São Paulo
2003
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
São Paulo
2003
EDUARDO PAZERA JR.
Aprovada em ______/______/______
BANCA EXAMINADORA
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Profa. Dra. Rosa Ester Rossini (Orientadora)
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São Paulo
2003
Este trabalho é dedicado:
Et in Arcadia ego!
ROL DE AGRADECIMENTOS
Quase todas teses, no seu proêmio, apresentam uma espécie de rol de agradecimentos
justificando o caráter coletivo deste empreendimento acadêmico. Pois bem, esta não foge à
regra. Não teria sido possível sem a ajuda desinteressada dessas pessoas. Certamente esta
listagem pecará pela exclusão de muitos nomes que aqui mereceriam constar.
Antecipadamente nos desculpamos pela omissão.
Em primeiro lugar, cabe agradecer à orientadora e amiga Profa. Dra. Rosa Ester Rossini que,
apesar dos seus muito afazeres, aceitou mais este encargo.
Paulo Rosa foi de inestimável valia com seu apoio intelectual e material, bem como a sua
equipe do Laboratório de Geografia Aplicada, da Universidade Federal da Paraíba, que teve
um papel fundamental nas etapas de organização do trabalho, elaboração de cartogramas,
tabelas, montagem, impressão e encadernação do texto. Nesse grupo, merecem destaque
especial, em primeiro lugar, Conrad Rosa (nos cartogramas e diagramação). Foram também
muito importantes os bons préstimos dos demais membros dessa equipe: Pablo Rosa (nas
“dúvidas informáticas”), Kallianna Dantas e Maria Barros (questionários e “estética”)
Nadjacléa Vilar Almeida e André Luis Leite de Sousa, (“scanner”) e Mônica Ferreira Teles
(tabelas).
Maria Nilza (“Nílvia”) Rosa, doutoranda em Literatura (UFPB) fez paciente e minuciosa
revisão do texto; se algo tiver “escapado” ela está isenta de culpa.
.
Colaboraram na aplicação de questionários e entrevistas em Itabaiana: Regina Celly Nogueira
da Silva (com muito carinho), Luzia Alves Pazera, Lia Pazera Murphy, Audra Remencius,
Laima Remencius, Murilo Correia, Maria de Fátima Nascimento, Ângela Panosso, Leonardo
Palmeira, Hércules, Ulisses, Rita, Sílvia, Vera.
O Prof. Dr. Erasmo D’Almeida Magalhães (USP) foi um grande incentivador do trabalho e
deu muitas sugestões. O antropólogo Prof. Dr. Luiz Mott (UFBA) cedeu material
bibliográfico e informações úteis.
O Prof. Dr. Silvio Carlos Bray (UNESP-Rio Claro) foi de inestimável valia em um momento
difícil do processo.
A Profa. Dra. Emilia de Rodat Moreira contribuiu com sua vivência na problemática agrária
de Itabaiana; Doralice Maia e Carlos Augusto Cardoso cederam materiais.
A nímia gentileza do Prof. Dr. José Loureiro Leite Lopes (Pró-Reitor de Pós-Graduação e
Pesquisa, Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ) contribuiu para a estadia por um ano
na USP.
Ana Elisa Pereira (LABOPLAN, Depto.de Geografia-USP) prestou auxílio amigável com a
infra-estutura do laboratório onde milita de modo exemplar.
Cleidenice Félix da Silva atuou como paciente secretária e bibliotecária em todos momentos.
Pedro Alves Pazera, filho mais jovem, da “geração da informática”, ajudou nas brigas com o
computador.
Na etapa que antecedeu à entrega da tese, ou seja, no exame de qualificação, foram dados
importantes subsídios pelas examinadoras: Profa. Dra. Amália Inés Geraiges de Lemos e
Profa. Dra. Ana Maria Camargo Marangoni. Certamente este trabalho teria resultado bem
melhor se todas as suas sugestões tivessem sido acatadas.
