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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

GIOVANNI ALESSANDRO BEGOSSI

LAWFARE, PÓS-DEMOCRACIA E PÓS-VERDADE NO CASO LULA: ANÁLISE


DA POTENCIAL VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO JUIZ NATURAL
POR SERGIO MORO E SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA BRASILEIRA À LUZ
DOS DIÁLOGOS DIVULGADOS PELO THE INTERCEPT.

NATAL/RN
2019
GIOVANNI ALESSANDRO BEGOSSI

LAWFARE, PÓS-DEMOCRACIA E PÓS-VERDADE NO CASO LULA: ANÁLISE


DA POTENCIAL VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO JUIZ NATURAL
POR SERGIO MORO E SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA BRASILEIRA À LUZ
DOS DIÁLOGOS DIVULGADOS PELO THE INTERCEPT.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


curso de graduação em Direito, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial para obtenção do título de bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Dr. Leonardo Martins.

NATAL/RN
2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Begossi, Giovanni Alessandro.


Lawfare, pós-democracia e pós-verdade no Caso lula: análise
da potencial violação do direito fundamental ao juiz natural por
Sergio Moro e seus impactos na democracia brasileira à luz dos
diálogos divulgados pelo The Intercept / Giovanni Alessandro
Begossi. - 2019.
107f.: il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do


Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, De-
partamento de Direito. Natal, RN, 2019.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Martins.

1. Direito fundamental - Monografia. 2. Lawfare - Monografia.


3. Pós-democracia - Caso Lula - Monografia. 4. Pós-verdade -
Caso Lula - Monografia. I. Martins, Leonardo. II. Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 342.7

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355


Dedico esta pesquisa aos milhões de
brasileiros e brasileiras que custearam
minha graduação com o suado dinheiro
de seus tributos sem ter, eles(as)
próprios(as), a oportunidade de ingressar
na universidade.
AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos por esta pesquisa vão, primeiramente, aos meus pais,


Ana Lúcia Souza Begossi e Eder Begossi, e ao meu irmão, Bruno Giulliano Begossi.
Como bem notou Jessé Souza, um ambiente familiar estruturado e amoroso é es-
sencial à nossa organização psicossocial, que por sua vez é um pressuposto da ati-
vidade capitalista e exige uma pré-socialização em um sentido predeterminado. Co-
mo o capital cultural (p. ex., o conhecimento oferecido no curso universitário que
agora concluo) decorre do aprendizado, na socialização familiar e desde tenra idade,
de certas disposições invisíveis para o comportamento competitivo, o privilégio de
uma família estruturada e amorosa me permitiu adquirir a disposição para o autocon-
trole, a disciplina, o pensamento prospectivo e a capacidade de concentração. Em
seu conjunto, essas disposições são o fundamento do sucesso escolar e depois pro-
fissional. Como essa transmissão é “invisível”, a classe média, na qual me incluo,
tende a acreditar no “milagre do mérito individual”, e que seus espaços foram con-
quistados unicamente pelo esforço, e não por privilégios de nascimento. Não incor-
rerei nesse erro: tais habilidades são fruto de um privilégio de classe e decorrem de
uma socialização diferenciada no seio da minha família. Amo vocês.
Gostaria de agradecer aos meus amigos e amigas, que não nominarei para
não incorrer no risco de cometer uma injustiça. Porém, sei que as pessoas certas
perceberão que me dirijo a elas quando digo que não me considero digno da enorme
felicidade que é ter vocês na minha vida. Também amo vocês.
Gostaria de agradecer também a toda a equipe do escritório Macedo Dantas
e Ramalho Advocacia: Bruno, Victor, Felipe, Wilson, Isabela, Eider, Elione, Victoria,
Marcela, Marques e Mábio; por 02 anos de aprendizado, amizade e tolerância com
minhas infindáveis viagens para participar de torneios de debate.
Falando nisso, agradeço aos integrantes da União de Debates Competitivos
do Rio Grande do Norte (UDC-RN), sociedade de debates da qual tenho muito orgu-
lho de ser fundador. O convívio semanal com vocês nos debates-treino, toda quarta-
feira das 16h30min às 18h30min ao longo de 3 anos, me tornou uma pessoa mais
crítica e empática. Estendo esse agradecimento a todos os amigos e amigas do
mundo do debate competitivo, dentro e fora do Brasil.
Um agradecimento especial vai para todos os professores e professoras (e
também para servidores e servidoras) que fazem a UFRN. Falando especificamente
do meu curso, não raro ouvimos críticas contundentes sobre dificuldades estruturais
da graduação em direito (muitas vezes, eu mesmo as fiz). Mas isso não pode, de
maneira alguma, ofuscar o mérito de tantos(as) profissionais cujo conhecimento, de-
dicação e excelência continuam a me inspirar. Novamente, não nominarei para não
cometer injustiças.
Por fim, gostaria de agradecer a: Guilherme Pereira, pela enorme ajuda com a
formatação das (quase duzentas) notas de rodapé e das referências; Ravena Perei-
ra, pela correção minuciosa que abordou desde paralelismo sintático a evitar caco-
fonia; e Diego Pereira, Leonardo Cardoso, Micarla Lins e Isabella Carvalho pela lei-
tura prévia desta pesquisa e pelas valiosas sugestões materiais. Inclusive, também
agradeço previamente qualquer pessoa que encontrar um erro de digitação e me
notificar via e-mail (gbegossi@live.com).
Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e,
assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com
eles lutam.
Paulo Freire
RESUMO

Em 09 de junho de 2019, o veículo de comunicação The Intercept começou a


divulgar uma série de diálogos, obtidos por meio de uma fonte anônima, que
sugerem uma colaboração ilegal entre o então juiz Sergio Moro e Deltan Dallagnol,
procurador membro da força-tarefa da Operação Lava Jato. Essa divulgação, que
ficou conhecida como “Vaza Jato”, jogou nova luz à seguinte sequência de
acontecimentos: i) condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá por Moro,
com consequente inelegibilidade tempestiva do líder isolado nas pesquisas eleitorais
referentes à corrida presidencial de 2018; ii) eleição de Jair Messias Bolsonaro,
segundo colocado nas pesquisas, para a Presidência da República; e iii) nomeação
de Moro para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública por Bolsonaro.
Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa é responder à pergunta: foi o Poder
Judiciário utilizado para definir uma eleição em detrimento da soberania popular?
Para tanto, se propõe uma discussão jurídica em duas fases. A primeira, de caráter
jurídico-dogmático, consiste em investigar concretamente o conteúdo dos diálogos
revelados no intuito de identificar se houve ou não conduta irregular por parte de
Moro, tendo como parâmetro o direito fundamental processual ao juiz natural. A
conclusão foi a de que o risco de Moro ter tido a intenção prévia de julgar Lula e de
efetivamente aconselhar o Ministério Público em prejuízo da defesa é alto demais
para ser constitucionalmente tolerável, tendo Moro realizado uma intervenção estatal
injustificada no direito fundamental processual de Lula ao juiz natural e sendo o
processo nulo nos termos do art. 254, IV, c/c art. 564, I, ambos do CPP. A partir
dessa conclusão intermediária, passou-se à segunda fase da discussão, de caráter
predominantemente sociológico e político-científico. Essa fase consiste em analisar
a potencial instrumentalização política da máquina judiciária no caso Lula,
perscrutando-se o significado oculto disso para a democracia brasileira por meio dos
conceitos de lawfare, pós-democracia e pós-verdade. A conclusão geral foi a de que
a atuação judicial no caso Lula se amolda aos postulados do lawfare (timing político,
reorganização do aparato judicial, aplicação de duplos padrões à lei e atuação de
meios de comunicação massivos e concentrados), da pós-democracia
(desaparecimento dos limites ao exercício do poder, recurso retórico à suposta
excepcionalidade da situação e a termos genéricos como “combate à corrupção” e
“segurança pública”, messianismo, processo penal do espetáculo e construção
midiática do “bom juiz”) e da pós-verdade (primazia da emoção sobre a razão e os
fatos, duplo padrão à evidência, fatos alternativos, teorias da conspiração e
projeção). Assim, houve uma gravosa afronta à soberania popular consubstanciada
na retirada do candidato líder das pesquisas eleitorais da corrida presidencial
mediante uma atuação ilegal conjunta de atores jurídicos diversos (procuradores,
juízes, desembargadores etc.) em parceria com a grande mídia.

Palavras-chave: Luiz Inácio Lula da Silva. Sergio Moro. Lawfare. Pós-democracia.


Pós-verdade.
ABSTRACT

On June 9, 2019, the news outlet “The Intercept” began revealing a series of dia-
logues, obtained through an anonymous source, which suggest an illegal collabora-
tion between then Judge Sergio Moro and Deltan Dallagnol, prosecutor and member
of Operation Car Wash’s task force. This disclosure, which became known as “Vaza
Jato”, shed new light on the following sequence of events: i) former President Luiz
Inacio Lula da Silva’ condemnation for the crimes of corruption and money launder-
ing in the Guarujá triplex's case by Moro, with the consequent timely ineligibility of the
isolated leader in the election polls for the 2018 presidential race; ii) election of Jair
Messias Bolsonaro, second in the polls, to the Republic’s Presidency; and iii) Moro’s
nomination to take over the Ministry of Justice and Public Security by Bolsonaro. In
this context, this research’s objective is to answer the question: was the judiciary
used to define an election instead of popular sovereignty? To this end, a two-stage
legal discussion is proposed. The first, of a juridical-dogmatic nature, consists in con-
cretely investigating the content of the revealed dialogues in order to identify whether
or not Moro behaved irregularly, having as parameter the fundamental procedural
right to natural justice. The conclusion was that the risk of Moro having previously
intended to prosecute Lula and to effectively advise the prosecutors in detriment of
the defense is too high to be constitutionally tolerable, representing an unjustified
state intervention in Lula's fundamental procedural right to natural justice, the pro-
cess being null under the terms of art. 254, IV, and art. 564, I, both from the criminal
procedure code. From this intermediate conclusion, the research proceeded to the
second phase, of a predominantly sociological and political-scientific nature, consist-
ing in analyzing the potential political instrumentalization of the judiciary machine in
the Lula case, examining its hidden meaning for Brazilian democracy through the
concepts of lawfare, post-democracy and post-truth. The general conclusion was that
the judicial action in the Lula case fits in with the postulates of lawfare (political tim-
ing, reorganization of the judicial apparatus, application of double standards to the
law and mass and concentrated media), post-democracy (disappearance of limits to
the exercise of power, rhetorical recourse to the supposed exceptionality of the situa-
tion and to generic terms such as “fighting corruption” and “public security”, messian-
ism, spectacularization of the criminal trial and media construction of the “good
judge” figure) and post-truth (primacy of emotion over reason and facts, double
standard to evidence, alternative facts, conspiracy theories and projection). Thus,
there was a serious affront to the popular sovereignty embodied in the withdrawal of
the presidential race’s leading candidate through the illegal joint action of various le-
gal actors (prosecutors, judges, etc.) in partnership with the mainstream media.

Keywords: Luiz Inácio Lula da Silva. Sergio Moro. Lawfare. Post-democracy. Post-
truth.
LISTA DE SIGLAS

AP Ação Penal
BBC British Broadcasting Corporation
BSB Brasília
CBN Central Brasileira de Notícias
CCJ Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CELAG Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica
CEO Chief Executive Officer
CF Constituição Federal
CLS Critical Legal Studies
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CP Código Penal
CPC Código de Processo Civil
CPP Código de Processo Penal
EUA Estados Unidos da América
FHC Fernando Henrique Cardoso
FSP Folha de S.Paulo
HC Habeas Corpus
LJ Lava Jato
MBL Movimento Brasil Livre
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MP Ministério Público
MPF Ministério Público Federal
MPSP Ministério Público do Estado de São Paulo
NSA National Security Agency
OAS Olivieri, Araújo e Suarez
ONU Organização das Nações Unidas
PDT Partido Democrático Trabalhista
PF Policia Federal
PGR Procuradoria-Geral da República
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PSL Partido Social Liberal
PT Partido dos Trabalhadores
RE Recurso Extraordinário
REsp Recurso Especial
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TCF Tribunal Constitucional Federal
TRF-4 Tribunal Regional Federal da 4ª Região
TSE Tribunal Superior Eleitoral
UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
US United States
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 16
2 O DIREITO FUNDAMENTAL PROCESSUAL AO JUIZ NATURAL ............ 21
2.1. PRELIMINARMENTE: SOBRE A ESCOLHA DO PARÂMETRO
NORMATIVO............................................................................................................. 21
2.2. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA E BASE NORMATIVA ........................... 23
2.3. ÁREA DE PROTEÇÃO ................................................................................. 25
2.3.1. Competência ................................................................................................ 26
2.3.2. Independência e imparcialidade ................................................................... 29
2.4. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ÁREA DE PROTEÇÃO E SUA
JUSTIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL ........................................................................ 36
3 O FENÔMENO DA VAZA JATO E A SUPOSTA PARCIALIDADE DE
MORO NO CASO LULA ........................................................................................... 38
3.1. CONTEXTO FÁTICO E PROCESSUAL ....................................................... 38
3.2. PREMISSA: OS DIÁLOGOS SÃO VERDADEIROS? ................................... 39
3.2.1. Confirmação por diversos veículos de mídia ................................................ 40
3.2.2. Verossimilhança entre os diálogos e os atos processuais ............................ 42
3.2.3. Ausência de negativa veemente e confirmação implícita ............................. 44
3.2.4. Inexistência de prova contrária quando deveria haver ................................. 45
3.2.5. Refutação prévia: confissão forjada.............................................................. 46
3.2.6. Conclusão intermediária ............................................................................... 47
3.3. OS DIÁLOGOS REVELADOS PERMITEM CONCLUIR QUE MORO FOI
PARCIAL? ................................................................................................................. 48
3.3.1. Apreciação informal da denúncia ................................................................. 48
3.3.2. Definição conjunta de como lidar com a opinião pública .............................. 50
3.3.3. Indicação de testemunha e participação em fraude processual ................... 52
3.3.4. Sugestão de inversão de fases da Lava Jato e escolha da jurisdição .......... 54
3.3.5. Conclusão intermediária ............................................................................... 58
4 INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DO JUDICIÁRIO NO CASO LULA E
SEUS IMPACTOS NA DEMOCRACIA BRASILEIRA .............................................. 60
4.1. O JUIZ .......................................................................................................... 64
4.1.1. Pós-verdade na estratégia discursiva sobre a Vaza Jato ............................. 64
4.1.2. Levantamento ilegal de sigilo telefônico envolvendo Dilma .......................... 69
4.1.3. Despacho durante férias contra soltura de Lula ........................................... 74
4.1.4. Indignação com investigação de FHC .......................................................... 77
4.1.5. “Tabelinhas” processuais com o MP............................................................. 78
4.1.6. Condução coercitiva de Lula sem recusa prévia .......................................... 80
4.1.7. Divulgação da delação de Palocci 06 dias antes das eleições ..................... 82
4.2. O TRIBUNAL ................................................................................................ 84
4.2.1. Rejeição simplista de representação contra Moro ........................................ 85
4.2.2. Elogio público de seu presidente a Moro antes do julgamento da apelação 86
4.2.3. Velocidade de tramitação variável ................................................................ 88
4.3. O ÓRGÃO ACUSATÓRIO: COMPLÔ CONTRA ENTREVISTA DE LULA NA
PRISÃO ..................................................................................................................... 90
5 CONCLUSÃO............................................................................................... 93
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 97
16

1 INTRODUÇÃO

Vamos supor que uma pessoa tenha sido condenada por um crime que de fa-
to cometeu e pelo qual deveria responder, não sendo o caso, p. ex., de exclusão de
culpabilidade. Porém, há ampla evidência de que o juiz agiu de forma parcial durante
o processo (digamos, aconselhando o Ministério Público). A consequência jurídica
seria a nulidade do processo. Ponto.
Agora vamos supor que um juiz parcial tenha se utilizado da máquina judiciá-
ria para afastar da corrida eleitoral pela Presidência da República um candidato de
cuja ideologia política discordava e que, de acordo com as pesquisas eleitorais, lide-
rava isoladamente as intenções de voto. Suponhamos ainda que, como consequên-
cia direta desse afastamento, seja eleito um outro candidato — candidato esse que,
segundo as pesquisas, perderia tanto no primeiro como em um eventual segundo
turno para aquele candidato afastado. Para completar o caso hipotético, considere-
mos que o candidato eleito nomeie como ministro de seu governo o juiz que conde-
nou seu adversário político. O juiz aceita.
Por mais distópico que esse cenário possa parecer, existe uma real chance
de ter sido exatamente o que aconteceu no curso do processo que culminou na con-
denação, em julho de 2017, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes
de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá/SP. Lula termi-
nou seu mandato com 87% de taxa de aprovação1 e liderava as intenções de voto
na corrida eleitoral de 20182, seguido por Jair Messias Bolsonaro. A sentença foi
proferida por Sergio Fernando Moro, então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba e
atual ministro da Justiça e Segurança Pública do Governo Bolsonaro,
Essa hipótese ganhou força após o veículo de comunicação The Intercept di-
vulgar uma série de diálogos que ficou conhecida como “Vaza Jato”. Os diálogos
sugerem uma colaboração ilegal, por meio do aplicativo de mensagens privadas Te-
legram, entre Moro e Deltan Martinazzo Dallagnol, procurador do Ministério Público
Federal e membro da filial de Curitiba da força-tarefa da Operação Lava Jato — a
maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro da história brasileira.

1
Cf. Bonin em matéria do G1 (2010, documento online não paginado).
2
Cf. Sá Pessoa em matéria da Folha de S.Paulo (2018, documento online não paginado).
17

Como justificativa desta pesquisa, parte-se do pressuposto de que as maze-


las do Brasil podem ter suas origens reconstituídas em dois grandes problemas prin-
cipais, históricos e sistêmicos: a abismal desigualdade social e o déficit democrático.
Desde 2014, após a acirrada reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff, uma espiral
de instabilidade política colocou o Brasil nos holofotes mundiais por motivos pouco
animadores: uma presidente impeachmada, um presidente interino que promoveu
reformas com legitimidade questionável, um ex-presidente potencialmente vítima de
perseguição jurídica e um presidente eleito de extrema-direita que faz pouco caso do
jogo democrático. Tendo em vista a inelegibilidade de Lula por ação direta de Moro,
a consequente eleição de Bolsonaro e a nomeação de Moro como ministro da Justi-
ça e Segurança Pública do Governo Bolsonaro, é preciso parar de ignorar o elefante
na sala e procurar uma resposta à pergunta: foi o Poder Judiciário utilizado como
instrumento político-partidário em detrimento da soberania popular? A mera possibi-
lidade de isso ter ocorrido demanda que essa hipótese seja analisada com rigor ci-
entífico.
Nesse contexto, a presente pesquisa propõe uma discussão jurídica a ser tra-
vada em duas fases. A primeira, de caráter jurídico-dogmático, consiste em investi-
gar concretamente o conteúdo dos diálogos revelados pelo The Intercept no intuito
de identificar se houve ou não conduta irregular por parte de Moro. Esse será o obje-
to dos capítulos II e III. No capítulo II, será analisado o direito fundamental proces-
sual ao juiz natural, com especial enfoque na determinação de sua área de proteção.
Já no capítulo III serão analisados os principais diálogos revelados pelo The Inter-
cept e demais veículos de mídia parceiros (Folha de S.Paulo, Veja, El País) até a
data de finalização deste texto à luz das seguintes perguntas norteadoras: os diálo-
gos são verdadeiros? Sendo verdadeiros, os diálogos permitem concluir que Moro
foi parcial?
Já a segunda fase da discussão (capítulo IV), de caráter predominantemente
sociológico e político-científico, consiste em analisar a potencial instrumentalização
política da máquina judiciária no caso Lula, perscrutando-se o significado oculto dis-
so para a democracia brasileira. A hipótese desta pesquisa é a perspectiva de uma
perseguição jurídica contra o ex-presidente Lula (e o Partido dos Trabalhadores, de
maneira geral) mediante a malversação do sistema acusatório e do próprio Poder
Judiciário com a finalidade de retirá-lo da corrida presidencial de 2018. A utilização
do aparato jurídico como instrumento de perseguição política é conhecida como
18

“lawfare”. Outros conceitos aos quais recorreremos para explicar esse cenário são o
de pós-democracia, referente ao desaparecimento dos limites ao exercício do poder
que caracterizam o Estado Democrático de Direito, e o de pós-verdade, que remete
a “circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes em formar a opini-
ão pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal”3.
A opção metodológica por realizar essa análise bipartite (primeiro jurídico-
dogmática, depois sociológica e político-científica) se deu a partir da constatação da
falta de clareza epistemológica que hoje perpassa o debate público sobre o assunto.
Não raro, quando se argumenta que determinada atuação do Judiciário foi motivada
politicamente a ponto de representar uma quebra na separação de poderes, a res-
posta de muitos é que a lei ou a jurisprudência permitia (ou ao menos não vedava
expressamente) essa atuação, não havendo que se falar em parcialidade. Para evi-
tar esse intercâmbio discursivo entre direito e política que parece apagar as linhas
que os diferenciam, primeiro investigaremos se houve uma atuação ilegal para, só
então, estabelecida essa premissa, debater sobre uma eventual influência política.
Cabe fazer aqui algumas clarificações quanto ao nosso objeto de estudo. Esta
pesquisa não é sobre se Lula é culpado ou inocente. Tal juízo de culpabilidade exigi-
ria uma análise minuciosa das provas do processo — tarefa necessária, porém que
foge ao nosso escopo. Esta pesquisa é sobre se Lula teve ou não um julgamento
imparcial. Por isso mesmo, nós lidamos com o melhor cenário possível de quem de-
fende a flexibilização de garantias processuais em prol da “verdade real”: mesmo
que Lula fosse culpado (juízo de culpabilidade que preferimos não fazer por limita-
ções temporais), caso seu processo tenha sido conduzido por um juiz parcial, será
nulo.
Em que pese também caber uma análise da atuação do MPF em face de pa-
râmetros normativos como a impessoalidade, a moralidade e a transparência admi-
nistrativas, ou ainda em face do princípio do promotor natural, principalmente com
relação ao procurador Deltan Dallagnol4, a presente pesquisa foca, na parte jurídico-

3
Cf. Oxford Dictionaries (2016, documento online não paginado).
4
Dentre as mensagens divulgadas pelo The Intercept que envolvem Deltan Dallagnol, consta que,
entre outras coisas: a) Dallagnol e outros procuradores teriam investigado ministros do STF,
buscando informações bancárias deles e de suas cônjuges; e b) Dallagnol e outro procurador teriam
tirado proveito do prestígio adquirido na Lava Jato para lucrar com palestras, inclusive criando uma
empresa em nome das respectivas cônjuges: "Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos
valores altos de palestras para nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto
perderíamos em termos monetários". Cf. Moreira (2019, documento online não paginado).
19

dogmática, apenas nas supostas violações perpetradas pelo ex-juiz Moro. Tampou-
co é objeto desta pesquisa se debruçar sobre o caso Lula como um todo, avaliando
cada ato judicial e valorando cada prova. Optou-se, ao contrário, por partir da se-
guinte premissa: se for comprovada a parcialidade de Moro, o processo estará eiva-
do de nulidade mesmo que tenha havido cometimento de crime pelo acusado.
Quanto ao fato de a sentença condenatória de Moro ter sido confirmada em
segunda instância pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 24
de janeiro de 2018, embora essa seja uma parte importante do panorama geral, não
acreditamos que a opção metodológica por não abordá-la invalide a presente pes-
quisa (que se pauta nos diálogos revelados pelo The Intercept, cujo conteúdo não
implica, em princípio, a 8ª Turma do TRF-4). A uma, porque Moro continua sendo o
ator judiciário mais relevante no caso e sua parcialidade já implicaria em nulidade 5. A
duas, porque não se pode descartar a possibilidade de ter ocorrido parcialidade no
próprio segundo grau6, a qual abordaremos no último capítulo. Cite-se, por exemplo,
a rapidez com que a sentença de Moro foi confirmada pelo tribunal. O fato de o pri-
meiro e o segundo grau terem funcionado com uma agilidade nunca antes vista lan-
ça suspeitas legítimas de uma possível motivação política por trás, nomeadamente,
a de inviabilizar a candidatura de Lula.
Outra clarificação necessária é a de que, em princípio, as mesmas premissas
trabalhadas nesta pesquisa sobre o caso Lula poderiam servir para arguir a nulidade
de todos os processos da Lava Jato em que Moro atuou de forma determinante (ca-
paz de influenciar no resultado final). Então, por que se limitar ao caso Lula? Por

5
Não é raro se ouvir o seguinte argumento: “não há que se falar em nulidade porque se Lula tivesse
sido condenado tão somente por Moro ser parcial, sem nenhuma prova, a condenação não teria sido
confirmada pelo TRF-4 e STJ”. A nosso ver, contudo, essa visão não representa a leitura mais
adequada por subestimar a intensidade com que a atuação de um juiz parcial no primeiro grau pode
afetar o julgamento de instâncias superiores, p. ex. negando a produção de certas provas. Como
veremos mais adiante, o direito fundamental processual ao juiz natural não comporta intervenções
estatais, que restarão sempre injustificadas constitucionalmente. Assim, são irrelevantes, para fins de
nulidade do processo, que instâncias superiores confirmem um julgamento parcial, que não pode ter
seu vício “convalidado”.
6
Em um dos diálogos, não relativo ao processo de Lula, Dallagnol cita João Pedro Gebran Neto, um
dos membros do TRF-4 e relator no julgamento da apelação de Lula: “Falei com ele umas duas
vezes, em encontros fortuitos, e ele mostrou preocupação em relação à prova de autoria sobre
Assad…”. O julgamento em segundo grau nesse caso ainda não tinha ocorrido. Em que pese esse
diálogo não provar que o encontro ocorreu ou que se deu dessa forma, dado o contexto dos diálogos
revelados, é um cartão amarelo-alaranjado, senão vermelho. Afinal, se uma das partes tem a
informação privilegiada que o julgador acha fraca determinada parte de sua tese, tentará fortalecê-la,
colocando essa parte em vantagem em relação à outra; a decisão só pode ser comunicada nos
autos. Cf. Molica et al. em matéria da Veja (2019, documento online não paginado).
20

dois motivos: i) devido às já mencionadas limitações temporais, é adequado se res-


tringir ao máximo o recorte temático da pesquisa em prol de sua qualidade, sem
embargo da necessidade de pesquisas posteriores; e ii) porque o caso de Lula tem
um ponto que o distingue dos demais, a saber, a possibilidade de Lula, caso não
tivesse sido condenado (e condenado tempestivamente), ter sido eleito presidente
da República em 2018. Trata-se de uma consequência tão impactante (política, so-
cial e economicamente) que não é desarrazoado assumir que, nesse caso, há um
incentivo maior para que a suposta parcialidade que se busca averiguar se manifes-
te de forma mais patente (e talvez mais descuidada) e, por isso mesmo, mais facil-
mente identificável.
Por fim, é importante ter em mente que Moro também teve um direito funda-
mental violado: o sigilo de suas comunicações (art. 5°, XII, CF). Os supostos hackers
que teriam obtido acesso ao conteúdo de suas mensagens possivelmente comete-
ram o crime de invasão de dispositivo informático (art. 154-A, CP). Contudo, como a
CF resguarda o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional (art. 5°,
XIV), o veículo de comunicação The Intercept está salvaguardado pelo ordenamento
jurídico ao criar matérias a respeito do conteúdo dessas mensagens — por sua con-
ta e risco, visto que poderia ser considerado um veículo pouco confiável caso se
demonstrasse, posteriormente, a falsidade dessas mensagens. Além disso, mesmo
que as mensagens do The Intercept não possam ser utilizadas para instruir uma
eventual ação contra Moro ou Dallagnol (por força do art. 5°, LVI, CF 7), ainda podem
ser utilizadas em favor do(s) réu(s)8, tendo em vista ser essa uma das exceções à
regra da vedação à prova ilícita9.

