São Jorge da Mina. Corresponde à região litorânea dos atuais Togo,
Gana, Nigéria e Benin, e englobava uma diversidade de etnias como os nagô, os mina, os axanti, os haussás,
os malês, os jeje, entre outros.
A Ialorixá Alzenda de Iansã, cerca de 75 anos de vida religiosa (a mais antiga mãe-de-santo viva da
Nação Nagô em Rio Grande), compartilhou suas lembranças sobre estas mulheres, traduzidas aqui nas pala-
vras de uma pesquisadora:

"As negras minas que eram do Nagô dançavam vestidas de baiana na frente da igreja do Bonfim,
na rua Duque de Caxias, e faziam romaria até a igreja da Nossa Senhora da Conceição13 , na rua Francisco
Marques, ou vice e versa. [...]
Ao falar das negras vestidas de baiana que lembram os tempos de menina, Ialorixá Alzenda
destaca a Tia Damiana de Oxum, tão delicada, trazendo sempre um balaio de vime com flores e balas que
distribuía às crianças, ao chegar ao terreiro de Mãe Margarida de Iansã." (Camargo, 2013, p. 111-112)

Já na Pelotas de 1882, em pleno carnaval, adentra no centro da cidade um grupo de cerca de vinte
africanos de origem mina "capitaneados por um personagem eminente, a julgar pelos vistosos trajes e pela
gravidade do porte", como informado pelas páginas do jornal Correio Mercantil. Tal personagem era Pai Cri-
cipim, representando o Rei Obá. Tratava-se do Club Carnavalesco Nagô.14 Dias depois, o escrivão do Club,
Pai João de Nagô, publicou no mesmo jornal o seguinte texto:

"Club C. Nagô
Esse mêmo que tá hi!!!
Cecuta lá, regara oio!!!
Pareceros!... nosso Cricipim tendo recebido oride por esse fio passa pró má, e pró esse matto turo,
e que trásse notícia prá turo fazé representa pela primeira vez a nossa tribu de Nagô, pró esse mêmo, nosso
turo juntou e vai fazé nosso passeo n'esse mêmo dia de cranabá, nosso turo pracero vae fazé ajuntamento
na casa de tia Benedita prá depois come Angú Broinha e vatapá nosso vae pro essa rua turo tocando nósso
trumento e faze viva!... a esse club de branco, e club Brocionista; e quando esse sino da igreja bate deso
hora nosso entra no barracão de Praça.
Nosso vai sahi às seis hora i pede a esse branco turo bote benção a nossa tribu.
O crivão

Pae João de Nagô
Pelotas, 19 de fevereiro de 1882"15
23
No ano seguinte, o Club Nagô se apresentou com um carro "representando a aurora da liberdade"
e a redenção do escravo, deixando claro o seu posicionamento frente a questão abolicionista e sua crítica ao
sistema escravista. (Mello, 1994, p. 67) Em Rio Grande existiu também um Club Mina que se apresentou no
carnaval de 1881 "com alegorias à escravidão e à liberdade, fazendo um batuque, dançando e cantando um
tango" e igualmente denunciando as relações escravistas16.
Organizados de forma coletiva, unidos ao redor de uma identidade negra e africana, essas mulheres
e homens encontraram formas alegres e criativas de lutar contra o racismo e à segregação17.

Um vulto afro religioso no altar da Igreja Matriz Alguns personagens


de São Pedro A história da resistência e da religiosidade
No ano de 1940, durante as atividades do SPHAN negra no Brasil é feita de muitos personagens. Na
(Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) visando o impossibilidade de falar de um leque maior de nomes,
tombamento da Igreja de São Pedro como patrimônio arquitetô- referimos uma breve trajetória de duas pessoas que
nico e histórico, os especialistas encontraram um objeto inusita- são referência à memória do Batuque e da Umbanda
do. Tratava-se de uma estatueta enterrada sob a pedra do altar da no eixo sul do estado.
Virgem. Chamadas de "vultos" pelos batuqueiros, possivelmente

se tratava de um assentamento (objeto consagrado como repre- Uma princesa negra (e batuqueira) em Rio Gran-
sentação dos orixás) efetuado por algum afro religioso quando de, Pelotas e Porto Alegre
da construção ou reforma do altar. Infelizmente não foi possível Emília Fontes de Araújo, conhecida no meio
localizar o objeto. (Herskovitz, 1948). batuqueiro como Princesa Emília de Oiá Ladjá, viveu
entre os africanos na cidade de Rio Grande em data
imprecisa (fins do século XIX, início do seguinte). A
memória afro religiosa informa que teria sido criada pelo casal de "negros minos" Ozébio e Bibica e realizado
sua feitura religiosa na nação Nagô; posteriormente viveu em Pelotas, onde aprontou ao menos uma filha de
santo (Margarida de Oiá, que depois seguiu para Rio Grande, onde se estabeleceu com sua casa de nação)18.
Seguiu para Porto Alegre, se estabelecendo na região do Areal da Baronesa, possivelmente na segunda metade
da década de 1910 ou princípios da década seguinte, onde deu origem à sua bacia religiosa na capital e passou
a ser identificada como pertencente à nação Oyó19.

Otacílio Marques Charão e a Umbanda no RS


A primeira casa de umbanda registrada no estado foi criada em
Rio Grande em 1926 por Otacílio Marques Charão e denominada Centro
Espiritualista Reino de São Jorge (CERSJ). Esta casa está ativa até a
atualidade na Cidade Nova. Charão nasceu em Santa Maria e foi oficial
da marinha mercante. Viveu no Rio de Janeiro e no continente africano,
locais em que teria realizado a sua preparação religiosa antes de se es-
tabelecer em Rio Grande (Pereira, 2016)20. Já em 1932 era fundado em
Porto Alegre o "Abrigo Espírita Francisco de Assis", sob liderança de
Laudelino Manuel de Souza Gomes, tenente da Marinha de Guerra (ver
capítulo sobre o Areal da Baronesa). Estes teriam sido os dois primeiros
pólos difusores da Umbanda no estado.

24
O Primeiro Congá de Otacílio Charão

Fonte: Pereira (2016, p. 165)


4.3 - As religiosidades negras na Porto Alegre do século XIX
Segundo a tradição oral, as raízes das principais nações atualmente cultuadas no Batuque do Rio
Grande do Sul se estabeleceram no final do século XIX e início do século XX21. Durante esses anos viveram
as lideranças que são rememoradas como os baluartes das atuais nações Jeje, Nagô, Ijexá, Oyó e Cabinda. É
este período que podemos apontar como o da institucionalização do Batuque como conhecemos hoje. É nele
que vemos o marco inicial de suas árvores genealógicas.
Antes desse período, entretanto, as tradições africanas de relação com o sagrado já se faziam presen-
tes. Talvez ainda não na forma como vemos hoje o Batuque, mas, sim, como suas práticas antecessoras, as
sementes dessa expressão religiosa nas cidades de Pelotas, Porto Alegre e Rio Grande.
O solo brasileiro vivenciou reconfigurações de tradições trazidas do outro lado do Atlântico, com
continuidades, inovações e também rupturas. Tudo relacionado ao trauma de enfrentar a travessia do oceano,
a experiência do cativeiro e a busca por liberdade em terras americanas. Foi nesse contexto em que as práticas
e conhecimentos tradicionais trazidos da África propiciaram cura, alívio, amparo e solidariedade, na busca por
uma vida melhor, tanto quanto fosse possível. Caminhar pelos territórios negros de Porto Alegre dos séculos
XIX e XX é uma das formas de se aproximar desta cultura.

Porto Alegre e o Candombe da Mãe Rita


Um dos relatos mais antigos associado a tradições africanas em Porto Alegre é a descrição de Antônio
Alvares Coruja sobre o Candombe da mãe Rita, na região que atualmente está o Parque da Redenção e que
antigamente se conhecia como Várzea:

25
"Aí se reuniam, nos domingos à tarde, pretos de diversas nações, que com seus tambores, canzás,
urucungos e marimbas, cantavam e dançavam esquecendo as mágoas da escravidão, sem que causassem
maiores cuidados à polícia [...]
Nesse candombe também se ensaiavam os cucumbis que pelo Natal e nas festas da Senhora do
Rosário, levando à frente o Rei e a Rainha vestidos a caráter, com a juíza do ramalhete e a competente
aristocracia negra, iam dançar ou antes sapatear no corpo da Igreja com guizos nos tornozelos” (Coruja,
1881, p.15).

Este relato refere-se ao período anterior a 1836. O autor destaca a liderança de Mãe Rita frente a este
candombe, personagem importante para a compreensão do desenvolvimento da religiosidade de matriz afri-
cana. Para alguns estudiosos, Mãe Rita é apontada como a líder do primeiro “templo” de candomblé/batuque
em Porto Alegre, embora a escassez de fontes históricas torne difícil definir este pioneirismo (Mello, 1994;
Corrêa, 2005).
É possível que o candombe de Mãe Rita não fosse, necessariamente, uma manifestação religiosa da
tradição dos orixás, como se tornaria, posteriormente, o Batuque. Provavelmente fosse uma manifestação liga-
da a congadas ou cucumbis, uma tradição de grupos de cultura banto relacionada com as irmandades católicas

DUAS MÃES RITAS? A região da Várzea (atualmente bairro Bom


Neste retrato, efetuado pelo menos sessenta anos depois
Fim) era um espaço cotidiano das vivências negras e
da referência de Coruja, entre 1893 e 1930 (Maciel, 2019, p.27), populares de Porto Alegre da época, morada de libertos
vê-se uma mulher de origem africana com indumentárias afro-re-
ligiosas, aparentemente mais jovem do que seria a Mãe Rita citada
e ponto de encontro em seus momentos de diversão
por Coruja, supostamente com cerca de cem anos de idade, na época e religiosidade. Juntamente com a região do Areal da
desta foto. Em razão da distância entre os registros é possível ques-
tionar se seria a mesma pessoa, ou se haveria outra Mãe Rita no final
Baronesa e dos atuais bairros Cidade Baixa, Santana,
do século XIX.Certamente havia um candombe na década de 1830 Menino Deus e Praia de Belas, viriam a formar um
liderado por uma Mãe Rita. Teria havido outra liderança afro-reli-
giosa chamada Mãe Rita em Porto Alegre?
"cinturão negro" ao redor do antigo centro colonial.
Essas tradições africanas eram sobrepostas
Foto de Mãe Rita - Autoria de V. Calegari
ao catolicismo desde antes do surgimento da própria
cidade de Porto Alegre, pois remontavam ao desenvol-
vimento de um catolicismo centro-ocidental no próprio
continente africano. Na América, em um contexto do-
minado pelo colonizador cristão, a comunidade afro-
descendente e africana incorporou os seus sentidos à
cultura dominante europeia, traduzindo-a nos “seus
próprios termos, atribuindo aos santos significados
inacessíveis àqueles que não partilhavam seus códigos
culturais.” (Mello e Souza, 2002 p.146)
A luta pela manutenção dessas manifestações
africanas em solo porto alegrense, seria um, se não o
Fonte: Museu de Porto Alegre
Joaquim Felizardo principal, dos motivos apontados para a construção da
Igreja do Rosário pela irmandade de mesmo nome.

26
Planta de Porto Alegre - 1833 (a Várzea encontra-se sinalizada por "P)

Fonte: Instituto Histórico e Geográfico do RS

Campos da Redenção - década de 1900

Fonte: Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo.


Obtido em: Vieira (2017)

27
OS AFRICANOS BANTOS E IORUBÁS E SUAS ORIGENS
Até aproximadamente a década de 1830 havia muito mais africanos de
origem banto (angolas, congos, benguelas, cassanges) do que de origem iorubá
(mina, nagô) em Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas. Foi a partir desta década
que ocorreu um aumento significativo dos africanos deste último grupo, originá-
CONGADA rios da África Ocidental (sudaneses), a chamada Costa do Ouro, onde se loca-
Congada: "Folguedo e ritual lizava a Fortaleza São Jorge da Mina. É a partir de referências culturais desta
da tradição afro-brasileira disseminado última região que vai emergir o culto aos orixás no Rio Grande do Sul.
por várias regiões brasileiras e ligado
aos festejos coloniais de coroação dos Mapa das rotas do tráfico, com indicação das regiões de procedência na
'reis do Congo', mas acolhendo, no seu África
entrecho, elementos de origem europeia.
Também conhecido pelos nomes de 'con-
gado', 'congos', 'bailes de congo' etc., seu
motivo básico é a evocação de lutas en-
tre grupos hostis pela dramatização de
embaixadas de guerra e paz. Entretanto,
em alguns locais o folguedo apresenta
apenas danças e cantorias, ao som de
instrumentos de percussão. O toque ritu-
alístico é dado pelo compromisso da ho-
menagem a santos católicos como Nossa
Senhora do Rosário, São Benedito, San-
ta Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida e o
Divino Espírito Santo. As variações em
sua estrutura e apresentação decorrem
muitas vezes da concepção de quem o
organiza." (Lopes, 2004)

Fonte: Cotrim (2016)

A Irmandade do Rosário de Porto Alegre


Até 1809 a população negra realizava, com relativa condescendência senhorial, "danças de negros"
na frente e no interior da Igreja Matriz de Porto Alegre. Até que o Vigário José Inácio dos Santos as proibiu,
como resultado do desejo católico de controlar as manifestações culturais africanas autônomas (Coruja, 1881).

