Você está na página 1de 245

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

LUCIANA DE PAULA ASSIS FERRIANI

O DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO UM DIREITO DA


PERSONALIDADE

DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

São Paulo
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP

LUCIANA DE PAULA ASSIS FERRIANI

O DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO UM DIREITO DA


PERSONALIDADE

DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do titulo de Doutor em Direito
Civil Comparado sob a orientação da
Profa. Dra. Maria Helena Diniz.

São Paulo
2016
BANCA EXAMINADORA

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________
Dedico este trabalho aos meus pais Fabio e
Marília, a quem sou muito grata pelo afeto e
devoção. Ao meu querido Adriano, pelo
amor, carinho e apoio. E aos meus filhos
Mateus e Beatriz, a razão da minha
existência.
Agradecimento Inicial

À FUNDASP - Fundação São Paulo, por


possibilitar o desenvolvimento deste trabalho
mediante o uso de bolsa de estudo.
AGRADECIMENTOS

A gratidão que devo a algumas pessoas, que, cada uma a seu modo prestaram
grande contribuição para que este trabalho fosse concluído, não poderia deixar
de ser consignada. Assim agradeço:

À professora Dra. Maria Helena Diniz, de quem tive o privilégio de ser aluna
durante os cursos de graduação, mestrado e doutorado. Suas aulas sempre foram
inspiradoras e despertaram o meu interesse para o tema. Foi minha orientadora
de forma precisa e com total disponibilidade.

Aos meus professores, em especial à professora Dra. Odete Novais Carneiro


Queiroz e à professora Dra. Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi por suas
valorosas contribuições durante o exame de qualificação desta tese.

Ao meu marido Adriano Ferriani, ao meu irmão Fabio de Paula Assis Junior,
aos meus familiares e aos meus amigos por todo o apoio e paciência.

Aos meus alunos que me motivam diariamente.


"O mundo dos velhos, de todos os velhos,
é, de modo mais ou menos intenso, o
mundo da memória. Dizemos: afinal,
somos aquilo que pensamos, amamos,
realizamos. E eu acrescentaria: somos
aquilo que lembramos."
(Norberto Bobbio)
RESUMO

O direito ao esquecimento é tema ainda pouco estudado no direito

brasileiro, mas tem despertado o interesse da comunidade jurídica. Recentes

acórdãos proferidos no Superior Tribunal de Justiça e também no Supremo

Tribunal Federal, sobre o assunto, chamaram a atenção. O presente estudo

enquadra o direito ao esquecimento como um dos direitos da personalidade.

Além disso, desenvolve a questão relativa ao conflito entre o direito ao

esquecimento com outros direitos da personalidade. Analisam-se diversos

problemas ligados ao assunto, que geram conflitos, aparentes e efetivamente

existentes, entre o que prescreve o Código Civil brasileiro, a Constituição

Federal, e a legislação extravagante. A partir de pesquisa de inúmeras opiniões

doutrinárias, nacionais e estrangeiras, além de jurisprudencial, são apresentadas

críticas e sugestões. Para a compreensão do tema, foi necessário desenvolver,

ainda, o tema do direito à verdade e do direito à memória para, assim, poder

traçar um paralelo com o direito ao esquecimento. Por fim, foi apresentado o

critério da ponderação para delimitar as situações em que o direito ao

esquecimento poderá ou não ser aplicado.

Palavras-chave: esquecimento, verdade, memória, direitos da personalidade,

dignidade da pessoa humana, colisão entre direitos da personalidade,

ponderação.
ABSTRACT

The right to be forgotten is a topic that is as yet relatively unexamined

in Brazilian law, but it has sparked the interest of the legal community. Recent

decisions on the matter handed down by the Superior Court of Justice and also

the Federal Supreme Court in Brazil have attracted attention. This paper situates

the right to be forgotten as one of the personality rights. Additionally, it

addresses the issue of the conflict between the right to be forgotten and other

personality rights. Also discussed are various problems inherent to the topic that

generate conflicts, both apparent and actually existing, between what the

Brazilian Civil Code and Federal Constitution prescribe and the ancillary

legislation. Based on research of numerous legal opinions, both Brazilian and

foreign, as well as the jurisprudence, criticisms and suggestions are offered. For

a full understanding of the matter, it was also necessary to discuss the topics of

the right to the truth and the right to memory, to establish a parallel with the

right to be forgotten. Finally, the criterion of weighting is presented for

delineating the situations where the right to be forgotten may or may not be

applied.

Key words: be forgotten, truth, memory, personality rights, human dignity, clash

among personality rights, weighting.


RIASSUNTO

Il diritto all´oblio o ad essere dimenticati online è un diritto ancora

poco studiato dalla giurisprudenza brasiliana; sta comunque svegliando

l´interesse della comunità giuridica. Recenti sentenze di riferimento (o di terzo

grado) sull´argomento emesse dal Superiore Tribunale di Giustizia (STJ) e dalla

Corte Costituzionale Federale (STF) hanno fatto furore e chiamato l´attenzione.

Il presente studio inserisce il diritto all´oblio nei cosiddetti diritti della

personalità. Inoltre lo studio sviluppa e discute la questione riguardante il

conflitto fra il diritto all´oblio e gli altri diritti della personalità. Si analizzano

diversi problemi collegati al tema e che suscitano conflitti apparenti ed esistenti

di fatto fra ciò che prescrive il Codice Civile brasiliano, la Costituzione Federale

e le leggi stravaganti. Partendo da una ricerca fra le diverse opinioni dottrinarie

locali e straniere, oltre all´opinione giurisprudenziale, vengono presentate

critiche e suggestioni. Per capire il tema, fu inoltre necessario sviluppare il tema

del diritto alla verità e del diritto alla memoria per poter tracciare un parallelo

con il diritto all´oblio. Infine, fu presentato il criterio della ponderatezza per

delimitare le situazioni nella quali il diritto all´oblio potrà o non potrà essere

applicato.

Parole chiave: oblio, verità, memoria, diritti della personalità, dignità dell´essere

umano, collisione fra i diritti della personalità, ponderatezza.


Nota  da  autora.  .......................................................................................................................  3  
 
1.  Direitos  da  personalidade.  ...................................................................................................  4  
1.1.  Etiologia  histórica.  .....................................................................................................................  4  
1.2.  Definição  e  natureza  jurídica.  ...................................................................................................  17  
1.3.  Terminologia.  ..........................................................................................................................  19  
1.4.  Fundamento  jurídico.  ...............................................................................................................  22  
1.5.  Teoria  do  direito  geral  da  personalidade.  .................................................................................  26  
1.6.  Características  dos  direitos  da  personalidade.  ..........................................................................  30  
1.7.  Classificação  dos  direitos  da  personalidade.  .............................................................................  33  
1.8.  Titularidade  dos  direitos  da  personalidade.  .............................................................................  34  
 
2.  Relação  dos  direitos  da  personalidade,  previstos  na  Constituição  Federal  de  1988,  com  o  
direito  ao  esquecimento.  .......................................................................................................  36  
2.1.  Direito  à  privacidade  e  direito  à  intimidade.  ............................................................................  38  
2.2.  Direito  à  imagem  e  direito  à  honra.   .........................................................................................  40  
2.3.  Direito  à  informação  e  o  direito  de  ser  informado.  ...................................................................  41  
2.4.  Direito  à  liberdade  de  expressão  e  direito  à  manifestação  do  pensamento.  .............................  43  
 
3.  Direitos  da  personalidade  dos  artigos  20  e  21  do  Código  Civil  brasileiro  e  a  questão  das  
biografias  não  autorizadas.  ....................................................................................................  46  
 
4.  Direito  ao  esquecimento  e  sua  configuração  jurídica.  .........................................................  53  
4.1.  Delimitação  conceitual  de  esquecimento  e  sua  origem  no  Brasil  e  no  direito  alienígena.  .........  53  
4.2.  Esquecimento  como  um  direito  da  personalidade.  ...................................................................  68  
4.3.  Direito  ao  esquecimento  na  Constituição  Federal  de  1988  e  no  Código  Civil.  ............................  72  
 
5.  Perspectivas  do  direito  ao  esquecimento.  ..........................................................................  76  
5.1.  Vítimas  ou  familiares  de  vítimas  do  sistema  penal  e  o  esquecimento.  ......................................  77  
5.2.  Autor  de  crime  egresso  do  sistema  prisional  e  o  direito  ao  esquecimento:  Instituto  da  
reabilitação  penal  e  a  reintegração  na  sociedade.  ...........................................................................  80  
 
6.  Jurisprudência  sobre  direito  ao  esquecimento.  ..................................................................  85  
6.1.  Brasil.  ......................................................................................................................................  85  
6.2.  Decisões  sobre  o  direito  ao  esquecimento  em  países  estrangeiros.  ..........................................  94  
 
7.    O  esquecimento  na  era  da  globalização  e  da  Internet.  .......................................................  99  
7.1.  Livre  acesso  à  informação  nos  motores  de  busca.  ....................................................................  99  
7.2.  Possibilidade  de  imposição  de  controle  como  garantia  do  direito  ao  esquecimento  e  o  chamado  
direito  de  apagar  dados.  ................................................................................................................  102  
  2  

7.3.  Jurisprudência  da  Europa.  .......................................................................................................  109  


7.3.1.  Tribunal  Alemão.  ....................................................................................................................  109  
7.3.2.  O  caso  contra  o  Google.  .........................................................................................................  111  
7.4.  Direito  à  proteção  de  dados  nos  Estados  Unidos  e  o  combate  ao  terrorismo.  ..........................  115  
7.5.  Direito  ao  controle  de  dados  no  Brasil.  ...................................................................................  118  
 
8.  Tutela  específica  do  direito  ao  esquecimento.   .................................................................  128  
 
9.  Direito  à  verdade,  à  memória  e  à  verdade  histórica.  ........................................................  136  
9.1.  Noção  de  verdade.  ..................................................................................................................  136  
9.2.  Dever  da  verdade  em  confronto  com  a  mentira.  .....................................................................  140  
9.3.  Direito  à  verdade  e  direito  à  memória.  ...................................................................................  145  
9.4.  Questões  históricas  relevantes:  ditadura  militar  no  Brasil  e  a  tortura.  ....................................  153  
9.5.  Decisões  da  Corte  Interamericana  sobre  tortura  no  Brasil  e  em  outros  países  da  América  Latina.
 ......................................................................................................................................................  161  
9.6.  Comissão  da  verdade  no  Brasil  e  Justiça  de  transição.  .............................................................  165  
9.7.  Memória  no  direito  estrangeiro.  .............................................................................................  173  
9.7.1.  Atrocidades  cometidas  no  holocausto  e  durante  a  Guerra  Fria.  ............................................  173  
9.7.2.  Ditaduras  da  América  Latina  e  Comissões  da  Verdade.  .........................................................  176  
 
10.  Conflito  entre  direitos  da  personalidade.  .......................................................................  182  
10.1.  O  direito  ao  esquecimento  em  confronto  com  o  direito  à  memória  e  à  verdade  histórica.  ....  182  
10.2.  Colisão  do  direito  ao  esquecimento  com  o  direito  de  informação  e  a  liberdade  de  expressão.
 ......................................................................................................................................................  188  
 
11.  Critério  de  ponderação  para  o  conflito  entre  os  direitos  da  personalidade.  ....................  191  
 
12.  Sugestões  de  lege  ferenda.   ............................................................................................  208  
 
Conclusão.  ...........................................................................................................................  212  
 
Bibliografia.  .........................................................................................................................  221  

 
 
 
 
  3  

Nota da autora.

O direito ao esquecimento é assunto pouco versado no Brasil, mas


chamou a atenção por ocasião do reconhecimento da repercussão geral do tema
pelo Supremo Tribunal Federal.
Será demonstrado que o direito ao esquecimento é um direito da
personalidade, fundado no direito natural.
Os direitos da personalidade serão examinados quanto à sua concepção,
suas características e sua relação com o direito ao esquecimento.
Merece destaque a questão das biografias não autorizadas, que,
recentemente, passaram a ser permitidas, sem anuência prévia, em julgamento do
Supremo Tribunal Federal sobre a questão da constitucionalidade de artigos do
Código Civil.
Serão abordadas as várias e possíveis vertentes do direito ao
esquecimento, como a hipótese do criminoso reabilitado, que tem direito a ser
esquecido, e também a das vítimas ou de familiares das vítimas de crime, que não
mais aceitam serem relembrados de acontecimentos que remetem a sofrimento.
Outro ponto que merece ser destacado é a era da globalização e da
internet. A velocidade com que uma notícia pode ser espalhada pelo mundo todo
dificulta o esquecimento de um fato, uma pessoa, um episódio, pois os mecanismos
de busca de notícias são extraordinariamente sofisticados. Note-se que uma das
razões que motivou o desenvolvimento deste estudo foi justamente o célebre
julgamento na Corte europeia contra o site Google.
Serão ainda examinados os conflitos entre o direito ao esquecimento e
outros direitos, tais como o direito à memória e à verdade histórica, o direito de
informação e, ainda, a liberdade de expressão. Tais conflitos serão resolvidos pelo
critério da ponderação.
  4  

1. Direitos da personalidade.

1.1. Etiologia histórica.

A personalidade jurídica é atributo do ser humano.


Todo aquele que nasce com vida adquire a personalidade, assegurando-
se, desde a concepção, os direitos do nascituro, nos termos do artigo 2º do Código
Civil.
Toda pessoa tem personalidade, sem distinção de raça, cor, sexo ou
condição social. O termo pessoa é o aspecto característico do ser humano, ou seja, a
designação do homem como ser social enquanto se proclama e se relaciona no seio
da convivência por meio de vínculo ético jurídico1.
Desta forma, pessoa pode ser definida como o ente suscetível de direitos
e obrigações, ou sujeito de direito2.
A possibilidade de alguém participar de uma relação jurídica decorre
desta qualidade inerente ao ser humano 3 . Logo, personalidade é aptidão para
exercer direitos e contrair obrigações.
A personalidade em si não é um direito, mas se apoia nos direitos e
deveres que dela irradiam4.
Conforme assevera Pontes de Miranda 5 , há o chamado "direito de
personalidade como tal", que é o de adquirir direitos e pretensões e o de assumir
obrigações, deveres e situações passivas em ação ou exceção.
Com isso, existem alguns direitos que merecem proteção legal, porque
                                                                                                               
1
Miguel Reale, Lições preliminares de direito, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 231.
2
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, volume 1, 32ª ed., São Paulo: Saraiva,
2015, p. 130.
3
Francisco Amaral, Direito civil: introdução, 7ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 252.
4
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 134.
5
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, tomo 7, Campinas: Bookseller, 2000, p. 38.
  5  

são considerados prerrogativas individuais inerentes à pessoa humana. São


chamados direitos da personalidade, justamente porque são atributos da pessoa
humana.
Certos direitos podem ser destacados da pessoa de seu titular, como
ocorre com o direito de propriedade ou com o direito ao crédito. Geralmente são
direitos economicamente destacáveis6.
Os direitos da personalidade estão à parte dos direitos reais e pessoais e,
ao contrário destes, são prerrogativas individuais, que não são destacáveis. São
atributos que passaram a ser reconhecidos gradativamente ao longo do tempo.
Ademais, uma pessoa ao longo de sua vida pode ter ou não determinados
direitos, como ocorre com o crédito e a propriedade, mas obrigatoriamente terá os
direitos da personalidade7.
Estes devem ser considerados como pertencentes a uma categoria
autônoma do sistema dos direitos subjetivos, uma vez que, conforme será
examinado, têm caráter essencial8.
Alguns exemplos de direitos da personalidade são o direito à vida, à
integridade física, ao nome, ao próprio corpo, à intimidade, à imagem, à honra, ao
segredo, entre outros.
O homem será, simultaneamente, sujeito e objeto dos direitos da
personalidade, e o exercício destes recairá em bens morais ou físicos9.
Merece destaque a posição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

                                                                                                               
6
Carlos Roberto Gonçalves, Direito civil brasileiro, volume 1, parte geral, 12ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2014, p.184.
7
Vicenzo Roppo. Diritto privato, 4ª ed., Torino: G. Giappichelli Editore, 2014, p. 177.
8
Adriano de Cupis, Os direitos da personalidade, 2ª ed., Trad. Afonso Celso Furtado Rezende,
São Paulo: Quorum, 2008, p. 38.
9
Antônio Chaves, Lições de direito civil: parte geral, volume III, São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1972, p. 168.
  6  

Andrade Nery10, que explicam que o sujeito dos direitos da personalidade é a


pessoa; já o objeto não é a pessoa, mas a natureza do homem.
Desde a Antiguidade já havia alguma preocupação com os chamados
direitos humanos11. No Código de Hamurabi já existia previsão sobre lesões à
integridade física e moral do ser humano12.
Foi o direito grego que começou a conceber a ideia de pessoa e também
de proteção à personalidade. E o direito natural, especialmente, é que traz a ideia de
direitos naturais ou inatos, inerentes ao homem e preexistentes ao Estado13.
Com o Cristianismo surge a ideia da dignidade humana e o
reconhecimento da existência de um elo entre o homem e Deus14.
Mas há de se ressaltar que o direito romano não reconhecia a qualquer
homem a qualidade de sujeito de direitos e, consequentemente, também não era
qualquer homem que tinha o atributo da personalidade jurídica, uma vez que havia
escravos, e estes eram considerados coisas e, portanto, objetos de direitos15, e não
titulares de direitos.
Já na Idade Média, a Carta Magna da Inglaterra, no século XIII, previa
implicitamente que o homem representava a finalidade do direito16.
Porém, como categoria autônoma, como um ramo do direito, é algo
muito mais recente.
Em 1789, com a Revolução Francesa, foi aprovada a chamada
Declaração dos Direitos do Homem, que previu direitos como a liberdade, a
                                                                                                               
10
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil comentado, 8ª ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 229.
11
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 132.
12
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 289.
13
Francisco Amaral, Direito, cit., 289.
14
Francisco Amaral, Direito, cit., 289.
15
José Carlos Moreira Alves, Direito romano, volume I, 13a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002,
p. 97.
16
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 132.
  7  

igualdade e a fraternidade humanas, ideais que se tornaram universais e superiores


aos interesses de qualquer particular. Tal documento serviu de fonte de inspiração
de todos os outros direitos que surgiram posteriormente.
Note-se que a Revolução Francesa ocorreu após um longo período de
absolutismo, durante o qual tais ideais simplesmente não existiam.
Em 1948, após as atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial, foi
aprovada pela ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que
se diferenciou dos anteriores porque consagrou direitos civis, políticos e também
econômicos, sociais e culturais. Trata-se da primeira ideia de direitos universais,
indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados17.
O período após a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi
chamado por Norberto Bobbio de "A era dos direitos"18.
Logo após, em 1950, sobrevem a consagrada Convenção Europeia dos
Direitos Humanos, com o objetivo de proteger os direitos humanos e as liberdades
fundamentais. O documento permitiu o controle judiciário do respeito a tais
direitos, ao instituir o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos19.
Surge a partir de então o chamado direito internacional dos direitos
                                                                                                               
17
Flávia Piovesan, Temas de direitos humanos, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 56-57.
18
Para Norberto Bobbio, (A Era dos direitos, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 18): "A
Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até
hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determinado sistema de valores. Os velhos
jusnaturalistas desconfiavam — e não estavam inteiramente errados — do consenso geral como
fundamento do direito, já que esse consenso era tão difícil de comprovar. Seria necessário buscar
sua expressão documental através da inquieta e obscura história das nações, como tentaria fazê-lo
Giambattista Vico. Mas agora esse documento existe: foi aprovado por 48 Estados, em 10 de
dezembro de 1948, na Assembleia Geral das Nações Unidas; e, a partir de então, foi acolhido
como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no
sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais. Não sei se tem
consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na
medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi
livre e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que
vive na Terra".
19
Vicenzo Roppo. Diritto privato, cit., p. 178.
  8  

humanos, que começou a se desenvolver naquele período mediante inúmeros


tratados voltados à proteção dos direitos fundamentais20.
Cumpre lembrar também o Pacto Internacional de Direitos Civis de 1966
e, finalmente, a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000, dentre
tantos outros. Tais documentos estão todos relacionados com os chamados direitos
humanos e também com os direitos fundamentais, também denominados liberdades
públicas.
Cabe aqui destacar a distinção entre os direitos da personalidade, os
direitos fundamentais e os direitos humanos.
Os direitos da personalidade protegem os direitos do ser humano sob o
enfoque privado21. Neste sentido entende Rubens Limongi França22, ao afirmar que
é possível usar a expressão "direitos privados da personalidade" como terminologia
para, justamente, frisar o aspecto privado destes direitos.
Os direitos fundamentais pressupõem relações de poder e têm uma
incidência publicística imediata, mesmo que produzam efeitos nas relações entre os
particulares. Os direitos da personalidade, por sua vez, pressupõem relações de
igualdade e têm incidência privada, mesmo quando sobrepostos aos direitos
fundamentais. Os primeiros pertencem ao direito constitucional e os segundos ao
direito civil23.
O autêntico direito fundamental de um indivíduo será sempre absoluto,
correspondendo ao princípio de distribuição do estado de direito, e, sendo assim, a
liberdade de um indivíduo será ilimitada, conforme explica Carl Schmitt24.

                                                                                                               
20
Flávia Piovesan, Temas, cit., p. 58.
21
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 56.
22
Rubens Limongi França, Instituições de direito civil, São Paulo: Saraiva, 1988, p 1026.
23
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional: direitos fundamentais, tomo IV, 3ª ed.,
Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 62.
24
Carl Schmitt, Teoría de la Constituición, Trad. Francisco Ayala, Madrid: Alianza Editorial,
1996, p. 179.
  9  

Os direitos da personalidade devem ser distinguidos dos direitos


fundamentais tanto no plano quanto no conteúdo. Os direitos fundamentais são
reconhecidos e ordenados pelo legislador e passam do plano natural para o positivo.
Os direitos da personalidade são inerentes ao homem, e por isso o Estado deve
respeitá-los e protegê-los, mas muitas vezes estes direitos não estarão contemplados
pela legislação25.
José Castán Tobeñas26, precursor de tal assertiva, diz que os direitos da
personalidade têm um âmbito muito mais reduzido do que os direitos humanos,
uma vez que pertencem ao direito privado e são dotados de proteção civil. Observa,
entretanto, que tanto os direitos humanos quanto os direitos da personalidade têm
diversos pontos coincidentes, pois ambos são considerados direitos naturais e estão
arraigados à própria condição do ser humano.
Os direitos da personalidade (como direitos naturais e inatos) surgiram
nos textos históricos citados acima e, inicialmente, foram denominados direitos
humanos. Mas alguns destes direitos foram positivados em textos constitucionais e
começaram a ser denominados direitos fundamentais. Assim, os direitos
fundamentais passam a ser considerados uma categoria mais restrita dos direitos
humanos e a ser protegidos pela Constituição. Os direitos da personalidade
integram uma outra categoria, já dentro dos direitos fundamentais, e se distinguem
por sua tutela privada e também por sua natureza de valores essenciais da
personalidade. São considerados direitos fundamentais, mas não se pode afirmar o
inverso27.
Essa é uma delimitação relevante dos direitos da personalidade.

                                                                                                               
25
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 57.
26
José Castán Tobeñas, Los derechos del hombre, 4ª ed., Madrid: Reus S.A., 1992, p 30.
27
Francisco Amaral, Direito, cit., 291.
  10  

28
Antonio Carlos Morato ilustra a relação entre os direitos da
personalidade, os direitos e garantias fundamentais e os direitos humanos da
seguinte forma:

"(...) o direito civil, mediante os direitos da personalidade, trataria da


questão sob o âmbito privado, regulando as relações entre os particulares,
enquanto o direito constitucional disciplinaria as relações entre a pessoa e
o Estado, coibindo os abusos deste por meio de liberdades públicas e os
direitos humanos fariam parte do direito internacional público, no qual os
Estados - entre si - exigiriam o respeito aos direitos da pessoa humana".

Para Anderson Schreiber29, trata-se do mesmo fenômeno enfocado por


visões variadas, e o valor tutelado é o mesmo: a dignidade da pessoa humana.
Logo, não há como negar a existência de uma inter-relação com os
direitos mencionados acima. De qualquer modo, trata-se de uma simplificação do
tema, haja vista a teoria das gerações dos direitos30.
A dicotomia entre os direitos da personalidade e os direitos fundamentais
não os opõe; ao contrário, enseja um relacionamento internormativo que reforça a
proteção da personalidade31.
Não se pode esquecer que os direitos da personalidade também são
tutelados no direito penal, o que pode ser visto em vários exemplos, como vida,
integridade física, honra e intimidade32. Existe uma tutela jurídica interdisciplinar
dos direitos da personalidade, porque estes se distribuem tanto na ordem
constitucional, na ordem civil, como também na ordem penal, tendo como suporte
                                                                                                               
28
Antonio Carlos Morato, Quadro geral dos direitos da personalidade, Revista da Faculdade de
Direito, vol. 106/107, 2012, p.121-132.
29
Anderson Schreiber, Direitos da personalidade, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 13.
30
Antonio Carlos Morato, Quadro geral, cit., p. 131.
Sobre as gerações de direitos fundamentais, vide Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos
fundamentais. 12ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 45-52.
31
Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet (Org.), Direitos da
personalidade, São Paulo: Atlas, 2012, p. 61.
32
Antonio Carlos Morato, Quadro geral, cit., p. 135.
  11  

o princípio da dignidade da pessoa humana. Os direitos da personalidade têm


amparo no texto constitucional e fazem parte do encontro privilegiado entre o
direito privado, as liberdades públicas e o direito constitucional33.
De qualquer modo, apesar de toda essa diferenciação, e paralelamente à
inter-relação dos temas, existe também a possibilidade de uma unificação de todos
estes direitos (humanos, fundamentais e da personalidade). Em uma visão
contemporânea do assunto, há uma tendência de fundamentação una, para que
ocorra a real efetivação de tais direitos e também para a inteira consolidação da
dignidade da pessoa humana, nas suas várias concepções, por meio da chamada
"constitucionalização do direito civil"34.
A constitucionalização do direito civil foi defendida por Gustavo
Tepedino, logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988. O texto
constitucional, além de ter tratado de temas antes exclusivos do Direito Civil, teve
o condão de transformar o direito civil em sua inteireza, já que passou a ter como
preocupação central não apenas o indivíduo, mas também as atividades por ele
desenvolvidas e os riscos delas decorrentes35.
Este também é o posicionamento de Elimar Szaniawski36, que defende a
interpenetração dos ramos do direito, "havendo de um lado a publicização do
direito privado e de outro, uma cada vez maior atividade privada do poder púbico,
ficando a cada passo mais difícil de se estabelecer fronteiras entre o direito público
e o direito privado".
Neste mesmo sentido, afirma Pietro Perlingieri 37 que não existe

                                                                                                               
33
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 284-285.
34
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 60.
35
Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 7.
36
Elimar Szaniawski, Direitos da personalidade e sua tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993, p. 95.
37
Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil, 3ª ed., trad. Maria Cristina De Cicco, Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 55.
  12  

disparidade entre o público e o privado, fazendo parte, o direito civil, de um


ordenamento unitário, em que os cidadãos são os seus titulares frente ao Estado.
Realmente, a clássica e rigorosa divisão entre o direito público e o direito
privado começou a ruir após a Segunda Guerra e fez ascender o princípio da
dignidade da pessoa humana38, que será referido mais adiante.
É também nesta fase que ocorre a aproximação dos direitos humanos
com os direitos fundamentais, por meio do que vem sendo denominado de direito
constitucional internacional39.
A Constituição Federal de 1988 impõe uma ruptura da postura
patrimonialista do direito civil e faz nascer uma concepção que privilegia o
desenvolvimento humano40.
No Brasil, o surgimento dos direitos da personalidade como ramo
autônomo, mostrou-se tardio.
O Código Civil de 1916 não tratou expressamente do assunto, apesar de
tê-lo feito de forma implícita ao proteger a pessoa em alguns aspectos41.
A doutrina e a jurisprudência foram responsáveis pela proteção de alguns
direitos, como o direito à intimidade, à imagem, ao corpo e outros, o que acabou
resultando em projetos de lei de um novo código civil.
O anteprojeto de Código Civil de 196342, de autoria de Orlando Gomes,
não prosperou, mas dedicou um capítulo inteiro ao assunto, reconhecendo de forma
explícita alguns direitos, tais como o direito à vida, à integridade física, à liberdade,
                                                                                                               
38
Luís Roberto Barroso, A dignidade da pessoa humana no direito constitucional
contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial, Trad.
Humberto Laport de Mello, Belo Horizonte: Forum, 2014, p. 62.
39
Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia, cit., p. 56.
40
Luiz Edson Fachim, Direito civil: sentidos, transformações e fim, Rio de Janeiro: Renovar,
2015, p. 59.
41
Antonio Carlos Morato, Quadro geral, cit., p. 122.
42
Apêndice: Capítulo III do anteprojeto de Código Civil de 1963, artigos 29 a 37 e Capítulo IV,
artigos 38-44.
  13  

à honra e à imagem. Reservou, de forma destacada, um outro capítulo exclusivo


para o direito ao nome e previu expressamente a tutela civil para a hipótese de
atentado ilícito à personalidade, com a cessação da ofensa e indenização por perdas
e danos43.
Na exposição de motivos, Orlando Gomes 44 justificou a inclusão da
matéria com fulcro na preservação do respeito à vida humana, por ser este um dos
valores fundamentais da sociedade.
Como não poderia deixar de ser, o anteprojeto de Código Civil de 1975,
que deu origem ao atual Código Civil brasileiro, influenciado pelo projeto anterior,
também dedicou um capítulo aos direitos da personalidade45.
Segundo Miguel Reale 46 , coordenador do projeto, a inclusão das
disposições sobre os direitos da personalidade no Código Civil mereceu elogios,
uma vez que a pessoa é "o valor-fonte de todos os valores jurídicos".
Mas o grande passo para a evolução desta proteção ocorreu somente com
a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
Adiante, será dedicado um capítulo ao exame de alguns direitos da
personalidade previstos na Carta Magna.
Da mesma forma que as declarações de direitos humanos antes
mencionadas foram promulgadas após períodos de atrocidades cometidas contra a
humanidade, a Constituição brasileira surge depois de longo período de ditadura
militar, em que direitos e liberdades individuais foram acintosa e constantemente
                                                                                                               
43
Rubens Limongi França (Instituições, cit., p. 1028) tece diversos elogios ao anteprojeto de
Orlando Gomes e critica o anteprojeto de Miguel Reale, por ter tratado do assunto de forma
menos incisiva.
44
Orlando Gomes, Memória justificativa do anteprojeto de reforma do Código Civil, Rio de
Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1963, p. 35.
45
José Carlos Moreira Alves, A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro, São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 76.
46
Miguel Reale, História do novo código civil, volume 1, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p. 42.
  14  

violados.
A Constituição Federal menciona alguns direitos da personalidade de
forma expressa, como no artigo 5º, X:

"São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação".

Esta foi a primeira norma a tutelar civilmente, de forma explícita, os


direitos da personalidade no Brasil.
Finalmente, a exemplo do anteprojeto de Código Civil de 1975, antes
mencionado, o Código Civil de 2002 dedica um capítulo inteiro aos direitos da
personalidade, em seus artigos 11 a 21, o qual será objeto de exame mais adiante.
Em outros países, a codificação dos direitos da personalidade também
ocorreu de forma gradativa47.
O Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch , ou BGB) de 1896
tratou do assunto ao reconhecer o direito ao nome e também à reparação em caso
de dano contra a pessoa, nos parágrafos 12 e 823, 1, respectivamente:

"Namensrecht
Wird das Recht zum Gebrauch eines Namens dem Berechtigten von
einem anderen bestritten oder wird das Interesse des Berechtigten
dadurch verletzt, dass ein anderer unbefugt den gleichen Namen
gebraucht, so kann der Berechtigte von dem anderen Beseitigung der
Beeinträchtigung verlangen. Sind weitere Beeinträchtigungen zu
besorgen, so kann er auf Unterlassung klagen"48.

" Schadensersatzpflicht
(1) Wer vorsätzlich oder fahrlässig das Leben, den Körper, die
Gesundheit, die Freiheit, das Eigentum oder ein sonstiges Recht eines
anderen widerrechtlich verletzt, ist dem anderen zum Ersatz des daraus
                                                                                                               
47
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 66.
48
Tradução livre: "Direito ao nome: o titular do direito de uso de um nome pode obrigar terceiros
a cessar o seu uso sem autorização, podendo intentar uma ação inibitória".
  15  

entstehenden Schadens verpflichtet"49.

Em 1907, o Código Civil suíço também abordou o direito ao nome e ao


direito de indenização, no artigo 29:

"1 If a person’s use of his or her name is disputed, he or she may apply
for a court declaration confirming his rights.
2 If a person is adversely affected because another person is using his or
her name, he or she may seek an order prohibiting such use and, if the
user is at fault, may bring a claim for damages and, where justified by
the nature of the infringement, for satisfaction"50.

O Código Civil espanhol, de 1902, cuidou simplesmente da indenização


pelo dano, em seu artigo 7º:

"La Ley no ampara el abuso del derecho o el ejercicio antisocial del


mismo. Todo acto u omisión que por la intención de su autor, por su
objeto o por las circunstancias en que se realice sobrepase
manifiestamente los límites normales del ejercicio de un derecho, con
daño para tercero, dará lugar a la correspondiente indemnización y a la
adopción de las medidas judiciales o administrativas que impidan la
persistencia en el abuso".

Percebe-se que os diplomas acima referidos não incluíram definição


expressa dos direitos da personalidade. Só mais recentemente tal definição foi
inserida em outros textos legais51, como o Código Civil italiano, de 1942, que, em
seus artigos 5º ao 10, passou a proteger o corpo, a integridade física, o nome e a
imagem; e o Código Civil português, de 1966, que, em seus artigos 70 a 81, tutelou
                                                                                                               
49
Tradução livre: "Responsabilidade por danos: (1) Qualquer pessoa que intencionalmente ou por
negligência ofender a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade ou outro direito de outra
pessoa de forma ilegal estará obrigado à reparação do prejuízo resultante".
50
Tradução livre: "Se houver o uso indevido do nome de uma pessoa, esta poderá contestar e
ingressar com ação judicial confirmando seus direitos. Se uma pessoa é prejudicada porque outra
pessoa está usando o seu nome, ela poderá pleitear a proibição da sua utilização e poderá
requerer indenização, quando justificado pela natureza da infração".
51
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 69.
  16  

as cartas, o nome, a imagem e a intimidade.


Além desses, o Código Civil francês, mediante alteração por lei especial,
de 1994, incluiu o artigo 16 e seus diversos itens sobre o respeito ao corpo humano,
a análise de características genéticas de uma pessoa e o uso de técnicas de imagem
cerebral; o Código Civil peruano de 1939 já dispunha sobre o direito ao nome em
seus artigos 13 a 18, mas o de 1984, nos artigos 3º a 32, finalmente tratou de outros
direitos da personalidade, como o direito ao corpo, à intimidade, à imagem, à voz e
ao sigilo de correspondência, entre outros.
Também o Código Civil de Macau, de 1999, inspirado no Código Civil
português, abordou vários direitos da personalidade, tornando-se um dos mais
completos quanto ao tema, pois tratou, nos artigos 67 a 82, dos direitos à vida, à
integridade física e psíquica, à liberdade, à honra, à reserva sobre a intimidade da
vida privada, às cartas-missivas confidenciais, às memórias familiares e outros
escritos confidenciais, às cartas-missivas não confidenciais, à história pessoal, à
protecção de dados pessoais, à imagem e à palavra, à verdade pessoal, ao nome e a
outros meios de identificação pessoal52.

                                                                                                               
52
Pedro Cardoso Correia da Mota Pinto (Os direitos de personalidade no Código Civil de Macau,
in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v 76, 2000, p. 250) comentou
sobre a proteção dos direitos da personalidade em moldes tão avançados naquela região: "É claro,
todavia, que não basta a consagração num texto legal de um conjunto de direitos para que se
possa afirmar que a personalidade humana se encontra adequadamente protegida na prática, como
o exigem quer a compreensão portuguesa dos direitos, liberdades e garantias, quer as mais fundas
intuições morais que constituem hoje património comum dos países que pretendem ser
reconhecidos pela Humanidade como civilizados. Das palavras à realidade vai, na verdade, uma
distância por vezes tragicamente inultrapassável, como dolorosamente nos lembram os ainda
recentes acontecimentos em Timor. Se, porém, a consagração desenvolvida, no Código Civil, de
um conjunto de direitos de personalidade puder, ainda que de forma ténue, contribuir para uma
prática social e jurídica em que a personalidade humana seja efectivamente respeitada, não só
pelos particulares, esse será, com certeza, um dos legados aos residentes de Macau que os
civilistas portugueses poderão futuramente encarar com orgulho".
  17  

1.2. Definição e natureza jurídica.

Os direitos da personalidade53 são prerrogativas individuais, essenciais à


pessoa humana, e se destacam de sua esfera patrimonial. São, portanto, direitos
inerentes à pessoa humana e. por conseguinte, relacionados aos homens de forma
permanente.
Para Rubens Limongi França 54 , os direitos da personalidade são as
faculdades jurídicas da própria pessoa e constituem a sua proteção essencial no
mundo exterior.
Conforme conceitua Francisco Amaral55, os direitos da personalidade são
direitos subjetivos que têm por objeto bens e valores essenciais da pessoa em seu
aspecto físico, moral e intelectual.
Carlos Alberto Bittar56 define os direitos da personalidade como aqueles
assegurados à pessoa humana em relação a si própria e também em relação à
sociedade.
Os direitos da personalidade são, portanto, primordiais a toda e qualquer
ser humano e têm por base a dignidade humana. São uma concessão de poder às
pessoas com o intuito de proteção, tanto à essência de sua personalidade quanto às

                                                                                                               
53
Orlando Gomes (Introdução ao direito civil, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 149)
define os direitos da personalidade como os direitos considerados essenciais à pessoa humana, a
fim de resguardar a sua dignidade, para que sejam evitadas práticas e abusos atentatórios.
Na lição de Maria Helena Diniz (Curso, cit., p. 135 e 136): "o direito da personalidade é o direito
da pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, a
privacidade, a honra etc.".
Antônio Chaves (Lições, cit., p. 168) explica os direitos da personalidade como o mínimo
necessário para a própria personalidade.
Segundo Adriano de Cupis (Os direitos, cit., p. 24), os direitos da personalidade são essenciais a
todos os indivíduos e sem eles não seria possível a existência da pessoa como tal.
54
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1025.
55
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 281.
56
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 29.
  18  

suas qualidades mais importantes, como explica José Castán Tobeñas 57 . Ele
pondera que deve-se estabelecer diferenciação entre o conceito de personalidade e
o direito da personalidade: enquanto a personalidade é a possibilidade abstrata de
se ter direitos, os direitos da personalidade são faculdades concretas inerentes a
todo aquele que tem personalidade58.
Em muitos dos conceitos mencionados acima, percebe-se a qualidade de
direitos subjetivos que se atribuem aos direitos da personalidade. No entanto, esta
posição, que hoje parece pacífica, nem sempre foi compreendida desta forma. A
discussão acerca da natureza dos direitos da personalidade foi desencadeada porque
a doutrina antiga não os considerava como direitos subjetivos, mas mero efeito de
direito objetivo e uma reação do ordenamento contra a lesão59.
Entretanto, este posicionamento não prosperou, visto que, conforme já
mencionado, a personalidade jurídica é um atributo do ser humano e por isso
merece proteção. Além de quê, o sujeito tem a faculdade de defender os valores
essenciais da personalidade e deve ser protegido das possíveis agressões60.
Na definição de Goffredo Telles Junior61, os direitos subjetivos são as
permissões dadas por meio de normas jurídicas, para fazer ou não fazer alguma
coisa.
Maria Helena Diniz62 vê os direitos da personalidade como um direito
subjetivo justamente porque deve ser exigido "um comportamento negativo de
todos, protegendo um bem próprio, valendo-se de ação judicial".

                                                                                                               
57
José Castán Tobeñas, Derecho civil español, común y foral. Tomo primero. Introducion y parte
general. Volumen segundo. 15ª ed. Madrid: Reus S.A., 2007, p. 321.
58
José Castán Tobeñas, Derecho civil, cit., p. 325.
59
Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 26.
60
Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 27.
61
Goffredo Telles Junior, Direito quântico, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 307.
62
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136.
  19  

José Castán Tobeñas 63 também entende os direitos da personalidade


como subjetivos, tanto que propôs denominá-los direitos subjetivos essenciais,
conforme será visto adiante. E justifica a tese em razão de o titular da personalidade
jurídica ter à sua disposição a tutela por meio de ação judicial 64.
A conclusão, portanto, é de que os direitos da personalidade têm natureza
de direitos subjetivos, o que se justifica até pelo fato de a tutela judicial estar
prevista na Constituição Federal de 1988 e também no Código Civil brasileiro.

1.3. Terminologia.

Savigny, no século XIX, teria sido um dos primeiros doutrinadores a


tratar dos direitos da personalidade, mas denominava-os direitos originários. No
entanto, o fez justamente para negar a sua existência, considerando falso o
princípio de um direito sobre a pessoa do homem, por trazer consequências como a
legitimação do suicídio. O direito à vida seria um destes direitos originários e
poderia levar a esta conclusão65.
Todavia, tal teoria não pôde ser acatada, uma vez que, claramente, o
direito à vida não justifica o suicídio. O homem não tem o direito de dispor de sua
vida66. Tem o direito à vida, mas não o direito à morte. Na lição de Pontes de
Miranda67, seria um sofisma justificar o suicídio com o direito à vida. Não há como
se tirar o direito de viver; se fosse possível, não se puniria a ajuda ao suicídio.
                                                                                                               
63
José Castán Tobeñas, Derecho civil, cit., p. 325-331.
64
O mesmo posicionamento tem Pietro Trimarchi, Istituizioni di diritto privato, 7ª ed., Milano:
Giuffrè, 1986, p.62.
No mesmo sentido, sobre a questão da qualidade de subjetivos dos direitos da personalidade,
Roberto de Ruggiero, Instituições de direito civil, volume 1, Trad. Paulo Roberto Benasse,
Campinas: Bookseller, 1999, p. 263.
65
Apud Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 149.
66
Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 155.
67
Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 42.
  20  

O primeiro autor a tratar do assunto e que adotou a denominação de


“direitos da personalidade”, valendo-se da expressão Persönlichkeitssphäre
gewährleisten68, foi o alemão Otto Gierke, no ano de 188969.
Entretanto, os direitos da personalidade foram realmente reconhecidos
como uma categoria autônoma por outros juristas alemães, como Gareis e Kohler,
entre o final do século XIX e já no início do século XX. Utilizavam os termos
Individualrechte ou Personalitärecht, ou seja, “direitos individuais” ou “direitos da
personalidade”. De qualquer modo, nesse período, apenas era reconhecida a tutela
pública para tais direitos, por meio do direito penal e do direito constitucional70.
Conforme já referido, a análise do aspecto privado dos direitos da
personalidade surgiu posteriormente, justamente com a diferenciação entre os
direitos da personalidade e os direitos fundamentais, ou seja, pela dicotomia que
considera os primeiros como direito privado e os segundos como público71. Mas a
terminologia foi, e ainda é, muito discutida pelos doutrinadores.
Adriano de Cupis72, ao tratar do mesmo tema, chegou a utilizar o termo
"direitos essenciais", mas o fez para qualificar os direitos da personalidade.
José Castán Tobeñas73 chegou a se expressar com as locuções "direitos
essenciais da pessoa" ou "direitos subjetivos essenciais", mas também preferiu o
termo “direitos da personalidade”, por serem direitos ligados indissoluvelmente à
personalidade do homem.
Outras denominações foram propostas: "direitos sobre a própria pessoa",
defendida por Windscheid e Campogrande; "direitos individuais", por Kohler e

                                                                                                               
68
Tradução livre: "Garantia de privacidade".
69
Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da
personalidade, cit., p. 14.
70
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1025.
71
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 59.
72
Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 24.
73
José Castán Tobeñas, Derecho civil, cit., p.325.
  21  

Gareis; "direitos pessoais", por Watchter e Bruns; e, finalmente, "direitos


personalíssimos", por Pugliati e Rotondi74.
Os autores que preferem o termo “personalíssimos” defendem a
expressão porque tais direitos se extinguem com a morte do titular. No entanto,
alguns direitos da personalidade podem ultrapassar o tempo de vida do titular.
Gilberto Haddad Jabur também utiliza o termo “direitos personalíssimos”
e, segundo ele, essa é a denominação mais apropriada, por utilizar o superlativo
absoluto sintético de pessoal, que tem consequências distintas no mundo jurídico. E
condena a expressão “direitos da personalidade”, porque não é a personalidade a
titular dos direitos, mas as pessoas75.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery76 preferem o termo
“direitos de humanidade”, porque o objeto básico destes direitos são componentes
da natureza do ser humano, e não da pessoa.
Rubens Limongi França77 elegeu a expressão “direitos da personalidade”
e, conforme já mencionado, também propôs como variação a expressão "direitos
privados da personalidade", para frisar o aspecto privado destes direitos.
Pode-se ainda registrar o uso do termo “direitos de personalidade”78,
conforme empregava Pontes de Miranda, ou seja, com a substituição da partícula
"da" pela partícula "de". No entanto, esta também não parece adequada porque "de"
indica posse. e a noção de posse não pode coexistir com a variedade de direitos da
personalidade79.
É necessário utilizar-se apenas uma denominação para intitular esses

                                                                                                               
74
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 30.
75
Gilberto Haddad Jabur, Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre
direitos da personalidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 98.
76
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código civil comentado, cit., p. 229.
77
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1026.
78
Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 29.
79
Gilberto Jabur, Liberdade, cit., p. 99.
  22  

direitos, e a locução “direitos da personalidade” é a que prevaleceu no âmbito do


direito civil80.
Portanto, neste trabalho será adotado o termo “direitos da personalidade”,
porque é o que foi consagrado pela maior parte da doutrina, tanto no direito
brasileiro como também no direito alienígena, além de ser utilizado na Constituição
Federal de 1988 e no atual Código Civil brasileiro.

1.4. Fundamento jurídico.

O fundamento jurídico dos direitos da personalidade encontra


divergência tanto na doutrina nacional como na alienígena. Parte da doutrina
acredita que são direitos consagrados apenas após a sua positivação. Outra parte
proclama os direitos da personalidade como consequência do direito natural.
Na concepção de Pontes de Miranda81 os direitos da personalidade não
são impostos por ordem natural ou sobrenatural aos sistemas jurídicos, mas
manifestam-se como efeitos de fatos jurídicos, como, por exemplo, a pressão
política para se fazer introduzir nestes sistemas figuras morais e religiosas.
Adriano de Cupis 82 sustenta que os direitos da personalidade têm
natureza positiva, por estarem vinculados ao ordenamento jurídico positivo, da
mesma forma que outros direitos subjetivos. O autor afirma, na sequência, que não
se podem caracterizar os direitos da personalidade como inatos83.
                                                                                                               
80
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 31.
81
Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 31.
82
Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 26 e 27.
83
Este é o posicionamento de José Castán Tobeñas (Derecho civil, cit., p. 331), que também
atrela os direitos da personalidade ao direito positivo.
No mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Direito civil: teoria geral, 9ª
ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 1510), que entendem que os direitos da personalidade
têm como fonte precípua o próprio ordenamento jurídico. E também Leonardo Estevam de Assis
Zanini, Direitos da personalidade, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 123.
  23  

Gustavo Tepedino84 também é adepto do posicionamento positivista e diz


que o único fundamento da tutela da personalidade é a norma positiva, mas
assevera que os direitos da personalidade são considerados apenas inatos, pelo fato
de nascerem com a pessoa humana.
Portanto, para os citados autores positivistas, somente os direitos da
personalidade reconhecidos pelo Estado podem ter força jurídica. Mas no entanto
os posicionamentos descritos acima não parecem os mais adequados para expressar
tal realidade jurídica. Parece haver contradição na afirmação segundo a qual os
direitos da personalidade nascem com os seres humanos mas têm fundamento de
existência no positivismo.
Os direitos da personalidade têm base no direito natural. Não se pode
limitá-los apenas àqueles previstos em lei. São inatos, e mesmo que muitos deles
estejam positivados, são inerentes aos seres humanos e já existiam antes da
positivação. Esta é a origem dos direitos da personalidade.
A concepção jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII já previu direitos
naturais e inalienáveis do homem com a característica de expressão de sua
condição humana85. Para os adeptos do direito natural, desde Aristóteles, passando
por outros filósofos como Locke, Rousseau, Kant e Del Vecchio, o ordenamento
positivo existe apenas em razão do ser humano86.
Esta é a essência do direito natural.
Maria Helena Diniz define os primeiros passos do direito natural como
um conjunto de normas consagradas ou não na sociedade e com efeito da natureza
das coisas e do homem, apreendidos pela inteligência humana como autênticos.
Com base em tal definição percebe-se que o conceito do bem é inerente à natureza

                                                                                                               
84
Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 41-44.
85
Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia, cit., p. 55.
86
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 39.
  24  

humana. O direito natural, por ser inerente à condição humana, independe da


legislação. Os jusnaturalistas admitem leis jurídicas anteriores ao direito positivo87.
A autora admite, ainda, que o jusnaturalismo moderno, mesmo não estando preso
às fontes positivas do direito, atribuiu-lhe a propriedade de sistema e propiciou sua
integração com o direito positivo88.
Por essas razões, o mais conveniente e coerente é basear os direitos da
personalidade na ideia jusnaturalista.
Há de se destacar a posição de Miguel Reale89, que sabidamente não é
adepto do direito natural mas afirma: "tem sido observado, aliás com razão, que as
Constituições como estatutos políticos fundamentais, ao proclamarem os direitos
indeclináveis do homem, de uma forma ou de outra se achegam aos enunciados do
direito natural, sobretudo no que se refere aos direitos humanos".
Para o autor90, a concepção transcendental de direito natural deve ser
aceita, e determinados valores são constantes e inamovíveis, dando sentido à
prática humana.
Neste mesmo sentido, Maria Helena Diniz 91 reconhece uma dupla
dimensão aos direitos da personalidade: a axiológica, em que os valores
fundamentais da pessoa se materializam; e a objetiva, que consiste nos direitos
previstos em lei e na Constituição Federal.
Além disso, a mesma autora92 considera os direitos da personalidade
como inatos – adquiridos, portanto, no instante da concepção – e que por isso não

                                                                                                               
87
Maria Helena Diniz, Compêndio de introdução à ciência do direito, São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 54-60.
88
Maria Helena Diniz, Compêndio, cit., p. 60-63.
89
Miguel Reale, Direito natural, direito positivo, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 3.
90
Miguel Reale, Lições, cit., p. 313.
91
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p 133.
92
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136.
  25  

podem ser retirados, por se tratarem de qualidade humana93.


