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A JUDICIALIZAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO E A HAMORNIA DOS


PODERES ESTATAIS

Itamar da Silva Santos Filho1


itamarssfilho@yahoo.com.br

Alanna Sousa Lima2


alannasousal@hotmail.com

Resumo: Os poderes estatais definidos na Carta Constitucional de 1988 – Legislativo, Executivo e


Judiciário - sob a perspectiva de um neoconstitucionalismo, têm as suas funções atípicas
multiplicadas. A presente pesquisa é fruto da observação ao processo de alargamento de funções dos
três poderes, sobretudo, da atuação do Poder Judiciário frente às funções do Legislativo no processo
de criação e elaboração das normas jurídicas. Dessa forma, ressaltam-se os efeitos do fenômeno da
judicialização na harmonia dos poderes estatais, levando-se em consideração a teoria dos freios e
contrapesos, visto que tal harmonia é de fundamental importância para a soberania do Estado e a
consecução dos seus fins. Destarte, o objetivo deste é um estudo crítico da organização e
funcionalidade dos poderes estatais – legislativo e judiciário - frente ao processo legislativo. Conforme
pesquisado, é possível, desde já, afirmar que na atualidade, por conta do papel do STF, guardião das
normas Constitucionais conforme exposto no art. 102, caput, da CF/88, o Judiciário ter multiplicado
ainda mais suas funções. Dessa forma, destacam-se as ações de inconstitucionalidade, como
expoentes desta judicialização do processo legislativo. Infere-se, portanto, que não há desarmonia
entre os já referidos poderes e o exercício de suas funções, já que a interferência do judiciário no
processo legislativo, só vem trazer benefícios.

Palavras-chave: Judiciário. Legislativo. Judicialização. Poderes Estatais. Processo


legislativo.
Resumen: Los poderes del Estado definidos en la Carta Constitucional de 1988 - legislativo,
ejecutivo y judicial - desde la perspectiva de un neoconstitucionalismo tienen que sus funciones
atípicas se multiplicaron. Esta investigación es el resultado de la observación de la ampliación de las
funciones de los tres poderes, en especial el papel del Poder Judicial frente del Legislativo em el
processo de creación y elaboración de las normas jurídicas. Por lo tanto, han destacados en los
efectos del fenómeno de la judicialización en la armonía de los poderes estatales, teniendo en cuenta
la teoría de pesos y contrapesos, ya que esta armonía es de fundamental importancia para la
soberanía del Estado y para el logro de sus propósitos. Así, el objetivo hacer es un estudio crítico de
la organización y funcionamiento de los poderes del Estado - legislativo y judicial – delante del
proceso legislativo. La metodología de la investigación consistió en una naturaleza esencialmente
bibliográfica. El marco teórico se basa en la obra de Luis Roberto Barroso. Como investigado, ya
podemos decir ahora que en la actualidad, debido a la función del Tribunal Supremo, guardián de las
normas constitucionales tal como se establece en el art. 102, caput, CF / 88, el Judiciario ha
multiplicado aún más sus asignaciones. Luego, el control de constitucionalidade se destaca, como
exponente de la judicialización del proceso legislativo. Se infiere, por lo tanto, que no hay falta de
armonía entre los poderes antes mencionados y el ejercicio de sus funciones, ya que la interferencia
del poder judicial en el proceso legislativo, sólo ha traer benefícios.

Palabras clave: Poder judicial. Legislativo. Judicialización. Los poderes del Estado. Proceso
legislativo.

1
Advogado, Professor efetivo do Curso de Bacharelado em Direito da UESPI-PI e da Faculdade
Piauiense Mauricio de Nassau; Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes e Doutor em
Direito pela Universidade de Salamanca-Espanha.
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Graduanda em Direito na Universidade Estadual do Piauí, campus Professor Antônio Geovanne de
Sousa- Piripiri, aluna PIBIC/UESPI.
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INTRODUÇÃO

