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PROJETOS URBANOS NO CENTRO ANTIGO DE JOÃO PESSOA:

Entre a memória do lugar e a busca por criar o novo

AZEVEDO, MARIA HELENA. (1); MOURA FILHA, MARIA BERTHILDE. (2) SILVA, ANNE
CAMILA CESAR (3)

1. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura. Laboratório de Pesquisa Projeto e


Memória – LPPM / UFPB
Departamento de Arquitetura – CT – UFPB – Campus I – João Pessoa / PB – CEP. 58. 051-900
mhazevedo.br@gmail.com

2. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura. Programa de Pós Graduação em


Arquitetura e Urbanismo – PPGAU / UFPB
Departamento de Arquitetura – CT – UFPB – Campus I – João Pessoa / PB – CEP. 58. 051-900
berthilde_ufpb@yahoo.com.br

3. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura. Graduando em Arquitetura e Urbanismo /


UFPB
Departamento de Arquitetura – CT – UFPB – Campus I – João Pessoa / PB – CEP. 58. 051-900
anne.ccs@gmail.com

Palavras-chave: centro antigo, praças, João Pessoa

Resumo

Entre os anos de 2006 e 2009, foram desenvolvidos projetos para requalificação de duas praças
situadas no centro antigo da cidade de João Pessoa/PB, com participação do IPHAN e da
prefeitura municipal. Esses projetos tiveram como objetivo melhorar a qualidade do ambiente
urbano e atrair usuários para esses espaços públicos, atingidos por um processo de
esvaziamento. Observa-se que as duas propostas seguem estratégias diversas, tendo resultados
que se alternam, ora focando no respeito pela memória do lugar, ora na busca por criar o novo,
como ocorreu nas Praças Rio Branco e Vidal de Negreiros, respectivamente, inseridas na área de
tombamento do órgão estadual de preservação – o IPHAEP, e/ou nas poligonais de proteção
federal delimitadas pelo IPHAN. São estas duas intervenções que nos propomos a analisar
quanto à compatibilidade entre o novo desenho proposto para estes espaços e sua real
capacidade de dinamizá-los, atraindo e convidando a população à permanência.

1. O CENTRO ANTIGO DE JOÃO PESSOA E SEUS PROJETOS DE


REQUALIFICAÇÃO

Neste ano de 2011, a cidade de João Pessoa comemorou 426 anos de fundação. Edificada para
ser a sede da Capitania da Paraíba, estabelecida pela Coroa Portuguesa como parte da
estratégia de colonização do litoral setentrional do Brasil, em finais do século XVI, a cidade, a
princípio, adotou o nome de sua padroeira, Nossa Senhora das Neves, ao qual foi acrescido de
Filipéia, durante o período da união das coroas ibéricas.

A cidade guarda registros físicos que relatam sua trajetória histórica, iniciada em 1585,
permanecendo destes primeiros tempos, sem alterações significativas, parte do seu traçado
composto pelas ruas Nova, Direita e da Cadeia, bem como os becos da Misericórdia e do Carmo.
Associado a este tecido urbano inicial, ou a suas diversas áreas de expansão, surgidas no
decurso dos séculos seguintes, existe um acervo arquitetônico que expressa essa longa história:
igrejas e conventos do período colonial; edifícios públicos e privados com linguagem neoclássica e
eclética que registram um tempo de prosperidade econômica da cidade, entre o final do século
XIX e as primeiras décadas do século XX; o Art Déco e a arquitetura moderna que se fazem
presentes a partir dos anos 1930.

Alguns exemplares deste acervo edificado foram valorados, enquanto patrimônio, desde o
momento de criação do IPHAN que, em 1938, procedeu ao tombamento dos primeiros
“monumentos” da cidade, a exemplo da Igreja da Misericórdia, e da Casa da Pólvora. Outras
ações de proteção vieram com a criação do IPHAEP – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
do Estado da Paraíba, que desde 1980 procedeu ao tombamento de 54 bens imóveis na cidade e,
em 1982, delimitou a primeira poligonal para o centro histórico de João Pessoa, redefinida em
2004. (Figura 01) Ao mesmo tempo, o IPHAN vislumbrava um reconhecimento deste centro
antigo, a nível nacional, o que ocorreu em 2007, abarcando uma área que se restringe à malha
urbana consolidada no fim do século XVIII, se superpondo àquela já definida pelo IPHAE. (Figura
02).
Rua Nova

Rua Direita

Rua da Cadeia

Figura 01: Mapa do Centro Histórico de João Pessoa delimitado pelo IPHAEP, em 2004, com indicação das
principais ruas do primitivo traçado urbano. Fonte: IPHAN, 2006.

Praça Dom Ulrico

Praça São Francisco

Praça Dom Adalto

Praça Rio Branco

Praça Vidal de Negreiros

Praça João Pessoa

Praça Venâncio Neiva

Figura 02: Mapa do Centro Histórico de João Pessoa delimitado pelo IPHAN, com indicação de algumas
praças situadas na cidade alta. Fonte: IPHAN, 2006.

Há décadas, o IPHAN e o IPHAEP trabalham no sentido de assegurar a integridade deste


patrimônio arquitetônico e urbanístico que confere identidade à cidade. No entanto, as ações
destas instituições concentraram-se nas medidas de cadastramento e tombamento do acervo
arquitetônico, ou na restauração de edifícios que possibilitam, hoje, a manutenção de conjuntos
como os conventos dos franciscanos e dos beneditinos. Ficaram em segundo plano as
intervenções que tinham por objetivo requalificar os espaços públicos do centro histórico, em
geral, degradados e esquecidos pela população.

