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O CASO

Machado & Beltrami Imobiliária, sociedade limitada cujo objeto social é a compra,
venda e locação de bens imóveis, representada por seu sócio André Beltrami,
contratou os serviços de Arquimedes Pierangeli para a realização de um projeto
arquitetônico e acompanhamento da construção da casa de praia dos sogros de
André. A composição das quotas na referida sociedade é de 70% de Fernando
Machado e 30% de André Beltrami. O objeto social é exclusivamente a compra,
venda e locação de bens imóveis. A representação da sociedade é feita
obrigatoriamente por ambos os sócios, em conjunto. O terreno em que o imóvel foi
construído é de propriedade dos sogros de André. O arquiteto Arquimedes realizou o
projeto e acompanhou toda a obra, apesar de ter tido sua inscrição no CREA
suspensa logo após a aprovação do projeto, situação irregular que perdurou durante
todo o trabalho. André, apesar de ciente da suspensão da inscrição do arquiteto,
concordou que o mesmo prosseguisse no acompanhamento da obra. Por outro lado,
nunca pagou os honorários devidos a Arquimedes, os quais foram estabelecidos por
meio de contrato escrito. Apesar das várias tentativas em receber o que lhe era
devido, nada foi pago. Da análise de tal contrato, verifica-se que este foi assinado
apenas por André, na condição de representante legal da Machado & Beltrami
Imobiliária, qualificada como contratante. Por outro lado, o arquiteto não tomou
conhecimento do conteúdo do contrato social da Machado & Beltrami, tampouco
requereu que uma cópia do mesmo passasse a integrar o contrato de prestação de
serviços. O contrato de prestação de serviços contém uma cláusula que exige a
realização de uma sessão de mediação extrajudicial antes da propositura de
qualquer medida judicial. Contém igualmente a previsão de que toda e qualquer
multa que venha a ser fixada em processo judicial será revertida para a parte
prejudicada e não para o Estado. Diante do inadimplemento, mas desconsiderando
a cláusula expressa de mediação, Arquimedes ajuizou ação de conhecimento,
pedindo a condenação da sociedade Machado & Beltrami ao pagamento do valor
dos honorários contratuais, acrescidos de correção monetária e juros de mora,
totalizando R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Requereu como
provas: o seu próprio depoimento pessoal, a juntada do próprio contrato, além da
aprovação do projeto pelo Município e do certificado de vistoria e conclusão de obra.
No que diz respeito à sucumbência, requereu a condenação da ré ao pagamento
das custas e dos honorários advocatícios, em 20% do valor da condenação, nos
termos do art. 85, § 2º do CPC. Desconsiderou, portanto, a existência de título
executivo extrajudicial (contrato de prestação de serviços). O juiz recebeu a inicial e
determinou a citação da ré para comparecimento à audiência de conciliação e
mediação do art. 334 do CPC, a qual havia sido expressamente requerida pelo
autor. A sociedade ré foi citada na pessoa de André, seu representante legal.
Fernando, porém, ao tomar conhecimento do processo, confrontou o sócio, que se
mostrou arrependido por ter feito a contratação para atender ao interesse de seus
sogros. Imediatamente, então, concordou com a decisão de Fernando de contratar
advogado para defender a empresa. Fernando, na qualidade de representante legal
da Machado & Beltrami e contando também com a assinatura de André, contratou
um advogado a fim de representar a sociedade em juízo e contestar a ação. Na data
designada para a audiência, o autor não compareceu e não apresentou qualquer
justificativa, o que levou o magistrado a aplicar a multa prevista no art. 334, § 8°
equivalente a 5% do valor da causa, determinando que a mesma fosse paga em
favor da parte contrária (conforme convenção das partes no contrato de prestação
de serviços). Na sequência, a Machado & Beltrami apresentou tempestivamente sua
contestação aduzindo: a) preliminarmente, a violação à cláusula contratual que
exigia uma sessão prévia de mediação extrajudicial; b) sua ilegitimidade passiva, eis
que a contratação ocorreu em benefício de terceiros, pleiteando sua substituição
pela pessoa física de André, nos termos do art. 338 do CPC, ou ao menos a
