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ge iwrmwu RA SS RAQUEL SALEK FIAD MARIA LAURA T. MAYRINK-SABINSON CENAS DE AQUISICAO DA ESCRITA OSUETOEO TABAHOCON OTERO Be Lees | MARIA BERNADETE MARQUES ABAURRE / | DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGACAO NA PUBLICAGAO (CIP) (CAMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL) —— ‘Abaurre, Maria Bernadete Marques Conas de aquisigio da escrita: 0 sujeito @ 0 trabalho com o texto / Maria ‘Bornadete Marques Abaurre, Raquel Salek Fiad, Maria Laura Trindade Mayrink- ‘Sabinson — Campinas. SP : Mercado de Letras : Associagao de Leitura do | Brasil- ALB, 1997. (Colecdo Leituras no Brasil). ISBN 85 85725-38-9 1. Comunicagio escrita 2, Escrita 3, Textos 4, Toxtos infants |. Fiad, Raquel Salok Il, Mayrink-Sabinson, Maria Laura Trindade Il, Titulo IV. Série, 97-2806 CDD-302.2244 Indice para catélogo sistemético: 1. Escrita : Aquisigdo : Comunicagao : Ciéncias sociais 302.2244 COLEGAO LEITURAS NO BRASIL ‘Coordenagao: Valdir Heitor Barzotto Conseiho Editoriat Glaucia Mollo Pécora, Luiz Percival Leme Britto, Maria José Nébrega, Wilmar da Rocha D’Angolis e Marcia Abreu Capa: Vande Rotta Gomide Copidesque: Nivia Maria Fernandes DIREITOS RESERVADOS PARA A LINGUA PORTUGUESA: © MERCADO DE LETRAS EDIGOES E LIVRARIA LTDA. Rua Barbosa de Andrade, 111 Telefax: (19) 9241-7514 19073-410 ~ Campinas SP Brasil ‘mercado-de-letras.com.br E-mail: livios@mercado-de-letras.com.br ASSOCIAGAO DE LEITURA DO BRASIL Faculdade de Educagao/Unicamp Cidade Universitaria “Zeterino Vaz" 19081-970 - Campinas SP Brasil Fone: (19) 3289-4166 3* reimpressao 2002 Proibida a reproduco desta ob¢a ‘80m a aulorizagdo provia dos ecitores. 1, EM BUSCA DE PISTAS* Maria Bernadete Marques Abaurre Raquel Salek Fiad Maria Laura Mayrink-Sabinson 1. A relevancia tedrica dos dados singulares Pode-se dizer que a discussio sobre 0 estatuto tedrico dos dados singulares em ciéncias humanas foi retomadae explicitada recentemen- te pelo historiador italiano Carlo Ginzburg. Em seus trabalhos (cf. particularmente 0 ensaio Sinais — ratzes de um paradigma indicidrio, 1986), esse autor chama a ateng’io para o fato de que um modelo realizadas no Ambito do Projeto * Este capitulo apresenta _reflexdes dos dados singulares na aquisigdo da Integrado/CNPq. A releviincia tedrica linguagem escrita (proc. n° $21837/95-2). uréter singular das operacdes de Trata-se de versio ampliada do texto O ca wos do inicio da aquisicdo da escrita, publicado refaccdo nos textos representativ em Estudos Lingitisticas, Anais de Semindrios do GEL XXIV, Sao Paulo, SP, 1995. mp. 1995, com Publicado em Trabalhos em Lingiiistica Aplicada, 25. TEL/Un o titulo “Consideragdes sobre a utilizagdo de um paradigma indicidrio na andtis de episddios de refacgdo textual”. cpistemolégico fundado no detalhe, no Tesiduo, NO episddico, no sin. gular, j4 havia emergido silenciosamente no ambito das chamadas ciéncias humanas no final do século XIX, sem que no entanto se registrasse a preocupagao com a definigdo de um paradigma de ine tigagdo epistemologicamente cocrente com esses pressupostos, Ginz. burg discute exatamente esse paradigma, que chama de indicidrio, ¢ preocupa-se, dentre outras coisas, com a definigao de principios meto. dolégicos que garantam rigor as investigacoes centradas no detalhe ¢ nas manifestagGes de singularidade. O projeto integrado que aqui se discute parte do pressuposto de que a adogao de um paradigma indicidrio de cunho qualitativo, como 0 proposto por Ginzburg para a investigagao em hist6ria, pode ser mais produtiva do que a adogdo de um paradigma inspirado nos modelos galileanos que governam a investigac¢ao no dominio das chamadas ciéncias exatas (centrados na quantificagao e na repetibi- lidade de resultados obtidos com base em situagdes experimentais), para a investigagdo dos fatos concernentes a relacao sujeito/lingua- gem. Assim, um dos objetivos do projeto é a definigao de principios metodoldégicos gerais que devem orientar a propria relagdo a ser estabelecida, entre o investigador e os dados, na busca daqueles que se podem constituir em indicios reveladores do fenémeno que se busca compreender. O tabalho com indicios pressupde procedimentos abdutivos de investigagao, e as questdes metodoldgicas cruciais dizem respeito: 1. aos critérios de identificag&o dos dados a serem tomados como representativos do que se quer tomar como a “singularidade que revela”, uma vez que, em um sentido trivial do termo, qualquer dado € um dado singular; 2. ao conceito mesmo de “rigor metodolégico”, que nao pode aqui ser entendido no mesmo sentido em que é tomado no ambito de paradigmas de investi gagao centrados nos procedimen- tos experimentais, na replicabilidade ¢ na quantificagao. Em trabalho que discute exatamente a questao da adogao de um paradigma indicidrio nas pesquisas deste projeto integrado, uma das bolsistas do projeto, A. A. Quartarolla (1994) — que teve come tarefa, em sua bolsa de aperfeigoamento, 0 acompanhamento das a ais Se acca pesquisas conduzidas pelo conjunto de investigadoras ¢ a discussao das questies te6rico-metodolégicas relacionadas coma escolhadesse paradigma especitico — chama a atengao para o fato de que torna-se necessario (...) 0 estabelecimento de um rigor me- todolsgico diferenciado daquele instaurado pelas metodolo- gias experimentais, uma vez que o olhar do pesquisador esta voltado, neste paradigma, para a singularidade dos dados. No interior desse “rigor flexfvel” (tal como 0 denomina Ginzburg) entram em jogo outros elementos, como a intui- ¢40 do investigador na observagao do singular, do idiossin- crdtico, bem como sua capacidade de, com base no cardter iluminador desses dados singulares — tal como propde © paradigma indicidrio — formular hipsteses explicativas in- teressantes para aspectos da realidade que nao sao captados diretamente, mas, sobretudo, sdo recuperdveis através de sintomas, indicios. A relevancia tedrica atribuida aos dados idiossincraticos ¢ singulares nos estudos de aquisigao da linguagem, jé estava implicita em nossos artigos anteriores sobre o tema da aquisigao da escrita (cf. Abaurre, 1988a,1988b, 1989, 1990, 1991a; Fiad, 1989, 1991; Fiad e Mayrink-Sabinson, 1991, Mayrink-Sabinson, 1989, 1991a, 1991b, 1991c) e & preocupagao explicita em Abaurre (1991b). Acreditamos que os dados da escrita inicial, por sua freqiiente singularidade, sao importantes indicios do processo