Apesar de ter sido duramente criticado ao longo do tempo por outros
filósofos do direito, o jusnaturalismo ainda persiste no tempo e tem adeptos
contemporâneos 94 . Odete Novais Carneiro Queiroz 95
, ao tratar dos direitos
humanos, afirma que o caráter da universalidade é inquestionável: "basta pertencer
à raça humana, pertencer a qualquer das nações desse Universo, para ser titular de
tais direitos".
Além disso, muitos autores que estudaram profundamente os direitos da
personalidade os fundamentam no direito natural96. É o caso de Rubens Limongi
França 97 , para quem o principal fundamento para a tutela de direitos da
personalidade não positivados em lei são as imposições da natureza das coisas, ou
seja, o direito natural. O autor entende que existem faculdades jurídicas não
previstas em lei, embora sancionáveis, conforme prevê o artigo 4º da Lei de
                                                                                                               
93
Jaime Santos Briz (Derecho civil: teoría y práctica, Tomo I, Madrid: Editorial Revista de
Derecho Privado, 1978, p. 319) também concebe os direitos da personalidade como inatos e
originários.
No mesmo sentido, Domenico Barbero (Sistema del derecho privado II: derechos de la
persnonalidad, derecho de familia, derechos reales, Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-
America, 1967, p. 4), ao descrever os direitos da personalidade como inatos e advindos do direito
natural, ou seja, o direito positivo apenas os reconhece.
94
Ingo Wolfgang Sarlet (A eficácia, cit., p. 55), ao tratar de direitos fundamentais, ampara-os no
direito natural, ou numa universalidade abstrata. O autor afirma que apesar da positivação de
muitos deles após a Segunda Guerra, os direitos fundamentais já eram reconhecidos a todos os
homens por meio do direito natural.
Carlos Roberto Gonçalves (Curso, cit., p. 187), também se posiciona em favor da escola do
direito natural, afirmando que são direitos inerentes à pessoa humana reconhecidos pela
legislação e pela jurisprudência modernas, de forma lúcida.
95
Odete Novais Carneiro Queiroz, Prisão civil e os direitos humanos, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 103.
96
Neste sentido, Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 39), para quem o direito compreende o
costume, a jurisprudência e outras fontes, não se cingindo apenas a normas, muito menos a
normas positivas.
Tem o mesmo posicionamento Elimar Szaniawski (Direitos, cit., p. 48), que conecta os direitos
da personalidade à natureza humana, razão pela qual não podem sofrer limitações e são
incontáveis.
97
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1027.
  26  

Introdução às Normas do Direito Brasileiro98.


Partindo-se da premissa de que os direitos da personalidade têm origem
no direito natural, é possível entender que não estão limitados apenas aos direitos
positivados de maneira inequívoca, assim como é possível, também, acolher o
direito geral de personalidade; pode-se afirmar, ainda, que tais direitos não são
exaustivos. Estes assuntos serão desenvolvidos a seguir.
Da mesma forma, pautado nessa premissa e nesse raciocínio, o direito ao
esquecimento pode ser inserido na categoria dos direitos da personalidade.

1.5. Teoria do direito geral da personalidade.

Com base na fundamentação dos direitos da personalidade no direito


natural, é possível acolher a chamada teoria do direito geral da personalidade, o que
quer dizer que os direitos da personalidade podem ser reduzidos a uma figura
unitária, ou seja, a sua especialização é o resultado das várias maneiras por que
podem ser atingidos, daí o termo direito geral da personalidade99. Trata-se de um
complexo unitário de natureza física, moral e intelectual, que defende a
inviolabilidade da pessoa humana e considera a personalidade um objeto de tutela
jurídica geral100.
O embasamento do direito geral da personalidade se dá em razão da
quantidade de tipos de ofensas aos direitos da personalidade, sendo necessária uma
tutela ampla aos indivíduos, por meio de um direito-quadro de natureza aberta e

                                                                                                               
98
Art. 4º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro: Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
No mesmo sentido, Gilberto Haddad Jabur (Liberdade, cit., p. 116), que afirma que os direitos da
personalidade devem ter um conteúdo mínimo imprescindível à satisfação dos interesses
essenciais do homem e encontram seu principal fundamento no direito natural.
99
Orlando Gomes. Introdução, cit., p. 152.
100
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287.
  27  

que permita alcançar as situações que não forem previamente tratadas por lei101.
O artigo 12, caput, do Código Civil diz que

"Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da


personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei".

Desta forma, com base neste artigo é possível reconhecer os direitos da


personalidade que não foram regulados em lei, mas que ainda poderão se
concretizar, conforme o direito geral da personalidade102.
No entanto, não há consenso entre os autores sobre a existência, no
direito brasileiro, do direito geral da personalidade.
Silmara Juny de Abreu Chinellato103 não concorda com a existência, no
Brasil, do direito geral de personalidade, afirmando que o artigo 12 do Código Civil
apenas indica uma enumeração não exaustiva de direitos.
Gustavo Tepedino diz que apenas com base na dignidade da pessoa
humana já é possível extrair uma cláusula geral da tutela da pessoa humana, sem
que seja necessário recorrer aos direitos da personalidade104.
Neste mesmo sentido, o Enunciado nº 274 da IV Jornada de Direito Civil
do Conselho de Justiça Federal:

"Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo


Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa
                                                                                                               
101
Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da
personalidade, cit., p. 17.
102
Este é o entendimento de Fabio Maria de Mattia (Direitos da personalidade, aspectos gerais, in
Revista de informação legislativa, Volume. 14, N. 56, P. 247-266, Rio de Janeiro: Forense, 1977,
p. 262), para quem o artigo 12 do Código Civil representa o reconhecimento de uma regra geral
de tutela dos direitos da personalidade.
No mesmo sentido, Elimar Szaniawski, Direitos, cit., p. 95.
103
Silmara Juny de Abreu Chinellato, in Antônio Cláudio da Costa Machado (Org.), Código Civil
interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, 7ª ed., Barueri: Manole, 2014, p. 69.
104
Gustavo Tepedino e outros, Código Civil interpretado conforme a Constituição da República:
parte geral e obrigações, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 33.
  28  

humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da


pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode
sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação".

No entanto, invocar exclusivamente o princípio da dignidade da pessoa


humana para a aplicação dos direitos da personalidade no campo do direito privado
poderia gerar uma banalização de tão importante princípio105, razão pela qual se
torna mais adequado aceitar o direito geral da personalidade.
No direito alemão, a questão é vista de outra forma. Como naquele país
não há uma sistematização dos direitos da personalidade, e, conforme já
mencionado, como o BGB trata apenas do direito ao nome e à indenização em caso
de dano contra a pessoa, nos parágrafos 12 e 823, 1, a jurisprudência local
formulou este direito geral, em razão de lacunas na legislação106.
A doutrina alemã reconhece há muito tempo o direito geral da
personalidade, no sentido de que o BGB o admite indiretamente, mas também é
possível, por precaução, ampliar a proteção aos direitos da personalidade mediante
conclusões analógicas, desde que tudo seja feito com precaução e levando-se em
consideração que a personalidade é o mais importante de todos os bens do
mundo107.
No direito português, de maneira geral, o direito geral da personalidade é
acolhido, por conta do que prevê o artigo 70 de seu Código Civil108. No entanto, há
divergência entre a Escola de Direito de Coimbra, que acolhe o direito geral da
                                                                                                               
105
Fabio Siebeneichler de Andrade, O desenvolvimento dos direitos da personalidade nos dez
anos de vigência do Código Civil de 2002, in Renan Lotufo, Giovanni Ettore Nanni, Fernando
Rodrigues Martins (Coords.), Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre
os 10 anos do Código Civil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 57.
106
Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da
personalidade, cit., p. 18.
107
Heinrich Lehman. Tratado de derecho civil, Vol. I, parte general, Madrid: Editorial Revista de
Derecho Privado, 1956, p. 130-613.
108
O artigo 70 do Código Civil português diz: "A lei protege os indivíduos contra qualquer
ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral".
  29  

personalidade, e a Escola de Direito de Lisboa, que é majoritariamente contrária ao


reconhecimento como categoria autônoma e necessária109.
Por conta disso, na concepção de José Joaquim Gomes Canotilho110, o
direito geral da personalidade pode ser enfrentado como um direito de a pessoa ser
e de a pessoa se tornar. O autor ainda salienta a interdependência do direito positivo
e do direito negativo do cidadão e a consequente relação entre direitos da
personalidade com direitos fundamentais, já descrita acima.
José de Oliveira Ascensão111 é contrário à solução do direito geral da
personalidade e fundamenta seu entendimento no possível abalo da segurança
jurídica, por se tratar de um direito de grande extensão112.
Também existe divergência na Itália, quanto ao direito geral da
personalidade: a posição majoritária sustenta a tese de que os direitos da
personalidade são típicos e são apenas aqueles previstos expressamente em lei113;
por outro lado, uma outra corrente defende a ideia de uma série aberta de direitos

                                                                                                               
109
Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da
personalidade, cit., p. 18.
110
José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7ª ed.,
Coimbra: Almedina, 2003, p. 396.
111
José de Oliveira Ascensão, Direito civil: teoria geral, volume 1, Coimbra: Coimbra Editora,
2000, p. 87-88.
112
Sobre o assunto, Pedro Cardoso Correia da Mota Pinto (Os direitos de personalidade, cit., p.
218), analisando o Código Civil de Macau, infere que "o direito geral da personalidade não
resolve de uma penada os complexos problemas de aplicação e delimitação práticas.
Designadamente, o direito geral de personalidade carece de uma delimitação clara, tendo os seus
limites que ser precisados, desde logo, porque a proteção de uma pessoa pode contender com o
livre desenvolvimento da outra". O Código Civil de Macau, em seu artigo 67, protegeu
expressamente o direito geral da personalidade: "Artigo 67. (Tutela geral da personalidade): 1.
Todos os indivíduos têm direito à proteção contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua
personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a
pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso,
com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. 3. As
medidas referidas no número anterior poderão ser requeridas como providências cautelares, nos
termos da lei de processo".
113
Este é o posicionamento de Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 26-27.
  30  

da personalidade e reconhece o direito geral da personalidade114.


Pietro Perlingieri é adepto da segunda posição. O autor é favorável ao
direito geral da personalidade por entender a personalidade como um valor
fundamental do ordenamento e a base de um leque aberto de situações existenciais.
Assim, devido à elasticidade do conceito tem-se um instrumento para a proteção de
situações atípicas115.
Deve-se entender o direito geral da personalidade como um sistema que,
além de ser unitário, dinâmico e evolutivo, está constituído a partir do princípio da
dignidade da pessoa humana e que, portanto, admite a inserção de novos conceitos,
como o direito ao esquecimento.

1.6. Características dos direitos da personalidade.

Grande parte da doutrina confere algumas características comuns aos


116
direitos da personalidade . Podem ser caracterizados como absolutos,
extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, vitalícios, necessários,
indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, impenhoráveis e inexpropriáveis117.
São absolutos, porque podem ser oponíveis erga omnes. Intransmissíveis,
porque não podem ser transferidos para a esfera jurídica de outra pessoa.
Indisponíveis, porque não podem ser objeto de disposição (entretanto, será visto
que se trata, na realidade, de indisponibilidade relativa). Extrapatrimoniais, porque
não podem ser avaliados economicamente. Irrenunciáveis, pelo mesmo fundamento
de não poderem ser transferidos de esfera jurídica. Imprescritíveis, porque não se

                                                                                                               
114
Pietro Perlingieri, Perfis, cit., p. 154.
115
Pietro Perlingieri, Perfis, cit., p.155-156.
116
Para Orlando Gomes (Introdução, cit., p. 152), os direitos da personalidade são absolutos,
extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, vitalícios e necessários.
117
Maria Helena Diniz (Curso, cit., p. 134) apresenta um rol maior de características.
  31  

extinguem por não serem usados. Impenhoráveis, por não serem passíveis de
penhora. Inexpropriáveis, porque não podem ser retirados da pessoa, enquanto ela
viver118.
Com relação à característica da indisponibilidade, é relevante ressaltar
que a indisponibilidade é relativa, porque certos direitos podem ser, efetivamente,
objeto de cessão. É o que ocorre com o direito da imagem, geralmente na
publicidade, com o direito autoral, na divulgação ou comercialização da obra, e
com o direito à integridade física, que admite cessão gratuita119.
O Código Civil simplificou o rol de características, limitando-o à
irrenunciabilidade e à intransmissibilidade, além de estipular a impossibilidade de
limitação voluntária, conforme artigo 11120. Não obstante tal limitação, o presente
estudo parte da premissa, pelas razões já expostas, de que os direitos da
personalidade são inatos e fundados no direito natural; logo, não são exaustivos.
Assim, não ostentam a característica da taxatividade.
A ausência da taxatividade é admitida por vários doutrinadores121. Maria
Helena Diniz122 afirma que os direitos da personalidade são ilimitados porque não
são um número fechado e, portanto, "não se resumem eles ao que foi arrolado
normativamente, nem mesmo se poderá prever, no porvir, quais direitos da
                                                                                                               
118
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 135-136.
Francisco Amaral (Direito, cit., p. 285-286) também caracteriza os direitos da personalidade
como intransmissíveis, absolutos, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e
extrapatrimoniais. Porém, acrescenta que são inerentes à pessoa e inseparáveis do titular.
119
Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 57.
120
O artigo 11 do Código Civil diz: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária”.
121
Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 49) enfatiza que os direitos da personalidade têm um
rol não taxativo e sempre será possível o abrigo de novos direitos.
Anderson Schreiber (Direitos da personalidade, cit., p. 16) destaca o rol aberto dos direitos da
personalidade e afirma que a ausência de previsão no Código Civil faz estimular o debate sobre
novas esferas de realização da pessoa humana.
No mesmo sentido, Silmara Juny de Abreu Chinellato, Código Civil interpretado, cit., p. 69.
122
Maria Helena Diniz, Curso, cit. p. 136.
  32  

personalidade serão, diante das conquistas biotecnológicas e do progresso


econômico-social, tipificados em norma".
A mesma autora entende que se admite a condição de não taxatividade
para que no futuro possam ocorrer o desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário
e a regulação por normas especiais sobre a matéria 123.
Há de se destacar que a condição de não taxatividade dos direitos da
personalidade não pode ser confundida com o citado direito geral da personalidade.
A primeira diz respeito a um número aberto de direitos, já o segundo diz respeito a
uma figura una e objeto de uma tutela jurídica geral.
Percebe-se que, assim como existe uma resistência dos doutrinadores em
aceitar o direito geral da personalidade, há uma adesão muito maior à teoria de que
os direitos da personalidade são um número aberto.
Na Itália, existe divergência quanto ao direito geral da personalidade,
conforme mencionado, mas prevalece o reconhecimento da não taxatividade dos
direitos da personalidade124. Grande parte da doutrina e também da jurisprudência
construiu uma cláusula aberta dos direitos da personalidade, para que aqueles não
inseridos expressamente pelo sistema legislativo também sejam reconhecidos125.
Conforme já mencionado, em Portugal também existe divergência sobre
a existência do direito geral da personalidade, mas é predominante o
posicionamento sobre o reconhecimento da sua condição de não taxatividade.
José de Oliveira Ascensão126 concorda com a não exaustividade e afirma
que a atipicidade é uma derivação do direito geral da personalidade e leva uma
grande vantagem em relação a este no que diz respeito à segurança jurídica. Assim,

                                                                                                               
123
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 139.
124
Francesco Alcaro, Diritto privato, 2ª ed., Firenze: Walters Kluwer, 2015, p. 103.
125
Este é o posicionamento de Vincenzo Roppo (Diritto privato, cit., p. 178), ao afirmar que
novos direitos da personalidade podem ser criados mediante construção da jurisprudência.
126
José de Oliveira Ascensão, Direito civil, cit., p. 88.
  33  

cada novo direito da personalidade é revelado tipo a tipo, permitindo a formação de


categorias reconhecíveis, cortando o efeito surpresa e permitindo o estudo de cada
caso concreto.
No Brasil, além dos posicionamentos da doutrina citados, o Enunciado nº
274, da IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, também
compreendeu os direitos da personalidade como regulados de maneira não
exaustiva.
Portanto, diante da não taxatividade dos direitos da personalidade, tem
cabimento a inserção do direito ao esquecimento em tal categoria, conforme será
desenvolvido em seguida.

1.7. Classificação dos direitos da personalidade.

A primeira grande classificação dos direitos da personalidade foi feita


por Orlando Gomes127, responsável pelo anteprojeto de lei do Código Civil de
1963, que dividiu estes direitos em duas grandes categorias: direitos à integridade
física (direito à vida e direito sobre o próprio corpo) e direitos à integridade moral
(direito à honra, direito à liberdade, direito ao recato, direito à imagem, direito ao
nome, direito moral do autor).
Posteriormente, Rubens Limongi França128 foi responsável por uma nova
classificação, que dividiu os direitos da personalidade em três grandes categorias:
direitos à integridade intelectual, física e moral. O autor levou em consideração os
três aspectos e ainda frisou que um mesmo direito da personalidade poderia
pertencer a mais de um grupo 129 . Classificou-os da seguinte forma: direito à

                                                                                                               
127
Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 153-154.
128
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1029-1030.
129
Esta mesma classificação é observada por Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 138-139.
  34  

integridade física (direito à vida; aos alimentos; ao corpo); direito à integridade


intelectual (direito à liberdade de pensamento; direito de autor); direito à
integridade moral (direito à liberdade civil, política e religiosa; à honra; à
honorificência; ao recato; ao segredo pessoal, doméstico e profissional; à imagem;
à identidade pessoal, familiar e social).
Também merece destaque a proposta de Silmara Juny de Abreu
Chinellato130, que apresenta uma classificação quadripartida, ressaltando que o
direito à vida deve ficar deslocado em uma nova categoria por se tratar do direito
primeiro e condicionante, ou seja, é dele que decorrem todos os outros direitos da
personalidade.
O direito ao esquecimento, se enquadrado como direito da personalidade,
de acordo com que preconiza o presente estudo, deve ser classificado como direito
à integridade moral, que leva em conta a coletividade a que a pessoa pertence, seus
atributos valorativos ou virtudes na sociedade131.

1.8. Titularidade dos direitos da personalidade.

Conforme examinado, a personalidade é um atributo do ser humano. Os


direitos da personalidade nascem com a pessoa e a acompanham por toda a sua
existência132. Logo, por tudo que foi mencionado, parece óbvio que o principal
titular dos direitos da personalidade é o ser humano, a pessoa natural. No entanto,
não podem ser desprezadas as figuras do nascituro, da pessoa já falecida e também

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
No mesmo sentido, Francisco Amaral. Direito, cit., p. 295.
Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 115) também classifica os direitos da personalidade em
três grupos, mas fez uma pequena alteração e os divide em direitos físicos, psíquicos e morais.
130
Silmara Juny de Abreu Chinellato, Código Civil interpretado, cit., p. 68.
131
Sobre a classificação de direitos da personalidade de caráter moral. Carlos Alberto Bittar, Os
direitos, cit., p. 115.
132
Francisco Amaral. Direito, cit., p. 285.
  35  

da pessoa jurídica.
O nascituro tem os seus direitos assegurados, nos termos do artigo 2º do
Código Civil, o que não implica em que ele tenha personalidade jurídica, mas
admite a expectativa de seu nascimento com vida. Assim, o nascituro também é
considerado titular dos direitos da personalidade. E mais, é possível afirmar que há
direito da personalidade desde a concepção, seja natural ou até mesmo a assistida,
em razão do primado direito à vida133.
Cabe destacar também que alguns direitos da personalidade podem
ultrapassar a vida da pessoa natural, pois a pessoa já falecida ainda mantém alguns
destes direitos. É o que acontece com o direito ao corpo, à imagem, à honra e o
direito moral do autor. São os chamados direitos da personalidade post mortem134.
Com relação à pessoa jurídica, é importante observar que a doutrina há
muito tempo já admite a atribuição de alguns dos direitos da personalidade a ela –
outros são compatíveis apenas com as pessoas naturais, tais como a vida, a
integridade física e o corpo. O Código Civil brasileiro, em seu artigo 52, previu a
aplicação dos direitos da personalidade, no que couber, às pessoas jurídicas135, tais
como o direito ao nome, à imagem ou à honra.
Veremos oportunamente que o direito ao esquecimento pode ser
atribuído também às pessoas jurídicas.

                                                                                                               
133
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287.
134
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287.
135
Segundo Sílvio de Salvo Venosa (Código Civil interpretado, São Paulo: Atlas, 2010, p. 24), a
equiparação feita pelo artigo 52 do Código Civil deve ser analisada apenas sob o prisma
indenizatório, uma vez que "a pureza dos direitos da personalidade não se adapta a quem não é
pessoa natural".
  36  

2. Relação dos direitos da personalidade, previstos na Constituição Federal de


1988, com o direito ao esquecimento.

A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios


basilares a dignidade da pessoa humana, prestigiada em seu art. 1º, III:

"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
(...)".

Logo, percebe-se que o respeito à dignidade da pessoa humana está


atrelado ao Estado Democrático de Direito.
Conceituar a dignidade da pessoa humana136 é tarefa por demais árdua.
De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet137, trata-se de um conceito em
constante reconstrução. Afirma o autor que a dignidade é:

"(...) a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano


que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de
direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo
e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além
                                                                                                               
136
Na lição de Luís Roberto Barroso (A dignidade, cit., p. 72), a dignidade da pessoa humana é
consenso ético existencial no mundo ocidental, sendo o seu significado intuitivo. Para expressá-
la, traçou uma definição minimalista com as seguintes características: "o valor intrínseco de todos
os seres humanos; a autonomia de cada indivíduo; e, limitada por algumas restrições legítimas
impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais".
Flavia Piovesan (Temas, cit., p. 548) sintetiza, afirmando que a dignidade da pessoa humana é um
legítimo "superprincípio" constitucional, e conferindo-lhe racionalidade, unidade e sentido.
Francisco Amaral (Direito, cit., p. 287) entende que o princípio da dignidade da pessoa humana é
um marco jurídico no sistema brasileiro dos direitos da personalidade e é a sua base legítima.
137
Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988, 9ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 73.
  37  

de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos


destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais
seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que
integram a rede da vida".

A dignidade da pessoa humana é o reconhecimento do indivíduo no


limite e fundamento do domínio político da República, que ganha força após
experiências históricas de opressão ao ser humano, como a inquisição, a
escravidão, o nazismo, genocídios étnicos, entre outros, conforme preceitua José
Joaquim Gomes Canotilho138.
Se a dignidade da pessoa humana está atrelada ao Estado Democrático de
Direito, então também podemos afirmar que é no âmbito deste que os direitos da
personalidade encontram sua real dimensão, ainda que tenham sido previstos em
alguns diplomas legais ou constitucionais autoritários139.
Percebe-se que em todos os posicionamentos citados acima há uma
relação com os direitos fundamentais, razão pela qual se pode afirmar que os
direitos da personalidade previstos na Constituição Federal estão intimamente
conectados com a dignidade da pessoa humana140.
A dignidade da pessoa humana é o fundamento dos direitos da
personalidade e implica na atribuição de diversos direitos a cada homem, e estes
direitos devem representar um mínimo e um máximo, na medida em que
desenvolvam a sua personalidade e também pela intensidade da tutela que

                                                                                                               
138
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito, cit., p. 225.
139
Antonio Carlos Morato (Quadro geral, cit., p. 141) menciona que é muito conhecida a
passagem em que Adriano de Cupis dedicou sua obra Direitos da Personalidade a Mussolini para
que ela não fosse censurada.
140
Para Luís Roberto Barroso (A dignidade, cit., p. 64), a dignidade da pessoa humana funciona
como justificativa moral e como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais.
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (Dignidade, cit., p. 80), a dignidade da pessoa humana,
fundamento do estado democrático de direito, foi embasada no direito natural, mas de qualquer
forma dotada de total eficácia normativa.
  38  

recebem141.
Neste mesmo sentido, podemos afirmar que a dignidade da pessoa
humana possui valor universal, em razão da afirmação histórica dos direitos
humanos142. Ou, conforme a lição de Maria Helena Diniz143, "os direitos humanos,
decorrentes da condição humana e das necessidades fundamentais de toda pessoa
humana, referem-se à preservação da integridade e da dignidade dos seres humanos
e à plena realização de sua personalidade".
Assim, é possível concluir que os direitos da personalidade são a
concretização da dignidade da pessoa humana e podem ser reconduzidos a tanto,
uma vez que têm origem na ideia de proteção das pessoas144.
Serão destacados, a seguir, alguns direitos da personalidade positivados
na Constituição Federal de 1988, além de outros direitos fundamentais que se
relacionam com o direito ao esquecimento.

2.1. Direito à privacidade e direito à intimidade.

O direito à intimidade é o modo de ser da pessoa e significa o


afastamento do conhecimento de outros indivíduos sobre assuntos que se referem
somente a ela145. O direito à privacidade, mais abrangente, é o direito do seu titular
de controlar a própria exposição ou a disponibilidade de informações.
Parte da doutrina146 não diferencia o direito à privacidade do direito à
                                                                                                               
141
José de Oliveira Ascensão, Direito civil, cit., p. 72.
142
Marcelo Souza Aguiar, A dignidade e a Constituição cidadã de 1988, in Lafayette Pozzoli,
Marcia Cristina de Souza Alvim (Org.), Ensaios sobre filosofia do direito. São Paulo: Educ,
2011, p. 41.
143
Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 19.
144
Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade, cit., p. 93.
145
Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 139.
146
Para Adriano de Cupis (Direitos, cit., p. 139), o direito à intimidade e o direito à privacidade
se confundem na mesma figura.
  39  

intimidade. No entanto, a maioria faz esta diferenciação.


Na lição de Maria Helena Diniz147, são conceitos que não se confundem:
a privacidade está voltada aos elementos externos da pessoa humana, tendo como
exemplos a escolha do modo de viver ou hábitos; a intimidade abrange os
elementos internos do viver desta pessoa, como um segredo ou uma situação de
pudor, podendo a intimidade estar incluída na privacidade. Segundo a autora, "a
intimidade é a zona espiritual íntima e reservada de uma pessoa".
René Ariel Dotti148 também celebra esta diferenciação ao conceituar a
intimidade como a esfera secreta de um indivíduo, e a vida privada como os
aspectos que as pessoas não gostariam de ver cair em domínio público.
Realmente são figuras diversas. O direito à privacidade tem um conceito
mais amplo, diz respeito ao direito de a pessoa estar só ou viver em paz. A
intimidade refere-se a acontecimentos mais particulares e pessoais. Por isso, muitas
vezes a privacidade abrange a intimidade.
O direito à privacidade e à intimidade foram consagrados pela
Constituição Federal no artigo 5º, X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação".
Há de se ressaltar que o direito ao esquecimento é uma figura autônoma
em relação ao direito à intimidade ou à privacidade, apesar de em certos aspectos
estabelecer-se uma conexão. Têm em comum a origem e o fato de todos serem
direitos da personalidade. Mas o direito ao esquecimento tem suas próprias
características. Diz respeito aos fatos do passado que não têm mais atualidade e
cujo titular não tem mais interesse em divulgar. Portanto, não pode ser confundido

                                                                                                               
147
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 151.
148
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada e liberdade de informação: possibilidades e
limites, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 71.
  40  

com aqueles.

2.2. Direito à imagem e direito à honra.

O direito à imagem, segundo Maria Helena Diniz149, é o direito de uma


pessoa de não ter a sua figura exposta em público ou comercializada sem a sua
anuência e também de não ter alterada a sua personalidade de forma material ou
intelectual, que cause dano à sua reputação.
Na lição de Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Ligia
Coelho Mathias150, a imagem de uma pessoa pode ter representação real, virtual,
estática ou dinâmica. É a projeção ou representação da pessoa em que a sua forma é
captada e fixada de maneira material ou imaterial.
Trata-se de direito autônomo e não está necessariamente em conjunto
com os demais direitos da personalidade. É um aspecto da inviolabilidade moral
independente da privacidade ou intimidade. Mas, em caso de violação do direito à
imagem, pode ocorrer também a violação dos demais direitos151. O mesmo se pode
dizer em relação ao direito à honra.
A imagem e a honra também são institutos distintos. O direito à honra
protege o bem jurídico da reputação da pessoa. Traduz-se como a forma pela qual
o indivíduo é conhecido pela sociedade ou coletividade em geral, de modo que uma
violação à honra provoca um prejuízo social152.
A honra é a consideração social, o bom nome ou a boa fama, mas

                                                                                                               
149
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 147.
150
Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Ligia Coelho Mathias, Aspectos da
responsabilidade civil sob a perspectiva do direito à imagem, in Rosa Maria de Andrade Nery;
Rogério Donnini (Coords.), Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui
Geraldo Camargo Viana, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 369-379.
151
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 78.
152
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 85.
  41  

também um sentimento da própria dignidade pessoal, ou, conforme as palavras de


Adriano de Cupis153: "a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no
sentimento da própria pessoa".
O direito à imagem e o direito à honra também foram consagrados pelo
artigo 5º, X, da Constituição Federal.
O direito ao esquecimento não pode ser confundido com o direito à
imagem ou com o direito à honra. A imagem é a representação ou o reflexo
material ou imaterial de uma pessoa, a honra é a reputação de uma pessoa. Já o
direito ao esquecimento diz respeito aos fatos que ocorreram no passado, em cuja
divulgação não há mais interesse no presente. Embora, se acaso ocorra, a
divulgação possa trazer prejuízo à imagem ou também à honra do indivíduo, ainda
assim são todos figuras autônomas, pois a ofensa ao direito ao esquecimento pode
verificar-se independentemente da violação do direito à imagem ou à honra. A
divulgação de um fato antigo pode não violar a imagem ou a honra do indivíduo,
mas fazê-lo reviver antigas emoções que ele preferiria que continuassem
esquecidas.
Como a imagem e a privacidade foram regulados pelo Código Civil, os
dois assuntos serão novamente abordados no próximo capítulo.

2.3. Direito à informação e o direito de ser informado.

O direito de informação abrange algumas perspectivas e está consagrado


na Constituição Federal, em seu artigo 220, nos seguintes termos: "A manifestação
do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição".
                                                                                                               
153
Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 122.
  42  

Assim, em tese, o direito de informação não pode sofrer qualquer tipo de


restrição ou censura. Mas, na hipótese de colisão de direitos, poderão prevalecer os
direitos da personalidade.
O direito de informação é gênero que abrange outras figuras, como:
o direito de informar; o direito de acesso à informação; o direito de ser informado.
O direito de informar está compreendido na liberdade de expressão e
manifestação de pensamento, direitos que serão examinados no próximo tópico.
O direito de acesso à informação é a garantia de que todos terão acesso à
informação, nos termos do artigo 5º, XIV, da Constituição Federal: "é assegurado a
todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
exercício profissional".
O direito de ser informado é o direito de receber informações. Não está
regulado de forma expressa na Constituição Federal, mas encontra-se em Tratado
Internacional ratificado pelo Brasil. É o artigo 13 da Convenção Americana de
Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, que diz o seguinte:

"Liberdade de pensamento e de expressão


1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão.
Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações
e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras,
verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por
qualquer meio de sua escolha".

Além disso, a Constituição Federal cuidou especificamente do direito de


ser informado sobre os atos da Administração Pública, conforme previsto no artigo
5º, XXXIII, bem como no artigo 37.
  43  

Neste sentido, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes


Júnior154 ensinam:

"O direito de ser informado, compreendido como o direito de receber


informações, não pode ser entendido sem algumas restrições exegéticas.
É que só se pode investir alguém no direito de receber informações
quando simultaneamente atribuir-se a outrem o dever de informar. Nessa
matéria, a Constituição Federal foi terminante ao atribuir exclusivamente
ao Poder Publico (art. 5º, XXXIII, e 37, caput) o dever de informar.
Assim sendo, pode-se concluir que o direito de ser informado assume
dois sentidos. Primeiro, o direito de receber as informações veiculadas
sem interferência estatal, numa interface com o direito de informar.
Segundo, o direito de ser mantido constantemente informado sobre os
negócios e atividades públicas".

Além disso, em novembro de 2011 foi publicada a chamada Lei de


Acesso à Informação, Lei 12.527/2011, que disciplina o acesso à informação dos
órgãos e entidades do Poder Público.
O direito ao esquecimento poderá colidir com o direito de informação, na
medida em que o seu titular não desejar mais a divulgação de uma informação a seu
respeito. Neste caso dever-se-á adotar o sopesamento, e, caso tenha perdido a
atualidade e não tenha qualquer interesse público, a informação não poderá mais
ser divulgada. Do contrário, o direito ao esquecimento não terá reconhecimento.

2.4. Direito à liberdade de expressão e direito à manifestação do pensamento.

A liberdade de pensamento é gênero do qual decorrem as diversas


maneiras de sua manifestação. Segundo o artigo 5º, IV, da Constituição Federal: "é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato".
                                                                                                               
154
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 8ª
ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 120.
  44  

Certamente a liberdade de expressão decorre da liberdade de pensamento


e foi reconhecida pelo artigo 5º da Constituição Federal no inciso IX: "é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença".

A observação do direito à liberdade de expressão assegura a permissão


para a exposição de ideias, opiniões, pontos de vista e convicções. É símbolo do
Estado Democrático de Direito. Conforme as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet155:

"(...)para assegurar a sua máxima proteção e sua posição de destaque no


âmbito das liberdades fundamentais, o âmbito da proteção da liberdade
de expressão deve ser interpretado como o mais extenso possível,
englobando tanto a manifestação de opiniões, quanto de ideias, pontos de
vista, convicções, críticas, juízos de valor sobre qualquer matéria ou
assunto e mesmo proposições a respeito de fatos. Neste sentido, em
princípio todas as formas de manifestação, desde que não violentas, estão
protegidas pela liberdade de expressão, incluindo gestos, sinais,
movimentos, mensagens orais e escritas, representações teatrais, sons,
imagens, bem como as manifestações veiculadas pelos modernos meios
de comunicação, como as mensagens de páginas de relacionamento,
blogs, etc.".

No entanto, a liberdade de expressão encontra limitação nos consagrados


direitos da personalidade, tais como a privacidade, intimidade, imagem e honra. E
também naquele que constitui o objeto de estudo deste trabalho, o direito ao
esquecimento. Sem dúvida, não se pode descartar a possibilidade de colisão entre
estes direitos, caso em que deverão ser aplicados critérios de sopesamento para se
determinar qual deverá preponderar.
O direito ao esquecimento pode ser afetado pelo exercício da liberdade
de expressão porque contrapõe o seu titular – que não deseja mais ser lembrado –
                                                                                                               
155
Ingo Wolfgang Sarlet e outros, Curso de direito constitucional, 4ª ed., São Paulo: Saraiva,
2015, p. 489.
  45  

ao titular da manifestação de pensamento, que deseja se expressar justamente em


relação àquele. Assim, cabe ressaltar que as duas figuras encontram limites.
Incumbe identificar mecanismos que estabeleçam em que situações o direito ao
esquecimento deve prevalecer face à liberdade de expressão.
  46  

3. Direitos da personalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil brasileiro e a


questão das biografias não autorizadas.

O projeto do atual Código Civil é anterior à Constituição Federal de


1988, e, apesar de ter sofrido emendas para a devida adaptação ao texto
constitucional, a parte que é dedicada aos direitos da personalidade não foi alterada,
o que significa que tais direitos já tinham previsão no projeto original, conforme
registrado de início.
Os enunciados sobre os direitos da personalidade insculpidos no atual
Código Civil representam verdadeiras vigas mestras do sistema, segundo Miguel
Reale 156 , de forma que a hermenêutica de todas as disposições do Código
subordinam-se à finalidade ética da pessoa humana.
Existem críticas ao atual Código Civil no que diz respeito aos direitos da
personalidade, porque teria sido omisso em muitos pontos e excessivamente
sintético, mas ele certamente traz princípios e traços fundamentais sobre o
assunto157.
Algumas críticas observam que o Código Civil deixou de indicar
parâmetros para as hipóteses frequentes de colisão entre os direitos da
personalidade. Poderia ter criado critérios de ponderação.
O legislador poderia ter criado orientações ao Poder Judiciário em
abstrato ou de modo absoluto, em casos de interesses colidentes, e não soluções, na
concepção de Anderson Schreiber158. O autor afirma que a disciplina dos direitos
da personalidade exige técnica legislativa fundada em cláusulas gerais, que se
mostrem capazes de acompanhar a evolução tecnológica e científica. Não se podem

                                                                                                               
156
Miguel Reale, Direito natural, cit., p. 31.
157
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 106.
158
Anderson Schreiber, Direito civil e constituição, São Paulo: Atlas, 2013, p. 28-29.
  47  

editar normas rígidas que privilegiem uma manifestação ou outra da personalidade,


mas reconhecer o conteúdo dialético dos direitos da personalidade.
Do modo como foi editado o Código Civil, não há como evitar que certos
conflitos entre os direitos da personalidade ocorram, especialmente entre os direitos
morais da personalidade (privacidade, honra e imagem) e a liberdade de expressão
ou informação, conforme já referido.
Também entre o direito ao esquecimento e outros direitos da
personalidade se verifica o mesmo conflito, que será objeto de análise neste estudo.
Portanto, o critério da ponderação, em caso de colisão entre os direitos da
personalidade, terá de ser criado pela doutrina e pela jurisprudência. De qualquer
forma, como já foi visto, por ter optado por um sistema não taxativo, o Código
Civil abriu a possibilidade para o desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário do
assunto159.
Assim, o Código Civil menciona apenas cinco direitos da personalidade
de forma expressa: direito ao corpo, direito ao nome, direito à honra, direito à
imagem e direito à privacidade. A seguir, serão abordados alguns aspectos com
relação à imagem e à privacidade das pessoas.
Os artigos 20 e 21 do Código Civil regulam, respectivamente, a imagem
e a privacidade das pessoas, nos seguintes termos:

"Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à


manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes
legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os
descendentes".
                                                                                                               
159
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 139.
  48  

"A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento


do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma".

Por força de tais comandos, poderão ser restringidas a transmissão da


palavra e também a divulgação ou publicação de escritos e fatos, em benefício da
proteção ao direito da imagem e da inviolabilidade da vida privada, direitos estes
examinados no capítulo anterior.
Inicialmente, a interpretação que se deu aos dois artigos transcritos foi no
sentido de que biografias, por meio de obras literárias ou audiovisuais, não
poderiam ser publicadas ou divulgadas sem a autorização das pessoas retratadas, do
biografado ou de coadjuvantes - ou de seus familiares, em caso de falecimento.
Considera-se biografia não autorizada, conforme a lição de José Joaquim
Gomes Canotilho160:

"(...) a obra que, como o nome indica, abrange textos onde se pretende
narrar, total ou parcialmente, com um grau razoável de sistemacidade e
completude, a vida de uma pessoa, ou aspectos específicos da mesma, do
ponto de vista espacial ou temporal. Diz-se não autorizada porque não
conta com a autorização expressa ou tácita do visado, prescindindo da
sua colaboração e pretendendo subtrair-se aos seus pedidos ou ditames.
De um modo geral, estas biografias incidem sobre pessoas públicas,
tendo por isso interesse público e suscitando o interesse do público".

Assim, foram proibidos diversos livros retratando a vida de pessoas


famosas, entre elas o cantor Roberto Carlos 161 . Outros livros também foram
                                                                                                               
160
José Joaquim Gomes Canotilho e outros, Biografia não autorizada versus liberdade de
expressão, 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2015, p. 35-36.
161
Foi emblemático o caso do famoso cantor Roberto Carlos, envolvendo as chamadas biografias
não autorizadas. O cantor não concordou com a publicação de uma biografia que o retratava. O
livro chegou a ser publicado e começou a ser vendido nas livrarias. O cantor obteve liminar na
20ª Vara Cível do Rio de Janeiro, em abril de 2007, e, assim, conseguiu a suspensão das vendas
do livro e o recolhimento dos exemplares que estavam disponíveis no mercado. O fundamento da
  49  

proibidos de circular, por força de ações judiciais movidas por familiares dos
retratados, como é o caso do jogador de futebol Garrincha, dos cantores Noel Rosa
e Raul Seixas e até do cangaceiro Lampião.
O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal devido a ação direta de
inconstitucionalidade (ADI 4815/DF) dos artigos 20 e 21 do Código Civil, proposta
pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL), sob o fundamento de
que os referidos artigos estariam em confronto com os preceitos constitucionais da
liberdade de manifestação de pensamento, da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, previstas no artigo 5º, IV e IX da Constituição
Federal, além do direito à informação, previsto no artigo 5º, XIV, e de que a
continuidade da proibição de obras importaria em censura.
A Ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, decidiu, em seu voto,
pela procedência da ação e foi acompanhada por unanimidade pelos demais
Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O julgamento ocorreu no dia 10 de junho de 2015, no seguinte sentido:
- A Constituição Federal de 1988 proíbe qualquer espécie de censura, não podendo
ser o direito à liberdade de expressão cerceado pelo Estado ou por particular;
- O direito de informação abrange a liberdade de informar, de se informar e de ser
informado. Por tal razão, as pessoas podem receber livremente as informações
sobre temas de interesse da sociedade e sobre os indivíduos cujas ações públicas
alcançarem sua esfera do direito de saber e aprender sobre assuntos relacionados;
- A autorização prévia para a biografia estabelece uma censura particular. O
recolhimento de obras é censura judicial;
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
decisão foi justamente o artigo 20 do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
manteve a decisão. O curioso é que pelo menos 60 mil livros foram vendidos, e o conteúdo
integral da obra pode ser encontrado com facilidade na internet. Posteriormente o cantor fez um
acordo com o autor do livro, que se comprometeu a não mais publicá-lo. Após a decisão do STF
permitindo a publicação de biografias, com base na liberdade de expressão, o autor do livro
afirmou que pretende escrever um novo livro sobre o cantor.
  50  

- Caso ocorra algum erro, este deverá ser corrigido em conformidade com o direito,
e não com a supressão de liberdades conquistadas. Para tanto, se for o caso, está
assegurado o direito de resposta e à reparação de danos;
- A liberdade de expressão é constitucionalmente garantida e não pode ser anulada
por outra norma constitucional, mesmo sob o argumento de proteção de outro
direito constitucional, ou seja, a inviolabilidade do direito à intimidade, à
privacidade, à honra e à imagem;
- A aplicação do balanceamento dos direitos envolvidos há de conjugar todos eles;
e, no caso em questão, por se tratar de pessoas públicas, prevaleceu a liberdade de
expressão e a proibição da censura.
Assim, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação direta de
inconstitucionalidade, para dar interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil,
sem promover redução de texto, declarando inexigível a autorização prévia do
biografado, de coadjuvantes ou de seus familiares (no caso de pessoa falecida ou
ausente), tanto nas obras literárias como nas audiovisuais, com embasamento nos
direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação
artística e de produção científica.
Ressalte-se que a decisão reafirmou o direito à inviolabilidade da
intimidade, da privacidade, da honra e da imagem, conforme o artigo 5º, X, da
Constituição Federal, ao estampar que, em caso de erro, está assegurado o direito
de resposta e de reparação dos danos.
Conforme explicam Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria
Ligia Coelho Mathias162:

"(...) o biógrafo não está imune a limites. Se exorbitar no seu direito de


                                                                                                               
162
Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Ligia Coelho Mathias, Observações sobre
a biografia não autorizada à luz da decisão do STF, in Interrogatio: reflexões de direito brasileiro
e internacional, Botucatu: QuintAventura, 2015, Edição Kindle, Posição 1528-1569.
  51  

informar, expressando opiniões inverídicas, fica sujeito às sanções legais


que serão exercidas a posteriori pelo biografado ou seus familiares, se
falecido e, até mesmo, por terceiros que se sintam prejudicados (...)
Almeja-se, ademais, que surja com essa decisão uma biografia mais
responsável, atendendo a preceitos éticos. Não se quer com isso impedir
o exercício de se expressar nem se deseja que haja indiscrições
desnecessárias".

Portanto, a decisão apenas entendeu desnecessária a autorização prévia,


para evitar a censura. Além disso, apesar da procedência da ação, os textos dos dois
dispositivos do Código Civil permanecem inalterados, mas passam a ser
interpretados em conformidade com a Constituição Federal.
A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal parece acertada. A
exigência de autorização prévia para as obras biográficas apresenta um sério risco à
liberdade de expressão. No caso específico, prevaleceu o interesse público. De
qualquer forma, isso não significa que a liberdade de expressão não encontre
limites ou que esteja imune a outros direitos. Pelo contrário, os limites existem e,
em caso de abuso, está assegurado o direito de resposta e à reparação de danos,
bem firmado na decisão. Além de quê, a violação a qualquer direito da
personalidade, verificada em dado caso concreto, poderá ensejar consequências
mais sérias. O que não se pode é generalizar e exigir em todas as situações a
anuência do biografado.
Cumpre esclarecer que a questão sobre as biografias não autorizadas não
se confunde com a pretensão do reconhecimento do direito ao esquecimento. A
primeira diz respeito às pessoas públicas ou célebres, que despertam o interesse da
sociedade, pois, do contrário, não haveria interesse em elaborar suas biografias,
muito menos em comercializá-las em forma de livros ou obras audiovisuais. A
segunda hipótese, que é o objeto de estudo neste trabalho, diz respeito a interesses
de particulares que não despertam o interesse público e a fatos ou eventos antigos,
  52  

que perderam a atualidade. Neste caso, conforme será abordado, o balanceamento


de princípios deverá pender para o outro lado. Se, porventura, uma figura pública
pleitear o direito ao esquecimento, provavelmente a situação será outra, mas,
mesmo assim, caso se verifique abuso ou violação a outros direitos da
personalidade, estará assegurado o direito de resposta e à reparação de dano.
Cumpre ainda destacar a existência de projeto de lei 393/2011, com
origem na Câmara dos Deputados prevendo a alteração do artigo 20 do Código
Civil. Com a nova redação, o artigo passaria a conter mais um parágrafo, a dispor
justamente no sentido de que a ausência de autorização não seria impedimento para
a divulgação de biografias de pessoas notórias e que despertem interesse da
coletividade. O novo parágrafo prevê o seguinte:

"A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens,


escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória
pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja
inserida em acontecimentos de interesse da coletividade".

Trata-se de projeto anterior à decisão do Supremo Tribunal Federal e que


já teve aprovação na Câmara, mas encontra-se atualmente no Senado Federal, na
Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania, aguardando parecer163.
Apesar de ainda tramitar no Congresso Nacional, o projeto afigura-se
desnecessário, diante da decisão, que manteve a constitucionalidade do citado
artigo 20, mas sob a interpretação de que não é exigível a autorização prévia para
publicação de biografias. Portanto, não há mais motivo para alteração do
dispositivo legal.

                                                                                                               
163
Disponível em http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117559, Acesso
em 20/09/2015.
  53  

4. Direito ao esquecimento e sua configuração jurídica.

4.1. Delimitação conceitual de esquecimento e sua origem no Brasil e no direito


alienígena.

Conforme já referido, optamos por fundamentar este trabalho em uma


visão naturalista. Logo, os direitos da personalidade têm amparo, para nós, no
direito natural, e, assim, uma de suas principais características é justamente o fato
de não serem exaustivos, ou, conforme mencionado, de seu rol não ser taxativo.,
apresentando-se plenamente possível a inclusão de outros direitos na categoria de
direitos da personalidade.
De acordo com o parecer de Carlos Alberto Bittar164, "os direitos naturais
são inerentes à pessoa, e, por isso, caso o Estado não os reconheça, cabe aos
indivíduos e aos grupos sociais organizados buscarem seu reconhecimento, lutando
com isso contra a violência, a injustiça, a opressão e a desigualdade".
Nesse sentido, existe um direito da personalidade que vem sendo
paulatinamente introduzido no sistema jurídico, denominado direito ao
esquecimento.
O termo direito ao esquecimento tem origem na expressão inglesa "right
to be forgotten"165. Sua primeira concepção trata-o como o direito de não ser
lembrado por atos constrangedores, vexatórios ou depreciativos, ocorridos no
passado166. Mas existem muitas outras perspectivas sobre o tema.
O direito ao esquecimento se apoia no fato de que as pessoas não
precisam conviver permanentemente com seus erros ou situações embaraçosas
                                                                                                               
164
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 38.
165
Otavio Luiz Rodrigues Junior, Não há tendências na proteção do direito ao esquecimento,
Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-25/direito-comparado-nao-tendencias-
protecao-direito-esquecimento, Acesso em 29/10/2015.
166
De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 31ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 478.
  54  

pretéritas, praticadas na vida particular167, mas há, ainda, uma outra vertente do
direito ao esquecimento: a da vítima ou familiares da vítima de um crime ou evento
danoso, que também não querem mais se lembrar do fato, por este causar dor,
transtorno ou angústia.
A proteção do direito ao esquecimento baseia-se na reabilitação criminal,
que confere ao criminoso, após dois anos de cumprimento da pena ou extinção da
punibilidade, o direito de ter seus dados referentes ao crime apagados dos cadastros
competentes. Ora, se o criminoso tem este direito, com mais razão ainda devem a
vítima e seus familiares ter o mesmo direito de não mais serem lembrados do
evento.
De qualquer forma, o direito ao esquecimento não deve ser visto apenas
como uma tutela voltada para criminosos ou suas vítimas. Tudo aquilo de que a
pessoa não quiser mais ser lembrada, por fazer parte de seu passado e não
corresponder mais ao seu presente, pode ser amparado no direito ao esquecimento.
Outra perspectiva relativa ao tema é a de não se poderem perpetuar
informações sobre os indivíduos, mesmo as informações verdadeiras e positivas,
independente de terem sido notórias ou não, caso seja esta a vontade do seu
titular168. E a proteção não se restringe aos fatos sigilosos. Pelo contrário, devem
ser protegidas todas as informações que ampliem a divulgação e causem o
despertar da memória. Assim, fatos que foram amplamente divulgados no passado,
mas que no presente já estão adormecidos, devem ser protegidos pelo direito ao
esquecimento.

                                                                                                               
167
De Plácido e Silva, Vocabulário, cit., p. 478.
168
Tatiana Manna Bellasalma e Silva e Ricardo da Silveira e Silva, Direito ao esquecimento na
era virtual: a difícil tarefa de preservação do passado, in Thaís Aline Mazetto Corazza e Gisele
Mendes de Carvalho (org.), Um olhar contemporâneo sobre os direitos da personalidade,
Birigui: Boreal, 2015, Edição Kindle, Posição 3644.
  55  

O direito ao esquecimento, no entanto, não é dirigido exclusivamente ao


cancelamento do passado, mas acima de tudo serve para protegê-lo, para preservar
a privacidade e a paz que a pessoa almeja. Também são evidentes as relações entre
o direito ao esquecimento e outros conceitos, como honra e reputação - que serão
frequentemente invocadas ao se afirmar a existência deste direito169 - a demonstrar
que ele vem sendo estendido para outras áreas. Assim, veículos de informação,
como jornais, revistas, televisão, rádio, não poderiam divulgar informações acerca
de fato constrangedores, ou não constrangedores, ocorridos no passado. E, nos
tempos atuais, a internet, que é responsável por espalhar notícias com uma
velocidade imensurável, também não poderia divulgar tais informações.
Anderson Schreiber170 pontifica, acerca da velocidade de informação da
internet:

"A internet não esquece. Ao contrário dos jornais e revistas de outrora,


cujas edições antigas se perdiam no tempo, sujeitas ao desgaste de seu
suporte físico, as informações que circulam na rede ali permanecem
indefinidamente. Pior: dados pretéritos vêm a tona com a mesma clareza
dos dados mais recentes, criando um delicado conflito no campo do
direito. De um lado, é certo que o público tem o direito a relembrar fatos
antigos. De outro, embora ninguém tenha o direito de apagar os fatos
deve-se evitar que uma pessoa seja perseguida, ao longo de toda sua vida,
por um acontecimento pretérito".