Igreja Matriz Madre de Deus e Capela do Divino Espírito Santo, 1890. Porto Alegre (RS).

Fonte: Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo.


28
Apesar das proibições do Vigário, os africanos continuaram manifestando sua devoção, não mais na
frente da Igreja Matriz, mas nos candombes como o de Mãe Rita, ou mediante a construção do seu próprio
templo cristão: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, ironicamente situada na atual Rua Vigário José Inácio
(Machado, 1990; Müller 1999; Nascimento, 2006). Os próprios membros dos candombes aparecem nos regis-
tros históricos contribuindo com doações para a edificação da Igreja do Rosário de Porto Alegre, erguida entre
1809 e 1827 (Andreis, 2015)22.

Coleta de contribuições para a Igreja do Rosário, Porto Alegre.


Aquarela de Jean-Baptiste Debret, de 1828.

Interessante nesse sentido é perceber que as ir- Antiga Igreja do Rosário - Porto Alegre - de-
mandades católicas constituíam o campo institucional per- molida em 195123
mitido para os africanos e afro-brasileiros exercerem sua
religiosidade. Fora desse espaço havia manifestações, as-
sim no plural, que eram condenadas quando não comba-
tidas e perseguidas, por apresentarem aspectos, digamos,
“africanos” demais aos olhos das autoridades. Entretanto,
é preciso ter cuidado ao observar esse passado, para não
cairmos em uma simplificação desse universo religioso,
onde de um lado estariam aqueles que compactuaram com
o catolicismo e cederam ao domínio cultural europeu cris-
tão, enquanto do outro aqueles que, resistindo, mantiveram
praticamente intactas a cultura religiosa de suas terras de
origem.
A manifestação do candombe pode ser compreen-
dida em um universo mais amplo de religiosidades, para
além da simples associação direta com o Batuque dos dias
de hoje, que por sua vez é uma tradição religiosa que cul-
tua os orixás, vinculado à população africana ocidental ou Fonte: Arquivo Digital IPHAN
(autoria desconhecida)
iorubá.
29
A palavra candomblé, segundo As danças proibidas pelo Vigário José Inácio, em frente e
Nei Lopes (1988, p. 165) é certamente de
dentro da Igreja, e o candombe da várzea eram, aparentemente, reu-
origem banta, podendo derivar do quim-
bundo kiandombe (negro) e mbele (casa), niões africanas sob liderança de grupos de origem banto, mais anti-
por extensão “casa de negros”, ou resulta-
do do diminutivo ka mais o termo ndume gos e estabelecidos em posições de liderança de suas nações. Assim,
(inciante), formando “casa de iniciação”
a Mãe Rita do início do século XIX lideraria um ritual com pre-
ou “casa de principiantes”. O termo, kian-
dombe, isoladamente, guarda uma grande dominância de grupos da África Central (congos, angolas, bengue-
aproximação ao termo candombe, usado
para designar a manifestação negra ocorrida las), aberto a outras nações da África Ocidental (minas, nagôs, jejes,
nas primeiras décadas do oitocentos, tanto
haussás) e Oriental (moçambiques), ainda pouco representativas na
por Coruja, quanto pelo livro de despesas e
receitas da Irmandade do Rosário de Porto população africana de Porto Alegre, até, ao menos, meados da déca-
Alegre.
No Uruguai, ainda hoje persiste da de 1830.
uma manifestação afro-uruguaia denomina-
da candombe. O sentido da palavra também
ligaria o candombe uruguaio a uma mani- Os Mina e os Nagô em Porto Alegre – as nações da liberdade
festação de origem banta significando “dan-
ça dos ndombes”, ou em um sentido mais O Batuque do Rio Grande do Sul, como conhecemos hoje,
genérico seria todo tipo de dança de origem
foi formado a partir da cultura iorubá, nagô e jeje, ou seja, sob a
africana, praticado nos domingos e dias
santos (Chagas; Stalla e Borucki, 2012). predominância de culturas da África Ocidental. Nas palavras de Oro:

O Batuque representa a expressão mais africana desse complexo religioso, pois a linguagem li-
túrgica é yorubana, os símbolos utilizados são aqueles da tradição africana, as entidades veneradas são os
orixás e há uma identificação às “nações” africanas (Oro, 2008, p. 125)

Foi a partir da década de 1830 que ocorreu o aumento da presença de africanos iorubás na população
do Rio Grande do Sul, particularmente nas cidades de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande. Ainda que os afri-
canos bantos (centro-africanos) compusessem a maioria dos africanos escravizados, esse aumento de iorubás
no período final do tráfico transatlântico causou um importante impacto simbólico na cultura negra regional.
Um passo importante para compreender a formação do Batuque de Nação.
Os estudos para as cidades de Rio Grande e Pelotas Um possível africano mina em
Porto Alegre do século XIX
apontaram, de uma forma geral, que a população escravizada
de africanos ocidentais (iorubás) conseguiam índices de alfor-
ria superiores - praticamente o dobro - ao número em que eram
encontrados para o restante da população escravizada (Scherer,
2008; Pinto, 2018)24.
Em Porto Alegre, é possível afirmar que a maior inci-
dência dos africanos ocidentais entre os que obtinham alforria
atesta não apenas o aumento da sua “presença estatística, mas
também a sua maior competência enquanto grupo para agenciar
a libertação” (Moreira, 2007, p. 375). Ou seja, os minas e os
nagôs pareciam se organizar coletivamente com muito êxito na
busca de conquistar a liberdade mediante a compra de suas car-
tas de alforria.
Fonte: Museu de Porto Alegre
Joaquim Felizardo

30
As análises sobre as cartas de Doca do Mercado de Porto Alegre - final do século XX -
alforria demonstraram o peso que cada Local de trabalho de africanos minas
nação tinha no mercado da liberdade.
Esse tipo de análise toma como obje-
tos as redes sociais criadas por escra-
vizados, libertos e livres, com desta-
que para a constituição de famílias e a
reconstrução de identidades africanas
no circuito do tráfico transatlântico. A
reorganização étnica é vista como uma
das estratégias para enfrentar o cativei-
ro (Scherer, 2012) .
É significativa a associação Fonte: https://prati.com.br/tag/doca
entre o parentesco de nação dos africa-
nos ocidentais, observado no século XIX, e a forma como até hoje se estabelece parentescos rituais e simbóli-
cos no interior das famílias religiosas do Batuque. Com efeito, os membros das casas de nação se tornam parte
de uma família de santo, e passam a se tratar como pai, mãe, filho, avô, avó e neto e assim por diante (Corrêa,
2016).
No Rio Grande do Sul, talvez ainda não consigamos estabelecer o peso de cada nação na cons-
trução das primeiras casas de batuque. Contudo, pode-se perceber como os africanos iorubás passaram a criar
espaços para suas práticas religiosas procurando escapar da repressão e da tentativa de controle crescente das
manifestações africanas em Porto Alegre.

A Semente do Batuque
A partir da década de 1850, as manifestações religiosas africanas passaram a sofrer uma maior ofen-
siva em Porto Alegre. Um movimento de crescente tentativa de controle sobre a africanidade no interior das
irmandades católicas - que eram os espaços institucionalizados para esse tipo de tradição - através de olhares
vigilantes e pouco simpáticos dos vigários, foi acompanhado pelos primeiros relatos sobre cultos religiosos,
em espaços não tutelados pela Igreja. Esses eventos, em sua maioria, provavelmente ocorriam sob a liderança
de africanos-ocidentais.
A Irmandade do Rosário de Porto Alegre nunca fora exclusivamente de negros, e ao longo do século
XIX seus membros africanos e afro-brasileiros acabaram sendo destituídos dos cargos de liderança e daqueles
que possibilitavam alguma decisão para questões simbólicas. Ao longo dos anos tornou-se um espaço para
os negros e não dos negros. Nesse sentido, em 1883, houve a retirada do item que mencionava a intenção de
promover a “obtenção da liberdade” dos irmãos cativos no compromisso da irmandade, estabelecido quando
da inauguração da sede própria da Igreja (Tavares, 2007, p.128-132).
Nesse contexto, a irmandade católica, espaço institucionalizado por excelência que permitia alguma
manifestação africana, fechava-se ao protagonismo negro, especialmente ao africano. As folias, congadas e
cucumbis, expressões ligadas ao catolicismo continuavam a existir, mas em um espaço não autorizado, como
algo não religioso, uma espécie de “brincadeira” resiliente que se negava a sumir do cenário urbano de Porto
Alegre, como, por exemplo, nos deixa ver a presença do conjunto carnavalesco d’Os Congos, nos desfiles de
carnaval de 188325.

31
Por outro lado, na década de 1880, um indício
Mulher negra em Porto Alegre - sem data significativo demonstra que as religiosidades africanas
se mantinham fortes, na rua, nas casas, nas praças, e
elas eram múltiplas. A publicação eclesiástica chamada
“Histórias domingueiras” do jornal O Thabor, de 1882,
apresenta o seguinte quadro:

“Nos domingos é um louvar a Deus!


Esta nympha do Guaíba é um paraíso terreal!
Festas e ‘rolos’ por toda a parte.
Chiromancia e sangue de cabritos
para o lado da Floresta: [...]
Batuque na praça da Conceição.
Baile para os lados da Várzea, com-
postos de todas as cores, e quando a malta é
grande e a sala acanhada, pulam para o meio
da rua e toca a pagodeira até a meia noite ou
clair de la lune. Por fim, quando o fumo do
espírito sobe, principiam os supapos, segue-se
a paulada e acabam por ferro [...]
Fonte: Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo Esta nympha do Guaíba está saindo
fora do sério”. 26

Três práticas listadas em localidades diferentes. A denominada quiromancia aponta para a existência
de casas de batuque no Bairro Floresta, apoiado pela “denúncia” da existência de sacrifícios de animais. O
Batuque na Praça da Conceição, em frente à Igreja da Conceição, onde havia nascido a irmandade de mesmo
nome, a qual dividiu-se exatamente pela presença de irmãos pardos, mais pobres, que foram posteriormente
acolhidos na do Rosário (Tavares, 2007). Por último o Baile na Várzea, mesmo local onde no início do século
ocorria o candombe de Mãe Rita. O autor chama atenção para o número excessivo de participantes, o que o
fazia com que o baile saísse à rua, quando a chamada pagodeira iria, então, até a meia-noite.
Todas essas manifestações estavam proibidas pelo código de posturas da cidade, desde pelo menos
1856. Neste ano, o artigo 122 determinava:

"Ficam proibidos os candombes ou batuques e danças de pretos na Várzea, chácaras ou outro


lugar. Pena de dezesseis mil réis de multa ao dono da casa ou chefe do batuque, e sendo escravo, a 25
açoites” 27

Em 1858, o código de posturas proibia também os chamados zungús, referindo-se não só “a festas
de pretos, fossem religiosas ou profanas”, mas também ao próprio local de habitação (Moreira, p. 61, 2003).
Trinta anos depois das proibições, os fins de semana porto-alegrenses, aos olhos do religioso redator do “His-
tórias Domingueiras”, permanecia demasiadamente africano.
Na segunda metade do XIX, é possível perceber duas dimensões que possibilitaram a emergência de
religiosidades inspiradas em outras tradições africanas, que não apenas a dos bantos. Com a mudança demo-

32
gráfica observada a partir da década de 1830 na população africana escravizada, em cidades como Porto
Alegre, Pelotas e Rio Grande, e a ação dos africanos-ocidentais (minas e nagôs) no mercado da liberdade, é
possível dizer que as lideranças religiosas passam a ser exercidas também por pessoas desta última origem.
Em Porto Alegre, com um número crescente de africanos-ocidentais libertos que conseguiram ad-
quirir imóveis, é possível afirmar que o panorama havia mudado em relação ao princípio do século (Moreira,
2019). Há indícios importantes que apontam na direção do surgimento de cultos de ordem privada, em casas
de africanos libertos ou livres – como Custódio Joaquim de Almeida (Scherer e Weimer, 2021) –, de tradições
iorubanas da África Ocidental.
Em uma notícia intitulada “Os feiticei-
ros do Rio Grande do Sul”, do Jornal Echo do Sul, ZUNGU
Zungus eram redutos que serviam de moradia ou local
que repercutiu na província de São Paulo, através de refeição coletiva para onde convergiam grupos populares diver-
do Correio Paulistano, divulgou-se que no dia 16 de sos em busca de alimento, repouso, solidariedade, vida lúdica ou
práticas religiosas.
novembro de 1879 mais de cinquenta pessoas fo- Segundo o Dicionário da Terra e da Gente do Brasil
(Souza, 1939), zungu era “termo do Sul do Brasil, que designa
ram presas por participarem de uma cerimônia reli- uma casa dividida em pequenos compartimentos que se alugam,
giosa numa casa da atual Rua Caldas Júnior, região mediante diminuta paga, à gente baixa e ordinária; é uma espécie
de cortiço [...]. Também se usa muito no sentido de desordem, con-
central de Porto Alegre. Nessa notícia, pode-se ler flito mais barulhento do que grave”. O termo calunge é definido
uma importante descrição daquilo que possivelmen- pelo mesmo autor como: “rancho, casinha de palha[...] sinônimo
de zungu [...] que serve de couto a vagabundos e desordeiros”.
te fosse um culto liderado por africanos ocidentais:

Os feiticeiros no Rio Grande do Sul - Lê-se no Echo do Sul de 16 do corrente:

GRANDE CAÇADA – A polícia tomou anteontem um fartão: prendeu em uma casa à rua Pay-
sanndú, 42 pretos, livres e escravos, e 11 pretas minas.
A caçada deu-se às 10 ½ horas da noite no momento em que o preto João celebrava uma sessão
de feitiçaria. Foi uma surpresa e um desapontamento que aqueles fiéis crentes jamais perdoarão à polícia.
O celebrante no ato em que foi preso, envergava uma opa branca, e era escutado com religiosa atenção
pelo piedoso auditório. A polícia apreendeu cabeças de galo e outros manipansos. Os principais atores da
indecente comédia foram recolhidos à cadeia e os escravos convenientemente castigados”
Correio Paulistano, São Paulo, 30 nov 1879. 28

Não foi possível saber se o referido culto era ou não vinculado à tradição dos orixás. Sabemos ape-
nas que seria, provavelmente, liderado por africanos ocidentais e que, certamente, era frequentado por pretas
minas. É significativo, entretanto, alguns detalhes do ocorrido. Um dos presentes vestia uma “opa branca”,
uma peça visivelmente religiosa, a qual o observador pôde, com seu olhar pouco acostumado, traduzir assim,
como uma referência ao universo católico ao qual estava ambientado. É possível que fosse um axó (vestimenta
afro-religiosa)? Talvez. Mas a possibilidade que fosse outra vestimenta, até mesmo de origem islâmica, não
pode ser descartada, pois há relatos no mesmo ano, na mesma região, de um culto islâmico desenvolvlido por
africanos minas ocorrendo em Porto Alegre (Moreira, 2019).
Ao longo do século XIX fica evidente o desenvolvimento de múltiplas religiosidades africanas em
Porto Alegre. Desde o Candombe da Mãe Rita até as “Histórias domingueiras”, passando pelas irmandades
católicas, os cucumbis e congadas até a “Grande Caçada” aos pretos minas na Rua Paysanndú, em 1879.
A análise dessas fontes históricas permite ao observador perceber, em algumas dessas experiências
religiosas – ainda que através de relatos enviesados e parciais das testemunhas da época – expressões do que
se tornaria o Batuque de Porto Alegre. Uma resposta criativa da população africana ao contexto específico
apresentado a ela, sem a tutela da Igreja. Um lugar de protagonismo negro. Um vislumbre, pois, da semente

33
do Batuque29.

Os becos do centro antigo


No centro antigo de Porto Alegre existiam diversas vielas e becos ocupados pela população traba-
lhadora. Alguns deles ficaram na memória da cidade como sendo espaço de moradia, lazer e religiosidade da
população negra no século XIX.
O antigo Beco do Poço, que correspondia ao primeiro trecho da Rua General Paranhos, assim como
outros becos e vielas do centro antigo abrigou em cortiços e moradas simples muitos homens e mulheres ne-
gros, escravizados fugidos e negros de ganho, nascidos no Brasil ou no continente africano.
Segundo o cronista Achylles Porto Alegre:
NEGROS DE GANHO
Negros de ganho ou ganhadores: "Denomina-
ção dada no Brasil aos escravos urbanos cuja modalidade "Havia pontos da cidade onde, aos do-
de trabalho consistia, geralmente, em oferecer seus serviços mingos, o 'batuque' era infallível. O becco do Poço,
de forma remunerada, repassando a seus senhores parte de o do Jacques e a rua da Floresta eram sitios de elei-
seus ganhos. Tais escravos buscavam, por conta própria, ati- ção para o 'batuque'. Nos dias de 'folia', já de longe
vidades que lhes garantissem a sobrevivência. Para tanto,
gozavam de autonomia e liberdade de locomoção, e muitos
se ouviam a melopéa monotona do canto africano e
deles só iam à casa de seus senhores para pagar, diária ou o som cavo do seu originalissimo tambôr. [...] Ha-
semanalmente, a remuneração estipulada, executando, até via também os 'batuques' ao ar livre. Nestes tomava
mesmo, em algumas situações, trabalho assalariado. A es- parte quem queria [...]. Um dos mais populares era
cravidão de ganho incluía, principalmente, transportadores o do Campo do Bom Fim, em frente à capellinha
de cargas e carregadores de cadeirinhas e palanquins, mas
também vendedores ambulantes, quitandeiros, barbeiros, em construcção" (Porto Alegre, 1921, p. 161-162).
marinheiros, pescadores, trabalhadores na indústria, na [grafia original]
construção civil etc. Quanto às mulheres ganhadeiras, eram
elas que dominavam o pequeno comércio de rua de cidades
como Rio de Janeiro e Salvador." (Lopes, 2004) Segundo a tradição oral, no Beco do Poço teria
vivido Antonio Gululu, uma importante referência para o
Batuque até os dias de hoje, pois teria sido pai-de-santo
de dois ícones do Batuque no século XX: Antoninho da
Beco do Poço -
Aquarela de Francis Pelichek (1925) Oxum (Antônio da Cruz Ferrari), da nação Oyó (de quem
falaremos no capítulo sobre a Bacia do Mont Serrat) e de
Waldemar de Xangô Kamucá (Waldemar Antônio dos San-
tos), da nação Cabinda (ver capítulo sobre o Areal da Baro-
nesa). Porém, não se sabe maiores detalhes a seu respeito.
Acredita-se que tenha nascido no continente africano e que
era filho do orixá Xapanã. Já a palavra "Gululu" poderia ser
tanto uma identificação étnica, como uma referência ao seu
orixá pessoal.
O Beco do Poço - quando já se chamava Rua
General Paranhos - desapareceu da história na década de
1920, momento no qual as reformas urbanas que buscavam
modernizar a cidade demoliram diversos prédios ali exis-
Fonte: Acervo da Pinacoteca Aldo Loca-
tentes para dar origem à Avenida Borges de Medeiros30.
teli. Obtido em: Koehler (2015, p. 154)

34
Quintais fronteiros" no antigo Beco do Império. Final do século XIX - início do XX.

Fonte: Acervo do Museu Hipólito José da Costa.

Demolição da Travessa General Paranhos, antigo Beco do Poço

Fonte: Revista "A Máscara" - 06/02/1925

35
Abertura da Av. Borges de Medeiros - década de 1920

Fonte: www.jornaldomercado.com.br

36
5 - O território negro do Areal da Baronesa

O território do Areal da Baronesa do Gravataí ficou assim conhecido pois abrigou, entre diversas
outras propriedades, uma chácara pertencente a uma baronesa de mesma nomenclatura. Inicialmente denomi-
nado como um "arraial" (lugarejo/povoado), passa a receber o uso popular de "Areal" devido às características
arenosas da região.
Se inicialmente era uma área de chácaras, olarias e matadouros situada na planície ao sul do centro
da cidade, ao longo das últimas décadas do século XIX foi sendo loteada e progressivamente se tornou uma
região de moradia popular, com grande presença de população negra livre e liberta, mesmo antes da abolição
da escravidão em 1888. Abrigou, ainda, em seus cortiços e moradias de aluguel, trabalhadores ligados aos
quartéis da Brigada Militar ali instalados a partir da década de 1890. Tratava-se de uma área baixa, frequen-
temente sujeita a alagamentos, na qual corria o leito do atual Arroio Dilúvio, antes da alteração de seu curso.
O antigo território do Areal da Baronesa corresponde ao atual entorno da Igreja Pão dos Pobres e da
Ponte de Pedra, se estendendo até a Av. Ipiranga (antiga Rua dos Pretos Forros), seguindo até a atual Av.
Getúlio Vargas (antiga Av. 13 de Maio), a rua da Olaria (atual Gal. Lima e Silva) e no sentido oposto até as
margens do Guaíba (Mattos, 2000), incluindo também a antiga Ilhota (ocupação popular que ficava próximo
ao atual Colégio Estadual Protásio Alves). Área que englobava parte dos atuais bairros Cidade Baixa, Menino
Deus e Praia de Belas.
Registros históricos citam que ao longo do século XIX a região serviu de abrigo para escravos fugi-
tivos, devido à densa vegetação existente em uma região que ficou conhecida como "emboscadas" (Mattos,
2000, p. 27-28). Interessante observar a existência até os dias de hoje da Comunidade Remanescente de Qui-
lombo do Areal, localizada na Avenida Luiz Guaranha, em pleno bairro Menino Deus.
Se durante o período da escravidão já havia a presença de escravizados, trabalhadores negros livres e
libertos vivendo e trabalhando na área, no período pós-abolição o Areal vai se efetivar enquanto um território
negro. Com o crescimento populacional da cidade, surgem muitos novos loteamentos e ruas, e a proximidade
com o centro da cidade tornou este território uma opção de moradia mais acessível para a população trabalha-
Areal da Baronesa e Cidade Baixa - Planta da
Cidade de Porto Alegre de 1906 Antigo curso do Arroio Dilúvio, o Riachinho

Fonte: Arquivo Municipal Moysés Vellinho/Mapoteca. Fonte: Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo - Versão acres-
Obtido em: Xavier (2018) cida de nomes obtida em Vieira (2017)

37
dora, principalmente a partir das reformas urbanas que afasta-
A RUA DOS PRETOS FORROS
ram os pobres da área central. Trabalhadores vinculados a ati-
Parte do que hoje conhecemos como Ave- vidades de prestação de serviços de baixa remuneração, como
nida Ipiranga já foi chamada de Rua dos Pretos Forros.
Trata-se do trecho entre a Av. Praia de Belas e a antiga jornaleiros (diaristas), costureiras, taverneiros, amas de leite,
Rua 13 de Maio (atual Av. Getúlio Vargas). Posterior- embarcadiços, pedreiros e brigadianos, em grande parte negros
mente, a via teve seu nome mudado para Rua 28 de Se-
tembro, data da promulgação da Lei do Ventre Livre, mas também brancos pobres (Mattos, 2000, p. 29-30).
no ano de 1871: "É emblemático que o limite sul do
território do Areal da Baronesa fosse um logradouro Vista parcial da Cidade Baixa
que fazia referência a um marco para a população ne-
gra". (Vieira, 2007, p. 105). O encontro desta via com
a Rua 13 de Maio (referência à abolição da escravidão
em 1888) torna ainda mais sugestivo o caráter do Areal
como um território negro.

EMBOSCADAS
"Nas crônicas de Achylles Porto Alegre,
as Emboscadas aparecem como uma faixa de terra que
abrangia o espaço compreendido entre as ruas Lopo
Gonçalves, Luiz Afonso, República e José do Patro-
cínio (antiga Concórdia) e 'morria' à margem do Ria-
chinho. Com vegetação de mato cerradíssimo e muitos
capões, que tornavam este sítio intransitável, serviu Fonte: Museu da Comunicação
durante a escravidão de refúgio aos negros fugidos." Hipólito José da Costa
(Mattos, 2000, p. 28)
Muitas lavadeiras negras moravam e trabalhavam no
Areal da Baronesa, formando um dos grupos que ficou na me-
mória fotográfica da cidade, ao atuarem nas margens do Riachi-
nho ou do Guaíba. Segundo reportagem de um jornal da cidade,
datada de 1897:

"As lavadeiras em grande número, formam a


Representação de um escravizado fugido sua reunião de um e outro lado da ponte de pedra, onde
em um anúncio de jornal da capital de em doce e agradável palestra vão desinfectando com sa-
Porto Alegre - século XIX. bão as águas do Riachinho". 31

Praia do Riachinho - atual Rua Washington Luiz (1900)

Fonte: Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo -


Autoria: Ferrari
38
A forte presença do carnaval e a presença da religiosidade de matriz africana são expressões da forte
identidade negra do Areal da Baronesa.

A Ilhota Arroio Dilúvio nas imediações do Areal da Baronesa


"A Ilhota era uma pequena
área, totalmente circundada por uma das
curvas do Arroio Dilúvio, após o seu en-
contro com o Arroio Cascatinha. Locali-
zava-se ao sul da Praça Garibaldi, mais
precisamente entre a Rua Arlindo (atual
Rua Érico Veríssimo) e a Rua 13 de Maio
(atual Av. Getúlio Vargas), tendo como
limite sul a Rua 17 de Junho." (Vieira,
2017, p. 121).

Sua origem remonta a 1905, momento


em que o Arrioio Dilúvio, ainda não canalizado,
corria por dentro da Cidade Baixa. Na altura da Fonte: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
atual Av. Érico Veríssimo, formava uma curva
acentuada e, após uma intervenção em seu curso AS "AVENIDAS" DO AREAL
em 1905, acabou por formar uma pequena ilha em Uma característica do antigo Areal são as
"Avenidas", moradias coletivas de aluguel caracterís-
seu interior: a Ilhota, território negro e popular, ticas da região: "As avenidas eram moradias coletivas
sujeito a frequentes alagamentos, desaparecido de aluguel, com diversas casinhas de madeira ou pe-
ças contíguas, paralelas a um pátio ou corredor. Os
em___. Lá residiu a família do famoso cantor Lu- banheiros e tanques eram coletivos e ficavam loca-
picínio Rodrigues. Em fins da década de 1960 a lizados no pátio." (Vieira, 2017, p. 117). Interessante
observar que a Comunidade Quilombo do Areal, lo-
Ilhota deixa de existir, e grande parte de seus mo- calizada na Av. Luiz Guaranha, está constituída neste
radores vão dar origem ao bairro Restinga (Vieira, modelo espacial.
“Avenida” no Areal da Baronesa
2017, p. 121-128).