geral através do qual se vai cont nuamente constituindo e modificando a complexa relagao entre 0 sujeito ¢ a linguagem. Acreditamos também que, em ultima andlise, pelo fato de darem uma maior visibilidade a alguns aspectos desse processo, esses dados podem contribuir de forma significativa para uma disct io mais proficua da natureza da relagao sujeito/lingua- gem no Ambito da teoria lingiiistica. Nos tltimos dez anos, coletamos dados da produgao escrita de criangas, adolescentes ¢ adultos , em contextos & situagdes dite- renciadas. Esses dados constituem hoje 0 acervo do Projeto Integra- do/CNPq ¢ apontam — a nosso ver de forma inequivoca — para a sidade de se considerarem teoricamente significativas, no 4m- ito de uma teoria de aquisigito da linguagem, as manifestage, comportamentos episddicos ¢ singulares dos sujeitos, Por cles inge ciados. Os milhares de dados de que hoje dispomos sao repr sentativos de diferentes momentos do processo de Aquisicag i representagaio escrita da linguagem € sao, nesse sentido, também, ys da atividade do sujeito na relagdo que Continuamente representative estabelece com a linguagem. Nosso acervo € hoje constitufdo de dados naturalisticamente coletados da produgio escrita de criangas, adolescentes e adultos, de 1°, 2° ¢ 3° graus de escolarizagao, de escrita escolar e espontanea, de rascunhos/primeiras versdes de textos reescritos, de textos “definiti- vos” etc. Possuimos também gravagGes em video e dados coletados sob forma de didrios longitudinais que documentam os primeiros contatos de duas criangas com a atividade de escrita/leitura, em interagdo com interlocutores letrados. Dispomos ainda do registro de grande parte da produgao escrita de um mesmo sujeito, representativa das suas atividades escolares com a escrita ¢ da escrita esponténea que produziu em ambiente doméstico (dados regular e naturalistica- mente coletados na faixa etéria compreendida entre um ano e seis meses € nove anos € nove meses, e episodicamente coletados no periodo da adolescéncia deste sujeito). Acreditamos que 0 interesse tedrico crescente pela compreen- sdo darelevanciados dados singulares na determinagao dos percursos particulares trilhados pelas criangas na aquisigaio da linguagem jus- tifica plenamente o privilégio que vem sendo atribuido, em pesquisas Tecentes sobre aquisigdo, aos dados coletados de forma naturalistic sem 0 controle rigido dos contextos experimentais criados nas situa gGes de pesquisa. : Durante um longo perfodo, os estudos e priticas pedagosies ignoraram © fato de que os “erros” cometidos pelos aprendizes ef pas enair cram, na verdade, preciosos indicios de um eee ues aa on “quisigdo da representagdo escrita da linguage™ wap oe Mentos em que a crianga torna evidente a maniPUys Propria linguagem, histéria da relagdo que 6 : (re)constrdi ao comegar a escrever/ler. Foi esse um periodo de surdas batalhas travadas entre professores que apenas (e muitas vezes sem gucesso) “corrigiam”, ¢ alunos que tentavam desesperadamente tirar sentido de orientagdes em frequente conflito com suas hipsteses. A esse periodo seguiu-se, na tiltima década, um perfodo em que acscola descobriu a psicologia genética piagetiana, passando, em consequén- cia, a ver no aluno 0 sujcito ativo responsdvel pela construg conhecimento sobre os objetos que 0 cercam, dentre 0s quais, 0 sistema de escrita em uso na sua comunidade. Determinante dessa grande c salutar mudanga de atitude da escola com relagdo aos scus alunos ¢ seu potencial de desenvolvimento cognitivo, foram as pes- quisas sobre aquisigao da escrita, de inspiragdo piagetiana, desenvol- vidas por Ferreiro ¢ Teberosky (1979). Em algumas circunstancias, porém, na Ansia de resolver o problema do desempenho historicamen- te ruim dos alunos em escrita/leitura, desafio que a escola ndo tem sabido enfrentar com competéncia, registraram-se tentativas apres- sadas ¢, por vezes, irresponsaveis de transformar em método de ensino os resultados de uma pesquisa académica séria. Uma das conseqiiéncias pedagégicas a nosso ver nocivas dessa apressada transformag¢ao. em método dos pressupostos piagetianos ¢ de sua transposigao quase que dircta dos textos académicos para os bancos. escolares tem sido a descaracterizagiio dos sujeitos reais da aprendi- Jagem, dos alunos que vivem, cada um a sua maneira, uma hist6ria singular de contato com a linguagem ¢ com seus interlocutores. Sem que se deixe de vé-los ¢ a seus comportamentos Como instanciagdes de um sujeito psicolégico ideal, os alunos reais precisam também (¢ urgentemente) voltar a ser vistos em sua singularidade, por ser ela, cm Gltima andlise, determinante da histéria também singular da aquisigdo da escrita de cada sujeito. Acreditamos, pois, que uma reflexdo como a que vimos. conduzindo em nossa pesquisa, fundada na adogdo de um paradigma indicidrio e voltada para a discussio do estatuto tedrico dos compor- tamentos singulares, pode vir a contribuir para uma melhor com- preensdo da relagao que se instaura, a cada momento, do processo de aprendizagem, entre as caracteristicas eventual mente universais dos sujcitos ¢ as diversas manifestagdes de sua singularidade. 17 za singular dos dados 2. A nature da aquisigado a linguagem Os dados coletados para pesquisas longitudinais ou trans versag sobre aquisigao da linguagem oral ou escrita trazem em si as marcas de uma situagao de grande e natural instabilidade. Caracteristica dessas situagdes em que a linguagem continua e rapidamente (re)elaborada, a provisoriedade das conclusées, hipdteses, generalizagoes e sistema. tizagdes da crianga é, em Ultima andlise, 0 que explica a natureza cambiante dos dados de aquisigao. Dada uma certa plasticidade natural dalinguagem, nada mais natural, também, que essa plasticidade adquira maior visibilidade nas situagGes-limite em que a linguagem se constitui em objeto de evidente manipulagdo. Submetidos, nessas circunstancias, a.um processo veloz e continuo de mutagiio, compreende-se porque os dados de aquisigao estao sempre aindiciar aspectos de um processo que se constitui no proprio objeto de estudo das pesquisas em aquisi¢ao da linguagem. Muitas vezes, conscientemente ou nao, deixamo-nos iludir por ocorréncias que tomamos como evidéncias de nossas hipéteses prévias, caindo assim na armadilha que se esconde por trés de produtos provis6rios ¢ tirando conclusdes muitas vezes apressadas sobre “estd- gios” ¢ suas caracterfsticas. Acreditando