Desta forma, é papel do direito e do Estado controlar os riscos e


prevenir, neste processo de evolução tecnológica, os danos relacionados à
divulgação das informações, para evitar conflitos de interesses nas áreas em que
seu desenvolvimento se mostre mais frequente. Trata-se de uma tarefa árdua171.
O século XXI trouxe diversos desafios ao direito, e um dos mais
                                                                                                               
169
Gabriele Sciulli, Il diritto all'oblio e l'identità digitale. Itália: Narcissus, 2014. Edição Kindle,
Posição 572.
170
Anderson Schreiber, Direitos da personalidade, cit., p. 172.
171
Anderson Schreiber, Direito e mídia, São Paulo: Atlas, 2013, p. 13.
  56  

importantes é a tutela da privacidade da pessoa, especialmente no âmbito da


internet, que necessita da elaboração de novos parâmetros para regular uma relação
tradicionalmente antinômica, entre o direito à privacidade e a liberdade de
expressão e de informação172. Esta antinomia já era tradicional em outros meios de
comunicação, mas com o avanço da internet a situação coloca-se em evidência
novamente.
Daí a necessidade da proteção ao direito ao esquecimento. A velocidade
de propagação de informações não pode ser absoluta e deixar de ter algum tipo de
contenção. O controle é essencial e precisa de urgente regulamentação.
A concepção principal do direito ao esquecimento diz respeito à
pretensão de certas pessoas, de que algumas informações, sobretudo aquelas
ligadas ao seu direito de personalidade, não sejam mais divulgadas, impedindo-se o
acesso por parte de terceiros ou, ao menos, dificultando-se o acesso para
proporcionar um esquecimento no corpo social173.
Assim, podemos afirmar que o direito ao esquecimento visa a atingir a
chamada sociedade de informação. Portanto, trata-se de um esquecimento social.
Esta ideia não pode ser dissociada de um esquecimento individual porque a vítima
de certo fato, ou seus familiares, podem até se lembrar do ocorrido, mas preferem
que cesse a repercussão social174.
De qualquer forma, o direito ao esquecimento terá por objetivo a
proteção de dados do passado, de uma recordação imprópria de fatos antigos e

                                                                                                               
172
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento: luzes e sombras,
in Renato de Mello Jorge Silveira (org.), Estudos em homenagem a Ivette Senise Ferreira, São
Paulo: LiberArs, 2015, p. 79.
173
Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, direito ao esquecimento é anterior à internet,
Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-mai-22/direitos-fundamentais-tema-moda-direito-
esquecimento-anterior-internet, Acesso em 27/10/2015.
174
Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, cit., Acesso em 27/10/2015.
  57  

consolidados que não tenham mais nenhuma utilidade ou qualquer atualidade175.


Mas, conforme será visto adiante, se houver qualquer tipo de interesse público ou
utilidade na divulgação, ou mesmo se o fato pertencer ao presente, o direito ao
esquecimento não se configurará, pois, neste caso, prevalecerá o já consagrado e
consolidado princípio da preferência do interesse público sobre o privado.
O esquecimento, segundo François Ost 176 : "é necessário porque é o
repouso do corpo e a respiração do espírito; responde à natureza descontínua do
tempo, cujo fio, é entrecortado por pausas e intervalos, atravessado por rupturas e
surpresas".
Ou, ainda, nas palavras de Nietzsche177: "eis a utilidade do esquecimento,
ativo, (...), espécie de guardião de porta, de zelador da ordem psíquica, da paz, da
etiqueta; com o que logo se vê que não poderia haver felicidade, jovialidade,
esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento".
René Ariel Dotti178 conceituou o direito ao esquecimento como:

"(...) a faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do


passado que não tenham legítimo interesse público. Trata-se do
reconhecimento jurídico à proteção da vida pretérita, proibindo-se a
revelação do nome, da imagem e de outros dados referentes à
personalidade".

São inúmeras as situações que uma pessoa pode ter o desejo de suprimir
da sua lembrança, obstando, para tanto, a sua divulgação, pois é por meio do nome,
da imagem e de escritos que ela poderá ter devassada a sua intimidade ou

                                                                                                               
175
Pablo Dominguez Martinez, Direito ao esquecimento: a proteção da memória individual na
sociedade da informação, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 83.
176
François Ost, O tempo do direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 163.
177
Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral: uma polêmica, São Paulo: Companhia das
Letras,1998, p. 47-48.
178
René Ariel Dotti, O direito ao esquecimento e a proteção do habeas data, in Teresa Arruda
Alvim Wambier (coord.), Habeas data, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 300.
  58  

privacidade179.
De qualquer forma, o direito ao esquecimento não é uma proposta para se
apagar ou alterar o passado, mas para se criar um obstáculo à exploração
inconveniente de fato pretérito que não tenha mais nenhuma atualidade ou interesse
de disseminação no presente.
O direito ao esquecimento já foi reconhecido no Brasil e também em
outros países, como a Itália, Espanha e Argentina, Estados Unidos, França e
Alemanha, através das expressões: diritto all'oblio (em italiano); derecho al olvido
(em espanhol); right to be forgotten ou right to oblivion (em inglês); droit à l'oubli
(em francês); recht auf vergessenwerden (em alemão). Outras expressões que
procuram explicar o mesmo assunto são: direito de ser deixado em paz e também
direito a ser esquecido.
Podemos conceituar o direito ao esquecimento como a faculdade, de que
dispõe o titular de um fato pessoal, de obter a remoção dos dados a ele
relacionados, em razão do decurso de tempo, uma vez que a divulgação daqueles
dados atinja os seus direitos da personalidade. Trata-se de uma faculdade, pois
caberá ao titular decidir se o assunto continua a ser divulgado ou não – desde que o
evento se refira a particulares e que não exista qualquer interesse público. E há
pessoas que vão optar pela memória, mesmo quando se tratar de um evento
embaraçoso ou desagradável.
Ou seja, uma notícia pode ter sido publicada no passado de forma
legítima mas, com o passar do tempo, ter se tornado desnecessária e sem interesse
público, e assim o que era legítimo no passado poderá deixar de ser legítimo no
                                                                                                               
179
René Ariel Dotti (O direito ao esquecimento, cit., p. 308) utiliza alguns exemplos: "O artista
ou o cientista famoso que não quer ser lembrado de uma condenação que sofreu em determinada
fase de sua vida; a escritora de sucesso que procura esconder os poemas escritos na adolescência;
o empresário que jamais gostaria que lembrassem de um protesto de título lavrado contra si há
muitos anos; a mulher que é casada e mãe procura ocultar dados comprometedores do passado,
quando posava nua para revistas e fazia programas por dinheiro".
  59  

presente. Esta situação é a tradução do direito ao esquecimento e o diferencia de


outros direitos da personalidade de caráter moral, como a privacidade e a
intimidade. O fator tempo é a chave da diferenciação.
É um tema relativamente novo e tem gerado alguns dilemas quanto a sua
delimitação, como o que deve ou não ser considerado direito ao esquecimento,
como deve ser a sua proteção e, também, quais os limites do seu exercício, pois ele
pode colidir com outros direitos da personalidade. Mas, em caso de colisão, o
direito ao esquecimento será reconhecido apenas na hipótese de interesse
meramente particular.
Se os direitos da personalidade percorreram um caminho tortuoso para se
afirmarem, como pôde ser visto nos tópicos anteriores, o direito ao esquecimento
ainda está trilhando a sua fase inicial no Brasil e fora dele. Ganhou maior destaque
após a era da internet, pois as notícias passaram a ser propagadas com muita força,
as informações tornaram-se perenes, com maior risco de criação de transtornos que
se alongam no tempo. Mas o esquecimento já poderia ter sido reconhecido
anteriormente, com fundamento na proteção da personalidade como limite da
liberdade de expressão e informação.
Como cuida-se de um tema relativamente novo, existem poucos
doutrinadores brasileiros a tratar deste assunto, mas certamente trata-se de um
direito fundado no decurso do tempo, assim como tantos outros. É o caso da
prescrição, da decadência, da anistia e do perdão.
A imposição de prazos, que se opõem a qualquer possibilidade de análise
indefinida de fatos jurídicos, oferecem, de forma conclusiva, garantia de segurança
jurídica. Nas palavras de François Ost180: "a fixação de diversos prazos constitui
um instrumento eficaz na regulação jurídica entendida aqui como estabelecimento
de compromissos variáveis entre a memória e o esquecimento, continuidade e
                                                                                                               
180
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 168.
  60  

mudança, justiça e realismo".


O direito ao esquecimento é uma espécie de caducidade, porque
informações afetas aos direitos da personalidade perecem ou pelo menos deveriam
perecer, mesmo que por imposição da lei181.
René Ariel Dotti182 foi o precursor da doutrina brasileira a tratar sobre o
direito ao esquecimento. Inseriu o direito ao esquecimento como um corolário do
direito à privacidade – mas uma figura com vida própria, ao lado de outras como a
imagem, o nome, o domicílio e a correspondência, a honra, a integridade física e
moral e a vida profissional.
Outro precursor do assunto foi Edson Ferreira da Silva 183 , que
caracterizou o direito ao esquecimento como resultado do direito à privacidade,
abordando o tema como um direito autônomo da personalidade. O motivo seria o
fato de estes serem em sua maioria inatos e surgirem juntamente com a
personalidade jurídica.
No mesmo sentido, Luiz Alberto David Araujo184 também abordou o
direito ao esquecimento como um aspecto da vida privada, ao lado de outros
tópicos, como a identidade, as lembranças pessoais, a intimidade do lar, a saúde, a
vida conjugal, as aventuras amorosas, os lazeres, a vida profissional, o segredo dos
negócios e a imagem.
Importante ressaltar que esses autores escreveram sobre o assunto em um
período em que as informações não eram divulgadas com o tamanho alcance da
atualidade. Mais recentemente, outros doutrinadores passaram a discutir o tema do
                                                                                                               
181
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, in
Doutrinas essenciais de direito constitucional, vol. 8, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.
563-596.
182
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 77-92.
183
Edson Ferreira da Silva, Direitos de personalidade: os direitos da personalidade são inatos?, in
Revista dos Tribunais, v. 694, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 21-34.
184
Luiz Alberto David Araujo, A proteção constitucional da própria imagem, 2ª ed., São Paulo:
Verbatim, 2013, p. 32-33.
  61  

direito ao esquecimento.
Certamente o assunto provocou maior debate após o Enunciado 531,
aprovado pela VI Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, que
trouxe o tema à tona, e também após dois julgamentos proferidos pelo Superior
Tribunal de Justiça em acórdão relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, que
serão objeto de análise em capítulo próprio. Além da decisão do Tribunal de Justiça
Europeu contra o site de buscas Google, que também será analisada oportunamente.
Os seguintes doutrinadores brasileiros debateram sobre o tema do direito
ao esquecimento:
Maria Helena Diniz185 refere-se ao direito ao esquecimento como um
direito da personalidade, citando, como exemplo, o antigo detento em
ressocialização tentando reescrever sua história.
Maria Celina Bodin de Moraes e Carlos Nelson Konder186 diferenciaram
o direito ao esquecimento do conceito tradicional de direito à privacidade e o
definiram como o direito à autodeterminação informativa, conferindo a cada uma
das pessoas um real poder sobre as suas próprias informações e dados.
Anderson Schreiber187 explica que o direito ao esquecimento assegura a
possibilidade de discussão do uso de fatos do passado, especificamente a forma
como serão lembrados, mas que, após a ponderação com o interesse público, nem
sempre prevalecerá o esquecimento.
Otávio Luiz Rodrigues Junior188 abordou o direito ao esquecimento em
diversos aspectos e afirma que trata-se de direito radicado nos direitos da

                                                                                                               
185
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136.
186
Maria Celina Bodin de Morais; Carlos Nelson Konder, Dilemas de direito civil-constitucional:
casos e decisões, Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 287.
187
Anderson Schreiber, Direitos da personalidade, cit., p. 174.
188
Otavio Luiz Rodrigues Junior, Brasil debate direito ao esquecimento desde 1990, Disponível
em http://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-comparado-direito-esquecimento-1990,
Acesso em 03/09/2015.
  62  

personalidade, que transita entre o direito do consumidor e o direito penal, mas com
grande ligação com o prazo de armazenamento de dados individuais. Mas pontifica,
afirmando que, com o atual desenvolvimento da tecnologia, dificilmente se
alcançará o exercício pleno do direito ao esquecimento.
Ingo Wolfgang Sarlet189 ensina que o direito ao esquecimento tem como
ideia central a pretensão de pessoas físicas e jurídicas de que certas informações
não sejam mais divulgadas, de modo que o acesso por parte de terceiros seja
impedido ou ao menos dificultado, a fim de se proporcionar um esquecimento no
corpo social. Quanto às pessoas físicas, as informações são aquelas ligadas ao seu
direito de personalidade, e relativamente às pessoas jurídicas, são as informações
quanto ao seu bom nome e imagem.
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco190, no mesmo sentido,
afirmam que o direito ao esquecimento é a consequência natural da aplicação dos
princípios gerais da liberdade de expressão. Assim, se uma notícia for lesiva e não
corresponder a um interesse público, ou então se for uma notícia antiga e lesiva,
que não corresponda mais a exigência atual de informação, elas não deverão ser
divulgadas191.
No campo do direito alienígena, temos alguns exemplos de autores a
examinar o direito ao esquecimento. Especialmente na Europa o tema ganhou
destaque após a decisão do Tribunal de Justiça Europeu contra o Google.
A doutrina italiana considera o direito ao esquecimento uma categoria
                                                                                                               
189
Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, cit., Acesso em 27/10/2015.
190
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 96.
191
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao esquecimento, cit., p. 92-93)
explicam o direito ao esquecimento como "o direito de uma pessoa a não ver publicadas notícias,
já legitimamente veiculadas, concernentes a vicissitudes que lhe dizem respeito, quando entre o
fato e a republicação tenha transcorrido um longo tempo. (...) Garantir o esquecimento não
significa esquecer os fatos em si, mas dar a possibilidade, mediante a não reproposição dos fatos
do tempo passado, à pessoa tutelada pelo direito em objeto de exercer a sua autodeterminação por
meio da natural mudança de ideia, da sensibilidade, do costume e dos modos de vida".
  63  

autônoma de direito da personalidade, conforme os seguintes autores tradicionais


do direito privado:
C. Massimo Bianca192 ao afirmar: "il diritto all'oblio tutela l'interesse del
soggeto a che informazioni relative alla propria immagine o ai propri dati
personali del passato siano attualizzate o cancellate".
Do mesmo modo, Franceso Alcaro 193 , que afirma que o direito ao
esquecimento é direito da personalidade e se enquadra na categoria daqueles de
percepção do sujeito em relação à sociedade.
Sobre o mesmo assunto, explicam Fernando Bocchini e Enrico Quadri
que o decurso de tempo deveria ser um fator para eliminar o interesse público da
notícia e assim assegurar o direito ao esquecimento: "ciò pure per quanto concerne
l'avvertita esigenza del rispetto del diritto all’oblio una volta che il trascorrere di
un tempo adeguato debba reputarsi aver fatto venire meno ogni effettivo interesse
pubblico alla conoscenza di situazioni e vicende"194.
Desta forma, na Itália, o direito ao esquecimento está condicionado a dois
requisitos; o decurso de tempo e a inutilidade da notícia. Não há previsão legal
expressa do direito ao esquecimento, mas ele foi reconhecido pela doutrina e
especialmente pela jurisprudência italiana. Além disso, existe a chamada
Autoridade Garante195, que, naquele país, é responsável pela proteção de dados

                                                                                                               
192
C. Massimo Bianca, Istitusioni di diritto privato, Milano: Giufrè, 2014, p. 102. Tradução
livre: "o direito ao esquecimento protege suas informações pessoais, sua imagem ou dados
pessoais do passado que deverão ser atualizados ou excluídos".
193
Francesco Alcaro, Diritto, cit., p. 100.
194
Fernando Bocchini e Enrico Quadri, Diritto Privato, Torino: G. Giappichelli Editore, 2014, p.
295. Tradução livre: "o direito ao esquecimento será reconhecido se tiver passado um certo
tempo e se houver sido eliminado qualquer interesse público real no conhecimento de situações e
eventos".
195
Autoridade que responde pela proteção de dados na Itália e o órgão a que se deve recorrer de
forma administrativa. A orientação do Garante, em síntese, dá-se nos seguintes termos: A
existência de um interesse público justifica a publicação de uma notícia e sua disseminação nos
motores de busca. Se houver interesse histórico, ela será mantida em um arquivo online. Porém,
  64  

pessoais e tem reconhecido também o direito ao esquecimento.


Alguns autores italianos trataram sobre o tema do direito ao
esquecimento de forma específica.
Massimiliano Mezzanotte 196 dissertou sobre o assunto e, no mesmo
sentido dos autores citados acima, afirma que o direito ao esquecimento é aquele
que assegura ao seu titular a possibilidade de manter o controle sobre suas
informações antigas e que atualmente estão adormecidas. Para o autor, a
informação tem de ser de longa data e estar despojada de qualquer interesse social.
Franco Pizzete197 explica a origem do direito ao esquecimento:

"Nasce, invece come una estrinsecazione del diritto alla riservatezza e


del dovere di rispettare da dignità delle persone nei confronti dei
fondamentali diritto de libertà di informazione, di stampa e di
manifestazione del pensiero. Una specifica tutela giuridica che viene in
gioco non per limitare la diffusione di una notizia legittimamente
conosciuta che sia di interesse pubblico, ma per circoscrive la sua
ulteriore diffusione quando la sua conoscibilità non risponda più a
ragioni che giustifichino la compressione del diritto della persona alla
tutela della sua riservatezza e dignità".

Na Espanha, o tema do direito ao esquecimento vem sendo tratado há


                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
quando se extinguir a função da notícia, ela deverá ser recolhida e os dados deverão ser tratados.
Neste caso, estará assegurada a proteção do direito ao esquecimento, que será satisfeito mediante
a exclusão da notícia relatada da indexação de arquivo realizada pelos motores de busca externos
e também do site de origem. Oreste Pollicino e Marco Bassini, Diritto all'oblio: i più recenti
spunti ricostruttivi nella dimensione comparata ed europea, in Franco Pizzete, Il caso del diritto
all'oblio, Torino: G. Giappichelli, 2013, p. 200.
196
Massimiliano Mezzanotte, Il diritto all'oblio, Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2009, p.
82-123.
197
Franco Pizzete, Il caso del diritto all'oblio, cit., , p. 32. Tradução livre: "O direito ao
esquecimento nasceu como uma manifestação do direito à privacidade e também em razão da
dignidade da pessoa humana. Porém, em confronto com os direitos fundamentais da liberdade de
informação, de imprensa e de expressão, a proteção específica do direito ao esquecimento existirá
não para limitar a propagação de uma notícia legitimamente conhecida ou de interesse público;
ao contrário, restringirá a sua propagação somente se a divulgação não tiver este tipo de
interesse".
  65  

algum tempo pela doutrina e também pela jurisprudência. Mas certamente tomou
uma proporção muito maior após o célebre processo envolvendo o Google
Espanha, julgado pelo Tribunal de Justiça europeu e que será analisado em capítulo
próprio.
198
Miguel Urabayen escreveu, em 1977, acerca do direito ao
esquecimento. O autor enumerou alguns direitos da personalidade decorrentes da
vida privada e incluiu o esquecimento, junto com o nome, a imagem, a voz, a
intimidade, a honra, a reputação e a própria biografia.
Pere Simón Castellano entende que o direito ao esquecimento pode ser
fundamentado em outros institutos que têm o tempo como fator preponderante, tais
como a anistia, a prescrição, o usucapião, o cancelamento de antecedentes penais e
a responsabilidade civil fundada na culpa199.
Por outro lado, Artemi Rallo200, que dissertou sobre o assunto, afirma que
o direito ao esquecimento não existe:

"el derecho al olvido no existe. Ninguna norma reconoce y regula tal


hipotético y específico derecho. Es más, no puede existir porque ni
siquiera nos hallamos ante u concepto jurídico pacíficamente delimitado.
Mal se puede regular, reconocer o amparar por el ordenamiento jurídico
algo que no goza en la realidad social de perfiles delimitadores básicos.
En otras palabras, cómo garantizar un supuesto derecho cuyo ámbito de
protección la sociedad no identifica siquiera en sus contornos básicos?”

Entretanto, apesar de atualmente o direito ao esquecimento não constar


de forma expressa na legislação espanhola em vigor, podemos considerar que seu
reconhecimento está implícito e consagrado pela jurisprudência de vários países,
                                                                                                               
198
Miguel Urabayen, Vida privada e informacion: un conflicto permanente, Pamplona: Ediciones
de Universidad de Navarra S.A., 1977, p. 147.
199
Pere Simón Castellano, El régimen constitucional del derecho al olvido digital, Valencia:
Tirant lo Blanch, 2012, Edição Kindle, Posição 1925.
200
Artemi Rallo, El derecho al olvido en internet: Google versus España, Madrid: Centro de
Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p. 23.
  66  

inclusive Espanha e Brasil, além de constar formalmente de proposta de alteração


de Diretiva europeia, devendo entrar em vigor em meados de 2018, conforme será
visto em outro capítulo. Além disso, a lei espanhola prevê a limitação temporal e a
possibilidade de conservação e tratamento de dados pessoais201.
Na França, o reconhecimento do direito ao esquecimento, a exemplo de
como se deu em outros países europeus, também ocorreu por meio da
jurisprudência. Não há, por enquanto, lei tratando do assunto de forma expressa.
Mas a Lei 78-17, de 6 janeiro de 1978, alterada em 26 de janeiro de 2016, regula a
proteção de dados e prevê a possibilidade de seu cancelamento a pedido do
interessado202.
A moderna doutrina francesa também reconhece o direito ao
esquecimento. Hubert Bitan203 define o direito ao esquecimento como:

                                                                                                               
201
A Lei orgânica espanhola 15/1999 cuida da proteção e tratamento de dados e prevê o seguinte,
no seu artigo 4, item 5:
"Los datos de carácter personal serán cancelados cuando hayan dejado de ser necesarios o
pertinentes para la finalidad para la cual hubieran sido recabados o registrados. No serán
conservados en forma que permita la identificación del interesado durante un periodo superior
al necesario para los fines en base a los cuales hubieran sido recabados o registrados.
Reglamentariamente se determinará el procedimiento por el que, por excepción, atendidos los
valores históricos, estadísticos o científicos de acuerdo con la legislación especifica, se decida el
mantenimiento integro de determinados datos". Disponível em
https://www.agpd.es/portalwebAGPD/canaldocumentacion/legislacion/estatal/common/pdfs/201
4/Ley_Organica_15-1999_de_13_de_diciembre_de_Proteccion_de_Datos_Consolidado.pdf,
Acesso em 28/11/2015.
202
A Lei 78-17 está disponível em
https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000886460#LEGIARTI
000031932124, Acesso em 26/01/2016.
203
Hubert Bitan, Droit et expertise du numérique, Paris: Wolter Kluwer, 2015, p. 317. Tradução
livre: "o direito ao esquecimento pode ser definido como o direito que qualquer indivíduo tem de
solicitar que seus dados pessoais sejam excluídos porque são inapropriados, desrespeitosos ou
prejudiciais à sua reputação".
Latifa Chelbi (Droit à l'oubli numérique: la loi informatique et libertés et le projet de règlement
européen, in David Dechenaud, Le Droit à l'oubli numérique, Bruxelles: Larcier, 2015, p.111)
acrescenta: o direito ao esquecimento é a garantia de retirada ou impedimento de publicação de
dados pessoais, após o decurso de tempo.
  67  

"le droit à l'oubli pourrait être défini comme le droit dont dispose un
individu de solliciter que les données le concernant nommément et
permettant son identification soient supprimées car inappropriées,
irrespectueuses et/ou néfastes s'agissant de sa réputation numérique".

Robert Cario e Sylvie Ruiz-Vera explicam204:

"Il n’existe pas de définition juridique du droit à l’oubli. Cette notion


peut recouvrir différentes réalités qui concourent toutes vers un même
objectif: celui pour une personne de décider qu’une information relative
à son passé sorte de la sphère publique. Lorsqu’est évoquée la notion de
droit à l’oubli, il est fait précisément référence au droit à l’oubli
numérique. Les litiges portent sur la question de la publicité de
l’information, c’est-à-dire l’affichage de celle-ci".

François Ost205, jurista belga, também cuidou do direito ao esquecimento


e explicou que, além da prescrição e da anistia, existem outros fundamentos para o
direito ao esquecimento, tais como o desuso, lado negativo do costume e também o
direito ao anonimato.
Ost206 ensina o direito ao esquecimento como um dos diversos aspectos
do direito à vida privada. Nas palavras do autor:

"Quando personagem pública ou não, fomos empurrados para a boca de


cena e colocados sob os projetores da atualidade - muitas vezes é preciso
dizê-lo, uma atualidade penal - temos o direito, depois de um certo
tempo, de sermos deixados em paz e cair no esquecimento e anonimato
de onde nunca gostaríamos de ter saído".

Percebe-se que na visão do autor o direito ao esquecimento poderá ser


                                                                                                               
204
Robert Cario e Sylvie Ruiz-Vera. Droit des victimes: de l'oubli à la reconnaissance. Paris:
L'Harmattan, 2015, p. 164. Tradução livre: "Não existe uma definição legal do direito ao
esquecimento. Este conceito pode abranger diferentes vertentes que contribuem para o mesmo
objetivo: uma pessoa pode decidir quais informações sobre o seu passado podem ser retiradas da
esfera pública. Os litígios dizem respeito à questão da divulgação de informações, ou seja, sobre
a exibição das mesmas".
205
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 165-168.
206
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 170.
  68  

reconhecido em favor de pessoas públicas ou não. A jurisprudência francesa


concedeu o direito ao esquecimento à famosa atriz Marlene Dietrich207.
O que ocorre nos países europeus é, de modo uniforme, a consagração do
direito ao esquecimento pela jurisprudência e pela doutrina. Não há, ainda, norma
expressa sobre o assunto, apenas leis esparsas sobre proteção de dados, mas com a
alteração da Diretiva europeia, a ser analisada em outro capítulo, será efetivada
finalmente a regulamentação expressa.

4.2. Esquecimento como um direito da personalidade.

Pode-se inserir o direito ao esquecimento como categoria autônoma de


direito da personalidade. Se os direitos da personalidade são considerados inatos, o
direito ao esquecimento é um legítimo direito da personalidade. Como a
enumeração dos direitos da personalidade não é taxativa, o direito ao esquecimento,
apesar de não ter sido positivado em nosso ordenamento jurídico, pode ser
enquadrado como tal208, pois o direito ao esquecimento tem todas as características
dos direitos da personalidade 209 , quais sejam: são absolutos, intransmissíveis,
                                                                                                               
207
Rene Ariel Dotti (A proteção da vida privada, cit., p. 92) descreveu o caso Marlene Dietrich,
como exemplo de direito ao esquecimento e como pedra fundamental para a construção do muro
da privacidade, e citou o trecho do julgamento proferido pelo Tribunal de Paris: "as recordações
da vida privada de cada indivíduo pertencem ao seu patrimônio moral e ninguém tem o direito de
publicá-las mesmo sem intenção malévola, sem a autorização expressa e inequívoca daquele de
quem se narra a vida". E prossegue parafraseando o advogado Pinard: "o homem célebre,
senhores, tem o direito de morrer em paz".
208
Esta posição não é unânime. Daisy Gogliano (Direitos privados da personalidade, São Paulo:
Quartier Latin, 2012, p. 8) não partilha do mesmo entendimento. Afirma que a criação de "novos
direitos", "tirados do nada", não é racional e se assenta apenas na opinião pública, sob o capricho
de impulsos e emoções. A autora coloca o direito ao esquecimento ao lado de outras pretensões,
como "direito à felicidade" ou "direito de ser amado", que julga serem apenas meros interesses e
não serem legítimos.
209
Entretanto, grande parte da doutrina concorda com a inserção do direito ao esquecimento no
campo dos direitos da personalidade. Neste sentido, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz
(O direito ao esquecimento na internet e o Superior Tribunal de Justiça, in Revista de direito das
  69  

indisponíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis,


impenhoráveis e inexpropriáveis.
O direito ao esquecimento tem origem na ideia de privacidade, mas foi
desenvolvido como direito da personalidade autônomo. O seu titular deseja que
certos fatos relacionados à sua vida sejam destacados e esquecidos. Não pode ser
resumido apenas à privacidade ou identidade pessoal 210.
Ingo Wolfgang Sarlet considera o direito ao esquecimento um direito
fundamental implícito, deduzido de outras normas, como o princípio da dignidade
da pessoa humana. Assim, nas palavras do autor211:

"Como direito humano e direito fundamental, o assim chamado direito ao


esquecimento encontra sua fundamentação na proteção da vida privada,
honra, imagem e ao nome, portanto, na própria dignidade da pessoa
humana e na cláusula geral de proteção e promoção da personalidade em
suas múltiplas dimensões. Cuida-se, nesse sentido, em virtude da
ausência de disposição constitucional expressa que o enuncie
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
comunicações, vol. 7, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 335-355): "Nessa linha
inclusiva e evolutiva de pensamento, pode-se concluir que o direito ao esquecimento há de ser
interpretado como um direito da personalidade decorrente dessa reinvenção da privacidade. Pode
ser o direito ao esquecimento lido num conceito unívoco, evolutivo e de indeterminação
semântica de privacidade, pela conjugação do âmbito de proteção do inciso III do art. 1º
(dignidade da pessoa humana) e do inciso X (vida privada, intimidade, honra, imagem do art. 5º
da CF/88. Também pode ser reconhecido tal direito com a inteligência do art. 5º, § 2º, da CF/88,
como direito fundamental não expressamente previsto".
210
No mesmo sentido, Cíntia Rosa Pereira de Lima (Direito ao esquecimento e internet: o
fundamento legal no direito comunitário europeu, no direito italiano e no direito brasileiro, in
Doutrinas essenciais de direito constitucional, vol. 8, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p.
511-543). A autora define assim o direito ao esquecimento: "é um direito autônomo de
personalidade através do qual o indivíduo pode excluir ou deletar as informações a seu respeito
quando tenha passado um período de tempo desde a sua coleta e utilização e desde que não
tenham mais utilidade ou não interfiram no direito de liberdade de expressão, científica, artística,
literária e jornalística".
Esta também é a posição de Paulo R. Khouri (O direito ao esquecimento na sociedade de
informação e o enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, in Revista de direito do
consumidor, vol. 89, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 463-464), ao afirmar que o
direito ao esquecimento é um dos aspectos do direito da personalidade derivado da proteção à
intimidade e à privacidade, mas se tornou categoria autônoma.
211
Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, cit., Acesso em 27/10/2015.
  70  

diretamente, de um típico direito fundamental implícito, deduzido de


outras normas, sejam princípios gerais e estruturantes, como é o caso da
dignidade da pessoa humana, seja de direitos fundamentais mais
específicos, como é o caso da privacidade, honra, imagem, nome, entre
outros".

A propósito, merece destaque o Enunciado 531, aprovado pela VI


Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em março de
2013, que dispõe o seguinte:

"A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação


inclui o direito ao esquecimento".

A justificativa para a sua aprovação foi a seguinte: "Os danos provocados


pelas novas tecnologias de informação vêm se acumulando nos dias atuais. O
direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações
criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à
ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a
própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado
aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são
lembrados".
Evidentemente o citado Enunciado 531 não tem força vinculante, mas já
é um primeiro passo para o reconhecimento do tema tanto pela doutrina como pela
jurisprudência212.
Nota-se assim que a inclusão do direito ao esquecimento como categoria
autônoma se deu em razão do princípio da dignidade da pessoa humana.
Já se afirmou aqui que a dignidade da pessoa humana originou os direitos
fundamentais e por consequência os direitos da personalidade. Assim, conforme o
                                                                                                               
212
A propósito, o Enunciado 531 foi evocado na fundamentação de dois acórdãos proferidos pelo
Superior Tribunal de Justiça, que serão examinados adiante, cujo relator foi o Ministro Luis
Felipe Salomão.
  71  

mencionado Enunciado, a dignidade da pessoa humana inclui, também, o direito ao


esquecimento.
O Enunciado 531, de autoria do promotor de Justiça do Rio de Janeiro,
Guilherme Magalhães Martins, não confere o caráter de direito absoluto ao
esquecimento; ao contrário, afirma ser medida excepcional, para as hipóteses em
que as pessoas precisam ser esquecidas pela opinião pública e pela imprensa, em
razão de exposições ofensivas, de grave ofensa à dignidade da pessoa humana213.
Outro aspecto que se pode extrair do Enunciado é que o direito ao
esquecimento insere-se na sociedade de informação, não em uma particularidade de
outros direitos.
A interpretação, que se deve fazer, é no sentido de conceituar o direito ao
esquecimento como um direito da personalidade autônomo, mas que guarda relação
com outros direitos que foram tipificados pelo direito positivo, tais como o direito à
imagem, à privacidade e à honra.
Portanto, o direito ao esquecimento não pode ser considerado uma
subcategoria de outros direitos da personalidade, já previstos em lei. É um direito
independente, cujo objeto está vinculado à memória individual. Trata-se de direito
da personalidade, que permite ao seu titular resguardar-se do que não deseja mais
rememorar. É o direito de não ter sua memória pessoal revirada a todo instante por
força da vontade de terceiros. Como tal, configura-se como um direito essencial ao
livre desenvolvimento da personalidade humana"214.
Desta forma, o direito ao esquecimento, de acordo com o exposto
anteriormente, enquadra-se na classificação de direito moral da personalidade.
Assim, diz respeito a atributos valorativos ou virtudes de uma pessoa na

                                                                                                               
213
Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-out-21/direito-esquecimento-garantido-turma-
stj-enunciado-cjf, Acesso em 29/10/2015.
214
Pablo Dominguez Martinez, Direito ao esquecimento, cit., p. 80.
  72  

sociedade215.

4.3. Direito ao esquecimento na Constituição Federal de 1988 e no Código


Civil.

A Constituição Federal não tratou expressamente do direito ao


esquecimento, mas trata de outros direitos da personalidade de caráter moral,
conforme já registrado neste estudo.
Ao consagrar os direitos da personalidade, tais como privacidade, honra e
imagem, o texto constitucional faz com que adquiram outro status, o dos chamados
direitos fundamentais, e lhes atribui um sistema de proteção próprio 216 , sem
prejuízo à proteção de outros direitos da personalidade, dada a sua natureza de
inatos.
O direito ao esquecimento tem relação direta com o direito à privacidade
porque proporciona ao seu titular o direito de se manter reservado ou no anonimato.
Fatos particulares permanecem ou retornam à sua esfera de disponibilidade
individual217.
A Constituição Federal assegura que os direitos e garantias nela
expressos não excluem outros decorrentes do regime ou princípios por ela
adotados, conforme extraído do artigo 5º, § 2º ("Os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte"), de modo que outros direitos da personalidade também são

                                                                                                               
215
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 49.
216
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p 38 e 39
217
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p.
563-596.
  73  

reconhecidos pela Carta Magna218.


Além disso, o princípio da dignidade da pessoa humana confere unidade
de tratamento tanto aos direitos fundamentais como aos direitos humanos e aos
direitos da personalidade 219 , podendo também originar outros direitos não
positivados. Ressalte-se que os direitos da personalidade são a concretização da
dignidade da pessoa humana.
Assim, existem direitos fundamentais que não foram rotulados
expressamente na Constituição Federal mas cuja natureza resulta de sua referência
ao valor da dignidade humana220.
A dignidade da pessoa humana tem conexão intrínseca com os direitos da
personalidade, como a honra, a imagem e a intimidade. O direito ao esquecimento,
desta forma, se configura como um direito do cidadão à liberdade de escolher
quando e dentro de quais limites podem ser revelados dados e informações que
fazem parte de sua identidade. Trata-se de direito do sujeito à autodeterminação
informativa, isto é, a ter controle sobre os seus dados pessoais e a decidir quando
eles podem ser tratados ou consultados por terceiros221.
É uma afronta ao princípio da dignidade humana o reduzir-se uma
pessoa à condição de objeto apenas para satisfazer algum interesse imediato,
conforme explicam Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco222, pois o ser
humano não pode ser exposto para a satisfação de mera curiosidade de terceiro ou
                                                                                                               
218
René Ariel Dotti (O direito ao esquecimento, cit., p. 297-298) explica que outros direitos da
personalidade podem ser reconhecidos com base no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, tais
como o direito ao esquecimento, o direito à sepultura, o direito de conservação de memórias
familiares e o direito de resguardo de escritos confidenciais.
219
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 42.
220
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit.,
p. 171.
221
Pere Simón Castellano, El reconocumiento del derecho al olvido digital en Enspaña y en la
UE, Barcelona: Bosch, 2015, p. 180-181.
222
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit.,
p. 278.
  74  

converter-se em objeto de divertimento para preencher o vazio de certo público.


Em casos assim, configura-se o desrespeito à dignidade da pessoa humana e não se
reconhece o exercício legítimo da liberdade de expressão.
A intimidade não representa somente o direito do cidadão de estar só,
mas também de controlar as próprias informações e determinar o modo de
estabelecer o próprio âmbito privado223.
O conteúdo do direito ao esquecimento ultrapassa a proteção da vida
privada porque compreende a recordação de informações antigas, como fatos,
notícias, vídeos, comentários, que podem afetar o futuro e o livre desenvolvimento
da personalidade224, razão por que esse direito deve ser destacado como uma
categoria autônoma.
Em relação ao previsto no Código Civil, conforme já foi exposto, o
diploma legal não tratou do direito ao esquecimento, mas de outros direitos da
personalidade de caráter moral, como o nome, a honra, a imagem e a privacidade.
Mas é sempre conveniente lembrar que o seu artigo 12 prevê que outras espécies de
direito da personalidade podem ser tutelados.
Existe uma relação muito intensa entre o direito civil e os direitos
humanos, que deve ser estudada em conformidade com a dignidade humana e que
não se compreende apenas em relação às garantias de integridade física, psíquica e
moral do ser humano. Há uma já mencionada transformação do direito civil e uma
já consagrada normatividade de princípios constitucionais que garantem à pessoa
humana, no ordenamento jurídico inteiro, particularmente no direito civil, tutela e
proteção, sem necessidade de Estatutos separados, uma vez que a pessoa e a sua
dignidade são únicas 225 . É o que proporciona proteção própria ao direito ao
                                                                                                               
223
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 91.
224
Pere Simón Castellano, El reconocumiento del derecho al olvido digital en Enspaña, cit., p.
288.
225
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 89-90.
  75  

esquecimento. Como são inatos, os direitos da personalidade estão protegidos de


uma maneira ou de outra, não importando o fato de não terem sido positivados.
  76  

5. Perspectivas do direito ao esquecimento.

O direito ao esquecimento pode ter diversas vertentes. Não se trata


apenas de uma proteção aos criminosos que já cumpriram suas penas, como já foi
encarado no passado, pois pode alcançar diversas outras situações. Senão vejamos:
- Vítimas e parentes de vítimas de crimes que não desejam mais ser relembrados de
fatos dolorosos ocorridos no passado;
- Pessoas acusadas injustamente de alguma falta ou de algum delito, que tiveram
seus nomes amplamente divulgados e depois foram inocentadas;
- Criminosos que já cumpriram a pena e para se reinserirem na sociedade não
podem mais ser lembrados pelo que fizeram;
- O esquecimento digital de pessoas que não desejam ter seus dados pretéritos
divulgados através da internet;
- Fatos constrangedores ou desabonadores que foram divulgados no passado, mas
que, atualmente, têm sua disseminação totalmente desnecessária.
- Fatos antigos, não necessariamente negativos, mas cuja divulgação no presente
também é desnecessária ou contrária à vontade do titular.
De qualquer modo, conforme se verá adiante, o direito ao esquecimento
deverá ser sopesado com outros direitos da personalidade e somente será tutelado
se não houver interesse público envolvido.
Nos próximos itens serão examinadas duas vertentes bastante
significativas sobre o tema: as vítimas ou familiares de vítimas de crimes e também
o criminoso em ressocialização. Com relação ao esquecimento digital, será
dedicado ao assunto um capítulo específico.
  77  

5.1. Vítimas ou familiares de vítimas do sistema penal e o esquecimento.

A vítima ou os parentes da vítima de um crime ou de um infortúnio terão


sempre duas alternativas para tentarem se consolar. A primeira será a lembrança,
ou seja, contar, recontar, rememorar e trabalhar o assunto em sua mente. Assim
poderão sentir-se melhor, aliviados. Para algumas pessoas, realmente esta será a
melhor solução. A memória neste caso é uma espécie de tratamento e será
terapêutica.
Sobre a terapia da memória, Marco Venturoli226 explica que a vítima terá
a seu favor duas opções:

"La cultura della memoria e quella della ricostruzione. La prima,


secondo cui la testimonianza (letteraria, artistica, cinematografica, ecc.)
delle vittime irrompe nella ricostruzione dei fatti; la seconda, in base alle
quale è compito della giustizia ricostruire, in particolare attraverso il
diritto penale, le relazioni distrutte dall'ingiustizia. (...) La vittima
esprime il proprio dolore attraverso il racconto dei fatti subiti, al fine di
ottenere un riconoscimento specialmente da parte delle istituzioni
pubblichi ".

É o caso, por exemplo, de Maria da Penha Maia Fernandes227, uma


brasileira que lutou para que seu agressor fosse condenado. Vítima emblemática da
violência doméstica, hoje é representante de movimentos de defesa dos direitos das
mulheres. Em agosto de 2006, foi sancionada a Lei 11.340/2006, denominada, em
sua homenagem, Lei Maria da Penha, a qual tenta coibir a violência contra a
                                                                                                               
226
Marco Venturoli, La vittima nel sistema penale: dall 'oblio al protagonismo, Napoli: Jovene,
2015, p. 37. Tradução livre: A cultura da memória e a da reconstrução. A primeira, por meio do
testemunho (literário, artístico, cinematográfico etc.) das vítimas, leva à reconstrução dos fatos; a
segunda, com base na justiça penal, leva também à reconstrução de relações destruídas pela
injustiça. A vítima expressa sua dor através da narração do dano a fim de obter o reconhecimento,
especialmente por parte das instituições publicas.
227
A propósito, o caso Lei Maria da Penha foi evocado na fundamentação dos dois acórdãos
proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, sobre direito ao esquecimento, que serão
examinados adiante, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão.
  78  

mulher por meio de um aumento no rigor da pena ao agressor, na hipótese de


ocorrência no ambiente doméstico ou familiar.
Em 1983, seu marido tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirou,
na segunda tentou eletrocutá-la. Em consequência das agressões, Maria da Penha
ficou paraplégica. Dezenove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de
prisão. Valendo-se de manobras jurídicas, ficou preso por apenas dois anos e hoje
está solto.
O assunto foi tratado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos
da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, pela dimensão que tomou, foi
considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica.
Atualmente Maria da Penha é coordenadora de estudos da Associação de
Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas
de Violência (APAVV).
É evidente que Maria da Penha não quer ser esquecida. Ao contrário,
quer ser um exemplo, para que não aconteça de novo. O fato de se aprovar uma lei
com seu nome trouxe o alívio desejado. Para ela, e para qualquer vítima, o tempo
não vai voltar atrás. Não há como mudar o que aconteceu em sua vida, mas traz
alívio perceber que a sua desgraça e sua luta puderam mudar a legislação de um
país.
Por outro lado, certas pessoas vão preferir o esquecimento. Talvez num
primeiro momento queiram lembrar, recontar a sua história. Mas depois preferem
seguir adiante com sua vida e não mais lembrar. Simplesmente esquecer. É um
direito que lhes cabe, afinal são vítimas. E certamente querem a punição do
agressor. O esquecimento neste caso não será uma forma de impunidade. Mas
depois que o agressor ou criminoso estiver preso, com o decurso do tempo estas
vítimas vão preferir esquecer e não serem relembradas a todo tempo de uma
situação que já estará adormecida.
  79  

É possível citar alguns exemplos de parentes de vítimas que, após a


punição do agressor, preferiram esquecer do assunto. O primeiro caso é o da mãe
da menina Isabela Nardoni. Este crime ficou célebre, porque a criança foi
arremessada da janela de um edifício. Foram presos e condenados pelo crime o pai
e a madrasta. Algum tempo depois, em São Paulo, tentou-se exibir uma peça com o
título "Edifício London" – nome do prédio em que a menina foi arremessada – que
encenaria parte daquele crime. A mãe, que, obviamente, já tinha passado por
situação bastante traumática, não quis rememorar um assunto tão doloroso e
obteve, por meio de ação judicial, a suspensão da exibição da peça, além de
indenização por danos morais. Alegou que a peça fazia remissão direta ao
homicídio de sua filha e considerou como verdadeira aberração a cena em que uma
boneca decapitada era lançada de uma janela. A juíza da 4ª Vara Cível de São
Paulo entendeu, apesar de os réus alegarem a seu favor a liberdade de expressão,
que neste caso os direitos da personalidade deveriam prevalecer e que o próprio
título da peça já resgataria memórias indeléveis. O Tribunal de Justiça de São Paulo
manteve a decisão228.
Outro exemplo, que será mais detalhado no próximo capítulo, é o dos
irmãos de Aída Curi, vítima de crime que ficou famoso na década de 1950 e que já
estava adormecido. Os irmãos, alegando o direito ao esquecimento, pleitearam
indenização contra a Rede Globo, que exibiu programa documentando aquele crime
quarenta anos depois. O assunto ainda é objeto de discussão no Supremo Tribunal
Federal.
Concluindo, a escolha entre a memória e o esquecimento é da própria
vítima ou de seus parentes, pois o direito ao esquecimento deve ser facultativo. Se a
vítima não se importar de rememorar fatos tão dolorosos, certamente será possível
                                                                                                               
228
Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-ago-27/tj-sp-mantera-indenizacao-autor-peca-
isabella-nardoni, Acesso em 28/11/2015.
  80  

resgatá-los. Por outro lado, se preferir esquecer, terá a sua disposição este que é um
direito da personalidade.

5.2. Autor de crime egresso do sistema prisional e o direito ao esquecimento:


Instituto da reabilitação penal e a reintegração na sociedade.

O tema do direito ao esquecimento foi introduzido no direito por meio do


instituto da reabilitação penal.
Segundo Ost229, reabilitar é

"(...) apagar incapacidades, restabelecer direitos, restaurar a capacidade


humana fundamental do cidadão portador de direitos e de obrigações.
Reabilitar, isto é, reduzir progressivamente a exclusão social do
condenado, a distância a que o mantinham e de que a detenção continua a
ser o arquétipo, facilitar finalmente a sua reinserção no seio da
sociedade".

A reabilitação só se torna possível mediante o esquecimento.


A reabilitação penal está prevista no artigo 93 do Código Penal, por meio
do qual o condenado tem assegurado o sigilo dos registros sobre seu processo e
condenação. No mesmo sentido, o artigo 748 do Código de Processo Penal dispõe
que condenação anterior não será mencionada em folha de antecedentes do
reabilitado, salvo se requisitada por juízo criminal.
Entretanto, a reabilitação penal, atualmente, está em desuso porque
depende de um pedido expresso do egresso do sistema prisional e também do
decurso de tempo. Em geral é preferível invocar o artigo 202 da Lei de Execuções
Penais, que prevê, de forma automática, que não constarão da folha corrida,
atestados ou certidões qualquer notícia ou referência à condenação. Logo, tem-se
também aqui mais uma forma de esquecimento.
                                                                                                               
229
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 177.
  81  

Com relação à reabilitação penal, esta é mais complexa. Mas, de todo


modo, assegura ao criminoso o direito ao apagamento de todos os registros
criminais do ato cometido após dois anos do cumprimento da pena ou da extinção
da punibilidade, mediante requerimento.
Portanto, os condenados que já cumpriram sua pena e não devem mais
nada à sociedade têm assegurado o direito ao esquecimento de um modo ou de
outro, seja por meio da reabilitação penal, seja por meio do que prevê a Lei de
Execuções Penais. Assim, o egresso do sistema prisional deverá ter a sua
condenação esquecida, para que lhe sejam permitidas uma nova vida, novas
oportunidades e a chance de reinserir-se na sociedade.
Entretanto, nem sempre o esquecimento é possível. Um exemplo de caso
em que o direito ao esquecimento, após a reabilitação penal, foi notadamente
infringido é o do famoso Bandido da Luz Vermelha230. Sua situação sequer foi
apreciada pelo Poder Judiciário. Após cumprir trinta anos de pena de prisão e
estando próximo de ganhar a liberdade, passou a ser notícia novamente. Antes
mesmo que ele fosse libertado, a imprensa noticiou a sua libertação, com a
descrição completa de todos os crimes que cometeu. Também divulgou a sua
condição de esquizofrênico. Pouco depois de ser libertado, foi assassinado durante
uma briga. Assim, um homem, que já havia cumprido a pena, foi privado de
reinserir-se na sociedade e teve a sua dignidade humana violada231.
Outro ponto que merece referência, dentro do direito penal, é que não
apenas a reabilitação penal, mas também a prescrição da pena é uma forma de
esquecimento, conforme já mencionado. Os dois institutos promovem o
                                                                                                               
230
Bandido da Luz Vermelha era o apelido do sr. João Acácio Pereira da Costa, condenado por 5
homicídios, 4 tentativas de homicídio e 77 roubos a 351 anos de reclusão em regime fechado.
Recebeu este apelido porque cometia seus crimes usando uma lanterna com bocal vermelho. Foi
solto após os trinta anos previstos em lei.
231
Tatiana Manna Bellasalma e Silva e Ricardo da Silveira e Silva, Direito ao esquecimento na
era virtual, cit., Posição 3768.
  82  

esquecimento com o passar do tempo.


Mas cumpre lembrar que, apesar da prescrição penal e do direito dos
criminosos ao esquecimento após o decurso de certo tempo, alguns crimes são
imprescritíveis, nos termos da Constituição Federal de 1988. É o caso do crime de
racismo e também do terrorismo, temas que serão abordados adiante, além do
crime de tortura, que é insuscetível de perdão ou anistia232. Estes crimes e seus
executores não podem ser esquecidos. Nestes casos, não se admite que o tempo
apague a sua lembrança233.
Mas os casos de imprescritibilidade penal importam em exceção. A regra
é que o tempo promove a prescrição e, por consequência, o esquecimento. E se
aqueles que já cumpriram pena têm o direito de serem esquecidos, e também
aqueles cujas penas prescreveram, com a consequente extinção da punibilidade, da
mesma forma devem ser olvidados, com muito maior razão, aqueles que foram
acusados injustamente e depois inocentados. Tudo para que possam viver em paz e
harmonia social, afastados de qualquer espécie de estigma.
O esquecimento social se faz necessário. Presta-se a eximir do
mencionado estigma social aquele criminoso que já teve sua pena extinta ou foi
absolvido. Situação contrária terá o efeito de afastá-lo da sociedade e de si próprio,

                                                                                                               
232
O artigo 5º, XLII, da CF/88 diz: "a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei". O inciso XLIII diz: "a lei
considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem". E o
inciso XLIV: "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático".
233
François Ost, O tempo do direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 180.
Apesar disso, Sidney Agostinho Beneti entende que a imprescritibilidade de certos crimes é
incongruente e, citando Francisco Rezek (Apud Sidnei Agostinho Beneti, A Constituição e o
sistema penal, in Revista dos Tribunais, Vol. 704, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.
296-309.), afirma sua perplexidade diante da opção da Constituição Federal pelo afastamento de
um dos direitos mais importantes adquiridos pela sociedade, que é o direito ao esquecimento dos
delitos por meio da prescrição, ao determinar que certos crimes são imprescritíveis.
  83  

relegando-o à adversidade de um universo nada acolhedor234.