Este quadro apenas sofreu alteração a partir de 1987, após ser firmado um convênio com a
Agência Espanhola de Cooperação Internacional – AECI, através do qual João Pessoa passou a
integrar o Programa de Preservação do Patrimônio Cultural da Ibero-América. Como parte deste
programa, foi implantado o Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa.

As primeiras intervenções realizadas no âmbito deste projeto tiveram por alvo espaços públicos
que se encontravam degradados, embora associados a importantes conjuntos edificados,
remanescentes do século XVIII e tombados pelo IPHAN. Assim, em 1989, foram requalificadas as
praças Dom Adauto e São Francisco que, respectivamente, antecedem os conjuntos
arquitetônicos dos carmelitas e dos franciscanos. Em 1998, se tornou um marco deste projeto a
revitalização da Praça Anthenor Navarro, que integrou o projeto “Cores da Cidade” presente em
diversas capitais brasileiras. Foram alvos da intervenção o espaço público e o casario do entorno,
formado por treze edificações, construídas na década de 1930, nas quais foram implantados
bares, lojas de artesanato e galerias de arte. Durante alguns anos, esta praça foi palco para
shows promovidos pelo poder público e o marketing “construiu” a imagem do lugar como um novo
ponto de atração cultural e de lazer, a exemplo do que ocorria, na mesma época, com o
Pelourinho e o Bairro do Recife.

Mais recentemente, foram o IPHAN e a Prefeitura Municipal de João Pessoa que investiram na
recuperação de outras praças do centro histórico, a saber: a Praça Rio Branco que foi alvo de um
projeto elaborado pela Superintendência do IPHAN na Paraíba, implementado em 2009, por meio
do Programa de Revitalização de Sítios Históricos (PRSH), e a Praça Vidal de Negreiros, cujo
projeto foi concebido e executado pela prefeitura e inaugurado em 2009.

São estas recentes intervenções levadas a cabo no centro histórico de João Pessoa que nos
propomos a analisar, questionando até que ponto os projetos implantados foram concebidos
levando em consideração a memória urbana ainda presente nestes espaços, ou se teve
prioridade a busca por criar o novo, a servir de atração para a população. Observamos a
compatibilidade entre a realidade histórica preexistente, os projetos propostos e os espaços
resultantes, considerando a necessária valorização destes enquanto patrimônio e enquanto
pontos de atração e permanência para a população. Enfim, será que estes projetos atentaram
para a necessidade da população usufruir destes espaços ao mesmo tempo em que se apropria
da história que os mesmos guardam?
Como ponto de partida para a análise foram avaliados os memoriais dos projetos de
requalificação das praças Rio Branco e Vidal de Negreiros, elaborados, respectivamente, pelo
IPHAN e pela Prefeitura Municipal. Através destes documentos, buscamos perceber os objetivos
pretendidos com as intervenções e analisamos os argumentos apresentados em conjunto com o
novo espaço edificado, buscando respostas para nosso questionamento.

É certo que, somente a partir do início da década de 1990, as questões relativas à conservação
dos centros antigos vêm sendo debatidas no Brasil e, como observaram Vargas e Castilho (2006)
entre a concretização de algumas das intervenções realizadas e o presente, ainda não há um
acúmulo de conhecimento e o distanciamento necessário para uma “crítica consistente”. No
entanto, se faz necessário avançar com esta análise crítica das intervenções em curso, visando
definir os caminhos a trilhar perante a meta da conservação dos nossos centros históricos e da
concepção de projetos para áreas de valor patrimonial. É com este debate que nos propomos a
contribuir.

2. AS PRAÇAS RIO BRANCO E VIDAL DE NEGREIROS: HISTÓRIA E MEMÓRIA

Para entender a importância histórica e social que estes dois espaços guardam, é necessário
situá-los no contexto da cidade. Estão localizados na área da “cidade alta” de João Pessoa, assim
denominada em função da estrutura morfológica do sítio onde o núcleo urbano inicial foi
implantado, próximo ao Rio Sanhauá, em terreno segmentado por uma descontinuidade
topográfica. Assim, ficou dividida entre a cidade baixa, ou Varadouro, onde havia o porto e as
atividades comerciais, ali instaladas prioritariamente, desde o tempo em que se restringiam ao
escoamento da produção açucareira. Na cota mais elevada estava de fato a “cidade”, que
concentrava a função residencial, ficando o casario entremeado por igrejas, conventos e edifícios
vinculados à administração.

Hoje, visualizando esta trama urbana, percebemos o quanto a mesma guarda informações sobre
a história da cidade, desde o tempo em que se denominava Filipéia. Na cidade baixa
permanecem as ruas sinuosas que tinham origem nos caminhos abertos para vencer o sítio
acidentado. Na cidade alta, claramente se identifica o seu traçado inicial, com ruas seguindo uma
organização racional e o parcelamento do solo em quadras de desenho regulado, definidas pelas
ruas Nova e Direita, e por transversais como a Rua da Misericórdia e o Beco do Carmo, assim
designados devido a ligação que têm com os edifícios religiosos de mesmo nome.