A organização do poder estatal no Brasil, assim como na maioria dos Estados


contemporâneos, segue o modelo inicialmente idealizado por Aristóteles,
posteriormente aperfeiçoado por Locke e Montesquieu: o da tripartição de funções.
O estudo desta teoria é de primordial importância para a compreensão do exercício
das funções estatais e a manutenção da soberania no Brasil. Convém esclarecer a
adoção da expressão “tripartição de funções” ao invés de “tripartição de poderes”,
expressão esta já consagrada no meio acadêmico, conforme será explicitado
adiante.
Nesse sentido, vale dizer que o exercício da soberania no Brasil é fracionado,
mas não tripartido. Existe um fracionamento no exercício do poder para que ele não
se degenere na mão de apenas uma pessoa. Dessa forma, atribui-se aos órgãos
Legislativo, Executivo e Judiciário parcela da soberania estatal. Tais órgãos, nos
limites traçados pela Constituição, exercem funções típicas e atípicas numa
perspectiva de freios e contrapesos. Este sistema de pesos e contrapesos, na sua
utilização, deve ser cingido por cautela, para que exista harmonia e independência
entre estas diferentes funções, assim como está contido no art. 2º da Constituição
Federal.
Na esteira deste raciocínio, sob a perspectiva de um (neo) constitucionalismo,
veem-se as funções atípicas dos poderes estatais multiplicarem-se largamente.
Nesse contexto, a temática apresentada é fruto da observação a este processo de
alargamento de funções, sobretudo, da atuação do Poder Judiciário frente às
funções do Legislativo, onde um poder invade a área de atuação do outro,
questionando a sua independência e funcionalidade.
Neste diapasão, a temática do presente trabalho levanta-se sob uma ótica
problemática: a judicialização do processo legislativo é uma ameaça à autonomia
dos poderes estatais ou uma forma de melhorar o exercício da função legislativa? É
sabido que o Legislativo federal é formado por um corpo de Deputados e Senadores,
atribuídos pelo poder popular a função de criar as leis que regulam a ordem social.
Por outro lado, no Judiciário não há esta participação popular direta, já que os seus
membros são escolhidos por nomeação ou concursos públicos e provas de título.
Ainda assim, apesar da não participação popular na sua investidura, estes são
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revestidos do saber jurídico criado pelo próprio legislativo, interpretado e aplicado


por eles.
Infere-se, portanto, a necessidade de um estudo detalhado desta judicialização
do processo legislativo e seus efeitos na harmonia dos poderes estatais, visto que
esta harmonia é de fundamental importância para a soberania do Estado e a
consecução dos seus fins, que configuram os interesses da sociedade. Afinal, as leis
e o Direito permeiam toda a sociedade, desde a garantia do acesso a saúde e
educação, até a proteção dos seus bens e a afirmação do Estado Democrático de
Direito vigente no Brasil.

1. TRIPARTIÇÃO DOS PODERES ESTATAIS


De início, faz-se salutar discorrer acerca da origem do estado moderno para
compreender a teoria da já consagrada “Tripartição dos poderes”. Nestes termos,
originou-se no século XVII o conceito moderno de Estado, impregnado com a ideia
de monarquia absolutista, período em que o rei concentrava todas as espécies de
poderes em suas mãos. Em meados do século XVIII, quando o Estado Moderno e a
empresa capitalista já se encontravam consolidados, surgiu a necessidade de um
liberalismo político de modo que o Estado não mais se caracterizasse na figura do
Rei. Eis que o novo perfil da sociedade demandava o máximo de liberdade.
Diante desta conjuntura, já se encontrava ultrapassada toda esta estrutura
política, econômica e social que confundia o monarca, detentor de um poder
soberano, com o próprio Estado - absolutismo. Dessa forma, começava-se então a
pensar numa nova concepção de Estado Moderno detentor de um ordenamento
político e impessoal, baseado em ideais de limitação de poder, oferecendo garantias
de contenção das autoridades e de livre iniciativa econômica. Portanto, a teoria
moderna como conhecemos é resultado de modificações políticas, sociais e
econômicas que a humanidade atravessou.
Ao se falar em separação de poderes, comumente é logo associada à teoria
formulada por Nicolau Maquiavel que apresenta o princípio constitucional de maior
importância para a organização do Estado Democrático de Direito – o Princípio da
Tripartição de Poderes. A respeito disso escreve Madison (apud PAULO
BONAVIDES, 2000, p. 175):
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O oráculo que sempre se consulta e cita a esse respeito é o celebrado


Montesquieu. Se não foi ele o autor deste valioso preceito da ciência política,
teve ao menos o mérito de expô-lo e recomendá-lo do modo mais eficaz à
atenção da humanidade.