Conforme pontifica Francesco Carnelutti 235 : "ao sentir-se livre das
grades, contudo, sente o seu drama: não consegue emprego, em virtude de seus
maus antecedentes. Nem o estado e nem o particular lhe facilitam uma colocação.
A pena, portanto, não termina para o sentenciado".
O interesse público sobre um ato criminoso deve desaparecer após a
resposta penal dada ao caso, como ocorre tanto com a extinção da pena como com
a absolvição. Nesse lapso de tempo também se completa a vida útil da informação
criminal236. Com exceção do interesse histórico, que será abordado adiante, não há
motivo para se perpetuar a informação.
Portanto, o direito ao esquecimento deve prevalecer para que não se
imponha ao egresso em ressocialização uma pena perpétua, para que ele não
conviva com a pecha permanente de criminoso, o que afrontaria a dignidade
humana237.
O grande problema é que, atualmente, os processos judiciais são
digitalizados, de modo que, a despeito da reabilitação criminal, da ressocialização
do egresso ou da lei de execuções penais em favor do esquecimento, uma simples
pesquisa de jurisprudência ou de andamento de processo pode ensejar o resgate
daquele processo criminal que deveria ser esquecido238.
Desta forma, apesar do amparo legal ao sigilo das informações criminais,
com o avanço da tecnologia digital as informações daqueles crimes, ou as falsas
                                                                                                               
234
Rodrigo Felberg, A reintegração social dos cidadãos egressos, São Paulo: Atlas, 2015, p. 82.
235
Francesco Carnelutti, As misérias do processo penal, Campinas: Bookseller, 2001, p. 8.
236
Conforme justificativa do acórdão proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, no Recurso
Especial nº 1.334.097.
237
Rodrigo Felberg, A reintegração social, cit., p. 83.
238
Segundo Ricardo Perlingeiro (O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a
publicidade processual, in Revista de processo, vol. 203, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012,
p. 203-212), a publicidade processual não deve sacrificar o direito ao esquecimento, e os dados
processuais devem ser suprimidos ou ter seu acesso restringido após determinado tempo.
  84  

imputações de crimes, podem facilmente ser espalhadas pela internet. Este é um


assunto que será abordado em capítulo próprio.
  85  

6. Jurisprudência sobre direito ao esquecimento.

6.1. Brasil.

No dia 28 de maio de 2013, ocorreram dois julgamentos emblemáticos


no Superior Tribunal de Justiça, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão.
No primeiro julgamento (Recurso Especial nº 1.334.097), foi reconhecido o direito
ao esquecimento, e, no segundo, (Recurso Especial nº 1.335.153) não houve este
reconhecimento. Depreende-se daí que não se trata de direito absoluto. Ao
contrário. Será sempre preciso fazer uma ponderação de valores para que a melhor
medida seja tomada.
O primeiro julgamento tem como origem a ação de reparação de danos
morais contra a TV Globo, proposta por Jurandir Gomes de França. O autor
pleiteou o reconhecimento do direito ao esquecimento porque, em junho de 2006,
foi ao ar um programa televisivo chamado "Linha Direta - Justiça", que o apontou
como um dos envolvidos no crime que ficou conhecido como "Chacina da
Candelária", apesar de ele ter sido absolvido à época.
Realmente foi o que de fato aconteceu. O crime, ocorrido em 23 de julho
de 1993, no Rio de Janeiro, foi uma sequência de homicídios de diversas crianças.
O Sr. Jurandir esteve no local para demonstrar o álibi de um parente e foi
equivocadamente reconhecido como um dos coautores ou partícipe da chacina por
algumas crianças que sobreviveram ao crime. No entanto, depois de ser submetido
a júri, foi absolvido por unanimidade.
Por ocasião da produção do programa televisivo, que teve como tema
central a famosa chacina, o autor foi procurado para conceder entrevista, mas
recusou e argumentou ainda que não queria ter sua imagem veiculada em rede
nacional.
O autor alegou que a veiculação do programa levou ao grande público
  86  

uma situação que já havia sido superada, reacendendo uma imagem de chacinador e
instigando o ódio social, ferindo o seu direito à paz, ao anonimato, à privacidade
pessoal, e que os prejuízos também atingiram seus familiares. Não mais conseguiu
emprego e teve de se mudar do bairro em que residia, com medo de ser morto por
justiceiros ou traficantes da região. Por estas razões, pleiteou indenização.
O juiz de primeiro grau julgou o pedido improcedente porque entendeu
preponderar o interesse público da notícia sobre evento traumático da história
nacional. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em grau de apelação,
reformou a sentença e concedeu indenização, com base na manifestação de vontade
do autor da ação de prosseguir no esquecimento, no valor de R$ 50.000,00.
Posteriormente, em sede de embargos infringentes, o mesmo tribunal aplicou o
direito ao esquecimento, nos termos da seguinte ementa:

"Embargos Infringentes. Indenizatória. Matéria televisivo-jornalística:


’chacina da Candelária’. Pessoa acusada de participação no hediondo
crime e, ao fim, inocentada. Uso inconsentido de sua imagem e nome.
Conflito aparente entre princípios fundamentais de direito: Informação vs
Vida Privada, Intimidade e Imagem. Direito ao esquecimento e direito de
ser deixado em paz: sua aplicação. Proteção da identidade e imagem de
pessoa não-pública. Dados dispensáveis à boa qualidade jornalística da
reportagem. Dano moral e dano à imagem: distinção e autonomia
relativa. Indenização".

O fundamento do julgamento foi o de que o direito ao esquecimento tem


como origem a ressocialização de autores de atos delituosos, sobretudo quando
libertados. Se o direito ao esquecimento beneficia os que já pagaram pelos crimes
que cometeram, com maior razão deve ser observado também em favor dos
inocentes.
Foi interposto recurso especial pela TV Globo, que alegou não existir o
dever de indenizar, uma vez que o "Linha Direta Justiça" seria um programa
  87  

jornalístico sobre casos criminais célebres. Não teria havido qualquer invasão de
privacidade ou intimidade porque os fatos já eram públicos e amplamente
discutidos na sociedade, e porque o programa tratou de narrar os acontecimentos
como ocorridos e deixou claro que o autor foi inocentado dos crimes. Alegou,
também, ser incabível a aplicação do direito ao esquecimento, por este ser
incompatível com o dever de informação.
O Superior Tribunal de Justiça manteve o julgamento do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro e reconheceu expressamente o direito ao esquecimento.
Destaque-se o fato de que neste julgamento foi discutida a atuação do
Superior Tribunal de Justiça em matéria constitucional, visto que, conforme
examinado acima, um dos fundamentos do direito ao esquecimento é o princípio da
dignidade da pessoa humana, além da sua comparação com o direito à imagem e
também da ponderação com outros preceitos constitucionais, tais como a liberdade
de expressão e o direito à informação. Deu-se a discussão porque se poderia
questionar se o julgamento desta matéria não seria de competência exclusiva do
Supremo Tribunal Federal. Entretanto, não é. O Superior Tribunal de Justiça cuida
de matéria infraconstitucional, mas a sua análise jamais poderá ser isolada da
Constituição Federal. A discussão sobre os preceitos constitucionais deu-se, neste
caso, de forma transversal, e por esta razão o Superior Tribunal de Justiça é
competente para tal julgamento. Reproduzindo os termos do relator do caso: "o
atual momento de desenvolvimento do direito, é inconcebível a análise encapsulada
dos litígios, de forma estanque como se os direitos civil, penal, processual,
pudessem ser ’encaixotados’ de modo a não sofrer ingerências do direito
constitucional". E finaliza: "não sendo defeso ao STJ - aliás, é bastante
aconselhável - que, admitido o recurso, aplique o direito à espécie, buscando na
própria Constituição Federal o fundamento para acolher ou rejeitar a violação do
  88  

direito infraconstitucional invocado ou para conferir à lei a interpretação que


melhor se ajusta ao texto constitucional".
De fato, nos termos do referido acórdão, havendo confronto entre a
liberdade de informação e os direitos da personalidade, apesar de envolver
preceitos do direito constitucional, a discussão também pode ser solucionada com
base na interpretação dos examinados artigos 11, 12, 17, 20 e 21 do Código Civil.
Já foram objeto deste estudo a questão da publicização do direito privado
e também da constitucionalização do direito civil. Certos institutos, tipicamente de
direito civil, estão disciplinados na Constituição Federal, razão pela qual a
discussão do direito ao esquecimento foi levada de forma correta ao Superior
Tribunal de Justiça, pois envolve matéria infraconstitucional, mas que deve ser
interpretada conforme a Constituição Federal.
Com relação ao caso concreto, o debate foi simplificado porque envolveu
apenas a mídia televisiva. O assunto se tornaria muito mais complexo e intrincado,
na hipótese de divulgação por meio da internet, conforme será examinado no
próximo capítulo, por abranger questões técnicas.
Resumidamente, o julgamento enfrentou algumas teses, como, por
exemplo, de que o direito ao esquecimento seria um atentado à liberdade de
expressão e de imprensa; o direito ao esquecimento afrontaria a memória da
sociedade; o direito ao esquecimento tornaria a privacidade uma forma de censura;
o direito ao esquecimento faria desaparecer registros sobre crimes e criminosos
perversos; ou, ainda, que programas policiais sobre crimes cruéis ou assassinos
célebres são comuns no Brasil e também no exterior.
No entanto, o Ministro relator concluiu ser necessária uma nova reflexão
sobre a inserção de novos direitos, ou sobre novas perspectivas de velhos direitos
revisitados, porque vivemos em um mundo novo, repleto de informações, muitas
delas desnecessárias.
  89  

No que diz respeito aos programas jornalísticos sobre crimes históricos, o


voto do relator expressa a sua necessidade, até para que os crimes não se repitam, e
usa como exemplo a própria Chacina da Candelária e outros, como a Chacina do
Carandiru, o Massacre de Realengo e os assassinatos de Chico Mendes, Zuzu
Angel e Vladimir Herzog. Mas ressalta que é preciso cautela, pois existem
programas policiais que exploram as mazelas humanas e por vezes resultam em
julgamento antecipado dos acusados, em razão da exacerbada exposição na mídia,
o que é um abuso. Quanto à questão da historicidade do crime, esta não seria um
óbice intransponível para o reconhecimento do direito ao esquecimento. Este
pretexto poderia levar a uma permissão ampla e irrestrita para que as pessoas
envolvidas no crime fossem retratadas por tempo indefinido, o que representaria
uma segunda violação da dignidade da pessoa humana. Nesse caso, o
reconhecimento do direito ao esquecimento seria um corretivo tardio. Enfim, a
questão da historicidade tem de ser ponderada caso a caso.
Com relação à aplicação do direito ao esquecimento no direito brasileiro,
o relator do acórdão utiliza a principiologia dos direitos fundamentais e da
dignidade da pessoa humana, além da legislação infraconstitucional. Afirma que o
esquecimento é possível com base no instituto da prescrição, em que há uma
estabilização das relações jurídicas, sendo o esquecimento a estabilização do
passado. E também com base em outros ramos do direito, como no direito do
consumidor, que estipula o prazo máximo de cinco anos para os bancos de dados
conservarem informações negativas de inadimplência, e também do direito penal,
na hipótese da reabilitação penal. Prossegue explicando que a liberdade de
imprensa não pode ser absoluta, e que seus dados também não podem ser eternos.
A informação criminal deve ter uma vida útil, qual seja, enquanto durar a causa que
a legitimou. E finaliza:
  90  

"(...) o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que


cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos
em processo criminal, a meu juízo, além de sinalizar uma evolução
humanitária e cultural da sociedade, confere concretude a um
ordenamento jurídico que, entre a memória – que é a conexão do presente
com o passado – e a esperança – que é o vínculo do futuro com o
presente – fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito
ao esquecimento revela sua maior nobreza, afirmando-se, na verdade,
como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal
e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana".

Quanto ao caso concreto, informa que o programa poderia ter sido


realizado contando toda a história da Chacina da Candelária, mas sem mencionar o
nome ou divulgar a imagem do autor, que manifestou o desejo de ser esquecido e
de não querer aparecer. Por conseguinte, manteve a condenação da TV Globo ao
pagamento de R$ 50.000,00, no que foi seguido por unanimidade pelos outros
Ministros da sua Quarta Turma.
A primeira decisão parece acertada. Promoveu-se a ponderação com a
liberdade de expressão e prevaleceu o direito ao esquecimento. Trata-se de uma
pessoa inocente, injustamente acusada por um crime que causou comoção pública e
que, apesar de todo o sofrimento experimentado à época, já estava recuperada, e o
assunto, adormecido. Com a repercussão do programa, o assunto foi novamente
despertado, e seu direito da personalidade, violado. O titular do direito ao
esquecimento era uma pessoa comum, não havia nenhum tipo de interesse público
na sua figura. Apenas o fato de ser o crime célebre não justifica a inclusão de seu
nome na narrativa do ocorrido. Portanto, o caso se enquadra perfeitamente na
definição do direito ao esquecimento. Uma pessoa comum, sem nenhum tipo de
interesse público, e uma notícia que já tinha perdido a sua atualidade.
Absolutamente desnecessária a rememoração do assunto. Neste caso, prevalece o
direito da personalidade sobre a liberdade de expressão. Como o programa foi ao
  91  

ar, o dano efetivamente ocorreu, e portanto foi acertada a condenação da emissora


de televisão a indenizar o autor.
O segundo julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ocorrido na
mesma data, examinou questão envolvendo outro crime famoso, cometido contra a
jovem Aída Curi.
Trata-se de ação de indenização por danos morais, materiais e de
imagem, movida por Nelson Curi e seus irmãos contra a TV Globo. O motivo
alegado é o de que os autores são os únicos irmãos vivos de Aída Curi, vítima de
um crime que ficou nacionalmente conhecido, no ano de 1958. Os autores
sustentam que o crime foi naturalmente esquecido com o passar do tempo, mas que
a produção e veiculação do programa televisivo Linha Direta Justiça sobre a vida e
morte de Aída Curi reabriu antigas feridas.
Cabe lembrar que os dois julgamentos em comento deram-se em razão do
mesmo programa jornalístico, o Linha Direta Justiça.
O juiz de primeiro grau julgou o pedido improcedente e o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença em grau de apelação, com o
fundamento de que a TV Globo cumpriu com a sua função social de informar, e de
que o esquecimento não é o caminho salvador para tudo, sendo muitas vezes
necessário reviver o passado para alertar as novas gerações.
Em recurso especial os irmãos Curi alegaram o direito ao esquecimento
da tragédia familiar que vivenciaram na década de 1950, direito este que foi
violado pela emissora de televisão ao veicular reportagem não autorizada sobre a
morte da irmã.
Novamente o conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da
personalidade. Aqui, mais precisamente uma situação em que não há
contemporaneidade da notícia, já que o crime ocorreu em 1958.
  92  

O Ministro relator reconhece que o direito ao esquecimento é aplicável


no cenário do direito brasileiro. Destaque-se que os dois julgamentos foram feitos
em conjunto. Por isso, explica que o direito ao esquecimento pode ser reconhecido
tanto para condenados que cumpriram pena e para absolvidos de processo-crime
(como no primeiro processo), como também para as vítimas de crimes e seus
familiares, caso não queiram ter lembranças de fatos passados.
No entanto, para reconhecimento do direito ao esquecimento cabe aplicar
a ponderação da historicidade do fato narrado em cada caso concreto. Neste caso, o
Ministro relator entendeu que o direito em tela não alcança os irmãos Curi porque
os acontecimentos entraram para o domínio nacional, e seria impossível retratar o
caso Aída Curi sem a própria. E concluiu que, à medida que o tempo passa, o
esquecimento ocorre naturalmente, a dor diminui, e que, por ter sido veiculada 50
anos depois do crime, a reportagem não causou o mesmo abalo de antes. Assim,
valendo-se da ponderação de valores, entendeu que o direito ao esquecimento seria
desproporcional em relação à liberdade de imprensa.
Com o quê, o voto do relator foi por não dar provimento ao recurso
especial. E foi seguido por maioria de votos.
Entretanto, é importante ressaltar os dois votos divergentes.
A ministra Maria Isabel Gallotti entendeu que não houve interesse
público na veiculação do programa televisivo. A vítima era uma pessoa comum,
não integrou a história do país e não era famosa. Portanto, não existiu razão para
trazer novamente os fatos à tona, 50 anos depois, contra a vontade da família da
vítima, que não autorizou o programa. Entendeu que o programa Linha Direta
Justiça resgatou um assunto que estava de fato esquecido.
Também o Ministro Marco Buzzi divergiu, afirmando que houve
violação do direito ao esquecimento. A família da vítima deveria gozar do
esquecimento, e não rememorar eventos tristes. O programa eternizou uma
  93  

informação desprovida de interesse público ou histórico, sem nenhuma relevância


social.
Apesar da consistência dos dois votos divergentes, a Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial por maioria de
votos e não reconheceu o direito ao esquecimento neste caso.
Com efeito, nem sempre será reconhecido o direito ao esquecimento.
Muitas vezes prevalecerá a importância social ou histórica. Mas não é a hipótese
em questão.
No caso de que se trata, os votos divergentes parecem os mais acertados.
O direito ao esquecimento deveria ter sido aplicado também ao caso. As vítimas
por maior razão merecem o reconhecimento em questão. O programa jornalístico
realmente reavivou um sofrimento que jazia no passado. Conviver novamente com
a dor, cinquenta anos após o crime, foi totalmente desnecessário. Não há interesse
público no assunto e os parentes vivos da vítima não autorizaram a veiculação do
programa. Portanto, a ponderação não foi bem aplicada ao caso. Não poderia ter
prevalecido a liberdade de expressão porque ela encontra limites. A vítima e os
familiares da vítima são pessoas comuns e realmente não havia qualquer relevância
histórica que justificasse tratar daquele assunto novamente. Era um fato
adormecido, e o direito ao esquecimento também deveria ter sido reconhecido neste
caso, prevalecendo o direito da personalidade.
Os dois processos acima tiveram recurso extraordinário e se encontram
no Supremo Tribunal Federal aguardando julgamento, tendo o segundo caso
originado o reconhecimento de repercussão geral do tema.
A ação proposta pelos irmãos Curi chegou ao Supremo Tribunal Federal.
Paralelamente ao recurso especial (que foi denegado), os irmãos interpuseram
recurso extraordinário, mas como este teve negado seu seguimento, os autores
tiveram de interpor agravo para garantir a sequência do recurso. Defenderam,
  94  

também, o reconhecimento de repercussão geral da matéria, no caso o direito ao


esquecimento, por ser um aspecto da dignidade da pessoa humana, o que seria um
precedente inédito no âmbito do direito ao esquecimento, já que analisado na esfera
civil e sob a perspectiva da vítima.
O Ministro Dias Toffoli, relator do processo, manifestou-se pelo
reconhecimento de repercussão geral da matéria constitucional e foi seguido pela
maioria do Supremo Tribunal Federal239. O Ministro entendeu que o tema do
direito ao esquecimento apresenta nítida densidade constitucional e extrapola os
interesses das partes.
Desta forma, somente após o julgamento do Supremo Tribunal Federal se
formará uma nova concepção do direito ao esquecimento das vítimas ou familiares
de vítimas de atos ilícitos que desejam ser deixados em paz. Mas, ressalte-se, esta
não é a única vertente do direito ao esquecimento.

6.2. Decisões sobre o direito ao esquecimento em países estrangeiros.

No âmbito do direito comparado, o "Caso Lebach", julgado pelo Tribunal


Constitucional Federal da Alemanha em 05 de junho de 1973, é um dos mais
emblemáticos sobre o direito ao esquecimento. Tem semelhança com os
julgamentos sobre o tema proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, analisados
no tópico anterior, tendo sido até citado naqueles julgamentos, e, conforme será
examinado adiante, é precursor da aplicação do critério da ponderação.
O julgamento tem como origem um crime em que quatro soldados foram
mortos enquanto dormiam. Os assassinos pretendiam se apoderar das armas e
munições. Todos foram presos e condenados; os autores principais, à pena de
                                                                                                               
239
A Ministra Cármen Lúcia não se manifestou e o Ministro Marco Aurélio foi contrário ao
reconhecimento da repercussão geral do caso.
  95  

prisão perpétua, e um partícipe, a seis anos de reclusão, no ano de 1970.


Alguns anos depois, a emissora de televisão alemã ZDF planejava exibir
um documentário com o nome "O assassinato de soldados em Lebach", em que
contaria toda a história do crime, desde a sua preparação, planejamento e execução.
Mas o partícipe do crime, que estava próximo de ser libertado, ingressou com ação
requerendo que o programa não fosse exibido. Inicialmente, a ação foi julgada
improcedente, sob o fundamento da historicidade dos fatos e do interesse da
informação. A decisão foi mantida pelo tribunal em segundo grau.
O Tribunal Constitucional Federal cassou as duas decisões e entendeu,
valendo-se do critério da ponderação, que o interesse público não seria mais atual e
que o interesse da informação não prevalecia, em razão da passagem do tempo.
Assim, a decisão foi no sentido de que o programa não fosse exibido e em favor da
ressocialização do criminoso, que deveria ser esquecido240.
Existe, no entanto, um segundo "Caso Lebach", mais recente, em que a
decisão foi totalmente diversa.
Em 1996, a televisão alemã SAT 1 produziu alguns documentários sobre
crimes célebres, entre eles o crime de Lebach. Porém, temendo decisão similar
àquela proferida na década de setenta, alterou o nome das pessoas envolvidas e não
exibiu suas imagens. Neste caso, a própria emissora de televisão ingressou com
reclamação constitucional em favor da exibição do programa, com base na
liberdade de expressão. O Tribunal Constitucional Federal decidiu pela exibição
porque entendeu que o documentário não tinha nenhum elemento que identificasse
os autores do crime. Entendeu também que, após trinta anos do ocorrido, a
ressocialização já se concretizara. Portanto, neste caso, também mediante

                                                                                                               
240
Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, Trad. Virgílio Afonso da Silva, 2ª ed., São
Paulo: Malheiros, 2011, p. 100.
  96  

sopesamento, decidiu-se pelo direito à liberdade de expressão241.


Nos Estados Unidos também existem alguns célebres julgamentos sobre
o direito ao esquecimento.
O primeiro deles é do ano de 1931 e foi julgado no Tribunal de Apelação
da Califórnia. Trata-se do caso Melvin versus Reid. A apelante, Gabrielle Darley,
tinha sido prostituta durante anos e também fora absolvida de uma acusação de
homicídio, em 1918. Acabou casando-se com Bernard Melvin, passou a levar uma
vida digna e honrada e tornou-se pessoa bem conceituada entre os amigos do casal.
Porém, em 1925 o produtor de cinema Reid fez um filme contando a história de
Gabrielle e usou o seu nome real. Com a publicidade do caso, Gabrielle se sentiu
ofendida e ingressou com ação pleiteando reparação de danos ao seu direito à
intimidade. O Tribunal deu ganho de causa à apelante, reconhecendo o direito ao
esquecimento, mas sem referir-se a ele expressamente242.
Importante trecho da sentença sobre o caso Melvin versus Reid diz o
seguinte: "qualquer pessoa que teve uma vida reta tem o direito à felicidade, que
inclui ver-se livre de ataques desnecessários sobre o seu caráter, consideração
social e reputação"243.
Outro caso importante foi julgado pelo Tribunal de Nova Iorque, mas em
sentido contrário.
Em 1910, William James Sidis, aos onze anos de idade, era conhecido
como um "menino prodígio"; já discutia com ilustres matemáticos e aos dezesseis
anos formou-se na Universidade de Harward, tornando-se figura ilustre.
Entretanto, desapareceu da vida pública e não foi mais lembrado pela imprensa

                                                                                                               
241
Ingo Wolfgang Sarlet, Do caso Lebach ao caso Google vs. Agencia Espanhola de Proteção de
Dados, Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jun-05/direitos-fundamentais-lebach-
google-vs-agencia-espanhola-protecao-dados-mario-gonzalez, Acesso em 03/09/2015.
242
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 90-91.
243
Miguel Urabayen, Vida privada e informacion, cit., p. 124.
  97  

local. Em 1937, o jornal The New Yorker publicou notícia relatando a vida daquele
jovem que não mais revelava seus antigos êxitos, para levar uma vida isolada num
bairro pobre, cheio de manias e taras. Sidis ficou inconformado com a publicação e
ingressou com ação de reparação de danos. Neste caso concreto, o Tribunal
entendeu que havia interesse público na notícia e decidiu pela liberdade de
imprensa. Willian Sidis morreu logo após perder a causa244.
No Canadá, especificamente em Quebec, existe um caso de 1889, o caso
Goyette versus Rodier, em que já se discutiu o direito ao esquecimento. A Corte
Superior de Quebec reconheceu o direito ao esquecimento ao considerar que o
jornal Le Violon cometeu erro de fato ao reavivar certas acusações contra Odilon
Goyette após um largo período de tempo desde a ocorrência. O direito ao
esquecimento foi reconhecido com base no princípio da responsabilidade civil.
Assim, até hoje, o entendimento da doutrina local é de que recordações de
acontecimentos passados, inexistindo interesse público, podem ocasionar dano à
vida privada de terceiros, e de que a responsabilidade nasce com a disponibilização
do acesso em massa a informações sobre pessoas e sobre fatos a elas relacionados.
Exige-se que, com o passar do tempo, uma informação que no passado teria sido
atual, caia no esquecimento e no anonimato245.
Na França, o direito ao esquecimento foi consagrado, em julgamento de
1983, pelo Tribunal de Grande Instância de Paris. Trata-se do caso Filipachi versus
Cogedipresse. A decisão diz o seguinte:

"Tendo em conta que qualquer pessoa que se viu envolvida em


acontecimentos públicos pode, com o tempo, reivindicar o direito ao
esquecimento; que a recordação desses acontecimentos e do papel que
ela desempenhou nisso é ilegítima se não se fundar nas necessidades da
história ou se puder ser de natureza a ferir a sua sensibilidade; tendo em
                                                                                                               
244
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., , p. 91-92.
245
Pere Simón Castellano, El reconocimiento, cit., p. 104.
  98  

conta que o direito ao esquecimento que se impõe a todos, incluindo os


jornalistas, deve igualmente beneficiar todos, incluindo os condenados
que pagaram sua dívida à sociedade e nela tentam reinserir-se"246.

Do relato de tantos casos antigos, retro mencionados, extrai-se que o


assunto direito ao esquecimento não é propriamente uma novidade. Mas alcançou
maior importância com a evolução das formas de divulgação das informações e
com o avanço da tecnologia digital. A jurisprudência estrangeira há muito tempo já
discutia o tema, que veio a conquistar mais espaço com a questão da proteção de
dados digitais.

                                                                                                               
246
A decisão foi transcrita por François Ost, O tempo do direito, cit., p. 171.
  99  

7. O esquecimento na era da globalização e da Internet.


 

7.1. Livre acesso à informação nos motores de busca.

O tema do direito ao esquecimento se torna mais complexo quando


aplicado à internet, e esta discussão merece destaque
Nos tempos atuais já não se pode mais utilizar a velha frase: "o jornal de
hoje embrulha o peixe de amanhã". A frase era coerente nos tempos em que as
notícias eram divulgadas pela mídia impressa. O passar do tempo trazia o
esquecimento natural dos fatos.
Mesmo quando a divulgação se dava por rádio ou televisão, o
esquecimento natural também sobrevinha. Daí não haver tanto motivo para
preocupação. Por vezes se produziam novos programas retratando eventos do
passado, que acabavam trazendo à tona certas questões. Mas era exceção, não uma
regra. Tanto que os casos concretos de direito ao esquecimento eram muito mais
reduzidos, conforme exemplificado pelos julgados descritos.
Já as notícias hoje publicadas por meio da internet tornam-se perenes e se
contrapõem ao chamado direito ao esquecimento, pois não se pode olvidar o que
nela é difundido, sejam informações boas ou negativas.
O avanço da tecnologia digital alterou profundamente a exposição da
vida pessoal dos indivíduos em geral. O acesso à internet pode ser feito não apenas
por computadores, mas também por celulares ou tablets, que permitem conexão a
qualquer hora do dia e em qualquer local.
A propagação das redes sociais fomenta o interesse pela vida particular
alheia, como se verifica no Facebook ou em grupos de WhatsApp. Estas redes
fazem nascer uma exposição muito maior do que a existente antigamente. No
passado havia apenas a busca pela vida privada de celebridades. Hoje se percebe
  100  

uma crescente busca pela vida privada de pessoas anônimas. O público passou a ter
uma curiosidade muito maior acerca de informações de particulares em razão da
proliferação das redes sociais.
É comum que uma pessoa não queira mais ser lembrada de algo que, com
a velocidade da internet, poderá persegui-la pelo resto de sua vida. As novas
tecnologias permitem alcançar o passado das pessoas que até então se encontrava
preso apenas na memória individual. Essa propagação indiscriminada de notícias
pode gerar uma série de transtornos247.
Certamente é bastante complicado implementar algum meio de
fiscalização ou controle neste âmbito, uma vez que existe uma série de empecilhos
técnicos para se barrar esta disseminação. Sites de busca como Google, Yahoo,
Altavista e Bing apenas direcionam para outros sites, nos quais as notícias são
efetivamente veiculadas. São ferramentas desenvolvidas para auxiliar na procura de
informações armazenadas na internet, permitindo que uma pessoa solicite o
conteúdo de acordo com um critério específico, mediante o uso de palavras ou
frases, e seja direcionada para diversos sites.
O presidente-executivo do conselho do Google já afirmou, em um evento
na Universidade de Nova Iorque, ocorrido em maio de 2013, que a internet

                                                                                                               
247
Maria Celina Bodin de Morais e Carlos Nelson Konder (Dilemas, cit., p. 287) dissertam sobre
os problemas enfrentados com o uso das novas tecnologias digitais: "um desafio que, grandes e
pequenos, enfrentam milhões de pessoas em todo o mundo: a melhor forma de viver nossas vidas
em um mundo onde a internet grava tudo e não se esquece de nada - onde todas as fotos online,
atualização de status, Twitter e posts em blogs por e sobre nós não pode ser armazenada para
sempre. Com sites como Facebook LOL Moments, que coleta e compartilha embaraçosas
revelações pessoais de usuários do Facebook, fotos em situações difíceis e bate-papos online
voltam para assombrar as pessoas meses ou anos após a foto. Os exemplos se multiplicam
diariamente: o da garota britânica, que foi demitida de seu emprego em um escritório por ter
escrito no Facebook que estava totalmente entediada, o psicoterapeuta de 66 anos de idade,
canadense, que tentou entrar nos Estados Unidos, mas foi barrado na fronteira - e
permanentemente impedido de visitar o país - depois de ser objeto de pesquisa de um guarda de
fronteira na internet que descobriu que o terapeuta tinha escrito um artigo em uma revista de
filosofia, descrevendo suas experiências com LSD 30 anos atrás".
  101  

precisaria de um mecanismo para apagar informações de forma permanente,


abrindo um debate sobre o tema. Segundo Eric Schimidt: "Há momentos em que a
remoção desse conteúdo é a coisa certa a se fazer. Mas como decidirmos? Temos
que debater isso agora". O executivo citou o exemplo de um jovem que comete um
crime, vai para o reformatório e é libertado. De acordo com o sistema judicial
norte-americano, o delito será removido de seus registros na fase adulta. Mas a
providência não alcançará a internet. Informações sobre o crime permanecerão e
certamente o prejudicarão na busca de um emprego248.
Este é um grande problema, pois não é o provedor da ferramenta de
busca que deverá tomar este tipo de decisão, mas aquele indivíduo que não mais
deseja ter um conteúdo pessoal divulgado eternamente.
Dever-se-ia reconhecer, no âmbito da internet, um chamado direito ao
esquecimento digital, de modo que também se pudessem suprimir ou alterar
informações sem qualquer interesse público e sem atualidade.
Juan Antonio Gallo Sallent249 define o direito ao esquecimento digital
como: "aquel derecho fundamenal dicen algunos, que tienen las personas a que los
enlaces que existen sobre ellas en los buscadores, que les prejudiquem y no sean
pertinentes, puedan ser retirados de Internet".250 Destaque-se que o conceito frisa a
possibilidade da retirada apenas do link encontrado no site de busca e não da
informação original251.

                                                                                                               
248
Disponível em, http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/05/1274141-a-internet-precisa-de-um-
botao-deletar-diz-eric-schmidt-do-google.shtml, Acesso em 26/12/2015.
249
Juan Antonio Gallo Sallent, El derecho al ovido en internet: del caso Google al big data,
Estados Unidos: Createspace, 2015, Edição Kindle, Posição 106.
250
Tal conceito foi formulado após decisão do Tribunal de Justiça Europeu contra o site Google,
que será examinada mais adiante.
251
De acordo com Sallent (El derecho al ovido en internet, cit., Posição 215), o direito ao
esquecimento digital tem "el corpus del derecho a la proteción de datos y el ánima del derecho a
la intimidad". No mesmo sentido Alejandro Touriño (El derecho al olvido y a la intimidad en
internet, Madrid: Catarata, 2014, p. 140) conceitua o chamado derecho al olvido como "derecho
  102  

Para tanto, deveria ser criado um mecanismo possibilitando a supressão,


ocultação ou mesmo o cancelamento de certas informações. Tanto de dados
pessoais como de notícias antigas, publicadas no passado252.
Viktor Mayer-Schönberger253 propõe como solução para o esquecimento
digital um método pelo qual todas as informações colocadas na internet tenham
uma data de validade. O objetivo seria mudar o padrão da forma de retenção da
informação, para que seja possível excluí-la depois de um determinado período de
tempo.
Isto posto, tem-se que o direito ao esquecimento digital deva ser uma
categoria diferenciada das demais, porque requer uma tecnologia avançada para
que a supressão de dados digitais seja realmente alcançada.

7.2. Possibilidade de imposição de controle como garantia do direito ao


esquecimento e o chamado direito de apagar dados.

Como a internet propaga as informações de maneira avassaladora, e é


necessário impor um controle, para evitar a violação de direitos da personalidade, é
necessária a chamada proteção de dados pessoais para coibir abusos. Tal proteção
pode ser denominada de direito à autodeterminação informativa, abarcando
também o direito ao esquecimento na seara da informática.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
del individuo a eliminar o hacer inaccesibles ciertos datos o información publicados en el
entorno digital y que se encuentran indexados por buscadores de internet".
María Álvarez Caro acrescenta (Derecho al olvido en internet: el nuevo paradigma de la
privacidad en la era digital, Madrid: Reus, 2015, p. 72): "el derecho al olvido contempla la
garantía de privacidad, reforzando el derecho de cancelación de datos de las personas en la Red.
A través de esta propuesta se busca establecer un marco más sólido y coherente, que otorgue a
las personas el control de sus propios datos, reforzando la confianza en los mismos y la
seguridad jurídica".
252
Neste sentido: Pere Simón Castellano, El régimen constitucional del derecho al olvido digital,
cit., Posição 1902.
253
Viktor Mayer-Schönberger, Delete: the virtue of forgetting in the digital age, Princeton
University Press, 2011, p. 198.
  103  

O direito à autodeterminação é faculdade proporcionada ao particular,


que poderá determinar e controlar os seus próprios dados254.
As figuras do direito ao esquecimento diferenciam-se do chamado direito
de apagar dados e também do direito de ser deixado em paz, na concepção de
Otavio Luiz Rodrigues Junior255. Para o autor, o direito ao esquecimento apenas
impede a divulgação jornalística de certos fatos passados sobre a vida de pessoas.
Já o direito de apagar dados funda-se na ideia de apagar símbolos, registros,
imagens, monumentos ou textos históricos. Com relação ao direito de ser deixado
em paz, este se baseia em acontecimentos históricos e em mudanças políticas e
sociais. Os indivíduos têm direito à autodeterminação, às suas relações íntimas,
sem conexão com o exercício de qualquer função pública.
Entendemos que todas estas figuras podem se fundir, em algumas
circunstâncias. O fato de uma pessoa não querer ser lembrada de um episódio
pretérito, que não interessa à curiosidade de ninguém, configura, também, o direito
ao esquecimento. Quando se trata de apagar dados que trazem à tona assuntos já
esquecidos e que não devam ser rememorados, a figura também deve ser vista
como a mesma, pois se constitui apenas em mais uma perspectiva do tema do
direito ao esquecimento, conforme explanado.
No entanto, da mesma forma que sob outras perspectivas do direito ao
esquecimento, quando a informação a ser esquecida tiver como origem a internet, o
reconhecimento do direito ao esquecimento também estará submetido a limites.
Alguns valores deverão ser sopesados e acabarão prevalecendo. É o caso do
chamado Big Data: são as chamadas informações que podem ser associadas para
impor um conteúdo de relevância em relação à soberania nacional, que prevalecerá
                                                                                                               
254
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito, cit., p. 515.
255
Otavio Luiz Rodrigues Junior, Direito a ser deixado em paz, a ser esquecido e de apagar
dados, Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-jun-04/direito-deixado-paz-esquecido-
apagar-dados, Acesso em 29/10/2015.
  104  

em relação ao esquecimento. São fatos que envolvem assuntos como a prevenção


de doenças, a pedofilia, o terrorismo e também o racismo, por exemplo 256.
Devem-se ponderar caso a caso os valores envolvidos, e pode ocorrer de
o direito ao esquecimento ter de ser sacrificado em favor da liberdade de
informação. Mas se a divulgação da notícia não tiver nenhum interesse público, a
sua permanência na internet de forma perene poderá agravar seriamente a ofensa ao
direito de intimidade da pessoa.
Diante do exposto, importante tratar também neste trabalho da proteção
de dados.
Há de se destacar o direito mexicano, que é precursor e já tem lei federal
sobre a proteção de dados, regulando assim, expressamente, o direito ao
esquecimento digital. É a chamada Ley Federal De Protección De Datos
Personales En Posesión De Los Particulares, publicada em 05 de julho de 2010,
que dispõe que toda pessoa tem direito a proteção de seus dados pessoais, ao
acesso, retificação e cancelamento destes, além de poder manifestar oposição à sua
divulgação.
O artigo 11 da referida lei diz o seguinte:

"El responsable procurará que los datos personales contenidos en las


bases de datos sean pertinentes, correctos y actualizados para los fines
para los cuales fueron recabados.
Cuando los datos de carácter personal hayan dejado de ser necesarios
para el cumplimiento de las finalidades previstas por el aviso de
privacidad y las disposiciones legales aplicables, deberán ser
cancelados.
El responsable de la base de dato estará obligado a eliminar la
información relativa al incumplimiento de obligaciones contractuales,
una vez que transcurra un plazo de setenta y dos meses, contado a partir
de la fecha calendario en que se presente el mencionado
incumplimiento".
                                                                                                               
256
Cíntia Rosa Pereira de Lima, Direito ao esquecimento e internet, cit., p. 511-543.
  105  

Na Argentina, o regime de proteção de dados é regulado por meio da Lei


N° 25.326, de outubro de 2000, que sofreu algumas alterações em seu conteúdo e é
considerada uma das mais desenvolvidas. A lei determina a organização de dados
pessoais que estejam sendo tratados ou transformados, eletronicamente ou não, em
qualquer condição, forma de armazenamento, disposição ou acesso. Regula
também a questão da qualidade, da segurança e do consentimento do titular dos
dados, bem como de seus direitos, tais como à informação, ao acesso, à alteração e
até à suspensão da veiculação257.
No Canadá já existe legislação que trata parcialmente da proteção de
dados. É a chamada Pipeda: Personal Information Protection and Electronic Data
Act, que entrou em vigor em 2004 e regulamenta a utilização das informações
eletrônicas naquele país. Resumidamente, as informações privativas devem ser
disponibilizadas aos clientes, e toda e qualquer organização deve manter em seu
quadro um responsável por privacidade e segurança da informação258.
A proteção de dados também já está parcialmente presente nos
ordenamentos de alguns países da Europa.
Em Portugal, a Constituição da República a prevê de forma expressa em
seu artigo 35:

"Utilização da informática
1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados
que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização,
e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei.
2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições
aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e
utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade

                                                                                                               
257
Disponível em http://www.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/60000-
64999/64790/texact.htm, Acesso em 28/11/2015.
258
Disponível em http://laws-lois.justice.gc.ca/eng/acts/P-8.6/index.html, Acesso em 28/11/2015.
  106  

administrativa independente".

A proteção de dados pessoais também está prevista nas normas


constitucionais da Espanha 259 , da Holanda 260 e também da Grécia 261, além de
existirem órgãos reguladores voltados para o tema , como a Commission Nationale
de L'Informatique et des Libertés, francesa, o Garante per Protezione dei Dati
Personali, italiano, e a Agencia Española de Protección de Datos, da Espanha262.
Atualmente, para a União Europeia, no que diz respeito a proteção de
dados pessoais, está em vigor, desde o ano de 1995, a Diretiva 95/46, que trata do
processamento e da circulação de dados pessoais.
De acordo com a Diretiva 95/46, os sistemas de tratamento de dados
estão a serviço do homem e devem respeitar os direitos fundamentais, inclusive o
direito à privacidade263.
Foi nesta Diretiva que o Tribunal de Justiça da União Europeia se
fundamentou para julgar o caso Google Spain versus Agencia Española de
Proteccion de Dados e Mario Costeja González, um julgamento que se tornou
emblemático e trouxe à tona o chamado direito ao esquecimento. A tal julgamento
será dedicado um capítulo mais adiante.
Quanto à Diretiva 95/46, a União Europeia discutiu sobre a perenização

                                                                                                               
259
O artigo 18.4 da Constituição espanhola diz: 4. "La ley limitará el uso de la informática para
garantizar el honor y la intimidad personal y familiar de los ciudadanos y el pleno ejercicio de
sus derechos".
260
A Constituição da Holanda prevê o mesmo em seu artigo 10.
261
A Grécia tem previsão similar no artigo 19 A de sua Constituição.
262
Daniel Sarmento, Liberdades comunicativas e direito ao esquecimento na ordem
constitucional brasileira, Disponível em
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/2/art20150213-09.pdf, p. 46, Acesso em 30/11/2015.
263
Nos termos das Considerações Iniciais, de número 2, da Diretiva 95/46: "Considerando que os
sistemas de tratamento de dados estão ao serviço do Homem; que devem respeitar as liberdades e
os direitos fundamentais das pessoas singulares independentemente da sua nacionalidade ou da
sua residência, especialmente a vida privada, e contribuir para o progresso económico e social, o
desenvolvimento do comércio e o bem-estar dos indivíduos".
  107  

de informações pessoais em poder de terceiros e o controle de seu uso,


especialmente na internet, e a reformou.
Viviane Reding, em 25 de janeiro de 2012, enquanto Vice-Presidente da
Comissão Europeia, apresentou uma proposta de revisão da Diretiva 95/46, para
que o direito ao esquecimento dos usuários da internet fosse expressamente
regulamentado264. Segundo a então Vice-Presidente:

"A proteção dos dados pessoais é um direito fundamental de todos os


europeus, mas os cidadãos nem sempre sentem que controlam
plenamente os dados que lhes dizem respeito. As nossas propostas
contribuirão para criar um clima de confiança nos serviços em linha
porque as pessoas estarão melhor informadas sobre os seus direitos e
controlarão melhor as informações que lhes dizem respeito. A presente
reforma cumprirá esse objetivo, simplificando a vida das empresas e
reduzindo as suas despesas. Um quadro jurídico sólido, claro e uniforme
a nível da UE contribuirá para libertar o potencial do mercado único
digital e promover o crescimento económico, a inovação e a criação de
emprego".

O direito ao esquecimento aparece na proposta sob o fundamento de que


ela ajudará as pessoas a gerirem melhor os riscos em matéria de proteção de dados
na internet, com a ressalva de que os indivíduos poderão obter a supressão dos seus
dados se não existirem motivos legítimos para a sua conservação265.

                                                                                                               
264
Disponível em, http://europa.eu/rapid/press-release_IP-12-46_pt.htm, Acesso em 26/12/2015.
265
O direito ao esquecimento consta do artigo 17 da proposta com a seguinte redação: "O artigo
17º confere ao titular dos dados o direito a ser esquecido e ao apagamento. Desenvolve e
especifica mais detalhadamente o direito de apagamento consagrado no artigo 12º, alínea b), da
Diretiva 95/46/CE, e prevê as condições do direito a ser esquecido, incluindo a obrigação do
responsável pelo tratamento que tornou públicos os dados pessoais de informar os terceiros sobre
o pedido da pessoa em causa de apagamento de quaisquer ligações para esses dados, ou cópias ou
reproduções que tenham sido efetuadas. Este artigo integra igualmente o direito à limitação do
tratamento em determinados casos, evitando o termo ambíguo de bloqueio". Disponível em
http://ec.europa.eu/justice/data-protection/document/review2012/com_2012_11_pt.pdf, Acesso
em 26/12/2015.
  108  

A proposta de reforma dispõe ainda que o direito ao esquecimento seja


aplicado mesmo nas hipóteses em que os dados pessoais sejam tratados no exterior
por empresas que operam no mercado da União Europeia e que ofereçam serviços
aos seus cidadãos. Portanto, a nova diretiva atingiria outros países, no que diz
respeito aos sites e aos motores de busca que ofereçam serviços aos europeus.
A proposta permaneceu por algum tempo em fase de negociações e foi
objeto de inúmeras discussões, mas, finalmente, no dia 15 de dezembro de 2015,
chegou-se a um acordo derradeiro com o Parlamento Europeu e com o Conselho
Europeu, já com a promessa de redação do texto final para o início de 2016 e plena
vigência em meados de 2018266.
Com a vigência da alteração da Diretiva 95/46, o direito ao esquecimento
estará expresso e será plenamente tutelado na União Europeia, podendo alcançar
inclusive os países estrangeiros, na hipótese de empresas que prestam seus serviços
nos países europeus.
Espera-se que a alteração realmente seja implementada, uma vez que, da
forma que o apagamento de dados é operado hoje na Europa, não há uma função
prática, pois os dados são apagados naquele continente e mantidos em outros
países. Com a nova legislação, a obrigação de apagamento poderá ser imposta fora
do continente, às prestadoras de serviço estrangeiras que atuarem na Europa.
Assim, finalmente, o direito ao esquecimento poderá atuar de maneira completa.

                                                                                                               
266
Disponível em, http://europa.eu/rapid/press-release_IP-15-6321_pt.htm, Acesso em
26/12/2015.
  109  

7.3. Jurisprudência da Europa.

7.3.1. Tribunal Alemão.

Na Alemanha o direito à proteção de dados foi consagrado através de


importante julgado, proferido em 1983. Foi discutida a constitucionalidade de lei
federal sobre o censo, que determinava o preenchimento de um questionário com
dados pessoais e o seu envio para o governo local. O Tribunal alemão reconheceu a
constitucionalidade da maioria dos dispositivos legais, mas invalidou aqueles que
possibilitavam a identificação do cidadão que enviasse os dados. O fundamento da
decisão foi o seguinte: "as pessoas devem ser protegidas da busca ilimitada,
armazenamento, uso e transmissão de dados pessoais, como condição para o livre
desenvolvimento da personalidade, considerando as condições modernas de
processamento de dados (...) sendo facultado ao indivíduo determinar por si quando
o Estado pode usar ou divulgar os seus dados pessoais"267.
O Tribunal alemão foi um verdadeiro precursor do assunto em um tempo
em que a informática estava apenas começando e a internet sequer estava
disponível para o grande público, quanto menos os sites de busca. Outras decisões
no mesmo sentido foram proferidas posteriormente.
Por outro lado, há um exemplo em que o direito ao esquecimento não foi
reconhecido na Alemanha. Em 1993, o ator alemão Walter Sedlmayr foi
assassinado por dois homens, que foram presos e condenados. Os dois cumpriram
pena de prisão, de 14 e 15 anos. Após serem soltos, nos anos de 2007 e 2008,
ingressaram com ação contra vários sites, entre os quais o alemão Der Spiegel e o
Wikipedia em inglês e alemão, por mencionarem seus nomes e os qualificarem
como assassinos. O Wikipedia em inglês se recusou a apagar os nomes. Como a
                                                                                                               
267
Daniel Sarmento, Liberdades, cit., p. 46.
  110  

matriz está localizada nos Estados Unidos, se defendeu com base na Primeira
Emenda da constituição americana. Já na Alemanha, o tribunal de Hamburgo
inicialmente concluiu, em 2008, que a menção dos nomes em artigos de arquivo
violavam os direitos de privacidade dos autores. O fundamento foi uma decisão de
1973, segundo a qual as pessoas têm o direito de não terem suas condenações
publicadas após o cumprimento da pena. Por esse motivo, os editores do Wikipedia
alemão retiraram os nomes do website. Mas, em 2009, a Corte Constitucional
Alemã reverteu a decisão sob o argumento de que tal ato era uma restrição à
liberdade de imprensa estabelecida na constituição, e que os dois assassinos teriam
de aceitar um certo grau de intromissão em suas privacidades. A decisão foi tomada
levando em conta o alto custo que o Wikipedia teria por ser obrigado a remover as
informações de todos os arquivos inseridos no website. Após a decisão, o
Wikipedia alemão voltou a inserir os nomes dos dois em seu conteúdo268.
Esta decisão não poderia ser proferida atualmente, diante da
jurisprudência formada pelo Tribunal de Justiça europeu e também da alteração da
Diretiva 95/46, à qual a Alemanha é país vinculado. A decisão é absolutamente
contrária ao direito ao esquecimento. Os indivíduos cumpriram suas penas e
portanto teriam o direito à ressocialização, que jamais será completada se os dados
continuarem circulando na internet. Assim, configurou-se a violação a um direito
da personalidade, pois, neste caso, os fatos já teriam perdido a atualidade. Foram
crimes cometidos quase vinte anos antes. Deveria ter sido reconhecido o direito ao
esquecimento.