estar explicando um processo, podemos estar, muitas vezes, fazendo uma mera descrigao de produtos circunstanciais, Muito freqiientemente, portanto, encontraremos, dentre 0s dados de aquisigao, aquelas ocorréncias tinicas que, em sua singula- ridade, talvez nao voltem a repetir-se jamais, exatamente por repre sentarem instanciagdes episddicas e locais de uma relagio em construgdo, entre 0 sujeito ¢ a linguagem. Se considerarmos teoric® mente relevante entender a natureza dessa relagdo, essas ocorréncis Podem adquirir o estatuto de preciosos dados, pelo muito que sobre arelagdo mesma nos podem vir arevelar, Durante alg / ; turante algum tempo, muitos pesquisadores teimavam ¢@ Ver 08 pri ; A V3. rimtoscrunciados infantis emo manifestagdes "P=, cOmennis eau: ‘adulta”, objeto sempre presente para sua "do qual, como se por simples forga das circunstancl#® | | | as criangas jam aos poucos se apropriando. Tomada a gramética adulta como referéncia ¢ necessario ponto de chegada, eram entdo descritas as graméticas infantis em termos das suas “faltas” ¢ “imper- feigdes”, avaliando-se 0 progresso na aquisigao com base no que ainda deveria ser aprendido. Consideragdes idénticas podem ser feitas sobre os primeiros trabalhos voltados para a aprendizagem da escrita, em que a obsessio pelo modelo adulto transparece na andlise das primeiras produgées escritas infantis, andlise que desconsidera as operagGes da crianga sobre a linguagem escrita ¢ as hipdteses que continuamente elabora na tentativa de compreender o funcionamento da escrita. Os estudos psicolingilisticos de inspiragao piagetiana passaram a focalizar e privilegiar 0 conhecimento sobre 0 sujeito que constréi a linguagem, bem como o desenvolvimento das habilidades cognitivas gue interagem nesse processo. Sem negar a grande contribuigao desses estudos para uma melhor compreensao do processo de aquisigao do conhecimento em geral, é necessario deixar claro que a psicologia genética oferece-nos um sujeito idealizado, universal, 0 qual, enquanto construto te6rico, assemelha-se ao sujeito psicolégico da linguagem conforme postulado pela teoria linguistica gerativa, Priorizam-se, por- tanto, nessa perspectiva, manil festagdes de comportamentos que po- dem, por hipotese, ser algados A categoria te6rica de comportamentos desse sujeito universal. A obtengao dos dados para o teste das hipéteses obedece ao chamado ‘“método clinico”, ¢ trabalha-se a partir do pres- suposto de que apenas em situagdes experimentais, rigorosamente controladas, é possivel obter dados confidveis para a investigagao. No interior desse quadro teérico € metodoldgico, os dados dos experimen- tos costumam ser tomados muito mais como evidéncias ou conua-c déncias para hipoteses do que como indicios que podem continuamente apontar para uma eventual necessidade de reclaboragao das proprias hipdteses. Nao hd af, evidentemente, lugar para 0 dado cpisddico € singular. O episédico vira sindnimo de residual e, quando ocorre ¢ chega a ser (a)notado pelo pesquisador, costuma ser tratado apenas como um dado “curioso”, merecedor, por VezZeS. de breves considera g6es em um pardgrafo ou nota de rodapé, postura compativel, eviden- 19 m a adogao de pressupostos metodoldgicos autorizados Se temente, CO het . ito do quadro teérico assumido. legitimados no aml Vale notar, ainda, que embora ocontexto esteja sempre Pressy. posto nos estudos. sobre aquisi io da linguagem, ele nao costuma ser tomado, de forma teoricamente significativa, como um dos elementos constitutivos do processo de aquisigdo, & medida que um seu eventual papel mediador nao é teoricamente explorado. o mesmo pode ser dito com relagaio ao papel do interlocutor, do outro, visto geralmente como apenas um elemento amais do contexto social emque se ddaconstrucag do conhecimento sobre 0 objeto (j4 pronto) linguagem, seja ela oral ou escrita. A excecio, pois, do sujeito — cujo desenvolvimento cognitivo é freqiientemente tomado como objeto de investigagao — tanto o contexto no qual esse desenvolvimento se da (com todos os seus elementos constitutivos ¢ atores sociais) como o objeto do conhecimen- to, a linguagem, costumam ser tomados como ja previamente consti- tufdos e prontos, 0 que elimina de antemao a possibilidade de formulagdio de uma outra indagagao tedrica no minimo instigante: qual 0 papel do proprio sujeito nas modificagdes que continuamente ocor- rem no contexto, em seus atores ¢ na linguagem? Ora, 4 medida que a relagdo do sujeito com a linguagem € mediada, desde sempre, pela sua relagéo com um outro interlocutor fisicamente presente ou representado, € necessdrio ponto de referén- cia para esse sujeito em constituic&o, cabe também perguntar que estatuto tedrico deve ser atribufdo, pelas teorias de aquisigao da linguagem, aesse interlocutor, o que equivale a perguntar como deve ser teoricamente avaliado o papel por ele desempenhado no proprio processo de aquisi¢ao da linguagem de uma crianga, ou seja. como 0 interlocutor afeta ¢ é também afetado por este processo. Inaugurar 4 discussaa sobre © papel do outro nas teorias de aquisiga0 implica coeur a importancia desse lugar tedrico para uma melhor com Preensio da funcdo, no processo, do dado singular, bem como d0 °° Préprio esti is 6 : : a ise sl ioe! epistemol6gico (cf. Mayrink-Sabinson, 1989. 19918 Tomamos os te Hi MamMos Os textos espontineos, naturalisticamente cokes MO episddios si i to. como ep dios singulares, teoricamente signiticativos: . * Que a seguir expomos, dos, c¢ f ‘ t Heer sareerere es escritas, Segundo Ferreiro (1988), as listas de palavras ¢ fras c/ou lidas pelas criangas em situagdo experimental representam um conjunto de dados mais confidvel do que os dados naturalisticos, obtidos, por exemplo, a partir da observagdo de textos: produzidos espontaneamente. Oargumento dessa autora, perfeitamente cocrente, aligs, com o quadro tc6rico piagetiano no interior do qual desenvolve sua pesquisa sobre aquisigdo da escrita, € 0 de que apenas nas crita de palavras e frases, — af trans- situagdes experimentais de es formadas, pela crianga, em objeto de reflexdo consciente, — pode o ador assegurar-se das hipdteses com as quais essa criangaesta ado momento de seu desenvolvimento cogni- a- pesquis operando em determin tivo, e, por conseqiiéncia, das conceitualizagées que faz. Interes experimentos, as etapas consolidadas de der em seus aspectos universais. Dai Ihe, portanto, flagrar, nos um processo