Neste viés, Montesquieu apresenta a noção de liberdade como o direito de


fazer aquilo que está expresso em lei. Este, convencido de que o exercício do poder
vem acompanhado de abuso por parte de seu representante, diz ser necessário um
poder que estabeleça limites e controle o próprio poder. Em sua renomada obra De
L’Esprit des Lois (1748), Montesquieu desenvolve a teoria que dá base às ideias do
constitucionalismo no intuito de distribuir autoridade. O pensador, então, afirma
existirem três espécies de funções estatais distintas – executivo, legislativo e
judiciário – e através da observação, Montesquieu constata a existência de poderes
harmônicos e independentes entre si, sendo cada um responsável pelo exercício de
sua função, na tentativa de evitar o despotismo.
Salutar ainda é ressaltar, que a expressão “separação de poderes” aparece
inicialmente na Constituição Francesa (1791) e encontra várias críticas, como a de
Barruffini que afirma ser “tripartição de funções” a nomenclatura mais adequada para
o texto daquela Constituição, já que são fruto de um mesmo poder. Na mesma
vertente, afirma Pedro Lenza “... o poder é uno e indivisível. O poder não se triparte.
O poder é um só, manifestando-se através de órgãos que exercem funções.”
(LENZA, 2014, p. 41)
A partir deste panorama, o poder legislativo é o responsável por criar, modificar
e extinguir as leis, ao passo que o poder executivo exerce a função de administração
do Estado e o poder judiciário tem o poder-dever de dizer o direito ante o caso
concreto. Desta forma, é possível chegar à liberdade política, que para Montesquieu
seria um estado de paz e segurança em que um órgão não temeria o outro. No
entanto, deve-se compreender por independência entre os poderes, a existência de
autonomia entre eles e não de independência absoluta, que só viria a ser um
elemento desagregador e gerador de inoperância.
Neste sentido, são as palavras dos autores Canotilho e Moreira, "um sistema
de governo composto por uma pluralidade de órgãos requer necessariamente que o
relacionamento entre os vários centros do poder seja pautado por normas de
lealdade constitucional.” (CANOTILHO E MOREIRA apud MORAES, 2007, p. 370).
Assim o sistema ideal é o que confere autonomia para que cada poder possa
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realizar suas funções determinadas, atrelado a uma interação equilibrada para que
não entrem em conflito, o que é explicado pela técnica dos freios e contrapesos
(checks and balances).
Na esteira deste raciocínio, a Teoria dos freios e contrapesos surge para dar a
possibilidade de um órgão controlar a atuação do outro, de modo tal que nenhum
abuse de seu poder, assim como supracitado, o poder controlando o poder. Neste
caso, um órgão não tem o direito de interferir no outro, exceto em casos que
necessitem a faculdade de impedir. Podem-se destacar aqui duas importantes
ferramentas do Sistema de freios e contrapesos: o controle de constitucionalidade e
o veto presidencial.
Sob esta ótica, a Carta Constitucional de 1988, adota a separação das funções
estatais dentro do Sistema de freios e contrapesos, atribui funções estatais de
soberania a três poderes e institui o Ministério Público como o responsável pelo
respeito aos direitos fundamentais e pelo zelo e fiscalização dos poderes e do
equilíbrio entre eles.
Infere-se, portanto, que mesmo a divisão do poder sendo feita mediante a
atribuição de cada uma das funções governamentais de legislar, administrar e julgar
a órgãos específicos, tal separação não impede que além das funções típicas
(principais), os órgãos exerçam funções atípicas que, a priori, seriam de
competência de outrem, sem violar o sistema de tripartição de poderes.

2. PROCESSO LEGISLATIVO E O PODER JUDICIÁRIO


No ordenamento brasileiro, o processo de elaboração de normas jurídicas de
alcance geral e abstrato, denominado processo legislativo, tem suas bases
estabelecidas no texto constitucional, em especial nos seus artigos 59 a 69 da
Constituição Federal vigente, e é detalhado pelos Regimentos Internos das Casas
do Congresso Nacional. Este processo compreende diversas espécies normativas,
desde emendas à Constituição até resoluções das Casas legislativas, pautado na
atuação dos atores envolvidos no âmbito dos órgãos Legislativo, titular da função, e
Executivo, partícipe dos momentos inicial e final do processo ou na qualidade ele
próprio de elaborador dessas normas, em exercício atípico da função de legislar.
Neste sentido, ensina Pestana (PESTANA, 2012, p. 2), em seu artigo “Uma
pequena análise sobre o processo legislativo brasileiro” que:
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Analisando o art. 59, CF, percebe-se que ali estão elencados atos que
derivam das normas constitucionais e que ocupam a mesma posição destas
normas (como as emendas constitucionais) e, também, atos que derivam das
normas constitucionais e que se encontram hierarquicamente abaixo, sendo
atos normativos primários, sejam gerais ou individuais. Portanto, por
“processo legislativo” entende-se o momento de produção dos atos
normativos até o nível primário, inclusive. Definido o objeto que resulta do
processo legislativo, iremos nos referir a ele como “norma”.