Inseridas nesta realidade da cidade alta estão as duas praças em questão, situadas à margem da
antiga Rua Direita (atual Duque de Caxias), tendo a outra face definida pela antiga Rua da Cadeia
(hoje, Visconde de Pelotas) cujo início da formação data do século XVII. Ao valor que tem este
contexto urbano, soma-se a arquitetura que delimita os dois espaços públicos, de relevante
importância para a história e memória social da cidade.

A Praça Rio Branco resulta da urbanização do largo aberto, em 1610, com o propósito de abrigar
os edifícios oficiais mais representativos do período colonial: a casa de câmara e cadeia e o
açougue (MOURA FILHA, 2005, p.336). Esta praça laica constitui uma exceção no quadro urbano
do Brasil do século XVII, por ser um espaço público, aberto para afirmação do poder civil, em
meio a uma cidade de traça regular. Exceção porque, como constatou Marx (1980, p.50) em seus
estudos sobre a cidade brasileira do período colonial, as praças cívicas, no entorno das quais se
situavam os edifícios públicos, apareceram em reduzido número, se comparadas aos largos e
adros das igrejas.

Quanto à morfologia, o largo foi introduzido como um espaço adjacente à Rua Direita, estando a
Casa de Câmara e Cadeia em posição de evidência, reforçando sua condição de edifício singular
e fechando a perspectiva do conjunto (AZEVEDO, 2010, p. 80). Posteriormente, também a Casa
dos Contos ou Casa do Erário foi erguida no largo por decisão da Provedoria da Fazenda Real,
em 1775 (MOURA FILHA, 2005, p.408). Este novo edifício se destacava pelas suas dimensões e
suntuosidade formal de sua escada, determinando, ainda, uma mudança de toponímia daquele
espaço público, que passou a ser conhecido como Largo do Erário. (Figuras 03 e 04)

B
C

Figuras 03 e 04: O Largo do Erário, na década de 1910. Destacam-se a escadaria do edifício do Erário (A),
a antiga Casa de Câmara e Cadeia (B) e açougue (C). Na imagem da direita, a Casa do Erário em imagem
da década de 1910. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega

A prática de ajardinamento dos antigos largos, difundida no início do século XX (SEGAWA, 2006,
p.73), foi aplicada ao Largo do Erário que, em 1918, ganhou tratamento de área verde e
mobiliário, recebendo o nome que mantém até hoje: Praça Rio Branco.

No início da década de 1970, o conjunto edificado que cerca esta praça sofreu uma perda
considerável, devido à demolição de alguns imóveis de arquitetura civil que definiam um dos
becos laterais à antiga Casa de Câmara e Cadeia, criando ali um vazio urbano e alterando a
configuração morfológica preexistente. Esta demolição foi motivada por um projeto da Prefeitura
Municipal para abertura de um viaduto, o qual foi inviabilizado por ação do IPHAN que tombou,
em 1971, o prédio do antigo açougue, justificando ser necessário preservar o pouco que restava
da memória do lugar. (Figura 05).

A partir de então a praça foi sendo progressivamente descaracterizada em seu aspecto


morfológico e arquitetônico, ocupada por um estacionamento e esquecida pela população que já
não a via como um espaço de convívio social. Devido a esta trajetória, em seu entorno, as
referências que remetem ao passado são muito tênues: no local da Casa de Câmara e Cadeia
existe um edifício inexpressivo; o edifício do Erário sofreu um incêndio, ocorrido em 1916, ficando
muito descaracterizado; do casario restam fragmentos. Apenas o antigo açougue sobrevive como
referência da origem do largo, no século XVII. (Figura 06)

B A

Figuras 05 e 06: A Praça Rio Branco, em 1924, estando à direita o prédio do antigo açougue (A) e os
imóveis demolidos (B) na década de 1970. Na figura 06, a praça ocupada por estacionamento, antes da
intervenção ocorrida em 2009. Fonte: Acervo Walfredo Rodriguez e PMJP, respectivamente.

Deixando a Praça Rio Branco, percorremos apenas duas quadras ao longo da antiga Rua Direita
(hoje, Rua Duque de Caxias) e chegamos à Praça Vidal de Negreiros, nosso segundo objeto de
análise, cuja trajetória histórica é bem mais recente, uma vez que foi inaugurada em 12 de
outubro de 1924 (A UNIÃO, 12/10/1924). Anteriormente, havia no local uma igreja pertencente à
Irmandade do Rosário dos Pretos, erguida por volta de 1697, e, no entorno da qual ficava a
parada final dos bondes do sistema de transporte urbano coletivo, implantado com tração animal
em 1896. Por isto, esta área era popularmente conhecida como Ponto de Cem Réis em função do
valor da passagem que era cobrada nos bondes. (ANDRADE; GARCIA, 1987, p.16).

Foram as intervenções urbanas ocorridas na capital paraibana, na década de 1920, somadas à


introdução do bonde elétrico, que determinaram a necessidade de abrir ali uma grande praça
destinada a receber todas as linhas do novo sistema de transporte. Para tanto, foi demolido o
casario existente e a Igreja do Rosário dos Pretos. As notícias veiculadas no dia da inauguração
da praça a apresentavam à população como um símbolo de progresso e modernização, vinculado
ao melhoramento do sistema de transporte (A UNIÃO, 12/10/1924) e, simultaneamente, ao
desaparecimento de um marco referencial da cultura negra e do passado colonial a ser
esquecido.