Paisagem interna da Ilhota

Fonte: Acervo Dorvalina Fialho -


Obtido em Vieira, (2017, p. 118)

Fonte: Marcello Campos (Arquivo pessoal) -


Obtido em: Vieria (2017, p. 125)

39
Mapa Porto Alegre 1906, com destaque para:
Ilhota, traçado Av. Ipiranga e pontes sobre Arroio Dilúvio

Fonte: CD Cartografia Virtual Histórica-Urbana de Porto Alegre: século XIX e Início do XX (IHGRGS, 2005).
Elaboração: Daniele Machado. Obtido em: Vieira (2017, p. 123)

A religiosidade afro no Areal


A memória da cidade e dos antigos batuqueiros é recorrente em apontar o território negro do Areal da
Baronesa como local de muitas casas de batuque e umbanda. Nas memórias de Waldemar de Moura Lima, o
Mestre Pernambuco, torna-se visível a relação com outros territórios e espaços sociais negros:

"Quando cheguei, em [19]48, fui morar na Duque [de Caxias]. A força do tambor me chamava.
Moleque fugia de casa e ia para o Areal da baronesa. Fugia e dava um jeito de me envolver. Era o grande es-
paço. Tínhamos a Bacia [do Mont´Serrat]. Lá eu jogava futebol com o pessoal do Mont´Serrat. Tinha outro
espaço forte, próximo ao pronto Socorro, a Santana. Ali surgiu Bambas, Praiana. Era essa a área do pessoal.
A negrada na época era alfaiate, trabalhos braçais, porteiros, área de serviço em geral. As duas sociedades,
Floresta e Prontidão, eram dirigidas pela mesma família, dois irmãos. Também o Marcílio." (entrevista ao
autor em 21/03/2006). (Campos, 2006, p. 37)

Em 1914, um episódio ocorrido na casa do "médium" Alfredo Duarte, residente na na Avenida Orien-
tal no 14, na rua Miguel Teixeira/Areal, chamou a atenção da sociedade porto alegrense. Tratava-se de uma
época de grande intolerância com as religiões de matriz africana, inclusive com relatos de que a polícia invadia
os templos e prendia seus adeptos. Em uma noite do mês de abril, dezesseis brigadianos adentraram a casa do
referido Alfredo, não o fizeram para reprimir sua religiosidade, mas sim enquanto consulentes que buscavam
assistência espiritual. Acabaram sendo surpreendidos pelo seu superior, o tenente Courseuil, que os conduziu
ao quartel (Mattos, 2000, p. 114).
Interessante pensar que os soldados da Brigada Militar eram originários justamente das camadas
40
populares da sociedade, e consequentemente faziam parte de um universo cultural comum aos afro religiosos.
Lembremos que na década de 1890 a Brigada Militar estabeleceu quartéis na região do Areal da Baronesa, e
muitos brigadianos passaram a residir na região. Quem sabe algum desses dezesseis policiais não estivesse na
casa do "médium" Alfreto em busca de proteção junto ao axé de Ogum, orixá guerreiro, protetor dos soldados
e militares?

Lideranças Religiosas na Cidade Baixa


O Batuque, por estar baseado na transmissão oral do conhecimento e se alicerçar nas noções de an-
cestralidade e tradição, evoca a memória de antigas lideranças religiosas que viveram no passado. Na Cidade
Baixa eram numerosas essas lideranças, tais como a já referida Princesa Emília de Oyá Ladja (ver texto sobre
Rio Grande), Pai Fábio de Oxum, Príncipe Custódio de Sapatá, entre outros .

Custódio Joaquim de Almeida - o Príncipe africano


Sem dúvida o maior destaque entre as lideranças afro religiosas da região foi o Príncipe, figura que
gera polêmica ainda na atualidade, no que se refere ao seu possível título de nobreza: seria Custódio Joaquim
de Almeida um africano de linhagem nobre ou um agudá retornado?
Na década de 1990 a antropóloga Maria Helena
AGUDÁ Nunes da Silva estudou as visões sobre o Príncipe africano,
No Benin, designação que se dá ao portador de
sobrenome de origem portuguesa, em geral descendente de
entrevistando um dos filhos de Custódio, lideranças afro-re-
africanos libertos retornados do Brasil. O vocábulo, presen- ligiosas, entre outras pessoas que cultivavam uma memória
te no fongbé e no iorubá, parece originar-se no substantivo
“ajuda”, do nome do forte português de São João Batista da acerca da sua trajetória na capital dos gaúchos. Ainda que não
Ajuda, pronunciado como oxítono. Os agudás formam uma
comunidade distinta do restante da população beninense, as-
fosse seu objetivo inicial, o trabalho de Nunes da Silva (1999)
sim como os amarôs na Nigéria e os tabons de Gana. acabou por contribuir decisivamente para cristalizar uma de-
terminada visão sobre Prìncipe Custódio, na qual ele teria che-
gado em Porto Alegre com uma idade avançada, entre 1899
e 1901, a convite de Júlio de Castilhos, após escapar de uma complexa e rebuscada história de luta pela su-
cessão ao poder em seu reino na África. Lá, Custódio chamaria-se Osuanlele Oziki Erupê, o descendente e
herdeiro direto do último Obá do Benin - atual Nigéria - deposto pelos britânicos, chamado Ovonramwen.
Ainda segundo essa versão, Custódio receberia em solo Pai Custódio de Sapatá (Custódio Joaquim
gaúcho uma polpuda soma em libras esterlinas (moeda da Grã- de Almeida), o Príncipe
-Bretanha). Uma espécie de indenização paga pelos ingleses para
“Osuanlele” deixar sua herança - e a disputa - ao trono do então
Reino do Benin, em derradeira decadência com a ação do império
britânico. No entanto, nenhuma fonte documental foi encontra-
da respaldando esses depósitos bancários, em qualquer instância,
seja no Rio Grande do Sul ou, até mesmo, em solo inglês.
É bastante provável que essa versão seja produto de uma
narrativa que buscava justificar e demonstrar as origens de um
poder negro em terras sulinas, amparado na figura do Príncipe
Custódio. Talvez estejamos diante daquilo que o sociólogo Pierre
Bourdieu define como ilusão biográfica. Uma tentativa, ainda que
inconsciente, de atribuir um sentido retrospectivo a uma trajetória
de vida. Pelo menos é o que parece ser, ao compararmos com
41
os documentos e indícios que vieram à tona em 2021, no livro No refluxo dos retornados, que trata a trajetória
de Custódio sob outro prisma (Scherer e Weimer, 2021).
Nessa outra pesquisa, os historiadores Rodrigo
ILUSÃO BIOGRÁFICA Weimer e Jovani Scherer, apresentam Custódio Joaquim
“o fato de que a vida constitui um todo, um de Almeida como um africano livre nascido em 1852, ou
conjunto coerente e orientado, que pode e deve ser apreen-
dido como expressão unitária de uma “intenção” subjetiva 1853, na cidade de Ajudá, importante porto do antigo Dao-
e objetiva, de um projeto. [...] Essa vida organizada como mé, atual República do Benin. Um documento em especial
uma história transcorre, segundo uma ordem cronológica
que também é uma ordem lógica, desde um começo, uma levou a redefinição de aspectos fundamentais da trajetória
origem [...] O sujeito e o objeto da biografia (o investigador do Príncipe no contexto da diáspora africana. Essa fonte
e o investigado) têm de certa forma o mesmo interesse em
aceitar o postulado de sentido da existência narrada [...] na estabelece que Custódio já se encontrava em Porto Alegre
preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair desde 1881, com ao menos duas décadas de antecedência ao
uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva.”
(Bordieu, 1998) correntemente aceito até então.
Em dezembro de 1885, no centro de Porto Alegre,
Custódio envolveu-se em um desentendimento que resultou em conflito físico com o português Ernesto Leal.
Nos trâmites do processo o Príncipe teve que se qualificar diante do juiz (identificar-se), conforme segue:

“qual seu nome, filiação, estado, idade, profissão, nacionalidade, naturalidade e se sabia ler e
escrever? respondeu chamar-se Custódio Joaquim de Almeida, filho de Joaquim de Almeida, com trinta e
dois anos de idade, solteiro, tanoeiro, africano, nascido em Ajudá, não sabe ler nem escrever." (Scherer e
Weimer, 2021)

A leitura do documento demonstra que Custódio não tinha cerca de sessenta anos ao chegar em Porto
Alegre. Ele já circulava pelas ruas da capital gaúcha “com trinta e dois anos”. Outras fontes expostas no livro
de Weimer e Scherer (2021), demonstram que o Príncipe teria chegado, segundo suas palavras, “moço” ainda
a essas terras. Nesse sentido, ganha força o ano de 1864 - data mais segura apontada pelo estudioso Alberto
da Costa e Silva - para sua chegada ao Brasil. Questão que segue, ainda, sem uma comprovação definitiva,
junto a tantas outras, incluindo se veio para cá sozinho ou acompanhado, visto ser bastante jovem. Somente
pesquisas futuras poderão resolver.
De certa forma esses novos documentos abriram espaço para compreender a trajetória de Custódio
Joaquim de Almeida de uma forma diferente. É bastante provável que seu pai tenha sido Joaquim de Almei-
da, famoso africano liberto que retornou do Brasil ao continente africano, tornando-se um dos patriarcas dos
agudás na fronteira entre os atuais Benin e o Togo. Por outro lado, sua mãe ainda nos é desconhecida. Nesse
sentido, a realeza de Custódio apresenta-se como construída mais no lado de cá do Atlântico do que na África.
Ainda que a futura descoberta de quem foi sua genitora possa associá-lo a uma linhagem real.
Vivendo nas décadas finais do século XIX em Porto Alegre, Custódio atuou como trabalhador, um
qualificado tanoeiro é verdade (fabricante de barris de madeira), mas não como aquinhoado nobre africano
bancado por britânicos. Andou a cavalo, o que certamente lhe dava ares altivos, no entanto talvez tenha sido
primeiro a trabalho e não a passeio. Com o tempo tornou-se conhecido como turfman (proprietário de cavalos
de corrida), meio pelo qual estabeleceu importantes contatos com o que havia de mais refinado na elite gaúcha.
Sua trajetória em outros aspectos, entretanto, permanece com lacunas, especialmente entre seu nascimento em
Ajudá, na África e sua idade adulta em Porto Alegre.
Por enquanto, então, é mais certo pensar que sua realeza foi construída em Porto Alegre, entre a po-
pulação que vivia no Centro, na Cidade Baixa, e em outros territórios negros. Príncipe Custódia estabelecia
42
uma ponte entre as elites porto-alegrenses e as camadas mais populares, para as quais era visto como um
benfeitor, sem dúvidas, uma importante liderança entre africanos e afro-brasileiros, consultado por muitos e
respeitado por outros ainda mais.
Seu funeral, em 1935 foi notícia em diferentes jornais do Rio Grande do Sul:

"Atendendo aos seus últimos desejos, o velório do 'príncipe' seguiu as tradições africanas, obede-
cendo ao rito indispensável à sua condição de dignatário negro [...] Fora ele, também, entusiasta turfman,
tendo tido a propriedade de vários animais que marcaram época no nosso turfe." (Fonte: Diário de Notícias,
29 de maio de 1935)32.

Custódio é uma figura emblemática para a comunidade afro religiosa do Rio Grande do Sul. Filho do
orixá Sapatá (vodum agregado ao Batuque como uma das variantes do orixá Xapanã, relacionado à doença e
a sua cura), é rememorado por muitos como sendo o maior baluarte da nação jeje nestas terras, uma das tra-
dições até hoje cultuadas. Ao mesmo tempo, outras narrativas informam que Custódio não teria "aprontado"
nenhum filho de santo, pois, sendo um nobre africano, não iria "colocar a mão na cabeça" de pessoas comuns,
sem ascendência semelhante. "Colocar a mão", na linguagem batuqueira, é uma referência ao ritual pelo qual
um pai ou mãe de santo sacraliza a relação de um indivíduo com o seu orixá regente, considerado o "dono de
sua cabeça". Já "aprontar" significa propiciar ao filho de santo toda preparação para se tornar um babalorixá,
inclusive com a outorga do Axé de Ifá (autorização para a condução do jogo divinatório dos búzios) e Axé de
Obé (autorização para o uso ritual da faca utilizada nos sacrifícios rituais) e, sendo assim, possibilitando ao
mesmo abrir a sua própria casa de nação e o apronte de seus filhos de santo.
O acesso aos registros de pesquisa do folclorista e historiador Carlos Galvão Krebs trouxe novo
horizonte ao debate. A partir do fim da década de 1940, Krebs pesquisou o tema da religiosidade negra em
Porto Alegre, tendo vivenciado intensamente o dia a dia de importantes casas de nação. A partir das conversas
e contatos estabelecidos nestes espaços, buscou saber mais sobre a emblemática figura do Príncipe Custódio,
falecido na década anterior ao início de sua pesquisa.
Carlos G. Krebs conversou em 1953 com Domingos de Almeida, um dos filhos de Custódio, o qual
afirmou que seu pai teria deixado "quantidade de filhos de santo", porém não tendo "feito" pai-de-santo a ne-
nhum deles. Nas palavras de Domingos, seu pai "[...] dizia que a religião africana era cousa muito séria, e
que os filhos não iam fazer a cousa direito, se trabalhassem sozinhos" (Depoimento de Domingos de Almeida,
1953. Acervo Carlos Galvão Krebs).

Serafina (esposa de Custódio) e os filhos Domingos, Dionísio e Joaquina.