que se busca enten a énfase nas etapas do desenvolvimento cognitivo de um sujeito psicolégico idealizado. Quando chamamos a atengao para o interesse te6rico dos episddios e seus dados muitas vezes singulares, fazemos isso nao do interior de uma teoria psicolégica especifica, com seu conjunto de pressupostos tedricos, hipoteses, axiomas métodos que obrigam a certos procedimentos de pesquisa, mas no contexto de um conjunto de estudos da linguagem em que interlocugao, aos atores sociais, & micro e macro-hist6ria € atribufdo um estatuto tedrico especifico, em virtude das perguntas que se deseja ver incorporadas por uma teoria da linguagem mais abrangente, interessada nao apenas nas caracteristicas formais do objeto lingiifstico, mas, também, no modo e na hist6ria da sua constituigao e constante mutacao. Assim, interessa-nos mais, do ponto de vista teérico, flagrar © instante em ito, sua preocupagao que o sujeito demonstra, oralmente ou por esct! com determinado aspecto formal ou semintico da linguagem. Da mesma forma, ainda que nao seja indagagao simples, interessa-nos saber que fato singular, que aspecto de contexto, de forma ou de significagao lingiiistica, ou ainda que po: ivel combinagao desses fatores pode ter adquirido saliéncia particular para o sujeito, colocan- do-se, assim, na origem da sua preocupagao, na origem do problema Para 0 qual passa a buscar uma solugao, ainda que muilas vezes episédica e circunstancial. A histéria dessa preocupagao pode ser acompanhada em momentos subseqiientes, © 0 seu “rendimenig pode ser avaliado em termos das conseqiiéncias que eventualmente venha a ter na organizagdo, muilas vezes proviséria, que € dada a linguagem oral ou a escrita, Nesse contexto, adquirem para ngs particular significagdo os dados que documentam a histéria apagamentos, refacgGes € reescritas de textos (cf. Fiad, 1989, 1991; Fiad e Mayrink-Sabinson, 1991). Eventos particulares de uma micro-hist6ria da escrita indivi. dual (cf. Abaurre, 1988b), esses momentos constituem-se, na sua singularidade, em indicios que estao a nos revelar movimentos es- pontaneos do sujeito ao longo do seu processo de constituigao e da aquisi¢ao da linguagem. Acreditamos, assim, que cada texto espon- taneamente produzido por uma crianga pode sempre ser visto como fonte riquissima de indicios sobre a relagao sujeito/linguagem. A aquisigao da escrita é um momento particular de um pro- cesso mais geral de aquisigéo da linguagem. Nesse momento, em contato com a representagao escrita da lingua que fala, 0 sujeito reconstrdi a hist6ria de sua relaco com a linguagem. E exemplar, nesse sentido, a flagrante diversidade manifesta nos textos esponta- neos. A reflexdo sobre as possiveis causas do comportamento tio diferenciado que as criangas costumam exibir em suas primeiras produgGes escritas espontaneas, especialmente no tocante as solugdes gue costumam dar para a segmentagdo das palavras, forga-nos a reconhecer que somos, por vezes, iludidos pelos aspectos fénicos da linguagem infantil. De fato, a partir de uma prontincia por vezes praticamente idéntica a prontincia dos adultos, temos a ilusdo de que a linguagem das criancas em idade escolar jd esta analisada de acordo com as nossas referéncias semanticas de usudrios adultos. Ora, 0 que as hipo ¢ hipersegmentagdes da escrita infantil espontanea registram de forma evidente éa manifestagao de uma certa plasticidade seman- bon pant explora em envi doce Abate *rtmico-entonacionais previamente ea 199 1b: daSilva, 1001 a ce sliatis 1985; Abaurre, 1989, 19918 4 ‘Iva, 1991). Assim, a exploragdo que fazem desse spas? semantico virtual &, muitas vezes, guiada pe a ceped ritmo que elas “sentem" como via guiada pela percepgdo de umr A Sudjacente a organizagao do material {nico ua, ritmo este que ndo conscgucm nao invocar em momentos organizagao da escrita, Momentos singulares de hipo agdes, quando atestam o “vazamento”, para o espago daling episodicos de ¢ hipersegment scrita, de elementos que, por sua natureza, pertencem ao espago dacs da oralidade, constituem belos exemplos do processo de reconstrugao da relagdo do ujeito com a sua linguagem. alizam, também, as rotas particulares seguidas pelos sujeitos na busca da diferenciagao entre a manifestacao oral € escrita de uma mesma linguagem. ‘A contemplagéio da forma escrita da lingua faz com que 0 sujeito passe a refletir sobre a prépria linguagem, chegando, muitas vezes, a manipuld-la conscientemente, de uma maneira diferente da maneira pela qual manipula a propria fala. A escrita é, assim, um espago a mais, importantissimo, de manifestacéo da singularidade dos sujeitos. Olhamos com curiosidade e interesse te6rico para o singular, © idiossincratico, 0 cambiante. No entanto, isso nao nteresse tedrico pelo regular, pelo a necessidade de o varidvel, implica necessariamente falta de ii sistemdtico, pelo geral. Nao negamos, portanto, buscar também o conhecimento da totalidade pelo contrario, acredi- tamos que é a atribuigao de estatuto tedrico semelhante a quest6es tamento virtual de um sujeito universal e, a0 comportamento real e indiciério de sujeitos singulares da linguagem gue permite desvelar as regularidades subjacentes, ¢ visualizar os contornos de modelos teéricos dialeticamente estruturados em torno de um conjunto de problemas relevantes para a compreensao da complexidade da relagdo entre um sujeito e um objeto que estdo continuamente a modificar-se, nos movimentos mesmos dessa rela- cdo. Estamos, portanto, perfeitamente conscientes de que um mero discurso sobre curiosidades episodicamente documentadas nos cor- pora, ou mesmo um mero levantamento de ocorréncias varidveis ¢ singulares, seriam procedimentos epis temologicamente aceitaveis no nivel da adequagdo observacional. Nao é apenas esta, certamente, a Preocupagdo que nos move ao conduzir este projeto integrado de Pesquisa, mas uma preocupagao teérica muito mais abrangente do ponto de vista epistemolégico: buscamos, na verdade, definir alguns caminhos metodolégicos que nos permitam descobrir elementos relativas a0 comport 23 fundamentais para @ explicagéo da relacao Sujeitoflinguagem Jongo do processo de aquisigao. 