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| DEMOGRAFIA A CIENCIA DA POPULACAO J. MANUEL NAZARETH J. MANUEL NAZARETH DEMOGRAFIA A CIFNCIA DA POPULAGAO fd EDITORIAL PRESENCA INDICE CONSIDERAGOES PREVIAS uw CaPtruLo 1 A CIENCIA DA FOPLLAGKO: A FROGRESSIVA MATURACAO DA COMPLEXIDADE DO SEU OBIECTO DE ESTUDO wus on 1S Introdugio 18 A primeiras reflexes sobre a populag’ 16 ‘A questo da popalagio no século xvii e a emergéncia da Demografia como ciéncia 22 ‘A importncia do pensamento de Malthus na emergéncia da ciéncia da populagio Malthusianismo, neomalthusianismo ¢ as reacg6es a0 pensamento malthusiano 34 SaaEERE A transiggo demogrifica .. 40 0 odjecto de estudo da Demografia 4g Unidade ¢ diversidade da Demografia 4a A Demosrafia Hist6rica worn 49 Os Estudos de Populagao ou Demografia Social. 54 As Politicas Demograficas . v 37 A Ecologia Humana.. 60 1.8. A metodologia da Demografi ... 66 CAP{TULO II — A EXPLOSAO DEMOGRAFICA: UM VELHO PROBLEMA. COM NOVAS DIMENSOES 0 Tntt0dY640 enn snaninanininesnnnanennininnansnes 10 2.1. A popalagio antes “do aparecimento da escrita n 2. Os primeiros dados muméricos de interesse demogrAfic9 «.unnennn ~~ B 233, A Antiguidade: do ereseimento ao primeiro «mundo cheio» B 2.4. O nascimento do Ocidente Medieval e 0 declinio da populaga0 B 2.5. A recuperagdo demogrifica do Ocidente Medieval e 0 aparecimento de um segundo «mundo cheio> a 80 2.6 A peste negra Serene 85 2.7 O modelo demogrifico do Antigo Regime ... 86 2.8 O crescimento da populaco na Europa Ocidental e o terceiro w..... 90 2.9 A evolucdo da populagao nas restantes partes do mundo... 2.10 A exploséo demogrifica: um fenémeno novo ou um velho problema ‘com novas caracteristicas? ae CAPITULO Il — ASPECTOS INICIAIS DE UMA INVESTIGACAQ EM ANALISE DEMOGRAFICA: OS RITMOS DE CRESCIMENTO EA ANALISE DAS ESTRUTURAS DEMOGRAFICAS. . 101 Introdugio. eee 101 “hl, Volumes, ritmos de erescimento de uma populagao e densidades ... ' 102 1° TRABALHO PRATICO RESOLVIDO: volumes e ritmos de crescimento da populagzo 105 3.2. As estruturas demogrificss.... oo : 108 ‘As pirimides de idades 108 As relagtes de masculinidade 113 (s grupos funcionais e os indices-resumo.... nee 4 envelhecimento demogrifico : rennnnne VB 2.9 TRABALHO PRATICO RESOLVIDO: pirkmides de idades, relagbes de masculinidade indices-resumo .. oe — 121 CAPITULO IV — OS SISTEMAS DE INFORMACAO DEMOGRAFICA EA ANALISE DA QUALIDADE DOS DADOS.... a 126 Introdugéo... . co 26 “4.1. Os sistemas de informagao demografica : = 128 Os recenseamentos da popula¢o... — ~ 128 ‘As estatfsticas demograficas de estado civil 133 ‘Outros sistemas de informagdo demografica 136 4.2, A andlise da qualidade da informagao ..... . 138 ‘A Relago de Masculinidade dos Nascimentos : reonnee 138 O Indice de Whipple ........- a 7 a 140 O indice de Imegularidade ese sven 142 © Indice Combinado das Nagées Unidas... me 142, ' 143, ‘A Equacio de Concordancia 4.3, 0 ajustamento dos dados imperfeitos (O método das médias méveis ‘© método das Naodes Unidas para ajuste de grupos quinquenais O método das Nagées Unidas para a passagem de grupos decenais ‘a grupos quinquenais..... one 146 © méiodo de Sprague para estimar os efectivos Por ‘dade @ | par 146 dos grupos quinguenais. 147 3. TRABALHO PRATICO RESOLVIDO: andlise da qualidade dos dados dos sistemas de informagao demogréfica sn 149 CAPITULO V — OS PRINCIPIOS DE ANALISE DEMOGRAFICA .....0 160 Introdugao_ 160 5.1, O Diagrama de Lexis . 161 5.2. Principios Gerais de Andlise Demogréfiea ....unnninninnnannnsn . 163 © «estado puro» ¢ 0 «estado perturbadon z ees 6s) ‘Acontecimentos renovaveis e acontecimentos nao renovéveis 164 Anélise transversal e andlise longitudinal... 