7
“Art. 5° [...] LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”.
8
Entendimento que decorre do princípio da proporcionalidade, visto que o direito de defesa deve
preponderar no confronto com o direito de punir, cf. Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2007,
p.162). O STF tem manifestações nesse sentido, como no caso MAGRI (RE 212081/RO).
9
A jurisprudência da Suprema Corte norte-americana mitigou os rigores da teoria dos frutos da árvore
envenenada, admitindo uma série de cláusulas de exclusão da nulidade com vistas ao justo equilíbrio
entre a proteção aos direitos fundamentais e a eficiência da persecução criminal, cf. Joshua apud
Silva Júnior (2015, i. 9.1.6.2). Dentre essas regras de exclusão, pode-se citar: i) a fonte independente;
ii) o descobrimento inevitável; iii) a boa-fé (good faith); iv) a doutrina do purged taint ou dos vícios
sanados; v) a prova benéfica em prol do acusado; vi) o princípio da proporcionalidade ou balancing
test; vii) a destruição da mentira do imputado; viii) a teoria do risco; ix) a plain view doctrine e os
campos abertos; x) a renúncia do interessado; xi) a infração constitucional alheia; e xii) a infração
constitucional por pessoas que não fazem parte do órgão policial. Em detalhes, v. Hairbedián apud
Silva Júnior (2015, i. 9.1.6.2).
21

2 O DIREITO FUNDAMENTAL PROCESSUAL AO JUIZ NATURAL

2.1. Preliminarmente: sobre a escolha do parâmetro normativo

Toda análise de conformidade jurídica de um ato deve ser especialmente pre-


cisa em ao menos dois aspectos: objeto (ato a ser analisado) e parâmetro (dispositi-
vo legal aplicável àquele objeto). Faz-se necessário, portanto, justificar o porquê de
termos escolhido como parâmetro normativo, ao analisar a compatibilidade da con-
duta de Moro com o ordenamento jurídico brasileiro, o direito ao juiz natural em de-
trimento de outras possibilidades.
O objeto da análise é a postura de Moro no decorrer da ação penal n°
5046512-94.2016.4.04.7000/PR, em que Lula figura como réu ao lado de outros 06
nomes. A hipótese com a qual se trabalha é a de Moro ter agido com parcialidade
em favor do MP, tendo, segundo os diálogos revelados, supostamente indicado uma
testemunha, adiantado decisões e até atuado como estrategista da publicidade que
os procuradores deveriam realizar (mais sobre isso no capítulo III).
Na cultura jurídica estadunidense, o devido processo legal (due process of
law) seria o parâmetro mais adequado para endereçar esse problema. Já no sistema
inglês, a base da proteção processual é o conceito de justiça natural (natural justi-
ce)10, que congloba dois princípios fundamentais: o direito de ser ouvido e o direito a
um tribunal imparcial11. Embora com terminologias distintas e algumas diferenças
práticas (p. ex., o Parlamento britânico tem mais liberdade para limitar a justiça natu-
ral que o Congresso dos EUA para limitar o devido processo legal), em linhas gerais
a opção anglo-saxã foi pela não existência de um direito ao juiz natural como direito
separado, mas como corolário de outro direito. Nos EUA, é abarcado pela due pro-
cess clause; na Inglaterra, pelo segundo princípio da natural justice.
Contudo, tal não parece ter sido a opção da cultura romano-germânica. Na
Alemanha, houve uma construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de se en-
tender o direito ao juiz natural como autônomo em relação ao devido processo legal,
visão que influenciou o modo como esse direito é tratado no Brasil. Também o devi-

10
Apesar do nome, não se trata de um conceito geral de direito natural. Nada obstante, a justiça
natural guarda raízes históricas que remontam à justificação divina da proteção processual, cf.
Shauer (1976, p. 48-50). Mais sobre isso no tópico sobre a área de proteção.
11
Cf. Shauer (1976, p. 48).
22

do processo legal, entre nós, recebe tratamento distinto: trata-se de um direito fun-
damental processual12 cujo conteúdo não se retira da CF, mas é ditado pelo legisla-
dor ordinário (daí a nomenclatura devido processo “legal”), respeitadas outras garan-
tias da CF (ex.: o legislador não pode deixar de prever o direito à ampla defesa, por
força do art. 5°, LV) — precisamente aquelas garantias que a cultura anglo-saxã
considera como parte de sua área de proteção.
Em outras palavras, entre nós, o problema da imparcialidade é mais bem
abordado tendo como parâmetro o direito ao juiz natural porque a esse direito foi
concedido um status autônomo; e, em sendo assim, a melhor técnica sugere esse
parâmetro porquanto mais específico. De qualquer forma, para a proposta desta
pesquisa, essa discussão teórica tem pouco impacto substancial na análise: esta-
mos tratando da hipótese de um juiz parcial, o que é vedado por qualquer ordena-
mento jurídico independentemente da classificação dogmática do direito. Não por
outro motivo, fomos buscar na experiência norte-americana e inglesa critérios norte-
adores para auxiliar na determinação do estado da arte em relação à avaliação da
parcialidade de dado juiz.
Ao lado do devido processo legal, a ampla defesa também figura como um
candidato em potencial a servir de parâmetro normativo. É certo que, caso tenha
havido parcialidade, muito provavelmente terá havido também cerceamento de defe-
sa (poderia-se até afirmar que com certeza haveria, dada a fundamentalidade de
uma garantia como a de um juiz imparcial). Contudo, também é certo que um juiz
imparcial também pode incorrer em cerceamento de defesa. Como o cerne da viola-
ção vem da parcialidade, deixamos de lado, portanto, o direito à ampla defesa como
parâmetro.
Por fim, resta analisar o princípio acusatório, explícito na CF em seu art. 129,
I, e apontado como um dos princípios fundamentais a nortear o processo penal bra-
sileiro13. Uma análise da doutrina especializada14 revela que o sistema acusatório
configura-se muito mais na congregação de vários direitos (como presunção de não

12
Cf. Martins (2019, p. 176). Mais sobre essa classificação doutrinária, a mesma do direito ao juiz
natural, no tópico a seguir.
13
Ao lado do devido processo legal, da presunção de não culpabilidade, intimidade, ampla defesa e
liberdade, cf. Silva Júnior (2015, i. 9).
14
Cf. Fortuna et al. apud Silva Júnior (2015, i. 9.3).
23

culpabilidade, contraditório e publicidade15) do que em um direito em si, sendo um


desses direitos, precisamente, a necessidade de um juiz imparcial em relação à lide.
Como essa imparcialidade faz parte da área de proteção do direito ao juiz natural,
consideramos justificada a escolha desse parâmetro.

2.2. Classificação doutrinária e base normativa

A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, assim como a li-


teratura especializada alemã, classifica o direito ao juiz natural como um “direito fun-
damental processual”. Por um lado, é um direito fundamental porque, material e for-
malmente, outorga uma posição jurídico-subjetiva. Por outro lado, é processual por-
que, tal como ocorre com o acesso à justiça e a ampla defesa, sua área de proteção
é marcada por normas, e não por comportamentos16. Essa é a classificação adotada
pela presente pesquisa.
O direito ao juiz natural está explicitado no art. 5º, LIII17, CF. Em que pese o
inciso, à primeira vista, tratar apenas do aspecto da competência orgânico-funcional,
pode-se argumentar que a exigência de um juízo independente e imparcial, que
compõe a área de proteção desse direito (como veremos adiante), emana implicita-
mente desse dispositivo. Também se poderia dizer que essa exigência implícita de-
riva do art. 5°, LIV18 (devido processo legal), LV19 (ampla defesa), ou até mesmo do
art. 1°, caput20 (Estado de Direito). No processo penal, essa equidistância é também

15
O sistema acusatório tem como principais características: i) órgão acusador distinto do julgador,
garantindo a imparcialidade do juiz; ii) paridade de armas entre o Ministério Público e a defesa; iii)
produção das provas pelas partes; iv) observância do princípio da presunção de inocência (não
culpabilidade); v) limitação da prisão processual; vi) contraditório entre as partes; vii) oralidade; e viii)
publicidade; cf. Fortuna et al. apud Silva Júnior (2015, i. 9.3.).
16
Cf. Martins (2019, p. 176).
17
“Art. 5º [...] LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;”.
18
“Art. 5º [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”.
19
“Art. 5º [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.
20
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”.
24

garantida pelo sistema acusatório (art. 129, I, CF 21), assente na separação das figu-
ras de acusador e julgador, em contraposição ao já superado22 sistema inquisitório.
No fundo, dificilmente alguém argumentaria que a garantia de ser julgado por
um juiz independente e imparcial não tem índole constitucional, mesmo que implícita
e por meio de uma interpretação sistemática de todos os dispositivos citados. A CF
tampouco fala em proporcionalidade; não obstante, uma intervenção estatal na área
de proteção de um direito fundamental que não resista ao teste de proporcionalidade
será inconstitucional23.
No plano infraconstitucional, o direito ao juiz natural, no que tange à indepen-
dência e à imparcialidade, é encontrado no art. 8° do Decreto n° 678, de 6 de no-
vembro de 199224, e, com redação praticamente idêntica, no art. 14 do Decreto n°
592, de 6 de julho de 1992. Tais decretos internalizaram (conferindo cogência de
direito interno25), respectivamente, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos. Também está presente na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 35, I
26
), embora de maneira incipiente.

21
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação
penal pública, na forma da lei.”.
22
Apesar de o sistema acusatório ter sido superado formalmente, o processo penal brasileiro ainda
guarda resquícios inquisitoriais, tanto na cultura jurídica quanto na própria lei. Cite-se, por exemplo, o
art. 28 do Código de Processo Penal, que prevê a ingerência do juiz na decisão sobre se é o caso de
arquivamento do inquérito policial ao invés de apresentação de denúncia, podendo “discordar” das
razões invocadas pelo próprio titular da ação penal, o Ministério Público. Saliente-se que esse e
outros dispositivos do CPP, que é da década de 40 e foi outorgado, devem ser interpretados à luz da
nova ordem constitucional, cf. Silva Júnior (2015, i. 9.3.1.).
23
Cf. Martins e Dimoulis (2014, p. 188).
24
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos
ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”.
25
Atualmente, o Brasil adota um sistema dualista: para se equiparar ao direito interno, o tratado
assinado deve passar pelo Congresso Nacional e, após, pelo presidente para ratificação (arts. 49, I, e
84, VIII, ambos da CF). Contudo, parte da doutrina internacionalista defende que, mesmo assim, o
Judiciário deveria ter uma perspectiva monista, “onde normas internas e internacionais convivem
numa única esfera, fazendo parte de uma única ciência, a jurídica, mas cujas segundas gozam de
primazia sobre as primeiras”, bastando a assinatura do tratado para que seu cumprimento seja
exigível internamente. Sobre isso: Bichara (2015, p. 6). Em que pese o mérito dessa discussão
teórica (com inegáveis implicações práticas), ela não impacta na presente pesquisa por terem os
tratados citados sido devidamente ratificados.
26
“Art. 35 - São deveres do magistrado: [...] I - Cumprir e fazer cumprir, com independência,
serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;”.
25

Conferindo maior densidade normativa ao direito a um juiz independente e


imparcial, pode-se citar as regras de impedimento e suspeição (arts. 144 e 145 do
Código de Processo Civil e arts. 242 e 254 do CPP). Com especial importância para
nós, prevê o art. 254, IV, do CPP que é suspeito o juiz que “tiver aconselhado qual-
quer das partes”.
Por fim, duas outras fontes adquirem proeminência quando se fala de inde-
pendência e imparcialidade dos magistrados: O Código de Ética da Magistratura Na-
cional27 e os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, que visam a estabelecer
padrões internacionais para a conduta ética dos juízes. Contudo, em que pese abor-
darem esses temas com admirável profundidade, o primeiro só é invocável adminis-
trativamente e o segundo é um documento fruto do esforço do Judicial Integrity
Group (mais sobre esse grupo no tópico a seguir) e que, embora comentado pela
ONU28 e traduzido pela Justiça Federal brasileira29, não se reveste formalmente co-
mo uma lei e, portanto, não possui cogência. Assim, ambos são fontes mais úteis na
determinação da área de proteção do que propriamente na composição do regime
jurídico do direito ao juiz natural.

2.3. Área de proteção

Sendo o juiz natural um direito de cunho normativo 30, a lei configuradora da


área de proteção deve salvaguardar dois elementos essenciais do órgão judicante: i)
a competência; e ii) a independência e imparcialidade31. Ambos os elementos ser-

27
Cf. Conselho Nacional de Justiça (2008).
28
Cf. UNODC (2007).
29
Cf. Conselho da Justiça Federal (2008).
30
Cf. Martins (2019, p. 208).
31
Seria possível também incluir, como manifestação do direito ao juiz natural, a vedação a tribunais
de exceção (art. 5º, XXXVII, CF), visto que não se exige qualquer competência, mas especialmente
uma competência prévia. Assim como ocorre com a anterioridade penal, a competência deve ser
anterior justamente pelo risco de perseguição que advém com a possibilidade de tribunais ad hoc.
Contudo, optou-se por não se analisar, ao menos dogmaticamente, a vedação a tribunais de exceção
por se tratar de uma situação muito específica (jurisdição formada após o fato a ser julgado por essa
mesma jurisdição), de modo que aprofundar essa linha de análise se mostraria pouco profícuo para
os fins desta pesquisa. Sem embargo, no capítulo IV veremos que o recurso retórico à suposta
excepcionalidade da situação no intuito de afastar direitos fundamentais poderia ser considerado um
tribunal de exceção informal.
26

vem, como será visto, ao fim último de garantir a confiabilidade nas decisões do Es-
tado-Juiz.

2.3.1. Competência

Autoridade competente para processar e julgar é aquela à qual a lei atribuiu


essa competência. A existência de um sistema de competências legalmente deter-
minado permite saber, com o maior grau de exatidão possível e mediante critérios
previamente conhecidos, quem será a autoridade responsável por determinado jul-
gamento32. Isso é importante porque, sem essa previsão legal de competências,
abre-se margem para juízes escolherem as causas que querem julgar, assim como
uma parte escolher o juiz pelo qual quer ser julgada. Portanto, a divisão de compe-
tências, para além de uma necessidade organizacional, tem precisamente essa fun-
ção de evitar subjetivismos na determinação do julgador, garantindo a independên-
cia e a imparcialidade do órgão judicante (embora não se baste para esse fim, como
será analisado no próximo tópico). Ou seja, a causa deve chegar ao juiz de modo
“cego”33.
A origem histórica34 dessa limitação à atividade judicante pode ser atribuída à
Magna Carta de 1215, cuja ainda válida cláusula 39 prevê “the lawful judgment of his
equals or by the law of the land”35 como requisito para atingir os direitos de qualquer
pessoa. Tal noção foi aprofundada na construção histórica do Estado moderno, co-
mo indica a previsão do art. 17 da Lei Francesa de 24/08/1790 de que “a ordem
constitucional das jurisdições não pode ser perturbada, nem os jurisdicionados sub-
traídos de seus juízes naturais [...]”.
No século XVII, os tribunais ingleses frequentemente se baseavam no direito
natural para justificar decisões quando nenhum estatuto ou precedente se mostrava

32
Cf. Martins (2019, p. 221).
33
Cf. Martins (2019, p. 221).
34
Muito embora ser mais antiga a existência do arquétipo do juiz, assente na figura de um terceiro
justo e imparcial que resolve uma disputa entre duas ou mais partes com base em critérios que não
se confundem com seu interesse pessoal (pense-se, por exemplo, nas referências bíblicas aos
julgamentos proferidos pelo Rei Salomão).
35
“No free man shall be seized or imprisoned, or stripped of his rights or possessions, or outlawed or
exiled, or deprived of his standing in any way, nor will we proceed with force against him, or send
others to do so, except by the lawful judgment of his equals or by the law of the land.” Cf. British
Library (2014, documento online não paginado).
27

aplicável. No caso do Dr. Bonham, o princípio de que nenhum homem pode julgar
sua própria causa é expresso como um princípio do "direito e razão comuns" que
vincula até mesmo o Parlamento (isso é algo bastante forte para os ingleses). O
princípio aparece ainda mais claramente em City of London v. Wood e em Day v.
Savadge, no qual é caracterizado como uma força imutável. Ou seja: o princípio do
juiz natural, mais que advir de uma lei positiva, era considerado tão fundamental a
ponto de ser uma lei de Deus e da natureza36. Daí se chamar justiça natural.
Percebe-se, pois, que o surgimento de um sistema prévio de competências
está umbilicalmente ligado à ascensão histórica do próprio Estado de Direito (rule of
law, Rechtsstaat) como forma de proteger o indivíduo de eventuais arbitrariedades
estatais. Isso é especialmente importante considerando que o Estado monopolizou
historicamente o uso legítimo da força37. Não por outro motivo, os direitos fundamen-
tais são considerados direitos de “resistência” à intervenção estatal 38, que sempre
deve ser justificada constitucionalmente.
A ligação entre competência e Estado de Direito perpassa pela ideia de sepa-
ração de poderes. Segundo Lord Acton39, barão e historiador britânico do século
XIX, "[p]ower tends to corrupt and absolute power corrupts absolutely" e “[e]verybody
likes to get as much power as circumstances allow, and nobody will vote for a self-
denying ordinance”. Já para Montesquieu40, a experiência constante mostra que toda
pessoa investida no poder está apta a abusar dele e a exercer sua autoridade até
ser confrontada com limites. É com base nessas ideias que as democracias liberais
ocidentais, confrontadas com esse problema da própria natureza do poder, convergi-
ram para a solução da separação de poderes.
Caso os poderes Legislativo e Executivo estivessem concentrados em uma
única pessoa ou órgão, a liberdade estaria comprometida na medida em que o
mesmo monarca ou senado poderia aprovar e executar leis tirânicas. Analogamente,
se o Judiciário não fosse separado dos demais poderes, eventuais violações a direi-
tos não seriam combatidas, dado que seriam julgadas pelos próprios violadores.

36
Cf. Shauer (1976, p. 50).
37
Não é nosso objetivo fazer um escorço histórico completo sobre o surgimento e consolidação do
Estado de Direito.
38
Cf. Schlink (2017, p. 4).
39
Cf. Acton Institute (2019).
40
Cf. Montesquieu (2005).
28

Nesse contexto, ao instituir um mecanismo de freios e contrapesos exercido por ca-


da poder em relação aos demais, a separação de poderes surge como uma saída
racional para os problemas apontados por Acton e Montesquieu.
E qual a relação disso com o nosso objeto de estudo? Os integrantes dos po-
deres Legislativo e Executivo são eleitos democraticamente, sendo pressuposta sua
parcialidade, entendida como predisposição ideológica por determinado curso de
ação em um contexto de recursos finitos a serem administrados. Esse é o campo da
política. No entanto, há um terceiro poder pensado não para ser parcial, mas, ao
contrário, para ser isento (na medida do humanamente possível) de predileções
pessoais: o Judiciário. Seu compromisso não é com um projeto político 41, mas com a
correta aplicação das leis — dentre as quais a Constituição tem primazia — criadas
por aqueles que detêm legitimidade democrática para tanto. Daí os juízes não se-
rem, em regra, eleitos42.
O perigo de se ter um poder Judiciário parcial advém de este não exercer sua
função precípua de proteger os direitos fundamentais, especialmente quando o faz
de modo contramajoritário. Ou seja, se a maioria da população for a favor de deter-
minada violação a direito fundamental (e demonstrar isso elegendo um juiz que os-
tente essa plataforma), se poderia passar por cima de minorias que discordassem.
Esse risco se torna ainda mais concreto levando-se em conta o atual contexto políti-
co de ascensão do populismo na América Latina e no mundo. Garantias processuais
como a imparcialidade do Judiciário mitigam esse risco, e um sistema de competên-
cias que elimine subjetivismos é uma das formas de assegurar essa imparcialidade.
A necessidade de se obedecer à risca o sistema de competências instituído
fica clara no caso Gesetzlicher Richter43, referente a uma Reclamação Constitucio-
nal contra Decisão Judicial submetida ao TCF alemão. O caso se refere a uma audi-

41
Em sentido contrário, a doutrina do Critical Legal Studies Movement denuncia o caráter ideológico
dissimulado do pensamento jurídico liberal, oculto sob a pretensão de ser apolítico e inadmitir
qualquer conteúdo ideológico. Os crits defendem, assim, que as decisões judiciais não são
politicamente neutras, mas uma verdadeira versão estilizada do discurso político (Law is politics). Em
detalhe: Gaudêncio (texto policopiado, p. 3-4). Em que pese não ser a proposta desta pesquisa
adentrar nesse debate jusfilosófico, por clareza epistemológica, achamos oportuno explicitar que
discordamos da premissa do CLS, que pode ser classificada como uma espécie de funcionalismo
jurídico que esvazia o direito de qualquer autonomia, formal e material, em relação à política. Em
detalhe: Castanheira Neves (1998, p. 26-27). Direito e política não se confundem (ou não deveriam
se confundir).
42
Os EUA fogem a essa regra, com quase 90% dos juízes eleitos, cf. Briffault (2004, p. 1).
43
Cf. Martins (2019. p. 211).
29

ência fixada por juiz incompetente em razão da matéria e na qual restou condenado
criminalmente o reclamante. O TCF admitiu a Reclamação Constitucional e julgou-a
procedente por violação ao juiz natural, tendo em vista não se poder excluir a possi-
bilidade de o órgão julgador ter outra composição caso a fixação da data da audiên-
cia não fosse feita pelo juiz incompetente.
A decisão do TCF foi acertada. A garantia do juiz natural tem justamente o fito
de evitar o perigo de a Justiça ser exposta a (e manipulada por) influências externas.
A mera possibilidade de isso acontecer, nascida da não observância estrita das
competências legais e com capacidade de influenciar na decisão, justifica sua nuli-
dade. Diz-se “com capacidade de influenciar” porque, caso a composição do órgão
julgador tivesse sido obrigatoriamente a mesma, não haveria que se falar em nulida-
de — não obstante, o ônus de demonstrar a ausência de nulidade, mesmo com o
descumprimento de uma norma legal, é do órgão acusador, não da defesa44.

2.3.2. Independência e imparcialidade

44
De acordo com o art. 563 do CPP, para que um ato seja declarado nulo, faz-se necessária a
demonstração de que esse ato gerou efetivo prejuízo para uma das partes. Trata-se da clássica
doutrina do “pas de nullité sans grief”, que surgiu para evitar um excesso de formalismo. Nessa linha,
a posição dos tribunais superiores é a de que incumbe à defesa, no processo penal, apontar o
prejuízo específico que sofreu em virtude de determinada irregularidade. Pouco importa se tratar de
uma nulidade relativa ou absoluta — divisão que inclusive perdeu sentido com essa postura
jurisprudencial, visto que em ambos os casos a demonstração do prejuízo é necessária. Sobre isso:
Silva Júnior (2015, i. 9.5.2.3.2). Contudo, segundo esses mesmos tribunais, a demonstração do
prejuízo se resume a provar que aquele ato influenciou na decisão da causa. Basicamente, uma
prova diabólica. Conforme trabalhado em detalhes por Souza (2016, p. 58 s.), como nem tudo que
influenciou na decisão da causa está explícito na fundamentação da decisão, como provar algo que
tem a ver com o próprio inconsciente do magistrado? O problema é que isso leva ao fenômeno da
“relativização das nulidades”, assente numa lógica de instrumentalidade utilitarista incompatível com
o processo penal, em que devem vigorar limitações ao dever-poder de punir do Estado. É bem
verdade que não se pode regredir a um fetichismo da forma, em que qualquer tipo de irregularidade,
por menor e mais insignificante que seja, leva à nulidade. Por outro lado, é preciso reconhecer que o
atual tratamento jurisprudencial das nulidades no processo penal brasileiro abre margem para
arbitrariedades, sendo necessário um realinhamento constitucional do princípio do prejuízo a partir da
revalorização do procedimento. A forma, isto é, o rito previsto em lei, é antes de tudo uma forma de
proteção do acusado contra arbitrariedades estatais. Logo, o descumprimento, pelo próprio Estado,
de uma lei (que é uma garantia do acusado em face desse mesmo Estado), por si só, já é
presumidamente prejudicial. O modelo de processo previsto pelo legislador não é um mero conselho,
tampouco está à disposição do magistrado para escolher o que seguir e o que não seguir, qual
transgressão à lei leva à nulidade e qual não leva. Assim, ainda com Souza (2016, p. 58 s.),
acreditamos que são necessárias duas mudanças fundamentais. Em primeiro lugar, o prejuízo não
deve ser visto como elemento necessário para declaração da nulidade, mas como “elemento cuja
ausência indica a inexistência de nulidade”. Isso porque se deve presumir o que ordinariamente
acontece. Em sendo a norma penal uma garantia do acusado, sua violação, em regra, deve acarretar
nulidade — a presunção deve ser de prejuízo. Em segundo lugar, não é o acusado que deverá provar
que houve prejuízo. Pelo contrário, é ônus do MP caracterizar a ausência de prejuízo, atraindo a
necessidade de fundamentação do Estado-Juiz, que deve zelar pela legalidade, sobre se realmente o
prejuízo inexistiu.
30

Aqui, chegamos a dois conceitos-chave para a presente pesquisa. A garantia


do juiz natural não se resume à exigência de regras de competências bem definidas.
Isso porque existe a possibilidade de tais regras serem seguidas formalmente mas
seu cumprimento deixar a desejar do ponto de vista material. A razão de ser da de-
limitação de competências é assegurar a independência e imparcialidade do órgão
judicante. Daí a necessidade de a lei configuradora da área de proteção do direito ao
juiz natural assegurar, além da já abordada competência, também esses quesitos45.
Enquanto a ideia de independência está ligada a evitar que influências exter-
nas prejudiquem a boa aplicação do direito, a imparcialidade refere-se à equidistân-
cia do juiz em relação às partes. E por que o juiz deve ser imparcial? Se fizermos o
exercício mental do “véu da ignorância” rawlsiano46, a resposta vem intuitivamente:
talvez eu até deseje que meus opositores sejam prejudicados (p. ex., sendo conde-
nados por um juiz parcial), mas e se eu for o próximo na cadeira do réu? Haveria
coerência em admitir a relativização das garantias processuais de alguns e não de
outros?
Se a finalidade do direito é permitir a vida em sociedade, apaziguando os con-
flitos sociais47 e maximizando a liberdade dos indivíduos — que têm de abrir mão de