2% 3. Consideragoes sobre alguns dados singulares: os episddios de refacgao textual Como intuito de evidenciar 0 cardter singular de alguns dados representativos da escrita inicial, selecionamos para comentar, nesta seco, alguns episddios de refacgdo textual observados em nossos corpora. A opg4o por centrar a discussao nesse tipo de eventos deve-se ao fato de que, por tras do trabalho de modificagao de algo anteriormente escrito sob forma diversa, escondem-se freqiientemen- te motivag6es, as mais variadas, reveladoras das singularidades dos sujeitos e da relagao por eles estabelecida com a linguagem. As modificagées mais comumente encontradas nos textos de aprendizes de escrita dizem respeito 4 corregao ortografica. Este aparente trabalho com a ortografia decorre muito mais, no entanto, das exigéncias da escola sobre o que considera um avango qualitativo da escrita infantil, do que com uma real preocupagao das criangas com a correcdo ortografica. Assim, as corregGes nas escritas iniciais freqiientemente refletem a postura do professor, que foi habituado a marcar (geralmente com a temida caneta vermelha) as “violagdes” cometidas contra as convengées da escrita (ortografia, uso de maitis- culas, pontuagao etc.). Neste contexto, chama-nos a atengdo a despreocupagdo com a ortografia que se pode observar na escrita espontanea das crian¢as. ai an ne fan S dircito de propor solugées paraa escrita das palavtas. ae bare © apresentaremos a seguir, essa despreocupagao fica eee textos de algumas criangas, E a “corresao ortogt Spontancamente adquire, entdo, o estatuto de precios? indicio do trabath : 10 de um sujei : ae a escrita apresenta, Ujeito as voltas com o mistério qe Veja-se, Piblica de Cana lo, © caso de José Luiz (I* série, escol 24 cnt a Sema Neste texto, em que nao hd a interferéncia da professora, Jos Luiz, em um determinado momento, apaga a escrita de uma palavra jigou) para refazer a sua grafia (propondo chingou). Essa nao era a tinica palavra no texto cuja grafia poderia ser considerada “incorreta”. Por que apenas ela ganha saliéncia e merece a corregdo espontanea da crianga? O tema da historia, 0 que a crianga quer contar no seu texto — a hist6ria de um moleque indisciplinado (quendo gostava daiscola ndosabia denada) e mal-educado — tem o seu climax justamente no jigou/chingou abrofesora. O texto, certamente, nio por acaso, abre com um elogio a escola (bunita legau) e, nesse contexto, o “xingar a professora” — agao que recebe, alids, uma punigdo exagerada (umdia elecaiu noburaco ele morreu) mas apa- rentemente exemplar do ponto de vista do autor do texto — ganha. uma saliéncia particular, constituindo-se, de certa forma, na “chave” do texto. Terd sido isto, provavelmente, 0 que levou José Luiz a se preocupar com a ortografia justamente dessa “palavra-chave”, igno- rando todas as demais palavras que grafou de forma equivocada. Outra tera sido, provavelmente, arazao que levou Maria Lucia (3* série, escola particular de Campinas) a modificar espontaneamen- te a escrita da palavra leite, inicialmente grafada como /eitx, num jornalzinho por ela produzido, ao brincar de escrever em casa. (pagina seguinte) Apesar de demonstrar constante despreocupagao em relagdo a gratia de palavras em seus textos espontancos, Maria Liicia, a0 produzir um jornal, mostra-se sensivel & questio da ortografia. Afinal, sua vivéncia com esse objeto, através do uso que dele € feito em casa por Seus pais ¢ outros adultos com quem convive, deve té-la levado a Perceber que “ao preparar um jornal”’ é importante ter essa preocupacao, ja que a imagem que faz do seu ptiblico/leitor de um jornal éa de um interlocutor mais exigente, ou, eventualmente, mais “real”, do que o interlocutor virtual das suas habituais escritas espontaneas. Registre-se que a modificagao/corregao da grafia de palavras feita de forma espontinea pela crianga nos primeiros textos escritos acontece vez ou outra, por motivos, como vimos, bastante especifi- cos. Nao se pode afirmar, no entanto, que esse seja um procedimento comum, ou que as criangas manifestem inequivocamente essa preo- cupagao. Mais freqiientes sio outros tipos de operagdes efetuadas espontaneamente nos textos pelos seus autores. Veja-se, por excm- plo, 0 texto de Ignacio (pré-escola particular, Belo Horizonte) que apresenta um caso de substituigdo lexical bastante interessante. (P+ gina seguinte) A pedido da professora, essa crianga empenha-se em criar um texto, com base em uma configuracdo de receita culindria, ¥™ configurasao textual que se pode supor ser de seu conhecimento, 1° 26 oan STRAIT SS PROLA SOOT 0 Wetalt Wai A sea . Thitinews Sido thai ne {figura db frumpo due yi By Afra a opn “le Fi ed : 4500s. Branco contexto doméstico e escolar. O texto de Ignacio € uma receita, mas étambém uma ficgdo, j4 que a tarefa proposta era pensar uma “receita para o Brasil vencer a Copa”. Nela, os ingredientes sao jogadores de futebol. Ao escrever os ingredientes — os nomes dos jogadores — a crianga efetua modificagdes de ordem ortografica, apagando as letras mintisculas, originalmente utilizadas para escrever Bebeto, Romario e Tafarel, pelas maitisculas correspondentes. O que parece ter moti- vado tais modificagGes foi o fato de a crianga, a escrever 0 nome Branco (quarto ingrediente na receita), ter optado pela letramaitiscula (provavelmente por ter se lembrado nesse momento, apenas, da exigéncia de maitisculas em nomes préprios de pessoas), 0 que a fez rever as trés escritas anteriores de nomes de jogadores. A opsao inicial pelas letras mindsculas pode ser tomada como um indicio de que, no momento inicial da escrita de uma receita por esta crianga. Particular, pode ter prevalecido 0 carater de “ingredientes” assumido Pelos nomes dos jogadores, € ndo 0 fato de se tratarem de nomes Proprios (que exigem maitisculas, o que esta crianga parece saber). 