164 5.3. Prinefpios de andlise longitudinal. 165 5.4, Principios de andlise em transversal. sn sn m1 5.5. Conclusto... ene ITB 42 TRABALHO PRATICO RESOLVIDO: os prinefpios de anilise demografica 179 CAP{TULO VI — ANALISE DA MORTALIDADE ..... 188 Introdugao_ ao 188 6.1. As Taxas Brutas de Mortalidade enquanto medidas elementares da mortalidade geral 190 62. O principio da estandardizago: 0 método da populacdo-tipo. 194 6.3. As medidas de mortalidade em grupos especificos : 197 As medidas de mortalidade infantil soni 197 A mortalidade por meses, 201 ‘A mortalidade por causas de morte 203 6A. O principio da translagao: a construgao das tébuas de mortalidade 203 6:5 Mésodsindirectos de media da moraidade —o caso espesico das fina tipo de mortalidade..... : oe 210 6.6. Conclusio 213 ' 52 TRABALHO PRATICO RESOLVIDO: anailise da mortalidade neon 24 CAPITULO Vt — ANALISE DA NATALIDADE, FECUNDIDADE E NUPCIALIDADE 222 Introdugd0 222 7.1. As taxas bratas enquanto medidas elementares de andlise da natalidade da fecundidade seisemnsnnes 223 7.2. Tipos particulares de natalidade e fecundidade eee 229 A fecundidade por idades ¢ por grupos de idades nnn 230 ‘A fecundidade dentro do casamento sees 230 ‘A fecundidade fora do casamento ‘A natalidade por meses. 7.3. O principio da estandardizagao sniennane 232 7.4. O prinefpio da translacz0 aes 237) 755. Andlise da nupeialidade e do divércio: as taxas brutas enquanto medidas clementares de anélise .... 238 7.6. Processo de superagio das limitacées das taxas brutas na andlise do fenémeno rupeialidade annans 241 principio da estandardizago — vnne 241 principio da translagzo a 241 A estima indirect de aupnlidade pelo métod de Hajnal cena 204 t F, COMCHYSHO wen 245 (6° TRABALHO PRATICO RESOLVIDO: andlise da natalidade, da fecundidade da mupcialidade ..... 246 Introdugo = 8.1. Os métodos directos de andlise dos movimentos migrat6rios 8.2, Os métodsjndretos de anise dos movimentoe miraéios A equacio de concordancia Os métodes da populaggo esperada... ‘7° TRABALHO PRATICO RESOLVIDO: anélise dos movimentos migratérios BIBLIOGRAFIA CAPITULO VIII — ANALISE DOS MOVIMENTOS MIGRATORIOS ... 253 255 257 258 ‘enveliigciments demograiico, a5 consequénc CONSIDERACOES PREVIAS A Demografia evoluiu de uma problemética inicial bastante simples e facil de delimitar, uma resposta cient. a wm coniunto de quesises sarionadas coms descrigho das populagées humanas — demos (0 povo ou a populacio) e graphein (escrever) — para uma crescente diversidade, ¢. complexidade.de~dreas-temaéticas. cujos limites sao cada vez mais Mdificeis de precisar, "As técnicas é os métodos multiplicaram-se, em particular na segunda metade do século XX, 0 objecto u-se a questées que ultrapassam a de uma dinfmica de populagdes humanas, a intervenca0 no foeeamreama a Sistema econémico e social deixou de limitar-se apenas & execugo de determina- dos aspectos das politicas demogréficas. Caracterizar, projectar e sistematizar 0 ordenamento espacial da populacto, analisar as modificagées has estruturas famil s do crescimento.da.papulagdo-e.da avaliar o efeito da dindmica populacional no.ambiente si Sua Gistribuicdo espacial, alguns dos intimeros aspect ininimo, uma colaboracao. Esta diversidade de problemas de que se ocupa actualmente a ciéncia da popu- Jago no teve como consequéncia, como seria de esperar, a quebra da sua unidade inicial. A Demografia é uma s6, apesar das diferentes espssialidades, ou seja, todos os ramos perdem a sua originalidade sem a referéncia constante a um nticleo de