                                                                                                               
268
Laura Ferola, Riservatezza, oblio, contertualizzazione: come é mutata lídentità personale
nell'era di internet, in Franco Pizzete, Il caso del diritto all'oblio, cit., p. 216.
  111  

7.3.2. O caso contra o Google.

O tema do direito ao esquecimento digital teve destaque mundial no


momento em que uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia atingiu a
mais popular ferramenta de buscas na internet, o Google.
O caso se refere ao espanhol Mario Costeja González, um advogado que
teve seu apartamento residencial na cidade de Barcelona penhorado e levado à
hasta pública, em razão de dívidas com a seguridade social espanhola. Em 1998, o
jornal La Vanguardia noticiou a venda em sua página de leilões públicos. No
entanto, a venda judicial acabou não se realizando porque a dívida foi quitada a
tempo. Mas a notícia da execução contra o Sr. Mario Costeja González ficou
disponível no motor de buscas do Google.
Em 2009, onze anos depois, o advogado procurou o jornal com o pedido
de que seu nome não mais aparecesse no motor de buscas, mas não foi atendido,
sob o argumento de que a publicação se deu por solicitação da seguridade social.
Em 2010, ele tentou remover a notícia mediante solicitação ao Google
Espanha. Mais uma vez o pedido foi rejeitado.
Posteriormente, fez uma reclamação à chamada Agencia Española de
Protección de Datos contra o jornal La Vanguardia e o Google Espanha. Solicitou
que as páginas eletrônicas sobre sua execução fossem suprimidas ou que sua leitura
não pudesse ser feita por terceiros. Alegou como motivo não haver mais sentido na
divulgação de um processo tão antigo e que a divulgação estava lhe trazendo
prejuízos.
A decisão da Agência foi que o jornal não seria atingido porque apenas
publicou o anúncio por ordem da seguridade social. Já o Google deveria remover
os dados, por implicar sua manutenção em lesão ao direito fundamental de proteção
dos dados e à dignidade das pessoas.
  112  

O Google Espanha, em conjunto com a matriz Google Inc. não se


conformou e recorreu à Audiência Nacional da Espanha. Esta, por sua vez,
devolveu a matéria ao Tribunal de Justiça da União Europeia por entender tratar-se
de matéria envolvendo a mencionada Diretiva 95/46, que dispões sobre o
tratamento de dados pessoais.
Finalmente, em 13/05/2014, Mario Costeja González obteve o amparo da
Diretiva 95/46, porque o serviço em questão é uma forma de tratamento de dados e
a empresa tem responsabilidade por aquilo que pode afetar os direitos fundamentais
à vida privada e à proteção de dados. Entendeu-se também que, apesar de ser norte-
americana, a matriz do Google está sujeita à legislação europeia porque possui filial
prestando serviços na Espanha.
Assim, decidiu-se pelo direito ao apagamento de dados na internet, e,
com relação ao pedido específico do autor, este tornou-se exemplo da inadequação
de se manterem dados na rede com o passar do tempo.
O fundamento da decisão foi a proteção de dados pessoais prevista na
Diretiva 95/46, da União Europeia. Mas, conforme comentado, já foi aprovada
alteração de tal dispositivo, para nele incluir de forma expressa o direito ao
esquecimento.
De qualquer modo, aquela decisão fez com que o direito ao esquecimento
fosse propagado por toda a Europa, pois não alcançou apenas o Sr. Mario Costeja
González, mas a todos os europeus que por motivos justos desejem que seus dados
sejam apagados da internet. E não apenas em relação ao Google, mas a todos os
outros serviços semelhantes.
O Tribunal europeu entendeu que, com o passar do tempo, a manutenção
de dados deveria ser admitida somente em casos muito especiais, tais como os de
interesse público, os dados científicos ou, então, os dados de valor histórico.
A partir do julgamento, o Google lançou um formulário on-line acessível
  113  

a todos os interessados em solicitar remoção de dados. Em 24 horas houve 12 mil


pedidos269. Em julho de 2015, mais de um ano depois, o Google avaliou mais de
290 mil pedidos e retirou do ar mais de um milhão de informações270.
Conforme explicado, a decisão alcançou apenas os europeus e não pode
afetar o restante do mundo. Apesar disso, em 24/07/2015, a Comissão Nacional de
Informática e das Liberdades francesa solicitou ao Google que removesse de seus
mecanismos de todo o mundo os dados de cidadãos franceses que pediram
judicialmente a remoção. Este pedido, de certa forma, pretende ampliar o escopo do
direito ao esquecimento, pois a decisão proferida pelo Tribunal europeu vinha
sendo aplicada somente nas páginas dos países europeus, de modo que os dados
que foram bloqueados na Europa podiam ser visualizados em outras regiões do
mundo. Esse é o principal motivo para que algumas autoridades de países da
Europa considerem que o Google está violando a lei271.
No entanto o Google não concordou com o pedido por entender que,
embora o direito ao esquecimento seja aplicado na Europa, não é possível estendê-
lo a outros países272.
Outro grande problema é o fato de que análise dos pedidos de supressão
de dados é feita pelo próprio Google, e este encontra dificuldades. Por exemplo, o
Google divulgou uma pesquisa demonstrando que grande parte destes pedidos
vieram de pedófilos e políticos acusados de corrupção273.

                                                                                                               
269
Disponível em, http://www.conjur.com.br/2014-jun-26/google-comeca-remover-links-buscas-
europa, Acesso em 29/10/2015.
270
Disponível em, http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/o-direito-de-ser-esquecido-e-um-
bem-que-pode-fazer-mal/, Acesso em 29/10/2015.
271
Disponível em, http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/07/1662342-franca-ordena-
google-a-aplicar-direito-a-ser-esquecido-em-todo-o-mundo.shtml, Acesso em 29/10/2015.
272
Disponível em, http://www.conjur.com.br/2015-jul-30/pedido-direito-esquecimento-global-
desproporcional-google, Acesso em 29/10/2015.
273
Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/o-direito-de-ser-esquecido-e-um-
bem-que-pode-fazer-mal/, Acesso em 29/10/2015.
  114  

Atualmente, ao se realizar uma consulta em qualquer computador do


mundo utilizando o motor de busca Google de algum país europeu, pode-se
encontrar uma situação de supressão de dados. Tal possibilidade já consta em
aviso. Por exemplo, ao se fazer uma consulta no Google da Espanha (mesmo por
meio de um computador localizado fora daquele país) será exibido o seguinte
aviso: "Alguns resultados podem ter sido removidos, em cumprimento a legislação
de proteção de dados da Europa". O site traz também uma explicação de como é
feita a remoção de dados pessoais do usuário e quais os procedimentos necessários.
Mas, conforme mencionado, a remoção é acessível apenas a cidadãos europeus.
Por outro lado, tal situação só se verifica quando da conexão aos
mecanismos de busca europeus. Se a mesma consulta for feita – ainda que de
dentro da Europa – por meio do site Google dos Estados Unidos ou mesmo do
Brasil, por exemplo, não será feita qualquer menção a proteção de dados.
Em outros países, como os Estados Unidos, ações com o objetivo de
apagar dados não vêm sendo acolhidas, por preponderar, naquele país, a liberdade
de imprensa e expressão. Será feita uma análise mais detalhada do assunto no
próximo capítulo.
Na Argentina, foi proferida decisão judicial similar à europeia,
reconhecendo o direito ao esquecimento e, por conseguinte, o direito de apagar
dados na rede. Tal decisão determinou que o governo da cidade de Buenos Aires
edite uma norma que preveja a remoção de dados dos sites de busca locais no prazo
de 180 dias. No entanto, houve recurso274. Existem no país inúmeras ações judiciais
solicitando remoção de dados indevidos da internet275.
Ressalte-se que com todo o clamor do caso envolvendo o Google, o
                                                                                                               
274
Disponível em, http://www.abogadogratis.com.ar/derecho-al-olvido-en-argentina/#, Acesso
em 29/10/2015.
275
Disponível em, https://es.globalvoices.org/2014/09/30/derecho-al-olvido-una-victoria-judicial-
para-las-celebridades-argentinas/, Acesso em 29/10/2015.
  115  

desejo do Sr. Mario Costeja González, de ser esquecido, acabou não se realizando.
Ele teve seus dados apagados na Europa, mas não em outros países, dado o alcance
da rede global, e a dimensão que o julgamento tomou fez com que o assunto tivesse
divulgação no mundo todo. O nome dele continua aparecendo nos sites de busca e a
sua execução por dívidas passou a ser conhecida mundialmente.
Porém, tal notoriedade deu-se em razão da originalidade da decisão.
Espera-se o mesmo não aconteça em relação a novos pedidos de supressão de
dados.

7.4. Direito à proteção de dados nos Estados Unidos e o combate ao


terrorismo.

O direito à liberdade de expressão nos Estados Unidos é garantido pela


primeira emenda da Constituição americana. Ela protege de maneira extremada a
liberdade de comunicação, praticamente sem impor limites ou exceções.
O texto da primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos diz o
seguinte:

"Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or


prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech,
or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to
petition the Government for a redress of grievances"276.

Não se pode editar lei ou decisão limitando a liberdade de religião, a


liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
Desta forma, conforme examinado acima, as ações judiciais, naquele
                                                                                                               
276
A tradução livre do texto da primeira emeda à Constituição americana diz o seguinte: "O
Congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir
o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das
pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas
reparações de queixas".
  116  

país, com o intuito de remover dados, não têm tido sucesso por causa da
preponderância da liberdade de imprensa e de expressão, garantida pela primeira
emenda.
Evidentemente, no Brasil, as liberdades descritas acima também são
garantidas. São fundamentos do Estado Democrático de Direito. No entanto, em
nosso sistema jurídico, tais liberdades encontram limites e estes vêm justamente
dos direitos da personalidade, tais como o direito à privacidade, à intimidade, à
imagem e à honra, além do direito ao esquecimento, que é o objeto deste estudo.
Estes acabam contendo as liberdades de expressão e de imprensa, com base no
princípio da dignidade da pessoa humana, que também é fundamento do Estado
Democrático de Direito. E em caso de colisão entre eles, deve-se aplicar o critério
da ponderação.
Nos Estados Unidos, ao contrário, não são impostos os limites dos
direitos da personalidade. Assim, naquele país, os resultados obtidos em sites de
busca como o Google estão protegidos, em razão da preponderância da liberdade de
expressão e de imprensa.
Além disso, também derivada da primeira emenda à Constituição norte-
americana, foi aprovada uma lei denominada Communications Decency Act. Foi a
primeira a tratar dos serviços de provedores de Internet e entrou em vigor no dia 8
de fevereiro de 1996. De acordo com o previsto em sua seção 230, os provedores
de internet não têm responsabilidade sobre publicações promovidas por outros
sites, consolidando-se assim a isenção de responsabilidade dos provedores de
serviços, considerados apenas intermediários, ou seja, aqueles que apenas
disponibilizam informações de terceiros.
A seção 230, alínea c, item 1, diz o seguinte: "Treatment of publisher or
speaker: No provider or user of an interactive computer service shall be treated as
the publisher or speaker of any information provided by another information
  117  

content provider"277.
Desta forma, também em razão da Communications Decency Act, os
resultados de busca obtidos no Google e em outros motores similares estão
protegidos e não podem ser atingidos. Há exceção, de acordo com a mesma lei, na
hipótese de obscenidade, difamação, fraude ou incitação ao crime.
Percebe-se que o direito norte americano vem tratando do assunto de
forma completamente diferente dos países da Europa. Desta forma, ainda que um
conteúdo seja suprimido na Europa, por enquanto o mesmo conteúdo pode ser
facilmente encontrado nos Estados Unidos.
Um dos motivos das claras diferenças entre os tratamentos dados à
proteção de dados na Europa e nos Estados Unidos é a própria origem do direito de
cada um dos continentes. Enquanto na América do Norte adota-se o sistema de
common law, baseado mais na jurisprudência, em diversos países da Europa as
normas positivadas têm um peso maior, constituindo-se numa das legislações mais
restritivas e protetoras da privacidade 278 . Com isso, a discussão sobre a
globalização de tratamento de dados na internet torna-se bastante tormentosa.
Outro aspecto sobre o conteúdo online, nos Estados Unidos, é a questão
de relacionamentos e carreiras. Três das principais empresas de recrutamento
pessoal confirmaram que já recusaram diversos candidatos por causa do que
encontraram na internet279. Certamente isto não ocorre apenas naquele país.
Outro ponto que merece destaque é o combate ao terrorismo. Os Estados
Unidos vêm empregando medidas que violam a privacidade de cidadãos
americanos e não americanos, incluindo autoridades de outros países, mediante
acesso direto a sistemas e perfis de usuários de internet no Google, Microsoft,
                                                                                                               
277
Tradução livre: "Nenhum provedor ou usuário de um serviço de informática interativo será
considerado como editor ou autor de uma informação fornecida por outro provedor de conteúdo".
278
María Álvarez Caro, Derecho al olvido en internet, cit., p. 85.
279
Maria Celina Bodin de Morais; Carlos Nelson Konder, Dilemas, cit., p. 294.
  118  

Apple e Facebook, sem autorização judicial. A justificativa para estas


questionáveis medidas é o combate ao terrorismo280.
Com base, então, na chamada "guerra ao terror" 281 , pratica-se o
monitoramento da vida privada das pessoas com justificativa de algo que em tese é
absolutamente duvidoso. Mas, neste caso, existe um bem maior do que a
privacidade, que é o primado do direito à vida de pessoas inocentes, que
frequentemente são mortas em ações de movimentos extremistas. Assim, parece ser
acertada a violação da privacidade nesta hipótese.

7.5. Direito ao controle de dados no Brasil.

No Brasil não existe a possibilidade de remoção de dados da internet por


via administrativa, como vem acontecendo na Europa, desde a decisão do Tribunal
                                                                                                               
280
Disponível em https://www.washingtonpost.com/investigations/us-intelligence-mining-data-
from-nine-us-internet-companies-in-broad-secret-program/2013/06/06/3a0c0da8-cebf-11e2-
8845-d970ccb04497_story.html, Acesso em 30/11/2015.
Existem diversos relatos de que várias organizações terroristas utilizam redes sociais como o
Facebook e o WhatsApp como ferramentas para realizarem os seus ataques. Disponível em
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/11/estado-islamico-usa-de-whatsapp-twitter-para-
promover-terrorismo-viral.html, Acesso em 30/11/2015.
Também merece destaque a notícia, datada de setembro de 2015, de que a União Europeia e os
Estados Unidos chegaram a um acordo sobre a transferência de dados pessoais para combater o
crime, inclusive o terrorismo, o que permite a um cidadão europeu recorrer à Justiça norte-
americana em caso de uso inapropriado de informações. Conforme a Comissão Europeia, o
acordo propiciará amparo e garantias legais para a transferência de dados. Disponível em
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/09/ue-e-eua-chegam-acordo-sobre-protecao-de-
dados.html, Acesso em 30/11/2015.
281
Na lição de Tércio Sampaio Ferraz Junior (Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o
poder, a liberdade, a justiça e o direito, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 265) que discute o tema
do terrorismo: "A chamada guerra contra o terror tem explicações plausíveis. Mas não deve ser
obscurecida nem pela simpatia pelos (aparentemente) mais fracos nem pelos sucessos da
violência contra a violência. Sob pena de aceitarmos, como faz o fabulista de O lobo e o
cordeiro, que no mundo humano o dado da natureza (relação forte/fraco: a superioridade) e a
regra da preferência dos mais fortes sobre os mais fracos, sejam assumidos como uma espécie de
inexorabilidade, em que as posições apenas mudam, mas a relação é sempre a mesma".
  119  

de Justiça Europeu contra o site de buscas Google, examinada acima. Se alguém


tiver interesse na remoção, terá de ingressar com uma ação judicial específica para
obtê-la. O maior site de buscas no Brasil também é o Google e, como já foi
abordado acima, ele não oferece a possibilidade de remoção de dados.
A legislação brasileira ainda é defasada, quando o assunto é o direito
digital. O direito ao controle de dados pessoais está vinculado ao direito à
privacidade e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Atualmente, tal direito
está parcialmente regulado por alguns diplomas legais. São estes o Marco Civil da
Internet, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Acesso à Informação e a Lei
do Habeas Data. O seu funcionamento está ligado ao direito ao esquecimento282.
O Marco Civil da Internet283, Lei 12.965/2014, de 23 de abril de 2014,
estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e
determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios em relação à matéria. Especificamente em relação ao direito ao
esquecimento não há nenhuma menção expressa. No entanto, o artigo 7º, inciso X,
assegura ao usuário da internet a exclusão definitiva de dados pessoais, quando ele

                                                                                                               
282
Daniel Sarmento, Liberdades, cit., p. 47.
283
Foi com base no Marco Civil da Internet que uma recente decisão proferida pela 1ª Vara
Criminal de São Bernardo do Campo, no dia 17 de dezembro de 2015, conseguiu tirar do ar por
algumas horas o aplicativo WhatsApp, que propaga mensagens instantâneas e é responsável pela
proliferação de informações pessoais dos usuários. O fundamento da decisão teria sido o fato de o
aplicativo não ter acatado ordem judicial de divulgar dados de um suposto criminoso. No entanto,
a decisão foi cassada em poucas horas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu ser a
multa pecuniária mais eficiente do que o bloqueio. Assim, o serviço foi restabelecido logo depois.
O aplicativo WhatsApp pertence ao Facebook, a mais famosa rede social do planeta, desde que
foi comprado em fevereiro de 2014. A curiosidade do caso é o fato de o presidente executivo do
Facebook e fundador ter dado uma declaração sobre o bloqueio ocorrido no Brasil: "Este é um
dia triste para o país. Até hoje o Brasil tem sido um importante aliado na criação de uma internet
aberta. Os brasileiros estão sempre entre os mais apaixonados em compartilhar suas vozes online.
Estou chocado que nossos esforços em proteger dados pessoais poderiam resultar na punição de
todos os usuários brasileiros do WhatsApp pela decisão extrema de um único juiz. Esperamos que
a justiça brasileira reverta rapidamente essa decisão. Se você é brasileiro, por favor faça sua voz
ser ouvida e ajude seu governo a refletir a vontade do povo".
  120  

os houver fornecido para determinada aplicação, a seu requerimento e ao término


da relação entre as partes, salvo na hipótese de guarda obrigatória de registro.
Trata-se de uma situação específica, em que o usuário fornece seus dados
pessoais e depois tem o direito de supressão, ao final do relacionamento entre as
partes. O dispositivo não é suficiente para abarcar todas as perspectivas possíveis
de direito ao esquecimento.
Outro ponto importante do Marco Civil da Internet que interessa ao
direito ao esquecimento está consubstanciado nos artigos 18 e 19, que prescrevem
que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por
dano decorrente de conteúdo gerado por terceiros, cabendo a sua responsabilização
apenas se, após ordem judicial específica, não tomar providências para tornar
indisponível o conteúdo apontado como infringente284.
Portanto, nos termos do Marco Civil, a proteção ao direito ao
esquecimento só pode dar-se pela via judicial. No entanto, conforme foi

                                                                                                               
284
Nos termos do artigo 19 do Marco Civil da Internet:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de
aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para,
no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível
o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1o A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara
e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do
material.
§ 2o A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos
depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais
garantias previstas no art. 5o da Constituição Federal.
§ 3o As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos
disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem
como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet,
poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
§ 4o O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3o, poderá antecipar, total ou parcialmente,
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado
o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os
requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação.
  121  

explicitado, o dispositivo não tratou expressamente do assunto, que merece uma


regulamentação específica.
O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, tem capítulo
dedicado a banco de dados e cadastro de consumidores. Logicamente não
contempla o direito ao esquecimento, mas prevê que os serviços de proteção ao
crédito não poderão fornecer informações ou dados que possam dificultar o acesso
ao crédito daquele consumidor que tiver consumada a prescrição referente à
cobrança de débitos285. O que quer dizer que aquele consumidor que tiver sua
dívida prescrita deverá ser esquecido, pois não poderá ter divulgados para outros
fornecedores os dados de seu inadimplemento.
A Lei de Acesso à Informação, Lei 12.527/2011, mencionada acima,
assegura o direito fundamental de acesso à informação, mas limita a sua aplicação,
pois o seu artigo 31, que dispõe sobre o tratamento de informações pessoais,
determina o respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas,
além das liberdades e garantias individuais.
O habeas data também é uma forma de proteção aos dados pessoais. Mas
refere-se especificamente aos dados armazenados em entidades públicas. É uma das
garantias fundamentais e busca assegurar à pessoa o conhecimento e a
possibilidade de buscar a retificação de dados constantes de registros ou bancos de
dados de entidades governamentais ou de caráter público. Está previsto na
Constituição Federal, artigo 5º, LXXII. É também regulamentado pela Lei
9.507/1997.
A jurisprudência brasileira vem tratando do tema relativo à remoção de
                                                                                                               
285
O artigo 43, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor diz o seguinte: "O consumidor, sem
prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas,
registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas
respectivas fontes. § 5º Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor,
não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações
que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores".
  122  

dados localizados em buscadores na internet de forma diversa da decidida pelo


Tribunal de Justiça Europeu.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente, em junho de 2012,
que o site Google do Brasil não tem o dever de filtrar conteúdo de buscas,
conforme o trecho da seguinte ementa:

Recurso Especial 1.316.921 - RJ (2011/0307909-6)

"(...) 3.  O  provedor  de  pesquisa  é  uma  espécie  do  gênero  provedor  de  
conteúdo,   pois   não   inclui,   hospeda,   organiza   ou   de   qualquer   outra  
forma   gerencia   as   páginas   virtuais   indicadas   nos   resultados  
disponibilizados,   se   limitando   a   indicar   links   onde   podem   ser  
encontrados   os   termos   ou   expressões   de   busca   fornecidos   pelo  
próprio  usuário.    
4. A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não
constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de
pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art.
14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das
buscas.
5. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo
virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à
identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação,
ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda
que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente
divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é
que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de
computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa.
6. Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu
sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou
expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto
específico, independentemente da indicação do URL da página onde este
estiver inserido. (...)"

Trata-se de uma ação movida pela conhecida apresentadora de TV Xuxa


  123  

Meneguel286, que inicialmente obteve êxito em apagar dados diretamente do site


Google. O objetivo da ação seria filtrar os resultados de busca que ligassem a
autora aos termos pedofilia ou pedófila. No entanto o Google agravou da decisão e
posteriormente interpôs o recurso especial. A origem do recurso foi decisão do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A ação foi proposta porque o resultado da
busca questionada faz surgir links em que ela contracena em um filme adulto com
um garoto de apenas 12 anos.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o site de buscas apenas
facilita o acesso à pesquisa e não realiza a divulgação do conteúdo, não lhe
cabendo, portanto, filtrar o resultado, razão pela qual o recurso foi provido. No caso
em questão, apesar do viés sobre o direito ao esquecimento, este sequer foi
abordado na decisão. Certamente a apresentadora não deseja mais se lembrar do
passado em que realizava filmes adultos e não tinha como público alvo as crianças,
mas como é uma figura pública, isto certamente dificultaria a alegação deste direito
da personalidade.
Outra decisão do Superior Tribunal de Justiça, em ação também movida
contra o Google, merece ser destacada. A ministra Nancy Andrighi, relatora do
acórdão, decidiu:

                                                                                                               
286
A propósito, a apresentadora Xuxa já ingressou com inúmeras ações, em razão de um passado
que prefere esquecer. Mais um exemplo de ação, e neste caso ela obteve êxito, foi contra o jornal
O Dia, tendo o jornal sido condenado ao pagamento de danos morais. O motivo foi a capa do
jornal com a notícia "Xuxa vai a leilão" e uma foto da apresentadora seminua. Na realidade a
notícia era sobre um jornaleiro que estava leiloando uma revista de nudez antiga em que a
apresentadora aparecia nua. Xuxa alegou que desde que assumiu o comando de programas
infantis nunca mais fez fotografias de nudez. O juiz entendeu que a apresentadora é "uma senhora
de bem, de vida discreta e cuja atividade gera empregos, rendas para o erário público, recreação
infantil e salutar". E completou: "Como se vê, não seria (parece faltar aqui uma palavra: lícito?
razoável? justo?) deixar de reconhecer lesão ao seu direito de personalidade, sem responsabilizar
a parte responsável". Disponível em http://www.conjur.com.br/2007-set-
26/dia_condenado_pagar_15_milhao_xuxa, Acesso em 30/11/2015.
  124  

"os provedores de pesquisa virtual não podem ser obrigados a eliminar


do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou
expressão, tampouco os resultados que apontem para um fato ou texto
específico, independentemente da indicação do URL da página onde este
estiver inserido".

Trata-se da Reclamação 5072/AC, julgada em 11/12/2013, em que mais


uma vez o site de buscas não foi responsabilizado, tendo o Tribunal entendido que
o fornecedor original da notícia é quem deve ser acionado para a remoção de dados,
eis que o endereço eletrônico foi devidamente disponibilizado.
Percebe-se assim que atualmente, no Brasil, prevalece o entendimento de
que o usuário de internet que se sentir prejudicado pela publicação de informações
passadas, seja em sites comuns ou em sites de busca, deverá requerer a remoção do
conteúdo completo ao veículo de informação original, se for o caso, e não apenas
do link obtido no site de buscas.
Porém, também deve ser ressaltado o fato de que as decisões comentadas
acima dizem respeito apenas ao apagamento de dados puro e simples. Não trataram
do direito ao esquecimento.
Merece relevo recente decisão, de 17 de setembro de 2014, em tutela
antecipada, proferida pela 2ª Vara Cível de Ribeirão Preto, na qual foi determinado
aos sites Google, Yahoo e Microsoft a exclusão de resultados mostrados por seus
buscadores, em nome de pessoa condenada por crime e que já cumpriu sua pena. O
pedido foi feito com base no direito ao esquecimento, para possibilitar a reinserção
social do indivíduo. O juiz, além de conceder a liminar para a retirada de dados,
estipulou uma multa diária de R$ 2.000,00 para o caso de descumprimento,
conforme o seguinte trecho da decisão:

"Presente, portanto, o fumus boni juris.


Outrossim, a medida será ineficaz, caso venha a ser concedida apenas na
sentença, pois, até lá, as rés continuarão disponibilizando ao público o
  125  

antecedente criminal do autor, cuja pena já foi cumprida, o que, como é


curial, poderá causar a este dano irreparável ou de difícil reparação.
Logo, de rigor a concessão da antecipação da tutela, consoante julgados
colacionados na inicial.
Assim, defiro a tutela antecipada para determinar às rés que promovam a
exclusão do nome do autor de seus sites de busca, sob pena de
multa diária de R$ 2.000,00.(...)".

O processo ainda está tramitando em primeiro grau287.


Por outro lado, decidiu exatamente de forma contrária o juiz da 13ª Vara
Cível de São Paulo, em ação movida por um juiz federal aposentado contra a
Editora Abril e o site Google. O autor invocou o direito ao esquecimento. Ocorre
que foi veiculada uma notícia pela revista Veja descrevendo a sua participação em
alguns crimes, que levaram à sua condenação e ao seu afastamento do cargo.
Posteriormente, a pena foi convertida em multa, e o juiz retomou suas funções e se
aposentou em seguida. Insatisfeito, moveu a ação para que a Editora Abril e o
buscador excluíssem todas as informações a seu respeito.
Nesse caso a ação foi julgada improcedente. O juiz entendeu tratar-se de
figura pública e que a notícia veiculada era verdadeira, não cabendo a alegação de
direito ao esquecimento e prevalecendo a liberdade de informação. Portanto, o
Google e a Editora Abril não precisaram retirar da internet as notícias sobre o
assunto. O autor apelou da decisão e o processo encontra-se em grau de recurso288.
O tema do direito ao esquecimento digital ainda está trilhando sua fase

                                                                                                               
287
Trata-se do processo nº 1025167-51.2014.8.26.0506, Disponível em
http://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=E200055P30000&processo.foro=506&dad
osConsulta.localPesquisa.cdLocal=&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.tipoNuProcesso=
UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=ALFINO+AGAPTO+DE+SOUZA&paginaConsul
ta=1 , Acesso em 25/11/2015.
288
Refere-se ao processo nº 1057541-77.2014.8.26.0100, Disponível em
http://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=2S000D5WV0000&processo.foro=100&d
adosConsulta.localPesquisa.cdLocal=1&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.tipoNuProcess
o=UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=Casem+Mazloum&paginaConsulta=1, Acesso
em 25/11/2015.
  126  

inicial, e, no Brasil, ainda não existem muitos casos descritos na jurisprudência.


Não há uma uniformização. Mesmo porque não temos legislação sobre o assunto,
apenas alguns poucos textos legislativos que tratam parcialmente da questão,
conforme já descrito aqui.
Mas vale destacar o Enunciado 404, aprovado na V Jornada de Direito
Civil do Conselho da Justiça Federal, que trata da tutela de dados pessoais e da
autodeterminação da informação, nos seguintes termos:

"A tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles


espacial, contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu
expresso consentimento para tratamento de informações que versem
especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou
étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas".

Conforme foi frisado acima, o enunciado não tem força legislativa, mas
já é um primeiro passo para o reconhecimento no direito brasileiro.
Existem também dois projetos de lei sobre o assunto tramitando
paralelamente na Câmara dos Deputados.
O primeiro projeto de lei, de nº 7.881/2014, de autoria do deputado
Eduardo Cunha, dispõe sobre a remoção de links de mecanismos de busca da
internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados. O projeto tramita
na Câmara dos Deputados e aguarda parecer do relator da Comissão de Defesa do
Consumidor. Segundo o artigo 1º do projeto:

"É obrigatória a remoção de links dos mecanismos de busca da


internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por
iniciativa de qualquer cidadão ou a pedido da pessoa envolvida".

Trata-se de um texto simples, mas cuja justificativa remete ao direito ao


esquecimento e também a decisão do Tribunal de Justiça Europeu contra o site
Google da Espanha.
  127  

O segundo projeto, de autoria do deputado Veneziano Vital do Rêgo,


dispõe sobre a garantia de desvinculação do nome, imagem e demais aspectos da
personalidade publicados na internet relativos a fatos que não possuem ou deixaram
de possuir interesse público. Trata-se do projeto de lei nº 1.676/2015289, que está
tramitando na Câmara dos Deputados em fase de análise pela Comissão de Ciência
e Tecnologia, Comunicação e Informática, com parecer favorável. A previsão do
artigo 3º do projeto é:

"O direito ao esquecimento é expressão da dignidade da pessoa humana,


representando a garantia de desvinculação do nome, da imagem e demais
aspectos da personalidade relativamente a fatos que, ainda que verídicos,
não possuem, ou não possuem mais, interesse público.
Parágrafo único. Os titulares do direito ao esquecimento podem exigir
dos meios de comunicação social, dos provedores de conteúdo e dos
sítios de busca da rede mundial de computadores, internet,
independentemente de ordem judicial, que deixem de veicular ou
excluam material ou referências que os vinculem a fatos ilícitos ou
comprometedores de sua honra".

Caso aprovado, o projeto será o primeiro a regular o direito ao


esquecimento de forma expressa e a prever a retirada de conteúdo digital com base
no esquecimento, a qual se dará tanto nos veículos de informação como também
nos sites de busca, por via administrativa, e que não terá cabimento somente na
hipótese de interesse público na manutenção do conteúdo. Para tanto, o projeto
prevê a criação de canais de comunicação, como telefones e endereços, para que os
interessados possam solicitar que seus nomes ou notícias vinculadas ao passado
sejam apagados.

                                                                                                               
289
Disponível em
http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1295741, Acesso
em 15/12/2015.
  128  

8. Tutela específica do direito ao esquecimento.

O direito ao esquecimento se baseia no fato de que rememorar


acontecimentos antigos, desprovidos de qualquer interesse público atual, pode
causar dano à vida privada de terceiros. Por isso é comum configurar-se a
responsabilidade civil, que nasce com a conduta de difundir ou de permitir o acesso
em massa de informações pessoais290.
Como no caso de qualquer outro direito da personalidade, na hipótese de
violação do direito ao esquecimento, aplica-se o descrito no artigo 12 do Código
Civil:

"Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da


personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer
a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer
parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau".

Assim, o titular do direito ao esquecimento pode exigir a cessação da


ameaça ou lesão e também pode reclamar a indenização por perdas e danos, sem
prejuízo de outras sanções291.
De maneira geral, o direito ao esquecimento, como os demais direitos da
personalidade, tem como titular a pessoa natural. No entanto, conforme exposto em
capítulo anterior, o seu reconhecimento também se estende às pessoas jurídicas,
especialmente na hipótese em que o esquecimento diz respeito a certas qualidades,
como a reputação, a imagem ou a honra da pessoa jurídica.
Na hipótese de pessoa falecida, também como ocorre com os outros
                                                                                                               
290
Pere Simón Castellano, El reconocumiento del derecho al olvido digital en Enspaña, cit., p.
105.
291
Neste caso existe a possibilidade de sanções no âmbito penal, caso a violação do direito ao
esquecimento importe em algum tipo de delito, como os chamados crimes contra a honra.
  129  

direitos da personalidade, as medidas podem ser requeridas pelo cônjuge ou


companheiro sobrevivente, ou por qualquer parente em linha reta, ou por colateral
até o quarto grau.
De qualquer forma, muito mais interessante para o titular do direito ao
esquecimento é que as coisas não cheguem ao ponto de se consumar um dano. Para
tanto, existem algumas condutas que podem ser adotadas antes de uma ação de
responsabilidade civil.
Como a finalidade da aplicação do direito ao esquecimento é a remoção
do registro de um fato que precisa ser esquecido, em razão do decurso do tempo, o
que mais interessa ao seu titular é que o fato não seja divulgado, para que ele possa
obter a paz ou a solidão que tanto deseja292.
De qualquer forma, as medidas a serem tomadas são de âmbito judicial,
uma vez que não há, atualmente, legislação que assegure administrativamente a
aplicação do direito ao esquecimento.
As condutas que poderão ser adotadas para se evitar a divulgação do fato
pretérito e assim assegurar o reconhecimento do direito ao esquecimento
dependerão do meio em que a informação esteja divulgada. Evidentemente terão de
ser medidas inibitórias, e certamente de urgência, para que seja obtida a cessação
da ameaça ou lesão ao direito da personalidade.
No caso de jornais ou revistas, a chamada mídia escrita, é possível obter
a restrição da publicação ou da circulação do veículo de informação. Entretanto,
além da possível colisão com outros direitos, como liberdade de expressão e de
informação, a medida pode não resultar em efeito prático porque a informação ou
notícia já pode ter sido divulgada por meio da internet e ter tido repercussão junto

                                                                                                               
292
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p.
563-596.
  130  

ao público em geral.293
No caso de outras mídias, como o rádio e a televisão, a medida cabível é
a proibição da divulgação da notícia, que pode dar-se mediante supressão de alguns
trechos, imagens e nomes ou com a suspensão da notícia inteira ou então de todo o
programa. Os obstáculos desta medida são os mesmos abordados acima. Poderá
colidir com outros direitos fundamentais e ainda ensejar a acusação de censura da
notícia294.
As medidas judiciais cabíveis para se obter a restrição da publicação ou
da circulação da mídia impressa, ou então a proibição da divulgação da notícia ou
restrição do conteúdo de programas de rádio ou televisão, conforme visto, são as
inibitórias.
A tutela inibitória tem como principal fundamento a Constituição Federal
de 1988, que prevê, no artigo 5º, XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito". Apenas este dispositivo constitucional já
seria suficiente para amparar a medida. Mas, para o caso, o novo Código de
Processo Civil prevê, em seu artigo 497, parágrafo único, o seguinte:

"Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o
juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará
providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático
equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir
a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é
irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de
culpa ou dolo".

Assim, nas obrigações de fazer ou não fazer será concedida a tutela

                                                                                                               
293
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p.
563-596.
294
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p.
563-596.
  131  

específica para assegurar o resultado prático, ou seja, para inibir a prática da


publicação ou circulação de mídia impressa, ou então para a proibição da
divulgação de programa de rádio ou televisão, nos termos do artigo 497, parágrafo
único, do novo Código de Processo Civil, restando desnecessária a demonstração
de ocorrência de dano ou da presença de culpa ou dolo.
A tutela inibitória tem por finalidade impedir a ocorrência de um ato
contrário ao direito ou evitar a sua continuidade295. Como, por exemplo, evitar a
divulgação de notícias do passado que já não têm mais utilidade no presente, ou ao
menos impedir a continuação da divulgação, contrária ao direito.
Neste caso, será fundamental a tutela de urgência, uma vez que se a
divulgação do fato a ser esquecido ocorrer, não haverá mais necessidade da tutela
inibitória descrita acima. Deverá então ser aplicado também o artigo 300 do novo
Código de Processo Civil, que cuida desta medida, nos seguintes termos:

"A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que


evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo".

Fica claro assim que, para a contenção da divulgação de uma notícia, seja
qual for o meio de veiculação, é imprescindível a concessão da tutela antecipada de
urgência. Se o titular do direito ao esquecimento aguardar o resultado final da ação,
a informação já terá atingido o público e a ação de nada lhe servirá. Portanto, estão
evidentemente presentes os chamados fumus boni iuris e o periculum in mora.
Neste caso, a tutela provisória de urgência não se dará contra o dano, mas
contra um ato ilícito em iminência de ser praticado ou então já praticado. Daí,
conforme explica Fredie Didier Junior296: "cabe a parte demonstrar o risco de que o

                                                                                                               
295
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual civil, vol. 2, 10ª ed., Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 598.
296
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 599.
  132  

ilícito ocorra, independentemente de isso gerar um dano, ou o risco que a demora


representa para o resultado útil do processo. Nesses dois casos é irrelevante a
demonstração de culpa ou de dano - a demonstração deve restringir-se à
probabilidade de cometimento do ilícito".
Portanto, o ato ilícito é o requisito para a tutela inibitória, e ele pode
ocorrer independentemente do dano. O ato ilícito é aquele ato contrário ao direito;
o dano é o prejuízo material ou moral. Na hipótese do direito ao esquecimento, a
divulgação de fato antigo que perdeu a atualidade será contrária a um direito da
personalidade, configurando portanto um ato ilícito. E este pode gerar prejuízo ou
não. Se o dano irá ocorrer, isso somente poderá ser verificado em cada caso
concreto.
Na hipótese de o ilícito não ter ainda sido praticado, a parte deverá
demonstrar as circunstâncias de fato a comprovar que ele está prestes a
materializar-se. Na hipótese de ato ilícito já praticado, o objetivo é impedir sua
repetição ou continuidade no futuro, mediante a demonstração do seu caráter
continuativo297.
Em todas estas circunstâncias poderá ser determinada a busca e
apreensão de material considerado ofensivo ao direito ao esquecimento, para
assegurar a sua retirada de circulação, ou, então, o impedimento de exibição dos
programas ou trechos destes que também possam violar o direito ao esquecimento.
Tudo em conformidade com o artigo 536, § 1º, do novo Código de
Processo Civil, que diz o seguinte:

"No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de


obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a
requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de
tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas
                                                                                                               
297
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 599.
  133  

necessárias à satisfação do exequente.


§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre
outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de
pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade
nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial".

O referido dispositivo prevê a aplicação de multa cominatória, a ser


determinada pelo juiz, para evitar a consumação ou continuidade do ato ilícito. A
multa deve ser suficiente e compatível com a obrigação.
Outra situação que merece destaque é aquela em a divulgação do fato a
ser esquecido foi feita pela internet, caso em que a posição do titular do direito ao
esquecimento torna-se bastante delicada. A tutela a ser obtida nessa hipótese é
muito mais difícil de ser viabilizada, mas, em princípio, para que o conteúdo a ser
esquecido não apareça mais na internet será necessária a omissão da notícia em
sites de busca, a remoção do conteúdo dos sites que originaram a divulgação e até
mesmo o bloqueio dos sites envolvidos. Em termos práticos, a filtragem da notícia
pelo sites de busca seria mais eficaz para o titular do direito. O assunto é polêmico,
e apesar de na Europa esta ser a solução, no Brasil e em outros países, como
Estados Unidos e Canadá, o entendimento é de que os motores de busca não podem
ser responsabilizados pela notícia divulgada e de que são meros intermediários.
A medida judicial para obstar a divulgação de fatos pela internet também
é a tutela inibitória e de urgência, conforme examinado acima. O destinatário, em
princípio, será o divulgador original da notícia, e não os motores de busca,
conforme a jurisprudência examinada. A multa cominatória é aplicável em todos os
casos.
Na hipótese em que o dano já foi consumado, no caso de violação do
direito ao esquecimento provocada pela divulgação da informação indesejada,
caberá a tutela ressarcitória específica, que estará condicionada à proposição de
ação de responsabilidade civil, a qual poderá cumular com todas as outras descritas
  134  

ou, então, cursar independente delas.298 Para tanto, deverá restar demonstrada a
ocorrência do dano.
A reparação do dano poderá dar-se por meio do ressarcimento em
dinheiro e também mediante ressarcimento específico, com o restabelecimento da
situação anterior ao dano299.
Se o dano se efetivar, no caso de violação do direito ao esquecimento,
dificilmente será possível o restabelecimento da situação anterior. A mera retirada
da notícia, recolhimento de exemplares, apagamento de dados digitais, em tese não
são suficientes para trazer o titular ao seu estado anterior. Então, neste caso, o mais
indicado é o oferecimento do direito de resposta300, assegurado pelo artigo 5º, V, da
Constituição Federal, que prevê seja este proporcional ao agravo sofrido301.
O direito de resposta, na concepção de Gilmar Mendes e Paulo Gustavo
Gonet Branco, é uma reação ao uso indevido da imprensa em geral e apresenta uma
clara natureza de desagravo. É um meio de proteção da imagem e da honra do
indivíduo que se acrescenta à pretensão de reparação de danos morais e
patrimoniais provenientes do exercício inadequado da liberdade de expressão302.
Como a violação do direito ao esquecimento pode causar danos à honra e
à imagem do indivíduo, na sua ocorrência caberá também o direito de resposta, e
este não será uma medida alternativa ao direito de indenização, que poderá ser
                                                                                                               
298
A propósito, o julgamento proferido pelo STJ reconhecendo o direito ao esquecimento de
pessoa acusada injustamente pela Chacina da Candelária (Recurso Especial ), examinado acima,
manteve decisão em que a TV Globo foi condenada a pagar R$ 50.000,00, pelos danos morais
sofridos pelo autor, após a exibição do Programa Linha Direta retratando o crime e citando o
nome do autor.
299
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 599.
300
Sobre o direito de resposta vide David Cury Neto, Tutela civil do direito ao esquecimento, São
Paulo, PUC/SP, Dissertação de Mestrado, 2015, p.183.
301  No  dia  11  de  novembro  de  2015,  a  Presidente  da  República  sancionou  a  Lei  13.188/2015  

que   dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada,


publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.
302
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit.,
p. 267.
  135  

exercitado concomitantemente com a reparação de danos.


Com relação ao ressarcimento em dinheiro, este segue as normas gerais
da responsabilidade civil. São indenizáveis os danos de natureza moral e material,
se for o caso, nesta hipótese abrangendo lucro cessante e dano emergente, nos
termos dos artigos 186 e 927, do Código Civil.
Importante ressaltar que todas as medidas acima terão cabimento apenas
se ficar constado que se trata de direito individual e que não há interesse público
envolvido na informação. De qualquer forma, como, na maioria dos casos, pode
ocorrer a colisão com outros direitos, especialmente com o de liberdade de
expressão, situação em que o julgador deverá adotar o critério da ponderação – a
ser examinado com mais detalhes ao final deste trabalho – para reconhecer ou não
o direito ao esquecimento e conceder a tutela das medidas descritas.
  136  

9. Direito à verdade, à memória e à verdade histórica.


 

9.1. Noção de verdade.

O presente capítulo abordará a noção de verdade, uma vez que esta


poderá se confrontar com o esquecimento.
Verdade, do latim veritas, significa estar conforme os fatos ou a
realidade; exatidão, autenticidade, veracidade303.
Por outro lado, ao analisar a origem grega da palavra verdade, verifica-se
que ela vem do termo aletheia, que significa literalmente o que não é esquecido. Da
raiz lethe, que quer dizer esquecimento. Ou seja, na acepção do grego, verdade é o
oposto de esquecimento.
A noção de verdade, ao contrário do esquecimento, vem sendo debatida
ao longo dos séculos.
Muitos filósofos já trataram do assunto, desde Sócrates304, Platão305 e
Aristóteles306, até São Tomás de Aquino307, passando por Kant, Nietzsche, Giorgio

                                                                                                               
303
Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível em
http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=verdade, Acesso em 26/11/2015.
304
Sócrates (Apud Michel Foucault, A verdade e as formas jurídicas, Trad. Roberto Cabral de
Melo Machado e Eduardo Jardim Morais, Rio de Janeiro: Nau Editora, 2002, p. 140) discorreu
sobre a verdade. Para o filósofo, não valeria a pena falar a não ser que se quisesse dizer a
verdade, sendo a fala um exercício da memória e não de poder.
305
Segundo Platão (A República, Trad. Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001, p. 319), a verdade deve estar constantemente sendo alcançada. Não é
algo concreto ou material, mas algo pessoal, e somente Deus pode conhecer o verdadeiro.
306
Na visão de Aristóteles (Metafísica, Trad. Leonel Vallandro, Porto Alegre: Editora Globo,
1969, p. 64-107), a verdade não pode ser atingida completamente, mas também não é possível
afastar-se completamente dela. Sendo a filosofia a ciência da verdade, somente é possível
conhecer o verdadeiro por meio da causa. A definição clássica aristotélica de verdade prevê o
seguinte: "verdadeiro é dizer que o que é, é, e o que não é, não é; e assim, quem afirma que uma
coisa é, ou que não é, estará dizendo uma verdade ou uma falsidade".
307
Para São Tomás de Aquino (As virtudes morais, Trad. Paulo Faitanin e Bernardo Veiga,
Campinas: Ecclesiae, 2012, p. 903-1025) a verdade pode ser comparada com a felicidade, sendo
  137  

Del Vecchio, Hannah Arendt308, Foucault309 e também filósofos contemporâneos,


como Habermas, Peter Häberle, Robert Alexy e Lênio Luiz Streck.
A determinação dos filósofos em esclarecer o conceito de verdade se
deve à pretensão de encontrar uma forma inabalável de revelar o conhecimento da
humanidade e de todas as coisas do mundo. No entanto, esta é, e sempre foi, uma
tarefa complexa, por se tratar de um conceito indiscutivelmente relativo.
A verdade foi perseguida por Kant. Para o filósofo, não é possível a
exigência de qualquer critério geral da verdade do conhecimento, em relação a
matéria, porque haveria contradição310. Kant ainda abordou a mentira, desta vez,
como contraponto da verdade. Para o autor, a veracidade é uma das virtudes do ser
humano. É um dever para consigo mesmo. Portanto, a mentira é a maior violação
dos deveres do ser humano para consigo mesmo. Na ética, qualquer inverdade é
considerada um vício e sequer precisa ser prejudicial a outrem para ser
repudiada311.
Nietzsche, em sua obra póstuma "A Vontade de Poder", faz uma análise
sobre os diversos filósofos que debateram sobre a verdade. Criticou Kant em sua
ciência dos limites da razão e, também, Aristóteles em seu pensamento de que a
filosofia é a arte de descobrir a verdade. Entendeu ser ingenuidade o conhecimento
como forma de alcançar a felicidade e a virtude. Inferiu, também, ser ingenuidade

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
esta a contemplação perfeita da suma verdade. Além disso, a verdade e o bem devem ser
incluídos reciprocamente porque a verdade é um bem do intelecto.
308
Hannah Arendt (Entre o passado e o futuro, Trad. Mauro W. Barbosa, São Paulo: Perspectiva,
2014, p. 325) conceituou a verdade como aquilo que não se pode modificar, e apresenta uma
metáfora sobre o tema: "ela é o solo sobre o qual nos colocamos de pé e o céu que se estende
acima de nós".
309
Michel Foucault (A verdade, cit., p. 8) também discorreu sobre a verdade ao dizer que o
sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto tem uma história e
certamente que a verdade tem uma história.
310
Immanuel Kant, Crítica da razão pura, Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique
Morujão, Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2001, p. 119.
311
Immanuel Kant, A metafísica dos costumes, Edson Bini, São Paulo: Edipro, 2003, p. 271.
  138  

uma verdade da qual uma pessoa de algum modo possa se aproximar. E concluiu:
"a verdade é mais plena de fatalidade do que o erro ou a ignorância, e impele as
forças com as quais se trabalha no esclarecimento"312.
O dever da verdade também foi abordado por Giorgio Del Vecchio313,
que, assim como Kant, também tratou da mentira, mas se aprofundou nas situações
em que a mentira é permitida. Afirma que todo sistema ético tem como um dos
principais preceitos o dever de veracidade, ao lado de outros, como a caridade e a
justiça. Obviamente, a mentira é condenável no campo da ética porque viola o
dever de veracidade. Entretanto a mentira é aceita em algumas situações
excepcionais, como por exemplo, para evitar uma violência atual ou injusta, ou
ainda nos casos de guerra ou jogos. O autor cita como exemplo de mentira
aceitável, no campo da ética, uma conhecida piada: "aquele sábio que,
encontrando-se com um louco na torre, onde estava fazendo observações
astronômicas, e ameaçado de ser precipitado do alto, lhe assevera que é capaz de
algo mais difícil – saltar de baixo para cima – conseguindo com tal subterfúgio
descer sem estorvo e evitar o perigo"314.
E prossegue afirmando que, no que diz respeito ao direito, certamente o
dever da verdade também está presente, mas só assume forma concreta, com as
respectivas sanções civis e penais, nos casos específicos e nas situações em que a
mentira causa dano a outrem. Por isso, os artifícios utilizados para enganar o
próximo são condenados tanto na moral como no direito315. E, finaliza, viver com
verdade significa "respeitar o espírito". A mentira se contrapõe à verdade, mas o

                                                                                                               
312
Friedrich Nietzsche, A vontade de poder, Trad. Marcos Sinésio Pereira Fernandes Rio de
Janeiro: Contraponto, 2008, p. 243.
313
Giorgio Del Vecchio, A verdade na moral e no direito, Trad. Francisco José Velozo Braga:
Editorial Scientia e Ars, 1955, p. 29-38.
314
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 39.
315
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 50-78.
  139  

silêncio não. Muitas vezes, este será digno de maior virtude do que a palavra, e
também uma forma apropriada para a procura da consciência de cada um.
Numa concepção contemporânea, Habermas316 cuida da verdade como
algo indissociavelmente conectado ao conceito de conhecimento. A verdade é uma
propriedade que não pode ser perdida pelas proposições porque uma afirmação bem
fundamentada pode se evidenciar falsa. Por isso, a proposição verdadeira deverá sê-
lo para qualquer pessoa317.
Realmente não é simples conceituar ou definir a verdade. É algo
complexo, que varia de uma pessoa para outra, de uma sociedade para outra, de um
período para outro. É um assunto debatido por tantos filósofos, mas percebe-se que
está intimamente ligado ao conceito de razão e conhecimento.
Fernando Pessoa318, em seu Livro do Desassossego, tratou da verdade
como um conceito multifário:
"Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que tinham
se zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa do porque
tinham se zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as
suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era
que um via uma coisa e o outro outra, ou que um via um lado das coisas
e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como
                                                                                                               
316
Jürgen Habermas, A ética da discussão e a questão da verdade, Trad. Marcelo Brandão
Cipola, São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 59-60.
317
Peter Häberle (Os problemas da verdade no estado constitucional, Trad. Urbano Carvelli,
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 123-128) entende ser a verdade um valor cultural e
indispensável para o Estado constitucional, sendo a busca da verdade algo possível e que
pressupõe a não violência, a tolerância, a cultura, a proteção à natureza e às gerações futuras.
Para Robert Alexy (Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria
da fundamentação jurídica, Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva, 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense,
2011, p. 110-139) a verdade não pode ser considerada uma relação problemática entre o
enunciado e o mundo, mas serve para equiparar as proposições normativas e as não normativas.
Há de se destacar, ainda, a posição de Lenio Luiz Streck (Compreender direito, como o senso
comum pode nos enganar, volume 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 203 e 204), que
afirma ser ultrapassado conceituar a verdade com a subjetividade dos antigos filósofos, pois isso
apenas limitaria as possibilidades da verdade com representações ou conteúdos da consciência,
ignorando-se a realidade em que estamos inseridos.
318
Fernando Pessoa, Livro do desassossego, Salvador: Nostrum Editora, 2013, p. 191-192.
  140  

se tinham passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro,


mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão.
Fiquei confuso desta dupla existência da verdade".

Assim, conclui-se que um mesmo fato pode ser visto por uma pessoa sob
uma perspectiva e visto por outra pessoa sob perspectiva diferente. Todos podem
ter razão, daí a chamada "dupla existência da verdade".

9.2. Dever da verdade em confronto com a mentira.

Conforme foi exposto no tópico anterior, a verdade é uma virtude, e a


mentira, uma séria violação daquela. De maneira geral, assim como ocorre na
esfera da ética, o direito pune a mentira. Assim, impõe-se a todos o chamado dever
da verdade ou da veracidade.
O dever da verdade apresenta-se em diversos momentos em nosso
direito, tanto no civil como no penal e também no processual. A título ilustrativo, é
possível citar alguns exemplos. Primeiramente pode-se apresentar o exemplo dos
contratos, em que vigora o chamado princípio da boa-fé dos contratantes, o que,
obviamente, tem como raiz o dever de veracidade. No direito penal, são punidos os
crimes de estelionato e outras fraudes. No campo do direito processual, o dever de
veracidade se destaca por meio de sanções impostas às testemunhas ou peritos 319.
No entanto, existem algumas situações em que não há punição à mentira.
O direito, em certos casos, até admite a mentira.
É o que ocorre, por exemplo, no caso da simulação e dissimulação, no
direito civil. O direito reconhece que em certas hipóteses o negócio poderá produzir
alguns efeitos, para proteção dos terceiros de boa-fé, para a segurança das relações

                                                                                                               
319
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 56 e 72.
  141  

jurídicas e também em outras situações320.