27 A modificagao que mais nos chama a atengao neste texto é entanto, a substituigao do item lexical bebe pelo item espalha ai te original dacrianga, encontra-se no verso da folhaem que foramlistados os ingredientes. Trabalhando nacriagae de umareceita, acrianga parege se envolver no contexto ¢ na linguagem usuais de receitas ao escreyer Misturase tudo e bate no liquidificador e “bebe”. No liqiidificador bate-se algo que se toma liquido, e liquido € para ser bebido. Assim, bebe € a palavra esperada nesse contexto, em uma Teceita. $6 que, no caso, nao se trata de uma receita qualquer; a crianga parece ter-se dado conta desse fato, lembrando-se dos “ingredientes” propostos na pagina anterior e da situagao ficcional em que vinha trabalhando. Apaga, entio, 9 bebe, substituindo-o por espalha (em campo), 0 que faz muito mais sentido no contexto de uma receita que tem como ingredientes “joga- dores de futebol”. O conhecimento de mundo dessa crianga leva-aa perceber, portanto, a inadequagao do item lexical bebe, nesse contexto. Outra ocorréncia de uma operagao de substituigao lexical pode ser observada no texto acima, de José Carlos (1? série, escola particular de Niteréi). Observa-se que a crianca substituiu a palavra vencé por /uta em, A formiga esperta luta para ir ao céu com o Senhor Jesus. crianga provavelmente apaga a palavra vence € a substitui por (uly por considerar esta tiltima mais apropriada semanticamente, uma ¥ auc, © que ela parece querer enfatizar € 0 esforgo do seu personagem ae aalcangar um objetivo; vencer seria, ja, a coroagdo desse estore? tig soe diferentemente de Tgndcio, que opera sobre 0 Set oe Processo de escrevé-lo; José Carlos efetua a modificas jsteriormente, Ou seja, provavelmente € 0 trecho par. J Senhor Jesus, que fecha o scu texto ¢ que leva José ie " a0 céucom padequagao do uso de venice neste contexte particul los aperoeher ar. Ainda com relagao a episédios de substituigao lexic: parcce (er sido a razao que levou Maria Lucia a apa, shite eo jantar, substituindo-a por rango, no texto abaixo. Patent parece ser com a adequa- estilo informal, emque tonas, gatdes, paque- ar...), como que para samente que abre 0 texto. rafo, soa formal ¢ fora ais apropriada : A preocupagao desta crianga, aqui, sao geral a linguagem do texto escritoemum girias e expressdes coloquiais s40 utilizadas (ga ra(vam), ficavam na foca, levam fora, se mane marcar “um jeito de falar da época”’ — 0 antig : eae Jantar, utilizada no segundo parag! ae gar, levando acrianga a substitui-la por range m estilo, a informalidade do texto. 2 Encontramos, ainda, nos textos espontaneos destes aprend de escrita, modificagdes que apontam para um trabalho dacriangacge outros aspectos morfossintaticos da linguagem. A carta ca rs Maria Lucia nos serve de exemplo: " | 119 Pie ac i neti, “hy tou, apeurcuincle 1, cp hese nity OR chord afi Neste texto, encontramos rabiscada a palavra vao, que vem imediatamente seguida, na mesma linha, (¢ ndo acima, sob a forma de inserg4o), pela forma singular vai. Observe-se que a disposig4o gréfica da palavra vai é indicio de que a crianga replanejou o seu texto enguanto o escrevia. Lendo a carta de Maria Liicia, vemos que 0 que se segue esse vai € um saquinho com, um boneco de montar, (vira mergulhado! ) uma bola da minha festinha (...). Podemos supor que a crianga, em um primeiro momento (quando escreveu 0 vdo), estivesse planejando lista © contetido do saquinho, mas replaneja o que quer dizer ¢ 1 decidido mencionar o saquinho (falar do continente antes dé listar-Ihe © contetido), faz a necessaria modificagdo para que a concordancia © sujcito posposto seja adequada. Uma Preocupagao semelhante (uma substituigdo também de ordem morfoldgica) encontramos em outro texto de José L Luiz. A crianga apaga, aqui, a palavra pato, de sua escrita original (Era uma vez um pato que botava ovos...), esctevendo em seu lugar a palavra pata. Observando-se 0 texto em sua totalidade, podemos levan- tar a hipotese de que essa substituigdo se tenha dado em um momento posterior sua escrita, supostamente quando a crianga releu o que escrevera e deu-se conta da incoeréncia semntica criada (patos nao botam ovos), corrigindo-a. Na tiltima linha do texto, José Luiz escreve apata. Pode ter sido neste momento que lhe ocorreu rever 0 texto, detectando entao a incoeréncia, mas ele parece preocupar-se apenas com a primeira linha, j4 que logo abaixo (imediatamente acima de apata) mantém-se, sem alteragGes, a expressao pobrepato. Sua preocu- pacdo dirige-se, assim, a um local muito particular do texto, 0 que se confirma pelo fato de que, ao realizar a corre¢do na primeira linha de seu texto, José Luiz preocupa-se em reescrever pata, mas deixa passar sem corregao 0 artigo indefinido um, que ndo substitui por rena para fazé-lo concordar com a palavra pata, agora no feminino. A preocupa- Go de José Luiz parece centrar-se na incoeréncia semantica criada pelo “pato que bota ovo”, e é apenas isso que ele se propde modificar; eliminado este problema, a crianga dé-se por satisfeita com relagdo ao seu texto. Observe-se, pois, que a atitude das criangas frente & escrita que produzem nao parece ser a de espontaneamente reler cuidadosamente as versGes dos textos, na busca de todas as impropriedades que consigam encontrar. para posterior correc. Trabalham naquilo que, por mouvos muitopart iculares, parece thes chamar a atengao, de forma absolutamente episodica iting sincratica, Esta parece ser, pois, a origem froqiiente das ocorencias singulares, que tanto podem revelar sobre a relagdo dos sueitos nn linguagem ¢ os contextos especificos em que se manifesta. 31 A busca de uma coeréncia semantica, adequando As seu conhecimento de mundo, seria, pois, 0 motivo que levalouse i a operar sobre sua escrita neste caso especifico, diferememen Luiz Maria Lucia, cuja razao para substituir vo por vai, na carta aie de mente discutida, parece ter sido 0 conhecimento que jé ine sobre a sintaxe da lingua que fala e escreve (0 verbo concorda Pua sujeito mesmo quando ele € posposto). Considere-se que Maria Lil é uma crianca exposta & chamada linguagem padrao, em aan obedece a uma regra de concordancia sujeito/verbo, se No texto de Norma (1* série, escola puiblica de Campinas) encontramos também marcas de refacg4o que apontam para um momento de reflexio do sujeito sobre a propria linguagem, e soba forma que esta deve assumir, quando escrita. | Cormeairness a5 de obAcl ds. 15» Nas tiltimas duas linhas do texto, a crianga escreve E um dia a dona ela foi parocurar [ele], construindo, assim, uma estrutura do tipo Tépico-Comentério, comum na oralidade. Em seguida, ref essa estrutura apagando o ela foi original e substituindo essaseavet cia por dele foi (0 foi € apagado € reescrito). © resultado &2 Operacao é a modificagao da estrutura original de Tépico-Coment® Bate, aay cm umaestrutura do tipo Sujeito-Predivado ae jaa dona dele foi parocurar —, mais apropriada Am scrita da linguagem. Baseando-nos em um indicio. & i- 32 Pi Ate NE SU sR ne nna ne ein a UN pista deixada pela crianga © apagamento malfeito que permite recu- perar 0 que havia sido escrito antes), podemos levantar a hipétese de que essa crianga tenha se dado conta, ao escrever parocurar (verbo que criaa expectativa de um complemento