ase. Nao pode haver uma perspectiva demogréfica de anélise de um determinado problema social sem o dominio das suas técnicas fundamentais, sem o conheci- mento da sua forma espectfica de olhar o sistema social. E do niicleo basico de conhecimentos identificadores da especificidade da Demografia que se ocupa 0 presente trabalho, ao procurar um equilfbrio entre a componente tedrica da ciéncia da populacdo e a componente instrumental e técnica F verdade que com a evolugao observada nas iiltimas dezenas de anos, em particular no meio universitério, 0 campo problemético aumentou consideravel- em gue. se, pede 4 Demografia.uma.resposta ou, no : 1 mente, 0 que teve como consequéncia mais visivel a procura de uma fundamen- taco teérica e factual das diversas componentes que integram 0 seu objecto de estudo, Os trabalhos sobre o pensamento demografico, a histéria da populagao e a sua distribuigao espacial, a diversidade da demografia em geral ¢ as politicas demograficas e familiares passaram de raros a abundantes. Porém, a Demografia ao procurar dar resposta, no seu complexo processo de investigagdo, a alguns dos grandes problemas sociais contempordneos, ultrapassou as limitagdes do sis- tema social, procurou ter em consideracdo a dindmica das interaccoes bio- -culturais e passou a tomar em consideracao, de uma forma progressiva, a nogéo de ambiente quer em termos de causas quer em termos de consequéncias dos fenémenos, aproximando-se assim de uma visio ecoldgica e sistémica dos pro- blemas. Sabemos que no & possfvel tragar com preciséo as fronteitas existentes entre. as diversas ciéncias sociais, pois todas (ém em comum.o homem.como.objecto.de. Estado, estando necessariamente interligadas. Para o especialista numa determina- Ga ciéncia social, as outras tém uma funcdo auxiliar. Elas-fomecem informacdes que podem ser iiteis no tratamento de problemas que sao objecto especifico da sua disciplina. Nesta 6ptica, a Demografia nfo difere das outras cigncias sociais. O seu. ‘o-comportamento.do_ em. sociedade-e igual- cigncias sociais. Saber se pelo facto de ser uma ciéncia social instrumental, de reflexio e de acco faz dela uma ciéncia social original é algo a que € dificil dar resposta. Numa certa perspectiva, a Demografia ¢ igual a todas as outras ciéncias sociais, visto ter uum objecto especifico de estudo definido e distinto das outras ciéncias (se bem que em termos globais, 0 seu objecto seja igual a0 das outras ciéncias sociais — 0 estudo do comportamento do Homem em sociedade) e tal como todas as outras ciéncias sociais, tem uma importante componente de aco e de reflexdo. Mas, numa outra perspectiva, a Demografia tem 0 seu objecto de estudo espes. _cifico demasiadamente-bem-definido, facilmente quantificdvel, sobretudo.quando.a “tomamos na sua acepcdo mais restrita — 0 efeito da mortalidade, da natalidade ‘E-das migracdes no estado da populacdo. ‘Nao admira, assim, que a componente instrumental se tenha tomado de tal forma importante que nenhum dos ramos faz sentido sem 0 seu conhecimento. Também fez com que esta ciéncia passasse a ter, para muitas_dreas cientificas,.0 Valor de "utensilio — a familia, por exemplo, ¢ estudada por varias disciplinas, mas éxiste apenas uma forma de se analisar a famflia numa perspectiva demogrifica e essa forma passa necessariamente pelo conhecimento mais ou menos aprofundado da andlise demografica. A importancia do contribute da base demogrs lise dos_grandes pro- blemas sociais contemporaneos_ultrapas i ial, ¢ atinge.vérias-dreas “Gientificas que vao desde as ciéncias econémicas e as ciéncias da conduta as cién- “Gias