Imagens obtidas em Silva (1999)

43
CARLOS GALVÃO KREBS
Carlos Galvão Krebs (nascido em São Gabriel no ano de 1914, falecido em Porto Alegre em 1992). Foi um et-
nógrafo e folclorista brasileiro, formado em Direito, História e Geografia e Artes Plásticas. Foi funcionário da Secretaria de
Educação do Estado do RS e fundador do Instituto de Tradição e Folclore, origem do IGTF (Instituto Gaúcho de Tradição
e Folclore), ao lado de figuras como Dante de Laytano e Paixão Cortes. Foi pioneiro no estudo das práticas de religiosidade
de matriz africana no RS, ao lado de Laytano. A partir de fins da década de 1940, frequentou diversas casas de Batuque em
Porto Alegre, com destaque para as de Mãe Moça de Oxum, Mãe Andrezza de Oxum, Mãe Apolinária de Oiá, Mãe Ester de
Iemanjá, Mãe Maria Horária do Bará, Pai Florentino do Ogum, Irmão Laudelino Manoel de Souza (umbanda). Em uma época
na qual o Batuque era alvo de perseguições, publicou diversas reportagens em jornais e revistas do Brasil, buscando levar ao
grande público um pouco de conhecimento sobre o tema. Dialogou com muitos folcloristas e etnógrafos, como Câmara Cas-
cudo, Peixe Grande, Edson Carneiro e Veríssimo de Melo. Criou o primeiro curso de folclore do estado. Entre fins da década
de 1950 até 1980, voltou-se ao estudo do folclore gaúcho, em seus diversos aspectos. Temas como: congadas e maçambique
de Osório, cultura campeira, saberes e ofícios tradicionais, etc. Autor do livro Estudos de Batuque (Krebs, 1988).

As pesquisas de Krebs apontam um caminho quanto à dúvida sobre a descendência religiosa do


Príncipe: ele possuía casa de religião de culto africano pelo lado da nação jeje, mas não chegou a aprontar
totalmente nenhum filho de santo para que se tornasse babalorixá, ou seja, não teria concedido Axé de Ifá e de
Obé a ninguém. Mas possuía, sim, filhos-de-santo iniciados por ele, ou que passaram pela sua "mão" depois
de iniciados por outra liderança religiosa. Muitos destes devem ter tido seus aprontamentos religiosos con-
cluídos por outro pai ou mãe de santo e, assim, dado seguimento ao culto da nação jeje mediante abertura de
suas casas.
Isso não leva a afirmar que Custódio de Almeida tenha sido o primeiro pai de santo do jeje no estado,
ou o "fundador" desta nação por estas bandas. Muitos africanos auto identificados com esta nação viviam des-
de o século anterior no estado. O papel do Príncipe parece ter sido, de certa forma, o de atualizar a relação com
uma África mítica e imaginária, há muito tempo distante dos afrodescendentes aqui estabelecidos. Lembremos
que o tráfico internacional de escravos cessou para o Brasil em 1850, e que o Rio Grande do Sul não mantinha
vínculos de comércio náutico com o continente africano, como no caso da Bahia.
O último endereço de Custódio de Almeida foi na rua Lopo Gonçalves n. 498, em uma propriedade
que fazia fundos com a Travessa dos Venezianos. Os batuques e outros rituais religiosos na sua casa, apesar
de serem famosos, eram muito fechados, restritos aos filhos de santo e amigos íntimos. Já as comemorações
de seus aniversários, ou como o povo de terreiro chama “festas brasileiras”, essas sim eram grandes eventos
no bairro, por vezes contando com a presença de uma banda musical, farta comida e bebida, se estendendo
para fora do espaço da sua residência. Os convidados eram numerosos e, segundo relatos de época, chegavam
a somar cerca de oitocentas a mil pessoas, com festejos que podiam durar dias. Alguns relatos informam que
nesses momentos havia a presença inclusive de autoridades estatais, como delegados e políticos.
Uma das figuras públicas associadas a Custódio foi Antônio Augusto Borges de Medeiros, Governa-
dor do Rio Grande do Sul entre 1898-1908 e 1913-1928 (à época chamado de Presidente do Estado). As me-
mórias e escritos acerca desta relação informam que Borges de Medeiros frequentava as festas de aniversário
de Custódio de Almeida, e que talvez o governador fosse até mesmo filho-de-santo do africano, tendo sido
consagrado ao orixá Ogum. Ainda segundo relatos, a relação entre eles teria sido iniciada quando Carlinda, es-
posa de Borges, fora buscar em Custódio tratamento espiritual para o quadro de doença enfrentado por Borges
de Medeiros e para proteção frente ao cenário político. E mesmo o ex-Governador Júlio de Castilhos teria, an-
teriormente, recorrido ao Príncipe por motivos semelhantes. O Príncipe teria, assim, tornado-se inclusive um
44
Vista frontal de onde se localizava a casa do Príncipe
Vista frontal casa do Príncipe em 1933 (prédio à direita) - 2021

Fonte: Correio do Povo, 23/03/1933 Autoria: Denis Pereira Gomes.

conselheiro do governador do estado em questões relacionadas à administração pública. Segundo Dionísio de


Almeida, filho do Príncipe, sua casa seria ainda frequentada por políticos como Getúlio Vargas, entre outros
(Costa e Silva, 2003; Silva; 1999; Corrêa, 2016).
Fruto desta relação, Custódio de Almeida teria, Antônio Augusto Borges de Medeiros
ainda segundo as memórias, realizado um assentamento
do Orixá Bará no Palácio Piratini (sede do governo do
Estado, na rua Duque de Caxias), como forma de pro-
mover proteção a Borges contra seus inimigos políticos.
São histórias envoltas em dúvidas, mas que permane-
cem fortes nas memórias e narrativas orais da comuni-
dade batuqueira.
Neste sentido, recorremos novamente às ano-
tações de Carlos Galvão Krebs, que em suas pesquisas
sobre o tema entrevistou, em 1953, a Antônio Nunes,
fotógrafo do jornal Correio do Povo. Questionado se
sabia a respeito da relação de Borges de Medeiros com
o Príncipe, o fotógrafo respondeu que no ano de 1921
ou 1922, quando tinha cerca de doze anos: Fonte: https://www.palaciopiratini.rs.gov.br/
borges-de-medeiros-1898

"[...] morava então à Rua Lopo Gonçalves, n. 379. A casa do Príncipe era pertinho da minha [...].
Guri como eu era naquela época, vivia jogando bola no meio da rua. Não tinha nenhuma preocupação por
essas coisas. Mas o dr. Borges era muito conhecido, é claro. E, pelo menos duas vezes, eu vi o dr. Borges
descer de carro de praça, em frente a casa do Príncipe, e lá entrar. O que fazia lá dentro não sei. Mas que
entrava, isso é a pura verdade." (Relato de Antônio Nunes a Carlos Galvão Krebs, 20/01/1953 - Acervo
Carlos Galvão Krebs).

Permanece em aberto a discussão sobre o caráter desta relação. Teria sido Borges de Medeiros um
filho-de-santo do Príncipe, tornando-se assim um governador batuqueiro? Ele teria apenas recorrido aos orixás
africanos para a realização de trabalhos de proteção, sem ter se tornado um filho-de-santo, um iniciado?

45
Ou a relação entre o Príncipe africano e o Governador do Estado se resumiu a interesses mútuos de apoio
político: Borges buscando aumentar sua influência eleitoral entre a comunidade negra da cidade, enquanto o
Príncipe almejava criar laços mais sólidos com a elite porto alegrense, para assim ser melhor aceito?

A nação Cabinda
Quando iniciamos a tratar do tema as origens das nações do Batuque, a Cabinda se mostrou como um
desafio. Esta nação está associada a Waldemar Antônio dos Santos, Pai Waldemar de Xangô Kamucá: homem
negro, operário, natural do Rio Grande do Sul, tendo nascido aproximadamente em 1887 e que residiu na Rua
Leopoldo Bier n. 520, bairro Santana, cercanias do Areal da Baronesa.
Quanto à sua formação religiosa, os relatos orais
informam que Pai Waldemar foi filho-de-santo de Antônio
Gululu e fora casado com Mãe Otília do Ossanha, esta, ao
que se sabe, da nação Ijexá. Os debates recentes sugerem
que a nação Cabinda tenha se originado do tronco Oyó-I-
jexá.
É importante ressaltar que Antônio Gululu não é a
mesma pessoa que Pai Antoninho da Oxum, como já suge-
rido em outros estudos, pois Gululu foi, justamente, o pai
de santo de Antoninho da Oxum. O documento abaixo, um
certificado de apronte emitido por Pai Florentino do Ogum,
informa a este respeito:

"Atesto que (NOME OCULTADO) nascidos e criados (sic) sob a bandeira de Ogum (sic) tem to-
dos os Orixás assentados na vasilha bem como o axé de faca, estando portanto pronta na religião e podendo
se utilizar deles quando for necessário.
Declaro outrossim (sic) herdeira direta de Ogum (sic) em tudo o que se refere à religião.
Sendo "filha de santo" é neta (sic) de Antônio da Cruz Ferrari e bisneta de Antônio Gululu ambos
já falecidos."
PORTO ALEGRE, 26 DE NOVEMBRO DE 1.950.

46
Pai Antoninho da Oxum, antes de "passar para a mão" de Gululu, teria sido filho de santo de Mãe De-
olinda do Xangô, e não de Mãe Donga, conforme versão corrente (informações obtidas nas notas de pesquisa
de Carlos Galvão Krebs). São informações, aos ouvidos contemporâneos, que podem causar estranhamento.
Mas são sugeridas aqui como elementos para o enriquecimento do debate sobre ancestralidade, central para a
identidade batuqueira.
O interessante é que essas novas informações colocam uma origem comum do Oyó de Pai Antoninho
da Oxum com a Cabinda de Pai Waldemar do Xangô, e que só fortalece a pergunta de quem foi, exatamente,
Antônio Gululu?
Pai Waldemar faleceu em setembro de 1935, de coma diabético, aos 48 anos, em sua residência no
bairro Santana/Porto Alegre.
Quanto à terminologia cabinda, as fontes analisadas até o momento demonstram que, pelo menos até
os anos 1940, não há variação significativa de nomenclatura dessa nação, ou seja, não existe outra forma de
denominá-la que não seja cabinda ou canbinda.

A Umbanda em Porto Alegre


Quando pensamos nas origens da Umbanda no Brasil, nossa memória nos direciona ao culto fundado
por Zélio Fernandino de Moraes, no Estado do Rio de Janeiro em 1908. O culto da Umbanda era praticado por
escravos de origem banto no território brasileiro, assim como a Quimbanda, porém não como são praticadas
no tempo presente. Ambas tinham a influência de sua cultura originária, no caso os escravos bantos vindos
para o Brasil cultuavam seus ancestrais, diferindo dos ritos aos ancestrais dos nagôs.
A primeira casa de culto umbandista em Porto Alegre foi fundada em 1932, pelo Tenente da Marinha
Laudelino Manoel de Souza, conhecido como irmão Laudelino. Devido à sua profissão, Irmão Laudelino
conheceu várias regiões do país e no Nordeste teve contato com o culto umbandista. Sua casa localizava-se
no bairro Cidade Baixa, especificamente na rua General Lima e Silva nº 1051, sob o nome de “Abrigo Espí-
rita São Francisco de Assis''. O próprio nome da sua casa possuía uma forte referência à influência católica,
que juntamente com elementos ameríndios, africanos e espíritas conformavam a sua base litúrgica. O Abrigo
prestava um relevante trabalho social à comunidade, ajudando pessoas carentes, inclusive com distribuição
de alimentos aos domingos pela manhã. Após seu falecimento a casa prosseguiu em atividades, funcionando
atualmente na Av. Ipiranga.
Irmão Laudelino, juntamente com Irmã Núbia (sua suces-
sora) entregando presente a Iemanjá em 02.02.1949

Fonte: Acervo Carlos Galvão Krebs


47
6 - Os territórios negros da Colônia Africana e da Bacia do Mont Serrat

Os bairros Bom Fim, Rio Branco, Petrópolis, Três Figueiras, Mont Serrat e Auxiliadora guardam
poucos aspectos do que já foram em um passado não tão distante. Se hoje estão entre as áreas economicamente
mais valorizadas da cidade e possuem predominância de população branca, na primeira metade do século XX
a realidade era bem diferente. Há cerca de um século estas regiões eram conhecidas como Colônia Africana
e Bacia do Mont Serrat, redutos da população trabalhadora porto alegrense. Ainda que existissem moradores
de diversas origens habitando nelas (brancos nacionais, imigrantes europeus e seus descendentes, trabahado-
res originários da área rural), a grande presença de afrodescendentes marcou a memória dessas regiões como
sendo territórios negros (Rosa, 2014).
Mapa dos territórios negros, Porto Alegre – 1916

Fonte: Elaboração de Vieira (2017) sobre o Mapa de Porto Alegre de 1916 (IHGRGS)