objeto, possivelmente um ele, do ponto de vista da crianga), da possibilidade de modificar a estrutura que vinha escrevendo, adequando-a melhor “As normas da escrita”, 4 construcao aceita na escrita (Sujeito-Predicado). A partir disso, podemos supor que essa crianga jé estaria, assim, elaborando as diferengas que marcam essas duas modalidades da linguagem; seria esse — assim poderia continuar a hipotese, em uma versdo mais geral — 0 caminho “natural” das criangas no processo de aquisigéo da representagio escrita da linguagem. No entanto, um outro texto do José Luiz, em que a crianga faz justamente o contrério — transforma uma estrutura original Sujeito- Predicado em uma estrutura Topicalizada—, leva-nos imediatamen- tea repensar a suposta generalidade dessa hipdtese. Vejamos 0 texto seguinte: José Luiz havia escrito, originalmente, ummuleque parrisido que ndo fazia nada, mas apaga em seguida 0 que e acrescenta em seu lugar o ele, disso resultando a estrutura topicalizada ummuleque parrisido ele nao fazia nada. De uma estrutura caracteristica da linguagem escrita, a crianga passa a uma estrutura caracteristica da linguagem oral. Como interpretar tal movimento? Aceitar como geral @ hipotese do caminho natural da oralidade para a escrita nao nos levaria a interpretar essa ocorréncia, no texto do José Luiz como algum tipo de retorno a um estado anterior? Eliminando-se de saida 4 interpretagdo ingénua desse dado como um caso de “regressdo", ¢slariamos obrigados a abragar alguma versio do modelo de “U-sha- Ped behavior”, proposto por Karmilloff-Smith (1986)? Lembremo- nos de que essa autora, em seus estudos sobre aquisi¢ao da linguagem oral, apresenta exemplos de comportamento de criangas em fase de aquisi¢do, que toma como exemplos de aparentes “idas e vindas” em torno de um sistema modelar adulto. Esses comportamentos, segundo ela, sio exemplos do que chama de “U-shaped behavior”, e caracte- rizariam momentos em que a crianga comegaria de fato a manipular dados na diregdo de uma sistematizagéo. Embora nao concordemos com o modelo de aquisigao da linguagem proposto por essa autora, por motivos que nao cabe aqui explicitar (mas cf. Abaurre, 1988 b), achamos que pode ser teoricamente produtivo, em algumas circuns- tancias, incorporar, em qualquer modelo de aquisi¢4o, esses movi- mentos de aparentes “idas e vindas”. A tentativa, porém, de interpretar comportamentos episddicos, idiossincraticos e singulares —como 0 movimento de José Luiz no seu texto — como evidéncia da instabilidade relativa 4 compreensao do que sejam as estruturas preferenciais da modalidade escrita é, a nosso ver, inadequado. Além do mais, a tentativa de encaixar eventuais “idas e vindas” em est4gios ou etapas particulares do desenvolvimento cognitivo, parece-nos exigir um certo malabarismo teérico. Ressalte-se ainda que 0 prego maior a pagar por essa tentativa nao serd o do malabarismo em si — procedimento que por si sé j4 enfraquece, do ponto de vista episte- molégico, qualquer modelo — mas a perda da possibilidade de reconhecer que, por tras de tais movimentos est4 um comportamento a primeira vista misterioso do sujeito. Nao temos como explicar esse comportamento, a nao ser assumindo teoricamente a existéncia de caracteristicas muito particulares de sujeitos singulares para quem, na relagéo com a linguagem, aspectos especificos relativos a forma, contetido € contexto de produgdo dos textos podem adquirir uma saliéncia que € determinante, em tltima andlise, de ocorréncias singula- Tes, sinalizadoras, por sua vez, da singularidade do préprio sujeito. O epis6dio de escrita recortado a partir do texto de José Luiz constitui-se em uma dessas ocorréncias singulares. Preferimos acre- ditar que, ao escrever seu texto, ele se deu conta, em um determinado momento, da necessidade de deixar bem claro para seu virtual leitor que parrisido € 0 nome do moleque de quem se fala no texto (Aparecido), € no uma ocorréncia do adjetive parecido. Dando-se RE tems meen rm conta da virtual homofonia, José Luiz pode ter optado pela insergao do ele, recurso eficaz para produzir a interpretacdo desejada e desfa- zer a possivel ambigiiidade. A construgio topicalizada seria, assim, uma decorréncia da solugao dada pela crianga a um outro problema que ela teria detectado, e que a teria perturbado, naquele momento. Para dar conta desse dado singular, optamos por uma explicagdo na linha da que aqui esbogamos. Recusamo-nos a aceitar, neste caso, uma hipdtese geral que propde um “caminho natural do oral para 0 escrito”, por acharmos mais adequado, do ponto de vista explicativo, interpretar 0 trabalho dessa crianga como motivado por razées locais, surgidas no decorrer da tarefa de pr no papel o seu “querer-dizer”” de forma clara para 0 interlocutor/leitor do seu texto. Referéncias bibliograficas ABAURRE-GNERRE, M. B. A.e L. C. Cagliari.(1985). 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Encontro, no didrio dessa crianga que convive intensamente com a escrita ¢ com letrados, momentos que podem-se caractenzar como de refacgao de uma “escrita” prévia, julgada, poralguma nizio, insuficieme, deficitéria, “errada”. Trago para esta discussio alguns : : entos inict de textos: momel Yo GEL S80 Titulo original: “Operagdes de refacg3o e Publicado em Estudos Lingtisticos, XXII, Anais de Seminaries: Paulo, SP, 1994. vol 1, pp. 352-359 53 desses momentos: de refacgdo de escritas de uma letra, de fi de escritas constitufdas de mais de uma letrac de Tefacgio deny : : Xo” O primeiro registro de algo que se pode ver como ing; ton, cio de uma operagdo de refacga0 de uma escrita € 0 seguinte: (1) (Lia — 3; 02; 06) — Lia estava “assinando” bithetes escritos pela mae, que acompanhariam presentes para a professora do Matemal I ¢ sua auxiliar. Ela desenha “a lea da Lia” no primeiro bilhete: parte da direita para a esquerda, fazendo um L com trés segmentos. Ao “assinar” 0 segundo bilhete, Lia, aparentemente, tenta repetir o desenho da letra, sem muito sucesso: experimenta, abandonaa tentativa dizen- do “Nao. Tem que fazer do outro lado”, tenta de novo, varias vezes, até se dar por satisfeita. Nao tenho os bilhetes com as tentativas de escrita — cumpri- ram sua fungao de acompanhar os presentes do Dia do Professor. Critico-me por nao ter sido mais explicita na descri¢o de como era o tragado das “letras” recusadas como inapropriadas — nao era minha preocupagao, na ocasiao, a refacgéo de