da vida, passando pelos recentes dominios directa ¢ indirectamente ligados & gest da informagao e do conhecimento, Para que.a Demografia continue. progredir como disciplina cientifica,torna-se. sério.que ela consolide-c aprofunde.o dom{nio dos instrumentos cientificas de andlise, pois s6 assim teremos uma constante reformulacio cientifica dos proble- mas demogrificos. Porém, este aprofundamento s6 tem sentido se for acompa- Thado do rigor na medigo que caracteriza a prética desta disciplina cientifica, mas necessita também que os horizontes das suas preocupacdes sejam alargados a no- vos dominios. Em todo o caso tem-se pasado muitas sezes para o extremo oposto, ou seja, confunde-se a parte instrumental com o todo demosrifico. Todo o fechamento.de campo € perigoso. O rigor dos métodos no deve fazer passar para segundo plano. “A natureza auténtica da Demografia: ser uma_cigncia social de raiz biolégicae “endend para uma vist ecolsxica dos comportamentas. Os dis grandes fensmenos demograficos — a natalidade e a mortalidade — Bioldgicos que existem em todo: Sores ives-oas guages lame aise ‘maior parte das sociedades animais. Tnicidmos a experiéncia pedagégica destas matérias no. inicio dos anos 70 € publicémos o primeiro trabalho fruto dessa experiéncia em 1988 — Principios e Métodos de Andlise Demogréfica. Quase dez anos depois, procedemos a uma primeira grande revisio de fundo € publicémos um novo trabalho mais te6rico ¢ menos técnico — Introducdo & Demografia — Teoria e Pratica. Pelo caminho, ocupémo-nos de alguns temas especfficos — Envelhecimento da Populacdo Portuguesa e Explosdio Demogrdfica e Planeamento Familiar — e pat- ticipamos em dois grandes projectos colectivos de cardcter prospectivo — Por- tugal: 0 desafio dos anos noventa e Portugal: os préximos vinte anos. ‘A formagio académica e as publicagées cientificas em Demografia, em Portu- gal bem como na maior parte dos paises do mundo, passaram de raras a abun dantes. Porém, nos anos 90, integrados numa rede europeia (Certificado Internacional de Ecologia Humana) surgiram os primeiros Mestrados em Ecologia Humana na Universidade de Evora e na Universidade Nova de Lisboa. No Instituto Superior de Estatistica e Gestdo de Informago da Universidade Nova de Lisboa, em particular no Mestrado em Gestéo de Informasao, foi criada uma variante em Sistemas de Informago Geogréfica, Demogréfica e Ambiental também integrada no Certifica- do Internacional de Ecologia Humana. Novas gentes, oriundas das mais diversas éreas cientificas, apareceram para debater e investigar novos temas, aproveitando as técnicas da dinamica das popula- ges humanas. A sua experiéncia profissional e a integracdo das perspectivas da Demografia, Gestio de Informacio, Sistemas de Informagao Geogréfica, Ambiente ¢ Ecologia Humana encontraram neste cruzamento de saberes uma nova resposta as suas preocupagées cientificas, profissionais ¢ pessoais. O trabalho que agora se apresenta pretende dar continuidade ao projecto ensino ¢ investigagio sobre a dindmica das populagdes humanas, iniciado nos anos 70, sistematizando os conhecimentos adquiridos no estudo dos fenémenos que, sendo bioldgicos na origem, sofrem profundas modificacdes quando inseridos na socie- dade e no ambiente. mais “A experiéncia adquirida, 0 estudo continuado da aplicagao de um modelo de aprendizagem a diversos niveis e tipos de ensino, a acumulagao de teses de dou- 13 toramento e de mestrado, a influéncia estratégica da Ecologia Humana e dos mo- demos Sistemas de Informagio Demogréfica, bem como as sugestdes recebidas, levaram-nos, quase dez anos depois, a