Embora tenha recebido a denominação oficial de Praça Vidal de Negreiros, o lugar não deixou de
ser referido como o Ponto de Cem Réis, para onde a população convergia em busca dos bondes
e também por ser atraída pela modernidade do lugar. A praça tinha ao centro uma coluna com o
relógio e, próximo à Rua Direita, um pavilhão onde funcionavam sanitários públicos, café,
floricultura, soverteria e bomboniere. Mudanças significativas ocorreram em seu entorno, pois a
circulação constante de pessoas atraiu estabelecimentos de comércio e prestação de serviço para
as ruas próximas: Duque de Caxias, Visconde de Pelotas e General Osório, que foram se
definindo como o lugar do comércio refinado (Figura 07).

Em 1951, a prefeitura de João Pessoa promoveu uma intervenção no Ponto de Cem Réis. Nesse
projeto, foram demolidos o pavilhão e a coluna do relógio, retirados os bondes e os carros de
aluguel do centro da praça, gerando um lugar mais propício ao convívio social de seus
freqüentadores. Em suas extremidades foram construídos dois novos pavilhões, onde
funcionavam cafeteria, lanchonete, bomboniere e o serviço de engraxates (Figura 08).

A intervenção de 1951 acentuou o papel de pólo de atração que o Ponto de Cem Réis exercia
sobre a população, que para ali acorria para tomar o bonde, ir às compras, assistir aos desfiles
cívicos ou para participar do carnaval de rua, consolidando a praça como um lugar repleto de
significados e valores atribuídos por seus usuários na vivência cotidiana.

Figuras 07 e 08: A Praça Vidal de Negreiros em sua primeira configuração e após a reforma ocorrida em
1951. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega.

No final da década de 1960, os bondes foram retirados de circulação e, com isso, a Praça Vidal
de Negreiros começou a perder a condição de ponto de convergência da população e marco
referencial do centro da cidade. Em 1970, foram extintos a praça de automóveis e os pavilhões
foram demolidos para a construção do Viaduto Damásio Franca, que alterou completamente a
fisionomia do local. Este viaduto era parte de um plano viário elaborado para tornar mais fácil a
circulação de veículos entre a cidade baixa e os bairros residenciais situados a leste do centro
antigo, havendo, também, uma alça viária que permitia o fluxo entre os setores da cidade baixa e
alta, através da Rua Duque de Caxias, que margeia a praça (Figura 09 A, B e C).

Como ocorrera no passado, esta intervenção e a construção do viaduto foram exaltadas pelos
governantes como resultado do progresso e modernidade da cidade, devendo ser motivo de
orgulho para a população. Mas, na realidade, o novo equipamento propiciou um esvaziamento
das funções sociais da praça, uma vez que fragmentou o espaço, reduziu as áreas de circulação
e a permanência de seus usuários, criando obstáculos que impediam a concentração da
população em dias festivos e nos eventos.

Portanto, como foi apontado por Camacho (1999, p.37), para a concepção deste projeto não
foram considerados o caráter e a identidade da praça, já que o cotidiano do lugar foi
transformado, modificando a convivência social que existia ali. Tantas mudanças levaram ao
enfraquecimento da identidade deste lugar público, levando a sua memória a ser conhecida,
principalmente, através dos edifícios que circundam a praça e demonstram sua trajetória histórica:
a residência eclética da família Gomes da Silveira; o Paraíba Palace Hotel, símbolo de riqueza e
elegância para a sociedade da metade do século XX; os edifícios do antigo IPASE e o Duarte da
Silveira, construídos no limiar das décadas de 1940 e 1950, marcando a produção modernista
presente no centro da cidade.

Figuras 09 A, B e C: Viaduto Damásio Franca implantado na Praça Vidal de Negreiros, em 1970.


Fonte: (A) Acervo Humberto Nóbrega; e (B e C) Denise Lemos (2004).

Na atualidade, estas duas praças refletem as mudanças sociais e econômicas que ocorreram em
todo o centro antigo de João Pessoa, hoje predominantemente ocupado por atividades de
comércio e serviços que atraem grande número de usuários, os quais não têm muita atenção ou
consciência sobre a história ali depositada. A mudança de uso desta área teve início na década
de 1940, quando o comércio concentrado na cidade baixa começou a migrar para a cidade alta,
que por sua vez, sofreu uma retração do uso residencial, a partir da década de 1950, devido à
crescente expansão da cidade.

No entanto, até a década de 1980, a cidade alta ainda se configurava como o mais seleto centro
de compras da sociedade, quando nos anos seguintes, este tipo de comércio acompanhou o
deslocamento da população de maior poder aquisitivo que se transferiu para os bairros da orla
marítima. A cidade alta foi, então, ocupada por estabelecimentos voltados para um público de
poder aquisitivo menor. Toda esta situação caracteriza o centro antigo como um lugar que
favorece a prostituição, o consumo de drogas e a construção de uma imagem de decadência que
afasta dali muitos usuários, embora a área ainda cumpra sua função de “Comércio Central”.