45
Cf. Martins (2019, p. 208).
46
Na tentativa de descobrir quais seriam as regras mais justas possíveis para vigorar em uma
sociedade, John Rawls (1997, p. 146 ss.) elaborou a noção de “posição original”, uma situação inicial
em que pessoas racionais, em condição de igualdade, e visando promover seus interesses sem,
todavia, terem conhecimento do seu projeto racional de vida, aceitariam os princípios universais de
justiça como a melhor maneira de assegurar seus objetivos. Como indivíduos que conhecem suas
circunstâncias tendem a ser enviesados por suas preferências e experiências, na posição original as
pessoas estariam cobertas por um “véu da ignorância” que os impede de saber informações
arbitrárias como: classe social; talentos naturais, habilidades, inteligência e força; concepção de bem
etc. O que elas sabem são os fatos genéricos da sociedade, como relações políticas, princípios da
teoria econômica, base da organização social e psicologia humana. Assim, o véu da ignorância
possibilitaria, na visão de Rawls, a escolha unânime de uma concepção de justiça para reger a vida
em sociedade, numa genuína conciliação de interesses. Rawls sofreu duras críticas, tendo sido
acusado de descrever, na posição original, o norte-americano liberal típico, visto que o próprio Rawls
estava condicionado às suas experiências e que ninguém existe “no vácuo”. Levando essa crítica a
sério, Rawls (2000) reformulou sua teoria por meio da noção de “consenso sobreposto”. Segundo
essa ideia, pessoas concretas, mediante um exercício reflexivo, perceberiam que doutrinas
abrangentes e razoáveis ainda assim seriam as mais adequadas para uma concepção política de
justiça.
47
De acordo com a definição de “direito” no Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino
(1998, p. 349): “Essas normas têm como escopo mínimo o impedimento de ações que possam levar
à destruição da sociedade, a solução dos conflitos que a ameaçam e que tornariam impossível a
própria sobrevivência do grupo se não fossem resolvidos, tendo também como objetivo a consecução
e a manutenção da ordem e da paz social”.
31

apenas uma pequena parcela dela de modo voluntário e soberano, em oposição a


viver em um estado de natureza, marcado pela barbárie e pela lei do mais forte 48 —,
não se estaria atingido esse fim caso os jurisdicionados não confiassem na institui-
ção responsável por dizer o direito. Seja temendo sua malversação por motivações
extrajurídicas (ferindo sua independência), seja acreditando que um dos lados foi
favorecido pelo juiz (violando sua imparcialidade).
Essa imparcialidade (formal e material) nem sempre foi a regra. Há não muito
tempo, o paradigma vigente era o de um processo inquisitório e pouco transparente.
São recentes as reformas gerais das legislações processuais na América Latina em
prol do modelo acusatório de processo. A imparcialidade do órgão julgador figura
como uma das garantias desse novo paradigma: o juiz não deve auxiliar o Ministério
Público — que ostenta qualidade de parte — no exercício do jus persequendi49.
Para começarmos a compreender o exato conteúdo abarcado pela imparciali-
dade e independência do órgão judicante, é útil a referência aos já mencionados
Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, elaborados pelo Judicial Group on
Strengthening Judicial Integrity50 (ou simplesmente Judicial Integrity Group). Em li-
nhas gerais, trata-se de uma declaração51 produzida por magistrados de diversos
países estabelecendo princípios de conduta judicial com pretensão de serem univer-
salmente aceitáveis. São eles: i) independência; ii) imparcialidade; iii) integridade; iv)
idoneidade; v) igualdade; e vi) competência e diligência.
Com relação à independência judicial, esta é considerada, na declaração,
como “um pré-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um jul-
gamento justo”. Com maior importância para a hipótese desta pesquisa, segundo
esse princípio, um juiz deve ser “independente com relação à sociedade em geral e
com relação às partes na disputa que terá de julgar”, assim como isento de “influên-

48
Noção contratualista que vem desde Hobbes (2003).
49
Cf. Ambos e Choukr apud Silva Júnior (2015, i. 1.4.5.1).
50
Trata-se de entidade independente, autônoma, sem fins lucrativos e voluntária, de propriedade de e
dirigida por seus membros, todos os quais são ou foram ministros da justiça ou juízes em seus
respectivos países ou em nível regional ou internacional, tendo por objetivo principal aprofundar e
ampliar a qualidade da administração da justiça. Seu surgimento se deu pela evidência de que, em
muitos países, as pessoas estavam perdendo a confiança no Judiciário, considerado corrupto ou
parcial em algumas circunstâncias. Cf. Judicial Integrity Group (documento online não datado, p. 1-2).
51
A versão final do documento, inicialmente esboçado em 2001, em Bangalore (Índia), foi
oficialmente aprovada em 2002, em Haia (Holanda).
32

cia dos ramos executivo e legislativo do governo”. Não só isso, além de ser isento de
influências, “deve também parecer livre delas, para um observador sensato”52.
Já no que se refere à imparcialidade, a declaração estabelece que o juiz deve
assegurar que sua própria conduta, dentro e fora dos tribunais, “mantém e intensifica
a confiança do público, dos profissionais legais e dos litigantes na imparcialidade do
Judiciário”. E adiciona: um juiz deve se considerar suspeito ou impedido de participar
não só nos casos em que entenda não ser habilitado a decidir o problema imparci-
almente, mas também “naqueles em que pode parecer a um observador sensato
como não-habilitado a decidir imparcialmente”. A noção de confiança é retomada ao
se abordar o princípio da integridade: “[a] justiça não deve meramente ser feita, mas
deve ser vista como tendo sido feita”53.
Com maior utilidade no capítulo IV desta pesquisa, em que se investigará
uma potencial motivação política (e ilegal) por trás da suposta parcialidade de Moro,
o princípio da idoneidade prevê que qualquer informação confidencial que chegue ao
juiz no exercício de sua função “não deve ser usada ou revelada pelo juiz para qual-
quer propósito não relacionado com os deveres do juiz”. Tampouco pode aceitar fa-
vores “com relação a qualquer coisa feita, a ser feita, ou omitida de ter sido feita pelo
juiz em conexão com o desempenho dos deveres judiciais”. Por fim, é permitido que
o juiz sirva como membro em corpo oficial, comissão governamental, comitê ou cor-
po consultivo, mas apenas “se essa participação não é inconsistente com a percep-
ção de imparcialidade e neutralidade54 política de um juiz”55.
Assim, deve ser assegurada a confiança das partes litigantes e da opinião
pública na racionalidade dos tribunais. Essa confiança restaria prejudicada caso o
cidadão acreditasse estar diante de um juiz engajado em razão de seu caso e sua
pessoa56. Como será visto nos capítulos III e IV, no caso Lula há uma potencial trí-
plice violação: i) ao sistema de competências (juiz escolher réu); ii) à imparcialidade

52
Cf. Conselho da Justiça Federal (2008, p. 45-64).
53
Cf. Conselho da Justiça Federal (2008, p. 65-92).
54
Por opção epistemológica, iremos nos eximir de utilizar o termo “neutralidade”, preferindo os termos
“imparcialidade” e “equidistância”. Isso porque trabalhar com a ideia de alguém “neutro” poderia dar a
impressão de que um juiz não possui quaisquer vieses decorrentes de sua experiência de vida e
visão de mundo. Nós discordamos dessa premissa, que tem o condão de potencialmente invisibilizar
as discussões sobre esses mesmos vieses.
55
Cf. Conselho da Justiça Federal (2008, p. 93-122).
56
Cf. Martins (2019, p. 219).
33

(juiz ajudar uma das partes); e iii) à independência (juiz receber um prêmio político
— nomeação para ministro — por sua atuação parcial).
Difícil é a tarefa, contudo, de avaliar se determinado juiz agiu de forma parci-
al. Como escapar da inevitável falibilidade de se perscrutar o animus subjetivo do
magistrado? Como evitar subjetivismo na própria análise do subjetivismo? Tenha-se
em mente que o que está em jogo é a própria legitimidade das decisões judiciais, de
modo que declarar a nulidade de um julgamento com base na parcialidade de um
magistrado, se feito de modo temerário, pode ter um nefasto efeito cascata de levar
os jurisdicionados a duvidar que suas decisões foram realmente imparciais, gerando
uma grave instabilidade social, política e econômica.
Dito isso, a experiência do direito anglo-saxão pode ser útil ao nos fornecer
alguns parâmetros norteadores. O precedente mais recente na jurisprudência da
Suprema Corte norte-americana é o Hugh M. Caperton et al. v. A.T. Massey Coal
Company, Inc., et al. Nesse leading case, o empresário Hugh M. Caperton, proprie-
tário da Harman Mine, buscou indenização em face de A.T. A Massey Coal Com-
pany, uma produtora de carvão concorrente, por esta ter se utilizado de manobras
ilegais para forçar a Harman Mine à falência57.
Em 2002, o júri proferiu um veredicto de US $ 50 milhões em favor de Caper-
ton. Antes de Massey recorrer à Suprema Corte de Apelações da Virgínia Ocidental,
foram realizadas eleições judiciais, em 2004. O CEO da Massey, Don Blankenship,
apoiou o advogado local Brent Benjamin na disputa com o juiz McGraw. A quantia
total58 doada por Blankenship à campanha de Benjamin excedeu as de todos os
demais doadores combinadas. Benjamin venceu a eleição.
A recém-constituída Suprema Corte de Apelações ouviu o apelo de Massey.
Em uma decisão por 3-2, o juiz Benjamin votou com a maioria para anular o veredic-
to do júri. Caperton moveu uma moção para desqualificar o juiz Benjamin devido às
doações de Blankenship à sua campanha (bem como outro juiz, por razões separa-
das). Massey respondeu com uma moção para desqualificar o juiz Starcher, que ha-

57
Para mais detalhes, v. os comentários na Harvard Law Review (2009-2010, p. 73 s.).
58
Conforme restou registrado na decisão colegiada, Blankenship doou US $ 1000 (o máximo legal) a
Benjamin diretamente e também contribuiu com US $ 2,5 milhões para um grupo independente
chamado "And For The Sake Of The Kids", que tinha como alvo o juiz McGraw, concorrente de
Benjamin, por uma decisão que restabeleceu a liberdade condicional de um molestador de crianças.
Além disso, Blankenship também gastou mais de US $ 500.000 em despesas com publicidade na
televisão e mala direta.
34

via criticado publicamente o papel de Blankenship nas eleições de 2004. Os juízes


Maynard e Starcher se declararam suspeitos, e o julgamento foi repetido. Novamen-
te, o tribunal decidiu pelos recorrentes e, novamente, o juiz Benjamin, que não se
declarou suspeito, votou com a maioria. Para Benjamin, o fato de as doações de
Blankenship terem sido indiretas e legais seria suficiente para mostrar que não havia
qualquer enviesamento.
Caperton argumentou que seu direito ao devido processo legal fora violado
pela atuação do juiz Benjamin no julgamento e o caso chegou até a Suprema Corte
dos EUA, que reverteu a decisão. O relator, o juiz Kennedy, contextualizou os fatos
do caso com os de casos anteriores. Neles, ficaram especificados dois tipos de cir-
cunstâncias em que o direito ao devido processo legal obriga a suspeição de um
magistrado. A Corte concluiu que o juiz Benjamin estava certo de que as circunstân-
cias de sua eleição não se enquadravam na situação descrita na primeira categoria
de casos, formulada em Tumey v. Ohio, de “um interesse direto, pessoal, substancial
e pecuniário". Porém, não se podia ignorar a segunda categoria dos casos da Corte,
que estabeleceu situações nas quais "a probabilidade de um enviesamento real por
parte do juiz ou do tomador de decisão é muito alta para ser constitucionalmente
tolerável" (Withrow v. Larkin)59.
Essa segunda categoria surgiu no contexto criminal, em que um juiz não tinha
interesse pecuniário no caso, mas havia determinado em um processo anterior que
acusações criminais deveriam ser apresentadas e, em seguida, julgou e condenou
os acusados (In re Murchison). Nesse caso, constatando que “nenhuma pessoa po-
de ser juíza de sua própria causa” e “nenhuma pessoa tem permissão para julgar
casos em que tenha interesse no resultado”, a Corte observou que as circunstâncias
do caso e o relacionamento anterior exigiam o afastamento do juiz. Já em Mayberry
v. Pennsylvania, a Corte observou que a investigação objetiva não é se o juiz é re-
almente tendencioso, mas se o juiz médio em sua posição provavelmente seria neu-
tro ou se existe um “potencial de enviesamento” inconstitucional60.
Assim, para a Suprema Corte dos EUA, a garantia do devido processo é ba-
seada em padrões objetivos que dispensam prova de enviesamento concreto. Desse
modo, não só a Corte não questionou as conclusões subjetivas de imparcialidade do

59
Cf. Suprema Corte dos EUA (2009, p. 1-2).
60
Cf. Suprema Corte dos EUA (2009, p. 2-3).
35

juiz Benjamin como tampouco precisava determinar se houve parcialidade. Em vez


disso, a questão é se, “sob uma avaliação realista das tendências psicológicas e da
fraqueza humana”, o interesse “representa um risco tão grande de enviesamento ou
preconceito que a prática deve ser proibida para que a garantia do devido processo
seja adequadamente implementada"61.
A jurisprudência inglesa chegou a entendimento análogo. Seu conceito de
justiça natural (natural justice) inclui dois princípios fundamentais: i) audi alteram par-
tem, referente ao direito de ser ouvido; e ii) nemo debet esse judex in propria sua
causa ou nemo judex in re sua, que estabelece o direito a um tribunal imparcial62. E,
assim como na justiça norte-americana, a análise inglesa do problema da parcialida-
de do juiz é bipartite.
Por um lado, quando há um interesse pecuniário, o padrão é mais rigoroso:
se houver qualquer interesse financeiro, independentemente do tamanho, o proces-
so será inválido, independentemente de indagação sobre se existe ou não enviesa-
mento concreto. A razão para isso é garantir a confiança no sistema judicial: "[é] de
fundamental importância que a justiça não só seja feita como também seja manifes-
tamente vista como sendo feita" (R. v. Sussex Justices ex parte McCarthy, de 1924).
Isso também é visível em Metropolitan Properties Ltd. v. Lannon, de 1969: “ao con-
siderar se havia uma probabilidade real de enviesamento, o tribunal não olha a men-
te do juiz [...]. O tribunal observa a impressão que seria dada às outras pessoas" 63.
Por outro lado, ao avaliar a linha tênue que separa um juiz imparcial de um ju-
iz parcial quando o interesse não é pecuniário, o teste aplicado pela justiça inglesa
tende a ser mais brando que na primeira hipótese. Para que o processo seja anula-
do, geralmente deve se comprovar algum enviesamento concreto por parte do juiz
ou tribunal, e não apenas um conjunto de circunstâncias que dariam a aparência de
enviesamento. Assim, há julgados no sentido de afastar um juiz quando: ele indicar
algum partidarismo, houver amizade ou hostilidade pessoal com uma parte, houver
algum relacionamento familiar, quando um membro do tribunal é um membro de

61
Cf. Suprema Corte dos EUA (2009, p. 3).
62
Cf. Shauer (1979, p. 48).
63
Cf. Shauer (1979, p. 55).
36

uma organização que é parte ou quando um juiz foi advogado de uma das partes em
um estágio anterior do caso64.
Entendemos que ambas as soluções (da Suprema Corte dos EUA e da juris-
prudência inglesa), nos casos em que a suposta parcialidade não é movida por inte-
resses pecuniários, são confluentes na sua essência, muito embora o modo como a
problemática foi enfrentada tenha sido ligeiramente mais sofisticado nos EUA. Essa
essência, que nos será bastante útil para balizar a discussão do capítulo III, é a de
que uma investigação acerca da suposta parcialidade de um juiz prescinde de averi-
guar se o juiz foi ou não parcial no caso concreto (olhar a mente do juiz). Ao contrá-
rio, deve-se realizar um julgamento objetivo, mediante uma avaliação realista das
fraquezas e tendências psicológicas das pessoas, para saber se um juiz médio em
sua posição provavelmente seria imparcial ou se existe um potencial de enviesa-
mento inconstitucional.

2.4. Intervenção estatal na área de proteção e sua justificação constitucional

Nem toda intervenção estatal na área de proteção de um direito fundamental


é arbitrária, visto que pode ser constitucionalmente justificada. Para tanto, a inter-
venção deve se mostrar proporcional: ter um propósito lícito, um meio lícito, além de
ser adequada e necessária a esse propósito65. Contudo, o direito fundamental pro-
cessual ao juiz natural não contém uma reserva legal, e nem parece ser o caso de
invocar um “direito constitucional colidente”, visto se tratar de um direito de cunho
normativo. Assim, ante a impossibilidade de justificação constitucional da interven-
ção estatal pela ausência de uma das hipóteses mencionadas de limites constitucio-
nais a direito fundamental (reserva legal ou direito constitucional colidente), a dog-
mática determina que qualquer intervenção (como a participação de um juiz suspei-
to) implicará, necessariamente, em uma violação inconstitucional a esse direito fun-
damental66.
Isso adquire especial relevância nesta pesquisa. Não se mostra possível “so-
pesar” o direito ao juiz natural com consequências pragmáticas como o combate à

64
Cf. Shauer (1979, p. 56).
65
Cf. Dimoulis e Martins (2014, 195 ss.).
66
Cf. Martins (2019, p. 209-211).
37

corrupção, bandeira inclusive levantada historicamente por regimes autoritários.


Tampouco é compatível com um Estado de Direito o raciocínio de que, por serem os
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro complexos e seus perpetrantes, muitas
vezes, poderosos, seria legítima uma atuação estatal que não esteja confinada to-
talmente aos parâmetros da lei, com vistas a “garantir” a capacidade funcional de
persecução penal do Estado. O fim (combate a corrupção) não justifica os meios
(atuação ilegal do Estado), mesmo — ou talvez, sobretudo — quando essa atuação
ilegal é aclamada pela população. Direitos fundamentais não estão abertos para
consideração da maioria. Pensar diferentemente abre margem para um pernicioso
“populismo judicial”67. O senso comum de que a nulidade de processos da Lava Jato
vai contra os interesses da sociedade por “liberar muitos criminosos” ignora que é no
melhor interesse da sociedade que o Estado nos limites da lei.

67
Retomaremos esse ponto no capítulo IV ao falarmos sobre pós-democracia.
38

3 O FENÔMENO DA VAZA JATO E A SUPOSTA PARCIALIDADE DE MORO NO


CASO LULA

3.1. Contexto fático e processual

Em julho de 2017, o ex-presidente Lula foi condenado pelo então juiz Sergio
Moro a 09 anos e 06 meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de di-
nheiro no caso do triplex em Guarujá/SP. Em janeiro de 2018, a 8ª Turma do TRF-4
ampliou a pena para 12 anos e um mês. Como o STF havia mudado seu entendi-
mento (em decisão longe de ser incontroversa) pela possibilidade de se iniciar o
cumprimento de pena após a condenação em segunda instância, Lula foi preso em
07 de abril de 2018. Em abril de 2019, o STJ reduziu a pena para 08 anos, 10 meses
e 20 dias.
Na noite de 09 de junho de 2019, o veículo de comunicação The Intercept di-
vulgou o primeiro de uma série de diálogos cujos supostos protagonistas são Deltan
Dallagnol, procurador do MPF e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato em
Curitiba, e Moro, então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba e atual ministro da Justi-
ça e Segurança Pública. O teor da extensa comunicação escrita mantida entre essas
autoridades — que chegou à imprensa por fonte mantida em sigilo —, se verdadeiro,
sugere uma malversação do sistema acusatório consubstanciada numa colaboração
oculta entre os órgãos acusador e julgador.
Mesmo antes dos diálogos do The Intercept, um considerável número de juris-
tas já havia demonstrado reservas quanto a algumas das medidas tomadas pelo Ju-
ízo da 13ª Vara Federal de Curitiba. Cite-se, por exemplo, a determinação de condu-
ção coercitiva de Lula para prestar depoimento, inclusive sem negativa prévia, e a
divulgação para a grande mídia, por um juiz de primeira instância, de uma conversa
obtida ilegalmente entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff (voltaremos a es-
ses episódios no capítulo IV). Nesse contexto, a “Vaza Jato”, como ficou conhecida
a divulgação dos referidos diálogos, jogou nova luz ao ocorrido, tendo as vozes em
prol da nulidade do processo e da imediata soltura de Lula aumentado em quantida-
de e intensidade.
39

Também a defesa de Lula já sustentava, antes dos diálogos, a parcialidade


de Moro e a consequente nulidade dos processos em que atuou 68, em especial após
a aceitação de Moro para integrar o corpo de ministros do Governo Bolsonaro. Em
13 de junho de 2019, os advogados fizeram um adendo ao habeas corpus que já
tramitava no STF, dizendo que as reportagens publicadas pelo The Intercept reme-
tem à "conjuntura e minúcias das circunstâncias históricas em que ocorreram os fa-
tos comprovados nos autos"69. Depois, buscando evitar a polêmica de se os diálogos
seriam juridicamente idôneos, reforçaram em uma nota que o HC não se baseia nas
mensagens, mas antes resta amparado "em graves fatos que antecederam as repor-
tagens do The Intercept e que já são mais do que suficientes para evidenciar que o
ex-presidente Lula não teve direito e um julgamento justo, imparcial e independente”.
A PGR posicionou-se de forma contrária à nulidade alegando falta de provas:
“Assim, mostra-se inviável a consideração dos supostos fatos aventados pelo petici-
onante no sentido de que o juízo criminal natural não se manteve imparcial, tendo
em vista a ausência de prova efetiva”70. Até a data de finalização deste texto, não
havia manifestação de tribunais superiores quanto à idoneidade dos diálogos para
fins de declaração de nulidade do(s) processo(s). Já no último dia 25 de setembro
de 2019, a 8ª Turma do TRF-4 negou provimento, por unanimidade, ao agravo regi-
mental interposto pela defesa de Lula que requeria a inclusão de mensagens divul-
gadas pelo The Intercept no caso do sítio de Atibaia. Segundo o relator da Lava Jato
na segunda instância, João Pedro Gebran Neto, “mesmo que fosse desconsiderado
o contexto criminoso em que foram capturadas as mensagens, a validação indireta
ou por meio de peritos particulares não tem efeitos processuais”.

3.2. Premissa: os diálogos são verdadeiros?

68
Além do caso do triplex, outros processos de Lula que contaram com a atuação de Moro também
podem vir a ter a nulidade declarada, como o processo que investigou a reforma do sítio em Atibaia
(SP) — em grau de recurso à época da conclusão desta pesquisa —, em que Lula foi sentenciado no
dia 06 de fevereiro de 2019 pela juíza substituta Gabriela Hardt a 12 anos e 11 meses de prisão. Há,
ainda, um terceiro caso em que Lula foi acusado de receber propina da Odebrecht para aquisição de
terreno para a sede do Instituto Lula. Moro aceitou a denúncia em dezembro de 2016, mas ainda não
havia sido proferida sentença até a conclusão desta pesquisa. Cf. Madeiro em matéria da UOL (2019,
documento online não paginado).
69
Cf. BBC News Brasil (2019, documento online não paginado).
70
Cf. Affonso e Macedo em matéria do Estadão (2019, documento online não paginado).
40

A estratégia de defesa de Moro (e, em menor medida, de Dallagnol),


principal implicado pela divulgação dos diálogos, pode ser resumida nas seguintes
afirmações: i) não lembro desses diálogos; ii) mesmo que sejam parcialmente ver-
dadeiros, podem ter sido adulterados; iii) mesmo que não tenham sido adulterados,
não se vislumbra qualquer ilegalidade neles; e iv) deletei os diálogos originais, logo
não posso comprovar nem que não ocorreram, nem que foram adulterados. Além
disso, Moro enfatiza a invasão criminosa que teve em sua privacidade e o “sensaci-
onalismo” da mídia em torno do conteúdo das mensagens. Nada obstante, tenta jus-
tificar e até pedir desculpas por algumas delas (retomaremos essa tática discursiva
mais adiante ao falarmos de pós-verdade).
É apenas lógico que esta pesquisa seria inócua se baseada em diálogos fal-
sos. Daí a preocupação especial em abordar essa questão controversa 71 num tópico
separado. Sendo assim, podemos resumir em 0472 os principais indicadores de que
os diálogos são verdadeiros: i) confirmação por diversos veículos de mídia de dife-
rentes orientações políticas, internacionalmente reconhecidos e cada qual com seus
métodos investigativos próprios; ii) verossimilhança entre os diálogos e os atos pro-
cessuais; iii) ausência de negativa veemente e confirmação implícita; e iv) conveni-
ente e antiética, para não dizer ilegal e inconstitucional, ausência de prova contrária
quando deveria haver. Cada um desses pontos será abordado em detalhe a seguir.