Ambos territórios eram vizinhos e se localizavam nas cercanias do núcleo central da cidade, tendo
sido progressivamente ocupados por trabalhadoras e trabalhadores pobres, em grande parte ex-escravos, ne-
gros livres e libertos expulsos dos cortiços e dos becos do centro antigo. Os projetos de modernização urbana
implementados pelas autoridades municipais no início do século XX, ao abrir novas avenidas e ruas, foram os
responsáveis por esta migração interna no território da cidade. Restava aos trabalhadores ocuparem as áreas
periféricas, que possuíam menor valor aquisitivo por estarem mais distantes do centro da cidade e por serem
consideradas insalubres, por não possuir infra estrutura urbana em seus primórdios, como água e esgoto en-
canado ou fornecimento de energia elétrica (Pesavento, 1994; Kersting, 1998; Koehler, 2015; Vieira, 2017;
Rosa, 2019).
A Colônia Africana foi um destes importantes territórios negros da cidade. As primeiras referências
a ela datam de fins do século XIX, e provavelmente tenha se formado a partir da década de 1880. A partir do
progressivo desmantelamento do sistema escravista, que culminou com a Abolição em 1888, a região foi se
constituindo como um reduto de moradia, sociabilidade e resistência da população afrodescendente.
48
Colônia Africana em 1910

Fotógrafo não identificado. Acervo Digital da Biblioteca Nacional

Amanhecer na Colônia Africana

Acervo Jayme M. da Silva. Obtido em: Santos (2010)

Segundo os registros de época, seu território abrangeria a parte alta do atual Bairro Rio Branco, ten-
do como centro a área das ruas Castro Alves, Casemiro de Abreu, Vasco da Gama, Cabral (antiga Rua Boa
Vista) e Liberdade (Vieira, 2017, p. 129). Porém, na memória popular, este território era bem mais amplo,
englobando também parte do bairro Bom fim, dos bairros Petrópolis e Santa Cecília, estando ainda fortemente
vinculado com a bacia do Mont Serrat.
49
A partir da década de 1920 a região pas-
sou a ser formalmente denominada de bairro Rio
Área aproximada do núcleo central da Colônia Africana
Branco pela municipalidade, mas ela continuou
por muitos anos a ser lembrada pelo imaginário
popular como o território negro da Colônia Afri-
cana. Esta designação, ao que parece, acompa-
nhou a progressiva expulsão da população negra
para a periferia, pois se inicialmente ela se con-
fundia com a região do Bom Fim, com o tempo
passa a se mesclar com a região do bairro Mont
Serrat, zona vizinha e um pouco mais distante da
área central da cidade (Kersting, 1998, p. 101).
O território negro do Mont Serrat cor-
respondia aproximadamente aos atuais bairros
Três Figueiras, Auxiliadora e Mont Serrat. A data
oficial de seu início seria o ano de 1910, quando
foi construída a Igreja Nossa Senhora Auxiliado-
ra, embora já existissem moradores estabelecidos
anteriormente. A região era popularmente co-
nhecida como "Bacia do Mont Serrat" devido ao
relevo baixo em seu centro, uma depressão que
Fonte: Kersting (1998)
lembraria o formato de uma bacia e onde se lo-
calizava um grande número de importantes casas
de Batuque de Nação.

Mapa do Bairro Mont Serrat

Fonte: http://mapas.procempa.com.br/mapaoficial/

50
A Rua Arthur Rocha, inicialmente denominada Rua Álvaro Chaves, teria sido a primeira a ser ocupa-
da no antigo Mont Serrat. Não se sabe o porque da escolha da homenagem a Arthur Rocha, mas em um bairro
com forte presença negra um fato se destaca: ele foi um intelectual negro, ativista político e abolicionista.

6.1 - Religiosidade negra


Arthur Rodrigues da Rocha: homens negro, nascido
livre na cidade de Rio Grande no ano de 1859, foi poeta, drama- Os territórios negros foram espaços impor-
turgo e jornalista. Foi redator dos jornais O Mosquito (1874), O tantíssimos para a reorganização da comunidade ne-
Colibri (1877) e A Lente (1877) em Porto Alegre e membro da
Sociedade Partenon Literário (Zubaran, 2013; Geraldes, 2018). gra e de seus projetos pessoais e familiares. Em suas
ruas e casas, a população negra construiu seus sonhos
e suas vidas, trabalhando, estudando, descansando,
divertindo-se e cultuando suas crenças. Uma série de
experiências caracterizavam esta área enquanto um
território negro, como por exemplo a famosa Liga da
Canela Preta (organização que reunia clubes formados
por jogadores negros), o carnaval e os redutos negros
de lazer e sociabilidade como os clubes e os salões de
baile "Modelo" e "Ruy" (Germano, 1999; Santos, 2005
e 2010; Vieira, 2017; Santos, 2018).

Fonte: Vieira (2017, p. 151)

Grupo Carnavalesco Quem Ri Por Último -


Mont Serrat Esporte Clube 13 de maio (Colônia Africana) - 1950

Obtido em: Santos (2010) Acervo Wilson Pereira. Obtido em: Santos (2005)

Uma das formas coletivas mais significativas que a população negra encontrou de vivenciar esses
territórios foi mediante a religiosidade de matriz africana: o Batuque de Nação. E neste ponto a Colônia Afri-
cana e Mont Serrat foram duas das regiões mais célebres de Porto Alegre da primeira metade do século XX:
"Tinha também muito preto de Irmandade que era batuqueiro. Preto católico, temente a Deus,
que comprava tijolos para construir as igrejas e o padre nunca tinha tempo para batizar os filhos deles. No
Batuque eles tinham vez, eram gente. Nas irmandades também. Ser irmão era uma maneira de um negro
apoiar o outro, ajudar a arrumar emprego, acolher quando vinha do interior, já no cais do porto, na Praça da
Harmonia" - Depoimento de Vera Lúcia Lopes (Santos, 2010, p. 117)

51
"O pai, que não era de Nação, nem de Batuque, nem de Irmandade, dizia que o segredo era manter
tudo isso vivo. Era um negro apoiar o outro, sempre. Porque ninguém faria pela gente" - Depoimento de
Vera Lúcia Lopes (Santos, 2010, p. 117)

Nesses territórios viveram e circularam muitos nomes que ficaram famosos nas rememorações de
diversas tradições do Batuque e que são até hoje lembrados, representando parcela fundamental da ancestrali-
dade do Batuque em Porto Alegre :
"(…) porque a religião ali, era um lugar só do culto afro, cada casa era uma do lado da outra, era
uma em cima da outra, vamos supor assim... e há 100 anos aquilo ali, vamos supor que há 40 anos, há 60
anos, ainda tinha muitas casas" - Depoimento de Mãe Iracema de Iansã, moradora na Rua Comendador
Rheingantz (Rech, 2012, p. 40)
Alguns destes nomes foram:

Pai Antoninho da Oxum - nação Oyó


Antônio da Cruz Ferrari, ou Pai Antoninho da Oxum, foi um dos mais célebres Babalorixás na Porto
Alegre da primeira metade do século XX. Era da nação Oyó. Segundo relatos orais, Antoninho foi filho de um
imigrante italiano (ou de um ítalo-descendente) com uma trabalhadora negra. Teria nascido por volta de 1890
e ficado órfão ainda criança, sendo então criado pela comunidade de negros e negras minas que ainda viviam
em Porto Alegre. Quando adulto, Antoninho residiu na rua Eudoro Berlink n. 354, sendo proprietário de quase
todo o quarteirão. Faleceu em 1933.
Em 1930 um jornal da capital publicou uma reportagem onde se fez referência à casa de moradia de
Antoninho da Oxum, apresentando ainda uma foto desta e de outras residências vizinhas:
A reportagem apresentava o seguinte texto:
“Na gravura de hoje, nota-se que
Pai Antoninho da Oxum existe ai, rodeado de modestos chalets, um
lindo ‘bungalow’, que muito bem poderia
ter sido construído num dos tantos bairros
chics da capital, ao neves [sic] de o ser
num local acanhado, rua péssima, quasi
[sic] que intransitável.
É que em Mont’Serrat existem,
também, numerosos ‘batuques’, sendo que
o ‘bungalow' que ai vemos é de proprieda-
de do conhecido ‘batuqueiro' Antoninho.
E é ali mesmo que os seus ‘ir-
Fonte: Jornal Estado do Rio Grande - 25/09/1930
mãos’ se reunem quotidianamente, execu-
tando os seus ritos infernais e cantigas exó-
ticas, atordoando os moradores próximos,
na maioria operários que se veem impedi-
dos de usufruírem o necessário descanso,
após as longas horas de trabalho diário” .33

52
As moradias populares destes territórios
Um chalet na Colônia Africana - 1910
negros, à época, eram geralmente de madeira e
denominadas de chalets, nos quais foram tocados
muitos batuques que escandalizavam a classe mé-
dia branca da cidade mas que são rememorados
pela comunidade batuqueira como referências an-
cestrais.
Pai Antoninho teve papel fundamental na
estruturação do Batuque durante a primeira metade
do século XX, momento que pode ser visto como
da institucionalização do modelo atual de culto,
justamente em uma época na qual a comunidade
negra enfrentava o desafio de se reorganizar frente Acervo Jaime M. da Silva - Obtido em: Santos (2010)
ao cenário social do pós-abolição.
Mãe Andreza de Oxum
Mãe Andreza de Oxum (Andrezza Ferreira da Silva) nasceu no início da década de 1880. Morou na
Colônia Africana: primeiramente à Rua Esperança (atual Rua Miguel Tostes), depois à Rua da Liberdade, e
por fim na Rua Alcides Cruz, antiga rua Treze, lado direito do Caminho do Meio, em uma casa de madeira,
comum nos bairros de trabalhadores à época (Notas de pesquisa Carlos Galvão Krebs em 07/06/1948).
Rua Esperança (hoje Rua Miguel Tostes) em 1910 Foi uma famosa mãe de santo. Sobre sua
iniciação na religião, Mãe Andreza relatou ao pes-
quisador Carlos Galvão Krebs, no ano de 1948, o
seguinte:

"Quanto à sua posição de chefe


de culto, diz que foi predestinada. Resis-
tiu muito tempo, perambulando por várias
casas, sem nunca querer ter compromis-
so com o culto. Afinal, Antoninho jogou
os búzios para ela e lhe disse que deveria
fazer santo e tornar-se mãe, porque esta-
Acervo Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo va predestinada. Que levasse a obrigação
para casa e começasse a preparação, pois
Velório de Mãe Andreza de Oxum
ele lhe ensinaria tudo e lhe ajudaria no co-
meço. Andreza obedeceu. Morava, naque-
la época, à rua Esperança, 73. E Andreza,
em 1917, se aprontou".

Andreza faleceu em 30/8/51, com 67 anos de idade, dei-


xando uma única filha de sangue (e também de santo) chamada
Geraldina Alves Ribeiro, a Mãe Cachinha.
Seu funeral (chamado de arissum na linguagem batu-
queira) foi aos moldes "africanos", ou seja, com o caixão sendo
conduzido pelas ruas da cidade nas mãos dos seus parentes reli-
giosos, ao toque de tambor. Repercutiu na cidade a ponto de ser
Fonte: Jornal Diário da
noticiado pela imprensa local.
Noite/RJ - 06/09/1951
53
Mãe Apolinária de Oyá
Mãe Apolinária de Oyá - 1953
Mãe Apolinária de Oyá (Apolinária Matias Baptis-
ta), nasceu na cidade catarinense de Tubarão. Após morar na
Bahia por alguns anos, chegou a Porto Alegre por volta de
1934, tendo o Pai Florentino do Ogum como seu condutor
na nação Oyó.
A casa de Mãe Apolinária ficava localizada na Rua
Antônio Parreiras n. 68, esquina com a Rua Mariland, no
coração do Mont Serrat.
Mãe Apolinária se destacou por ter sido, ao que pa-
rece, a primeira liderança afro religiosa a abrir sua casa para
o grande público, permitindo a publicação de reportagens
Fonte: Acervo Carlos Galvão Krebs jornalísticas sobre os rituais e vendo com bons olhos a visita-
Casa de Mãe Apolinária de Oyá - 1953 (Rua ção de pessoas da classe média branca e intelectualizada aos
Antônio Parreiras, esquina Rua Mariland) seus rituais públicos. Segundo o pesquisador Carlos Galvão
Krebs, a mesma "afirmava que muitas vezes ficava desespe-
rada, por não ter quem explicasse ao povo que 'a religião'
não faz nada de mal, que pratica o bem"34.
Faleceu em 1958. Seu nome foi dado a uma ave-
nida no bairro Jardim Ypu, em reconhecimento ao trabalho
assistencial que realizava, recebendo pessoas desamparadas
e doentes em sua casa e abrigando-as até se reerguerem.