proceder & segunda grande revisao de fundo € a publicar, assim, um novo trabalho intitulado: Demografia — A Ciéncia da Populacéo. CAPITULO I A CIENCIA DA POPULACAO: A PROGRESSIVA MATURACAO DA COMPLEXIDADE DO SEU OBJECTO DE ESTUDO Introdugio Apesar de a preocupacao com os problemas da populacdo remontar & Antigui- dade, a Demagrafia como cigncia apenas aparece na segunda metade do século XVIIL Até esta altura, as preocupagées com a problematica populacional surgem quase sempre sob uma perspectiva filos6fico-doutrinal. Do ideal de estacionaridade, A defesa intransigente do crescimento, populacional, efisie.m.conjunto suite. di- ‘Veisificado e interessante de ideias que nos ajuda a compreender.a emergéncia da ‘Gene a poulacze ‘No presente capitulo apresentamos, de forma sintética, o modo como foi ama- durecendo ao longo dos séculos a consciéncia das grandes questées directa ou indirectamente ligadas aos aspectos quantitativos da dinamica populacional. Du- rante os séculos XVII € XVI ocorre progressivamente uma viragem importante na forma de tratar os problemas da populacdo: a Demografia emerge como ciéncia. Quem foram ¢ 0 que disseram os homens que transformaram em ciéncia um conjunto de problemas que nos aparecem relatados nos primeiros documentos es- critos? Qual é realmente o objecto de estudo da Demografia? Por que nao existem escolas de pensamento demografico semelhanga do que se passa nas ciéncias econémicas e sociais? Quais so as grandes teorias ¢ os grandes problemas de Demografia na época contemporanea? Por que € que a Demografia é simultanea- mente una ¢ diversa? Quais so as grandes divisdes da ciéncia da populagao actual? Estas so algumas das questdes que iremos analisar neste capftulo introdut6rio. Objectivos do capitulo I + Identificar as principais fases da constituigdo da Demografia como ciéncia + Conhecer o pensamento dos primeiros demégrafos 15 + Conhecer as principais caracteristicas do pensamento malthusiano + Identificar as principais fases e a importincia da teoria da transi¢ao demogrétfica + Identificar os aspectos fundamentais do objecto de estudo da Demografia + Compreender a razao pela qual a Demografia actual 6 simultaneamente una e diversa + Identificar as principais etapas da metodologia da Demografia J. As primeiras reflexes sobre a populacio Os primeiros encontramos alguns. 1tos. daquilo a que hoje chamamos pensamento demogréfico remontam a Antiguidade, e revelam a existén- cia de uma ceria preocupagaio com o crescimento da populagao. A Iliada e a Odis- seia apresentam-nos, em geral, os deuses com familias numerosas. O Antigo Testamento fala-nos na necessidade de um aumento da populagéo — crescei e multiplicai-vos (Génesis 1.22). A passagem desta preocupacio populacionista ‘Romana. Dois grandes fildsofos (Plato e Arist6teles) e um historiador (Polibio) Goncederam particular ateng’io ao problema da populacdo na antiga Grécia. O ideal demografico de Plato (428-348 a. C.), por razbes de carécter politico € social, €0.. etm populacto estaciondia, ou seja, ode. uma populacto com crescimento, iguaLazero, onde 0 niimero de fogos seria de 5040. Tendo em conta a dimensao ‘média familiar estimada para a época, acrescida do ntimero de escravos, a popula: go desta cidade ideal estaria muito perto dos 60-mil habitantes (Rollet, 1995), “Kquele nimero nao foi escolhido por acaso. Corresponde, em. uma atitude pitagérica de_ encontrar. um_niimero que. resulta.de_sete factorial ou. “eja, o produto dos sete primeiros nlimeros inteiros. Em segundo lugar, trata-se.de Gum numero Com 59 divisores. aiimero particularmente indicado para