Mergulhadas nesta realidade, as praças Rio Branco e Vidal de Negreiros são expressões dos
referidos problemas que afligem o centro antigo de João Pessoa. Conseqüentemente, uma das
metas dos projetos de requalificação destas praças passava a ser a retomada da vivência da
população em seus espaços, então marginalizados e subutilizados. A partir do estudo de seus
memoriais descritivos, vejamos como estas questões foram enfrentadas quando da elaboração
destes projetos e em que medida a implantação dos mesmos vem, de fato, requalificando estes
lugares, devolvendo-os ao convívio da população e, principalmente, assegurando a condição de
lugar de história e memória da cidade.

3. APRESENTANDO OS PROJETOS DE REQUALIFICAÇÃO

De reconhecida importância e relevância para o contexto histórico, artístico e cultural, a Praça Rio
Branco, no ano de 2006 inspirou a Superintendência do IPHAN na Paraíba a conceber, dentro de
suas prerrogativas patrimoniais um projeto que visava lhe devolver características de espaço livre
público, a fim de ser absorvida pela população como lugar de convivência, reintegrando-a ao
cotidiano da cidade, entretanto este projeto ficou estagnado a espera do aval governamental.

Até o ano de 2009, a praça em questão não havia sido contemplada com a execução de um
projeto de requalificação, então em 2010, após ajustes realizados pelo governo municipal, iniciam-
se as obras, referentes ao Projeto de Revitalização dos Sítios Históricos da cidade de João
Pessoa, que tomava como base as pesquisas e propostas do IPHAN acrescidas dos requisitos
impelidos pela prefeitura.

Como já referido, a praça localiza-se entre duas importantes vias, a Duque de Caxias e a Avenida
Visconde de Pelotas, incrustada entre edificações que a tornam um espaço acolhedor, o que
revela ainda mais sua importância como desafogo para essa área central da cidade. Tal
característica foi reconhecida quando da elaboração do projeto: “por tradição, vocação natural, ou
mesmo por indução de planejamento, ao se respeitar potencialidade s e tendências dessas
regiões, reforça-se a sinergia necessária para a requalificação proposta. Oxigenar o ar rarefeito”
(Memorial do Plano de Restauração da Praça Rio Branco, IPHAN; PMJP, 2009). Outrossim, a
importância de tal configuração era acentuada por sua arborização, que juntamente com os
edifícios perimetrais proporcionavam amenidades de temperatura em virtude do sombreamento
decorrente.

Figura 10 e 11: Praça Rio Branco, pré-intervenção (em 2009); e Praça Rio Branco, pós-intervenção (em
2010). Fonte: PMJP, e Anne Camila, respectivamente.

Esta reconhecida qualidade ambiental estava à margem da percepção da população, uma vez
que, por muitos anos, coube à Praça Rio Branco servir de estacionamento público, não permitindo
uma compreensão clara do lugar. Somava-se a isso o obstáculo da pouca população residente
em seu entorno, decorrente do processo de esvaziamento do centro, ficando os usuários da praça
co-dependentes do comércio e serviço ali estabelecidos.

Figura 12 e 13: Planta Praça Rio Branco, pré-intervenção (em 2009) e Praça Rio Branco, pré-intervenção
(em 2009). Fonte: PMJP, 2010.

Sob a ótica de conservação de um patrimônio, impulsionados pelo sentimento de pertencimento e


preservação, concebeu-se uma proposta que, quanto à linguagem espacial, retoma a amplidão do
antigo “largo”, devido à retirada do estacionamento, mas, ao mesmo tempo, não apaga as
características da urbanização do início do século XX que a tornou uma “praça”, mantendo a
vegetação que diferencia e dá identidade ao lugar. Refere o memorial do projeto que:

Quanto à pavimentação, a proposta é de que haja a unificação do nível do


piso, devolvendo, em parte, o aspecto de largo, eliminando obstáculos. No
entanto, serão mantidas as referências históricas, com o mesmo traçado:
área das calçadas, áreas de pavimentação, praça e canteiros, respeitando,
inclusive, a declividade natural do espaço (Memorial do Plano de
Restauração da Praça Rio Branco, IPHAN; PMJP, 2009).

Desta forma, valorizaram-se as referências da praça em seus aspectos urbanísticos, históricos e


funcionais. Assim, os princípios desta intervenção tiveram como base devolver o lugar público ao
convívio comum. Para tanto, procuraram não alterar a sua leitura espacial, trabalhando os
seguintes elementos: pisos, mobiliário urbano, tratamento paisagístico e alteração no tráfego.

Figura 14 e 15: Praça Rio Branco, pós-intervenção (em 2010). Fonte: Anne Camila, 2010.

O projeto se pautou em melhorias em prol do usuário, retomando a função de convivência, onde


as referências de sua história pudessem ser apropriadas pela população, contribuindo para o
fortalecimento de sua identidade cultural e também para a sua conservação.

A Rio Branco teve elevada a cota de nível da sua rua lateral ao sul, transformando-se, assim, em
um calçadão que se uniu à área de piso da praça de forma contínua e acessível, apresentando
um desenho diferenciado na pavimentação referente a cada um dos elementos morfológicos que
foram unificados – calçada, rua e praça; há ainda rampas de acesso e um platô redutor de
velocidade na rua lateral norte. Deve-se ressaltar que na proposta do IPHAN os fícus existentes
na praça deveriam ser substituídos por mudas de ipês. Esta mudança foi indeferida e as árvores
da praça permaneceram, recebendo um tratamento de poda, que auxilia a circulação dos ventos e
permite uma incidência confortável.
Rua Duque de Caxias

Rua Visconde de Pelotas

Calçadão Lateral Sul

Figura 16: Planta Praça Rio Branco, pós-intervenção (em 2010). Fonte: PMJP, 2010.