A nação Jeje no Mont Serrat


Fonte: Acervo Carlos Galvão Krebs
João Corrêa Lima, conhecido como Joãozinho do
Bará Agelú ou João do Exu Bí, foi uma liderança inques-
tionável da nação Jeje do Rio Grande do Sul. Sua casa se
localizava na rua Comendador Rheingantz, n. 265, no Mont Serrat, próximo ao fim da linha do bonde Inde-
pendência. Foi filho de santo de Mãe Chininha de Bedji. Além dele, entre diversos outros antigos nomes da
nação Jeje no Mont Serrat, destacam-se Mãe Soberana, na rua Maryland; e Pai Pirica de Xangô (Astrogildo
Barcelos, nascido em 1938 e falecido em 2012), na Rua Eudoro Berlink
Joãozinho do Bará - João Corrêa Lima
A nação Ijexá
A nação Ijexá tem como seu grande patriarca a figura de
Cudjobá. Pouco se sabe a seu respeito. Embora possuísse "lanhos"
que poderiam ser marcas identitárias de alguma nação africana (prá-
tica que se constituía na execução de "tatuagens" decorrentes da
cicatrização de cortes voluntários, comum em algumas regiões do
continente africano), é possível que Codjubá tenha nascido no Bra-
sil, em algum estado do Nordeste. Viveu na região do bairro Três
Figueiras, circulando cotidianamente pela região do Morro Ricaldo-
Acervo do Reino de Iansã e Juremita (Mãe
ne, do Quilombo da Família Silva, Chácara das Pedras, Mont Serrat Jane do Bará e suas irmãs, casa da falecida
e Colônia Africana. Foi pai de santo de Mãe Celestrina de Oxum, Mãe Neli da Oiá Tolá, Rio Grande/RS)

54
quitandeira que vendia frutas, verduras e doces nos arredores do Mercado Público de Porto Alegre.35

Quitandeiras africanas em Porto Alegre - 1901

Fonte: Prati Fotos antigas

6.2 - A natureza e os orixás


As memórias de um antigo morador da Colônia Africana, que nasceu em 1915 e viveu toda sua vida
na região, possibilitam visualizar a importância dos espaços naturais para o culto aos orixás. Segundo o Sr.
Jayme Moreira da Silva36 , na parte central da antiga Rua Cabral:

"[...] iniciava uma pedreira de lindas pedras azuis. Ao lado da pedreira tinha uma estrada estreita,
junto à divisa da instituição que ia ao topo do morro. Este relato de meu avô Abel, feito em uma madrugada
quando chegava de seu serviço. Lembro-me de tudo! Era uma noite com uma tempestade cheia de relâmpa-
gos e trovões! Ele me disse: Meu neto olha lá fora. Clareava a noite, até as sete pedras de Xangô, do Morro
da Piedade. Quem conhecia bem as sete pedras do Xangô era Mãe Chininha, mãe de Santo que residia nas
imediações. Ela que com seus filhos de santo ali fazia suas oferendas [...]. Naquele tempo, os negros se
reuniam para piqueniques junto às sete pedras de Xangô para agradecer pelo atendimento de seus pedidos.
Em certas noites do ano, da casa do meu avô, avistavam-se as velas acesas no topo do morro. Era uma
vista linda! Quando ia amanhecendo, muitos frequentadores dos bailes do Salão do Rui ou Salão Modelo
dirigiam-se ao Morro da Piedade para seus pedidos de amor" (Silva, 2005, p. 33).

Este é um espaço que ficou apenas na memória dos batuqueiros mais antigos. O crescimento da cida-
de e progressivo avanço sobre áreas naturais, aliado ao interesse do mercado imobiliário, são aspectos que até
os dias de hoje impactam sobre as práticas de culto aos orixás, impossibilitando o uso de espaços tradicionais.
Vejamos um pouco a respeito de como este processo acabou por expulsar a população trabalhadora e negra
dos territórios aqui analisados.

55
6.3 - Alguns outros territórios negros
Uma África no bairro Petrópolis: A região "baixa" do bairro Petrópolis (ruas Lavras, Alegrete, Ijuí
e Bagé), nos limites com a Bela Vista, foi igualmente um importante território negro. Situado entre a Colônia
Africana e Mont Serrat, permaneceu por muitos anos como reduto de população negra e afro religiosa. Veja-
mos relatos de alguns antigos moradores do bairro:

"Tudo ali embaixo era, como se dizia antigamente, a parte dos pretos. Eram famílias de
origem africana mesmo. Então eles cultuavam mais essa parte, mas também pertencia à Igreja
Católica. Eles iam a Igreja e tudo, mas eles tinham o culto deles lá." (João Volkmer, morador do
bairro, 2002)37

"Lá embaixo [parte baixa do bairro Petrópolis] tinha muitos chalezinhos, e terrenos com 6m e
60cm de frente (...). Então o pessoal comprava aqueles terreninhos e faziam um chalezinho e tal. Gente
modesta, muito modesta, mas tinham o seu direito de construir o chalezinho deles"(June Liane, funcionária
pública, 2002)38

"Sempre se dizia assim, a discriminação: depois que tava pronta aquela parte de baixo, começou
a parte de cima, e lá era a 'África', veja bem, uma discriminação terrível, enjoada, xarope" (Edison Zang,
corretor de imóveis, 2002)39

Outro reduto popular vizinho, menos conhecido, foi a "Chácara", território ocupado por população
trabalhadora simples, negra, mestiça e branca, exatamente onde atualmente está localizada a Praça Carlos
Simão Arnt, popularmente conhecida como Praça da Encol:

"Era uma vila de bom tamanho. Ela começava aqui no início da Nilópolis e ia até a Embratel e
fechava na Carlos Trein, ela ia até lá em cima do Mont Serrat" (Ari Martins Jr., pintor, 2002)40

6.4 - A expulsão da população negra da Colônia Africana e do Mont Serrat


Até pelo menos a década de 1940 estes territórios negros eram ainda fortemente marcados pela
presença negra e popular, possuindo pequenas propriedades com aspectos rurais nas quais se produzia leite e
criava-se cavalos para carroças utilizadas para o trabalho (Rech, 2012, p. 18).
Se no início do século XX estes territórios eram arrabaldes distantes do centro, com aspecto rural e
com pouca estrutura urbanística, o crescimento natural da cidade fez com que algumas décadas depois já se
encontrassem integrados ao perímetro urbano. Torna-se, assim, alvo da pressão do mercado imobiliário.
A grande enchente que atingiu a Capital em 1941 chamou ainda mais a atenção para estas áreas, já
que se encontravam em pontos mais elevados, impulsionando a valorização dos terrenos. Entre as décadas
de 1950 e 1970 esses antigos territórios negros foram sendo deslocados para regiões periféricas, por força do
interesse de mercado. E hoje, contraditoriamente, são regiões predominantemente brancas e com baixíssima
presença de casas de Batuque.
Os dados levantados no censo das Casas de Religião de Matriz Africana de Porto Alegre (2006)
apontou a inexistências de terreiros ou casas de Batuque no bairro Rio Branco, núcleo central da antiga Colô-
nia Africana. Já nos bairros do Mont Serrat, Bela Vista, Petrópolis e Auxiliadora (que a grosso modo corres-
pondem ao que fora parte da Colônia e da Bacia do Mont Serrat há cerca de um século), apresentaram alguns
56
registros de terreiros, porém em quantidade muito pequena. Os dados demonstram que a maior parte das casas
de culto afro religiosos vão estar na periferia da cidade, com destaque para os bairros Rubem Berta, Sarandi,
Mario Quintana, Partenon e Restinga. O Batuque e os batuqueiros foram deslocados no espaço, mas as memó-
rias sobre os territórios ancestrais continuam vivas na sua oralidade41.

57
7 - Proposta de atividade para uso em sala de aula

Os textos que seguem tratam sobre a trajetória do príncipe Custódio, liderança africana ligada ao de-
senvolvimento do Batuque no Rio Grande do Sul. O primeiro foi escrito pela antropóloga Maria Helena Nunes
e o outro pelos historiadores Rodrigo Weimer e Jovani Scherer. Lê os textos a seguir:

Texto A
Custódio Joaquim de Almeida (1831-1935) nasceu na cidade do Benin, na Nigéria, e em fins do
século XIX, por motivos políticos, exilou-se no Brasil. Escolheu Porto Alegre para viver suas três últimas
décadas de vida, onde faleceu com 104 anos. Nesta cidade e redondezas, era conhecido como “príncipe
Custódio”, em razão de se dizer o primogênito da família real de um obá (rei) africano. Sem nunca ter
regressado a sua terra natal, restabeleceu na capital gaúcha uma “corte local” e tornou-se uma das per-
sonalidades negras mais ilustres de sua época. Era reconhecido tanto por seus compatriotas descendentes
de escravos – que por meio dele encontravam motivação, senso positivo de auto-estima e projeção de laços
de origem -, como pela elite local que com ele manteve inúmeras relações. Conta-se que o príncipe era
procurado e cortejado por eminentes políticos do seu tempo, sobretudo por ser um praticante das tradições
religiosas africanas que influenciaram o culto afro-gaúcho.

NUNES, Maria Helena. Custódio Joaquim de Almeida: um prínci-

pe africano no sul do Brasil. In.: SILVA, Vagner Gonçalves (org.) Imaginário,

cotidiano e poder. Memória afro-brasileira, v. 3. São Paulo: Selo Negro, 2007.

Texto B
Podemos agora dizer que o famoso príncipe africano que viveu em Porto Alegre esteve no refluxo
dos Agudás, afinal, após seu pai e outros milhares de africanos conseguirem voltar para a África – libertos
–, ele veio para o Brasil por motivos ainda nebulosos para os historiadores, mas certamente na condição
de um homem livre e, no sentido contrário do rumo tomado pelos seus parentes retornados. [...] [Ele] nun-
ca teve um reinado quando em solo africano. Sua coroação, simbólica, ocorreu em solo brasileiro.
Saído moço da sua pátria, Custódio foi um dos últimos filhos de Zoki Azata – o mahi, Joaquim
d'Almeida – uma importante figura entre os Agudás. Certamente perdeu o pai quando era bastante jovem,
aproximadamente com cinco anos de idade. Descendente de um homem poderoso, mas que nunca reivin-
dicou trono algum no continente africano, Custódio estaria entre os últimos filhos de uma extensa família,
que após a morte de seu líder em 1857 sofreu ataques ao seu patrimônio. [...] Esta posição pouco privile-
giada no seio familiar, seguida de um contexto econômico pouco favorável aos negócios dos d’Almeida no
Daomé, explicariam em parte sua migração (sozinho?) para o Brasil, no refluxo dos retornados.

SCHERER, Jovani de Souza;WEIMER Rodrigo de Azevedo. No

refluxo dos retornados: Custódio Joaquim de Almeida, o príncipe africano de

Porto Alegre. Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul – APERS. Por-

to Alegre: 2021.

58
Agora responde ao que se pede:

1 – Procura o significado das palavras do texto que tu não conheces.

2 – Em qual dos textos Custódio é apresentado como um herdeiro de uma linhagem nobre africana? Justifica.

3 – Em qual dos textos Custódio é apresentado como alguém que se tornou príncipe ao construir sua autorida-
de em solo brasileiro? Justifica

4 – Há uma diferença importante entre os textos em relação ao papel que o pai de Custódio desempenhava no
continente africano. Aponta essa diferença.

59
8 - Sugestão de documentários sobre o Batuque do RS

A Tradição do Bará do Mercado


Direção: Ana Luiza Carvalho da Rocha, BIEV, 2008.
Sinopse: O documentário A Tradição do Bará do Mercado traz os relatos de 7 religiosos de matriz africana
sobre o fundamento afro-religioso chamado O Bará do Mercado Público, a partir dos percursos e experiências
urbanas desses negros na cidade de Porto Alegre. Os entrevistados: Adãozinho do Bará, Mãe Norinha de Oxa-
lá, Mestre Borel, Mãe Maria de Oxum, Mãe Angélica de Oxum, Pai Nilsom de Oxum, Baba Diba de Iemanjá
integram a CEDRAB – Congregação em Defesa das Religiões Afro-brasileiras – fundada em 2004 por Mãe
Norinha de Oxalá grande idealizadora do projeto.
O documentário busca a construção de uma narrativa que permita ao espectador um passeio no tempo e nas
transformações da cidade de Porto Alegre, do ponto de vista dos negros. Conforme a tradição, no centro do
Mercado, no meio da encruzilhada que o funda está “sentado” o orixá Bará – entidade responsável pela aber-
tura dos caminhos e pela fartura. Uma tradição que remonta o Mercado como um espaço de reconhecimento e
reivindicação da população afro-descendente e da cultura negra da cidade de Porto Alegre.

Caminhos da Religiosidade Afro-Riograndense


Direção: Rafael Derois Santos, 2014.
Sinopse: Batuque, Umbanda e Quimbanda. Três formas religiosas distintas. Uma mesma direção. Através do
diálogo dos saberes religioso e acadêmico e de passagens por diferentes rituais públicos, Caminhos da Reli-
giosidade Afro-Riograndense oferece um panorama das religiões de matriz africana praticadas no Rio Grande
do Sul, bem como uma reflexão sobre sua importância enquanto patrimônio cultural intimamente vinculado à
herança afro-descendente no Sul do Brasil. Caminhos da Religiosidade Afro-Riograndense é o produto final
de ação de extensão registrada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, financiada através do Edital ProExt 2010 - MEC/SESu e produzido em parceria com a Infinite
Filmes.

Mestre Borel Ancestralidade Negra em Porto Alegre


Direção: Anelise Gutterres, 2010.
Sinopse: O documentário Mestre Borel: a ancestralidade negra em Porto Alegre traz Walter Calixto Ferreira, o
Mestre Borel falando sobre suas memórias e experiências em Porto Alegre e ao redor do Brasil, ligadas a um
itinerário negro nas cidades. Discorrendo sobre os saberes e fazeres de que é detentor, das culturas de matriz
africana brasileira, ele narra os conhecimentos religiosos, históricos, mitológicos e artísticos oriundos das
tradições africanas que remontam ao convívio com seus antepassados. Mestre Borel: a ancestralidade negra
em Porto Alegre é um documentário rico e que já nasce histórico. Oriundo de uma relação de escuta e respeito
entre equipe de gravação e o entrevistado, Mestre Borel brinda a todos com suas profundas reflexões sobre a
grandeza da religião, sobre a espiritualidade, sobre a memória dos bairros “negros” da cidade de Porto Alegre,
sobre a vida e sobre a morte.