3.2.1. Confirmação por diversos veículos de mídia

O The Intercept permitiu o acesso ao material que lhe foi entregue por uma
fonte anônima a vários veículos midiáticos de renome e de diferentes tendências
políticas (p. ex.: El País, Folha de S.Paulo e Veja). O resultado foi a certificação da
autenticidade do material por cada um desses veículos. Não se trata, aqui, de usar
uma reportagem como prova, mas de reconhecer que diversos jornais de credibili-
dade reconhecida e de orientações políticas divergentes, cada qual usando seus

71
Em 12 de junho de 2019, a força-tarefa do MPF (2019, documento online não paginado) divulgou
em nota: “A divulgação de supostos diálogos obtidos por meio absolutamente ilícito, agravada por
esse contexto de sequestro de contas virtuais, torna impossível aferir se houve edições, alterações,
acréscimos ou supressões no material alegadamente obtido. Além disso, diálogos inteiros podem ter
sido forjados pelo hacker ao se passar por autoridades e seus interlocutores. Uma informação
conseguida por um hackeamento traz consigo dúvidas inafastáveis quanto à sua autenticidade, o que
inevitavelmente também dará vazão à divulgação de fake news.”.
72
Cf. Greenwald em matéria do The Intercept (2019, documento online não paginado).
41

próprios métodos jornalísticos, apontaram todos para uma mesma conclusão. Mas
não nos contentemos com esse argumento de autoridade e vejamos quais são os
pontos específicos levantados por esses veículos para defenderem a veracidade do
material.
No dia 23 de junho de 2019, a Folha de S.Paulo publicou um editorial73 expli-
cando as razões pelas quais decidiu trabalhar em parceria com o The Intercept. No
editorial, a Folha relata que, dentre outros métodos que permitiram concluir que não
há indício de adulteração, seus repórteres buscaram nomes de jornalistas da própria
Folha no acervo obtido, tendo encontrado mensagens que realmente foram trocadas
por esses profissionais com integrantes da força-tarefa nos últimos anos.
Alguém negaria que, dada a repercussão internacional da Vaza Jato, que já é
considerada um dos acontecimentos mais relevantes da história brasileira recente,
uma reportagem demonstrando que o material é incongruente e apresenta sinais de
adulteração seria muito valioso do ponto de vista jornalístico? Se isso é verdade,
não seria plausível afirmar que seria do interesse comercial da Folha (e também da
Veja e El País), que tiveram acesso e analisaram mensagens que datam desde
2014, apontar qualquer sinal de inconformidade? Logo, também não seria plausível
afirmar que, se após perscrutar mensagens trocadas ao longo de meia década, ne-
nhum desses jornais foi capaz de achar uma única discrepância sequer, é porque
essas discrepâncias não existem?
O El País, por sua vez, publicou no dia 23 de julho de 2019 um artigo74 em
que apontava a semelhança entre a posição adotada pela procuradora Jerusa Viecili
nas mensagens investigadas e num artigo publicado por ela no próprio El País no
dia 28 de outubro, referente à crítica de que a força-tarefa não condenou posições
antidemocráticas de Bolsonaro, o que poderia levantar suspeitas de apoio tácito da
Lava Jato ao então presidenciável. Em resumo, o jornal espanhol demonstra que as
críticas feitas pela procuradora nas mensagens equivalem ao artigo que decidiu pu-
blicar no El País defendendo a exata mesma posição.
Já o Correio Braziliense publicou, também no dia 23 de julho de 2019, uma
entrevista75 com um procurador do MPF que era membro de alguns dos grupos de

73
Cf. Folha de S.Paulo (2019, documento online não paginado).
74
Cf. Jiménez em matéria do El País (2019, documento online não paginado).
75
Cf. Souza em matéria do Correio Braziliense (2019, documento online não paginado).
42

Telegram cujas mensagens foram divulgadas. O procurador, sob condição de ano-


nimato, confirmou a veracidade das conversas: “Me recordo dos diálogos com os
procuradores apontados pelo site. O grupo não existe mais. No entanto, me lembro
do debate em torno do resultado das eleições e da expectativa sobre a ida de Moro
para o Ministério da Justiça". Além disso, o procurador conseguiu recuperar parte do
conteúdo das mensagens de seu celular e, após comparar com as mensagens da
Vaza Jato, afirmou que o material era autêntico.
Outro veículo de mídia a atestar a veracidade do material foi a Veja. A revista,
que sempre apoiou enfaticamente Moro e a Lava Jato, analisou todo o material e
também concluiu pela veracidade. Em uma carta ao leitor76, publicada em conjunto
com uma detalhada reportagem de capa77 explicando as irregularidades de Moro, a
Veja relata que seus repórteres continuam vasculhando a enorme quantidade de
diálogos e áudios trocados entre procuradores e Moro. Em uma estratégia seme-
lhante à da Folha de S.Paulo, foram analisadas dezenas de mensagens trocadas
por anos entre os membros da revista e os procuradores. A conclusão: todas as co-
municações (649.551 mil mensagens) são verdadeiras, palavra por palavra, fortíssi-
mo indício de veracidade do conjunto.
Por fim, numa matéria78 publicada em 17 de julho de 2019, o El País relata ter
tido, tal qual ocorreu com o Correio Braziliense, acesso a uma fonte anônima exter-
na ao The Intercept (método tradicional de investigação jornalística) e que participa-
va dos grupos de Telegram da Vaza Jato. Essa fonte entregou ao jornal a transcri-
ção original dos chats que ainda estavam armazenados em seu telefone celular.
Uma comparação resultou em total identidade entre essa transcrição e o material
disponibilizado pelo The Intercept. A conclusão da investigação jornalística do El Pa-
ís é a mesma de todos os outros veículos que realizaram investigações similares: o
material é autêntico.

3.2.2. Verossimilhança entre os diálogos e os atos processuais

76
Cf. Redação da Veja (2019, documento online não paginado).
77
Cf. Greenwald et al. em matéria da Veja (2019, documento online não paginado).
78
Cf. Oliveira em matéria do El País (2019, documento online não paginado).
43

Também a semelhança entre o conteúdo dos diálogos e o desenrolar do pro-


cesso conflui para a tese de que o material é verídico. O BuzzFeed News, em arti-
go79 publicado no dia 13 de junho de 2019, explica que o site “cruzou nos últimos
dias as mensagens e os atos da procuradoria e do juiz nas mesmas datas nos pro-
cessos citados”. A conclusão foi a de que “[d]ocumentos mostram que atos da Lava
Jato coincidiram com orientações de Moro no Telegram”. Dentre os diversos exem-
plos documentados, se destacam dois: o caso Alexandrino Alencar e o caso da de-
sistência de recurso contra delatores.
Em relação ao primeiro, Dallagnol teria indagado Moro por Telegram em 16
de outubro de 2015 sobre a soltura, na noite anterior, do ex-executivo da Odebrecht
Alexandrino de Salles Ramos de Alencar por decisão do então relator da Lava Jato
no STF, Teori Zavascki: “Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denún-
cia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na co-
ta. […] Seria possível apreciar hoje?”. Ao que Moro teria respondido: “Não creio que
conseguiria ver hj80. Mas pensem bem se é uma boa ideia”. E reforça, nove minutos
depois: “Teriam que ser fatos graves”.
Conforme revelam os próprios autos do processo, tal roteiro foi seguido com
precisão. Às 18h03min daquele dia, o MPF apresentou uma denúncia com pedidos
de novas prisões preventivas contra executivos da Odebrecht, mas sem o nome de
Alexandrino. Além disso, Moro não apreciou a denúncia no mesmo dia, como a
mensagem dizia.
Com relação ao segundo caso, ainda de acordo com a reportagem do
BuzzFeed News, a força-tarefa protocolou em 06 de novembro de 2015 um recurso
contra as condenações de três delatores da Lava Jato81 por considerar que Moro
errou ao não os condenar por lavagem de dinheiro. Pleiteavam o aumento da pena.
Moro, então, teria enviado mensagem a Dallagnol pelo Telegram em 17 de novem-

79
Cf. Rocha; Farah; Motta em matéria do BuzzFeed News (2019, documento online não paginado).
80
Em casos de erros ortográficos ou grafias estranhas, muitos recomendam a utilização da
expressão “sic” entre colchetes para sinalizar que se trata da grafia original do autor citado, e não de
um erro de digitação de quem citou. Contudo, por estarmos analisando diálogos obtidos de um
aplicativo de mensagens privadas, a linguagem coloquial, a falta de acentuação e o uso corriqueiro
de abreviações nos obrigaria a inserir essa expressão diversas vezes numa mesma frase,
prejudicando sua compreensão. Por isso, optamos por não sinalizar os desvios da norma padrão
presentes nos diálogos analisados nesta pesquisa.
81
O executivo da Toyo Setal Augusto Mendonça, o operador de propinas Mário Góes e o ex-gerente
da Petrobras Pedro Barusco.
44

bro, visivelmente descontente: “[o]lha está um pouco difícil de entender umas coisas.
Por que o MPF recorreu das condenações dos colaboradores Augusto, Barusco e
Mario Goes na ação penal 5012331-04? O efeito pratico é impedir a execução da
pena”.
Dallagnol, algumas horas depois, ainda tenta argumentar sobre a necessida-
de do recurso, mas Moro não se convenceu:

Sinceramente nao vi nenhum sentido nos recursos já que não se pretende a


alteração das penas finais dos colaboradores. O MP está recorrendo da
fundamentação, sem qualquer efeito prático. Basta recorrer só das penas
dos nao colaboradores a meu ver. Na minha opinião estão provocando con-
fusão.

No mesmo dia, Moro rejeitou o recurso com argumentos similares. Já em 26


de novembro, o MPF declarou estar ciente da "respeitável decisão" do dia 17, sem,
contudo, insistir no recurso. No dia seguinte, 27, Moro se pronunciou definitivamente
nos autos: "O MPF foi intimado e não recorreu. Então transitou em julgado para a
condenação, a sentença no que refere às penas de Augusto Mendonça, Júlio Ca-
margo, Pedro Barusco, Mario Goes e Alberto Youssef.".

3.2.3. Ausência de negativa veemente e confirmação implícita

Também não deve passar despercebido que Moro (assim como Dallagnol)
jamais negou de modo contundente os diálogos — ao contrário, tentou justificá-los e
ainda os admitiu tacitamente. Tampouco apontou de modo específico uma única fra-
se que teria sido forjada ou adulterada, se limitando a contestar genericamente a
autenticidade do material. Não se trata, aqui, de acusar uma pessoa com base em
um aspecto tão subjetivo como o modo que ela reagiu a uma acusação para deter-
minar a veracidade dessa mesma acusação, mas de apontar algumas incongruên-
cias que corroboram ainda mais às evidências que estamos tratando neste tópico.
O cerne da controvérsia é a acusação de que Moro não cumpriu seu papel de
juiz, tendo se comportado mais como parte. Trata-se de uma acusação gravíssima.
Para fazermos uma analogia, é como se um administrador estivesse sendo acusado
de roubar dinheiro da sua empresa ou um político de receber propina para votar a
favor de determinado projeto de lei.
45

Agora imaginemos esse administrador ou esse político sendo confrontados


com um diálogo que supostamente prova que eles agiram ilicitamente. Será que nos
convenceríamos se argumentassem “eu não lembro do diálogo, pode ter ocorrido,
porém eu o excluí, e mesmo se tiver ocorrido não há nada demais, lembrando ainda
que sempre existe a possibilidade de adulteração”? Não parece uma conduta mais
adequada para alguém que alega que a prova que os incrimina foi adulterada desta-
car isso e negar veementemente que aquele diálogo tenha acontecido daquela for-
ma?
Imaginemos agora que aquele administrador ou político, além de negar a au-
tenticidade dos diálogos, tenha pedido desculpas à empresa ou à sociedade no caso
de aqueles diálogos (que imputa a eles a prática de um crime) serem verdadeiros.
Faz sentido pedir desculpas por algo que não se fez? Pois foi exatamente essa a
postura de Moro quando pediu desculpas82 aos integrantes do Movimento Brasil Li-
vre (MBL) por tê-los chamado de “tontos” em um dos diálogos (com uma ressalva:
“[s]e de fato usei o termo”).

3.2.4. Inexistência de prova contrária quando deveria haver

É preciso destacar também que, após semanas da primeira reportagem e


mais de uma dúzia de artigos do The Intercept e parceiros, Moro e a força-tarefa não
foram capazes de identificar um único indício de adulteração ou inautenticidade nas
mensagens publicadas.
Por que esse silêncio revela tanto? Porque é de se esperar que alguém cuja
idoneidade foi posta em xeque internacionalmente empreenda os melhores esforços
para limpar seu nome. Contudo, em que pese outros envolvidos terem cedido as
mensagens originais para veículos de mídia, Moro e Dallagnol não o fizeram sob o
argumento de que teriam excluído todas as conversas trocadas no curso de seu tra-
balho (público). Dallagnol chegou a admitir ao Estadão83: “[a]ntes da divulgação do
hackeamento, encerramos nossas contas no aplicativo para proteger as investiga-
ções em andamento e nossa segurança. Isso apagou as mensagens nos celulares e
na nuvem”.

82
Cf. Folha de S.Paulo (2019, documento online não paginado).
83
Cf. Vassallo e Macedo em matéria do Estadão (2019, documento online não paginado).
46

Essa conveniência é suspeita por si só, mas a situação fica ainda mais grave
pelo teor público dessas mensagens. Se eram comunicações entre dois servidores
públicos sobre um assunto público (processos judiciais em curso dos quais eram
atores), será que é razoável considerar normal o fato de que esses servidores des-
truíram todas as evidências que poderiam corroborar sua alegação de que o material
teria sido adulterado, ainda mais quando isso os deixa na (cômoda) posição de
questionar a autenticidade do arquivo sem que possa haver uma evidência contrá-
ria?
Como bem apontado pelo The Intercept84, “tão escandalosa e antiética quanto
a conduta revelada nas mensagens” é a justificativa apresentada para explicar a im-
possibilidade de se produzir qualquer evidência para corroborar insinuações vagas
de adulteração: “nós destruímos permanentemente todas as provas, mesmo que o
material seja relativo a processos judiciais pendentes e ao nosso trabalho de inte-
resse público”. Afinal, mesmo que a intenção fosse remover esse material de seus
telefones para evitar ataques de hackers, por que não salvar tais transcrições (por
exemplo, numa cópia física) de modo que pudessem permanecer acessíveis por tri-
bunais ou pelo registro histórico das atividades de autoridades públicas?

3.2.5. Refutação prévia: confissão forjada

Por precaução, é necessário abordar uma hipótese levantada pelo jornal The
Intercept85: segundo uma fonte anônima, a Polícia Federal estaria considerando rea-
lizar uma operação visando a obter uma confissão de adulteração de um suposto
“hacker”.
Mesmo que tal confissão surja após a publicação desta pesquisa, é necessá-
rio apontar que ela possuiria baixíssima plausibilidade frente a todos os critérios
apresentados neste tópico e sumarizados na conclusão intermediária a seguir, em
especial após a possibilidade de uma confissão forjada ter chegado ao The Inter-
cept.

84
Cf. Greenwald e Demori em matéria do The Intercept (2019, documento online não paginado).
85
Cf. Greenwald e Demori em matéria do The Intercept (2019, documento online não paginado).
47

3.2.6. Conclusão intermediária

Ante as 04 análises apresentadas acima, a nosso ver, a postura de uma pes-


soa razoável, de boa-fé e amante da verdade (para utilizar um termo habermaseano)
parece ser a de partir da premissa que os diálogos são verdadeiros. O acúmulo de
evidências86 em favor dessa premissa no “mercado livre de ideias”87 é tamanha que
afastá-las tendo do outro lado apenas insinuações altamente implausíveis 88 de uma
suposta adulteração (feitas pelos principais implicados pelo conteúdo dos diálogos)
não parece ser uma atitude compatível com a de um pesquisador.
Vale lembrar a resposta de Glenn Greenwald — jornalista por trás do caso
Snowden89, da Vaza Jato e um dos fundadores do The Intercept — ao jornalista do
Globo em entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 02 de
setembro de 2019. Greenwald foi questionado sobre qual seria a evidência definitiva
de que as mensagens divulgadas não sofreram qualquer alteração. A resposta: exis-
te o mesmo grau de evidência que se tinha nos vazamentos do whistleblower
Edward Snowden sobre a espionagem da NSA (agência de segurança nacional dos
Estados Unidos), em que o Grupo Globo foi parceiro de Greenwald. Nenhum grupo
de mídia brasileiro contestou a informação de Snowden por ter sido obtida ilicitamen-
te90 (argumentação que ficou a cargo do governo dos EUA, principais implicados
pelos diálogos). O fato de isso estar sendo questionado agora é um exemplo da
aplicação de um “padrão duplo” à evidência: quando ela é desfavorável, se exige

86
Para Thomas Bayes (1701-61), estatístico e filósofo inglês, a probabilidade de verdade de uma
proposição é determinada pelo acúmulo incremental de evidências. Cf. Levitin apud d’Ancona (2018,
p. 109).
87
Para Oliver Wendell Holmes: “O melhor teste da verdade é o poder do pensamento ser aceito na
concorrência do mercado, e essa verdade é o único terreno sobre o qual a vontade (dos homens)
pode ser posta em prática seguramente”. Cf. d’Ancona (2018, p. 59).
88
Novamente: como já salientado na introdução, a CF veda a utilização de provas obtidas por meio
ilícito para incriminar alguém. Não se trata de exigir de Moro que prove sua inocência sob pena de
considerá-lo culpado, o que certamente seria regredir em relação à racionalidade das garantias
penais aprimoradas ao longo da história. Mas é possível utilizá-las em favor dos réus.
89
Em detalhes, v. Greenwald (2014).
90
O jornalista citou ainda, na entrevista ao Roda Viva (2019), dois outros casos de jornalismo no
mundo democrático baseado em fontes que adquiriram informações de maneira ilícita,
nomeadamente: o dos Pentagon Papers e o de Hillary Clinton. No primeiro, foram enviados ao The
New York Times documentos obtidos ilicitamente que mostravam que o governo dos EUA estava
mentindo sobre a Guerra do Vietnã. No segundo, os jornais publicaram informações hackeadas de
Hillary Clinton durante a corrida presidencial em 2016. E concluiu: “[o] jornalismo mais importante e
mais premiado muitas vezes vem de fonte que cometeu crime [para obter a informação]”.
48

“prova documentária absoluta”; quando é favorável, se permite até evidência alta-


mente circunstancial91.

3.3. Os diálogos revelados permitem concluir que Moro foi parcial?

A partir daqui, passamos a adentrar o âmago da presente pesquisa. No pri-


meiro capítulo, investigamos o direito fundamental processual ao juiz natural em
abstrato, com especial ênfase na compreensão de sua área de proteção no proces-
so penal enquanto manifestação do princípio acusatório. Agora, a tarefa é analisar
criticamente os principais diálogos revelados pelo The Intercept no que tange ao ca-
so Lula à luz da dogmática jusfundamental e processual penal abordada anterior-
mente.
Antes disso, um comentário sobre a metodologia: não é a preocupação desta
pesquisa abordar todos os diálogos que poderiam sugerir uma violação ao juiz natu-
ral no caso Lula. Ao invés disso, optou-se por investigar apenas os diálogos que,
prima facie, poderiam significar uma quebra da equidistância de modo mais patente.
Em outras palavras, os mais polêmicos, a saber: i) apreciação informal da denúncia;
ii) definição conjunta de como lidar com a opinião pública; iii) indicação de testemu-
nha e participação em fraude processual; e iv) sugestão de inversão de fases da La-
va Jato e escolha da jurisdição. De qualquer forma, mesmo se em apenas um dos
diálogos ficar caracterizada a parcialidade, o processo deverá ser declarado nulo.
Ademais, outros episódios polêmicos, como o levantamento do sigilo do telefonema
(ilegalmente captado) entre Lula e Dilma com aparente timing político, serão abor-
dados no capítulo IV.

3.3.1. Apreciação informal da denúncia

No dia 14 de setembro de 2016, o MPF apresentou a primeira denúncia con-


tra Lula, no famigerado episódio do PowerPoint. De acordo com a parte 0392 da série
“As mensagens secretas da Lava Jato”, Dallagnol confessou para Moro em 16 de

91
Estratégia típica da pós-verdade, conforme discutiremos em tópico próprio. Em detalhe, v. Lipstadt
apud d’Ancona (2018, p. 75).
92
Cf. Martins, Rafael e Greenwald em matéria do The Intercept (2019, documento online não
paginado).
49

setembro (02 dias depois da apresentação da denúncia), que utilizara provas indire-
tas, o que atrairia a crítica de ausência de provas. Sugeriu a Moro, pois, que esses
pontos fossem abordados no recebimento da denúncia93:

A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia


dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto.

Ainda, como a prova é indireta, ‘juristas’ como Lenio Streck e Reinaldo Aze-
vedo falam de falta de provas. Creio que isso vai passar só quando eventu-
almente a página for virada para a próxima fase, com o eventual recebimen-
to da denúncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da
decisão, abordar esses pontos[.]

Ao que Moro responde: “Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são


desproporcionais. Siga firme.”.
Num sistema acusatório, em que se pressupõe a equidistância do juiz em re-
lação às partes, é de causar estranheza que o autor da denúncia aponte uma defici-
ência de seu caso a esse julgador imparcial. Alguém imaginaria a defesa de Lula
comentando com Moro uma potencial fraqueza da sua tese e sugerindo que abor-
dasse esse ponto na decisão? Numa analogia: seria como um candidato de um con-
curso público, que está concorrendo com outros concursandos, comunicar à banca
avaliadora (imparcial) que sua resposta na prova subjetiva tem falhas.
Essa postura de relativo conforto em demonstrar um ponto fraco da denúncia
ao juiz que a julgaria (tudo isso fora dos autos, privadamente) sugere que Dallagnol
tinha confiança no recebimento da denúncia e que estava apenas ajudando Moro a
construir uma decisão que blindasse a acusação dessas críticas. Quase como se o
resultado (recebimento) estivesse garantido, visto que era desejado tanto pela acu-
sação quanto pelo juiz.
Isso fica ainda mais claro com a resposta de Moro. Sua mensagem, apesar
de curta (apenas duas orações), revelam ao menos duas coisas: i) o juízo prévio de
mérito sobre as provas do processo; e ii) um espírito de colaboração em equipe en-
tre acusador e julgador. Ambas condutas incompatíveis com o sistema acusatório 94.

93
Para uma maior clareza, o procedimento comum ordinário no processo penal pode ser resumido
nas seguintes etapas: i) oferecimento da denúncia pelo MP ou queixa-crime pelo particular; ii)
recebimento pelo juiz da denúncia ou queixa-crime, ou sua rejeição liminar; iii) citação do acusado; iv)
resposta à acusação pelo acusado; v) possibilidade de absolvição sumária; vi) possibilidade de
rejeição da denúncia ou queixa-crime; e vii) audiência de instrução, debates e julgamento. Em
detalhes, v. Badaró (2015, p. 592).
94
Cf. Santos em artigo no site Justificando (2019, documento online não paginado).
50

Com relação ao juízo prévio sobre a prova, em uma análise a contrario sensu,
se Moro afirma que as críticas sobre a falta de provas são desproporcionais, o signi-
ficado disso é que as provas são suficientes. Já no que se refere ao espírito de cola-
boração, em uma interpretação gramatical da expressão “Siga firme” — composta
por um verbo (seguir) no imperativo, expressando uma ordem, e um adjetivo (apesar
de tratar-se mais de um advérbio, já que o sentido era de “seguir firmemente“ ou “de
modo firme”) —, não é desarrazoado afirmar que se trata de um sentimento de segu-
rança e confiança que Moro objetiva passar a Dallagnol, sugerindo que seus esfor-
ços estavam sendo empregados de forma correta. Em outras palavras, adiantando
sua decisão por receber a denúncia.

3.3.2.Definição conjunta de como lidar com a opinião pública

Em 26 de fevereiro de 2016, o diretório nacional do PT lançava o manifesto


"Em Defesa da Democracia"95, contendo críticas às investigações contra Lula. No
dia seguinte, segundo os diálogos do The Intercept96, Moro teria enviado a seguinte
mensagem a Dallagnol: “O que acha dessas notas malucas do diretorio nacional do
PT? Deveriamos rebater oficialmente? Ou pela ajufe [Associação dos Juízes Fede-
rais do Brasil]?”.
Já em 10 de maio de 2017, mais de um ano depois, ocorria o depoimento de
Lula, o momento mais midiático da Lava Jato até então. No mesmo dia, Lula fez um
pronunciamento atacando a operação, o Jornal Nacional e Moro, informando ainda
suas intenções de concorrer à Presidência da República em 2018: “Eu estou vivo, e
estou me preparando para voltar a ser candidato a presidente desse país”97.
Naquela noite, de acordo com a parte 06 das reportagens do The Intercept98,
Moro teria sugerido a Santos Lima, membro da força-tarefa da Lava Jato no MPF de

95
Cf. Partido dos Trabalhadores (2019, documento online não paginado).
96
Cf. Martins, Santi e Greenwald em matéria do The Intercept (2019, documento online não
paginado).
97
Cf. CartaCapital (2019, documento online não paginado).
98
Cf. Martins et al. em matéria do The Intercept (2019, documento online não paginado).
51

Curitiba, a publicação de uma nota explorando as contradições do depoimento de


Lula:

[10/5 22:04] Moro: O que achou?


[10/5 22:10] Carlos: Achei que ficou muito bom. Ele começou polarizando
conosco, o que me deixou tranquilo. Ele cometeu muitas pequenas contra-
dições e deixou de responder muita coisa, o que não é bem compreendido
pela população. Você ter começado com o Triplex desmontou um pouco ele.
[10/5 22:11] Moro: A comunicação é complicada pois a imprensa não é mui-
to atenta a detalhes
[10/5 22:11] Moro: E alguns esperam algo conclusivo
[10/5 22:12] Moro: Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclare-
cendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o de-
poimento anterior dele
[10/5 22:13] Moro: Por que a Defesa já fez o showzinho dela.
[10/5 22:13] Carlos: Podemos fazer. Vou conversar com o pessoal.
[10/5 22:13] Moro: A se pensar. Tb não tenho opinião formada
[10/5 22:16] Carlos: Não estarei aqui amanhã. Mas o mais importante foi
frustrar a ideia de que ele conseguiria transformar tudo em uma perseguição
sua.

Os procuradores acataram a sugestão de Moro e publicaram a nota99, utili-


zando inclusive o termo sugerido: “contradições”.
Três coisas chamam a atenção nessas mensagens, que contam com um es-
paçamento de mais de um ano entre elas. Em primeiro lugar, a postura proativa de
Moro sobre se e como o órgão acusador deveria atuar na mídia para desqualificar a
argumentação a favor do réu que estava julgando. Inicialmente em relação às “notas
malucas” do diretório nacional do PT, depois com a sugestão de uma nota “esclare-
cendo as contradições do depoimento”.
Em segundo lugar, a linguagem utilizada (“notas malucas” e “showzinho” da
defesa) demonstra uma nítida aversão em relação ao partido e aos advogados do
réu. Isto é, o juiz, que teoricamente deveria ser imparcial, ao mesmo tempo em que
trata com desdém uma das partes, instrui privadamente a outra sobre como construir
uma narrativa favorável na imprensa, ajudando a arquitetar uma campanha pública
contra o próprio réu que estava julgando.
Em terceiro lugar, o uso da primeira pessoa do plural (“deveríamos”) implica
novamente um espírito de cooperação, como se juiz e MP estivessem no mesmo
time (“nós”), em oposição ao adversário (“eles”). Frise-se que Moro sugere uma nota

99
Cf. Folha de S.Paulo (2017, documento online não paginado).
52

para “esclarecer” as contradições do depoimento. Ou seja, para Moro, já estava cla-


ro que o depoimento era contraditório; faltava clarificar isso para o resto da popula-
ção, em especial porque “a imprensa não é muito atenta a detalhes”.

3.3.3. Indicação de testemunha e participação em fraude processual

Conforme as partes 04100 e 05101 dos diálogos do The Intercept, Moro teria
enviado a seguinte mensagem a Dallagnol em 07 de dezembro de 2015:

Moro – 17:42:56 – Entao. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do


contato estaria incomodado por ter sidoa ela solicitada a lavratura de minu-
tas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex
Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informa-
ção. Estou entao repassando. A fonte é seria.
Deltan – 17:44:00 – Obrigado!! Faremos contato
Moro – 17:45:00 – E seriam dezenas de imóveis
Deltan – 18:08:08 – Liguei e ele arriou. Disse que não tem nada a falar
etc… quando dei uma pressionada, desligou na minha cara… Estou pen-
sando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa
Moro – 18:09:38 – Estranho pois ele é quem teria alertado as pessoas que
me comunicaram. Melhor formalizar entao.
Moro – 18:15:04 – Supostamente teria comentado com [SUPRIMIDO] que
por sua vez repassou a informação até chegar aqui.
Deltan – 18:16:29 – Posso indicar a fonte intermediária?
Moro – 18:59:39 – Agora ja estou na duvida.
Moro – 19:00:22 – Talvez seja melhor vcs falarem com este [SUPRIMIDO]
primeiro
Deltan – 20:03:00 – Ok
Deltan – 20:03:32 – Ok, obrigado, vou ligar

Apesar de contestar a autenticidade das mensagens no geral, Moro admitiu a


autenticidade dessa mensagem em específico quando se referiu ao episódio como
“descuido” em 14 de junho de 2019102:

Nós lá na 13ª Vara Federal, pela notoriedade das investigações, nós rece-
bíamos várias dessas por dia. Eu recebi aquela informação e, aí assim, va-
mos dizer, foi até um descuido meu, apenas passei pelo aplicativo. Mas não
tem nenhuma anormalidade nisso. Não havia nem ação penal em curso[.]