escritas. De qualquer forma 0 que tenho anotado pode ser visto como indicio de uma situagio de refacgdo de uma escrita, a partir de critérios proprios da crianga. A “assinatura” (na ocasido, apenas “a letra da Lia”, 0 L inicial de see nome, assim apresentado pelo adulto) no primeiro bilhete parecia0 “modelo” que Lia tentava repetir. Nao era, evidentemente, 0 : Jo” que lhe fora dado pelo adulto letrado, pela primeira vez aos Us anos ¢ dezessete dias. Tratava-se, j4, de uma reelaboracd0 cae — esse L de trés segmentos, mais semelhante a um U(ecom aa confundido a partir de entdo), passa a acontecer a parti dos Me um més ¢ dezoito dias, doze dias apés Lia ter assistide 3 aoe seu nome ¢ sobrenomes na alga de sua lancheira no a Na ocasiao ela comentou “Quanta letra! Muita fetra!”, que, pela primeira vez, a quantidade de letras num es sua atengdo. reclaboragao, de L para algo semelhan x ler sido provocada quer pela percepydo das smuitas 1S ye escrita (¢ cada segmento, na fala que freqiientemen™ ae et © desenhar a letra, passa a se relacionar com um "PS 7 Se see een re enero nares : completo: Lia Mayrink-Sabinson), quer pela propria configu- nome rac’io do nome LIA, apresentado, sempre, em maitisculas de impren- sa,oLeo se fundindo, para a crianga, numa “Unica letra”, 0 espaco ne letras “inexistindo”, ainda, “letra da Lia”, reelaborada, gue Ihe serve de “modelo” na “assinatura” do segundo bilhete. Modelo presente € consultado, levando & critica do novo tagado “Nao. Tem que ser do outro lado.” ¢ a uma reescrita. Nesse sentido, gue a crianga faz aqui difere de um trabalho de praticar 0 desenho das letras, ocasides em que desenha seguidamente uma mesma letra, mas sem explicitar insatisfagao com o desenho anterior. Pode ser muito forte falar em “refacgdo de texto” quando 0 que se tem € uma crianga desenhando uma tinica letra. Do ponto de yista do adulto, nao se trataria de um texto. Mas, o que dizer do ponto de vista da crianga, para quem o L pode ser “a letrada Lia”, “Liiiaaa”, “Lia Mayrink-Sabinson”, “Foi a Lia que fez. A Lia de Campinas”, “Pra ninguém pegar”, “Nao pode pegar que é da Lia”etc.? O episédio (2) registra um momento de escrita ¢ reescrita de letra, em que a crianga explicita sua insatisfagao com o produto escrito: (2) (Lia — 3,09:24) — Lia, seguindo sugestao minha de “escrever 0 nome” numa lista de objetos a serem levados numa viagem, desenha um L, perfeito do ponto de vista adulto, mas em seguida exclama “Ih! Errei!” € passa a desenhar a letra em espelho. A exclamagao da crianga e o refazer a letra que se segue a ela Sao indicios claros de que houve algum tipo de reflexao sobre o produto inicial, julgado inadequado/errado segundo critérios internos da crian- 64, dando lugar a uma operagao de refazer a escrita. Nesse periodo, 0 desenho da “letra da Lia” ja voltara a ser mais proximo ao modelo dado Pelo adulto, tendo desaparecido o L de ués segmentos, € & orientagdo ©onvencional da letra se alternava, aparentemente de forma bastante “Fe, com a orientagao em espelho. Acontecia, frequentemente, deo ‘ulto presente criticar a letra invertida, apontando sua orientaya0 3S yvavelmente, contribuiu para conduzir a crianga a “ ta” — isso, pro * e “one oe lo da letra e julgar sua “corregao”. refletir sobre 0 tracad A primeira escrita em que Lia se utiliza de mais de uma letra aos trés anos, NOVE meses e dez dias, quando ela se utiliza raficos para escrever “peixinhos”, atendendo 6s ter me observado escrevendo ARANHA, rela). Ea partir de entdo que outras escritas megam a surgir, inclusive a escrita do prio nome. Ha momentos em que, a0 escrever © seu nome, 0 Lsai e Lia refaz a escrita. Hé, nesse periodo, momentos de 1 de letras feito por mim em resposta a “Como que escreve X?”, ou de cdpia de um modelo. Algumas vezes, nessas situagdes, Lia refaz escritas julgadas, por ela, como inadequadas, conforme indiciam comentarios que precedema atividade de reescre- ver, comentarios como:” Vou fazer maior”, “Eu errei! Vou ter que fazer tudo de novo!”, “Ah! Num vai dar! Tem que fazer de novo!”. Por volta dos quatro anos e nove meses passam a acontecer situag6es em que Lia desenha seqiiéncias de letras e me coloca no papel de leitora dessa escrita, A cada nova letra acrescentada, ela pergunta “Oo que que eu escrevi aqui?”, ou ordena “Lé pra mim.” E nessa época, também, que vao surgir as operagées de apagamento de uma escrita julgada inadequada: vai ocorrel de quatro segmentos 8) a meu pedido (¢ logo ap conforme requisitado po! com mais de uma letra cot proy espelhado, escrita sob ditad (3) Lia —4; 09; 10) — (Lia desenhando letras, pedindo que eu as leia). Faz um M e um H, menores em tamanho que as ce tragadas antes, e, em seguida, as risca, dizendo “Quan- lo eu erro eu risco assim, 6! Que é pra apagar bem.” E continua desenhando ot utras letr: i = MeumA). ‘as (as letras seguintes sio um OMe . ister ca eee Menores que as outras letras desenhadas Tas um “err0"? Ouo “etre” cna tras 0 que levaria Lia a consideré- 0” seriaa letra H, jd que, em seguida, eladesenha ¢ scus atos (de riscar © reescrever) sao indicios fala i, claros de que cuma reflexdio sobre a escrita aconteccu, lev: alg ie ando a seu apagamento ¢ refacgao. O exemplo (4) registra um outro momento d le apagame tovreescrila: caren: (4) (Lia — 5; 02; 18) — Eu tinha sugerido a escrita de “porboleta”, a partir do desenho. Lia produziu a escrita sozinha, ¢ trouxe 0 resultado, reproduzido abaixo, apontando a escrita no canto inferior esquerdo, lendo “bor-bo-le-ta”, Apontei a escrita no canto superior esquerdo, na qual a tltima letra aparece riscada, perguntando “E esse aqui?” Lia: "Nada nio...eu errei.” at syne Observando-se as trés escritas 4 esquerda do desenho, vé-se | que uma delas esta totalmente riscada — a respeito dessa nao houve Perguntas, o que mostra que os rabiscos que se sobrepdem aelaforam | considerados como um “apagamento”; a escrita deixou de existir... A outra, no entanto, continuaria sendo uma “escrita” para a mae, j4 que s6 a Ultima letra foi “borrada”, mas ndo o € para a crianya. Comparando-se essas escritas, todas elas apresentam quatro letras, ‘odas se iniciam por algo que parece ser um O, seguido de um P. A scrita totalmente recusada pela crianga (toda riscada) apresenta © ve parece ser um A na terceira posigo, em vez. de um R, muito bem desenhado na verso final, nao tdo evidente, mas menos semelbante ST

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