Na lição de Clóvis Beviláqua321, simulação é a declaração enganosa da
vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado. O negócio
simulado é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das partes,
que fingem um negócio que na realidade não desejam.
Na simulação, procura-se iludir alguém por meio de uma falsa aparência
que encobre a verdadeira feição do negócio jurídico. Cria-se aparentemente um
negócio jurídico que, de fato, não existe, ou então oculta-se sob certa aparência o
negócio realmente pretendido. Uma simulação deve apresentar as seguintes
características: uma falsa declaração bilateral de vontade; vontade exteriorizada
divergente da interna ou real, não correspondendo à intenção das partes; sempre
concertada com a outra parte, sendo, portanto, intencional o desacordo entre a
vontade interna e a declarada; intentada no sentido de iludir terceiro ou fraudar a
lei322.
Na simulação a consequência será a nulidade absoluta do negócio
jurídico, nos termos do artigo 167 do Código Civil.
A simulação não pode ser confundida com a dissimulação. Na simulação,
também chamada de simulação absoluta, não há intenção de praticar negócio
jurídico algum; as partes fingem uma relação jurídica que na realidade não existe.
A dissimulação, também chamada de simulação relativa, oculta do conhecimento
de outrem uma situação existente, pretendendo incutir no espírito de alguém a
inexistência de uma situação real. Uma pessoa, sob a aparência de um negócio
fictício, pretende realizar outro, que é o verdadeiro, diverso, no todo ou em parte,
do primeiro323.
                                                                                                               
320
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 51.
321
Apud Silvio Rodrigues, Direito civil: parte geral, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 294.
322
Maria Helena Diniz. Curso, cit., p. 518 e 519.
323
Maria Helena Diniz. Curso, cit., p.524 e 525.
  142  

Na simulação relativa, as partes pretendem realizar um negócio, mas de


forma diferente daquela que apresentam. Existe o negócio efetivamente efetuado, e
um ato dissimulado, oculto, formando um complexo negocial único324.
A dissimulação compõe-se de dois negócios, um deles é o simulado,
aparente, destinado a enganar, o outro é o dissimulado, oculto, mas
verdadeiramente desejado.
O atual Código Civil determina em seu artigo 167, caput, o seguinte:

"É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se


dissimulou, se válido for na substância e na forma."

O Código Civil de 2002 alterou as consequências do instituto da


simulação, e atualmente o efeito é a nulidade absoluta do negócio jurídico, sem
possibilidade de convalidação do ato, sendo sua ação imprescritível. Já com relação
à dissimulação, ou simulação relativa, o negócio dissimulado poderá subsistir se for
válido na substância e na forma. De qualquer maneira, ficam ressalvados os direitos
de terceiros de boa-fé em face dos contratantes do negócio jurídico simulado,
conforme artigo 167, § 2º, do Código Civil325.
Outra situação em que a ausência da verdade poderá ser consentida
ocorre no direito processual. O dever de dizer a verdade deve, de maneira geral,
ser observado no processo, mas sofre algumas limitações.
O dever da verdade326 está explicitado no artigo 77, I, do novo Código de
Processo Civil:

"Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus
                                                                                                               
324
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: parte geral, São Paulo: Atlas, 2011, p. 527.
325
O artigo 167, § 2º, do Código Civil diz o seguinte: "Ressalvam-se os direitos de terceiros de
boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado".
326
Além disso, o novo Código de Processo Civil define como litigante de má-fé aquele que
alterar a verdade dos fatos, nos termos do artigo 80, II.
  143  

procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do


processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade".

Na hipótese do depoimento das partes, se, quando arguidas, faltarem com


a verdade, não serão punidas. Segundo Redenti 327 , "não existe uma verdade
histórica para as partes, cada uma tem a sua verdade, segundo a sua forma mentis,
sob o influxo dos seus próprios interesses e das suas paixões".
Sobre a prova de depoimento pessoal, segundo o novo Código de
Processo Civil, as partes terão o direito ao silêncio, nas hipóteses de fatos que
coloquem em perigo ou causem desonra à própria vida do depoente, de seu
cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível328. No entanto,
conforme a lição de Fredie Didier329: “o dever de dizer a verdade convive com o
direito de calar, mas é incompatível, obviamente, com o direito de mentir”.
Portanto, apesar de não haver punição para a mentira, permanece o dever
da verdade para as partes.
Parentes próximos não são admitidos como testemunhas. Algumas
pessoas, em razão da profissão, devem guardar sigilo e também não precisam
testemunhar330.

                                                                                                               
327
Apud Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 59.
328
O artigo 388 do novo Código de Processo Civil diz: "A parte não é obrigada a depor sobre
fatos:
I - criminosos ou torpes que lhe forem imputados;
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo;
III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, de seu
companheiro ou de parente em grau sucessível;
IV - que coloquem em perigo a vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III".
329
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 153-154.
330
Sobre a prova testemunhal há de se destacar os seguintes artigos do novo CPC:
Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou
suspeitas.
§ 2o São impedidos:
I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o
  144  

O princípio da persuasão racional confere ao juiz liberdade, mesmo que


relativa, para apreciar as provas dentro do processo. Mas a prova dos fatos
controversos será imprescindível para conferir segurança às decisões judiciais e
especialmente para a apuração da verdade e certeza331.
De qualquer forma, as decisões judiciais deverão ser motivadas, nos
termos do artigo 93, IX, da Constituição Federal332 e também do artigo 489 do novo
Código de Processo Civil, que inovou ao preceituar as circunstâncias em que não se
considera fundamentada uma decisão judicial333.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o
interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de
outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
II - o que é parte na causa;
III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa
jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes.
Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:
I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes
consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau;
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.
Art. 458. Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do
que souber e lhe for perguntado.
Parágrafo único. O juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem faz afirmação
falsa, cala ou oculta a verdade.
331
João Batista Lopes, A prova no direito processual civil, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 23.
332
O artigo 93, IX, da Constituição Federal diz o seguinte: "todos os julgamentos dos órgãos do
Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,
podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo
não prejudique o interesse público à informação".
333
O artigo 489 do novo Código de Processo Civil reza: "São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e
da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou
acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação
com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua
incidência no caso;
  145  

O dever da verdade não poderia sofrer limitações no campo judiciário,


mas, como se baseia muitas vezes em princípios éticos, o segredo acaba
prevalecendo, conforme a concepção de Giorgio Del Vecchio334. O autor indica que
o silêncio não pode ser confundido com a mentira, sendo esta, praticada pela parte,
muito mais grave. No caso, defende a criação de lei estabelecendo o dever geral das
partes e seus representantes de dizerem a verdade. Mas pondera que mesmo não
estando expresso o dever de veracidade para aqueles, há outros deveres de mesma
raiz, como a lealdade processual. Além disso, a verdade deve ser imposta na
atividade judicial porque verdade e justiça são necessariamente conexas, e seria
incoerente reclamar justiça sem respeitar a verdade.
A verdade processual também precisa ser resgatada nas decisões
judiciais 335 , porque a dúvida, neste conceito, seja moderna, negando sua
objetividade, ou pós-moderna, negando sua existência, tem consequências
arriscadas para a teoria do direito, eis que pode haver sequelas na fundamentação
de decisões.

9.3. Direito à verdade e direito à memória.

O direito à verdade assegura que toda pessoa pode receber e ter acesso às

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,
sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento".
334
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 58-63.
335
Lenio Luiz Streck, O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém?, Disponível
em http://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-consciencia-
seguranca-alguem#_ftn1_6301, Acesso em 01/12/2015.
  146  

informações de interesse público. Estas informações podem estar em poder tanto do


Estado como de entidades privadas. O direito à memória está intimamente ligado
ao direito à verdade, porque é o direito de acessar o passado, com a utilização,
conservação e transmissão de dados que integrem o patrimônio cultural da
coletividade336.
Para que o direito à memória possa ser exercido, é preciso desvendar o
passado, o que só é possível por meio do resgate da verdade, ou seja, mediante a
busca de acontecimentos marcantes que tornem possível a difusão da experiência e
da herança histórica da sociedade, as quais estabeleçam uma memória coletiva ou
individual 337.
Além disso, importante salientar que a memória só é preservada por meio
da verdade histórica. Segundo Habermas338, a história viva faz com que o passado e
o estranho sejam elementos de um movimento de construção histórica, sendo este o
critério de força pelo qual uma pessoa ou uma sociedade se torna decifrável a si
mesma, no instante em que traz tanto o passado como o estranho para o presente.
A verdade histórica se refere à existência de um evento ou fato
determinado, sem discussão sobre o seu aspecto positivo ou negativo ou sem
qualquer discussão valorativa a seu respeito. Por exemplo, alguns acontecimentos
históricos não podem ser negados. São fatos colocados à disposição das pessoas339.
Ademais, a história é fundamental para basear a moderna hermenêutica.

                                                                                                               
336
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito fundamental à memória e à verdade,
Curitiba: Juruá, 2013, p. 39.
337
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 40.
338
Jürgen Habermas, Conhecimento e interesse, Trad. José N. Heck, Rio de Janeiro: Guanabara,
1987, p. 306.
339
Neste sentido é o conceito de verdade histórica de Andrés Gil Domínguez (Constituicion y
derechos humanos: las normas del olvido en la República Argentina, Buenos Aires: Ediar, 2004,
p. 97), que ainda tece alguns exemplos de verdade histórica que, segundo o autor, não podem ser
negados, tais como: o holocausto, a II Guerra Mundial, a Revolução de Cuba, a morte de JFK.
  147  

Conforme a lição de Richard E. Palmer340, o homem é um ser histórico que


depende da interpretação constante de seu passado, compreendendo a si próprio por
meio da interpretação de um mundo que o passado lhe transmite, um legado
constantemente presente e ativante em todas as suas ações e decisões. E resume: "a
própria interpretação é histórica, e se tentarmos fazer dela qualquer outra coisa
acrescentando-lhe ou tirando-lhe algo, empobrecemos a interpretação e
empobrecemo-nos a nós mesmos".
A criação da memória é possível mediante um processo de afastamento
do preconceito de que o passado é imutável. Ao contrário, a memória é
imprescindível, o não esquecimento, para que a verdade histórica seja reproduzida
de forma fiel e os possíveis traumas coletivos possam ser superados341.
O direito à memória com verdade, se desrespeitado, afeta todas as
pessoas e influi no cotidiano de suas vidas. A preservação da memória exerce
função essencial nas relações humanas e, ao contrário do esquecimento, as
memórias individual e coletiva são os alicerces fundamentais e os meios de se
aplicarem na prática os direitos humanos342.
Paul Ricoeur343 vincula o direito à memória com a ideia de justiça:

"é a justiça que, ao extrair das lembranças traumatizantes seu valor


exemplar, transforma a memória em projeto; e é esse mesmo projeto de
justiça que, enquanto imperativo de justiça, o dever de memória se
projeta à maneira de um terceiro termo no ponto de junção do trabalho de
luto e do trabalho de memória. Em troca, o imperativo recebe do trabalho
                                                                                                               
340
Richard E. Palmer, Hermenêutica, Trad. Maria Luíza Ribeiro Ferreira, Lisboa: Edições 70,
1999, p. 123-254.
341
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 28-29.
342
Marco Antonio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi, Resgate da memória e da verdade: um
direito de todos, in Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.),
Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte:
Forum, 2009, p. 57.
343
Paul Ricoeur, A memória, a história, o esquecimento, Trad. Alain François, Campinas: Editora
Unicamp, 2007, p. 101.
  148  

de memória e do trabalho de luto o impulso que o integra a uma


economia das pulsões".

O resgate da memória através da verdade permite o esclarecimento


daquilo que é inconsciente e irracional, possibilitando a reconciliação com o
sentimento de justiça e também permitindo a busca da responsabilização daqueles
que praticaram atos contra a humanidade, como a tortura e desaparecimento
forçados. Assim se consolida a democracia344.
Conforme foi examinado acima, o rol dos direitos da personalidade é
abrangente o bastante para se qualificar o direito ao esquecimento como um direito
da personalidade, que é o cerne deste trabalho. E, segundo o mesmo raciocínio,
incluem-se também nos direitos da personalidade o direito à verdade e à
memória345.
O direito à verdade foi tratado por Pontes de Miranda346 como um direito
da personalidade. Segundo o autor, o direito à verdade é absoluto, existe perante
todos e é inato, como qualquer outro direito da personalidade347.
A Constituição Federal de 1988 reconhece o direito à memória e à
verdade de forma implícita. Em diversos aspectos é possível encontrar a busca pela
verdade no texto constitucional. Trata-se de direito fundamental decorrente do

                                                                                                               
344
Marco Antonio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi, Resgate, cit., p. 58, 60.
345
Segundo François Ost (O tempo do direito, cit., p. 52), a memória é a primeira forma de tempo
jurídico qualificado: "a memória que recorda que há o dado e o instituído (...) acontecimentos que
contaram e ainda contam são suscetíveis de conferir um sentido à existência coletiva e aos
destinos individuais. Instituir o passado, certificar os fatos ocorridos, garantir a origem dos
títulos, das regras, das pessoas e das coisas: eis a mais antiga e a mais permanente das funções do
jurídico. Na ausência dessas fundações, despontaria o risco de anomia, como se a sociedade
assentasse em alicerces transitórios".
346
Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 66.
347
Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 101) também aponta o direito à memória e à verdade
como direito da personalidade, e afirma que, apesar de não ter sido explicitado pelo legislador
constitucional, ele vem se consolidando como forma de expressão da justiça de transição, em
razão da apuração dos crimes cometidos pela repressão política durante a ditadura militar
brasileira.
  149  

Estado Democrático de Direito e de outros princípios constitucionais.


O Estado Democrático de Direito é fundamento do direito à verdade e à
memória. Segundo Norberto Bobbio348 "pode-se definir a democracia das maneiras
as mais diversas, mas não existe definição que possa deixar de incluir em seus
conotativos a visibilidade ou transparência do poder".
Ora, se a democracia tem como principal característica a transparência,
logo uma das formas de alcançá-la é através da memória e da verdade.
O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana também serve de
fundamento para o direito à verdade e à memória, especialmente no que diz
respeito às violações de direitos humanos ocorridas nos regimes ditatoriais. A
omissão de informações acerca de tais períodos atinge não somente a dignidade da
família dos mortos e desaparecidos políticos, como também a dignidade coletiva de
toda a nação349.
O direito à informação, examinado acima, respalda, da mesma forma, o
direito à verdade e à memória, porque obriga os órgãos públicos a fornecer todas as
informações pertinentes à Administração Pública, e é efetivado pelo princípio da
publicidade, nos termos do artigo 5º, XXXIII, da Constituição Federal, que
determina: "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo
da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".
Em decorrência do direito à informação é possível afirmar que o
princípio republicano também ampara o direito à verdade e à memória. Todos têm
o direito de acesso e conhecimento de todos os dados do que foi produzido em

                                                                                                               
348
Norberto Bobbio, O futuro da democracia, uma defesa das regras do jogo, Trad. Marco
Aurélio Nogueira, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 7.
349
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 53.
  150  

nome do povo, não podendo estes ficar limitados ao interesse pessoal dos agentes
públicos. Desta forma, os assuntos de interesse da nação devem ter publicidade
integral350.
O artigo 37, caput, da Constituição Federal351 aponta os princípios que
baseiam a administração pública, e um deles é o princípio da publicidade, referido
acima. Este garante que a administração pública deve, de forma obrigatória, prestar
contas de seus atos, possibilitando mais uma vez a realização da verdade e da
memória352.
O habeas data, garantido pelo artigo 5º, LXXII, da Constituição
Federal353, é, também, uma das formas de instrumentalização do direito à verdade e
à memória, uma vez que assegura o conhecimento dos registros pertencentes ao
impetrante, constantes em entidades governamentais ou de caráter público.
Além da Constituição Federal, existem outras normas previstas no direito
brasileiro em que o direito à verdade encontra amparo, ainda que de forma
implícita.
O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, proíbe a publicidade
enganosa, sendo este um de seus mais importantes preceitos, previsto no seu artigo
37354.

                                                                                                               
350
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 57.
351
O artigo 37, caput, da Constituição Federal diz o seguinte: "A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte".
352
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 61.
353
O artigo 5º, LXXII, da Constituição Federal prevê: "conceder-se-á habeas data: a) para
assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a
retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo".
354
O artigo 37 da Lei 9078/90, diz o seguinte: "É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário,
inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir
  151  

O Código Penal prevê, ainda, o direito à verdade, ao prescrever que nos


crimes contra a honra, especificamente em relação à calúnia e à difamação, é
possível a arguição da exceção da verdade, ou seja, quando possível provar que o
fato atribuído ao outro é verídico, o crime não se configura355.
O novo Código de Processo Civil, conforme foi explanado acima, prevê
o dever da verdade para as partes e procuradores, além de considerar litigante de
má-fé aquele que altera a verdade dos fatos; obriga ainda a testemunha a dizer a
verdade, sob pena de incorrer em crime. O direito à verdade está explicitado no
artigo 369, que permite o uso de todos os meios legais e os moralmente legítimos
para provar a verdade dos fatos.
O direito à verdade também está amparado em diversos tratados
internacionais, subscritos pelo Brasil, dos quais podemos destacar a Declaração
Universal de Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, a Convenção contra a Tortura e a Convenção Americana de Direitos
Humanos. Conforme explica Flávia Piovesan356, destes mencionados tratados é
possível extrair os seguintes direitos: o direito de não ser submetido à tortura; o
direito à justiça; o direito à verdade; e o direito à prestação jurisdicional.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou em novembro
de 2014 um relatório denominado "Direito à verdade na América", oferecendo
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades,
origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à
violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e
experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor
a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de
informar sobre dado essencial do produto ou serviço".
355
A exceção da verdade, nos crimes contra a honra, está prevista nos artigos 138, § 3º, e 139,
parágrafo único.
356
Flávia Piovesan, Direito internacional dos direitos humanos e lei de anistia, in Inês Virgínia
Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de
transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 202.
  152  

ferramentas para garantir aos Estados a busca do direito à verdade, nos seguintes
termos:
"El derecho a la verdad ha surgido como respuesta frente a la falta de
esclarecimiento, investigación, juzgamiento y sanción de los casos de
graves violaciones de derechos humanos e infracciones al DIH por parte
de los Estados. Es a través de los esfuerzos para combatir la impunidad
que los órganos del sistema han desarrollado estándares regionales que
dan contenido al derecho a la verdad, y los Estados y la sociedad civil
han desarrollado enfoques e iniciativas para implementarlos en una
amplia gama de conceptos. Asimismo, el derecho a la verdad constituye
uno de los pilares de los mecanismos de justicia transicional. ".357

O mesmo relatório concluiu:


"En el ámbito del sistema interamericano, el derecho a la verdad se
vinculó inicialmente con el fenómeno extendido de la desaparición
forzada. Tanto la Comisión como la Corte Interamericana han
establecido que la desaparición forzada de personas tiene un carácter
permanente o continuado que afecta una pluralidad de derechos, tales
como el derecho a la libertad personal, a la integridad personal, a la
vida y al reconocimiento a la personalidad jurídica. De esta forma, se
ha indicado que el acto de desaparición y su ejecución inician con la
privación de la libertad de la persona y la subsiguiente falta de
información sobre su destino, y permanece mientras no se conozca el
paradero de la persona desaparecida o se identifiquen con certeza sus
restos. En suma, ambos órganos han sostenido que la práctica de la
desaparición forzada implica un craso abandono de los principios
esenciales en que se fundamenta el sistema interamericano de derechos
humanos y cuya prohibición ha alcanzado el carácter de jus cogens".358

Diante do exposto, não resta dúvida de que o direito à verdade e à


memória foram protegidos pelo direito brasileiro.

                                                                                                               
357
Item 4 do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: "Direito à verdade na
América", disponível em http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Derecho-Verdad-es.pdf,
Acesso em 20/12/2015.
358
Item 8 do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: "Direito à verdade na
América", disponível em http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Derecho-Verdad-es.pdf,
Acesso em 20/12/2015.
  153  

9.4. Questões históricas relevantes: ditadura militar no Brasil e a tortura.

Em abril de 1964, o então Presidente da República do Brasil, João


Goulart, foi destituído de seu cargo por um golpe militar, que instalou um regime
ditatorial.
O regime militar no Brasil se estendeu pelo período de 1964 até 1985.
Durante este tempo houve ampla violação dos direitos humanos, com abuso de
poder, prisões, tortura, desaparecimentos forçados e morte. Há um número
estimado de mais de 20.000 casos de tortura 359 . Segundo relatório final da
Comissão Nacional da Verdade, que será abordado adiante, verificou-se o
desaparecimento e morte de pelo menos 434 pessoas360.
Em 1979 foi promulgada a Lei 6.683/79, Lei da Anistia, concebida,
inicialmente, para trazer de volta os exilados políticos, que estavam fora do país por
serem contrários ao governo, mas que, no entanto, acabou por anistiar os dois
lados: tanto os opositores do governo militar como também os acusados de praticar
abuso de poder, como a tortura e outros crimes.

                                                                                                               
359
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República estima o número de cerca de
20.000 pessoas torturadas no regime ditatorial. Disponível em
http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/12/10/de-pau-de-arara-a-cadeira-do-
dragao-comissao-da-verdade-lista-20-metodos-de-tortura.htm, Acesso em 28/12/2015.
O número final de torturados não foi divulgado pela Comissão Nacional da Verdade do Brasil.
Esta priorizou os casos de mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres. No
entanto deixou de dizer quais e quantas pessoas foram torturadas. Apenas listou genericamente
como as torturas ocorriam e a sua forma de execução. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1562171-relatorio-nao-trouxe-numero-de-
torturados.shtml, acesso em 28/12/2015.
360
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1562171-relatorio-nao-trouxe-
numero-de-torturados.shtml, acesso em 28/12/2015.
  154  

Cumpre definir o termo anistia. O sentido etimológico da palavra anistia


é esquecimento. A origem é do latim amnestĭa,ae, e quer dizer amnésia, ou seja,
falta de memória361.
Juridicamente anistia significa o esquecimento jurídico de uma ou mais
infrações penais, e deve ser concedida apenas em casos excepcionais, com o
objetivo de pacificar a sociedade, aplicando-se em regra aos crimes políticos. O
crime anistiado desaparece para todos os efeitos jurídicos362. A anistia também
pode ser analisada sob o enfoque do perdão. É uma das formas mais antigas de
perdão penal.363
A anistia teve origem na Grécia antiga, quando, no ano de 403 a. C., após
a Guerra do Peloponeso, trinta tiranos que haviam sido depostos foram perdoados e
repatriados. como solução pacificadora364.
No direito romano também se tem notícia de caso de anistia. No dia 15
de março do ano de 44 a.C., o imperador Júlio César foi assassinado por 60
membros do Senado, segundo os quais ele governava de forma autocrática e
autoritária. Foi o fim da República e começo do Império. Dois dias depois,
Cicerone fez um discurso pacificador para a segurança e concórdia do Estado e
propôs aquilo que foi chamado de "l'oblivio caedis"365, o que teria sido a primeira
forma de anistia pacificadora no direito romano366.

                                                                                                               
361
Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível em
http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=anistia, Acesso em 27/12/2015.
362
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia: as leis internacionais e o caso brasileiro,
Curitiba: Juruá, 2009, p. 49, 51.
363
A anistia não pode ser confundida com a imunidade. Esta tem objetivo meramente político,
não se tratando nem de esquecimento nem de perdão. Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos,
Anistia, cit., p. 62-64.
364
Federico Maria D'Ippolito, Diritto, memoria, oblio nel mondo romano, Napoli: Satura, 2010,
p. 68.
365
Na realidade Cicerone utilizou como argumento um acontecimento do ano de 403 a.C. em que
trinta tiranos foram depostos do poder.
366
Federico Maria D'Ippolito, Diritto, memoria, oblio, cit., p. 68-71.
  155  

A anistia é vista por muitos autores como algo perigoso, pois em nome
da paz social conduz ao esquecimento e à negação da memória, podendo se
transformar em um mecanismo de impunidade.
Analisando a questão, Paul Ricoeur 367 descreve a anistia como um
esquecimento comandado e ensina: "a fronteira entre o esquecimento e o perdão é
insidiosamente ultrapassada na medida em que essas duas disposições lidam com
processos judiciais e com a imposição de pena; ora a questão do perdão se coloca
onde há acusação, condenação e castigo; por outro lado, as leis que tratam da
anistia a designam como um tipo de perdão".
O artigo 1º da Lei da Anistia preceitua o seguinte:

"É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02


de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos
ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos
políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta,
de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes
Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes
sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e
Complementares.
§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de
qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por
motivação política.
§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados
pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado
pessoal.
§ 3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar
demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do
respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas
as exigências do art. 3º”.

Por muito tempo discutiu-se sobre a questão da punibilidade daqueles


que cometeram abuso de poder, especialmente os torturadores do regime militar.
                                                                                                               
367
Paul Ricoeur, A memória, cit., p. 459.
  156  

Afinal, a tortura é crime gravíssimo contra os direitos humanos, e, após o fim do


regime militar, as vítimas e os familiares de vítimas ansiavam por essa punição. A
Constituição Federal de 1988, que coroou o fim da ditadura, faz disposição
expressa sobre o crime de tortura, em seu artigo 5º, XLIII, prescrevendo ser um
crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia368. Além deste, outros crimes
envolvendo abuso de poder foram inegavelmente cometidos.
Ao que parece, a Lei de Anistia não poderia abarcar o crime de tortura,
uma vez que este excede o aspecto material daquela lei e, como crime contra a
humanidade, deve ser imprescritível, conforme dispõem a Constituição Federal e
diversos tratados e convenções de que o Brasil passou a ser signatário.
Entretanto, não foi aplicada punição ao crime de tortura, justamente em
razão de a Lei da Anistia não haver sido revogada.
O período de transição entre o regime militar e a instalação do Estado
Democrático de Direito foi acanhado, pois, inicialmente, criou-se apenas uma
comissão para indenizar a família dos mortos e desaparecidos, sem poder de julgar
e punir culpados. A partir de 1995, durante o governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, tal comissão examinou casos de 360 pessoas e concluiu pela
indenização a favor de 284 pessoas, por terem sido mortas pelas forças de
segurança, mas os resultados do trabalho não foram publicados oficialmente.369
Logo, a verdade não foi divulgada naquele momento.
Outra medida de grande importância para a busca da verdade histórica e
preservação da memória é a chamada arqueologia forense. Trata-se de estudo de
vestígios materiais, utilizando restos arqueológicos ou identificação de ossadas

                                                                                                               
368
O artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal prevê o seguinte: "a lei considerará crimes
inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".
369
Luciana Carrilho de Moraes, Verdade e justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 87.
  157  

humanas para a revelação da história e consequentemente para a preservação da


memória. Este método foi utilizado para desvendar fatos ocorridos durante a II
Guerra Mundial e a Guerra Fria.
A partir da década de 1990 verificou-se grande avanço na esfera da
arqueologia forense em vários países da América Latina que sofreram com
ditaduras. Neste quesito, o Brasil ainda está apenas se desenvolvendo. Uma
importante experiência nesta área ocorreu em 1992, quando foi formada no Rio de
Janeiro uma equipe forense interdisciplinar composta por voluntários (arqueólogos
e físicos). Denominada "Grupo Tortura Nunca Mais", atuou na procura de corpos
de desaparecidos durante a ditadura militar, em valas comuns de cemitérios, locais
em que supostamente estariam enterrados presos políticos. No entanto não obteve
sucesso porque não conseguiu identificar os corpos e não teve subsídios para dar
continuidade à investigação. Mas percebe-se que a iniciativa foi expressivamente
valiosa, por demonstrar o quanto é importante a preservação da memória e talvez
para ser retomada no futuro 370.
Sobre o tema da anistia, há de se destacar o artigo 8º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê:

"É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até


a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência
de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais
ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo
nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº
864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na
inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito
se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em
atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as
                                                                                                               
370
Aline Vieira de Carvalho e Pedro Paulo A. Funari, A importância da arqueologia forense na
construção de memórias perdidas nos períodos ditatoriais latino-americanos, in Inês Virgínia
Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de
transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 351, 352.
  158  

características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos


civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos".

Assim, verifica-se que a Constituição Federal manteve a anistia aos


crimes com motivação exclusivamente política, mas o dispositivo constitucional
tardou a ser regulamentado, o que se deu apenas no ano de 2002, com a criação da
lei dos anistiados. Trata-se da Lei 10.559/2002, que teve como objetivo regular o
regime do anistiado político e entre outras medidas previu a reparação econômica
daqueles que foram impedidos de exercer suas atividades durante o regime militar,
o que é uma forma de restaurar a verdade e a memória, mas não é suficiente para
reparar os tantos erros do passado.
Após a ditadura militar, o Brasil passou também a ser signatário de
diversos tratados internacionais que previram a punição da tortura e do
desaparecimento de pessoas. Foi o que ocorreu na chamada Convenção contra a
Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, da
Assembleia das Nações Unidas, assinada em 1985 e aprovada pelo Decreto
legislativo nº 4, de 1989. E também no Tratado que originou o Tribunal Penal
Internacional, assinado em 2000 e aprovado pelo Decreto Legislativo nº 112, de
2002, que instituiu uma Corte permanente para julgar crimes graves contra os
direitos humanos371.
Este último Tratado define o crime de tortura e o de desaparecimento de
pessoas como crimes contra a humanidade, quando praticados no quadro de um
ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil. Determina
também que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis372.

                                                                                                               
371
Celso Antonio Bandeira de Melo, Imprescritibilidade dos crimes de tortura, in Inês Virgínia
Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de
transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 138.
372
Celso Antonio Bandeira de Melo, Imprescritibilidade, cit., p. 138.
  159  

Assim, a partir do momento em que o Brasil aderiu a tais tratados, que


consideram a tortura um crime contra a humanidade, eles se tornaram superiores a
qualquer legislação que disponha o contrário. Mas não foi o suficiente para levar à
punição concreta dos criminosos do regime militar.
Ao contrário. Após a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, de nº 153, promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil,
pretendendo a anulação do perdão concedido aos policiais e militares acusados de
cometer atos de tortura durante o regime militar, em 29 de abril de 2010 o Supremo
Tribunal Federal decidiu pela manutenção da Lei da Anistia, assegurando anistia
ampla, geral e irrestrita tanto para as vítimas como para seus carrascos. O
julgamento rejeitou o pedido por uma revisão da Lei da Anistia, por sete votos a
dois, considerando-a integrada à ordem constitucional.
O voto vencedor foi do Ministro Eros Grau, relator do processo, que foi
acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de
Mello, Cezar Peluso, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie. Foram
contrários os Ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, que defenderam que
certos crimes são incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política pura
ou por conexão, não havendo na anistia caráter amplo, geral e irrestrito.
Merece destaque o voto do Ministro Cezar Peluso, ao afirmar que a
ADPF não tratava da reprovação ética da prática da tortura, e que a ação apenas
propunha a avaliação do artigo 1º da Lei de Anistia e da sua compatibilidade com a
Constituição de 1988. O Ministro entendeu que a anistia se estendeu aos chamados
crimes “conexos”, como diz a lei, e que esses crimes são de qualquer ordem,
transcendendo esta ao campo dos crimes políticos ou praticados por motivação
política. Sopesou, ainda, que a ação não tratava do “direito à verdade histórica”,
porque não é possível apurar responsabilidades históricas sem modificar a Lei de
Anistia. E concluiu: “(...) só o homem perdoa. Só uma sociedade superior
  160  

qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade, é


capaz de perdoar, porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que
os seus inimigos, é capaz de sobreviver.”
Destaque-se ainda o voto do relator, Ministro Eros Grau, que, apesar de
ter decidido pela improcedência da ação, não excluiu o repúdio a todas as
modalidades de tortura, afirmando que existem coisas que não podem ser
esquecidas: "É necessário não esquecermos para que nunca mais as coisas voltem a
ser como foram no passado". Além disso, consolidou a possibilidade de acesso aos
documentos históricos como forma de exercício do direito fundamental à verdade
para "prosseguir na construção madura do futuro democrático".
Percebe-se que, conforme a lição de Flávia Piovesan 373 , o Supremo
Tribunal Federal denegou às vítimas o direito à justiça, apesar de ter endossado o
direito à verdade, atribuindo legitimidade político-social à lei de anistia em razão
de um "acordo político" e de uma "reconciliação nacional".
A autora 374 discorda desta decisão porque "a absoluta proibição da
tortura, o direito à verdade e o direito à justiça estão consagrados nos instrumentos
internacionais ratificados pelo Brasil, o que impõe o dever do Estado de investigar,
processar, punir e reparar graves violações a direitos humanos especialmente se
tratando de crime internacional. (...). Leis de anistia não podem autorizar a
manifesta violação de jus cogens internacional, como o é a absoluta proibição da
tortura. Não podem ainda perpetuar a impunidade, ao gerar uma injustiça
permanente e continuada".
O direito à verdade é absolutamente conflitante com a anistia, eis que
esta é um meio de bloquear a verdade, apagar, eliminar e esquecer o passado por

                                                                                                               
373
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 607.
374
Flávia Piovesan, Direito Internacional, cit., p. 209-210.
  161  

completo375. Portanto, apesar de a referida decisão ter consolidado o acesso aos


documentos históricos como garantia do direito à verdade, isso jamais será
suficiente para que se faça total justiça.
Ressalte-se que o assunto relativo à Lei de Anistia ainda não está
encerrado no Supremo Tribunal Federal. A decisão proferida em 2010 foi objeto de
embargos de declaração e estes ainda não foram apreciados. O julgamento dos
embargos foi adiado e o processo encontra-se, atualmente, com prioridade de
tramitação. Há de se observar que um dos pontos principais dos embargos de
declaração é o questionamento sobre os crimes de desaparecimento forçado, cujas
vítimas e corpos permanecem ocultos. A questão é saber se estes também foram
anistiados.
A questão ainda pode sofrer uma reviravolta no que diz respeito à
punição dos agressores, agentes do Estado, não somente em função da apreciação
dos embargos de declaração, mas também em razão do julgamento de outra
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que será examinada no
item seguinte.

9.5. Decisões da Corte Interamericana sobre tortura no Brasil e em outros


países da América Latina.

Conforme foi abordado, o Brasil aderiu a diversos Tratados


internacionais envolvendo direitos humanos, incluindo a Convenção Americana de
Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, de
1969, que entrou em vigor em 1978. Naquele período, a grande maioria dos
Estados-partes da Convenção (da América Latina e América Central) tinha
governos ditatoriais e autoritários, que não foram eleitos de forma democrática.
                                                                                                               
375
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 98.
  162  

Com o tempo, a maioria destes países se transformou em democracia. É o caso, por


exemplo, do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Peru376.
Portanto, em muitos destes países ocorreu o que é chamado de processo
de justiça de transição entre um regime ditatorial e um regime democrático. Neste
contexto, a Corte Interamericana atuou para julgar diversos casos emblemáticos
envolvendo abuso de poder, tortura e demais crimes ocorridos durante a ditadura.
Cada país reagiu de forma diferente com relação à punição dos envolvidos e
também para o estabelecimento da verdade e da memória. A Corte Interamericana
atuou no Brasil e também em outros destes países, conforme será explanado.
Com relação ao Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
entendeu ser a decisão do Supremo Tribunal Federal totalmente contrária ao dever
internacional do Estado de investigar e punir graves violações de direitos humanos.
O Brasil, em 24 de novembro de 2010, foi condenado pela Corte
Interamericana, no caso Gomes Lund e outros versus Brasil, em razão do
desaparecimento de integrantes da guerrilha do Araguaia, em operações militares,
durante a década de 1970. A sentença prescreveu que as disposições da Lei de
Anistia, de 1979, são absolutamente incompatíveis com a Convenção Americana e
desprovidas de efeitos jurídicos, e que não podem representar obstáculo à
investigação de graves violações de direitos humanos nem à identificação e punição
dos responsáveis. A decisão foi fundamentada em farta jurisprudência de órgãos
das Nações Unidas e do sistema interamericano, além de decisões judiciais
invalidando leis de Anistia de outros países, como Argentina, Chile, Peru, Uruguai
e Colômbia377.
Há de se ressaltar o fato de a decisão da Corte Interamericana ter sido
proferida após a já mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou
                                                                                                               
376
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 597.
377
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 608.
  163  

constitucional a lei de anistia. Em decorrência, em maio de 2014, o Partido


Socialismo e Liberdade ajuizou uma nova Arguição de Descumprimento de
Preceito Constitucional, de número 320, sob o argumento de que o não
cumprimento da sentença proferida pela Corte Interamericana importa em violação
de preceitos constitucionais378. O Supremo Tribunal Federal ainda não julgou a
questão. Cabe ressaltar que a composição da Corte foi alterada em relação ao
primeiro julgamento sobre o assunto, o que pode resultar em decisão em outro
sentido.
No Peru, em 2001, foi realizado o julgamento do caso Barrios Altos
versus Peru, um massacre de quatorze pessoas executadas por policiais. Também
foi concedida anistia em favor de militares naquele país. A Corte Interamericana
condenou o Peru a reabrir investigações judiciais sobre o evento, com a
consequente derrogação da lei de anistia, e também a reparar integralmente os
danos materiais e morais sofridos pelos familiares das vítimas . Tal decisão foi um
marco no direito internacional, porque permitiu a um Tribunal Internacional
determinar a incompatibilidade de lei de anistia com tratados de direitos humanos.
A Corte entendeu que leis de "auto anistia" tornam a impunidade perene, garantem
injustiça continuada e impedem as vítimas e familiares de terem acesso à Justiça e
ao direito à verdade e memória379.
A Corte Interamericana também julgou o caso Almonacid Arellano
versus Chile, no ano de 2006. No mesmo sentido, considerou que a lei de anistia
local, que perdoava os crimes cometidos no regime Pinochet, seria inválida, por
denegar justiça às vítimas de crimes tão graves380.

                                                                                                               
378
Os preceitos constitucionais que estariam sendo violados, segundo a ADPF 320 são:
artigo 4º, III; artigo 5º, § 2º; e artigo 7º, da ADCT.
379
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 600-601.
380
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 602.
  164  

Decisão similar foi proferida pela Corte Interamericana contra o Uruguai,


em 2011, no caso Gelman versus Uruguai381.
Em todas as mencionadas decisões da Corte Interamericana há os
seguintes aspectos comuns, conforme pontifica Flávia Piovesan382 : "as leis de
anistia violam parâmetros protetivos internacionais; constituem um ilícito
internacional; e não obstam o dever do Estado de investigar, julgar e reparar as
graves violações cometidas, assegurando às vítimas os direitos à justiça e à
verdade".
Percebe-se que existe um movimento crescente, no direito internacional,
no sentido de condenar as anistias às violações de direitos humanos, mesmo quando
concedidas por regimes sucessores383.
Destaque-se resultado mais positivo na Argentina, pois, naquele país, foi
desenvolvida uma abundante jurisprudência em sua Corte Suprema de Justiça,
reconhecendo os julgados da Corte Interamericana, com a consequente anulação de
leis de anistia locais, e possibilitando a punição dos acusados de crimes contra os
direitos humanos384.
No Brasil, como pode ser observado, o resultado foi totalmente diverso.
Trata-se de um esquecimento que não pode e não poderia ter acontecido. Neste
aspecto, a Argentina é um exemplo a ser seguido. A diferença daquele país é que o
povo não permitiu que os crimes contra a humanidade, cometidos no período da
ditadura, caíssem no esquecimento. A lei de anistia local, a chamada Lei do Ponto
Final, foi considerada inconstitucional e por isso foi anulada. O mesmo ainda pode
acontecer no Brasil. Apesar de a decisão sobre o mesmo assunto, proferida pelo
                                                                                                               
381
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 602.
382
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 603.
383
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 297.
384
Neste sentido: Andrés Gil Domínguez (Constitución, cit., p. 115), ao tratar da chamada "Lei
do Ponto Final", que concedia anistia aos crimes praticados pelos militares durante a ditadura e
que acabou sendo anulada.
  165  

Supremo Tribunal Federal, ter sido em outro sentido, ela ainda não transitou em
julgado, apesar de ser anterior à outra decisão, aquela proferida pela Corte
Interamericana sobre o caso Gomes Lund. Logo, ainda há tempo para que o
Supremo Tribunal Federal anule a lei de anistia brasileira e reconheça o julgado da
Corte Interamericana. O único inconveniente de tamanha demora é o fato de que
muitos dos causadores das barbáries ocorridas na ditadura brasileira já faleceram ou
encontram-se em estado de senilidade. Mas a punição, mesmo que tardia, ainda
pode acontecer. Assim, neste caso, a memória poderá prevalecer sobre o
esquecimento.

9.6. Comissão da verdade no Brasil e Justiça de transição.

A busca pela verdade foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal e, a


partir de então, o tema vem evoluindo em nosso direito.
A memória tem importância crucial para a apuração da verdade e a
aplicação da justiça em relação ao atentado aos direitos humanos e fundamentais
durante os regimes militares385.
No Brasil vigora o Estado Democrático de Direito, razão pela qual o País
deve incontestavelmente refletir e discutir as violações de direitos humanos
praticadas durante os governos ditatoriais, a fim de romper de forma definitiva com
o passado autoritário386.
O direito à verdade garante o direito à construção da identidade, da
história e da memória coletiva, para que seja assegurado o direito à memória das
vítimas e para que as futuras gerações tenham a responsabilidade de prevenir a

                                                                                                               
385
Rogério Gesta Leal, Verdade, memória e justiça no Brasil, responsabilidades compartidas,
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 58.
386
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 59.
  166  

repetição dos atos de violação de direitos humanos387.


Existem diversas maneiras de se concretizar o resgate da memória, entre
elas as seguintes ações388:
- reconstrução do âmbito social e cultural, por meio de atividades artesanais,
artísticas e educativas, ou a promoção de grupos de apoio;
- apoio individual e familiar centrado no trabalho em grupo ou terapia individual e
familiar, para que o silêncio seja rompido;
- treinamento de pessoas para apoiar psicossocialmente e tratar o impacto
traumático;
- formação de grupos de autoajuda, compostos por sobreviventes de conflitos
violentos e também por familiares, com o objetivo de trocarem experiências;
- criação de formas simbólicas de expressão e reconhecimento do ocorrido, para
que sejam mantidas vivas as lições dolorosas do passado, através de cerimônias,
memoriais, parques, praças, placas nas ruas e outros.
Tais medidas visam à chamada recordação coletiva, como forma de
constatação de que os atos praticados foram injustos e não podem nunca mais
voltar a ocorrer. É preciso também apurar o que realmente aconteceu, tarefa de que
se incumbe a denominada Comissão da Verdade, assunto que será examinado
adiante. A busca pela verdade é imprescindível, porque não se pode aceitar a
adulteração de dados, sob pena de se construir uma memória deturpada.
Durante o período do regime militar a adulteração de dados era
frequente. Notícias veiculadas nos meios de comunicação eram constantemente
censuradas ou, então, eram manipuladas e faziam nascer uma memória distorcida
em toda a população. Daí a necessidade da busca da verdade, o que somente é

                                                                                                               
387
Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 208.
388
Rogério Gesta Leal (Verdade, cit., p. 59, 60) apresentou uma série de mecanismos para o
resgate da memória..
  167  

possível com a integração do governo e de toda a sociedade.


Desta forma, para que realmente se consolide a já mencionada
recordação coletiva é preciso, nos termos da lição de Jaime Pennebaker, destacada
da obra de Rogério Gesta389, que:

"os fatos sejam recordados de forma compartilhada e expressos em


rituais e monumentos; deve esta memória tratar do passado, presente e
futuro das gerações envolvidas; deve explicar e esclarecer o ocorrido
dentro do possível; deve extrair lições e conclusões para o presente e
futuro; evitar a fixação no passado deste processo e de suas conclusões,
assim como a repetição obsessiva e a estigmatização dos sobreviventes
como vítimas; cuidar para que não haja distorções ideológicas e
corporativas dos fatos e atos recordados".

No Brasil, conforme examinado, os dados obtidos pela primeira comissão


a investigar os crimes da ditadura jamais foram divulgados, e, portanto, não se
concretizou o cumprimento do direito à verdade e à memória. Familiares de
desaparecidos foram indenizados, nos termos da Lei 9140/95, que teve como
parâmetro esta primeira comissão, criada no governo Fernando Henrique Cardoso.
Outra medida de reparação, também já examinada, é a implementada por meio da
Lei 10.559/2002, que cuida dos anistiados políticos, mas que não é suficiente para
um processo de transição.
A instauração da chamada Comissão da Verdade foi tardia. Ocorreu
somente em 2011, apenas após a mencionada decisão do STF.
A Lei 12.528/11, que a instituiu, com o fim de esclarecer graves
violações aos direitos humanos durante a ditadura no Brasil, promoveu a busca pela
memória e pela verdade, além da tentativa de reparação de erros históricos.
A Comissão da Verdade é uma forma de afirmação do direito à verdade e

                                                                                                               
389
Jaime Pennbaker, Memoria Colectiva de Processos Culturales y Politicos, apud Rogério
Gesta Leal, Verdade, cit., p. 70.
  168  

à memória. É um movimento que vários países do mundo já experimentaram,


conforme será examinado a seguir, e não poderia ser diferente no Brasil, pois ele
serve à consolidação do Estado Democrático de Direito.
Trata-se de solução tardia, mas imprescindível e inquestionável. Há de se
buscar a verdade histórica para evitar o esquecimento ou, o que parece mais grave,
a deturpação da memória. Conforme parecer de Rogério Gesta Leal390, "o segredo e
o silêncio da Administração Pública sobre tais assuntos têm contribuído muito para
provocar uma amnésia irresponsável em nível de cidadania, como se a passagem do
tempo tivesse o condão de apagar da vida das pessoas os vestígios indeléveis que
causaram em vidas humanas e, com isto, autorizar o esquecimento e o
desconhecimento".
Cabe lembrar que a transição para a democracia no Brasil não foi um
processo revolucionário. Ao contrário. As Forças Armadas continuaram a existir
exatamente como antes391.
Se, por hipótese, não fosse instituída a Comissão da Verdade ou se não
existisse a justiça de transição entre o regime ditatorial e o Estado Democrático de
Direito, a consequência seria um grave panorama de violações dos direitos
humanos, especialmente em relação à prática de tortura e também à sua
impunidade392.
A Comissão da Verdade tem como objetivo principal desvendar
acontecimentos ocorridos no passado, restaurar a verdade dos fatos, indenizar
aqueles que foram perseguidos em razão de seus ideais e punir aqueles que
violaram os direitos humanos393. É uma espécie de "alternativa não judicial para a
solução dos problemas pós-conflitos, ou seja, em vez de processar criminalmente
                                                                                                               
390
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 50.
391
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 184.
392
Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 209.
393
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 41.
  169  

os responsáveis pelos excessos cometidos e correr o risco de que a verdade se perca


pelas curvas da história, opta-se por investigar a verdade em sua totalidade, não
apenas para punir os responsáveis"394.
Assim, as comissões têm o intento de, além de apurar os fatos ocorridos
no regime anterior, garantir que gerações presentes e futuras possam conhecer a
verdade sobre os erros e acertos do passado, sem os exageros do perdão, em caso
de anistia, ou do ímpeto da punição aos responsáveis395.
De qualquer forma, se mantida a anistia aos agentes do governo ditatorial
– ainda que a Comissão Nacional da Verdade tenha pleno sucesso, que sejam
revelados todos os acontecimentos e que os erros sejam admitidos publicamente –
os culpados não serão punidos. Serão restabelecidas a verdade e a memória, mas
não será feita justiça.
Existem três formas possíveis de se lidar com a justiça e a memória em
um período de transição, conforme ensina Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos396:
"julgamento e punição (acusação penal); iluminação e reconhecimento (comissões
da verdade e reconciliação); e esquecimento para o bem de um futuro comum
(anistia)".
A primeira forma, a de acusação penal, foi a adotada no Tribunal de
Nuremberg e também no caso dos desaparecimentos forçados na Argentina,
conforme será visto adiante. A segunda hipótese é justamente a das comissões de
verdade e reconciliação, que têm como objetivo o reconhecimento dos males
cometidos contra as vítimas e a perpetuação da memória coletiva. E a terceira e

                                                                                                               
394
José Adércio Leite Sampaio e Alex Luciano Valadares de Almeida, Verdade e história: por
um direito fundamental à verdade, in Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi
(Coords.), Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo
Horizonte: Forum, 2009, p. 255.
395
José Adércio Leite Sampaio e Alex Luciano Valadares de Almeida, Verdade e história, cit., p.
255.
396
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 66.
  170  

última forma é a anistia, que, apesar de objetivar a paz civil, promove um


esquecimento forçado na coletividade.
Com a edição da Lei 12.528/2011, parecia que finalmente o Brasil estaria
adotando a segunda hipótese relacionada acima, ou seja, o reconhecimento dos
males cometidos contra as vítimas e a perpetuação da memória coletiva.
O intuito da referida lei foi criar a Comissão Nacional da Verdade para
elucidar as graves violações de direitos humanos ocorridas no Brasil, não somente
durante o período do regime militar, mas a partir do ano de 1946 até 1988,
conforme previsto no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Caberia à Comissão promover o esclarecimento dos casos de torturas,
mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria,
identificando e tornando públicas as estruturas, locais e instituições envolvidas.
Em 16 de maio de 2012 foram empossados os sete integrantes da
Comissão Nacional da Verdade. Ou seja, quase trinta anos após o término do
regime militar.
O prazo para realizarem todo o trabalho terminaria em 16 de dezembro
de 2014, devendo a Comissão apresentar um relatório final circunstanciado
contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e as
recomendações.
Realmente, este relatório foi produzido. É composto de três volumes. O
primeiro volume trata da criação da comissão, do contexto histórico das graves
violações, dos métodos e práticas empregados nas graves violações de direitos
humanos e suas vítimas, da dinâmica das graves violações de direitos humanos, dos
casos emblemáticos, locais e autores, do Poder Judiciário, e também traz as
conclusões e recomendações. O volume II é composto de textos temáticos como:
Violações de direitos humanos no meio militar; Violações de direitos humanos dos
trabalhadores; Violações de direitos humanos dos camponeses; Violações de
  171  

direitos humanos nas igrejas cristãs; Violações de direitos humanos dos povos
indígenas; Violações de direitos humanos na universidade; Ditadura e
homossexualidades; Civis que colaboraram com a ditadura; e A resistência da
sociedade civil às graves violações de direitos humanos. Finalmente, o volume III
relata os mortos e desaparecidos políticos397.
A principal recomendação é que as Forças Armadas assumam
responsabilidade, inclusive juridicamente, pelos atos cometidos durante os regimes
militares. A comissão também quer o fim das polícias militares, a proibição de atos
que comemorem o golpe de 64 e a revogação da Lei de Segurança Nacional. O
relatório da comissão ressalta, ainda, que os autores dos crimes devem ser julgados:
"Prevalece o dever jurídico do Estado de prevenir, processar, punir e reparar os
crimes contra a humanidade, de modo a assegurar o direito à justiça e à prestação
jurisdicional efetiva."
Quanto à revisão da Lei da Anistia, que chegou a ser cogitada pelos
integrantes do grupo, esta não foi incluída no relatório.
Trata-se de um trabalho notável – por disponibilizar para a sociedade o
contexto histórico, a estrutura do Estado ditatorial, a institucionalização da tortura,
as vítimas e os autores das violações – que ouviu mais de 1.000 testemunhas. A
Comissão Nacional da Verdade nomeou individualmente 377 suspeitos de crimes,
dos quais 196 ainda estão vivos, com idade média de 82 anos398. Mas as Forças
Armadas até hoje se recusam a reconhecer oficialmente as violações dos direitos
humanos, e alguns militares simplesmente não aceitam a Comissão Nacional da
Verdade, além de a criticarem duramente.