Neste sentido, é salutar afirmar que por via do processo legislativo, o direito
regula sua própria criação, visto que as normas disciplinadoras de outros processos
são por ele reguladas. Seu caráter é instrumental na medida em que instrumentaliza
a produção das normas que os outros campos de direito vão regular. Por assim
dizer, o processo legislativo é o conjunto de atos preordenados por meio dos quais
se produzem as leis. Tão logo, se devem respeitar suas formalidades, sendo este
procedimento o responsável por garantir a legitimidade e a qualidade do
ordenamento jurídico.
É lugar comum dizer que o poder estatal responsável pela função de elaborar
as normas jurídicas, por meio do processo legislativo, é o Poder legislativo.
Entretanto, apesar da autonomia deste poder para a elaboração das leis, não são
excluídos do processo legislativo os poderes – judiciário e executivo. Destarte, no
que tange a esta interdependência funcional na produção de normas judiciais, é
necessário, sobretudo, ressaltar o controle do judiciário ao papel do legislativo na
produção de normas.
Este controle jurisdicional pode se dar de forma preventiva ou repressiva.
Quando se fala do controle preventivo, que ocorre na fase embrionária da norma,
ainda na fase de tramitação legislativa, o controle jurisdicional visa impedir a
continuidade de um processo legislativo baseada em norma inconstitucional, no
intuito de evitar que a mesma entre no ordenamento jurídico. Já no controle
repressivo, a norma faz parte do ordenamento, e o que se busca é a supressão do
ato dissonante da Constituição.
No caso do controle de constitucionalidade na fase de constituição da norma, a
via adequada a ser utilizada é o mandado de segurança, devendo o impetrante ser
membro da Casa Legislativa onde se dá o processo. Quando, em contrapartida o ato
legislativo já se encontra inserido no ordenamento jurídico, o controle repressivo
poderá se dar por meio do controle abstrato de constitucionalidade, que pode ser
proposto por um dos legitimados na Constituição.
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O Poder Judiciário somente pode examinar, via de regra, a regularidade do


processo de elaboração da lei após a promulgação da mesma. Sobre a interferência
do Poder Judiciário no processo legislativo, podem-se destacar três correntes: a) os
que não admitem que o Poder Judiciário estenda seu exame além da promulgação;
b) os que admitem a investigação da veracidade do que é atestado pela
promulgação, porém limitam essa faculdade ao exame de se o ato reuniu o
assentimento do corpo legislativo, não atingindo questões referentes à discussão e
votação, seus termos e formalidades; e c) os que admitem todo tipo de interferência
do juiz no campo legislativo. A corrente doutrinária clássica defende que no Brasil é
acolhida a terceira teoria.
No entanto, contemporaneamente, tem prevalecido o controle repressivo de
modo bem mais “brando”. Neste sentido, observado o princípio da separação de
órgãos e funções, o Judiciário tem o poder de declarar a inconstitucionalidade da lei,
não porque possa interferir no processo de elaboração legislativa, mas devido ao
exercício de sua função primordial, que é aplicar a lei com imperatividade a casos
concretos. Daí decorre que no nosso sistema, o controle de constitucionalidade da
lei é de natureza repressiva, feito após a promulgação do ato (FERREIRA FILHO,
2007, p. 32). Em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal:

O Poder Judiciário não pode intervir no processo de elaboração das leis. Sem
dúvida, incumbe-lhe dizer se uma lei é constitucionalmente válida ou não.
Mas não lhe é permitido ordenar ao Poder Legislativo que promulgue
determinada emenda, nem ordenar ao Poder Executivo que sancione
determinado projeto. Ac. un. do Pleno do STF, de 29.10.68, Rel. Min.
OSWALDO TRIGUEIRO, na "RTJ" 48/192.