assegurar a igualdade entre os cidadios nas operagSes sdminisiativas de partilha (Chaunu, 1990). “Paid toihar possivel este ideal de estacionaridade, Plato defes ge um conjunto de-medidas.quesisam proteger.afamfliaassegurat. autransmissice “Ga tema a um snico berdeiro, dar aos magistrados 9 poder de. aumentar.on.de, diminuir o nimero_de casamentos, consoante o. volume. da.populagao,¢..as. condi- Ges Econdmicas,s. sociais.domomento, Acredita, assim, que € possivel a0 poder legislativo intervir, no sentido de procurar manter constante o volume da populagao da sua cidade ideal. Q risco do excessivo.crsscimento-da_populagio.tesolvia-se fixacdo de uma idade para o casamento (30 anos para os homens © 18 anos para as mulheres), e da limitacdo da idade-da-procriagdo (apenas os primeiros 10 a 14 anos de casamento); 0 risco inverso, ou seja, o dea populacio diminuir, resolver-se-ia através de legislaga0 que punisse os que no, queriam_o1 odiam 08. celibatrios.€ 05, casais estéreis. Se o poder de regulagdo do casamento se revelasse insuficiente, seria ainda possfvel o recurso a.emigracho. ou a naturalizac4o para fazer. diminuir Oi aumentar.a populagdo. Paralelamente & preocupagao com a quantidade, existe também uma preocupacéo com a qualidade. 16 O direito & vida é apenas reservado as criancas belas e saudaveis. Para os que nao pertenciam a esta categoria, Plato defende o recurso & exposicéo ¢ até mesmo & eliminagio dos recém-nascidos deficientes, 0 que faz com que este fildsofo seja ‘Sonsiderado, pary alguns éspecialistas da Historia da Populac&o, como o verdadeiro, Pai do eugenismo (Russel, 1979). aan “As ideias de Arist6teles (384-322 a. C.) esto muito préximas do seu mestre Plato. E mais realista ao pensar que a preocupaco fundamental é a de encontrar Um Hiimero estdvel de habitantes. Esta procura de estabilidade no implica.a exis- ‘téncia de um ntimero fixo de habitantes, como acontecia no pensamento de Plato elo contario, ao aperceber-se que a mortalidade © d volume populacional, defende o principio da justa dimensdo a fim d uma populagao numerosa seja fonte de eza, cl ‘areon ja fonte de pobreza, crimes, violencia € agitacdo. social. ‘Oind Platao, defende _o recurso ao aborto, ao infanticidio, ao abs exposicao de criancas como forma decontrolaros.nascimentos.¢ de assceurar a.qualidade dos cidadaos. Em sintese, podemos dizer que o aspecto fundamental do pensamento dois fildsofos é 0 da defesa.de.uma-populacko com um crescimento_préximo de Zero, de forma a tomar possivel a existénci prio social, politico ¢ ‘econdmico, Todas as medidas preconizadas tém esse objectivo. Contudo, sao medi: ‘Gas que se destinam apenas as cidades gregas. Nao, estamos perante uma atitude jhe clentifica nem explicita em relacdo a populacda, Talvez tivesse sido a caracte- Tistica urbana do ideal estaciondrio que impossibilitou a percepgdo da existéncia de uum declinio demogréfico, 0 qual seria fatal para a continnidade temporal desta importante civilizacao. Jé muito préximo do final da civilizagéo grega, 0 historiador Palibio (200- -120 a. C.),.contempordneo de um perfodo de declinio da populac%o,.constata que 0 ppafs esté em decadéncia, Atribui essa decadéncia 4 deterioraciio dos costumes (vai- dade, amor pelos bens materiais, recusa do casamento, indiferenca pela crianga). Demonstra possuir uma excelente capacidade de observacdo ao afirmar que quando existem dois filhos por agregado familiar basta que a guerra mate um.¢ que a doenca ale 0 outro para que os Lares. Wigs. F particularmente interessante esta observagdo:

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