Ou seja, mesmo para aquele leitor que não tenha se convencido pelo tópico
sobre a validade dos diálogos, esse diálogo foi confirmado pelo próprio Moro. Ade-

100
Cf. Martins, Santi e Greenwald (2019, documento online não paginado).
101
Cf. The Intercept (2019, documento online não paginado).
102
Cf. Mattoso em matéria da Folha de S.Paulo (documento online não paginado).
53

mais, a testemunha em questão confirmou ter sido procurada pelo MP em dezembro


de 2015103.
Após, em entrevista104 ao jornal O Estado de S. Paulo, Moro voltou a defender
a legalidade do repasse de informações:

Isso está previsto expressamente no Código de Processo Penal, artigo


105 106
40 , e também no artigo 7 da Lei de Ação Civil Pública diz que 'quando
o juiz tiver conhecimento de fatos que podem constituir crime ou improbida-
de administrativa ele comunica o Ministério Público'. Basicamente é isso, eu
recebi e repassei. Porque eu não posso fazer essa investigação. Eu acho
que simplesmente receber uma notícia-crime e repassar a informação não
pode ser qualificado como uma conduta imprópria. Eventualmente pode ter
havido um descuido formal, mas isso não é nenhum ilícito, se é a indagação
nesse sentido. Eu não cometi nenhum ilícito e estou absolutamente tranqui-
lo de todos os atos que cometi enquanto juiz da Lava Jato.

Contudo, os dispositivos legais citados por Moro não se aplicam nesse caso.
Isso porque tratam de uma comunicação formal da notícia-crime dentro do processo,
de forma transparente. No caso do diálogo acima, por outro lado, Moro repassou por
Telegram, fora dos autos e privadamente (procedimento que uma interpretação a
contrario sensu dos dispositivos citados desautoriza), uma possível fonte que pode-
ria instruir o caso do MP contra Lula, o mesmo caso que viria a julgar. Não só isso,
de forma temerária, relativiza a necessidade de equidistância em relação às partes
como uma mera formalidade, e sua transgressão como mero descuido, nunca um
ilícito. Retomaremos isso no capítulo IV, mas saliente-se desde já que até textos
tendencialmente democráticos podem justificar arbitrariedades nas mãos de intér-
pretes autoritários107.
Além da indicação de testemunha, o diálogo continua com Dallagnol relatan-
do a Moro que o denunciante com a suposta pista sobre Lula se recusara a falar
com o MP, apresentando uma solução: “Estou pensando em fazer uma intimação

103
Cf. Rocha e Marques em matéria da Veja (2019, documento online não paginado).
104
Cf. Folha de S.Paulo (2019, documento online não paginado).
105
“Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a
existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos
necessários ao oferecimento da denúncia.”.
106
“Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que
possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as
providências cabíveis.”.
107
Cf. Casara (2017, p. 107).
54

oficial até, com base em notícia apócrifa”. Ao que Moro responde: "Melhor formalizar
entao", conferindo chancela judicial a uma simulação processual.
A notícia apócrifa à qual o diálogo se refere nada mais é que a chamada de-
núncia anônima (via “disque-denúncia”, p. ex.). Ela ocorre quando alguém, sem se
identificar, relata para as autoridades (Delegado de Polícia, MP etc.) a prática de
determinado crime. Apesar de, por si só, essa denúncia anônima não ser idônea pa-
ra deflagrar a instauração de inquérito policial, ela é uma dica inicial para que as au-
toridades procurem mais elementos que possam formar uma justa causa108.
Ocorre que, no caso acima, não se trata de uma denúncia anônima legítima.
A pessoa que faria essa denúncia não mais quer fazê-la, e Dallagnol sugere fraudar
uma notícia apócrifa para obrigá-la a depor. Ou seja, o conteúdo da “denúncia anô-
nima” (fabricada) que justificaria Dallagnol chamar alguém para depor é o próprio
conteúdo que essa pessoa forneceria. E Moro, no papel a quem o ordenamento jurí-
dico reserva a função de julgar transgressões à lei (juiz), não só não repreende a
fraude processual, mas dá seu aval. Se não for o juiz a impor limites ao órgão acu-
sador, que é parcial por natureza, obrigando-o a seguir a lei no seu afã investigató-
rio, quem o fará? Nas palavras do poeta romano Juvenal109: Quis custodiet ipsos
custodes? Quem guardará os guardiões?

3.3.4. Sugestão de inversão de fases da Lava Jato e escolha da jurisdição

Até agora, abordarmos diálogos de Moro que potencialmente ferem a impar-


cialidade do juízo, uma garantia do direito ao juiz natural. Contudo, outra série de
diálogos (parte 05 das reportagens do The Intercept110) aponta para uma malversa-
ção do próprio sistema de competências para se escolher a jurisdição mais conveni-
ente.

21 de fevereiro de 2016
Moro – 01:09:56 – Olá Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o
caso de inverter a ordem da duas [fases da operação Lava Jato] planejadas
Deltan – 11:12:04 – O problema é o risco de nos atropelarem em SP ou em
BSB. Queríamos antes, mas tem a festa do PT… Uma semana pode fazer

108
Cf. Badaró (2015, p. 124).
109
Em “Sátiras”, coleção de poemas do final do Século I e início do Século II.
110
Cf. The Intercept (2019, documento online não paginado).
55

diferença para SP especialmente. Em BSB com o acordo feito às pressas e


depoimentos do senador de madrugada receamos também que adiantem
algo
Moro – 12:43:52 Ok. Pensem ai. Sugeri por conta do recente acompanha-
mento
Deltan – 13:47:24 – Estamos refletindo. Por enquanto a tendência é contrá-
ria. Vou ler esses resultados parciais

27 de fevereiro de 2016
Deltan – 12:37:48 – Há uma reclamação sobre competência com ela [Minis-
tra Rosa Weber, do STF]. Defesa alega que MPF e MPSP estão investigan-
do mesmo fato e cabe ao STF decidir então pede suspensão das inv [inves-
tigação] até decisão quanto a quem é competente
Moro – 12:41:32 – Humm. Até onde tenho presente, ela é pessoa seria. Nao
tem tb a tendência de entrar em bola dividida. Mas claro, tudo é possível.

13 de março de 2016
Moro – 20:50:01 – Nobre, isso nao pode vazar, mas é bastante provavel
que a acao penal de sp seja declinada para cá se o LL nao virar Ministro an-
tes
Deltan – 22:15:50 – Ok
Deltan – 22:15:55 – Obrigado!

Conforme pode ser abstraído dos diálogos, existia um sentimento de preocu-


pação (ou no mínimo, interesse) compartilhado entre Moro e Dallagnol acerca da
eventual possibilidade de não serem mais competentes para processar e julgar Lula.
Isso é sugerido por terem conversado sobre a conveniência de inverter ou não or-
dens da operação Lava Jato sob o prisma de como isso afetaria a fixação (artificial)
de competência, por terem especulado sobre como o STF decidiria a questão e por
Moro ter repassado a informação privilegiada (ressaltando que “isso não pode va-
zar”) de que o juízo de SP declinaria de sua competência em favor da vara de Moro.
Para prosseguir com a análise desses diálogos, é necessário um pouco de
contexto. Quando Dallagnol comenta com Moro sobre “o risco de nos atropelarem
em SP ou em BSB”, que “uma semana pode fazer diferença para SP especialmente”
e que “Em BSB com o acordo feito às pressas e depoimentos do senador de madru-
gada receamos também que adiantem algo”, está se referindo à possibilidade de um
juízo em São Paulo ou em Brasília se tornar competente para julgar o caso de Lula.
Tenha-se em mente que o caso do apartamento triplex em Guarujá começou
a ser investigado pelo MPSP, que inclusive apresentou denúncia contra Lula em 09
de março de 2016 e requereu sua prisão preventiva. Paralelamente a isso, em Brasí-
lia/DF, foram tomados de madrugada depoimentos do então senador Delcídio do
Amaral, num acordo de colaboração premiada realizado às pressas: Delcídio pres-
tou 21 termos de depoimento entre 11 e 14 de fevereiro de 2016; uma média de
56

mais de 05 termos de depoimento por dia, o último deles iniciado às 23h15min 111.
Em outras palavras, havia uma corrida entre os procuradores pelo “privilégio” de
acusar Lula.
Com relação à inversão das fases, o diálogo entre Moro e Dallagnol coincide
com a movimentação oficial referente à deflagração da operação Aletheia, na qual
ocorreu a condução coercitiva do ex-presidente Lula. Comparando os diálogos aos
autos da Aletheia112, percebe-se que o diálogo (que aconteceu entre a madrugada e
o início da tarde do domingo de 21 de fevereiro) se deu menos de 24 horas após o
MPF requerer, numa peça de 89 páginas, autorização para busca e apreensão em
30 endereços de Lula, familiares e pessoas ligadas a ele, sem contudo requerer ne-
nhuma medida adicional sobre Lula. Em resumo, em que pese a força-tarefa ter se
limitado a pedir a Moro uma busca e apreensão em imóveis de Lula, Moro achou
melhor não postergar a condução coercitiva, que ficaria (e de fato ficou) para depois,
conforme documento protocolado pelo MPF em 24 de fevereiro. Tudo isso num con-
texto de se compreender qual seria a melhor forma de atrair a competência para Cu-
ritiba em detrimento de SP ou de Brasília.
Para garantir que o caso de Lula ficaria em Curitiba, Dallagnol criou uma co-
nexão entre o caso do triplex e o caso da Petrobras, que já estava sendo julgado por
Moro. A tese do MP era de que o triplex teria sido reformado pela empreiteira OAS e
doado a Lula como propina em contratos com a Petrobras, imputando-se a Lula os
crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Num contexto de duras críticas
e chacotas da opinião pública referentes à fragilidade da denúncia (“não temos pro-
va, mas temos convicção”113) e ao PowerPoint que apresentou na entrevista coleti-
va, Dallagnol confessou a Moro, além de que “a denúncia é baseada em muita prova
indireta de autoria” (como já abordado no tópico sobre a apreciação informal da de-
núncia), que:

Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema


era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente
não compreendeu porque colocamos ele como líder para imperar 3,7MM de
lavagem, quando não foi por isso, e sim para inputar 87MM de corrupção.

111
Rocha e Motta em matéria do BuzzFeed News (2019, documento online não paginado).
112
Rocha e Motta em matéria do BuzzFeed News (2019, documento online não paginado).
113
Frase que não foi literalmente dita na entrevista, sendo uma sumarização dos críticos com base na
fala de Dallagnol. Cf. matéria do G1 (2019, documento online não paginado).
57

Conectando os pontos, o que os diálogos mostram é que Dallagnol admitiu a


Moro que a expressão que utilizou durante a apresentação para se referir a Lula (“lí-
der máximo” do esquema de corrupção) era uma forma de relacionar Lula a R$ 87
milhões pagos pela OAS em propina referente a contratos da Petrobras. Saliente-se
que o próprio Dallagnol admite que não há provas disso na denúncia. Contudo, tra-
tava-se de uma peça-chave para que o caso pudesse ser julgado por Moro em Curi-
tiba. Os promotores de SP rechaçaram114 esse entendimento ao recorrerem, em
março de 2016, da decisão que declinou a competência em favor de Curitiba:

Em 2009/2010 não se falava de escândalo na Petrobras. Em 2005 quando o


casal presidencial, em tese, começou a pagar pela cota-parte do imóvel,
não havia qualquer indicação do escândalo do ‘petrolão’. Ao contrário, está-
vamos no período temporal referente ao escândalo do ‘mensalão’. Não é
possível presumir genericamente e sem conhecer detidamente as investiga-
ções que tramitam perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba que tudo
tenha partido de corrupção na estatal envolvendo desvio de recursos fede-
rais.

A análise conjunta dos diálogos acima com os diálogos revelados no tópico


sobre a apreciação informal da denúncia sugere a seguinte linha de raciocínio: i) o
caso do triplex em Guarujá começou a ser investigado pelo MPSP; ii) Moro e Dal-
lagnol queriam que o processo de Lula fosse julgado em Curitiba; iii) Dallagnol, com
o conhecimento de Moro, se utilizou de uma artimanha na denúncia para conectar o
caso do triplex com o caso da Petrobrás, de competência de Moro; iv) caso essa
conexão não tivesse sido feita, o caso não teria sido julgado em Curitiba; v) em 14
de março de 2016, após a apresentação da denúncia por Dallagnol, o Juízo da 4ª
Vara Criminal de São Paulo declinou a competência para a 13ª Vara Federal de Cu-
ritiba115.
É importante deixar claro que não é ônus argumentativo desta pesquisa expli-
car em minúcias se a estratégia de Dallagnol é ou não válida do ponto de vista jurí-
dico, nem tampouco se mais razão assistia ao MPSP. O foco aqui é mostrar que
existiram conversas e ações referentes à competência que contaram com a partici-
pação informal de Moro via Telegram: a sugestão de inversão das fases, a especu-
lação sobre como o STF decidiria a controvérsia da competência, o adiantamento

114
Cf. Estado de Minas (2016, documento online não paginado).
115
Cf. Affonso et al. em matéria do Estadão (2016, documento online não paginado).
58

privilegiado da decisão de SP por declinar da competência em favor de Curitiba e a


conversa entre Dallagnol e Moro sobre a estratégia, utilizada na denúncia, de “impu-
tar 87MM de corrupção” a Lula para conectar, sem provas, o caso do triplex com o
caso da Petrobras (noção no mínimo controversa, dada a contestação do MPSP).
Para além da já mencionada (indevida) preocupação sobre a competência,
Moro efetivamente participa dos esforços de Dallagnol para fixar a competência em
Curitiba em ao menos dois momentos: i) quando opina sobre a artimanha utilizada
na denúncia para ligar o caso do triplex ao caso da Petrobrás: “Definitivamente, as
críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme”; e ii) quando sugere a
inversão das fases da operação. O próprio verbo “sugerir”, utilizado por Moro, é si-
nônimo de “aconselhar”, presente expressamente na dicção do art. 254, IV, CPP (na
locução verbal “tiver aconselhado”).
Tendo em vista que a jurisdição deve ser inerte — o juiz não busca a causa,
mas esta chega ao juiz —, uma preocupação de ordem subjetiva e pessoal sobre a
competência (desejar que tal caso seja “seu”) em tese já seria capaz de gerar a sus-
peição do juízo, em que pese a dificuldade de se provar essa predileção quando o
próprio juiz não se declara suspeito. Contudo, mais que um sentimento, o que apa-
rece nos diálogos são verdadeiros esforços empreendidos especificamente para fi-
xar essa competência em favor de Moro, com seu conhecimento, aval e até proati-
vas sugestões. Em outras palavras, o juiz escolheu (ou no mínimo ajudou a esco-
lher) o réu que queria julgar. Como esperar que um juiz que deseja julgar um réu
específico seja imparcial?

3.3.5. Conclusão intermediária

Diante do exposto, tendo em vista que (i) Moro apreciou informalmente a de-
núncia contra Lula, adiantando decisão de mérito sobre suficiência das provas; (ii)
ajudou a definir a estratégia de atuação midiática de uma das partes contra a outra,
inclusive utilizando-se de linguagem depreciativa; (iii) indicou, de modo confesso e
afastando qualquer dúvida sobre a autenticidade ao menos dessas mensagens em
específico, uma testemunha para fortalecer o caso contra o réu que viria a julgar,
além de aquiescer com flagrante desrespeito à lei quando deveria repreendê-lo, em
verdadeira simulação processual; e (iv) demonstrou um mínimo de interesse em ga-
rantir a competência do juízo de Curitiba; conclui-se que — do ponto de vista de um
59

juiz médio, prescindindo-se de uma análise subjetiva sobre a psique do juiz concreto
— o risco de Moro ter tido a intenção prévia de julgar Lula e de ter efetivamente
aconselhado o MP em prejuízo da defesa é alto demais para ser constitucionalmente
tolerável. Não só isso, mesmo no melhor cenário possível, em que Moro não teria a
intenção de ser parcial, os pontos acima elencados têm o condão de serem percebi-
dos como uma atuação parcial aos olhos de um observador sensato, afetando a ne-
cessária confiança no Judiciário. Assim, Moro incorreu em uma intervenção estatal
injustificada no direito fundamental processual de Lula ao juiz natural e, mais especi-
ficamente, no disposto no art. 254, IV116, c/c art. 564, I117, ambos do CPP.

116
“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das
partes: IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;”.
117
“Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I - por incompetência, suspeição ou suborno
do juiz;”.
60

4 INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DO JUDICIÁRIO NO CASO LULA E SEUS


IMPACTOS NA DEMOCRACIA BRASILEIRA

A Pesquisa Datafolha118 divulgada em 22 de agosto de 2018 apresentou dois


cenários para as eleições presidenciais. No primeiro, Lula, enquanto candidato do
PT, liderava isoladamente as intenções de voto com 39%, seguido por: Jair Bolsona-
ro (PSL), 19%; Marina Silva (Rede), 8%; Geraldo Alckmin (PSDB), 6%; e Ciro Go-
mes (PDT), 5%. Como Lula já estava preso em Curitiba após a condenação em se-
gunda instância no caso do triplex em Guarujá — acarretando sua inelegibilidade em
virtude da Lei da Ficha Limpa —, e o registro de sua candidatura ainda seria decidi-
do pelo TSE, foi apresentado um segundo cenário. Dessa vez, o candidato do PT
era o então candidato a vice-presidente na chapa de Lula, Fernando Haddad. Nesse
cenário, o líder passava a ser Bolsonaro, com 22%. Nas simulações de segundo tur-
no no primeiro cenário, Lula venceria todos os demais candidatos.
Saliente-se que, mesmo não se podendo saber com absoluta certeza, por im-
possibilidade lógica, se realmente Lula teria sido eleito ao invés de Bolsonaro caso
aquele fosse elegível, não há como negar o fato de que Lula possuía força eleitoral
expressiva a ponto de ser considerado um dos principais candidatos. O afastamento
ilegítimo de um candidato sem condições de vencer uma eleição já seria inaceitável
nos parâmetros democráticos, quiçá o afastamento de alguém com chances reais de
se tornar (novamente) presidente.
Nesse contexto, chamou a atenção da mídia internacional a seguinte sequên-
cia de acontecimentos: i) condenação do ex-presidente Lula (em tempo recorde) por
Moro, com consequente inelegibilidade (tempestiva) do líder isolado nas pesquisas
eleitorais; ii) eleição de Bolsonaro; e iii) nomeação, por Bolsonaro, de Moro, principal
responsável pela condenação de Lula, para assumir o Ministério da Justiça e Segu-
rança Pública de seu governo.
E existe uma razão para o alarde. Mesmo sem qualquer análise concreta da
atuação de Moro no caso Lula, o simples fato de um juiz que condenou um políti-

118
A pesquisa tem margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Foram
ouvidos 8.433 eleitores em 313 municípios de 20 e 21 de agosto. O nível de confiança utilizado é de
95%, ou seja, há uma probabilidade de 95% de os resultados retratarem de modo fidedigno o
momento eleitoral da época (considerando a margem de erro).
Cf. matéria do G1 (2018, documento online não paginado).
61

co119 ter aceitado um cargo de um político adversário já representa uma atitude, no


mínimo, digna de cartão amarelo tendo em vista o potencial de violação concreta à
independência do poder Judiciário e, não menos importante, a percepção dessa vio-
lação por parte da população (conforme estudamos no capítulo II), que enxerga uma
clara relação de prêmio político por uma atuação judicial. Porém, após a conclusão
intermediária do capítulo III, o caso passa a ser de cartão vermelho.
Até agora, endereçamos a questão da parcialidade de Moro para julgar Lula.
Contudo, tal parcialidade não ocorreu “no vácuo”. O que poderia significar “apenas”
uma conduta ilegal por parte de um magistrado toma novas proporções quando con-
siderados os impactos de suas ações na corrida presidencial de 2018. Assim, à luz
dos conceitos de lawfare, pós-democracia e pós-verdade, neste capítulo final volta-
remos a analisar diálogos do The Intercept (assim como outras fontes), desta vez
procurando responder à pergunta: houve uma motivação política por trás da violação
das garantias de Lula?
O termo “pós-democracia”120 — em oposição ao Estado Democrático de Direi-
to (ou Estado Constitucional121), marcado pelos limites ao poder e pelo respeito à
soberania popular — designa um contexto de pleno funcionamento formal das insti-
tuições democráticas (p. ex. eleições e liberdade de expressão), mas em que se ob-
serva o desaparecimento progressivo da dinâmica democrática e a transferência do
poder real de produzir decisões políticas para pequenos grupos122. Ou seja, o que
existe é uma fachada democrática, um simulacro. Com maior importância para a
nossa pesquisa, os julgamentos no Estado Pós-Democrático, analogamente, assu-
mem a forma de simulacros de julgamento. Isso porque a solução de um caso sub-
metido ao crivo do Judiciário não advém de um livre convencimento juridicamente

119
É verdade que Moro condenou diversos outros políticos, porém isso não invalida o fato de que
ficou conhecido no Brasil principalmente por julgar o caso de Lula, maior líder político do PT e que
poderia voltar a ser eleito em 2018. O “antipetismo” foi um dos sentimentos cultivados na campanha
eleitoral de Bolsonaro e do qual Moro se tornou um símbolo.
120
A expressão costuma ser atribuída ao cientista político inglês Colin Crouch, que focou sua análise
na transferência do poder decisório para as grandes corporações (um “governo das finanças”). Essa
visão é mais adequada ao Norte global, que possui historicamente um maior compromisso com os
direitos fundamentais e que assistiu tentativas mais consistentes de implementação do Estado do
Bem-Estar Social. Porém, a pós-democracia revela-se ainda mais problemática em países da
América Latina e da África (o Sul global), em que sequer existe a fachada democrática descrita por
Crouch na medida em que concepções abertamente autoritárias e a não concretização de direitos
básicos ameaçam os próprios valores da democracia liberal. Em detalhes, v. Casara (2017, p. 23-25).
121
Cf. Canotilho (1997, p. 100).
122
Cf. Casara (2017, p. 23).
62

motivado à luz das provas e da lei, mas antes ocorre a desconsideração de direitos
fundamentais a partir de uma “fundamentação” nos moldes da pós-verdade.
“Pós-verdade”, por sua vez, foi eleita pela Oxford Dictionaries123 como sua pa-
lavra do ano em 2016 (ano em que ocorreu a eleição de Trump, o Brexit, a denúncia
de Lula na Lava Jato e o impeachment de Dilma) e é definida como “circunstâncias
em que os fatos objetivos são menos influentes em formar a opinião pública do que
os apelos à emoção e à crença pessoal”. Trata-se de uma nova fase de combate
político, baseada no populismo e no desmoronamento do valor da verdade, capaz
de abalar as próprias bases das instituições democráticas124.
Diz-se que o Estado Pós-Democrático adere aos postulados da pós-verdade
porque o desapego a limites ocorre muitas vezes em nome de slogans atraentes
para a população, como “interesse público”, “combate à corrupção”, “segurança pú-
blica”, dentre outros termos gerais passíveis de instrumentalização para exercer um
maior controle social125. Mesmo que não haja comprovação fática de que certas
ações (desde decisões arbitrárias até projetos de lei que visam ao endurecimento
das penas) levam aos resultados prometidos (diminuição da criminalidade, aumento
da segurança etc.), esses chavões são explorados por lideranças carismáticas e
pouco democráticas, cuja atuação messiânica ocorre sem limites como a separação
de poderes e respeito aos direitos fundamentais126. Esse “salvador da pátria” pode
vir na forma de um juiz midiático (“messianismo jurídico”), um militar que faz apologia
a ditaduras (“messianismo bélico”) ou um empresário bem-sucedido (“messianismo
empreendedor”)127. No Brasil, esse quadro ocorre com ainda maior facilidade pela
forte tradição autoritária128. Nesse contexto, não surpreende que, segundo o Datafo-

123
Cf. Oxford Dictionaries (2016, documento online não paginado).
124
Cf. d’Ancona (2018, p.14).
125
Cf. Casara (2017, p. 71-72).
126
Daí o perigo de se afirmar que a finalidade do processo penal é encontrar a “verdade real”. A uma,
porque a “verdade” é um todo, impassível de ser atingida (dentro e fora do processo penal) pela
própria falibilidade humana, cf. Carnelutti (1995, p. 83). A duas, porque a verdade cada vez mais
transmuta-se na pós-verdade, sujeita a manipulação.
127
Cf. Casara (2017, p. 182).
128
De acordo com Casara (2017), a pós-democracia tomou corpo no Brasil com o julgamento do
Mensalão (AP 470), perpassando pela Operação Lava Jato e pelo impeachment de Dilma, episódios
que teriam em comum a manipulação do significante “corrupção” para afastar direitos fundamentais.
63

lha, 57% dos brasileiros concordem com a afirmação “bandido bom é bandido mor-
to”129.
Tais slogans são utilizados para justificar discursivamente até mesmo a cola-
boração entre os órgãos acusatório e decisório e a desconsideração das formas
processuais, que passam a ser percebidas como obstáculos a serem superados em
prol da eficiência repressiva contra os que são considerados “inimigos”. Em suma, a
ilegalidade (e por que não dizer, corrupção) é praticada em nome do combate à essa
mesma ilegalidade ou corrupção. Se antes o paradigma era o da concepção liberal
do Sistema de Justiça Criminal, voltado à racionalização e contenção do exercício
do poder penal, no Estado Pós-Democrático tais limites são afastados no afã de
confirmar a hipótese acusatória.
Já lawfare pode ser definido130 como o uso indevido de instrumentos legais
com o objetivo de perseguição política, destruição da imagem pública e desqualifica-
ção de um adversário político. Por meio da combinação de ações aparentemente
legais com uma ampla cobertura midiática, procura-se pressionar o réu e até mesmo
seus familiares para torná-lo mais vulnerável a acusações sem provas, uma vez que
não conta com apoio popular. Para tanto, o papel dos meios de comunicação em
massa, que vai desde elaborar hipóteses acusatórias até (pré-)julgar os acusados
sem os limites que a lei impõe ao Judiciário, é essencial. Não raro, os julgamentos
midiáticos, que antecedem os julgamentos jurídicos, influenciam estes na medida
em que muitos juízes também querem ser “festejados” pela mídia131.
Nesse contexto, três dinâmicas e um ator-chave convergem para a constru-
ção do lawfare132: i) timing político, consubstanciado na utilização, como arma, do
processo judicial em momentos específicos de alto custo político para a pessoa ou
grupo desacreditado; ii) reorganização do aparato judicial, com o posicionamento em
espaços-chave, pelas elites que detêm o controle do Estado, de técnicos (advoga-
dos, juízes, promotores) comprometidos politicamente com essas elites; iii) aplicação

129
Cf. matéria do G1 (2016, documento online não paginado).
130
Cf. paper do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (CELAG) sobre Lawfare e
judicialização da política na América Latina (2017, documento online, p. 1-12). O termo tem sua
origem em um livro de 1999 sobre estratégia militar, significando originalmente "um método não
convencional de guerra no qual a lei é usada como um meio para atingir um objetivo militar". Cf.
Holzer em artigo no Harvard National Security Journal (2012, documento online não paginado).
131
Cf. Casara (2017, p. 99).
132
Cf. artigo no CELAG (2017, documento online, p. 1-12).
64

de duplos padrões à lei, em que embora vários casos de corrupção venham à tona,
alguns são escolhidos para se acompanhar mais de perto, enquanto outros são tor-
nados invisíveis ou mesmo descartados; e iv) meios de comunicação massivos e
concentrados133, que atuam na manipulação da opinião pública por meio da amplia-
ção de alguns casos e invisibilização de outros, construindo consentimentos artifici-
ais. Conforme veremos adiante, todos esses elementos estão presentes no caso
Lula e na Lava Jato como um todo.
Uma última nota metodológica antes de prosseguirmos. No capítulo anterior,
fomos mais restritos com relação ao objeto da análise, tanto do ponto de vista subje-
tivo (apenas analisamos as ações de Moro, não de Dallagnol, outros procuradores
implicados pelo diálogos ou do TRF-4) quanto objetivo (apenas aquelas ações com
ligação direta com o caso Lula). Neste capítulo, de forma a não limitar a análise no
sentido macro, nos permitimos ampliar o escopo da pesquisa para abarcar as ações
de três atores: o juiz, o tribunal e o órgão acusatório.