3. O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO E O PROCESSO LEGISLATIVO

A priori, faz-se necessário compreender a origem e o conceito do vocábulo


judicialização, neste sentido, o Ministro Barroso, ensina que no mundo, após a
Segunda grande Guerra Mundial, verificou-se, na maior parte dos países ocidentais,
um avanço da Justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é
aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto
popular. Destarte, conforme o supramencionado autor:

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política


ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas
instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo —
em cujo âmbito se encontram o presidente da República, seus ministérios e a
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administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma


transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas
na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O
fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência
mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional
brasileiro.

Ademais, como causa da judicialização, o constitucionalista supracitado aponta


três causas: a redemocratização do país, que levou as pessoas a procurarem mais o
Judiciário; a constitucionalização, que fez com que a Constituição de 1988 tratasse
de inúmeros assuntos; e o sistema de controle de constitucionalidade.
Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Barroso (2008 apud MARIANA
ITO, 2009), o Judiciário pode decidir em muitas questões, mas talvez não deva.
Segundo ele, “O juiz deve avaliar se ele é, naquelas circunstâncias, a pessoa capaz
de produzir a melhor avaliação e decisão naquela matéria.” Por assim dizer, talvez o
Judiciário não seja a melhor instância para se debater se certas matérias, mesmo
em vista da sua elevada repercussão. Neste sentido, ainda elucida o Ministro, que:
no contexto de judicialização, em que o Judiciário pode muito, às vezes é
preciso uma gota de humildade para saber se, embora podendo, deve.
Porque pode ser que aquela decisão tenha como autoridade competente
mais qualificada outra que não o juiz.
Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura e a
efetivação do princípio do acesso à justiça, o Judiciário deixou de ser um
departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder
político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os
outros Poderes. Ademais, o ambiente democrático brasileiro reavivou a cidadania,
dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos
da população, que passaram a buscar a tutela jurisdicional ante suas pretensões.
Nesse mesmo contexto, a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder
Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira.
Urge destacar o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos
mais abrangentes do mundo, como causa da judicialização. Referido como híbrido
ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o
europeu. Assim, desde o início da República, adota-se no Brasil a fórmula americana
de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de
aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a
considere inconstitucional.
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Por outro lado, foi trazido do modelo europeu o controle por ação direta, que
permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao
Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo,
previsto no artigo 103 da Constituição Federal, pelo qual inúmeros órgãos, bem
como entidades públicas e privadas — as sociedades de classe de âmbito nacional
e as confederações sindicais — podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase
qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF.
Destarte, o referenciado autor Barroso, ainda nos salda com o seguinte
raciocínio:

(...) somente no ano de 2008, foram decididas pelo Supremo Tribunal


Federal, no âmbito de ações diretas — que compreendem a ação direta de
inconstitucionalidade (ADI), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC)
e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) —
questões como: a) o pedido de declaração de inconstitucionalidade, pelo
procurador-geral da República, do artigo 5º da Lei de Biossegurança, que
permitiu e disciplinou as pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI
3.150); (ii) o pedido de declaração da constitucionalidade da Resolução 7, de
2006, do Conselho Nacional de Justiça, que vedou o nepotismo no âmbito do
Poder Judiciário (ADC 12); (iii) o pedido de suspensão dos dispositivos da Lei
de Imprensa incompatíveis com a Constituição de 1988 (ADPF 130). No
âmbito das ações individuais, a corte se manifestou sobre temas como
quebra de sigilo judicial por CPI, demarcação de terras indígenas na região
conhecida como Raposa Serra do Sol e uso de algemas, dentre milhares de
outros.

Ao se lançar o olhar para trás, pode-se constatar que a tendência não é nova
e é crescente. Nos últimos anos, o STF pronunciou-se ou iniciou a discussão
em temas como: (i) Políticas governamentais, envolvendo a
constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdência
(contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do Conselho
Nacional de Justiça); (ii) relações entre Poderes, com a determinação dos
limites legítimos de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito
(como quebras de sigilos e decretação de prisão) e do papel do Ministério
Público na investigação criminal; (iii) direitos fundamentais, incluindo limites à
liberdade de expressão no caso de racismo (Caso Elwanger) e a
possibilidade de progressão de regime para os condenados pela prática de
crimes hediondos. Deve-se mencionar, ainda, a importante virada da
jurisprudência no tocante ao mandado de injunção, em caso no qual se
determinou a aplicação do regime jurídico das greves no setor privado
àquelas que ocorram no serviço público.