inclusão deste como litisconsorte passivo necessário; c) a nulidade da contratação,
eis que somente André assinou o contrato de prestação de serviços; d)
independentemente da nulidade formal pela ausência das assinaturas, que também
não poderia ser responsabilizada pelo ato de André, já que este praticou contratação
estranha ao objeto social (compra, venda e locação de imóveis), nos termos do art.
1.015, parágrafo único, inciso III do CC/2002; e) por fim, a suspensão da inscrição
do arquiteto perante o CREA durante o período de acompanhamento da obra e a
exorbitância do valor dos honorários arquitetônicos, fora dos padrões habitualmente
adotados no mercado. Pediu a realização de prova pericial a fim de aferir o valor
correto dos honorários, considerando a metragem construída e os valores praticados
no mercado. Requereu também a ouvida de André como testemunha, a fim de
comprovar que a contratação não se deu em benefício da empresa. Intimado a
impugnar a contestação, Arquimedes rebateu os argumentos, aduzindo que: a) a
exigência prévia de sessão de mediação não pode impedir o acesso ao Poder
Judiciário, conforme garantia constitucional (CF, art. 5º, XXXV); b) foi a própria
pessoa jurídica quem firmou a contratação, razão pela qual possui legitimidade
passiva e não se faz necessária a inclusão de André como litisconsorte passivo (art.
339, § 2º do CPC); c) a ausência da assinatura do outro sócio não afasta a
responsabilidade da empresa, diante da teoria da aparência e do desconhecimento
do arquiteto a respeito de tal exigência no contrato social; d) apesar de a construção
de imóvel não compor o objeto social da empresa, a atividade não é estranha ao seu
objeto, já que o imóvel construído pode vir a interessar aos negócios da pessoa
jurídica em questão; e) o trabalho foi efetivamente prestado e, portanto, é devida a
contraprestação; f) André sempre teve ciência da suspensão da inscrição perante o
CREA e o valor dos honorários arquitetônicos está dentro dos padrões praticados no
mercado. Na decisão saneadora o juiz: a) fixou como pontos controvertidos: a
possibilidade da responsabilização da sociedade pelos atos praticados por André; o
proveito ou não da contratação em favor da sociedade. b) em relação às provas,
indeferiu o depoimento pessoal do autor, por entender desnecessária sua oitiva.
Além disso, indeferiu o depoimento de André, ressaltando que o mesmo não poderia
ser ouvido como testemunha (art. 447, §2°, III do CPC/15). Ainda, indeferiu a
produção de prova pericial requerida pela ré, por entender que o valor dos
honorários arquitetônicos fora definido em contrato e inexistiam questões técnicas
que demandassem a produção desse tipo de prova. c) ressaltou que diante da
desnecessidade de produção de outras provas, determinava a remessa dos autos à
contadoria judicial e, posteriormente, que os mesmos viessem conclusos para
sentença. Após a prolação da decisão, as partes apresentaram pedido de ajustes,
nos termos do §1º do art. 357 do CPC/15, a fim de que fosse concedido prazo para
apresentação de alegações finais. Em relação aos outros pontos, entenderam que
seriam irrecorríveis, já que não haveria previsão expressa de recurso. Sem a
concessão do prazo para apresentação das alegações finais, o magistrado proferiu
sentença julgando procedente o pedido e condenando a ré ao pagamento do valor
pleiteado, ou seja, R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). Contudo, por
entender que o percentual de honorários redundaria em quantia demasiadamente
alta, fixou-os em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), mediante a aplicação inversa do §
8º do art. 85 do CPC. Concedeu, de ofício, a tutela da evidência na própria sentença
(art. 311, II do CPC) considerando a prova dos honorários (contrato de prestação de
serviços), a demonstração da realização do trabalho (aprovação do projeto e
certificado de vistoria e conclusão da obra) e a existência de precedente do Órgão
Especial do Tribunal de Justiça local, reconhecendo que, em virtude da teoria da
aparência, a pessoa jurídica responde pelos atos praticados por apenas um de seus
sócios, ainda que em violação ao contrato social.

o juiz de 1º grau proferiu sentença (anexa).

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