Figura 17 e 18: Desenho de piso do calçadão lateral sul da Praça Rio Branco, pós-intervenção (em 2010).
Fonte: Anne Camila, 2010.

Por fim, observamos uma coerência entre a proposta e a concepção do projeto, fundamentado em
um prévio estudo da história do lugar, a fim de considerar o seu contexto, as suas qualidades e a
sua identidade enquanto patrimônio.

Em contrapartida, os documentos referentes à Praça Vidal de Negreiros não se apresentam de


forma consistente, dificultando compreender as atitudes projetuais tomadas para o local. É
possível que a insuficiência de informações no memorial seja fruto de uma superficialidade de
estudos sobre a área, o que também pode ter gerado conflitos na tomada das decisões da
intervenção, desenvolvida por uma equipe de técnicos da Prefeitura Municipal de João Pessoa,
para o Projeto de Revitalização de Sítios Históricos (PRSH).

Ao se referir ao Ponto de Cem Réis, a equipe técnica aponta que esta praça “marcou o espaço
urbano da cidade muito mais como um paço do que como uma praça, aspecto adquirido pela
continuidade espacial...” (Memorial Descritivo Praça Vidal de Negreiros, PMJP, 2009).
Acreditamos que o fato de a praça ser usada como passagem pelos veículos e pela população
levou, então, os arquitetos a defini-la como um “paço” que segundo CORONA e LEMOS (1989, p.
351) significa “o mesmo que palácio, casa nobre e grandiosa para habitação de reis, príncipes e
fidalgos. Palácio real”. Foi adotado, portanto, um vocábulo que não tem nenhuma denotação ou
conotação com local de passagem.

Em seguida, o memorial descreveu a intervenção realizada em 1970, fruto de um projeto do


arquiteto Mário di Lascio, apontando que “... quebraram a continuidade que tipificava o espaço
original... mudando o conceito espacial local já associado ao imaginário popular...” (Memorial
Descritivo Praça Vidal de Negreiros, PMJP, 2009). Essa intervenção procurou resolver um
problema de tráfego que envolvia o cruzamento de veículos na esquina da Rua Duque de Caxias
com a Praça Vidal de Negreiros, rasgando um túnel no subsolo e criando uma alça viária referida,
no documento aqui analisado, como um “indesejável resto urbano” em função de ter segmentado
o terreno da praça.

Ainda no diagnóstico da praça, o texto trata de uma “clara contradição urbana” em função do
desuso da proposta de 1970, que acabou se tornando obsoleta devido à criação de um calçadão
na Rua Duque de Caxias, em meados da década de 1980. É por volta dessa época que o entorno
da Praça Vidal de Negreiros também foi atingido pelo processo de mudanças no modo de uso e
ocupação que se verifica em toda aquela área, acompanhado de uma série de problemas sociais

Em linhas gerais, foi esse o quadro encontrado pela equipe técnica que desenvolveu o último
projeto ali executado. O memorial, ainda, aponta a intervenção de 1970 como um “... equivoco
que contribuiu para a decadência de ícones da arquitetura da cidade...” (Memorial Descritivo
Praça Vidal de Negreiros, PMJP, 2009), deixando claro que o novo projeto será desenvolvido de
modo a retomar a “vocação original da área, de espaço vazio, local de circulação...” (Memorial
Descritivo Praça Vidal de Negreiros, PMJP, 2009). Para tanto foi proposta uma laje de modo a
cobrir o túnel e a alça existentes na praça, criando assim um grande plano de piso, que
acompanha a ligeira variação da topografia entre as Ruas Visconde de Pelotas e Duque de
Caxias.
V2

V1

Figura 19: Planta de situação da Praça Vidal de Negreiros, pós-reforma de 2009, vendo-se ainda a
Praça Rio Branco, situada à direita. Fonte: PMJP, edição da equipe, 2010.

Vista 1 Vista 2

Figura 20 e 21: Praça Vidal de Negreiros, pós-reforma de 2009. Fonte: Bruna Sarmento e Anne Camila
Silva, respectivamente, 2010.

Esse plano de piso recebeu uma pavimentação que forma o desenho de uma quadrícula,
semelhante a um tabuleiro de damas. O memorial informa ainda que “A praça receberá na sua
porção oeste cobertura vegetal adequada sob o ponto de vista botânico e paisagístico...”. No
entanto, o resultado final do projeto se traduz em uma área extremamente desconfortável devido a
ausência de arborização, o que dificulta a permanência dos usuários na praça. Por fim, previu a
inserção de um pedestal a ser executado para abrigar um busto em homenagem a Vidal de
Negreiros e cita que a iluminação deverá privilegiar o cenário arquitetônico do entorno.