4.1. O juiz

4.1.1. Pós-verdade na estratégia discursiva sobre a Vaza Jato

O jornal Valor Econômico mapeou134 a escalada das reações de Moro


sobre as mensagens da Vaza Jato. Inicialmente, Moro não contestou sua veracida-
de, chegando a afirmar que “não se vislumbra qualquer anormalidade”, e optou por

133
Cinco famílias controlam metade dos 50 veículos de comunicação com maior audiência no Brasil,
de acordo com a pesquisa Media Ownership Monitor ou MOM, financiada pelo governo da Alemanha
e realizada em conjunto pela ONG brasileira Intervozes e a Repórteres Sem Fronteiras (RSF),
baseada na França. O maior é o Grupo Globo, da família Marinho, que detém nove desses 50
maiores veículos. Segundo os autores da pesquisa, uma “dimensão central da concentração na mídia
brasileira” é a propriedade cruzada. O caso dos Marinho é o mais conhecido, mas se reproduz com
outras famílias: seu conglomerado vai desde emissoras de rádio (CBN e Rádio Globo), TV aberta
(rede Globo, líder de audiência) e fechada (GloboNews e outros 30 canais), até jornais, revistas e
sites como O Globo, Extra, Valor Econômico e a revista Época. Para evitar que o conteúdo
transmitido à população corresponda unicamente à vontade dessas famílias, o parágrafo 5º do art.
220 da CF prevê que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser
objeto de monopólio ou oligopólio”. Porém, este artigo e outros que dizem respeito à comunicação
social nunca foram regulamentados pelo Congresso, resultando em um marco legal ineficiente
combinado com a ausência de fiscalização pelas autoridades competentes mesmo das leis já
existentes. Em detalhes, v. matéria da CartaCapital. Saliente-se que 32 deputados federais e 8
senadores da 55ª legislatura (2015-2019) são proprietários de emissoras de rádio e TV, cf. matéria do
Media Ownership Monitor Brasil (2019, documento online não paginado).
134
Cf. Delgado em matéria da Valor (2019, documento online não paginado).
65

duas estratégias: focar na “invasão criminosa de celulares” e descredibilizar o The


Intercept, criticando o suposto “sensacionalismo das matérias” e afirmando que o
veículo teria contrariado “regra básica do jornalismo”.

09/06/2019
Às 21h55 em nota divulgada pelo Ministério da Justiça
"Sobre supostas mensagens que me envolveriam publicadas pelo site The
Intercept neste domingo, 9 de junho, lamenta-se a falta de indicação de fon-
te de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procura-
dores. Assim como a postura do site que não entrou em contato antes da
publicação, contrariando regra básica do jornalismo"
"Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qual-
quer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado,
apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das maté-
rias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Ope-
ração Lava Jato."

10/06/2019
Post no Twitter
"Muito barulho por conta de publicação por site de supostas mensagens ob-
tidas por meios criminosos de celulares de procuradores da Lava Jato. Lei-
tura atenta revela que não tem nada ali apesar das matérias sensacionalis-
tas."

11/06/2019
Post no Twitter
"Além de juízes e procuradores, jornalistas também tiveram celulares
hackeados pelo mesmo grupo criminoso."

11/06/2019
Às 14h30, em nota divulgada pelo Ministério da Justiça "O ministro da Justi-
ça Sergio Moro esteve reunido na manhã de hoje com o presidente Jair Bol-
sonaro quando falaram sobe a invasão criminosa de celulares de juízes,
procuradores e jornalistas. O ministro rechaçou a divulgação de possíveis
conversas privadas obtidas por meio ilegal e explicou que a Polícia Federal
está investigando a invasão criminosa. A conversa foi bastante tranquila. O
ministro fez todas as ponderações ao presidente, que entendeu as questões
que envolvem o caso."

É importante ressaltar que as primeiras reportagens135, datadas de 09 de ju-


nho de 2019, já revelavam algumas das condutas mais graves imputadas a Moro
que abordamos no capítulo III (p. ex., a sugestão de que o MP emitisse uma nota
expondo as contradições do depoimento de Lula e indicação de testemunha com
aval de fraude processual).
Foi só em 13 de junho de 2019 (04 dias depois das primeiras reportagens)
que Moro contestou pela primeira vez a autenticidade das mensagens, em entrevista

135
Cf. Martins, Santi e Greenwald em matéria do The Intercept (2019, documento online não
paginado).
66

ao jornal "O Estado de S. Paulo". Contudo, em nenhum momento rechaçou o conte-


údo de alguma mensagem, inclusive relativizando o contato pelo Telegram com uma
suposta urgência das comunicações.

13/06/2019
Em entrevista a O Estado de S.Paulo
"Fui vítima de um ataque criminoso de hackers. Clonaram meu telefone,
tentaram obter dados do meu aparelho celular, de aplicativos. Até onde te-
nho conhecimento, não foram obtidos dados. Mas os procuradores foram ví-
timas de hackers e agora está havendo essa divulgação indevida. Estou ab-
solutamente tranquilo em relação à natureza Das minhas comunicações."
"Às vezes surgia a necessidade de coisas muita urgentes, era comum você
ser contatado, seja verbalmente, seja por aplicativos, mas com demandas
lícitas. A questão do aplicativo é apenas um meio."
"Eu fico numa situação delicada porque eu não posso reconhecer a autenti-
cidade dessas mensagens, porque é assim, em vez de eles apresentarem
tudo, e que a gente possa verificar a integridade desse material, eles estão
com essa ideia de apresentar paulatinamente. E eu não excluo a possibili-
dade de serem inseridos trechos modificados, porque eles não se dignaram
nem sequer a apresentar o material a autoridades independentes para veri-
ficação."
"Não tenho essas mensagens. Veja, são fatos que aconteceram dois três
anos atrás. Não tenho memória de tudo. Vejo algumas coisas que podem
ter sido coisas que eu tenha dito. Agora podem ter inserções maliciosas. En-
tão fica muito complicado."

No dia 14 de junho de 2019, pelo Twitter, Moro se referiu ao The Intercept


como “o site aliado a hackers criminosos”, numa tentativa de deslegitimar perante a
população uma atitude jornalística que é permitida constitucionalmente:

14/06/2019
Post no Twitter
"Para o site aliado a hackers criminosos: Publiquem tudo se quiserem. Agi
dentro da legalidade. Não vou pedir desculpas por ter cumprido o meu de-
ver e ter aplicado a lei contra a corrupção e o crime organizado."

No mesmo dia, admitiu que poderia “ter havido um descuido formal”, chegan-
do a dizer que se trata de “um grupo criminoso contratado para atacar as instituições
brasileiras”.

14/06/2019
Entrevista a jornalistas
"Eventualmente pode ter havido um descuido formal, mas isso não é ne-
nhum ilícito, se é a indagação nesse sentido. Eu não cometi nenhum ilícito e
estou absolutamente tranquilo de todos os atos que cometi enquanto juiz da
Lava Jato."
"A Polícia Federal está empenhada, mas essas investigações às vezes le-
vam algum tempo dada a dificuldade de rastrear. Eu não acredito que seja
67

um autor só, acho que é um grupo criminoso contratado para atacar as insti-
tuições brasileiras."

No dia 15 de junho de 2019, em nota oficial, num contexto de repercussão in-


ternacional do caso, passou a privilegiar a tese da adulteração:

15/06/2019
Às 9h18, em nota divulgada pelo Ministério da Justiça
"O Ministro da Justiça e Segurança Pública não reconhece a autenticidade e
não comentará supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por
meio de invasão criminosa de hackers e que podem ter sido adulteradas e
editadas. Reitera-se a necessidade de que o suposto material, obtido de
maneira criminosa, seja apresentado a autoridade independente para que
sua integridade seja certificada."

Por fim, no Senado, novamente focou na possibilidade abstrata de adultera-


ção, ao mesmo tempo em que defende as mensagens dizendo que não há qualquer
quebra de imparcialidade ou anormalidade.

19/06/2019
Em audiência na CCJ do Senado
"Tenho sido cobrado sobre as autenticidades, eu não tenho essas mensa-
gens. Essas mensagens podem ser adulteradas"
"Esse veículo não teve a dignidade de apresentar essas mensagens para
serem verificadas"
"Ali não há nada que denote qualquer quebra de imparcialidade ou anorma-
lidade"
"Não estou com medo não. Divulguem tudo de uma vez"

A apresentação, por Moro, de diversas teses subsidiárias (não lembro dos


diálogos; mesmo que sejam parcialmente verdadeiros, podem ter sido adulterados;
mesmo que não tenham sido adulterados, não se vislumbra qualquer ilegalidade ne-
les), como se estivesse em um contexto judicial, tem o condão de criar uma confu-
são proposital na opinião pública. Bombardeado a todo o tempo com diversas infor-
mações antagônicas, o cidadão desiste de tentar separar o joio do trigo por mera
exaustão mental. A consequência disso é a “resignação cognitiva”, uma retirada de
uma corrida aparentemente invencível contra inverdades136.
Aliada às teses subsidiárias, que mais parecem um “duplipensar”137 orwellia-
no, a insistência de Moro (e dos procuradores envolvidos) no crime cometido pelos

136
Pomerantsev apud d’Ancona (2018, p.36).
137
Duplipensar, na literatura de George Orwell, é o ato de aceitar simultaneamente duas crenças
mutuamente contraditórias como corretas.
68

hackers e a tentativa de descredibilização do The Intercept como “aliado de hackers”


(e, portanto, criminosos por tabela) têm a função de agregar à informação divulgada
um sentimento de repulsa da população138. Presume-se que Moro, por ter sido juiz,
provavelmente tem conhecimento que, do ponto de vista jurídico, a discussão já foi
há muito superada, visto que a origem ilícita da informação não altera a informação
em si (tenha-se em mente o emblemático caso Snowden, em que as informações,
de importância pública indiscutível, foram obtidas por meio de um crime). Se Moro
sabe que falar de “hackers” e de “invasão criminosa” a cada vez que é perguntado
sobre as mensagens carece de valor argumentativo para invalidar o seu conteúdo,
infere-se que o propósito dessa narrativa é inserir uma “refutação pela emoção”.
Essa refutação emotiva também ocorre quando Moro, em sua defesa, apro-
veita para exaltar a Operação Lava Jato no combate à corrupção (um slogan pós-
democrático), inclusive sugerindo que a Vaza Jato fora orquestrada com o objetivo
de anular condenações de corruptos. Também o recurso a teorias da conspiração é
uma característica da pós-verdade. A eficácia dessas teorias guarda relação com
um anseio humano pela narrativa, por explicações, por ordem ao invés de caos 139.
Uma forma de identificar o porta-voz de uma teoria da conspiração é a sua tendên-
cia de enxergar o destino da conspiração em termos apocalípticos e de levantar bar-
ricadas em defesa da civilização. Pessoas conspiratórias são tomadas por uma
grande ansiedade, típica de milenaristas religiosos140. Parece se encaixar nesse per-
fil a mensagem de caráter messiânico enviada por Dallagnol a Moro no dia 13 de
março de 2016, quando aconteceu uma das maiores manifestações pró-
impeachment:

Deltan – 22:19:29 – E parabéns pelo imenso apoio público hoje. Você hoje
não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso

138
A força dos sentimentos pode ser observada na eleição de Trump, na vitória do Brexit, no
terraplanismo e na negação do aquecimento global, do holocausto e até da eficácia das vacinas.
Todos esses fenômenos possuem o denominador comum da pós-verdade, em especial a utilização
de uma narrativa que, embora não lastreada em fatos verificáveis, possuem simplicidade e
ressonância emocional, tão desejados pelos cidadãos frente à ordem bruta das complexidades da
vida moderna. A campanha a favor do Brexit, emblemática nesse sentido, “[f]oi a política da pós-
verdade em seu estado mais puro: o triunfo do visceral sobre o racional, do enganosamente simples
sobre o honestamente complexo”. Em detalhes: d’Ancona (2018, p. 25-29).
139
Aaronovitch apud d’Ancona (2018, p. 64).
140
Hofstadter apud d’Ancona (2018, p. 62).
69

não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para
reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal.
Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque
todos conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação.
Moro – 22:31:53 – Fiz uma manifestação oficial. Parabens a todos nós.
Moro – 22:48:46 – Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional
de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso
nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar
e condenar tantos e tao poderosos
[...]
Deltan – 23:14:53 – Preciso que Vc assuma mais as 10 medidas ou outras
mudanças em que acredite também, se entender que isso não trará proble-
mas sérios. A sociedade quer mudanças, quer um novo caminho, e espera
líderes sérios e reconhecidos que apontem o caminho. Você é o cara. Não é
por nós nem pelo caso (embora afete diretamente os resultados do caso),
mas pela sociedade e pelo futuro do país.

Também merece destaque a forma temerária com que Moro relativiza a ne-
cessidade de equidistância em relação às partes como uma mera formalidade, e sua
transgressão como mero “descuido formal”, nunca um ilícito. A lei, em especial no
processo penal, é uma proteção do cidadão perante o Estado, que deve atuar dentro
dos limites legais. O desaparecimento desses limites é uma das características da
chamada “pós-democracia”.

4.1.2. Levantamento ilegal de sigilo telefônico envolvendo Dilma

Talvez uma das mais impactantes ações de Moro no decorrer do processo de


Lula tenha sido a divulgação, em 16 de março de 2016 (03 dias depois de manifes-
tações contra o governo Dilma), dos áudios da ligação entre Lula e a então presiden-
te Dilma referente à nomeação daquele como ministro da Casa Civil 141. De acordo
com os diálogos do The Intercept, Moro e Dallagnol se consultaram142 antes do le-
vantamento do sigilo da comunicação:

Dallagnol – 12:44:28. – A decisão de abrir está mantida mesmo com a no-


meacao, confirma?
Moro – 12:58:07. – Qual é a posicao do mpf?
Dallagnol – 15:27:33. – Abrir

Um dia depois (17), Moro reconheceu num despacho a ilegalidade da inter-


ceptação telefônica da conversa entre Dilma e Lula, que ocorreu após Moro ter de-

141
Cf. Uribe em matéria na Folha de S.Paulo (2016, documento online não paginado).
142
Cf. matéria do The Intercept (2019, documento online não paginado).
70

terminado o encerramento da interceptação. Porém, continuou defendendo a libera-


ção do áudio ilegal “considerando o seu conteúdo relevante”, chegando a afirmar
que não via “maior relevância” nesse fato143:

Determinei a interrupção da interceptação, por despacho de 16/03/2016, às


11:12:22 (evento 112).

Entre a decisão e a implementação da ordem junto às operadoras, colhido


novo diálogo telefônico, às 13:32, juntado pela autoridade policial no evento
133.

Não havia reparado antes no ponto, mas não vejo maior relevância.

Como havia justa causa e autorização legal para a interceptação, não vis-
lumbro maiores problemas no ocorrido, valendo, portanto, o já consignado
na decisão do evento 135.

Não é ainda o caso de exclusão do diálogo considerando o seu conteúdo


relevante no contexto das investigações, conforme já explicitado na decisão
do evento 135 e na manifestação do MPF do evento 132.

A circunstância do diálogo ter por interlocutor autoridade com foro privilegia-


do não altera o quadro, pois o interceptado era o investigado e não a autori-
dade, sendo a comunicação interceptada fortuitamente. Ademais, nem
mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no
resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, po-
dendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-
americana em US v. Nixon, 1974, ainda um exemplo a ser seguido.

A citação do precedente US v. Nixon é descabida. No caso Watergate, Nixon


estava descumprindo a lei e foi obrigado pela Suprema Corte Americana a ceder as
gravações originais que comprovavam isso. Ou seja, se trata de um contexto com-
pletamente diferente. Novamente, observa-se que até textos tendencialmente demo-
cráticos podem justificar arbitrariedades nas mãos de intérpretes autoritários144.
Segundo uma matéria da Folha de S.Paulo145, a interceptação telefônica per-
mitiu que a Lava Jato soubesse do convite de Dilma a Lula com uma semana de an-
tecedência (no dia 09), tempo que foi utilizado para os procuradores prepararem
com Moro (mencionado na conversa como “Russo”) o levantamento do sigilo das
interceptações antes que a nomeação obrigasse Moro a encaminhar o caso a Brasí-
lia. A propósito, confira-se as mensagens a seguir do agente federal Rodrigo Prado:

143
Cf. Rodas em matéria do Consultor Jurídico (2016, documento online não paginado).
144
Cf. Casara (2017, p. 107).
145
Cf. Balthazar et al. em matéria da Folha de S.Paulo (2019, documento online não paginado).
71

9.mar.2016

Rodrigo Prado
16:02:49 Ela ofereceu mesmo pra ele
16:03:07 E ele esta pensando
16:03:07 Talvez aceite
16:04:01 Nao só por causa da LJ mas para salvar o Governo dela
16:04:33 Cai isso numa conversa dele com Gilberto Carvalho

14.mar.2016

Prado
[...]
20:25:15 Voces pensam em eprocar isso quando?
20:26:44 Se for uma emergencia, fechamos o relatorio do jeito que esta,
mas muitas ligacoes so estao com resumo. E o Russo pediu expressamente
que todas fossem transcritas.
20:27:16 Estamos tentando fazer o melhor possivel, porque esse relatorio
vai fazer um strike em BSB

Quando, às 13h32min do dia 16 de março de 2016, Dilma telefonou para Lula


e avisou que o “Bessias” estava a caminho com o documento de sua nomeação pa-
ra a Casa Civil, Prado informou aos procuradores:

Senhores: Dilma ligou para Lula avisando que enviou uma pessoa para en-
tregar em mãos o termo de posse de Lula. Ela diz para ele ficar com esse
termo de posse e só usar em ‘caso de necessidade’... Estão preocupados
se vamos tentar prendê-lo antes de publicarem no Diário Oficial a nomeação
do Lula.

Aproximadamente 15min depois, às 13h46m, o Planalto divulgou oficialmente


a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil. Moro ainda não havia tomado uma
decisão sobre o levantamento do sigilo das ligações. O jornalista Elio Gaspari, em
sua coluna da Folha de S.Paulo, afirmou que “às 14h26m, o delegado Luciano Flo-
res de Lima pediu a Prado que transcrevesse a conversa de Dilma com Lula e, às
15h34m, o delegado narrou o conteúdo da conversa a juiz Moro” 146. Às 15h37min, a
PF anexou aos autos o áudio com a conversa de Dilma e Lula, assim como o relató-
rio com sua transcrição. De acordo com registros no sistema eletrônico de acompa-
nhamento dos processos da Justiça Federal, Moro examinou detalhadamente os
áudios anexados pela PF, tendo inclusive determinado a exclusão de duas conver-
sas com advogados de Lula, argumentando que envolviam sigilo profissional. Às
16h21min, Moro levantou o sigilo de todos os telefonemas, inclusive daqueles que

146
Porém, como não foi revelado esse diálogo, não pudemos confirmar essa informação. Cf. Gaspari
em matéria da Folha de S.Paulo (2019, documento online não paginado).
72

ocorreram depois do seu despacho suspendendo a escuta. Às 18h32min, a Globo-


News noticiou a decisão e leu a transcrição do diálogo ao vivo.
A mesma reportagem da Folha também aponta que a tese de que a nomea-
ção de Lula tinha por finalidade “escapar” da jurisdição de Moro por meio do foro
privilegiado foi fabricada. Acessando anotações dos agentes que monitoraram Lula,
descobriu-se resumos de 22 conversas grampeadas após a interrupção da intercep-
tação em março de 2016. Nesses diálogos, que incluem conversas de Lula com polí-
ticos, sindicalistas e o então vice-presidente Michel Temer (MDB), resta clara a relu-
tância de Lula em aceitar o convite de Dilma para ser ministro. A aceitação só veio
após pressão de aliados e no intuito de ajudar na articulação do governo no Con-
gresso Nacional para evitar o impeachment de Dilma.
Por que isso é relevante? Porque essas informações foram ocultadas preme-
ditadamente para se criar a narrativa de que a única intenção da nomeação de Lula
era a de “obstruir a justiça”, um ato de corrupção. As implicações dessa tese fabri-
cada foram desde o cancelamento da nomeação pelo STF e a ainda maior estigma-
tização de Lula como um criminoso perante a população até o agravamento da “cri-
se” política que levou, em 17 de abril de 2016, os deputados federais a aprovarem o
prosseguimento do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Seis dias depois (22), após duras críticas à divulgação dos áudios, Moro e
Dallagnol voltaram ao assunto:

Dallagnol – 21:45:29. – A liberação dos grampos foi um ato de defesa. Ana-


lisar coisas com hindsight privilege é fácil, mas ainda assim não entendo
que tivéssemos outra opção, sob pena de abrir margem para ataques que
estavam sendo tentados de todo jeito…
[…]
Moro – 22:10:55. – nao me arrependo do levantamento do sigilo. Era [a] me-
lhor decisão. Mas a reação está ruim.

Uma semana após a conversa (29), Moro pediu “respeitosas escusas” ao ex-
ministro STF Teori Zavascki pelo ato, que poderia “ser considerado incorreto, ou
mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessá-
rios”147. As informações foram enviadas a pedido de Zavascki, que havia determina-
do a suspensão das investigações da Operação Lava Jato envolvendo Lula e o en-
vio dos processos ao STF:

147
Cf. Richter em matéria do Agência Brasil (2016, documento online não paginado).
73

Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo e da decisão


de vossa excelência, compreendo que o entendimento então adotado possa
ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polê-
micas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção deste jul-
gador, ao proferir a aludida decisão de 16 de março, provocar tais efeitos e,
por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo
Tribunal Federal.

Faz-se necessário, aqui, abrir um parêntese. Teori Zavascki, relator da Lava


Jato no STF, era motivo de preocupação por parte da classe política por não ter “li-
gações”, como foi revelado no famigerado áudio148 da conversa entre Romero Jucá
(ex-senador e presidente nacional do MDB) e Sérgio Machado (ex-senador pelo
PSDB, atualmente filiado ao MDB e ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Pe-
trobras), ambos investigados pela Lava Jato e interessados em “estancar essa san-
gria” “num grande acordo nacional” “[c]om o Supremo, com tudo”. Zavascki faleceu
em um acidente149 de avião no estado do Rio de Janeiro em 19 de janeiro de 2017.
A morte de Zavascki fez com que o ministro Edson Fachin (do Paraná) assu-
misse o posto de relator da Lava Jato no STF. Além disso, a vaga aberta na Corte
foi preenchida por Alexandre de Moraes, até então ministro da Justiça do governo de
Michel Temer. Como Temer também era investigado pela Lava Jato e Alexandre de
Moraes, antes de ser ministro, era filiado ao PSDB, foi advogado de Eduardo Cunha
(do mesmo partido que Temer, MDB) e de Aécio Neves (PSDB), foram levantadas
suspeitas150 de reorganização do aparato judiciário para fins políticos, uma das ca-
racterísticas do lawfare.
Feita essa breve digressão e voltando à análise das reações de Moro, este
novamente recorre às teses subsidiárias, apresentando o que pode ser chamado de
“fatos alternativos”151 (um eufemismo para mentira), tática da guerra de informação
na pós-verdade. Ao falar que o levantamento poderia ser considerado negativo
“mesmo sendo correto”, Moro sugere que sob algum prisma o levantamento dos áu-

148
Cf. matéria do UOL (2017, documento online não paginado).
149
Em que pese as investigações acerca da possibilidade de homicídio terem sido arquivadas após a
conclusão do MP e da PF de que se tratava de um acidente, essa versão não é inconteste. Cf.
Ameni, Albuquerque e Takahashi em matéria do site Pragmatismo Político (2017, documento online
não paginado).
150
Cf. Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (2017, p. 1-12).
151
Cf. d'Ancona (2018, p. 24-25).
74

dios poderia ser considerado legítimo, numa batalha pela opinião pública — afetada
pelo já citado fenômeno de “resignação cognitiva”.
Em 09 de abril de 2019, o ex-juiz e agora ministro Moro voltou a falar sobre a
divulgação das conversas em entrevista ao programa “Conversa com Bial”152:

Eu autorizei essa interceptação. Ela tinha causa provável. Ninguém inter-


ceptou a presidente da República. Ela quem faz uma ligação ao telefone do
ex-presidente (…) A minha decisão era pra manter o diálogo e aí caberia ao
Supremo Tribunal Federal decidir se aquele diálogo seria ou não prova váli-
da. Na minha opinião, era prova válida. Eu fiz o que achava certo e não me
arrependo. O problema ali não era a captação do diálogo e a divulgação do
diálogo, o problema era o diálogo em si, o conteúdo do diálogo, que ali era
uma ação visando burlar a justiça, esse era o ponto.

Como vimos anteriormente, a relativização das garantias processuais em no-


me do que se “achava certo” é uma característica do Estado pós-democrático. Com
a ajuda dos meios de comunicação de massa, é possível construir no imaginário so-
cial a figura mitológica do “bom juiz”. Esse juiz divino, que representa a bondade ou
o bem, é vendido por essas empresas de comunicação e percebido por parte da po-
pulação (seja por desconhecimento das regras do jogo democrático, seja por tradi-
ção autoritária) como herói. Assim, esse “bom juiz” recebe uma suposta “legitimidade
popular” para ultrapassar limites, p. ex. desrespeitando direitos fundamentais 153. Pa-
rafraseando o já citado Juvenal: quem nos protegerá da bondade dos bons154?
Ironicamente, a tese de Moro de que “[o] problema ali não era a captação do
diálogo e a divulgação do diálogo, o problema era o diálogo em si”, a ponto de con-
siderar válida prova ilícita (escuta telefônica com validade expirada), serviria para
incriminar o próprio Moro por abuso de autoridade e improbidade administrativa com
base nos diálogos do The Intercept, também obtidos ilicitamente. Não obstante ou-
trora ter considerado o conteúdo mais importante do que a forma, no caso da Vaza
Jato, Moro se limita a dizer que foi vítima de um crime e ignora o conteúdo das con-
versas.