                                                                                                               
397
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade está disponível em
http://www.cnv.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=571, Acesso em
27/12/2015.
398
Disponível em http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/comissao-da-verdade-
responsabiliza-377-por-crimes-durante-ditadura.html, Acesso em 28/12/2015.
  172  

No entanto, o trabalho teve muito pouco de inovador. A insuficiência de


documentos novos trazidos pelo Ministério da Defesa e a pouca disposição para
colaborar dos militares contribuíram muito para essa limitação.
O grande problema e frustração é o fato de a Comissão da Verdade estar
limitada pela lei de anistia, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal. Assim, apesar da recomendação de julgamento e punição dos suspeitos de
crimes, estes estão, por enquanto, anistiados. Mas, conforme foi mencionado
acima, a questão, no Supremo Tribunal Federal, ainda é passível de alteração, uma
vez que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153 não transitou
em julgado, e também em razão da nova Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, de número 320, que ainda não foi apreciada.
Conclui-se, portanto, que a transição brasileira é ainda um processo
incompleto. Com a Comissão Nacional da Verdade, vislumbrava-se que o direito à
verdade e à memória fosse assegurado tanto de forma individual como coletiva, e
que talvez isso pudesse trazer a conclamada punição aos agressores, ainda que de
forma tardia. Porém, ainda não é o que acontece.
A memória e o restabelecimento da verdade, especificamente no caso
brasileiro, é muito importante, porque os mais jovens não têm a real dimensão dos
crimes ocorridos no período da ditadura: os abusos, torturas, desaparecimentos
forçados e homicídios. Tanto é verdade que em recentes manifestações populares
houve quem defendesse uma nova intervenção armada no país, fazendo parecer que
já caiu no esquecimento o mal causado no passado e o fato de que uma nova
interferência das Forças Armadas pode afetar a democracia, além de trazer de volta
a violação dos direitos humanos.
Sobre a questão da verdade dos acontecimentos durante a ditadura no
Brasil, é importante, ainda, destacar a iniciativa desta Universidade de criar uma
comissão própria. Trata-se da Comissão da Verdade da PUC-SP, que foi criada por
  173  

iniciativa de professores e alunos. Segundo informações obtidas no site da


Universidade: "A PUC-SP não passou ilesa às violações de direitos cometidas
naquela época, mas foi lugar de acolhida, recebendo professores cassados, alunos
expulsos de universidades públicas e empregando pessoas que saíram das prisões
ou regressaram do exílio. Além disso, foi a PUC-SP que sediou o Congresso da
Anistia e a reunião da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência - SBPC,
proibida em várias outras"399.
Assim, no dia 27 de abril de 2013 foi aprovado o projeto de criação da
comissão, que teria como principal objetivo examinar e esclarecer as graves
violações dos direitos humanos e as ações de resistência ocorridas dentro da
Universidade entre os anos de 1964 a 1988, tarefas que se encontram atualmente
em pleno andamento.

9.7. Memória no direito estrangeiro.

9.7.1. Atrocidades cometidas no holocausto e durante a Guerra Fria.

O desenvolvimento do moderno direito internacional dos direitos


humanos deve-se às atrocidades cometidas no período da II Guerra Mundial pelo
regime nazista. Verificou-se, naquele tempo, o que pode ser encarado como uma
ruptura dos direitos humanos, seguida, no período do Pós-Guerra, de sua
consequente reconstrução400.
Conforme pontifica Maria Helena Diniz401, tratando do nazismo:

                                                                                                               
399
Disponível em, http://www.pucsp.br/comissaodaverdade, acesso em 20/10/2015.
400
Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 199.
401
Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, cit., p. 481.
  174  

"o fantasma nazista(...), tendo por fim, com sua fantasia de super-homem,
atingir a pureza da raça ariana e a vitória na guerra, lembrando um
período da história que todos preferem esquecer, pelas feridas que
causou, levantando, por fim, questões religiosas, éticas, científicas,
filosóficas e jurídicas".

Durante a II Guerra Mundial os Aliados tomaram conhecimento não


somente dos atos de barbárie cometidos pelos nazistas contra adversários, mas,
principalmente, contra o próprio povo alemão, em especial contra judeus,
comunistas, ciganos, entre outros. No entanto, as leis de guerra proibiam as
violações envolvendo adversários e inimigos, mas não proibiam atos contra os
próprios cidadãos402. Daí a importância da reconstrução dos direitos humanos.
Os Aliados decidiram que a melhor solução para punir os criminosos de
guerra seria submetê-los a julgamento em um tribunal, e não simplesmente
executá-los403.
Como resultado, foi criado o Tribunal de Nuremberg, a partir da premissa
de que qualquer violação contra o ser humano deveria ser punida, mesmo que
praticada de acordo com alguma lei nacional, que foi o que justamente ocorreu
durante o nazismo, pois existiam leis nacionais permitindo toda aquela barbaridade.
O fundamento para a condenação dos agressores, mesmo tendo eles
agido de acordo com leis nacionais, foi o de que os crimes contra a humanidade
poderiam ser punidos porque violavam princípios essenciais de humanidade.
Então, o Tribunal de Nuremberg condenou atos que, enquanto eram
cometidos, pareciam legítimos, já que previstos por leis nazistas, mas que
mereceram punição porque configuraram crimes do ponto de vista do direito
internacional e porque os acusados deveriam ter tido a consciência da sua

                                                                                                               
402
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 56.
403
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 57.
  175  

circunstância criminosa404.
As decisões tomadas no Tribunal de Nuremberg se tornaram a base do
direito internacional para a proteção dos direitos humanos, passando a ser
considerados, a partir de então, crimes contemplados pelo direito internacional os
crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade405.
Certamente, o julgamento serviu de aviso e, obviamente, foi amplamente
divulgado, com o intuito de que aqueles males não voltassem a ocorrer. Além
disso, serve para perpetuar a construção de uma memória coletiva para toda a
sociedade e também para as futuras gerações, que não viveram naquele período
mas que têm e devem ter conhecimento de toda a desgraça causada.
Os campos de concentração foram a base material do crime de genocídio,
que não se constituiu apenas em crime contra um grupo nacional, étnico ou
religioso, mas um crime contra a humanidade, por ser uma recusa da diversidade ou
pluralidade, sem nenhuma justificativa. Trata-se, por excelência, do mal406. Daí a
promulgação da Declaração Universal de 1948.
Todos preferiríamos esquecer, mas, neste caso, a memória é fundamental
para que estas e outras barbaridades não aconteçam novamente.
Conforme examinado acima, a partir da Declaração de 1948 são adotados
diversos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos,
especialmente em relação à universalidade, indivisibilidade e interdependência
destes. A Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera o
entendimento da Declaração de 1948 em muitos aspectos, mas também o estende,
renova e amplia. Foi subscrita por 171 Estados e prescreve em seu parágrafo 5º:
"Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados.
                                                                                                               
404
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 58.
405
Celso Lafer, Direitos humanos: um percurso no direito no século XXI, 1, São Paulo: Atlas,
2015, p. 87.
406
Celso Lafer, Direitos humanos, cit., p. 12-13.
  176  

A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma justa e


equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase".407
Existe uma natural tendência para o esquecimento e para o perdão; assim,
conforme destaca François Ost408, imprescindível a criação de mecanismos que
classifiquem a memória do crime e o respeito ao passado e suas vítimas como
imperativos prioritários, e para que seja evitado o revisionismo sobre os eventos de
barbárie ocorridos durante a Segunda Guerra.
Mas a Declaração de 1948 não foi suficiente para impedir violações de
direitos humanos nos regimes comunistas ligados à União Soviética.
No que diz respeito à memória, cabe ressaltar que a Alemanha oriental
não tinha memoriais sobre os judeus mortos, sequestrados, torturados e
desaparecidos durante a Segunda Guerra. Este quadro só se alterou após a queda do
muro de Berlim409.
O regime comunista que imperou durante anos na Berlim Oriental e que
também violou direitos humanos deixou um legado de símbolos que despertam a
memória das pessoas, a lembrar-lhes que as violações do passado não devem voltar
a acontecer410.

9.7.2. Ditaduras da América Latina e Comissões da Verdade.

Vários países da América Latina, incluindo o Brasil, após os regimes


ditatoriais a que foram submetidos, tiveram um ponto em comum: a concessão de

                                                                                                               
407
Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 201.
408
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 94.
409
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 63.
410
É o que ocorre por exemplo com restos do antigo muro que dividia a cidade e que ainda são
expostos, ou torres da polícia que serviam de guarda e impediam a fuga de cidadãos, que ainda
continuam na cidade e servem para despertar a memória coletiva. Além disso, o antigo cárcere
da polícia em Berlim foi transformado num museu das práticas daquela polícia secreta.
  177  

anistias gerais em favor dos opositores dos governos, e também dos governantes e
de seus agentes, que praticaram crimes contra a humanidade. Foram anistias
concedidas pelos próprios ditadores como condição para que se retirassem. Todos
esses países passaram por um período de transição e pelas ditas comissões da
verdade. Ao contrário do que se viu após o Holocausto, conforme relatado acima,
os governantes não foram punidos de imediato, mas por intermédio das tais
comissões.
Serão examinados aqui os casos de comissões da verdade de alguns
países da América Latina, após as violações de direitos humanos. São eles
Argentina, Chile e Peru.
Entretanto, registre-se que inúmeros outros casos de violação de direitos
humanos, com a subsequente constituição de comissões da verdade, ocorreram em
outros países da América do Sul, da América Central, da África do Sul, em Serra
Leoa, na antiga Iugoslávia, entre outros.
Certamente haverá outros casos de violação de direitos humanos no
futuro, como também é certo que acontecem no presente. Os atuais conflitos na
Síria são apenas um exemplo de violação de direitos humanos na atualidade. E o
que se espera é a punição cabal, a restauração da verdade e a preservação da
memória.
Com relação à América Latina, vejamos:
A Argentina sofreu dois golpes de estado militares que resultaram em
regimes autoritários duradouros. O primeiro em 1966, interrompido em 1973. O
segundo em 1976, que se estendeu até 1983. Este último foi considerado o regime
ditatorial mais violento de toda a América Latina. Provocou o desaparecimento
forçado e a morte de cerca de 30.000 pessoas, num período chamado de "guerra
suja".
Conforme já examinado, a Corte Suprema de Justiça argentina reconhece
  178  

a Corte Interamericana e invalidou a anistia concedida aos militares, na chamada


"Lei do Ponto Final". Assim que foi instalado o regime democrático, foi criada pelo
Presidente Raúl Alfonsin uma Comissão da Verdade, denominada Comissão
Nacional para a Investigação sobre o Desaparecimento de Pessoas, a CONADEP,
com o objetivo de investigar os fatos ocorridos no regime militar. Seguiu-se um
período de investigação que durou nove meses, e, por meio dos resultados obtidos,
a população pôde conhecer a verdadeira história dos eventos ocorridos no regime
militar411.
O Presidente Nestor Kirchner, nos anos de 2003 a 2007, implementou
medidas públicas de verdade e memória no país, entre estas a transformação de
antigos centros de repressão em memoriais412 de visitação pública413.
Em janeiro de 2010, a presidente da Argentina determinou a abertura de
arquivos confidenciais dos governos militares, com o fundamento de que o sigilo
daqueles arquivos é contrário à memória, à verdade e à justiça414.
E as famosas "Mães e Avós da Praça de Maio"415 não permitiram e ainda
não permitem que a população argentina esqueça todos os sofrimentos a que teve
de se submeter com a ditadura militar.
Verifica-se, portanto, que a Argentina sai na frente do Brasil, no campo
do direito à memória.

                                                                                                               
411
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 35.
412
Por exemplo, a Escola de Mecânica do Exército, local onde funcionou a repressão política,
que torturou e matou várias pessoas. Foram encontrados restos mortais de torturados, enterrados
no pátio da escola. Para preservar a memória, salas de tortura continuam intactas, inclusive com
algumas correntes.
413
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 64.
414
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 606.
415
As Mães da Praça de Maio (Madres de Plaza de Mayo) são mulheres que se reuniam na Praça
de Maio, em Buenos Aires, para exigir notícias de seus filhos desaparecidos durante a ditadura
militar na Argentina. Ainda hoje, as mães realizam manifestações na Praça de Maio, em frente à
Casa Rosada, com o objetivo de manter o desaparecimento de seus filhos na memória de todos os
argentinos.
  179  

O Chile também teve a sua ditadura militar, que teve início com um
golpe militar ocorrido no ano de 1973. O regime autoritário durou 17 anos e o país
foi governado por um único homem: Augusto Pinochet.
Tal como no Brasil e na Argentina, o regime ditatorial do Chile também
matou e sequestrou milhares de pessoas. Os militares fizeram uso de tortura e
morte contra os opositores do regime. Durante anos o Chile viveu sob censura,
tortura, sequestros e homicídios. Calcula-se um número de 35.000 vítimas de
violação de direitos humanos, das quais cerca de 30.000 foram torturadas, 2.200
foram executadas e cerca de 1.200 continuam desaparecidas.
Em 1990 terminou o regime autoritário, com a eleição direta de Patrício
Aylwin. O Presidente eleito criou, no mesmo ano, uma Comissão Nacional de
Verdade e Reconciliação, com um prazo de nove meses para investigações. As
principais funções da Comissão foram as seguintes: formar um quadro sobre
violações de direitos humanos, antecedentes e circunstâncias; individualizar as
vítimas e encontrar seus paradeiros; recomendar medidas de reparação e
reivindicação necessárias; recomendar medidas legais e administrativas cabíveis416.
A Comissão chilena teve um grande número de colaboradores, tais como
organismos nacionais e internacionais de direitos humanos, além de Universidades,
estudantes de direito e assistentes sociais. O resultado das investigações foi um
informativo com algumas recomendações: reparação pública da dignidade das
vítimas; constituição de medidas de bem-estar social; pensão de reparação;
declaração de morte dos desaparecidos; ratificação de tratados internacionais de
direitos humanos; dar continuidade às investigações417.
Desta forma, em 1992, o governo do Chile criou a Corporação Nacional
de Reparação e Recomendação, com o objetivo de cumprir e executar as
                                                                                                               
416
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 35.
417
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 36.
  180  

recomendações mencionadas.
Uma das medidas de preservação da memória no Chile foi a criação de
diversos memoriais 418 sobre o período de repressão. Estes são modelo para o
mundo inteiro neste quesito, embora Augusto Pinochet não tenha sido efetivamente
punido, pois, mesmo afastado do governo, conseguiu um cargo de senador vitalício,
o que lhe garantiu imunidade. Porém, acabou preso na Inglaterra, em 1998, e, após
um longo período de prisão domiciliar, foi extraditado para o Chile no ano de 2000.
Como manobra para evitar a prisão, alegou insanidade mental e renunciou ao cargo
de senador vitalício em 2002. Faleceu em dezembro de 2006.
Atualmente existe movimentação no Chile, incluindo a própria presidente
Michele Bachellet, no sentido de se revogar a lei de anistia local, para possibilitar a
punição dos colaboradores de Augusto Pinochet.
O Peru passou por um período, compreendido entre as décadas de 1960 e
2000, que alternou alguns golpes militares e governos democraticamente eleitos.
Um golpe militar em 1968 instalou um governo militar que se manteve no poder
até 1980.
Entretanto, os acontecimentos mais relevantes foram a criação, durante a
década de 1980, de movimentos terroristas, como o Sendero Luminoso e o
Movimento Revolucionário Túpac Amaru, que passaram a atuar no país com
violência.
Em 1990 Alberto Fujimori foi eleito Presidente da República, por eleição
direta, e, em 1992, mediante o chamado "autogolpe", dissolveu o Congresso
Nacional e passou a governar de forma autoritária.
Tanto os movimentos de guerrilha como o governo autoritário de Alberto
                                                                                                               
418
A Fundação Ford financiou um projeto denominado Arquivo Oral, que consiste em um banco
de dados com o testemunho de vítimas do regime militar. Este arquivo é aberto ao público, desde
o ano de 2010. Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 76.
  181  

Fujimori foram responsáveis por diversas violações de direitos humanos. O


governo de Fujimori perdurou até o ano 2000, quando ele renunciou.
Alejandro Toledo, Presidente eleito em 2001, instalou a chamada
Comissão de Verdade e Reconciliação, em abril de 2002, que investigou 20 anos de
combate entre Exército e membros do Sendero Luminoso e de outras guerrilhas e
concluiu que mais de 70.000 pessoas foram mortas no período, a grande maioria
civis e guerrilheiros.
A Comissão resultou em processos judiciais contra Alberto Fujimori, na
independência do Poder Judiciário, em programas de reparação às vítimas, além da
não aceitação de anistia ou prescrição em favor de autores de violações de direitos
humanos419.
O lema da Comissão da Verdade do Peru é:
"Un país que olvida su historia esta condenado a repetirla".

                                                                                                               
419
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 37.
  182  

10. Conflito entre direitos da personalidade.

10.1. O direito ao esquecimento em confronto com o direito à memória e à


verdade histórica.

A história é a ciência que estuda o homem e sua ação no tempo e espaço,


em conjunto com a exploração de eventos ocorridos no passado. Logicamente, o
resultado da atividade do historiador pode muitas vezes prejudicar certas figuras, o
que pode sugerir a existência de um conflito entre o esquecimento e a história.
No entanto, o direito ao esquecimento não embute a pretensão de apagar
os fatos históricos, conforme já explorado em tópico anterior. O direito ao
esquecimento visa a proteger apenas a chamada memória individual.
Daí a importância de se diferenciar memória individual de memória
coletiva.
Memória individual é aquela guardada por uma pessoa e que se refere às
suas próprias experiências. Certamente inclui aspectos da memória coletiva do
local em que viveu e se formou. François Ost 420 ressalta que as recordações
pessoais e íntimas só se podem revelar conforme a tradição.
Memória coletiva é aquela formada por fatos julgados relevantes,
guardados na memória oficial da sociedade. A memória coletiva também pode ser
diferenciada da memória histórica. A primeira é elaborada no centro do grupo
social e provoca tradições vivas. A segunda é apresentada como um quadro de
acontecimentos e produz um saber histórico421.
Existe uma fronteira entre a memória coletiva e a história, acrescenta

                                                                                                               
420
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 59.
421
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 60.
  183  

Ricoeur422 , e esta deve oferecer esquemas de mediação entre os lados extremos da


memória individual e da memória coletiva423.
Conforme observam Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de
424
Cicco :

"a memória histórica (histórico-política) enquanto integrante da cultura


de uma sociedade, é relevante para o ordenamento e como tal deve ser
preservada. A memória de fatos individuais, ainda que trágicos e tristes,
ao contrário não pode ser eterna e as pessoas envolvidas nesses fatos,
principalmente se pagaram sua dívida com a sociedade, têm o direito de
reconstruir a própria vida".

Desta forma, é possível concluir que não há um conflito entre o


esquecimento e a história. O direito ao esquecimento se refere apenas aos fatos da
memória individual. A memória coletiva, se for o caso, estará protegida pela
ciência da história. Não há uma pretensão de se apagar ou alterar o passado. Isso
seria impossível. Mas apenas de impedir abusos em relação à propagação de fatos
individuais ocorridos no pretérito425.

                                                                                                               
422
Paul Ricoeur, A memória, cit., p. 141.
423
Segundo Daniel Sarmento (Liberdades, cit., p. 15.), memória coletiva é "a construção social
feita de informações, mitos e narrativas socialmente compartilhadas que integram a cultura e
proporcionam um sentido de identidade de pertencimento, que é extremamente importante para a
vida dos indivíduos". Para o autor, trata-se de direito fundamental previsto no artigo 216 da
Constituição Federal. Conforme o artigo 216 da Constituição Federal: "Constituem patrimônio
cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico".
424
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 97.
425
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao esquecimento, cit., p. 97) ainda
explicam: "o direito ao esquecimento não é orientado a cancelar o passado, mas a proteger o
  184  

Existe uma relação de tensão constante entre o direito à memória e o


direito ao esquecimento, porque estes dois institutos estão conectados com o fator
tempo. Assim, no embate entre o direito ao esquecimento e o direito à verdade e à
memória, poderá surgir o chamado conflito entre direitos da personalidade.
Em geral, as vítimas de crimes contra os direitos humanos encontram-se
entre o desejo de esquecer e um sentimento oposto de impunidade. Grande parte
destas vítimas não deseja sequer denunciar ou processar os autores de seus
sofrimentos. Este desejo se materializa através do direito ao esquecimento. O
esquecimento, por este ponto de vista, pode ser algo necessário e uma forma de
reduzir infortúnios.
Entretanto, é preciso tomar cuidado, porque o esquecimento pode se
tornar um instrumento de manipulação da memória coletiva, artifício que, aliás,
conforme exposto em tópico anterior, foi constantemente utilizado por governos
totalitários.
Por outro lado, os descendentes daquelas vítimas tentam agir em nome de
uma obrigação de memória dos fatos ocorridos. De qualquer forma, a passagem de
tempo é muitas vezes necessária para que a coletividade tome conhecimento sobre
a necessidade de que certos crimes sejam punidos426.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
presente. Não impede a garantia de justiça, a revelação da verdade, a cultivação da memória
histórica e a reparação ética, política e econômica das vítimas".
426
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 60-61.
Segundo Edson Luis de Almeida (A anistia e os crimes contra a humanidade, in Doutrinas
essenciais de direitos humanos, vol. 6, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 157-176.), em
comentário sobre a teoria da memória: "Podemos identificar três movimentos conflituosos e
paradigmáticos na memória política em transições de regimes autoritários para democracias
novas: o esquecimento, a punição e a desculpa. O esquecimento ocorre principalmente por meio
das leis de anistia, momento no qual é proposto que as instituições políticas apliquem a amnésia
social. Porém, incapaz de apagar as histórias de violência, o esquecer gera o recalque e, a
depender do caso, mais violência, criando anomalias nas democracias novas ou renovadas. Sua
contraposição é a punição que funciona como uma espécie de vingança. A punição remete à
retomada do processo político passado, trazendo à tona os sentimentos e emoções vividos e não
encerrados. Há também a desculpa, em geral estruturada em comissões de verdade, nas quais se
  185  

Sobre a punição, como alternativa ao perdão, Hannah Arendt427 entende:

"a punição é a alternativa do perdão, mas de modo algum seu oposto;


ambos têm em comum o fato de que tentam pôr fim a algo que, sem a sua
interferência, poderia prosseguir indefinidamente. É, portanto,
significativo – elemento estrutural na esfera dos negócios humanos – que
os homens não possam perdoar aquilo que não podem punir, nem punir o
que é imperdoável".

Há também de se ressaltar que o direito à verdade não é absoluto, porque


encontra limites nos próprios direitos da personalidade, entre eles o direito ao
esquecimento, mas também em outros como o direito à privacidade, à intimidade, à
imagem e à honra. Assim, como em qualquer conflito entre direitos da
personalidade, deve-se exercitar o sopesamento entre eles, em cada caso concreto,
para verificar qual deverá prevalecer.
O conflito do direito à verdade e à memória com o direito ao
esquecimento pôde ser visto em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal
de Justiça, no dia 09 de dezembro de 2014. Trata-se do recurso especial (RESP
1434498), interposto por Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante da OBAN
(Operação Bandeirante), frequentemente denunciado por torturas ocorridas durante
o período da ditadura. O recurso pretendeu reformar decisão do Tribunal de Justiça
de São Paulo, que condenou o ex-comandante na esfera cível a ser reconhecido
como torturador pela família Teles. A pretensão da família Teles foi apenas
declaratória, justamente para conclamar o direito à verdade e memória, no caso
específico. Não se pretendeu condenação na esfera penal e tampouco indenização
pelo prejuízo. Repita-se, o objetivo da ação seria apenas a declaração de existência
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
troca a punição pela confissão dos crimes cometidos (o indulto). A narrativa do passado, seja pelo
algoz ou pelas vítimas, abre a possibilidade, como o alívio de cargas emocionais e sociais
paralisantes e mórbidas, de iniciar algo novo. Em todas estas situações o conceito do perdão
torna-se parte central das reflexões geradas".
427
Hannah Arendt, A condição humana, Trad. Roberto Raposo, Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007, p. 253.
  186  

jurídica nascida pela prática de tortura geradora de danos morais nas instalações do
DOI-CODI, ou seja: "relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática
de ato ilícito, gerador de danos morais".
A Ministra Relatora, Nancy Andrighi, em seu voto, posicionou-se pela
procedência do recurso, e um dos fundamentos foi justamente o direito ao
esquecimento, além da conhecida lei de anistia. Segundo a relatora, anistiar é
esquecer e perdoar, não se admitindo a existência do meio perdão. A Ministra
invocou o direito ao esquecimento nos seguintes termos:

"(...) é preciso reconhecer, ademais, o direito ao esquecimento dos


anistiados políticos – sejam eles agentes públicos, sejam aqueles que
lutaram contra o sistema posto –, direito esse que, no particular, se revela
como o de não ser pessoalmente responsabilizado por fatos pretéritos e
legitimamente perdoados pela sociedade, ainda que esses fatos
sobrevivam como verdade histórica e, portanto, nunca se apaguem da
memória do povo. Insta ressaltar que o direito ao esquecimento não
representa leniência com os crimes cometidos, mas o reconhecimento de
que a Lei da Anistia, como pacto social firmado e reafirmado confere
concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória – que é a
conexão do presente com o passado – e a esperança – que é o vínculo do
futuro com o presente –, fez clara opção pela segunda".

No entanto o voto da relatora não foi o vencedor. Apenas o Ministro João


Otávio de Noronha acompanhou a relatora.
O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino pediu vista dos autos e divergiu
da relatora, no sentido de negar provimento ao recurso especial. E, ao final, o voto
divergente foi o vencedor. Votaram no mesmo sentido os Ministros Ricardo Villas
Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze. Assim, foi negado provimento ao recurso
especial428.
O fundamento do voto divergente foi que estaria em plena consonância
                                                                                                               
428
O recorrente também interpôs recurso extraordinário, que se encontra pendente no Supremo
Tribunal Federal.
  187  

com o Estado Democrático de Direito a pretensão dos autores de buscar resgatar a


verdade e a memória de fatos gravíssimos ocorridos durante a ditadura militar, para
que eles não voltem a ocorrer. Segundo o Ministro, tal decisão também não seria
uma afronta à lei da anistia porque esta afastou a possibilidade de punição penal a
tão graves violações de direitos humanos, mas os efeitos cíveis remanescem.
A ementa do acórdão diz o seguinte:

"Recurso especial. Civil e Processual civil. Ação declaratória de


existência de relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática
de ato ilícito, gerador de danos morais, no período da ditadura militar
brasileira. Ajuizamento contra o oficial comandante acusado das torturas
sofridas pelos demandantes. Pretensão meramente declaratória.
Legitimidade e interesse. Prescrição. Inocorrência".

Os termos do acórdão parecem acertados. O direito ao esquecimento não


pode aplicar-se às graves violações de direitos humanos. Deve prevalecer o direito
à verdade e à memória. A examinada lei que criou a Comissão Nacional da
Verdade (Lei 12.528/2011) proclama o direito à verdade e à memória429. A Lei de
Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) proíbe a restrição de acesso a qualquer
informação ou documento que verse sobre violação de direitos humanos praticada
por agentes públicos430. Portanto, no caso em questão, não seria possível alegar o
direito ao esquecimento.
Da mesma forma, não deverão ser esquecidos os crimes de guerra, os
crimes políticos, as torturas e os massacres, quando os responsáveis forem

                                                                                                               
429
O artigo 1º da Lei 12.528/2011 diz o seguinte: "É criada, no âmbito da Casa Civil da
Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e
esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade
histórica e promover a reconciliação nacional".
430
O artigo 21, parágrafo único, da Lei 12.527, diz o seguinte: "As informações ou documentos
que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes
públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso".
  188  

encontrados, e portanto tais crimes merecem ser rememorados e propagados431.


Por outro lado, no que diz respeito ao interesse particular, deve haver um
equilíbrio entre a capacidade de lembrar e a capacidade de esquecer. Equilíbrio este
que foi arruinado com o desenvolvimento da tecnologia digital.
Com a capacidade de lembrar, que nós seres humanos possuímos, somos
capazes de comparar para aprender e experimentar, conforme explica Viktor
Mayer-Schönberger432. De igual importância é a nossa capacidade de esquecer, que
serve para nos aliviar das algemas do nosso passado, e também para viver o
presente. Durante milênios, a relação entre lembrar e esquecer permaneceu clara.
Lembrar era difícil e caro, e os seres humanos tinham de escolher o que lembrar,
eis que o padrão era esquecer. Na era digital, no que é talvez a mudança mais
fundamental para os seres humanos desde os primórdios, o equilíbrio entre lembrar
e esquecer inverteu-se. Guardar informações para a memória digital tornou-se o
padrão, e esquecer tornou-se a exceção.
Daí a importância de se estabelecerem critérios que permitam a aplicação
do direito ao esquecimento de forma que este equilíbrio seja restaurado.

10.2. Colisão do direito ao esquecimento com o direito de informação e a


liberdade de expressão.

A discussão acerca da colisão da liberdade de expressão com outros


direitos da personalidade não é novidade. A liberdade de expressão pode colidir
com o direito à privacidade, com o direito à intimidade e também com o direito à
imagem e à honra. Igualmente, pode também colidir com o direito ao

                                                                                                               
431
Otávio Luiz Rodrigues Junior, Direito ao esquecimento, a culpa e os erros humanos,
Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-11/direito-comparado-direito-esquecimento-
culpa-erros-humanos, Acesso em 03/09/2015.
432
Viktor Mayer-Schönberger, Delete, cit., p. 195-196.
  189  

esquecimento.
Com relação ao direito ao esquecimento, o que se pretende tutelar é
apenas o interesse particular, sem alcançar o interesse público.
Diversamente das já citadas biografias não autorizadas, em que prevalece
a liberdade de expressão, o interesse público envolvido prevaleceu na decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal, examinada no tópico anterior.
No entanto, o voto da Ministra Cármen Lúcia concluiu pela necessidade
de se harmonizar o direito à liberdade de expressão com o direito à privacidade, à
honra e à imagem, afirmando que a transgressão destes direitos obrigará à
reparação mediante indenização433.
Portanto há uma notável diferença entre a hipótese citada acima e o
direito ao esquecimento.
A proteção ao direito ao esquecimento não deve destinar-se a apagar o
passado. Pelo contrário. A história deve sempre ser preservada. No entanto, aqueles
fatos relativos a um particular, sem qualquer interesse público ou relevância social,
não devem ser rememorados sem a autorização de seu titular, seja qual for o meio
de divulgação.
Cabe, assim, o sopesamento com os outros direitos da personalidade,
para se estabelecer, caso a caso, qual deles deve prevalecer – o que se dá mediante
aplicação do critério da ponderação434, que será analisado no próximo capítulo.
                                                                                                               
433
A Ministra afastou a pretensão da Associação Nacional de Editores de Livros (ANEL), de
excluir a responsabilidade civil na hipótese de violação de direitos da personalidade em
biografias.
434
Neste sentido as palavras de Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao
esquecimento, cit., p. 99): "É necessário ponderar a tutela do direito ao esquecimento com a
liberdade de informação, procurando um ponto de equilíbrio entre o direito de narrar os
acontecimentos e de informar os membros da sociedade e o fundamental direito de cada um a não
ver prejudicada a natural evolução da própria personalidade com uma nova difusão de notícias
que repropõem uma identidade cristalizada e não evoluída no tempo e, portanto, frequentemente
não mais correspondente ao atual papel do indivíduo na sociedade. Ponderação que deverá ser
efetuada mediante o exame dos interesses em conflito em relação ao fundamento dos princípios
  190  

A Lei de Acesso à Informação estabelece, em seu artigo 31, o equilíbrio


entre os direitos fundamentais, nos seguintes termos: "o tratamento das
informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à
intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como as liberdades e
garantias individuais".
Logo, o equilíbrio, conforme descrito, deve sempre ser buscado. O
direito ao esquecimento não pode ser absoluto. Deve comportar limites e exceções
adequadas. A liberdade de expressão e o direito à informação têm total relevância e
são imprescindíveis para o Estado Democrático de Direito, e o direito ao
esquecimento sem restrições poderia ser considerado um atentado àquelas
liberdades435.
Por outro lado, a liberdade de expressão também não é absoluta.
Conforme explicado, deve-se buscar equilibrá-la com os direitos da personalidade,
entre estes o esquecimento. Se não fosse assim, não se reconheceriam muitos dos
direitos da personalidade, pois, no embate com a liberdade de expressão e o direito
à informação, estes sempre venceriam.
Portanto, existem limites às liberdades de manifestação de pensamento, e
o fundamento é a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, III, da Carta
Magna, que se sobrepõe ao direito de imprensa, ao de informar, ao direito à
informação ou de ser informado e ao da liberdade de expressão436.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
colidentes, isto é, a dignidade da pessoa humana e sempre em concreto, jamais em abstrato".
435
Assim, nas palavras de María Álvarez Caro (Derecho al olvido en internet, cit., p. 132-133):
"(...) este derecho finalmente reciba y en cómo se perfilen finalmente las excepciones y
limitaciones al mismo, para preservar de forma efectiva otros derechos igualmente dignos de la
máxima protección, como son la libertad de expresión, la protección de la salud pública, la
seguridad ciudadana o el uso de la información para fines periodísticos o literarios, entre otros".
436
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 150.
  191  

11. Critério de ponderação para o conflito entre os direitos da personalidade.

A divulgação ou publicação de informações ou notícias de forma


indefinida ou perene pode, muitas vezes, chocar-se com direitos da personalidade,
tais como o direito à privacidade, à intimidade, à imagem e à honra, o que se repete
em relação ao direito ao esquecimento. Também a preservação da memória pode
chocar-se com estes direitos. Portanto, conforme foi exaustivamente abordado neste
trabalho, verifica-se inevitavelmente um conflito entre o direito ao esquecimento e
os outros direitos.
Em tais situações surge a questão: Quais destes direitos deve prevalecer?
O direito de informação e a liberdade de expressão? O direito à memória e à
verdade histórica? Ou os direitos da personalidade, mais precisamente o direito ao
esquecimento? Como todos estes direitos encontram limites, não podemos dizer
que exista hierarquia entre eles. Se existisse, o problema estaria solucionado.
Estamos diante de uma espécie de antinomia jurídica, que, na lição de
Tércio Sampaio Ferraz Junior437, "é a oposição que ocorre entre duas normas
contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num
mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela
ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros
de um ordenamento dado".
A antinomia consiste, portanto, em duas normas em conflito, sem que se
possa perceber qual deverá ser aplicada a cada caso concreto. Devem estar
presentes os seguintes requisitos para que esteja configurada a incompatibilidade:
as normas devem ser jurídicas; as normas devem estar vigentes e pertencer ao

                                                                                                               
437
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Antinomia, in Rubens Limongi França (Coord.), Enciclopédia
Saraiva do direito, volume 7, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 14.
  192  

mesmo ordenamento jurídico; as normas devem ter conteúdos opostos; as normas


devem deixar o sujeito a quem se dirige em uma situação insustentável. Assim,
resumidamente, a antinomia deverá ter três premissas: incompatibilidade,
indecidibilidade e, por fim, necessidade de decisão438.
Este é o problema que temos em análise. Uma antinomia jurídica entre a
liberdade de expressão e o direito de informação de um lado. Também, do mesmo
lado, o direito à memória e à verdade histórica. E, de outro lado, o direito ao
esquecimento e outros direitos da personalidade. Por fim, a necessidade de
apresentar um caminho para a resolução desta antinomia.
Maria Helena Diniz ensina que, na hipótese de antinomia, existem
algumas soluções que podem ser adotadas pelo aplicador do direito. Dentre estas,
deverão ser adotados, para a correção do conflito, os princípios gerais do direito e o
emprego de valores predominantes na sociedade. Desta forma, o juiz deverá aplicar
a norma mais justa por meio de uma interpretação corretivo-equitativa, o que se
constitui em poder discricionário, e não arbitrário.439
No caso, o critério para escolha da norma mais justa será ditado mediante
o emprego da técnica denominada ponderação. Este é o critério solucionador do
conflito. Mas impende esclarecer como funciona este método e qual é a solução
concreta para os conflitos gerados pelo direito ao esquecimento.
A ponderação é um mecanismo, a ser utilizado pelo juiz, destinado a
conferir fundamentos para orientar um sopesamento entre normas conflitantes. Faz-
se uma escolha após a conclusão de algumas etapas de análise, e, assim, uma das
normas prevalece em relação à outra.
A ponderação consiste, nas palavras de Carlos Blanco de Morais440:
                                                                                                               
438
Maria Helena Diniz, Conflito de normas, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 19-24.
439
Maria Helena Diniz, Conflito, cit., p. 58-60.
440
Carlos Blanco de Morais, Curso de direito constitucional: teoria da Constituição em tempo de
crise do Estado Social, Tomo II, volume 2, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 674.
  193  

"(...) numa operação de pesagem e balanceamento concreto entre


princípios constitucionais simultaneamente aplicáveis a uma situação
problemática. Dela decorre a prevalência aplicativa de um princípio
sobre outro e a subsequente extração de um critério específico de decisão
a partir do seu enunciado".

Ricardo Luis Lorenzetti441 define a ponderação como o estabelecimento


de comparações por meio do sopesamento entre cada um dos princípios em
questão, aplicando-se o de maior peso ao caso concreto, sendo primordial a sua
aptidão como causa de justificação.
A ponderação deve ser considerada uma espécie de postulado, o que
significa tratar-se de uma norma estruturante para a aplicação de princípios ou
regras442. Como a ponderação consiste em uma forma de balanceamento entre
princípios, é também um postulado porque sua função nada mais é do que
estruturar a aplicação de princípios conflitantes.
O Enunciado 274, aprovado na 4ª Jornada de Direito Civil, realizada pelo
Conselho da Justiça Federal, prescreve a aplicação da ponderação na hipótese de
colisão entre os direitos da personalidade:

"Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo


Código Civil, são expressões da clausula geral de tutela da pessoa
humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da
pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode
sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação".

A ponderação tem sido muito utilizada pela jurisprudência brasileira para


a resolução de conflitos entre direitos da personalidade e também entre os direitos

                                                                                                               
441
Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direito privado, Trad. Vera Maria Jacob de Fradera
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 317.
442
Humberto Ávila, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 14ª
ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 160.
  194  

fundamentais. A jurisprudência nacional apresentada neste trabalho também fez


uso deste critério, nos julgados proferidos no Superior Tribunal de Justiça sobre
direito ao esquecimento e também no julgado proferido pelo Supremo Tribunal
Federal sobre as biografias não autorizadas.
Merece destaque o fato de que o novel Código de Processo Civil, em seu
artigo 489, § 2º, ao cuidar dos elementos essenciais da sentença, positivou no
direito brasileiro a utilização do critério da ponderação, nos seguintes termos:

"No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os


critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que
autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que
fundamentam a conclusão".

Trata-se de um marco no direito brasileiro, uma vez que a ponderação,


por muito tempo, foi apenas um método utilizado pela jurisprudência para resolver
conflitos, com base no direito estrangeiro. O novo Código de Processo Civil acabou
por consagrar este postulado.
Mas a ponderação não está imune a críticas.
Lenio Luiz Streck é um crítico ferrenho do método da ponderação. Ele
entende que a utilização da ponderação implica no risco de uma possível
arbitrariedade do juiz. Segundo o autor, a ponderação tem sido utilizada para
legitimar decisões pragmaticistas que não promovem a resolução efetiva e
qualitativa de problemas apresentados pela concretude do direito443.
Não concordamos com esta crítica. O risco de arbitrariedade pode surgir
com ou sem a utilização da ponderação, e somente haverá arbitrariedade se a
técnica for mal empregada, o que não pode de forma alguma acontecer.
O magistrado não pode cometer abusos. Dentro de seu poder de
                                                                                                               
443
Lenio Luiz Streck, Hermenêutica jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito, 11ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 422.
  195  

jurisdição, existe uma zona de liberdade para o exercício de sua atividade. Se a


ultrapassar, estará cometendo abuso de direito, que se traduz em arbitrariedade. Ao
decidir, o juiz deve agir com liberdade, mas sempre limitado pelas normas. Ele tem
poder, mas este tem finalidade teleológica e é representado pela discricionariedade,
o que faz da tarefa do juiz uma tarefa criadora444. Conforme as palavras de Maria
Helena Diniz445, acerca da discricionariedade da função jurisdicional:

"Se não houvesse tal elasticidade, o direito não se realizaria, seria


amputado no seu próprio dinamismo ou movimento, ou seja, não estaria
em condições de sofrer o impacto da realidade que nunca é plena e
acabada, por estar sofrendo sempre injunções de modificações sociais e
valorativas, estando, portanto, sempre se perfazendo".

Está visto que a ponderação é uma técnica de grande utilidade e que deve
ser empregada na hipótese de conflitos normativos, mas deve-se aplicá-la com
cautela, de forma que não ocorram distorções jurídicas e que não sirva de
subterfúgio para que o juiz decida conforme o seu puro arbítrio.
Para que a ponderação seja aplicada de maneira correta, o julgador deve
observar etapas, que serão discutidas mais adiante. Mas, antes de abordá-las, outro
ponto merece ser destacado. Cabe uma ressalva sobre o texto do novo Código de
Processo Civil, que, aparentemente, preceitua a ponderação para o caso de colisão
entre toda e qualquer norma. Entretanto, existe o entendimento de que só se pode
aplicar a técnica nos casos de colisão entre princípios, e não para toda e qualquer
norma, como prescreve o dispositivo.
Na análise de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery446:

"(...) existe uma impropriedade na menção à técnica da ponderação neste


                                                                                                               
444
Maria Helena Diniz, As lacunas do direito, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 295-296.
445
Maria Helena Diniz, As lacunas do direito, cit., p. 303.
446
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo
Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1156-1157.
  196  

dispositivo, que dá margem à interpretação de que toda e qualquer


antinomia pode ser resolvida por este meio. Tal técnica foi desenvolvida
e sustentada para a solução dos conflitos entre direitos fundamentais e
entre princípios constitucionais, que não se resolvem pelas regras de
hermenêutica jurídica clássica - as quais ainda são aplicáveis às normas
em geral. O dispositivo deve, portanto, ser interpretado no sentido de que
se refere às normas relacionadas a direitos fundamentais e princípios
constitucionais".

Para que se possa explicar melhor a técnica da ponderação, é preciso


apresentar uma distinção entre normas, regras e princípios. Então vejamos:
Existe uma grande divisão em todas as normas do direito. Esta divisão se
faz no sentido de que algumas normas têm formato de regras e outras têm formato
de princípios. As regras possuem em seu texto as condições de sua aplicação. Os
princípios, ao contrário, são configurados de forma aberta, e por isso surgem
diversas questões sobre os limites de sua aplicação.
Em tese, apenas os princípios estão sujeitos à ponderação justamente
porque as regras já definem os limites de sua aplicação. Conforme a lição de
Humberto Ávila, é possível definir regras e princípios de forma diferenciada.
Segundo o autor447:

"Regras são normas meramente descritivas, primariamente retrospectivas


e com pretensão de decidibilidade e abrangência para cuja aplicação se
exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que
lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente
sobrejacentes, entre a construção conceitual da discrição normativa e a
construção conceitual dos fatos".

"Princípios são normas imediatamente finalísticas primariamente


prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade,
para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o
estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes de conduta
havida como necessária à sua promoção".
                                                                                                               
447
Humberto Ávila, Teoria dos princípios, cit., p. 85.
  197  

Os princípios são mandamentos de otimização e, por isso, normas prima


facie, ou seja, sem uma finalidade acabada e passíveis de complementação. São
preceitos para que algo seja cumprido da melhor forma possível448. Diferencia-se
das regras porque estas têm apenas um comando descritivo. Os princípios são
normas prima facie porque em um primeiro momento todos devem ser cumpridos,
mas, na hipótese de conflito com outros princípios, em casos concretos, cabe o
sopesamento.
Desta forma, para que se possa aplicar a técnica da ponderação, é preciso,
em primeiro lugar, refletir se o conflito em análise ocorre entre regras ou entre
princípios, uma vez que existe divergência na doutrina sobre a aplicabilidade da
ponderação.
Humberto Ávila defende a ideia de que não somente os princípios são
passíveis de ponderação, mas também as regras. Segundo explica: "a ponderação
diz respeito tanto aos princípios, quanto às regras, na medida em que qualquer
norma possui um caráter provisório que poderá ser ultrapassado por razões havidas
como mais relevantes pelo aplicador diante do caso concreto. O tipo de ponderação
é que é diverso"449.
Entretanto, a ponderação é uma técnica com etapas bem definidas, e não
apenas um termo genérico para excluir uma norma. Logo, não é possível concordar
com a tese de que no caso de colisão entre regras se possa fazer uma ponderação

                                                                                                               
448
Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos, cit., p. 316-317.
Robert Alexy (Teoria, cit., p. 90) define os princípios como: "mandamentos de otimização, que
são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida
devida da sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das
possibilidades jurídicas".
Virgílio Afonso da Silva (Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia, 2ª ed.,
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 64) ensina que o princípio é mandamento de otimização porque
garante direitos ou impõe deveres prima facie. Regras são "normas que garantem direitos e
impõem deveres definitivos".
449
Humberto Ávila, Teoria dos princípios, cit., p. 64.
  198  

diferenciada. A ideia que vem predominando na doutrina é a de que apenas os


princípios estão sujeitos à ponderação450. As regras não.
Para Robert Alexy451, um princípio terá preferência frente a outro em
algumas situações, e, em outras, poderá ocorrer exatamente o inverso. Por isso é
que se afirma que em cada caso concreto os princípios têm pesos diversos e que
aqueles com maior peso terão preferência. No caso de colisão entre regras, esta se
dará na dimensão da validade. Com relação aos princípios, apenas os que são
válidos podem colidir.
No mesmo sentido é a concepção de Virgílio Afonso da Silva452, que
explica que, no caso de duas regras terem consequências diversas para um mesmo
ato ou fato, uma será obrigatoriamente inválida. Já no caso de dois princípios,
determina-se a relação condicionada de precedência entre eles, ou seja, a condição
de prevalência refere-se ao caso concreto, de modo que, após a solução da situação
do caso concreto, os dois princípios continuam válidos.
Concordamos com a posição majoritária no sentido de que apenas os
princípios podem ser submetidos à técnica da ponderação. As regras, ao contrário,
não são passíveis de ponderação porque já têm os seus limites bem definidos. São
normas que podem ser cumpridas ou não cumpridas. Se surgir um conflito entre
regras, este será solucionado de outra forma, seja por meio de uma cláusula de
exceção, como ocorre com o critério da hierarquia, ou, então, por meio de uma
decisão sobre a validade das regras453.
                                                                                                               
450
Neste sentido, Karl Larenz (Metodologia da ciência do direito, Trad. José Lamego, 7ª ed.,
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2014, p. 575) explica que o método da ponderação determina o
alcance, em cada caso concreto, dos direitos fundamentais ou princípios constitucionais que
colidem entre si.
451
Robert Alexy, Teoria, cit., p. 93-94.
452
Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais, cit., p. 50.
453
Segundo Robert Alexy (Teoria, cit., p. 92): "Um conflito entre regras pode ser solucionado se
se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo
menos uma das regras for declarada inválida".
  199  

O tema em discussão neste trabalho são os limites de aplicação do direito


ao esquecimento, justamente porque há enfrentamento com outros direitos. Assim,
como todos os direitos em colisão nesta discussão são considerados princípios, o
argumento favorável à aplicação da ponderação nestas hipóteses não sofre maiores
questionamentos porque, neste caso, prevalece o entendimento de que o
sopesamento é a técnica mais adequada para a solução.
O direito ao esquecimento deve ser considerado um princípio, embora se
trate, conforme explicado, de um direito da personalidade não positivado, pois os
direitos da personalidade podem ser classificados como não exaustivos. Mas isso é
irrelevante. Apesar de não ter previsão expressa na Constituição Federal ou em lei
especial, o direito ao esquecimento pode ser extraído de outros princípios
constitucionais, tais como a privacidade, a imagem e a honra, e, especialmente, a
dignidade da pessoa humana.
A violação do direito ao esquecimento pode causar dano a outros direitos
da personalidade, como a imagem e a honra, além da intimidade e a privacidade,
que são conexos. Mas trata-se de categoria autônoma, porque o direito ao
esquecimento diz respeito apenas a fatos antigos que perderam a sua atualidade. Há
de se considerar a possibilidade de a violação do direito ao esquecimento não violar
nenhuma destas outras categorias de direitos da personalidade. É a hipótese em que
se causa um sofrimento absolutamente desnecessário ao titular do direito pelo
despertar de fatos que estavam adormecidos desde o passado. Viola-se, neste caso,
a dignidade da pessoa humana454, razão pela qual fica evidente a qualidade de
princípio do direito ao esquecimento.