De fato, permanece como entorno deste espaço público uma arquitetura que relata épocas
pretéritas da história da cidade e guarda parte valiosa da memória urbana, mas essa estrutura
edificada é apenas o invólucro do espaço público. A praça, em si, vem desaparecendo enquanto
lugar de registro do passado. Permanece ali um ambiente acéfalo resultante das periódicas
intervenções executadas, que deixaram seqüelas, ao longo de décadas.
Por muitas vezes, observa-se uma leitura contraditória em relação à realidade apresentada e seus
ideais de concepção. Mais uma vez perguntamos se houve compatibilidade entre a realidade
histórica preexistente, os projetos propostos e os resultados obtidos. Para avaliar os projetos,
confrontando os seus memoriais e o quadro atual apresentado, retomamos outros
questionamentos: até que ponto os projetos implantados foram concebidos observando a
memória urbana contida nestes lugares, ou teve prioridade a busca por criar o novo? Essas
praças foram entendidas e trabalhadas como parte do patrimônio da cidade, propiciando a
utilização das mesmas, enquanto presente e a percepção de seus valores enquanto registros do
passado?

4. AVALIANDO OS PROJETOS: A MEMÓRIA OU O NOVO LUGAR?

Acreditamos ser importante avaliar o processo metodológico que se aplica às intervenções em


centros históricos, em especial nos lugares destinados ao uso público que guardam a memória e
a história de um lugar. Muitos desses ambientes vêm se fragmentando com o passar do tempo e
perdendo a sua identidade. Algumas vezes, as intervenções até acentuam este processo. Outras
vezes, elas partem por compreender o lugar e respeitar os seus valores, viabilizando alcançar,
assim, o objetivo de devolvê-lo ao convívio social e urbano.

Para a análise das duas praças aqui em foco, observamos basicamente três aspectos: o
entendimento dos diversos tempos que fazem a história destes lugares, incluindo o presente, o
respeito às características espaciais e morfológicas que dão a estas praças a condição de
patrimônio da cidade e a qualidade do ambiente resultante, focando no aspecto específico da
capacidade de ser ponto de convergência e permanência da população.

Acreditamos que a retomada de idéias e critérios de um tempo pretérito é um caminho perigoso a


se seguir na concepção de projetos de intervenção. Assim, percebe-se que há divergencias entre
os conceitos aplicados na Praça Rio Branco e na Praça Vidal de Negreiros. Na primeira o espaço
é requalificado, respeitando-se as diversas fases que configuraram esta praça e abarcando as
características de seu entorno. Já a outra, é dissociada da sua memória mais recente, os últimos
quarenta anos pós-intervenção de 1970, desconsiderando a sua estrutura, o entorno e a
população.

A Praça Vidal de Negreiros regressou a um conceito de “largo” que, por não apresentar estrutura
favorável à permanência dos aposentados, seus usuários mais habituais, possui qualidades
arquitetônicas extremamente frágeis, até mesmo para a função a ela imposta hoje - espaço
destinado a eventos noturnos e/ou esporádicos. Para a realização desses shows, é necessário
instalar na praça um palco removível.

Ao afirmar que a intervenção de 1970 segregou algumas áreas da Praça Vidal de Negreiros, o
memorial constatou aquilo que é evidente aos olhos, e tal questão vem justificar a decisão de
vedar com uma laje o vazio do viaduto, propondo um piso continuo. No entanto, apropriar-se da
memória do lugar não significa que este deve se enquadrar a um molde, a uma “forma” que foi
eficiente em uma determinada época, mas pode não estar adequada ao presente.

O segundo aspecto a ser considerado nesta análise é a apropriação e/ou modificação das
características espaciais e morfológicas que davam identidade e valor de patrimônio a estas duas
praças; tais características são encontradas ou não nestas praças, por vezes, em conseqüência
das construções e desconstruções de suas imagens. Como afirmamos anteriormente, o traçado
urbano da cidade alta de João Pessoa se constitui num cenário rico em informação sobre sua
história urbana, apresentando-se assim como um patrimônio a ser conservado. Assim sendo,
algumas características fundamentais deveriam ser observadas, como apontaremos a seguir.

É histórica a relação entre estas praças e as duas ruas que as delimitam: as antigas Ruas Direita
e da Cadeia (hoje Duque de Caxias e Visconde de Pelotas). Questionamos se houve, por parte
destes projetos, um respeito por tal morfologia, tomando por princípio a seguinte citação de
Lamas (2004, p.100-102): “Se a rua, o traçado, são os lugares de circulação, a praça é o lugar
intencional do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de práticas sociais, de
manifestações de vida urbana e comunitária e de prestígio, e, conseqüentemente, de funções
estruturantes e arquiteturas significativas.”

No projeto executado na Praça Rio Branco, foram observadas características morfológicas que
remetiam ao tempo em que o largo ganhou a configuração de praça: o desenho do piso,
diferenciando rua e praça e definindo seus limites, apesar das alterações feitas nas cotas de nivel
e tratamento das ruas que a margeiam. Assim, houve atenção para com o desenho histórico deste
espaço público: a praça e suas ruas adjacentes estão legíveis e são percebidas em suas
individualidades.

Por sua vez, no projeto implantado na Praça Vidal de Negreiros, podemos considerar que, embora
causando grande mudança na imagem do lugar, que se cristalizava desde 1970, a vedação do
antigo viaduto, transformado em túnel, bem como a eliminação da alça viária, trouxeram como
resultado positivo a reconstituição da área de piso do antigo Ponto de Cem Reis e a reintegração
do Paraíba Palace Hotel à praça, rompida pela intervenção anterior, que deixara aquele
importante edifício isolado.
Figura 22 e 23: Praça Vidal de Negreiros, pós-reforma de 2009. Fonte: Anne Camila, 2010.