4.1.3. Despacho durante férias contra soltura de Lula

152
Cf. Oliveira em matéria do Justificando (2019, documento online não paginado).
153
Cf. Casara (2017, p. 131).
154
Cf. Marques Neto (1994, p. 30-50).
75

Outro episódio que remete a uma possível perseguição jurídica de Lula foi a
batalha de decisões do dia 08 de julho de 2018. Às 09h05min, acolhendo um pedido
de habeas corpus feito por integrantes do Partido dos Trabalhadores, o desembar-
gador do TRF-4 Rogério Favreto determinou a soltura de Lula em regime de plan-
tão155. Favreto considerou a pré-candidatura de Lula à presidência da República
como fato novo a autorizar a soltura:

As últimas ocorrências nos autos da execução que versam sobre demandas


de veículos de comunicação social para entrevistas, sabatinas, filmagens e
gravações com o Sr. Luiz Inácio Lula Silva, ora Paciente, demonstram evi-
dente fato novo em relação à condição de réu preso decorrente de cumpri-
mento provisória.
[...]
Efetivamente, o anúncio público pelo Paciente como pré-candidato, aliado
aos já mencionados inúmeros pleitos de participação em eventos de deba-
tes políticos, seja pelos meios de comunicação ou outros instrumentos de
manifestação da cidadania popular, ensejam verificar a procedência de sua
plena liberdade a fim de cumprir o desiderato maior de participação efetiva
no processo democrático.

Além disso, Favreto apontou ilegalidades na determinação de prisão de Lula,


"que sequer [...] poderia ser determinada naquele estágio processual, visto que ain-
da pendia de julgamento recurso de embargos de declaração relativo ao acórdão
condenatório, ou seja, sem esgotar a jurisdição da instância revisora". A partir daí,
deu-se início uma guerra de decisões sobre a soltura de Lula que durou 10 horas e
25 minutos156.
Às 12h05min, Moro, que estava de férias, emitiu um despacho questionando
a competência de Favreto para decidir a questão e orientando a Polícia Federal a
esperar que o relator do processo, o desembargador João Pedro Gebran Neto, se
pronunciasse:

O Desembargador Federal plantonista, com todo o respeito, é autoridade


absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do Colegiado da
8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda do Plenário do
Supremo Tribunal Federal. Se o julgador ou a autoridade policial cumprir a
decisão da autoridade absolutamente incompetente, estará, concomitante-
mente, descumprindo a ordem de prisão exarada pelo competente Colegia-
do da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Diante do im-
passe jurídico, este julgador foi orientado pelo eminentee Presidente do Tri-

155
Para consulta: HC nº 5025614-40.2018.4.04.0000/PR.
156
Cf. cronologia feita por Agence France-Presse (AFP) na matéria da Exame (2018, documento
online não paginado).
76

bunal Regional Federal da 4ª Região a consultar o Relator natural da Apela-


ção Criminal 5046512-94.2016.4.04.7000, que tem a competência de, con-
sultando o colegiado, revogar a ordem de prisão exarada pela colegiado.

Às 12h24min, Favreto proferiu uma nova decisão, ordenando a soltura de Lu-


la. Às 14h13min, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do caso no
TRF-4, anulou a ordem de soltura emitida por Favreto:

Para evitar maior tumulto para a tramitação deste habeas corpus, até por-
que a decisão proferida em caráter de plantão poderia ser revista por mim,
juiz natural para este processo, em qualquer momento, determino que a au-
toridade coatora e a Polícia Federal do Paraná se abstenham de praticar
qualquer ato que modifique a decisão colegiada da 8ª Turma.

Às 15h20min, Moro informa que, embora estivesse de férias até o dia 31 de


julho, sentiu-se permitido a dar seu “parecer” por ter sido citado no HC. Às
16h04min, Favreto ordena novamente a soltura imediata de Lula:

Reitero o conteúdo das decisões anteriores, determinando o imediato cum-


primento da medida de soltura no prazo máximo de uma hora, face já estar
em posse da autoridade policial desde as 10h, bem como em contado com
o delegado plantonista foi esclarecida a competência e vigência da decisão
em curso.

Às 19h30min, o então presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flo-


res, endossou a decisão do relator do caso, Gebran Neto, suspendendo a decisão
de Favreto. Posteriormente, Moro disse ao CNJ que a soltura do ex-presidente pro-
vocaria uma “situação de risco”157, o que justificaria sua atuação ter despachado du-
rante suas férias.
Não é nossa intenção, aqui, analisar o mérito das decisões: se o HC deveria
ser concedido ou não, se Favreto tinha competência ou não etc. O que é importante
frisar é que a decisão de Favreto em favor da soltura de Lula foi capaz de movimen-
tar, num domingo e num intervalo de poucas horas, diversas decisões judiciais, in-
clusive uma de um juiz de férias. Alguém imaginaria isso acontecer com qualquer
outro réu no país? Além disso, é digna de nota que desde a sua primeira manifesta-
ção, apenas 03 horas após a decisão de Favreto, Moro relata ter sido “orientado pe-
lo eminentee Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a consultar o
Relator”.

157
Cf. Falcão em matéria do JOTA (2018, documento online não paginado).
77

Particularmente significante é como a grande mídia explorou o fato de Fa-


vreto, que ascendeu ao TRF-4 na regra do quinto constitucional após indicação da
OAB, ter sido filiado ao PT por 19 anos e ocupado cargos durante o segundo man-
dato de Lula. Foram levantadas acusações de favorecimento político-partidário que
não são feitas em outros casos (relembre-se o já citado ministro do STF Alexandre
de Moraes, que era filiado ao PSDB). De toda sorte, naquele momento, Favreto es-
tava dotado de competência para exercer jurisdição por ser o desembargador plan-
tonista, ao passo que Moro não só não estava investido de jurisdição naquele caso
como estava de férias. Acusar Favreto de partidarismo ao mesmo tempo em que se
defende a atuação de Moro é um exemplo de “projeção”, fenômeno psicológico de
atribuir a outra pessoa algo de que se é culpado. Essa tática foi explorada, p. ex.,
por Trump, que era notoriamente mentiroso158 em sua campanha eleitoral e come-
çou a acusar seus críticos na mídia de espalhar fake news159.

4.1.4. Indignação com investigação de FHC

Na parte 07 das reportagens da Vaza Jato160, foram revelados diálogos que


sugerem que a Lava Jato era politicamente seletiva. Em conversa com Dallagnol
datada de 13 de abril de 2017, Moro relata sua discordância em relação às investi-
gações envolvendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso:

Moro – 09:07:39 – Tem alguma coisa mesmo seria do FHC? O que vi na TV


pareceu muito fraco?
Moro – 09:08:18 – Caixa 2 de 96?
Dallagnol – 10:50:42 – Em pp [princípio] sim, o que tem é mto fraco
Moro – 11:35:19 – Não estaria mais do que prescrito?
Dallagnol – 13:26:42 – Foi enviado pra SP sem se analisar prescrição
Dallagnol – 13:27:27 – Suponho que de propósito. Talvez para passar reca-
do de imparcialidade
Moro – 13:52:51 – Ah, não sei. Acho questionável pois melindra alguém cu-
jo apoio é importante

158
De acordo com o PolitiFact, site de fact-checking ganhador do Prêmio Pulitzer, 69% das
declarações de Trump são “predominantemente falsas”, “falsas” ou “mentirosas”. Cf. d’Ancona (2018,
p.20).
159
Cf. d’Ancona (2018, p. 57).
160
Cf. Martins em matéria do The Intercept (2019, documento online não paginado).
78

O diálogo ocorreu um dia depois de o Jornal Nacional ter veiculado uma re-
portagem com suspeitas contra FHC161.
É preciso relembrar que a Lava Jato vinha recebendo uma série de críticas
sobre sua suposta seletividade. A ideia de que a operação poupava certos políticos
era potencializada, ainda, por aparições de Moro sorrindo em eventos ao lado de
Aécio Neves e Michel Temer, ambos com acusações de corrupção pendentes.
Por mais que Moro e a força-tarefa tenham negado, em diversas manifesta-
ções oficiais e entrevistas, que a Lava Jato possuía um viés político, essa tese perde
força ante ao diálogo acima. Nele, Dallagnol afirma acreditar que a força-tarefa de
Brasília propositalmente não considerou a prescrição do caso de FHC “talvez para
passar recado de imparcialidade”.
Também não merece passar despercebido a preocupação explícita de Moro
com essa estratégia. Para Moro, mesmo que outros procuradores da força-tarefa
tenham passado adiante uma investigação sabidamente inócua, porquanto prescrita,
para manipular a opinião pública a acreditar que a operação era imparcial (sem
qualquer risco real a FHC), ainda assim esse curso de ação deveria ser evitado por
atingir um parceiro político. Ou seja, ao mesmo tempo em que Lula era alvo de uma
atuação parcial do Judiciário para o prejudicar, FHC era alvo de uma atuação parcial
do Judiciário para o beneficiar, numa aplicação de um “duplo padrão à lei” típica do
lawfare. Esse quadro fortalece a tese de que a operação Lava Jato foi, desde o co-
meço, sobre uma “caça” ao PT e ao seu líder maior162.

4.1.5. “Tabelinhas” processuais com o MP

Em 1° de novembro de 2018, Moro aceitava ser ministro da Justiça e Segu-


rança Pública no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro. Merece particular
atenção a reação, nesse mesmo dia, dos procuradores da Lava Jato, divulgada na
parte 08 das reportagens do The Intercept163:

161
Cf. matéria do G1 (2017, documento online não paginado).
162
Cf. Souza (2017, p. 185).
163
Cf. GREENWALD et al. em matéria do The Intercept (2019, documento online não paginado).
79

Ângelo – 10:00:07 – Cara, eu não confio no Moro, não. Em breve vamos


nos receber cota de delegado mandando acrescentar fatos à denúncia. E,
se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs.
Monique – 10:00:30 – Olha, penso igual.
Monique – 10:01:36 – Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer
corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variasssss vezes) e res-
peitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados al-
cançados pela lava jato
Ângelo – 10:02:13 – Ele nos vê como “mal constitucionalmente necessário”,
um desperdício de dinheiro.
Monique – 10:02:30 – Se depender dele, seremos ignorados.
Ângelo – 10:03:02 – Afinal, se já tem juiz, por que outro sujeito processual
com as mesmas garantias e a mesma independência? Duplicação inútil. E
ainda podendo encher o saco.
Monique – 10:03:43 – E essa fama do Moro é antiga. Desde que eu estava
no Paraná, em 2008, ele já atuava assim. Alguns colegas do MPF do PR di-
ziam que gostavam da pro atividade dele, que inclusive aprendiam com is-
so.
Ângelo – 10:04:30 – Fez umas tabelinhas lá, absolvendo aqui para a gente
recorrer ali, mas na investigação criminal – a única coisa que interessa -,
opa, a dupla polícia/ juiz eh senhora.
Monique – 10:04:31 – Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado
por seus resultados.

O desabafo da procuradora Monique Cheker de que “Moro é inquisitivo, só


manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP
[...] e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso” confirma a conclusão in-
termediária a que chegamos no último capítulo (dessa vez ampliando-a para a atua-
ção de Moro no geral, e não só em relação ao caso Lula). Cheker chega a afirmar,
alguns minutos depois, que com a aceitação de Moro para atuar no governo “[f]ica
claro que ele tinha Lula como troféu”. Essa insinuação de que Moro utilizou sua fun-
ção de juiz para ascender politicamente (usando um réu como “troféu”) entra em
choque com a independência do Judiciário que estudamos no capítulo II.
Mas o que merece especial destaque, aqui, é que um procurador tenha cha-
mado algumas absolvições de Moro de “tabelinhas”: “[f]ez umas tabelinhas lá, absol-
vendo aqui para a gente recorrer ali”. Essa frase sugere uma simulação judicial, tra-
tada com preocupante naturalidade, em que o juiz absolve não porque é essa a so-
lução apontada pelo ordenamento jurídico, mas para afastar críticas de que estaria
atuando em conjunto com os procuradores, e sabendo que de qualquer forma o MP
recorreria. Trata-se de mais um exemplo da coexistência formal de instituições de-
mocráticas (pessoas sendo absolvidas conforme a lei) com a ausência de limites
que caracteriza a pós-democracia (foram absolvidas apenas em um primeiro mo-
mento para conferir uma aparência de imparcialidade).
80

4.1.6. Condução coercitiva de Lula sem recusa prévia

Em 4 de março de 2016, ocorria um dos episódios mais polêmicos da Lava


Jato: a condução coercitiva de Lula para depor no caso do triplex. O ex-presidente
não havia recebido intimação prévia para depor, tampouco havia se recusado a co-
laborar com as autoridades. A mídia internacional apresentava manchetes como
“Former Brazilian president Lula detained in Petrobras corruption probe”164 e “Brazil's
Lula detained in corruption probe; Rousseff objects”165.
O art. 260166 do CPP já vedava, à época167, a condução coercitiva do acusado
que não houvesse sido intimado anteriormente a depor. No caso de Lula, que se-
quer era acusado (não havia denúncia), Moro proferiu um despacho168 autorizando
previamente a condução coercitiva na eventualidade de que Lula “não aceite o con-
vite”.

Com essas observações, usualmente desnecessárias, mas aqui relevantes,


defiro parcialmente o requerido pelo MPF para a expedição de mandado de
condução coercitiva para colheita do depoimento do ex-Presidente Luiz Iná-
cio Lula da Silva.

Evidentemente, a utilização do mandado só será necessária caso o ex-


Presidente convidado a acompanhar a autoridade policial para prestar de-
poimento na data das buscas e apreensões, não aceite o convite.

Contudo, mesmo que Moro considerasse constitucional o art. 260169 do CPP,


e mesmo numa interpretação extensiva da palavra “acusado” para abarcar também
o investigado, não parece uma interpretação razoável desse dispositivo considerar
como um “convite” a presença física da Polícia Federal, em dia e horário não divul-

164
Cf. Alexander em matéria do The Telegraph (2016, documento online não paginado).
165
Cf. Haynes e Boadle em matéria do Reuters (2016, documento online não paginado).
166
“Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou
qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à
sua presença.”.
167
Diz-se à época porque o STF (2016, documento online não paginado), em acórdão publicado em
22/05/2019, julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental 395 para
pronunciar a não recepção da expressão "para o interrogatório", constante do art. 260 do CPP, e
declarar a incompatibilidade com a CF da condução coercitiva de investigados ou de réus para
interrogatório, que de qualquer forma poderiam se manter em silêncio.
168
Cf. decisão da 13ª Vara Federal de Curitiba (2016, documento online, p. 1-4).
169
Parte da doutrina já advogava pela não recepção do dispositivo em prol do direito ao silêncio, cf.
Silva Júnior (2015, i, 9.5.2.3).
81

gados previamente ao acusado, para solicitá-lo que deponha imediatamente, munida


ainda de decisão judicial autorizando-a a conduzi-lo coercitivamente em caso de ne-
gativa. Seria como considerar que uma parte assinou voluntariamente um contrato
com uma arma apontada para sua cabeça.
Para justificar sua decisão, Moro fez menção a um “motivo circunstancial rele-
vante”, ou seja, uma exceção à regra:

Por outro lado, nesse caso, apontado motivo circusntancial relevante para
justificar a diligência, qual seja evitar possíveis tumultos como o havido re-
centemente perante o Fórum Criminal de Barra Funda, em São Paulo,
quando houve confronto entre manifestantes políticos favoráveis e desfavo-
ráreis ao ex-Presidente e que reclamou a intervenção da Polícia Militar.

Colhendo o depoimento mediante condução coercitiva, são menores as


probabilidades de que algo semelhante ocorra, já que essas manifestações
não aparentam ser totalmente espontâneas.

Com a medida, sem embargo do direito de manifestação política, previnem-


se incidentes que podem envolver lesão a inocentes.

O recurso retórico a uma situação excepcional, extraordinária ou de exceção


(e também, em outros contextos, de crise), uma constante na operação Lava Jato,
foi utilizado ao longo da história para justificar ações que não seriam admitidas em
situações de normalidade (p. ex., a derrubada de governos legitimamente eleitos
após um resultado indesejado no processo eleitoral, como no Chile em 1973) 170.
Com maior relevância para esta pesquisa, a violação de direitos fundamentais por
situações supostamente extraordinárias guarda relação com o chamado “processo
penal do espetáculo”, cuja maior preocupação é agradar aos espectadores. O res-
peito à legalidade estrita e às formas processuais torna-se, além de enfadonho e
pouco comercializável pela mídia, um entrave à atuação dos “mocinhos” contra os
“bandidos”, tornando-o passível de relativização171. Daí a preocupação de Moro em
aperfeiçoar a estratégia midiática do MP, conforme vimos no capítulo III.
A mais relevante diferença entre Lula ser intimado a depor e ser coercitiva-
mente conduzido a fazê-lo jaz na dimensão simbólica. A condução coercitiva, como
ficou caracterizado pelas manchetes acima, teve o condão de ser explorada pela
grande mídia (ator-chave no lawfare) para pintar Lula como um criminoso perante a

170
Cf. Casara (2017, p. 13-14).
171
Cf. Casara (2017, p. 167).
82

sociedade antes mesmo de ser proferida a sentença condenatória (na verdade, 05


meses antes até da denúncia, que foi apresentada em 14 de agosto de 2016). Ou
alguém diria que os títulos das manchetes seriam os mesmos caso se tratasse de
uma intimação?
Saliente-se que a utilização das imagens da condução coercitiva de Lula não
se limitou aos veículos de notícias. Em 24 de março de 2017, Moro autorizou 172 que
tais imagens fossem usadas pela produção do filme “Polícia Federal — a lei é para
todos”. Negar isso, segundo Moro, seria um ato de censura — postura que até seria
louvável se desconsiderada a ilegalidade em que Moro incorreu para que essas
imagens, que agora passariam no cinema, fossem produzidas.
Por fim, também merece nota a matéria da Época173 sobre o episódio, intitula-
da “A condução coercitiva de Lula foi legal?”. Nela, é mencionado que “[a] polêmica,
no entanto, não se ateve àqueles que, ideologicamente, estão de um lado ou de ou-
tro. Dividiu também quem lida com os aspectos técnicos da lei –advogados, juristas,
promotores, juízes.”. Mas isso não é inteiramente verdade, visto que as críticas à
condução coercitiva foram incomparavelmente maiores em quantidade e em profun-
didade argumentativa. Trata-se do fenômeno da “neutralidade perniciosa”174: a cria-
ção pela mídia da ilusão de uma luta entre posições igualmente legítimas, quando
na verdade não o são.

4.1.7. Divulgação da delação de Palocci 06 dias antes das eleições

172
Cf. matéria do Consultor Jurídico (2017, documento online não paginado).
173
Cf. Grillo em matéria da Época (2016, documento online não paginado).
174
Um dos mais emblemáticos exemplos de neutralidade perniciosa foi o chamado “Climategate”, a
divulgação seletiva em 2009 de partes de e-mails e arquivos hackeados de uma universidade inglesa
de forma a sugerir um acobertamento acadêmico de que o aquecimento global seria uma farsa.
Mesmo após a comprovação de que os arquivos não minaram o consenso científico a respeito de
mudança climática, o estrago já havia sido feito: um levantamento da Universidade de Yale revelou
que o apoio do público à ciência do aquecimento global caiu de 71% para 57% entre 2008 e 2010.
Saliente-se que já foi comprovada a existência de uma indústria multibilionária da desinformação,
que, diferentemente do lobby legítimo, procura sistematicamente difundir mentiras por meio de
organizações de fachada a favor de grupos de interesse específicos, confundindo o público e criando
controvérsia onde antes não havia. Um exemplo disso é a Tobacco Industry Research Committee,
organismo criado em 1954 e patrocinado pela indústria do tabaco para contestar o vínculo entre o ato
de fumar e as doenças pulmonares. Em detalhes: d’Ancona (2018, p.46-48).
83

No dia 1º de outubro de 2018, pouco menos de uma semana antes do primei-


ro turno das eleições presidenciais175, Moro divulgou parte do acordo de colaboração
premiada de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda no governo Lula e da Casa
Civil no governo Dilma. O depoimento divulgado por Moro era extremamente danoso
ao PT, afirmando que Lula sabia da corrupção envolvendo a Petrobras e empreitei-
ras como a Odebrecht. Porém, uma reportagem 176 da Folha de S.Paulo com base
nos diálogos do The Intercept revelou que os procuradores da Lava Jato e o próprio
Moro sabiam que a delação, explorada exaustivamente pela mídia, carecia de pro-
vas.
Um pouco de contexto. Em março de 2018, Palocci realizou acordo de cola-
boração premiada com a Polícia Federal, e não com o MPF. Isso porque a Procura-
doria-Geral da República e a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, que negociaram
com Palocci durante quase oito meses, encerraram as negociações por concluírem
que a colaboração de Palocci acrescentava pouco ao que os investigadores já sabi-
am e não incluía provas capazes de sustentar os depoimentos que traziam novida-
des177.
No dia 25 de setembro, data em que Moro recebeu as provas entregues pelo
delator, o procurador Paulo Roberto Galvão teria dito a seus colegas num grupo do
Telegram: "Russo [apelido de Moro] comentou que embora seja difícil provar ele [Pa-
locci] é o único que quebrou a omerta178 petista". O diálogo é relevante porque suge-
re que Moro tinha consciência de que as provas não corroboram o conteúdo da de-
lação, mas esta persistia sendo útil por ter vindo do único petista a falar contra o PT.
Ainda segundo a Folha, o conteúdo da fala de Palocci ocupou quase nove
minutos do Jornal Nacional, da TV Globo, naquele dia 1º. A reportagem citou duas
vezes a ligação do ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli com a campa-
nha de Haddad, presidenciável em segundo lugar na corrida eleitoral. A repercussão
continuou no dia seguinte, com manchetes em diversos jornais e até na propaganda

175
Cf. Balthazar em matéria da Folha de S.Paulo (2018, documento online não paginado).
176
Cf. Balthazar; Martins em matéria da Folha de S.Paulo (2019, documento online não paginado).
177
Cf. Balthazar; Martins em matéria da Folha de S.Paulo (2019, documento online não paginado).
178
O termo italiano “omertà” remete a um código de silêncio, uma das maiores dificuldades das
autoridades em descobrir e penetrar organizações criminosas, como era o caso da máfia siciliana
Cosa Nostra (investigada na Operação Mãos Limpas, recorrentemente comparada com a Lava Jato).
Em detalhe: Fonseca (2017, p. 47-52).
84

eleitoral de adversários do PT. A campanha de Geraldo Alckmin (PSDB), p. ex., pas-


sou a mencionar o conteúdo da delação de Palocci.
Em 17 de outubro de 2019, Moro enviou um documento 179 ao Conselho Naci-
onal de Justiça (CNJ) alegando que não tivera a intenção de influenciar as eleições.
Dentre as razões jurídicas oferecidas por Moro para justificar a divulgação, desta-
cam-se: i) "o Juízo não pode interromper os seus trabalhos apenas porque há uma
eleição em curso"; ii) “Publicidade e transparência são fundamentais para a ação da
Justiça e não deve o juiz atuar como guardião de segredos sombrios de agentes po-
líticos suspeitos de corrupção”; iii) “Retardar a publicidade do depoimento para de-
pois das eleições poderia ser considerado tão inapropriado como a sua divulgação
no período anterior”; iv) “A medida era necessária pois caso haja condenação terá
este Juízo, na sentença, que dimensionar benefícios decorrentes da colaboração [...]
Então pertinente que pelo menos amostras da colaboração fossem juntadas aos au-
tos”; e v) “Ainda assim, pela ampla defesa, pelo menos necessário dar conhecimento
aos defensores dos coacusados do conteúdo, ainda que parcialmente, da colabora-
ção”.
Os argumentos de Moro são frágeis por si só. Falar em garantir a ampla defe-
sa, p. ex., não justifica uma divulgação da colaboração “ainda que parcialmente” aos
defensores dos coacusados, que deveriam ter acesso à prova completa. Porém,
mesmo que alguns dos outros argumentos jurídicos façam mais sentido, os diálogos
revelados pela reportagem da Folha sugerem uma motivação extrajurídica: “embora
seja difícil provar ele é o único que quebrou a omerta petista".
Ligando os pontos: o próprio MP, titular da ação penal, admitia que a colabo-
ração de Palocci (i) não trazia novidades quanto ao que se tinha prova e (ii) não tra-
zia provas quanto ao que seria novidade. Mas, mesmo assim, Moro divulgou esse
depoimento, com estrondosa repercussão nas eleições presidenciais. Isso atrai a
conclusão tanto de um timing político da atuação (perder as eleições presidenciais
representa um grande custo político) como de uma parceria da grande mídia nesse
desiderato, ambos características basilares do lawfare.

4.2. O tribunal

179
Cf. decisão do Conselho Nacional de Justiça (2018, documento online, p. 1-7).
85

4.2.1. Rejeição simplista de representação contra Moro

É bem verdade que, com relação ao TRF-4, não existe uma “smoking gun”
(uma evidência definitiva) como parece haver contra Moro. Contudo, o tribunal con-
correu para a prisão tempestiva de Lula mediante uma série de atuações juridica-
mente controversas que não podem ser ignoradas. Uma delas é a rejeição da repre-
sentação contra Moro protocolada pela defesa de Lula após a divulgação do áudio
da conversa com Dilma. A representação foi arquivada nos seguintes termos180:

É sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da cha-


mada operação 'lava jato', sob a direção do magistrado representado, cons-
tituem caso inédito (único, excepcional) no Direito brasileiro. Em tais condi-
ções, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento gené-
rico, destinado aos casos comuns.
[...]
Assim, tendo o levantamento do sigilo das comunicações telefônicas de in-
vestigados na referida operação servido para preservá-la das sucessivas e
notórias tentativas de obstrução, [...], é correto entender que o sigilo das
comunicações telefônicas (Constituição, art. 5º, XII) pode, em casos excep-
cionais, ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na
aplicação da lei penal.
[...]
a ameaça permanente à continuidade das investigações da operação 'lava
jato', inclusive mediante sugestões de alterações na legislação, constitui,
sem dúvida, uma situação inédita, a merecer um tratamento excepcional.
[...]
“Não havia precedente jurisprudencial de tribunal superior aplicável pelo re-
presentado, mesmo porque, como antes exposto, as investigações e pro-
cessos criminais da chamada operação 'lava jato' constituem caso inédito,
trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas”.

Ou seja, mesmo que uma interceptação telefônica seja ilegal, e mesmo que
envolva a então presidente da República, para o TRF-4 é justificável levantar o sigilo
por conta do “interesse geral” (slogan pós-democrático), mesmo havendo preceden-
te no STF dizendo expressamente o contrário181. Também não merecia Moro, que
desrespeitou a lei, ser sequer investigado pela possível desproporcionalidade de seu
ato pelo simples fato de o STF só ter dito depois que ele não poderia ter agido dessa
forma.