                                                                                                               
454
O princípio da dignidade da pessoa humana já foi amplamente debatido neste trabalho, mas é
preciso também destacar o artigo 8º do novo Código de Processo Civil, que determina que: "Ao
aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência". Antonio Junqueira de Azevedo
  200  

Certamente o direito à liberdade de expressão e o direito à informação


também são princípios. Conforme examinado em capítulo anterior, estão prescritos
na Constituição Federal e em tratados internacionais como direitos fundamentais,
baseados na liberdade da manifestação de pensamento.
A memória e a verdade histórica também são princípios, protegidos tanto
pela Constituição Federal como por tratados internacionais aderidos pelo Brasil,
conforme abordado anteriormente.
Portanto, vemo-nos diante de uma antinomia entre princípios. De um
lado o direito ao esquecimento, baseado na dignidade da pessoa humana. De outro
lado, a notícia e a informação, baseadas na liberdade de manifestação de
pensamento, e também a memória, baseada na verdade histórica.
Para Maria Helena Diniz455, a antinomia de princípios em uma ordem
jurídica se verifica quando presente o desequilíbrio entre diversas ideias
fundamentais. Neste caso, a norma positiva injusta deve dar espaço à justiça,
corrigindo-se o conflito por meio do direito suprapositivo.
Os princípios conflitantes não são excludentes; ao contrário, coexistem e,
conforme abordado, devem ser tratados como "mandados de otimização", ou seja,
estão voltados à sua melhor realização. A ponderação serve para a busca da justa
medida da aplicação de vários princípios ao mesmo tempo456. A ponderação nos
princípios jamais será prescindível, pois requer o sopesamento em cada caso

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
(Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana, in Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, Volume 97, 2002, p. 107-125) explica que os direitos da
personalidade são consequência da dignidade da pessoa humana, que prescreve o respeito aos
pressupostos mínimos de liberdade e convivência igualitária, como requisitos indispensáveis para
o desenvolvimento da personalidade e a procura da felicidade.
455
Maria Helena Diniz, Conflito, cit., p. 27.
456
Anderson Schreiber, Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da
reparação à diluição dos danos, 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.146.
  201  

concreto, o que impossibilita a formação de um critério elementar, pelo simples


fato de que um caso concreto nunca é igual a outro457.
Portanto, mais uma razão para a utilização da técnica da ponderação no
caso de colisão entre os princípios descritos acima458.
A aplicação da técnica da ponderação deve dar-se em etapas. Verificada a
colisão entre dois princípios, um deles deverá prevalecer sobre o outro, mas apenas
nas condições daquele caso concreto. Provavelmente, em dada situação um
princípio prevalecerá sobre outro, e, em outra situação, ocorrerá exatamente o
inverso. Nos casos em que os mesmos princípios estão em confronto, não é
possível estabelecer de forma abstrata uma relação de prevalência entre eles 459.
Assim, algumas vezes o direito ao esquecimento prevalecerá sobre outros
princípios em conflito, como a liberdade de expressão, e, outras, ocorrerá o inverso.
As etapas460 a serem observadas na ponderação em geral são as seguintes:
                                                                                                               
457
Karl Larenz, Metodologia, cit., p. 587.
458
Conforme explica Karl Larenz (Metodologia, cit., p. 575-583), aplica-se a ponderação quando
há colisão entre o direito geral da personalidade de alguém com outro direito da personalidade ou
então com um direito fundamental de outra pessoa. Enfrentando uma colisão entre direito da
personalidade e direitos fundamentais, ele chega à seguinte conclusão: "Haverão de confrontar-se
entre si: de um lado, a importância para a opinião pública do assunto em questão, a seriedade e a
intensidade do interesse na informação; de outro lado, a espécie (esfera privada ou apenas esfera
profissional) e a gravidade (modo deformado e injurioso da reportagem) do prejuízo causado ao
bem da personalidade".
Segundo Têmis Limberger (Direito e informática: o desafio de proteger os direitos do cidadão, in
Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas
aproximações, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 201), a aplicação dos princípios
ocorre com a ponderação de valores ou interesses; utilizando como exemplo a intimidade e o
interesse público, explica que a preferência de um em relação ao outro deverá ser analisada pela
jurisprudência, além da problemática de conteúdo e os limites específicos dos direitos
fundamentais.
459
Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais, cit., p. 50-51.
460
Ricardo Luis Lorenzetti, Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito, Trad. Bruno
Miragem, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 216.
Carlos Blanco de Morais (Curso de direito constitucional, cit., p. 676-677) apresenta as seguintes
etapas para a ponderação: a preparação da ponderação, que significa fazer um estudo com a
identificação e indicação daquilo que será objeto de sopesamento e a sua razão; a execução da
ponderação, ou seja, a pesagem dos bens jurídicos em tensão com a indicação de qual princípio
  202  

- Identificação de um estado de tensão, ou seja, uma situação de conflito entre


princípios opostos, em que a satisfação de um dos princípios causará a violação do
outro;
- Busca de uma solução intermediária, que significa investigar previamente se
existe outra possibilidade de resolução, para que o princípio seja aplicado sem
afetar outro princípio da mesma categoria;
- Aplicação da ponderação, que consiste em atribuir peso a cada um dos princípios
colidentes, devendo o aplicador do direito considerar o melhor ponto de equilíbrio
entre eles, mediante sopesamento, tirando pontos de um e colocando pontos no
outro, até encontrar a solução final.
Robert Alexy, autor que se aprofundou no assunto da ponderação, em sua
teoria sobre direitos fundamentais, propõe a utilização da técnica, no caso de
conflito entre os princípios, e utiliza como modelo, para explicar a técnica, um
julgamento ocorrido no Tribunal Constitucional Alemão, já abordado neste
trabalho. Trata-se do caso Lebach, que, justamente, cuida do direito ao
esquecimento. A decisão, naquele caso, também ocorreu em três etapas461.
- A primeira etapa, em que se constata a situação de tensão entre a proteção da
personalidade e a liberdade de informar.
- A segunda etapa, em que o Tribunal Constitucional Alemão sustenta uma
precedência geral da liberdade de informar para a hipótese de informação atual
sobre atos criminosos.
- A terceira etapa, em que a decisão é proferida e o Tribunal reconhece que a
repetição de um noticiário de televisão sobre um crime grave e sem interesse atual
de informação impede a ressocialização do autor do crime. Neste caso a proteção

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
irá prevalecer no caso; a recomposição da ponderação, que acarreta a revelação de regras sobre a
preferência apontada nos elementos sopesados, que devem ter uma pretensão de validade.
461
Robert Alexy, Teoria, cit., p. 100-103.
  203  

da personalidade tem precedência sobre o direito de informar e leva à proibição da


veiculação da notícia.
Utilizando-se dos preceitos de Alexy é possível chegar à seguinte
fórmula para a obtenção do sopesamento: em um caso concreto, o princípio P1 terá
um peso maior do que P2, princípio com que colide, e, havendo razões cabais para
que ocorra a prevalência de P1 sobre P2, sob as condições C, existentes naquela
situação concreta, estará completa a técnica da ponderação. Desta forma, no caso
específico do crime Lebach a ponderação que levou à preferência pelo direito ao
esquecimento pautou-se por quatro condições: repetição; ausência de interesse
atual; grave crime; risco à socialização462.
No direito ao esquecimento é possível esquematizar as etapas da
ponderação do seguinte modo:
- Em primeiro lugar, a verificação de um estado de tensão entre o direito ao
esquecimento e outros princípios, que se materializa com a constatação de que não
será possível o reconhecimento daquele direito sem prejuízo à liberdade de
expressão ou do direito de informação. Ou então sem violação do direito à memória
e à verdade histórica.
- Em segundo lugar, a busca da solução intermediária, quando for possível aplicar o
direito ao esquecimento sem prejuízo de nenhum outro princípio.
- Por fim, a aplicação da ponderação, com o resultado de que o direito ao
esquecimento somente terá cabimento se for invocado em favor de interesse
particular, em que alguém não deseja a divulgação de fatos do passado que
perderam a atualidade, se não houver prejuízo ao interesse maior da coletividade.
Desta forma, é possível afirmar que, de maneira geral, o vetusto princípio
da preferência do interesse público sobre o particular irá balizar o aplicador do
direito ao se realizar a ponderação, e que o direito ao esquecimento deverá ser
                                                                                                               
462
Robert Alexy, Teoria, cit., p. 97-103.
  204  

reconhecido apenas para o interesse meramente particular. Presente o interesse


público, os outros princípios, como a liberdade de expressão ou o direito de
informação, deverão prevalecer. Deve-se fazer o mesmo raciocínio para se chegar à
conclusão sobre a preferência da memória coletiva e da história sobre o direito ao
esquecimento.
Portanto, no direito ao esquecimento, a ponderação implica no seguinte
modelo: o indivíduo comum pode requerer a retirada de dados sobre a sua pessoa,
desde que a informação não seja mais de interesse da coletividade. Em
contrapartida, cabe ponderação, de forma que a exclusão de informações de pessoas
públicas não possa ocorrer sem maiores indagações, uma vez que suas atuações
podem interessar à coletividade; neste caso, o direito à preservação da vida privada
acaba perdendo espaço para o interesse geral no acesso às informações463.
Há, para tanto, de se diferenciar o interesse público do interesse do
público. O interesse público está presente nas notícias com relevância para a
coletividade464. Ou seja, notícias essenciais para a proteção da saúde ou segurança
pública ou para a prevenção da população465.

                                                                                                               
463
Airton Portela, Manual de direito constitucional, vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p.
263.
464
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit.,
p. 285.
465
Há de se destacar o posicionamento de Luís Roberto Barroso (Liberdade de expressão versus
direitos da personalidade: colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação in, Ingo
Wolfgang Sarlet (org.), Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas
aproximações, cit., p. 98-99), que entende que o interesse público é algo muito mais amplo, pois
fatos verdadeiros obtidos por meios lícitos, noticiados em veículos de imprensa de época, ou que
constam em registros policiais ou judiciais, fazem com que as pessoas envolvidas tornem-se
personalidades públicas. Para o autor, em tais situações, deverá prevalecer a liberdade de
expressão e de informação em relação aos direitos da personalidade.
Não podemos concordar com a posição descrita porque, segundo este raciocínio, a liberdade de
expressão seria absoluta, e o direito à privacidade e o princípio da dignidade da pessoa humana
não teriam nenhuma aplicação. Todos são princípios constitucionais com a mesma importância.
Para que um tenha prevalência frente ao outro deve-se aplicar a ponderação em cada caso
concreto. Logo, não há interesse público em toda notícia ou informação publicada de maneira
  205  

Entende-se que pessoas públicas ou envolvidas em assuntos públicos não


podem pretender a mesma privacidade de um indivíduo comum. Conforme
ensinam Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco466 sobre o homem público:
"vivendo ele do crédito público, estando constantemente envolvido em negócios
que afetam a coletividade, é natural que em torno dele se avolume um verdadeiro
interesse público, que não existiria com relação ao pacato cidadão comum".
Desta forma, o direito ao esquecimento não poderá ser invocado por
parte do homem político que ocupa cargo institucional, uma vez que em tal
situação existe um interesse relevante e objetivo no conhecimento da história
pessoal ou particular deste homem467.
Com relação às pessoas notórias, mas que não prestam um serviço
público à coletividade, as chamadas celebridades, estas acabam tendo a sua
privacidade limitada, até pela própria atividade em que atuam, como inclusive já
foi abordado na questão das biografias não autorizadas. O que não significa, no
entanto, que fatos relacionados a elas poderão ser divulgados de forma ilimitada e
indefinida. As pessoas notórias também têm direito a que não sejam divulgados ou
noticiados os fatos que perderam com o tempo o sentido institucional468 . No
entanto, sempre que houver dúvida sobre o que deve prevalecer, deverão ser
ponderados os princípios envolvidos469.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
lícita. Se estas se referirem a pessoa comum e o fato houver perdido a atualidade, não haverá
interesse público.
466
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit.,
p. 285.
467
Massimiliano Mezzanotte, Il diritto all'oblio, cit. p. 116.
468
Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, 3ª
ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 76.
469
Ricardo Luis Lorenzetti (A arte de fazer justiça, Trad. Maria Laura Delaloye, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 75) explica o raciocínio para a elaboração do critério da
ponderação, quando ocorre o confronto com a privacidade das pessoas públicas: "o ponto de
partida é que a pessoa tem uma vida privada que deve ser protegida. Se for um caso envolvendo
um funcionário público, pode enfraquecer a proteção da privacidade para permitir a crítica e
  206  

Os fatos que entraram para a história ou os crimes contra a humanidade,


que despertam a memória coletiva, também, evidentemente, têm interesse público.
Nem sempre será uma tarefa fácil o desmembramento do que tem
relevância pública daquilo que não tem. Certamente haverá alguma dificuldade
para ser estabelecido o que é apenas privado e o que é de interesse da coletividade.
Mas o critério da ponderação serve justamente para isso, para aplicar a cada caso
concreto o devido sopesamento entre os princípios. Algumas situações são mais
claras do que outras. Um político desperta interesse coletivo e seus feitos ou
desfeitos não podem ser esquecidos. Crimes contra a humanidade jamais poderão
ser esquecidos. Fatos que entraram para a história não podem ser esquecidos. Por
outro lado, o cidadão comum, que um dia teve dívidas mas já as sanou, não
desperta interesse coletivo, e por isso deve ser esquecido. Uma apresentadora de
televisão que há mais de trinta anos fez filmes para o público adulto e hoje atua em
outras áreas também deve ser esquecida. Uma pessoa que foi injustamente acusada
por um crime deve ser esquecida. Um criminoso comum que pagou pelos seus
crimes tem direito à ressocialização e por isso deve ser esquecido. A vítima de um
crime ou os seus familiares, se assim preferirem, também devem ser esquecidos. O
esquecimento, nestes casos, deverá ocorrer em todos os meios de comunicação.
Mas não há uma fórmula mágica para toda e qualquer situação. O aplicador do
direito deve analisar a situação concreta e ponderar, tendo-se presente que o direito
ao esquecimento não diz respeito a fatos atuais, mas apenas aos fatos antigos que
perderam a atualidade e que portanto não tenham qualquer interesse público
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
satisfazer outro princípio, do desenvolvimento democrático. Portanto a compatibilidade destes
dois critérios exige que o funcionário admita algum dano tolerável para a sua privacidade.
Quando se trata de informações pessoais de um funcionário, também pode enfraquecer a proteção
para satisfazer o princípio da transparência dos atos. A compatibilidade exige a divulgação dos
depoimentos com alguma regulação para evitar excessos. Se são dados de uma pessoa que não é
pública, a regra geral aplica-se: a sua privacidade está protegida. Se uma pessoa privada que está
exposta a vida pública habitualmente, como um artista ou um jogador de futebol, é logico que a
proteção é menor".
  207  

envolvido.
Concluindo, o direito ao esquecimento pode ser invocado pelo particular
para evitar a violação de direito da personalidade. O Código Civil, em seu artigo
11, proclama a não taxatividade dos direitos da personalidade, e o direito ao
esquecimento se enquadra nesta categoria. Está, assim, elucidado que o direito ao
esquecimento é uma forma de direito da personalidade que ainda não encontra
norma expressa na legislação brasileira. Mas existem outros direitos da
personalidade que também não foram ainda positivados e nem por isso perdem esta
qualidade ou primazia. O aplicador do direito deve evitar a violação dos direitos da
personalidade, quaisquer que sejam eles, tanto os positivados como os não
positivados. O direito ao esquecimento é um corolário do direito à felicidade e por
isso também deve ser respeitado, desde que observados os limites acima
desenvolvidos. Uma ofensa aos direitos da personalidade, segundo Rosa Maria de
Andrade Nery significa "uma quebra da unidade da natureza humana. (...) é a
quebra da harmonia do todo. É a falta de qualquer das partes que constituem o
todo"470. E isso, evidentemente, deve ser evitado a qualquer custo.

                                                                                                               
470
Rosa Maria de Andrade Nery, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito
privado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 285.
  208  

12. Sugestões de lege ferenda.

O direito ao esquecimento não é tratado de forma expressa na legislação


brasileira, mas, poderá ser admitido independentemente de sua positivação. Trata-
se de um direito da personalidade autônomo e portanto já está integrado no sistema
jurídico. Sua tutela pode e deve ser reconhecida, face à divulgação de informações
particulares que já perderam a atualidade, conforme procuramos explorar neste
trabalho.
Este estudo também tem o objetivo de trazer algumas sugestões para
corrigir alguns desacertos em relação ao assunto, que vem levantando discussões
acaloradas na doutrina e na jurisprudência.
Seria bastante conveniente a inclusão de norma expressa, tratando do
direito ao esquecimento, para que não subsistam dúvidas sobre a sua aplicação.
Esta inclusão poderia ocorrer, inicialmente, no Código Civil e também no Marco
Civil da Internet.
Com relação ao Código Civil, a inclusão deveria dar-se de maneira
genérica, ao lado de outros direitos da personalidade. A alteração poderia ser no já
estudado artigo 21, que trata da vida privada, com o acréscimo do direito ao
esquecimento. A sugestão de novo texto é a seguinte:

"A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento


do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma, incluindo as hipóteses do direito ao
esquecimento". (grifo e inserção da autora)

Como já foi explorado, o artigo foi objeto de ação direta de


inconstitucionalidade e teve sua interpretação regulamentada pelo Supremo
Tribunal Federal, sem redução de texto. Mas o caso trata apenas de biografias não
autorizadas. A sugestão é apenas de inclusão do direito ao esquecimento para
  209  

particulares e não diz respeito às biografias.


No Marco Civil da Internet deveria ocorrer, especificamente, uma
alteração quanto aos dados eletrônicos, nos moldes da nova Diretiva europeia,
também explorada neste estudo. Dever-se-ia incluir artigo regulamentando a
autodeterminação de dados e cuidando expressamente do direito ao esquecimento.
Assim, informações pessoais que perderam a atualidade poderiam ser retiradas pelo
próprio interessado por via administrativa. Bastaria fazer um pedido diretamente ao
site que divulgou a notícia ou aos motores de busca. Nossa sugestão, portanto, é a
inclusão de mais um inciso para o artigo 7º, da Lei 12.965/2014, que teria a nova
redação:

"O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário


são assegurados os seguintes direitos:
(...)
XIV - o direito ao esquecimento, quando o titular já não quiser que os
seus dados sejam tratados, sendo-lhe facultado solicitar a sua eliminação,
a menos que existam motivos legítimos para a sua conservação". (grifo e
inserção da autora)

Mais uma sugestão é a regulamentação do direito de resposta para o


direito ao esquecimento. A Lei 13.188/2015 já disciplina o direito de resposta, na
hipótese de violação de outros direitos da personalidade, como honra, intimidade e
imagem. Desta forma, com a inclusão do direito ao esquecimento, o artigo 2º, § 1º,
teria uma nova redação:

"Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo


de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação,
gratuito e proporcional ao agravo.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem,


nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social,
independentemente do meio ou da plataforma de distribuição, publicação
  210  

ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco
de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o
nome, a marca, a imagem ou o direito ao esquecimento de pessoa física
ou jurídica identificada ou passível de identificação.
(...)". (grifo e inserção da autora)

Além das propostas de alteração na legislação brasileira, como existe


uma integração mundial de informações por meio da internet, também é preciso de
uma solução global para o esquecimento digital, ou seja, não se resolve a questão
de maneira satisfatória se os dados forem eliminados de um país e não de outro.
Devido à tecnologia digital, existem muitas dificuldades para se
implementar uma tutela efetiva de direito ao esquecimento, mas algumas soluções
são possíveis. Uma delas é o uso da própria tecnologia para se criarem métodos que
permitam o uso de data de validade de informação na internet. Após certo tempo a
notícia expira e automaticamente sai da rede. Logicamente deve haver o respeito à
liberdade de expressão ou de informação, mas estas também deverão ter limites.
No que diz respeito à internet, também deverá ser iniciada uma ampla,
aberta e intensa discussão sobre o esquecimento, para garantir a sua importância no
nosso futuro digital. A criação de um tratado internacional, com a participação do
maior número possível de países, para a unificação do entendimento sobre o
assunto, seria de bom alvitre, mas, quanto a isso, sabemos que é uma solução
bastante difícil de ser implementada.
Cumpre mencionar ainda a existência de dois projetos de lei sobre o
direito ao esquecimento, que já foram examinados no capítulo 7, item 7.5. São os
projetos 7.881/2014 e 1.676/2015. Ambos tramitam na Câmara dos Deputados.
Por fim, há de se esclarecer que, mesmo com expresso reconhecimento
na norma, como o direito ao esquecimento poderá ser confrontado com outros
direitos, caberá ao aplicador do direito valer-se da ponderação, para que o seu
reconhecimento se dê apenas nas hipóteses em que não houver interesse da
  211  

coletividade.
Estas são as modificações que julgamos imprescindíveis para que o
direito ao esquecimento possa ser aplicado com eficácia no direito brasileiro.
  212  

Conclusão.

1. Os direitos da personalidade são atributos da pessoa humana e


pertencem a uma categoria autônoma do sistema dos direitos subjetivos, com
caráter essencial. Podem ser diferenciados dos direitos fundamentais e dos direitos
humanos, em razão do enfoque dado a cada um. Todos protegem os direitos da
pessoa humana, mas os direitos da personalidade têm um enfoque privado. Os
direitos fundamentais dizem respeito às relações entre a pessoa e o Estado e têm
um enfoque público. Já os direitos humanos fazem parte do direito internacional
público, em que os Estados exigem o respeito aos direitos da pessoa humana. Ao
final todos interagem, por força da chamada "constitucionalização do direito civil",
e têm o mesmo valor tutelado: a dignidade da pessoa humana.
2. O fundamento jurídico dos direitos da personalidade é o direito
natural. São direitos inerentes à pessoa humana, independentemente de positivação.
A teoria do direito geral da personalidade reduz estes direitos a uma figura unitária,
objeto de tutela jurídica geral, com base na quantidade de tipos de ofensas possíveis
aos direitos da personalidade. Por isso, admite a inserção de novos conceitos, como
o do direito ao esquecimento. Uma das características dos direitos da personalidade
é a sua não taxatividade; assim, se a teoria do direito geral da personalidade for
insuficiente para o reconhecimento do direito ao esquecimento, este poderá ser
enquadrado como um deles, em razão de os direitos da personalidade não serem
exaustivos.
3. As três principais classificações dos direitos da personalidade são:
direito à integridade física, direito à integridade intelectual e direito à integridade
moral. O direito ao esquecimento é classificado como um direito moral, porque
leva em conta os atributos valorativos da pessoa na sociedade.
4. A pessoa humana é o principal titular dos direitos da personalidade,
  213  

uma vez que estes são inerentes a ela. No entanto podem ser também titulares de
direitos da personalidade as figuras do nascituro, da pessoa já falecida e também a
da pessoa jurídica. Os direitos da personalidade estão presentes desde a concepção,
em razão do direito à vida. Alguns subsistem mesmo em relação a pessoas já
falecidas. E outros são atribuídos, no que for compatível, também às pessoas
jurídicas. Desta forma, o direito ao esquecimento pode ser reconhecido também
para as pessoas já falecidas e para as pessoas jurídicas.
5. Alguns direitos da personalidade foram previstos na Constituição
Federal de 1988, com base na dignidade da pessoa humana, e se relacionam com o
direito ao esquecimento. São o direito à privacidade, à intimidade, à honra e à
imagem. Mas o direito ao esquecimento se destaca dos demais porque é uma figura
autônoma com características próprias: diz respeito apenas aos fatos do passado
que perderam a sua atualidade.
` 6. O direito ao esquecimento também pode relacionar-se com alguns
direitos fundamentais, como o direito de informação, a liberdade de expressão e a
livre manifestação de pensamento. Todos estes são pressupostos do Estado
Democrático de Direito, mas, ainda assim, podem sofrer limitações provindas dos
direitos da personalidade e especificamente do direito ao esquecimento. Os direitos
assim conflitados deverão ser submetidos ao sopesamento, para que se determine
aquele que deverá preponderar.
7. O Código Civil de 2002 tratou dos direitos da personalidade de forma
genérica: não mencionou todas as suas categorias, deixando esta tarefa para a
doutrina e para a jurisprudência. Os artigos 20 e 21, que tratam, respectivamente,
da imagem e da privacidade das pessoas, foram objeto de questionamento, porque
havia interpretação no sentido de que não se poderiam publicar ou exibir biografias
sem a prévia autorização das pessoas biografadas. A questão foi resolvida em
julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal
  214  

Federal, que decidiu pela dispensa da anuência prévia dos biografados, a qual
poderia ser considerada uma forma de censura. Não houve redução de texto dos
artigos. Caso a biografia viole direitos da personalidade, estarão assegurados o
direito de resposta e também a reparação de danos.
8. A questão das biografias não autorizadas não pode ser confundida com
a pretensão do reconhecimento ao direito ao esquecimento porque este diz respeito
a interesses particulares que já estão adormecidos e não despertam mais o interesse
público, ao contrário das biografias, em que prevalece o direito de informação e a
liberdade de expressão, justamente porque há o interesse público. Mas, de qualquer
forma, deverão ser coibidos os abusos contra direitos da personalidade.
9. O direito ao esquecimento é a faculdade de que dispõe o titular de um
fato pessoal de obter a remoção dos dados a ele relacionados, em razão do decurso
de tempo. É direito da personalidade e tem as mesmas características dos demais.
Tem como origem a ideia de privacidade, mas foi desenvolvido como categoria
autônoma porque diz respeito a certos fatos antigos que devam ser destacados e
esquecidos.
10. O Enunciado 531, aprovado pela VI Jornada de Direito Civil do
Conselho de Justiça Federal em março de 2013, dispõe que a tutela da dignidade da
pessoa humana inclui o direito ao esquecimento e tem como justificativa os danos
provocados pelas novas tecnologias de informação.
11. A Constituição Federal de 1988 não tratou expressamente do direito
ao esquecimento, mas direitos e garantias que não foram referidos também são
assegurados pela Carta Magna. Além disso, o princípio da dignidade da pessoa
humana também origina direitos não positivados. É o que ocorre com o direito ao
esquecimento.
12. O Código Civil também não cuidou explicitamente do direito ao
esquecimento, mas seu artigo 12 prevê que outras espécies de direitos da
  215  

personalidade podem ser tuteladas. O direito civil experimenta constante


transformação e uma relação intensa com os direitos humanos, cujo fundamento é a
dignidade da pessoa humana, que dispensa positivação, uma vez que dignidade e
pessoa são termos únicos, e estas são o objeto da proteção própria do direito ao
esquecimento.
13. O Brasil reconheceu o direito ao esquecimento por meio da doutrina e
da jurisprudência. O tema tem como origem a reabilitação penal do criminoso, mas
ganhou outras vertentes. É um direito fundado no decurso do tempo, assim como
tantos outros, como a prescrição, a decadência, a anistia e o perdão.
14. Outros países também reconhecem o direito ao esquecimento por
meio da doutrina e da jurisprudência. É o caso de alguns países europeus, como a
Itália, a França, a Alemanha e a Espanha. Existem alguns julgados emblemáticos
sobre o assunto em países estrangeiros, como o caso Lebach, julgado na Alemanha
em 1973, e o caso Filipachi versus Cogedipresse, na França, de 1983, ambos
reconhecendo o direito ao esquecimento.
15. No Brasil, o direito ao esquecimento foi reconhecido pelo Superior
Tribunal de Justiça, em favor de um sujeito acusado, indevidamente, como um dos
coautores do crime conhecido como chacina da Candelária. Uma rede de televisão
exibiu um programa muitos anos depois retratando o caso e citando o nome do
sujeito, quando ele já estava recuperado do fato, e por isso foi condenada a
indenizá-lo, em razão da violação do direito ao esquecimento.
16. O Superior Tribunal de Justiça já deixou de reconhecer o direito ao
esquecimento em outra ação, em que familiares da vítima de um crime famoso se
sentiram prejudicadas pela exibição de um programa de televisão retratando todos
os detalhes do crime, mais de cinquenta anos após a sua ocorrência. No julgamento
foi estabelecido que se tratava de fato histórico e que não caberia o direito ao
esquecimento. O caso está tramitando no Supremo Tribunal de Justiça e foi
  216  

declarado como de repercussão geral.


17. O direito ao esquecimento tem algumas vertentes possíveis: a das
vítimas de crimes ou seus parentes, que não desejam mais lembrar-se de fatos do
passado; a das pessoas acusadas injustamente por alguma falta ou delito; dos
criminosos que já cumpriram suas penas e desejam a ressocialização; a do
esquecimento digital de pessoas que não desejam mais que suas informações
pessoais antigas circulem na internet. São pessoas que querem que fatos antigos,
não necessariamente negativos, mas que perderam a atualidade, não mais sejam
divulgados porque se tornaram prescindíveis.
18. As notícias ou fatos divulgados pela internet tornam-se perenes e
geram uma vertente específica do direito ao esquecimento: o direito de apagar
dados digitais. Podem ser dados pessoais ou notícias antigas publicadas no passado:
o titular terá direito à sua ocultação, supressão ou cancelamento. Mas o direito ao
esquecimento digital está submetido a limites. É o chamado Big Data: são as
informações associadas a conteúdo de soberania nacional e que devem prevalecer.
Envolvem assuntos como a prevenção de doenças, pedofilia, racismo ou terrorismo.
19. Alguns países, como o México, a Argentina e o Canadá, têm leis
regulamentando a proteção de dados digitais. Outros, como Portugal, Espanha,
Holanda e Grécia, tratam em suas Constituições da autodeterminação de dados.
20. A União Europeia também tem regulamentação sobre a proteção de
dados pessoais. Trata-se da Diretiva 95/46, que prevê o respeito aos direitos
fundamentais pelos sistemas de tratamento de dados. Foi com base nesta diretiva
que o Tribunal de Justiça europeu, em julgamento histórico, decidiu pelo direito ao
esquecimento digital e determinou que motores de busca como o Google deveriam
retirar dados que perderam a atualidade quando solicitado pelo interessado. A
decisão atinge somente os países europeus, e por isso, se consultados motores de
busca de outros países, é possível encontrar a mesma notícia que na Europa foi
  217  

suprimida.
21. Foi aprovada proposta de alteração da Diretiva 95/46 para inserção
expressa do direito ao esquecimento. Esta deverá entrar em vigor no início de 2018
e alcançará os países membros da União Europeia e os prestadores de serviços
locais, mesmo que estrangeiros.
22. Ao contrário dos países da Europa, os Estados Unidos não acolhem
pedidos para se apagarem dados digitais com base no direito ao esquecimento
porque, naquele país, há uma preponderância da liberdade de imprensa e de
expressão, em relação aos direitos da personalidade.
23. O Brasil não admite a possibilidade de apagar dados da internet pela
via administrativa, mas existem decisões neste sentido na jurisprudência. A
legislação brasileira cuida apenas de forma parcial do uso da internet e do controle
de dados pessoais. Existe previsão limitada do assunto no Código de Defesa do
Consumidor, na Lei de Acesso à Informação, na Lei do Habeas Data e no Marco
Civil da Internet. Nenhum destes diplomas legais trata expressamente do direito ao
esquecimento.
24. O projeto de lei 1.676/2015, que está tramitando na Câmara dos
Deputados, prevê o direito ao esquecimento, com a possibilidade de retirada de
conteúdo digital de veículos de informação e de sites de busca por via
administrativa, desde que não haja interesse público na manutenção do conteúdo.
Se aprovado, será a primeira lei brasileira a tratar do tema.
25. O titular do direito ao esquecimento pode exigir a cessação de
ameaça ou lesão de seu direito, além de reclamar perdas e danos, como ocorre em
relação a qualquer outro direito da personalidade. Pode-se utilizar a tutela inibitória
para impedir a divulgação de uma notícia do passado que não tenha mais
importância no presente ou pelo menos sobrestar a sua divulgação. Podem ser
utilizadas medidas de urgência, como a tutela antecipada, e a aplicação de multa
  218  

cominatória. Para tanto deve ser demonstrado o risco da ocorrência de ato ilícito.
Se a violação do direito ao esquecimento levar à consumação do dano ao titular,
caberá ainda a tutela ressarcitória específica e também a exigência do direito de
resposta de forma proporcional ao agravo sofrido.
26. A verdade poderá se confrontar com o direito ao esquecimento,
especialmente quando se tratar do direito à memória e à verdade histórica. Este
assegura que toda pessoa tenha acesso às informações de interesse público, com o
direito de buscar o passado valendo-se da conservação ou transmissão de dados que
abranjam patrimônio cultural da coletividade. É um direito da personalidade
garantido pela Constituição Federal e está amparado em diversos tratados
internacionais subscritos pelo Brasil, incluindo a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
27. Questões históricas relevantes, como o Holocausto e as ditaduras
ocorridas na América Latina, envolvem diversos crimes contra a humanidade,
como a morte, o desaparecimento de pessoas e a tortura, os quais jamais deverão
ser esquecidos, pois a preservação da memória e da verdade histórica são uma
forma de evitar que ocorram novamente.
28. Em geral, os países da América Latina tiveram um período de
transição, entre o final de seus regimes ditatoriais e a instalação de regimes
democráticos, em que vigoraram leis de anistia e crimes contra a humanidade não
foram julgados. A Argentina é uma exceção, porque a lei de anistia local foi
anulada e os acusados de crimes contra a humanidade puderam ser julgados. Os
demais países instalaram comissões da verdade para preservação da memória, mas
não houve punição.
29. No Brasil a Lei de Anistia foi considerada constitucional, e também
aqui os culpados não foram punidos. A anistia é um instrumento utilizado em nome
da paz social, mas conduz ao esquecimento e à negação da memória. É o
  219  

esquecimento jurídico de uma infração penal, mas, aplicada em nome da paz social,
acaba ensejando o perdão e pode transformar-se em mecanismo de impunidade.
30. O direito ao esquecimento jamais poderá apagar fatos históricos. Visa
apenas a proteger a memória individual e não pode ser aplicado às graves violações
de direitos humanos. Crimes de guerra, crimes políticos, torturas ou massacres não
podem ser esquecidos, porque existe um interesse público na preservação da
história e da memória coletiva.
31. A liberdade de expressão e o direito de informação podem colidir
com diversos direitos da personalidade, inclusive com o direito ao esquecimento.
Mas deve-se buscar o equilíbrio entre todos estes direitos, pois todos coexistem e
nenhum deles pode ser considerado absoluto. A cada caso concreto, deve-se aplicar
o sopesamento para se estabelecer qual deve prevalecer. A ponderação é o critério
que se deve utilizar no caso de antinomia entre princípios. A técnica foi
reconhecida pelo artigo 489, § 2º, do novo Código de Processo Civil.
32. O direito ao esquecimento deve ser considerado um princípio, pois,
embora não positivado, pode ser extraído de princípios constitucionais ligados à
privacidade e especialmente à dignidade da pessoa humana. É uma categoria
autônoma de direito da personalidade, porque diz respeito a fatos antigos que
perderam a atualidade e que causam um sofrimento absolutamente desnecessário,
por despertarem eventos que estavam adormecidos no passado.
33. A ponderação deve ocorrer em etapas. A primeira é a verificação do
estado de tensão entre o direito ao esquecimento e outros princípios. A segunda é a
busca de uma solução intermediária que não traga prejuízo a nenhum princípio. Se
não for possível, aplica-se a ponderação propriamente dita, ou seja, o sopesamento
entre cada um dos princípios em estado de tensão até que se encontre a solução
final.
34. O princípio da preferência do interesse público sobre o privado serve
  220  

de guia para a aplicação do direito ao esquecimento, que será reconhecido somente


para o interesse meramente particular. Se houver interesse público os demais
princípios, envolvendo a liberdade de expressão e o direito de informação, deverão
prevalecer. Assim, o indivíduo comum pode requerer a supressão de informações a
seu respeito, desde que não haja interesse da coletividade na sua manutenção.
35. Devem ser criados parâmetros para a delimitação do direito ao
esquecimento, por isso é importante especificar o seu alcance e objetivo. Não existe
uma solução perfeita: o titular que precisar utilizar a via judicial para conseguir
suprimir ou suspender uma informação a seu respeito pode ter justamente o efeito
oposto, uma repercussão social ou uma comoção geral. Não defendemos que o
direito ao esquecimento seja absoluto ou irrestrito. Certamente deve ser aplicado
com cautela. Não poderá ser invocado para apagar a história ou a memória coletiva.

 
  221  

Bibliografia.

AGUIAR, Marcelo Souza. A dignidade e a Constituição cidadã de 1988. In


POZZOLI, Lafayette; ALVIM, Marcia Cristina de Souza (Org.). Ensaios sobre
filosofia do direito. São Paulo: Educ, 2011.
ALCARO, Francesco. Diritto privato. 2ª ed. Firenze: Walters Kluwer, 2015.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso
racional como teoria da fundamentação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild
Silva. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
______. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2011.
ALMEIDA, Edson Luis de. A anistia e os crimes contra a humanidade. Doutrinas
essenciais de direitos humanos. Vol. 6. P. 157-176. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Volume I. 13a ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.
______. A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2003
AMARAL, Francisco. Direito civil introdução. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2008.
ANDRADE, Fabio Siebeneichler de. O desenvolvimento dos direitos da
personalidade nos dez anos de vigência do Código Civil de 2002. In LOTUFO,
Renan; NANNI, Giovanni Ettore; MARTINS, Fernando Rodrigues (Coords.).
Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os 10 anos do
Código Civil. São Paulo: Atlas, 2012.
AQUINO, Tomás de. As virtudes morais. Trad. Paulo Faitanin e Bernardo Veiga.
Campinas: Ecclesiae, 2012.
  222  

ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. 2ª


ed. São Paulo: Verbatim, 2013.
______; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 8ª. ed.
São Paulo: Saraiva, 2004.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. 10 ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007.
______. Entre o passado e o futuro. Trad. Mauro W. Barbosa. 7ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 2014.
ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. Leonel Vallandro. Porto Alegre: Editora Globo,
1969.
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, volume I. Coimbra:
Coimbra Editora, 2000.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa
humana. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Volume 97, 2002.
BARBERO, Domenico. Sistema del derecho privado II: derechos de la
personalidad, derecho de familia, derechos reales. Trad. Santiago Sentis
Melendo. Buenos Aires: Europa-America, 1967.
BARBOSA, Marco Antonio Rodrigues; VANNUCHI, Paulo. Resgate da memória
e da verdade: um direito de todos. In SOARES, Inês Virgínia Prado. KISHI, Sandra
Akemi Shimada (Coords.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado
Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito
constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da
  223  

jurisprudência mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. Belo Horizonte:


Forum, 2014.
______. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade: colisão de
direitos fundamentais e critérios de ponderação. In SARLET, Ingo Wolfgang
(Org.). Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas
aproximações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
BASTOS, Elena Arantes Ferreira Bastos. Anistia: as leis internacionais e o caso
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009.
BENETI, Sidnei Agostinho. A Constituição e o sistema penal. In Revista dos
Tribunais. Vol. 704. P. 296-309. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
BIANCA, C. Massimo. Istituzioni di diritto privato. Milano: Giufrè, 2014.
BITAN, Hubert. Droit et expertise du numérique. Paris: Wolter Kluwer, 2015.
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8ª ed. São Paulo: Saraiva,
2015.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004.
______. O futuro da democracia, uma defesa das regras do jogo. 6ª ed. Trad.
Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
______. O tempo da memória: de senecute e outros escritos autobiográficos.
Trad. Daniela Versani. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
BOCCHINI, Fernando; QUADRI, Enrico. Diritto privato. 5ª ed. Torino: G.
Giappichelli Editore, 2014.
BRIZ, Jaime Santos. Derecho civil: teoría y práctica. Tomo I. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado, 1978.
CARIO, Robert; RUIZ-VERA, Sylvie. Droit des victimes: de l'oubli à la
reconnaissance. Paris: L'Harmattan, 2015.
  224  

CARO, María Álvarez. Derecho al olvido en internet: el nuevo paradigma de la


privacidad en la era digital. Madrid: Reus, 2015.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da
Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.
______ e Outros. Biografia não autorizada versus liberdade de expressão. 2ª ed.
Curitiba: Juruá, 2015.
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. José Antônio
Cardinalli. Campinas: Booksekker, 2001.
CARVALHO, Aline Vieira de; FUNARI, Pedro Paulo A. A importância da
arqueologia forense na construção de memórias perdidas nos períodos ditatoriais
latino-americanos. In SOARES, Inês Virgínia Prado. KISHI, Sandra Akemi
Shimada (Coords.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado
Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
CASTELLANO, Simon Pere. El régimen constitucional del derecho al olvido
digital. Valencia: Tirant lo Blanch, 2012, Edição Kindle.
_________. El reconocimiento del derecho al olvido digital en España y en la
UE. Barcelona: Bosch, 2015.
CHAVES, Antonio. Lições de direito civil: parte geral. Volume III. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1972.
CHEHAB, Gustavo Carvalho. O direito ao esquecimento na sociedade de
informação. In Doutrinas essenciais de direito constitucional. Vol. 8. P. 563-596.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
CHINELLATO, Silmara Juny. In MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Org.);
Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7ª ed.
Barueri: Manole, 2014.
  225  

CRUZ, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e. O direito ao esquecimento na


internet e o Superior Tribunal de Justiça. In Revista de direito das comunicações.
Vol. 7. P. 335-355. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
CURY NETO, David. A tutela civil do direito ao esquecimento. São Paulo: PUC-
SP (Dissertação de Mestrado), 2015.
DANELUZZI, Maria Helena Marques Braceiro; MATHIAS, Maria Ligia Coelho.
Observações sobre a biografia não autorizada à luz da decisão do STF. In
Interrogatio: reflexões de direito brasileiro e internacional, Botucatu:
QuintAventura, 2015, Edição Kindle.
______. Aspectos da responsabilidade civil sob a perspectiva do direito à imagem.
In NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério. (Coords).
Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo
Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. 2ª ed. Trad. Afonso Celso
Furtado Rezende. São Paulo: Quorum, 2008.
DE MATTIA, Fabio Maria. Direitos da personalidade aspectos gerais. In Revista
de informação legislativa. Volume. 14, N. 56. P. 247-266. Rio de Janeiro:
Forense, 1977.
DECHENAUD, David. Le droit à l'oubli numérique. Bruxelles: Larcier, 2015.
DEL VECCHIO, Giorgio. A verdade na moral e no direito. Trad. Francisco José
Velozo. Braga: Editorial Scientia e Ars, 1955.
DIDIER JÚNIOR, Fredie e Outros. Curso de direito processual civil. Vol. 2. 10ª
ed. Salvador: JusPodivm, 2014.
DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. 9ª ed., São Paulo: Saraiva. 2009.
______. Código Civil anotado. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
______. Conflito de normas. 9 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
  226  

______. Compêndio de introdução à ciência do direito. 25ª ed. São Paulo:


Saraiva, 2014.

______. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil.
32a ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
______. O estado atual do biodireito. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
DOMÍNGUEZ, Andrés Gil. Constitución y derechos humanos: nas normas del
olvido en la República Argentina. Buenos Aires: Ediar, 2004.
DOTTI, René Ariel. O direito ao esquecimento e a proteção do habeas data. In
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Habeas data. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998.
______.   Proteção da vida privada e liberdade de informação: possibilidades e
limites. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
FACHIN, Luiz Edson. Direito civil: sentidos, transformações e fim. Rio de
Janeiro: Renovar, 2015.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral.
9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
FELBERG, Rodrigo. A reintegração social dos cidadãos egressos: uma nova
dimensão de aplicabilidade às ações afirmativas. São Paulo: Atlas, 2015.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Antinomia. In FRANÇA, Rubens Limongi
(Coord.). Enciclopédia Saraiva do direito. Volume 7. São Paulo: Saraiva, 1978.
______. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a
justiça e o direito. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de
Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2002.
FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva,
1988.
  227  

GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da


personalidade. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998.
______. Memória justificativa do anteprojeto de reforma do Código Civil. Rio
de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1963.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. Volume 1.
12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade no estado constitucional. Trad.
Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.
HABERMAS, Jürgen. A ética na discussão e a questão da verdade. Trad.
Marcelo Brandão Cipola. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
______. Conhecimento e interesse. Trad. José N. Heck. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987.
IPPOLITO, Federico Maria D. Diritto, memoria, oblio nel mondo romano.
Napoli: Satura, 2010.
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada:
conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000.
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Trad. Edson Bini. São Paulo:
Edipro, 2003.
______. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2001.
KHOURI, Paulo R. O direito ao esquecimento na sociedade de informação e o
enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil. In Revista de direito do
consumidor. Vol. 89. P. 463-464. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
  228  

LAFER, Celso. Direitos humanos: um percurso no direito no século XXI, 1.


São Paulo: Atlas, 2015.
______. Filosofia e teoria geral do direito: um percurso no direito no século
XXI, 3. São Paulo: Atlas, 2015.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 7ª ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014.
LEAL, Rogério Gesta. Verdade, memória e justiça no Brasil, responsabilidades
compartidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
LEHMANN, Heinrich. Tratado de derecho civil: vol. I, parte general. Madrid:
Editorial Revista de Derecho Privado, 1956.
LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Direito ao esquecimento e internet: o fundamento
legal no direito comunitário europeu, no direito italiano e no direito brasileiro. In
Doutrinas essenciais de direito constitucional. Vol. 8. P. 511-543. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015.
LIMBERGER, Têmis. Direito e informática: o desafio de proteger os direitos do
cidadão. In SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direitos fundamentais, informática
e comunicação: algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007.
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999.
LORENZETTI, Ricardo Luis. A arte de fazer justiça. Trad. Maria Laura
Delaloye, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
______. Fundamentos do direito privado. Trad. Vera Maria Jacob de Fradera.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
______. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Trad. Bruno
Miragem, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
  229  

MARTINEZ, Pablo Dominguez. Direito ao esquecimento: a proteção da


memória individual na sociedade de informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2014.
MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Delete: the virtue of forgetting in the digital
age. Princeton University Press, 2011.
MELO, Celso Antonio Bandeira de. Imprescritibilidade dos crimes de tortura. In
SOARES, Inês Virgínia Prado. KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coords.).
Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro.
Belo Horizonte: Fórum, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito
constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MEZZANOTTE, Massimiliano. Il diritto all'oblio. Napoli: Edizioni Scientifiche
Italiane, 2009.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais.
Tomo IV. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000.
______; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; FRUET, Gustavo Bonato.(Org.).
Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2012.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo 7. Campinas:
Bookseller, 2000.
MORAES, Luciana Carrilho de. Verdade e justiça: Lei da Anistia e Comissão
Nacional da Verdade na democracia brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2015.
MORAES, Maria Celina Bodin; KONDER, Carlos Nelson. Dilemas de direito
civil-constitucional: casos e decisões. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
MORAIS, Carlos Blanco de. Curso de direito constitucional: teoria da
Constituição em tempo de crise do Estado Social. Tomo II. volume 2. Coimbra:
Coimbra Editora, 2014.
  230  

MORATO, Antonio Carlos. Quadro Geral dos direitos da personalidade. In Revista


da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Volumes 106/107,
2012.
______; CICCO, Maria Cristina de. Direito ao esquecimento: luzes e sombras. In
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. (Org.). Estudos em homenagem a Ivette
Senise Ferreira. São Paulo: LiberArs, 2015.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil
comentado. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
______. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015.
NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria
geral do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
NIETZSCHE, Friedrich. A vontade de poder. Trad. Marcos Sinésio Pereira
Fernandes; Francisco José Dias de Moraes. Rio de Janeiro: Contraponto. 2008.
______. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
OST, François. O tempo do direito. Trad. Maria Fernanda Oliveira. Lisboa:
Instituto Piaget, 2001.
PALMER, Richard E.. Hermenêutica. Trad. Maria Luíza Ribeiro Ferreira. Lisboa:
Edições 70, 1999.
PORTELA, Airton. Manual de direito constitucional. Vol. 1. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2015.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. trad. Maria Cristina De Cicco. 3ª ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
PERLINGEIRO, Ricardo. O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e
a publicidade processual. In Revista de processo. Vol. 203. P. 203-212. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
  231  

PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. Pseudônimo Bernardo Soares.


Salvador: Nostrum Editora, 2013.
PINTO, Pedro Cardoso Correia da Mota. Os direitos de personalidade no Código
Civil de Macau. In Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra. Vol. 76, 2000.
PIOVESAN, Flavia. Temas de direitos humanos. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
______. Direito internacional dos direitos humanos e lei de anistia. In SOARES,
Inês Virgínia Prado. KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coords.). Memória e
verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo
Horizonte: Fórum, 2009.
PIZZETTI, Franco. Il caso del diritto all'oblio. Turim: G. Giappichelli, 2013.
PLATÃO. A república. 9ª ed. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
QUEIRÓZ, Odete Novais Carneiro. Prisão civil e os direitos humanos. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
RALLO, Artemi. El derecho al olvido en internet: Google versus España.
Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014.
REALE, Miguel. Direito natural, direito positivo. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva,
2012.
______. História do novo código civil. volume 1. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
______. Lições preliminares de direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
RICOEUR, PAUL. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alain François.
Campinas: Editora Unicamp, 2007.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003.
  232  

RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Brasil debate direito ao esquecimento


desde 1990. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-
comparado-direito-esquecimento-1990. Acesso em 03/09/2015.
______. Direito ao esquecimento, a culpa e os erros humanos. Disponível em
http://www.conjur.com.br/2013-dez-11/direito-comparado-direito-esquecimento-
culpa-erros-humanos. Acesso em 03/09/2015.
______, Direito a ser deixado em paz, a ser esquecido e de apagar dados.
Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-jun-04/direito-deixado-paz-
esquecido-apagar-dados. Acesso em 03/09/2015.
______. Não há tendências na proteção do direito ao esquecimento. Disponível
em http://www.conjur.com.br/2013-dez-25/direito-comparado-nao-tendencias-
protecao-direito-esquecimento. Acesso em 03/09/2015.
ROPPO, Vicenzo. Diritto privato. 4ª ed. Torino: G. Giappichelli Editore, 2014.
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Volume 1. Trad. Paulo
Roberto Benasse. Campinas: Bookseller, 1999.
SALLENT. Juan Antonio Gallo. El derecho al olvido en internet: del caso
Google al big data, Estados Unidos: Createspace, 2015, Edição Kindle.
SAMPAIO,  José  Adércio  Leite;  ALMEIDA,  Alex  Luciano  Valadares  de.  Verdade  e  
história:   por   um   direito   fundamental   à   verdade.   In SOARES, Inês Virgínia
Prado. KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coords.). Memória e verdade: a justiça
de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12ª ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
______. Do caso Lebach ao caso Google vs Agencia Espanhola de Proteção de
Dados. Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jun-05/direitos-
  233  

fundamentais-lebach-google-vs-agencia-espanhola-protecao-dados-mario-gonzalez.
Acesso em 03/09/2015.
______. Tema da moda, direito ao esquecimento é anterior à internet.
Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-mai-22/direitos-fundamentais-tema-
moda-direito-esquecimento-anterior-internet. Acesso em 27/10/2015.
______ e Outros. Curso de direito constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
SARMENTO, Daniel. Liberdades comunicativas e direito ao esquecimento na
ordem constitucional brasileira. Disponível em
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/2/art20150213-09.pdf. Acesso em
30/11/2015.
SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013.
______. Direitos da personalidade. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.
______. Direito e mídia. São Paulo: Atlas, 2013.
______. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da
reparação à diluição dos danos. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2015
SCHMITT, CARL. Teoría de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid:
Alianza Editorial, 1996.
SCIULLI, Gabriele. Il diritto all'oblio e l'identità digitale. Itália: Narcissus, 2014.
Edição Kindle.
SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. 31ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
SILVA, Edson Ferreira. Direitos de personalidade: os direitos da personalidade são
inatos? In Revista dos Tribunais. V. 694. P. 21-34. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993.
SILVA, Tatiana Manna Bellasalma e; SILVA, Ricardo da Silveira e. Direito ao
esquecimento na era virtual: a difícil tarefa de preservação do passado. In
CORAZZA, Thaís Aline Mazetto; CARVALHO, Gisele Mendes de (Org.). Um
  234  

olhar contemporâneo sobre os direitos da personalidade. Birigui: Boreal, 2015,


Edição Kindle.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial,
restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
SOARES, Ricardo Maurício Freire e Outros. O direito fundamental à memória e
à verdade. Curitiba: Juruá, 2013.
STRECK, Lenio Luiz. Compreender direito: como o senso comum pode nos
enganar. Volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
______. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
______. O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém? Disponível
em http://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-
consciencia-seguranca-alguem#_ftn1_6301. Acesso em 01/12/2015.
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993.
TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2004.
______ e Outros. Código Civil interpretado conforme a Constituição da
República: parte geral e obrigações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
TOBEÑAS, José Castán. Derecho civil español, común y foral. Tomo primero.
Introducion y parte general. Volumen segundo. 15ª ed. Madrid: Reus S.A.,
2007.
______. Los derechos del hombre. 4ª ed. Madrid: Reus S.A., 1992.
TOURIÑO, Alejandro. El derecho al olvido y a la intimidad en internet. Madrid:
Catarata, 2014.
TRIMARCHI, Pietro. Istituzioni di diritto privato. 7a ed. Milano: Giuffrè, 1986.
  235  

URBAYEN, Miguel. Vida privada e informacion: un conflicto permanente.


Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra S.A., 1977.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010.
______. Direito civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2011.
VENTUROLI, Marco. La vittima nel sistema penale: dall'oblio al
protagonismo. Napoli: Jovene, 2015.
ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direitos da personalidade. São Paulo:
Saraiva, 2011.

Você também pode gostar