Em contrapartida, o fato do trecho da Rua Duque de Caxias, que margeia a praça, ter sido
mantido como um calçadão de pedestres, sem uma diferenciação no desenho do piso, criou uma
falta de limite entre estes dois elementos morfológicos - a rua e a praça. O recente projeto
ressaltou ainda mais esta situação, uma vez que concentrou na extremidade da praça e no antigo
leito da rua, um mobiliário urbano que leva à aglomeração de usuários e vendedores ambulantes,
em especial quando podem usufruir da generosa sombra resultante do edifício Regis. Assim, ao
ser tratada como continuidade da praça, a antiga Rua Direita acabou sofrendo uma ruptura
morfológica em sua estrutura, oriunda do século XVII.

Quanto às qualidades espaciais do ambiente, para a Rio Branco é possível afirmar que a
finalidade do projeto foi alcançada, já que a população apropriou-se do lugar por seus méritos
como praça - um espaço livre público que acolhe aos seus usuários. A proposta projetual fez uso
de condicionantes como arborização, sombreamento, pedestrianização e criação de áreas de
estar que proporcionam qualidade arquitetônica, permitindo incorporá-la novamente ao cotidiano
da cidade. Com isso, o cidadão vem fazendo uso da praça no dia-a-dia como um lugar de refúgio,
onde é possível se sentar à sombra de uma árvore em pleno centro antigo de João Pessoa. Esta
apropriação espontânea acabou atraindo um evento de música instrumental, que costuma
acontecer todos os sábados, por volta do meio-dia.

Já a nova configuração espacial da Praça Vidal de Negreiros não convida o cidadão a ali ficar
durante o dia em função da ausência de áreas sombreadas. Em uma cidade de clima quente e
úmido, os aposentados, freqüentadores assíduos do lugar, costumam se abrigar à sombra das
poucas árvores e arbustos ali existentes, que estão locadas nas proximidades das Ruas Visconde
de Pelotas e Duque de Caxias, ficando toda a parte central da praça sem arborização. Assim, ela
acaba sendo, de fato, muito mais usada como circulação do que como lugar de permanência.

Para incentivar o uso da Vidal de Negreiros, a gestão municipal partiu para realizar shows no
período noturno e como a praça não possui mobiliário para dar suporte a esse tipo de uso, a
solução encontrada tem sido montar um palco removível sobre a calha da Rua Visconde de
Pelotas, que permanece instalado durante os eventos, ocasionando problemas na circulação de
trânsito e na apreensão da própria praça. Por ser tão marcado por muitas reformas urbanas, há
uma constante transitoriedade na imagem desta praça ao longo de sua história. Assim, após cada
intervenção, inicia-se um processo de reapropriação daquele espaço até que ele seja assimilado
como lugar, outra vez, tornando a sua memória urbana marcada por rupturas. Esse processo está
sendo, mais uma vez vivenciado pelos seus usuários.

Desde que foi tombado como Patrimônio Nacional, o centro antigo de João Pessoa foi
reconhecido oficialmente como de interesse para a história urbana do Brasil e as suas praças, a
exemplo da Rio Branco e da Vidal de Negreiros se destacam como locais que podem fazer parte
do cotidiano de seus cidadãos, desde que suas características estéticas, paisagísticas e
ambientais o permitam. Diante dos problemas de degradação do patrimônio nos centros antigos
brasileiros, ações que visam devolver a cidade à estima pública são extremamente bem vindas.
Estudar estas intervenções, como fizemos aqui, é contribuir para a discussão sobre as
articulações que se estabelecem entre os ambientes históricos e as ações de requalificação,
objetivando alertar para o entendimento dos significados, das formas de apropriação, dos usos e
funções, da realidade de cada lugar e, principalmente, das qualidades arquitetônicas atribuídas
pelos projetos de intervenção a lugares públicos a fim de devolvê-los ao convívio da população.

REFERÊNCIAS

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João Pessoa em Função do Sistema de Transporte Urbano: O Bonde. João Pessoa, 1987.
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AZEVEDO, Maria Helena de Andrade. A Rua Direita em Preto e Branco – Cidade da Parahyba
(1870-1930): Fotografias de arquitetura numa leitura histórico-morfológica da paisagem urbana.
João Pessoa, 2010. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-
graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.

CAMACHO, Ana Carolina da Gama. Ponto de Cem Réis: Identidade e Valorização de um


Espaço Urbano. João Pessoa, 1999. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Arquitetura e Urbanismo) – Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Paraíba,
João Pessoa, 1999.

CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos A. C. Dicionario da Arquitetura Brasileira. São Paulo, Art
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LAMAS, José Manuel Ressano Garcia. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian; Fundação para a Ciênica e a Tecnologia, 2004.

MARX, Murilo. Cidade no Brasil, em que termos?. São Paulo: Studio Nobel, 1999.

MOURA FILHA, Maria Berthilde. De Filipéia a Paraíba: uma cidade na estratégia de colonização
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Negreiros. Secretaria do Planejamento, 2009.

PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA (PMJP); Instituto do Patrimônio Histórico Artístico


Nacional (IPHAN). Memorial do Plano de Restauração da Praça Rio Branco, 2009.

SEGAWA, Hugo. Ao Amor do Público: Jardins do Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP,
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VARGAS, Heliana Comin; CASTILHO, Ana Luisa Howard de. Intervenções em Centros
Urbanos. Objetivos, estratégias e resultados. Barueri: Manole, 2006.

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