É importante assinalar que em todas as decisões referidas acima, o Supremo


Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos pedidos
formulados. O tribunal não tinha a alternativa de conhecer ou não das ações,
de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os
requisitos de cabimento. Não se pode imputar aos ministros do STF a
ambição ou a pretensão, em face dos precedentes referidos, de criar um
modelo juriscêntrico, de hegemonia judicial. A judicialização, que de fato
existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou
metodológica da corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu
papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional
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vigente. Pessoalmente, acho que o modelo tem nos servido bem. [grifo
nosso]

Dados os ensinamentos do professor Barroso, insta destacar algumas


decisões ao que tange o processo legislativo e a interferência do judiciário neste.
Assim, em recente julgado, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação
Declaratória Inconstitucionalidade 3920/MT decidiu ser inconstitucional lei estadual,
de iniciativa parlamentar, que disponha sobre o regime jurídico dos servidores
públicos e dos miliares estaduais. Isto, pois, o art. 61, § 1º, II, “c” e “f”, da CF/88
prevê que compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de lei que trate dos
direitos e deveres dos servidores públicos bem como do regime jurídico dos
militares. Ressalta-se, ainda, que a mera sanção do chefe do executivo federal ou
estadual não sana o vício de inconstitucionalidade formal subjetivo que permeia
projeto de lei com vício na iniciativa, isto quando esta deveria ser do executivo e não
de proposta parlamentar.
Na mesma esteira, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação
declaratória de Inconstitucionalidade 3942/DF, estabelece que a iniciativa de
competência privativa do Poder Executivo não impede a apresentação de emendas
parlamentares, presente a identidade de matéria e acompanhada da estimativa de
despesa e respectiva fonte de custeio. Desta forma, é possível que haja emenda
parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo,
desde que cumpridos os requisitos.
Visto tudo isso, infere-se que o judiciário não exercita judicialização como uma
faculdade ou arbítrio, mas como parte do poder-dever de prestar a tutela
jurisdicional, a qual, uma vez provocada não pode ser dispensada sem composição.
Por isso, a Judicialização do Processo Legislativo fica longe de ser um fenômeno
que desequilibre a harmonia dos poderes estatais, mas sim um meio de fortalecê-la,
visto que os poderes estatais somam seus esforços para satisfazer os interesses da
sociedade na consecução do bem comum.

CONCLUSÃO
Depreende-se, portanto, que a teoria da tripartição dos poderes estatais é de
fundamental importância para a conjuntura política e jurídica brasileira. Sob esta
ótica, a independência funcional decorrida deste princípio não excluiu a possibilidade
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do desenvolvimento de funções atípicas, propiciando, assim, uma melhor execução


das atividades de cada poder, ante a incidência do Sistema de freios e contrapesos.
Neste contexto, apresenta-se como expoente da judicialização do processo
legislativo, o mecanismo do controle de constitucionalidade. Uma vez que tal
mecanismo traz questões de grande repercussão, as quais deveriam ser observadas
na seara legislativa, ao judiciário.
Por fim, ante o exposto, a judicialização do processo legislativo não propicia
desarmonia entre os poderes estatais, mas sim maximização da eficácia no
exercício das funções atribuídas a estes. No entanto, para a manutenção desta
harmonia, faz-se fundamental que a atuação do Judiciário frente ao processo
legislativo não invada de todo a competência deste poder.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo e legitimidade democrática.


Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-dez-
22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>. Acesso: 15 set. 2014.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros
Meditores, 2000.

ITO, Marina. Judicialização é fato, ativismo é atitude. Disponível em:


<http://www.conjur.com.br/2009-mai-17/judicializacao-fato-ativismo-atitude-
constitucionalista>. Acesso: 15 out. 2014.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva,
2014.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

PESTANA, Luís Fernando de Souza. Uma pequena análise sobre o processo


legislativo brasileiro. Disponível em:
<http://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/artigo_uma_pequena_analise_s
obre_o_processo_legislativo_brasileiro.pdf>. Acesso: 20 set. 2014.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte. 5. ed. São Paulo:


Saraiva, 2007.

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