60
Os terreiros do Batuque Gaúcho
Direção: Alfredo Alves.
Sinopse: no Sul do Brasil, os terreiros do Batuque Gaúcho “são miniterritórios de África”, ensina Bábà Diba
de Iyemonjá. “Quando você entra no portão, já não está mais no Brasil. Tem que pedir “Agô”, licença, pro
Exu lodê, pra poder entrar”. Líderes e praticantes do Batuque Gaúcho falam da sua experiência com a tradição
religiosa.

Cavalo de Santo - o filme


Direção: Mirian Fichtner e Carlos Caramez, 2021.
Sinopse: O documentário longa-metragem “Cavalo de Santo”, baseado no livro homônimo da fotógrafa Mi-
rian Fichtner, é fruto de dez anos de pesquisas, entre os terreiros gaúchos e retrata o universo religioso afro-
-brasileiro no Rio Grande do Sul. Mostra a presença africana no segundo estado brasileiro mais branco do
país e apresenta a diversidade, de forma ampla, das principais linhas da fé cultuadas pelo povo de religião no
sul, suas características regionais e como diferenças existentes, entre os rituais do sul e os que ocorrem sem
restante do Brasil.

O Batuque Gaúcho
Direção: Sérgio Valetim e Eugênio Alencar, 2011.
Sinopse: Documentário produzido com o apoio do Edital de Apoio à Produção de Documentários Etnográficos
sobre o Patrimônio Cultural Imaterial (Etnodoc). O etnodocumentário mostra uma parte pouco conhecida da
cultura do Rio Grande do Sul que foi construída pelos africanos em torno da religiosidade dos orixás. Conheci-
do como batuque ou nação, a religião africana moldou a identidade gaúcha que carrega várias referências afri-
canas, desde as palavras, comidas, danças, música e espiritualidade. Esse filme expõe a ancestralidade africana
contemporânea que molda o modo de vida e as relações sociais dos que são filhos de santo e dos que não são.

61
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69
Notas

1
Sobre as experiências de escravidão e liberdade nestas cidades existe uma ampla bibliografia. Sugerimos a
leitura de alguns trabalhos: sobre Porto Alegre, Moreira (2003); sobre Rio Grande, Scherer (2008; 2008b),
Oliveira (2013) , Molet (2007; 2011), Gattiboni (1993), Torres (2008), Kunioch (2007), Goulart (2005; sobre
Pelotas, Al-Alam (2008, 2013, 2018, 2014), Gutierrez (2001), Pessi (2012), Pinto (2012; 2018), Silva (2014).

2
Para uma análise do olhar etnocêntrico e da pretensa superioridade civilizatória do olhar europeu, ver o artigo
de AL-Alam (2018), em que o autor discute as representações e formas de escrita pelas quais foram retratados
os africanos e os afrodescendentes nos relatos de viajantes e reportagens de jornais do século XIX. Sobre as
práticas de relação com o sagrado africano e casos de "feitiçaria" na cidade de Pelotas, ver Mello (1994) e
Moreira e Al-Alam (2013). Sobre religiosidade de matriz africana e a tradição doceira de Pelotas, ver Kosby
(2015).

3
Sobre as charqueadas pelotenses, ver: Gutierrez (2001) e Vargas (2013).

4
Fonte: Biblioteca Pública Pelotense (BPP - CEDOV). Jornal Diário de Pelotas de 22/03/1885, p. 2. Citado
por Al-Alam (2018, p. 323).

5
Na realidade ocorreu apenas um enforcamento de escravizado na região, na margem oposta à qual se localiza
a Praça, no local antigamente denominado Canteiro do Chuvisco (atual Praça 20 de Setembro). Alguns casos
de suicídios por enforcamentos ocorridos no século XX na localidade mesclaram-se ao imaginário popular da
praça como local dos enforcamentos de escravizados condenados (Maciel, 2017; 2018). Os outros enforca-
mentos de escravizados ocorreram em locais diversos da cidade, como o atual Parque Dom Antônia Záttera
(Al-Alam, 2008).

6
Um salvamento arqueológico realizado na Praça Cipriano Barcelos em 2014 encontrou diversos objetos que
podem estar relacionados à prática afro religiosa. Para saber mais, ver: Loureiro e Rosa (2014).

7
Jornal Gazeta Mercantil, Rio Grande, 03/04/1877. Citado por Mello (1994).

8
A denominação Praça Tamandaré foi dada em 1865 como homenagem a Joaquim Marques Lisboa, o Almi-
rante Tamandaré, nascido em Rio Grande em 1807 (Torres, 2008a, p. 12). Não se sabe exatamente porquê
do uso do termo "geribanda‟ para designar este espaço, mas os significados apresentados por dicionários são
sugestivos. Geribanda seria o mesmo que sarabanda, a qual apresenta duas definições: dança antiga, popular
e desenvolta; ou ainda repreensão, censura (conforme Novo Diccionário da Língua Portuguesa. Organizado
por Candido de Figueiredo. Publicado em Lisboa por A. M. Teixeira, 1913). Sarabanda significaria “música e
dança alegre com meneios de corpo um pouco indecentes”. Alguns dicionários ainda definem estas palavras
como tumulto, agitação, descompostura (conforme Diccionario da Lingua Portuguesa. Organizado por Antô-
nio de Moraes Silva. Publicado em Lisboa pela Impressão Régia, 1831, Tomo II, p. 692).

9
Sobre a dimensão afro-atlântica das quitandeiras, ver Pantoja (2001 e 2001b) e Gomes e Soares (2002).

70
10
Pantoja (2001) informa que nas quitandas de Luanda “além de frutas, verduras, farinha, feijão, peixe e car-
ne encontravam-se os produtos chamados ‘da terra’. Dentre os ‘produtos da terra’ os mais procurados eram
aqueles de poder curativos e sobrenaturais: Kabomba yala, apazigua marido, ngongo amuleto de madeira com
figura humana (usado para tratamento), pemba argila branca usada em rituais religiosos, etc”. Paulo Moreira
e Caiuá Al-Alam (2013) - em artigo onde analisam entre outros aspectos o mercado afro-religioso de crenças
e o papel dos feiticeiros/curandeiros na sociabilidade e na formação de identidades etnossociais em Pelotas –
evocam as ligações desta cidade, via porto de Rio Grande, com o restante do país quando a dependência de
determinados produtos mágico-religiosos.

11
Sobre Umbanda em Rio Grande, ver Pereira (2016).

Narrativas fornecidas por Chendler Siqueira (Pai de Santo da Nação Nagô, filho de santo de Mãe Alzenda;
12

membro do Conselho povos terreiros e ex-Coordenador Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade


Racial da cidade de Rio Grande), Maria da Graça Amaral e Ivone Amaro de Abreu, a quem agradecemos.

13
A Igreja de Nossa Senhora da Conceição foi construída por uma Irmandade originalmente criada por negros
libertos em 1814. Mesmo que nas décadas seguintes tenha sido progressivamente apropriada pela sociedade
branca da cidade, esta Irmandade permanece como uma referência para a comunidade afro religiosa, mediante
o acionamento do sincretismo entre N. S. da Conceição e a orixá Oxum. Dados obtidas com os seguintes infor-
mantes: Heitor Barcellos (homem branco, membro da Irmandade e guardião de alguns livros sobre a origem
da mesma), Maria da Graça Amaral (mulher negra, precursora do movimento negro na cidade); e por Jonas
Klug (professor na UFPEL), que desenvolve pesquisa sobre as irmandades e devocões no eixo sul do estado.
A todos nosso agredecimento.

14
Fonte: Jornal Correio Merantil de 23/02/1882. Citado por Mello (1994, p. 64).

15
Fonte: Jornal Correio Mercantil, Pelotas, 25/02/1882. Citado por Mello (1994).

16
Fonte: Jornal Correio Mercantil, Pelotas, edições de 08/03/1881, e 01 e 04/02/1881. Citado por Mello (1994,
p. 71).

17
Em Rio Grande e Pelotas existiu um leque bem mais amplo de mobilizações coletivas da comunidade ne-
gra: irmandades e devoções católicas organizadas pela comunidade negra (Silva, 2011, p. 21); associações
formadas no seio da comunidade negra relacionadas a propostas abolicionistas; ligas de clubes de futebol
da comunidade negra, dado o impedimento da participação dos "homens de cor" nos torneios e ligas da elite
branca; entidades recreativas, bailantes, carnavalescas, teatrais e operárias negras; periódicos negros, como
o A Alvorada (fundado em 1907); bem como a existência da Frente Negra Pelotense, organização política
vinculada à luta contra a discriminação racial (Loner, 2010); clubes sociais negros (Loner, 2010; Silva, 2011;
Paixão e Lobato, 2017).

Mãe Marli de Bará Lanã (Marli Charão), de Rio Grande, relata ainda que Emília Araújo teria vivido em
18

Santa Vitória do Palmar, antes de residir em Rio Grande.

71
A partir de depoimento de Pai Chendler Siqueira (Rio Grande/Nação Nagô), filho de santo de Mãe Alzenda
19

de Oiá.

20
Uma narrativa alternativa sobre os detalhes da formação religiosa de Otacílio Charão na África e no Rio de
Janeiro (data de partida, tempo de permanência nessas localidades) é relatada por Moraes (2017).

Sobre as principais linhagens do Batuque ver: Silveira (2014); Oro (2008); Corrêa (2016). E dados da pes-
21

quisa de Pai Tita de Xangô, disponível em xangosol.com.br/nações, acessado em fevereiro de 2021.

22
Andreis ( 2015, p.40): “esmolas tiradas pelas diferentes nações no Candombe em 1818. 17$120: esmolas
tiradas no Candombe em 1819, 32$270; Esmolas tiradas no Candombe em 1820. 21$120; esmolas tiradas nos
Candombes dos pretos, 26$480.”

23
Segundo Inda (2017), "Em 1938 a igreja foi tombada pelo SPHAN, contudo, a Arquidiocese de Porto Ale-
gre, proprietária do imóvel, impugnou o tombamento, iniciando-se um conflito legal entre o SPHAN e a
Arquidiocese que culminaria na demolição do templo em 1951. Todo o processo foi arquivado e encontra-se
hoje disponível no portal digital do IPHAN, junto com o acervo fotográfico da época que registrou tanto os
bens-móveis e integrados do templo original".

24
Em Rio Grande eram cerca de 30% dos africanos escravizados, enquanto entre os alforriados constituíam
cerca de 57% (SCHERER, 2008). Já em Pelotas os dados revelam uma presença 18% dos africanos escravi-
zados e 33% dos alforriados (PINTO, 2018).

25
Ver Damasceno (1970, p.72). A entidade carnavalesca – Os Congos – é descrita assim pelo autor: “A fina
entidade carnavalesca, que então surgia entre nós pela segunda vez, conduzir-se-ia exemplarmente, não só em
seus desfiles, como e sobretudo no cumprimento dos objetivos que havia inspirado sua fundação, isto é, usar
o Carnaval para angariar fundos destinados à libertação de escravos”.

26
AHCMPOA, O Thabor, ano 1, n.48, 05 de agosto de 1882, fl. 3. Citado por Tavares (p.130, 2007).

27
AHPOA, Legislação, 18 set 1856. Citado por Zanetti (p.190, 2002).

28
Fonte: Hemeroteca Digital (Biblioteca Nacional), Correio Paulistano, ano 1879 (edição 06907).

29
Sobre práticas de relação com o sagrado africano, ver ainda Moreira (2004; 2016; 2019) e Dias (2008).

Sobre os becos, seus personagens e suas histórias, ver: Koehler (2015) e as referências bibliográficas citadas
30

pela autora. Sobre os projetos modernizadores e que geraram a expulsão da população trabalhadora do centro,
ver Vieira (2017).

31
Jornal Gazetinha, 30 de dezembro de 1897. Citado por Mattos (2000).

32
Citado por Nunes (2007).
72
33
Fonte: Jornal Estado do Rio Grande - 25/09/1930, edição 286, reportagem com o título “Ainda o Mont'Ser-
rat".

34
Notas de pesquisa de Carlos Galvão Krebs. Acervo da Família Krebs.

35
Informações obtidas com Pai Benites do Xangô, a quem agradecemos.

Jayme Moreira da Silva, nascido em 1915 na Rua Castro Alves nº 140, viveu toda sua vida na Colônia
36

Africana, falecendo em 2014, com 98 anos.

37
Porto Alegre (2002, p. 86).

38
Porto Alegre (2002, p. 116).

39
Porto Alegre (2002, p. 117).

40
Porto Alegre (2002, p. 114)

41
Conforme levantamento realizado por Rech (2012), a partir do citado Censo. É possível que este levanta-
mento tenha deixado de registrar alguma casa presente neste território, o que não diminui a constatação quanto
ao processo de afastamento das populações afrodescendentes e de suas práticas desta região.

42
Fonte: https://www.ufrgs.br/biev/tradicao-bara-mercado/

43
Fonte: https://lisa.fflch.usp.br/node/1970

44
Fonte: https://www.ufrgs.br/biev/producoes/mestre-borel-a-ancestralidade-negra-em-porto-alegre/

45
Fonte: https://tvcultura.com.br/videos/72538_os-terreiros-do-batuque-gaucho.html

46
Fonte: https://cavalodesantofilme.com.br/

47
Fonte: http://portal.iphan.gov.br/rs/videos/detalhes/174/o-batuque-gaucho

73
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