180
Cf. matéria do Consultor Jurídico (2016, documento online não paginado).
181
O STF já havia se pronunciado sobre o episódio, considerando irregular “a divulgação pública das
conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o
objeto da investigação criminal” (Rcl 23.457). O Plenário, por unanimidade, seguiu o entendimento do
então ministro Teori Zavascki de que era “descabida a invocação do interesse público” para divulgar
conversas de autoridades sem autorização judicial do foro competente. Cf. matéria do Consultor
Jurídico (2016, documento online não paginado).
86

Ao nosso ver, o TRF-4 não se desvencilhou do ônus argumentativo de expli-


car a validade jurídica do levantamento do sigilo dos áudios e de afastar a represen-
tação contra Moro. A defesa genérica de que a Lava Jato exige “soluções inéditas”
(só no pequeno trecho acima, o termo “inédito” foi utilizado 6 vezes), “tratamento
excepcional” (a beirar um tribunal de exceção) e de que a decisão atendeu ao “inte-
resse geral” pode servir, como parece ter sido o caso, para justificar toda e qualquer
arbitrariedade judicial.

4.2.2. Elogio público de seu presidente a Moro antes do julgamento da apelação

Pouco após ser proferida a sentença condenatória por Moro, o então presi-
dente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, concedeu
uma entrevista182 ao jornal Estadão. Lenz não julgou a apelação de Lula no caso do
triplex, tarefa que ficou a cargo da 8ª turma do tribunal, mas era o responsável por,
posteriormente, julgar a admissibilidade de eventuais recursos aos tribunais superio-
res visando a reformar a decisão da turma. Além disso, foi também responsável por
decidir a já mencionada batalha de decisões entre Favreto e Gebran e Moro. Agora,
é também responsável por julgar a apelação de Lula no caso do sítio de Atibaia,
após ter se tornado o novo integrante da 8ª Turma183 e o pedido de suspeição feito
pela defesa de Lula ter sido negado184. Vejamos alguns pontos dessa entrevista (gri-
fos no original para demarcar as falas do Estadão e de Lenz):

Estado – Tão logo saiu a sentença em que o juiz Sérgio Moro conde-
nou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses
de prisão o sr. disse que era uma sentença “bem preparada”...
E, acrescento agora, tecnicamente irrepreensível. Pode-se gostar dela, ou
não. Aqueles que não gostarem e por ela se sentiram atingidos tem os re-
cursos próprios para se insurgir.

O sr. gostou?
Gostei. Isso eu não vou negar.

Se o sr. fosse da Oitava Turma – a que vai julgar a apelação do ex-


presidente – confirmaria a sentença?
Isso eu não poderia dizer, porque não li a prova dos autos. Mas o juiz Moro
fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos. Eu comparo a impor-

182
Cf. Carvalho em matéria do Estadão (2017, documento online não paginado).
183
Cf. Lopes em matéria do UOL (2019, documento online não paginado).
184
Cf. em matéria do Consultor Jurídico (2019, documento online não paginado).
87

tância dessa sentença para a história do Brasil à sentença que o juiz Márcio
Moraes proferiu no caso Herzog, sem nenhuma comparação com o momen-
to político. É uma sentença que vai entrar para a história do Brasil. E não
quero fazer nenhuma conotação de apologia. Estou fazendo um exame ob-
jetivo.

[...]

E se tivesse que decidir só em cima das 218 páginas que a sentença


tem, confirmaria ou não.
É muito difícil eu responder assim. Eu teria que ver os autos, os argumentos
da apelação. Mas as questões preliminares, por exemplo, a suspeição do
magistrado, as nulidades, ele respondeu muito bem.

[...]

A questão é, no mínimo, polêmica.


É polêmica, sem dúvida. Eu sou fascinado pela prova indiciária que, insisto,
é tão prova quanto as demais. Tem uma boa doutrina nesse sentido, além
de julgados do Supremo Tribunal Federal. A questão doutrinária, de fundo,
é se prova indiciária autoriza a conclusão condenatória. Em tese, eu não te-
nho a menor dúvida. Lembro uma frase que dizia o meu saudoso avô, minis-
tro [do Supremo] Thompson Flores: “Carlos Eduardo, você jamais poderá
condenar no processo penal por presunção, mas poderá fazê-lo por indí-
cios, por prova indiciária”.

[...]

Não acha que pode virar uma questão pessoal?


A defesa foi exaltada, em algumas situações, mas o juiz Moro se compor-
tou, a meu juízo, de forma exemplar. Eu não vejo esse perigo. Ele é juiz há
muito tempo, muito experiente.

O sr. o conhece bem?


Não. Eu o conheço muito pouco. Nos encontramos em solenidades do Tri-
bunal, umas duas ou três vezes.

O sr. tem uma opinião sobre ele?


É um juiz muito preparado, estudioso, íntegro, honesto, cujo trabalho já está
tendo um reconhecimento, inclusive internacional. É um homem que está
cumprindo a sua missão.

Em que pese não haver relação hierárquica na atividade jurisdicional do pre-


sidente e da turma, a veemência de suas afirmações enquanto presidente do TRF-4,
não se pode negar, cria uma pressão nos componentes desse tribunal. Ora, se o
presidente do tribunal elogiou tão enfaticamente a decisão (e o juiz que a proferiu) —
como se não houvesse sequer outro entendimento possível —, isso no mínimo influ-
encia quem poderia ter um entendimento contrário, em especial levando em conta
que ser contra a sentença de Moro significaria comprar uma briga com o presidente
do Tribunal, desgastando-se pessoal e politicamente naquele órgão e consequente-
88

mente prejudicando sua progressão na carreira185. Essa pressão política (no sentido
de política interna do Tribunal, política corporativa) exercida por Lenz não pode ser
tomada como algo normal. Saliente-se que o próprio Lenz afirma não ter lido a prova
dos autos, mas que a sentença é “tecnicamente irrepreensível”, que “vai entrar para
a história do Brasil” e que “o juiz Moro fez exame minucioso e irretocável da prova
dos autos”, o que é no mínimo contraditório. Como afirmar que Moro fez um exame
irretocável da prova dos autos sem ter lido a prova dos autos?
Não só isso, essa declaração tem o condão de mobilizar a opinião pública
(afinal, era uma entrevista a um jornal) sobre a força da sentença de Moro. O Esta-
dão, inclusive, dedicou vários parágrafos a enaltecer Lenz pela quantidade de livros
que lê e de línguas que fala. Aos olhos do cidadão comum, se uma pessoa tão eru-
dita assim está dizendo que a sentença é irrepreensível, histórica e irretocável, isso
tem o efeito indireto de atrair, ao menos da grande massa (que já está sobre a in-
fluência da mídia comercial há tempos), senão o ódio, mas ao menos o ceticismo em
relação a algum desembargador do TRF-4 que porventura ousasse se insurgir con-
tra uma decisão desse calibre. Existe uma relação entre o julgamento prévio pela
mídia (que por sua vez gera o julgamento prévio pela população) e o julgamento pe-
los juízes, pois existe um duplo enviesamento mesmo em nível subconsciente: deci-
dir de uma forma pode tornar um juiz festejado186 pelos meios de comunicação de
massa e pelo povo, ao passo que decidir de outra forma pode significar exatamente
o oposto.

4.2.3. Velocidade de tramitação variável

Um dos maiores indícios de influência política na atuação do TRF-4 tem a ver


com a velocidade de tramitação do caso do triplex no segundo grau. O recurso de
apelação fora relatado, revisado e julgado em tempo recorde, o que foi confirmado187
pelo site Aos Fatos, que realiza fact-checking de declarações de autoridades com
relevância nacional. Segundo o Aos Fatos, que obteve dados diretamente do TRF-4,
o julgamento (em 24 de janeiro de 2018) ocorreu pouco mais de seis meses e meio

185
Cf. Casara (2017, p. 43-44).
186
Cf. Casara (2017, p. 99).
187
Cf. Menezes em matéria do Aos Fatos (2017, documento online não paginado).
89

(196 dias) depois da condenação em primeira instância (em 12 de julho de 2017), o


mais rápido até então188. A média era de 486 dias, cerca de 16 meses.
Ainda mais chamativo que a rapidez na condenação em segunda instância foi
o que aconteceu a seguir. A defesa de Lula interpôs, em face do acórdão, tanto um
Recurso Extraordinário quanto um Recurso Especial. Segundo o art. 1.029 do CPC,
esses recursos devem ser interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do
tribunal recorrido (no caso, o TRF-4), que realizará um juízo de admissibilidade.
Tendo recebido os recursos, o TRF-4 diminuiu visivelmente o ritmo em relação aos
atos anteriores. Cite-se, por exemplo, que o TRF-4 levou um tempo similar (cerca de
40 dias) para analisar a condenação de Lula por Moro e para enviar uma notificação
para o MPF se manifestar sobre a admissão de recursos da defesa aos tribunais
superiores. Isso levantou a hipótese de que, quando em desfavor de Lula, o proces-
so teria um ritmo e, quando poderia favorecê-lo, teria outro189.
Foi então que o TRF-4, que de célere tornou-se moroso, voltou a ser célere.
Em 19 de junho de 2019, foi confirmado na pauta de julgamentos do STF 190 que o
ministro Edson Fachin julgaria no dia 26 de junho de 2019, uma semana depois, um
pedido de suspensão da condenação imposta a Lula e consequente expedição de
alvará de soltura, numa pretensão de antecipar o mérito de um recurso que em bre-
ve chegaria ao STF para análise. Diante disso, o TRF-4, que ainda estava para ana-
lisar a admissibilidade do RE e do REsp, o fez no dia 22 (03 dias depois do julga-
mento ter sido pautado no STF) negando admissibilidade ao RE e deferindo no caso
do REsp191. A consequência processual foi que o julgamento agendado para o dia
26 foi cancelado, pois o recurso do qual se pretendia a antecipação de mérito só po-

188
Essa rapidez se deu, entre outros fatores, por ter havido uma unanimidade na apelação que não é
comum no colegiado, sobretudo na Lava Jato, na qual 68% das decisões saem sem que os
desembargadores tenham avaliações iguais, cf. Simões e Capelo em matéria da Época (2018,
documento online não paginado). Ou seja, três em cada dez casos têm unanimidade no julgamento
da apelação e o de Lula foi um deles. Além disso, o TRF-4 julgou o caso de Lula antes de sete ações
da Lava Jato cujos recursos chegaram primeiro, cf. Marques em matéria da Folha de S.Paulo (2018,
documento online não paginado). Em sentido contrário ao TRF-4 ter agido com timing político,
registre-se os seguintes argumentos, presentes em matéria de Garcia e Bianchi no site UOL (2017,
documento online não paginado): i) o tribunal não precisaria seguir uma ordem cronológica, visto que
os processos tramitam de acordo com a complexidade e ineditismo de cada um e o art. 12 do CPC
afirma que essa observância é preferencial; ii) é normal o tribunal ser mais rápido quando se tem
conhecimento prévio do caso a partir de recursos da defesa na primeira instância, de modo que o
relator no tribunal já era familiarizado com as particularidades do processo.
189
Cf. matéria na Veja (2018, documento online não paginado).
190
Cf. Richter e Vilela em matéria da Agência Brasil (2018, documento online não paginado).
191
Cf. matéria do Consultor Jurídico (2018, documento online não paginado).
90

deria chegar ao STF após a interposição de agravo contra a decisão denegatória no


tribunal a quo. Ou seja, ao negar a admissibilidade ao RE, o TRF-4 criou uma nova
barreira a ser superada pela defesa192.

4.3. O órgão acusatório: complô contra entrevista de Lula na prisão

No dia 28 de setembro de 2018, o ministro do STF Ricardo Lewandowski au-


torizou193 que Lula, mesmo estando preso, fosse entrevistado pelos jornalistas Môni-
ca Bergamo e Florestan Fernandes Junior a menos de duas semanas do primeiro
turno das eleições. De acordo com diálogos da Parte 02194 das reportagens do The
Intercept, os procuradores da Lava Jato discutiram estratégias para, caso não con-
seguissem derrubar a decisão, reduzir o impacto político-eleitoral da entrevista, que
beneficiaria o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad.
Em que pese a decisão do ministro ter seguido os precedentes do STF de ga-
rantir o direito de pessoas custodiadas pelo Estado a falar com a imprensa, a deci-
são foi alvo de críticas inflamadas no grupo dos procuradores da Lava Jato no Tele-
gram. Por volta de 10h00min, a procuradora Laura Tessler emitiu sua opinião para
os colegas: “Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um
verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo, pela isonomia, devem vir tantos ou-
tros jornalistas… e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo
desse…”. Isabel Groba, também procuradora, respondeu: “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”.
Uma hora depois, Tessler retomou a discussão: “sei lá…mas uma coletiva an-
tes do segundo turno pode eleger o Haddad”. Paralelamente, Dallagnol conversava
privadamente com “Carol PGR”. Ambos lamentaram a possibilidade de “volta do PT”
à presidência, inclusive concordando na necessidade de rezar “para Deus iluminar
nossa população para que um milagre nos salve”. Nota-se, novamente, uma ansie-
dade paranóica característica de pessoas adeptas a teorias da conspiração, que às
vezes chegam até a fixar uma data para o apocalipse195 (no caso, a volta do PT ao
poder):

192
Cf. Noce em matéria do Justificando (2018, documento online não paginado).
193
Cf. STF (2018, documento online não paginado).
194
Cf. Greenwald e Pougy em matéria do The Intercept (2019, documento online não paginado).
195
Hofstadter apud d’Ancona (2018, p. 62).
91

Carol PGR – 11:22:08 Deltannn, meu amigo


Carol PGR – 11:22:33 toda solidariedade do mundo à você nesse episódio
da Coger, estamos num trem desgovernado e não sei o que nos espera
Carol PGR – 11:22:44 a única certeza é que estaremos juntos
Carol PGR – 11:24:06 ando muito preocupada com uma possivel volta do
PT, mas tenho rezado muito para Deus iluminar nossa população para que
um milagre nos salve
Deltan Dallagnol – 13:34:22 Valeu Carol!
13:34:27 Reza sim
13:34:32 Precisamos como país

De acordo com o The Intercerpt, longe de ser um episódio isolado, essa tôni-
ca perpassou uma discussão de horas sobre quais seriam as melhores estratégias
para prejudicar o PT. Após descartarem a possibilidade de impedir a entrevista, os
procuradores passaram a focar em como diminuir seus efeitos políticos. O procura-
dor Januário Paludo propôs: “Plano a: tentar recurso no próprio stf, possibilidade Ze-
ro. Plano b: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona
mas diminui a chance da entrevista ser direcionada.”.
Já o procurador Athayde Ribeiro Costa sugeriu que, como o ministro não ha-
via indicado expressamente a data em que a entrevista deveria acontecer, a Polícia
Federal a viabilizasse apenas após as eleições (que ocorreram no dia 07 de outubro
de 2018, 09 dias depois). Assim, evitaria-se o ganho político ao PT sem, contudo,
descumprir a decisão: “N tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara
cumprindo a decisao”. E adiciona: “E se forcarem antes, desnuda ainda mais o cara-
ter eleitoreiro”.
Outra sugestão foi a do procurador Julio Noronha, para quem uma coletiva de
imprensa seria o ideal. Assim, além de diluir o foco da entrevista, ainda haveria a
chance de inviabilizá-la operacionalmente:

Julio Noronha – 17:43:37 Como o Lewa já autorizou, acho que só há dois


cenários: a) A entrevista só para a FSP, possivelmente com o “circo armado
e preparado”; b) tentar ampliar para outros, para o “ciro” ser menor armado
e preparado, com a chance de, com a possível confusão, não acontecer.

O vazamento de peças judiciais para veículos de imprensa também foi discu-


tida pelos procuradores: “Paulo Galvão – 20:09:30 Passaram a petição da entrevista
pro antagonista? 20:09:51 Vcs querem passar p globo?”.
92

Às 22h49min, o procurador Julio Noronha compartilhou uma reportagem do


Antagonista196 sobre um recurso ao STF contra entrevista de Lula, interposto pelo
Partido Novo. Uma hora depois, deferindo o pedido, o ministro do STF Luiz Fux de-
cidiu liminarmente contra a entrevista, argumentando que “se faz necessária a relati-
vização excepcional da liberdade de imprensa”. O procurador Januário Paludo disse,
em clima de comemoração: “Devemos agradecer à nossa PGR: Partido Novo!!!”.
Saliente-se que, mais cedo, os procuradores tomaram conhecimento que Raquel
Dodge, então Procuradora-Geral da República, não iria recorrer da decisão autori-
zando a entrevista. Para o procurador Athayde Costa: “Ela ja ta pensando é na indi-
cacao ao STF caso Haddad ganhe”.
Foi apenas em abril de 2019 que a entrevista de Lula foi autorizada. A Polícia
Federal, agora chefiada pelo ministro Moro, tentou transformá-la numa coletiva de
imprensa, “adaptando” a decisão do STF. Porém, Lewandowski deferiu 197 um pedido
do El País para manter o modelo original.
Algumas coisas chamam a atenção nas conversas acima. Em primeiro lugar,
o desvio de finalidade. Ao MP não é dado realizar cálculos políticos-partidários na
persecução de seu mister institucional. Contudo, era explícita nas falas dos procura-
dores a intenção, ao se propor meios de burlar a decisão do STF, de dificultar a elei-
ção de um presidente do PT. Em segundo lugar, a naturalidade com que esses cál-
culos políticos eram feitos. O desvio de finalidade era realizado sem qualquer repre-
ensão ou desconforto de colegas, o que sugere que esse tipo de cálculo político fa-
zia parte do cotidiano daqueles servidores públicos. Em terceiro lugar, a negação de
limites no exercício do poder penal por atores jurídicos 198 (não só procuradores, mas
juízes, policiais etc. como vimos ao longo da pesquisa), característica do Estado
Pós-Democrático. Para atingir o objetivo de prejudicar o PT, vale até mesmo tentar
criar uma confusão para inviabilizar operacionalmente uma decisão proveniente da
mais alta Corte do país.

196
Cf. matéria de O Antagonista (2018, documento online não paginado).
197
Cf. matéria da Folha de S.Paulo (2019, documento online não paginado).
198
Cf. Casara (2017, p. 95).
93

5 CONCLUSÃO

A conclusão que se segue, diferentemente de análises esparsas existentes


anteriormente a esta pesquisa, foi construída não apenas num juízo sociológico e/ou
político, mas também jurídico-dogmático. No capítulo II, pudemos aferir o estado da
arte do direito fundamental processual ao juiz natural, escolhido como parâmetro
normativo para se analisar a compatibilidade da conduta de Moro com o ordenamen-
to jurídico brasileiro. Foram examinadas sua classificação doutrinária e base norma-
tiva, perpassando por sua área de proteção (competência, independência e imparci-
alidade) e pela impossibilidade de justificação constitucional de uma intervenção es-
tatal nessa área de proteção. Com relação à independência e imparcialidade, recor-
remos especialmente aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial. Também
foram estudados precedentes do TCF alemão, da Suprema Corte dos EUA e da ju-
risprudência inglesa. Estes dois últimos foram especialmente relevantes na determi-
nação do parâmetro utilizado ao se analisar a possibilidade de parcialidade de dado
juiz: olha-se o juiz médio, prescindindo-se de uma análise subjetiva do juiz do caso
concreto.
Com base nisso, no capítulo III analisamos os principais diálogos da Vaza Ja-
to que diziam respeito, especificamente, à atuação de Moro no caso Lula (um recor-
te subjetivo e objetivo). Em específico, foi observado que Moro: i) apreciou informal-
mente a denúncia contra Lula, adiantando decisão de mérito sobre suficiência das
provas; ii) ajudou a definir a estratégia de atuação midiática de uma das partes con-
tra a outra, inclusive utilizando-se de linguagem depreciativa; iii) indicou, de modo
confesso e afastando qualquer dúvida sobre a autenticidade ao menos dessas men-
sagens em específico, uma testemunha para fortalecer o caso contra o réu que viria
a julgar, além de aquiescer com flagrante desrespeito à lei quando deveria repreen-
dê-lo, em verdadeira simulação processual; e iv) demonstrou um mínimo de interes-
se em garantir a competência do juízo de Curitiba.
Esses episódios nos permitiram concluir que o risco de Moro ter tido a inten-
ção prévia de julgar Lula e de ter efetivamente aconselhado o MP em prejuízo da
defesa é alto demais para ser constitucionalmente tolerável. Não só isso, mesmo no
melhor cenário possível, em que Moro não teria a intenção de ser parcial, os pontos
acima elencados têm o condão de serem percebidos como uma atuação parcial aos
olhos de um observador sensato, afetando a necessária confiança no Judiciário. As-
94

sim, Moro incorreu em uma intervenção estatal injustificada no direito fundamental


processual de Lula ao juiz natural e, mais especificamente, no disposto no art. 254,
IV, c/c art. 564, I, ambos do CPP.
A veracidade dos diálogos que embasaram essa conclusão foi analisada em
tópico específico, em que concluímos haver elementos suficientes para que sejam
considerados autênticos, a saber: i) confirmação por diversos veículos de mídia de
diferentes orientações políticas, internacionalmente reconhecidos e cada qual com
seus métodos investigativos próprios; ii) verossimilhança entre os diálogos e os atos
processuais; iii) ausência de negativa veemente e confirmação implícita; iv) conveni-
ente e antiética, para não dizer ilegal e inconstitucional, ausência de prova contrária
quando deveria haver. Sendo autênticos, mostram-se idôneos para utilização a favor
do réu, em que pese não possam instruir eventual ação contra os envolvidos por
expressa vedação constitucional.
A partir da conclusão intermediária pela nulidade do processo, tendo em vista
a violação do direito fundamental de Lula ao juiz natural por Moro, passou-se a in-
vestigar o contexto em que essa violação se deu. Isso se justificou pela hipótese de
instrumentalização política do Judiciário, sugerida pela seguinte sequência de acon-
tecimentos: i) condenação do ex-presidente Lula (em tempo recorde) por Moro, com
consequente inelegibilidade (tempestiva) do líder isolado nas pesquisas eleitorais; ii)
eleição de Bolsonaro; e iii) nomeação, por Bolsonaro, de Moro, principal responsável
pela condenação de Lula, para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública
de seu governo.
Assim, no capítulo IV, analisamos acontecimentos que pudessem comprovar
a validade ou invalidade dessa hipótese. Com relação a Moro, foram analisados os
seguintes episódios: i) pós-verdade na estratégia discursiva sobre a Vaza Jato; ii)
levantamento ilegal de sigilo telefônico envolvendo Dilma; iii) despacho durante fé-
rias contra soltura de Lula; iv) indignação com investigação de FHC; v) “tabelinhas”
processuais com o MP; vi) condução coercitiva de Lula sem recusa prévia; e vii) di-
vulgação da delação de Palocci 06 dias antes das eleições. Já com relação ao TRF-
4, foram analisados: i) rejeição simplista de representação contra Moro; ii) elogio pú-
blico de seu presidente a Moro antes do julgamento da apelação; e iii) velocidade de
tramitação variável. Por fim, com relação ao órgão acusatório, foi analisado o complô
contra entrevista de Lula na prisão.
95

Diante de todo o exposto, concluímos que a atuação judicial no caso Lula se


amolda aos postulados do lawfare, da pós-democracia e da pós-verdade. Essa con-
clusão foi possível a partir de uma subsunção dos acontecimentos atípicos envol-
vendo Lula aos elementos caracterizadores do lawfare (timing político, reorganiza-
ção do aparato judicial, aplicação de duplos padrões à lei e atuação de meios de
comunicação massivos e concentrados), da pós-democracia (desaparecimento dos
limites ao exercício do poder, recurso retórico à suposta excepcionalidade da situa-
ção e a termos genéricos como “combate à corrupção” e “segurança pública”, mes-
sianismo, processo penal do espetáculo, construção midiática do “bom juiz”, entre
outros) e da pós-verdade (primazia da emoção sobre a razão e os fatos, duplo pa-
drão à evidência, fatos alternativos, teorias da conspiração, projeção, entre outros).
Tendo sido esse o caso, entendemos que houve uma gravosa afronta à soberania
popular consubstanciada na retirada do candidato líder das pesquisas eleitorais da
corrida presidencial por meio de uma atuação ilegal conjunta de atores jurídicos di-
versos (procuradores, juízes, desembargadores etc.) em parceria com a grande mí-
dia.
É importante ressaltar que a presente pesquisa esteve sujeita a algumas limi-
tações. Em primeiro lugar, utilizou-se de diversas fontes secundárias (em especial
links de reportagens) onde poderiam ter sido utilizadas fontes primárias (p. ex. refe-
rência a dados processuais ao se falar de movimentação de processos). Se é ver-
dade que essa opção metodológica se deu principalmente pela enorme quantidade
de tempo que seria necessária para entrar em cada processo e peça judicial, tam-
bém parece verdade que a utilização de links provenientes de veículos de mídia re-
conhecidos fornece uma maior comodidade ao leitor de que aquela informação é
verdadeira. Isso porque, ao invés de se ter que consultar cada processo para verifi-
car a validade das premissas, já se sabe de antemão que as informações foram in-
vestigadas previamente por veículos de mídia credíveis para publicação. A análise
dos fatos pode tender para um lado ou para outro a depender do jornal, mas os fatos
em si, como a data de protocolo de uma peça ou o número de dias entre a condena-
ção em primeira e segunda instância, não foram contestados ou objeto de errata pe-
los veículos de mídia.
Outra limitação da pesquisa tem a ver com alguns pontos serem notadamente
mais especulativos que outros (p. ex.: efeitos da entrevista dada por presidente do
TRF-4 na psique de outros desembargadores e da população, ou a reorganização
96

do aparato judicial com a nomeação ao STF de Alexandre de Moraes por Temer).


Temos consciência disso. A nossa opinião é que, embora em “situações normais de
temperatura e pressão” das nossas instituições alguns desses acontecimentos pu-
dessem ser considerados normais, parece desarrazoado partir da presunção de
normalidade quando há diversas outras evidências concretas de parcialidade e de
influência do Judiciário nas eleições.
Em verdade, o que parece ter ocorrido é que, justamente por muitos desses
pontos não serem exatamente ilegais (ou estarem ao menos envoltos num véu de
aparente legalidade, como uma decisão judicial ou uma simples entrevista), foram
sendo justificados um a um conforme ocorriam nos últimos anos. Contudo, após a
Vaza Jato, e olhando em retrospectiva, são muitas coincidências para se ignorar a
probabilidade de uma intencionalidade por trás desses acontecimentos. Infelizmente,
chegamos à conclusão de que a intenção era o sequestro de uma eleição pelo Judi-
ciário em detrimento da soberania popular.
Por fim, os resultados atingidos só reforçam que mais pesquisas são neces-
sárias para se compreender as instâncias concretizadoras de lawfare, pós-
democracia e pós-verdade no Brasil, e, não menos importante, como combatê-las.
Esperamos que as análises aqui feitas possam contribuir para a evolução da discus-
são nos seios jurídico, social e midiático, que ainda recorrem a lugares comuns co-
mo a neutralidade da Lava Jato — hipótese que cai por terra com esta pesquisa.
97

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