Aos companheiros reais e virtuais de navegação pela Internet, sobretudo na “lista de discussão
de geografia” http://br.groups.yahoo.com/group/listageografia/ , a nossa gratidão pelo
estímulo das discussões..
The periodical market of Northeastern Brazil is not a simple place of purchase and
sale of merchandises. Moreover, it is the privileged place of many social
relationships.The periodical market that takes place all the Tuesdays in the city of
Itabaiana, Agro-pastoral Microregion of the Lower Paraíba River, State of Paraíba,
Northeastern Brazil, was chosen as object of this thesis because represents the
Northeastern periodical market. It is a fair with peculiar characteristics which is lately
suffering great changes. Starting in the 19 th century as a cattle fair it was acquiring
new functions, evolving until nowadays, keeping its importance in the economic and
social life of the city and the region. The research was based on bibliographical
sources and field works with photographic and cartographic surveys, with inquiries
and interviews with sellers and purchasers. We studied the following subjects: The
process of occupation of the space and the market ( the origin, the cattle fair) The
periodical market of Itabaiana in the present (structure, performance and function),
circulation and transports as factors of transformation in the market ( from the
donkey to the “mototaxi”), the insertion of the small producer and the street-seller,
the beef in Itabaiana. We studied the permanence and changes in the last decades
comparing field data. We find out that Itabaiana was losing its characteristics of
typical northeastern peasant market tending to change itself apparently into an urban
fair, however keeping its essence.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 15
INTRODUÇÃO 15
Nosso interesse pelo estudo da feira foi despertado em meados dos anos sessenta
quando da nossa graduação em Geografia na USP. Durante o curso tivemos ocasião de
conviver com pesquisadores do Instituto de Geografia-USP no projeto referente ao
abastecimento da cidade de São Paulo que envolvia o Mercado Central e as feiras-livres. O
primeiro contato com a feira nordestina deu-se através de uma excursão da Faculdade,
dirigida pelo Prof. Pasquale Petrone, quando colaboramos na aplicação de questionários na
feira do Crato-CE, em 1965. A idéia de estudar a feira no Nordeste ficou latente por muitos
anos e sempre que possível visitávamos essas feiras. Aproveitamos também algumas viagens
para observar feiras no Brasil e países vizinhos (notadamente Bolívia, Peru e Guiana), bem
como no Leste Europeu (Lituânia e Polônia). A feira sempre nos motivou a pensar na idéia de
permanência e mudança. Ora evocação nostálgica de uma Idade Média idealizada, deslocada
no tempo e no espaço (sobrevivência/resistência do passado?), ora estratégia de sobrevivência
do rurícola deslocado, do lúmpen e do camelô.
Em 1986, trabalhando na UFPB, resolvemos dar início ao projeto de doutorado
estudando a feira no interior da Paraíba. Iniciamos por algumas feiras do vale do rio Paraíba e
escolhemos a de Itabaiana por ser mais representativa. No entanto a pesquisa não se deu de
forma ininterrupta, diversos percalços precisaram ser vencidos, havendo lapsos entre um
momento e outro da observação. Não obstante, essa aparente solução de continuidade
(sobretudo durante a década de noventa) transformou-se em um fato que acabou por ampliar a
capacidade de análise, permitindo o estudo sincrônico e diacrônico do nosso objeto bem como
a compreensão das transformações do espaço sentidas e vividas.
No início de 2001, passamos a estagiar no LABOPLAN (Depto. de Geografia-USP) e
cursamos disciplinas na condição de aluno especial do Curso Pós-graduação em Geografia
(Área de Geografia Humana) na USP, referentes à “Migrações na era da Globalização”
(Profa. Dra. Rosa Ester Rossini e Maria Beatriz Rocha-Trindade) e “Agricultura e
Capitalismo” (Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira). No segundo semestre submetemo-
nos à seleção para o Doutoramento. Com a aprovação formalizamos nossa matrícula e
convalidamos os créditos. Nesse semestre continuamos o estágio no LABOPLAN e tivemos a
ocasião de acompanhar algumas atividades da disciplina ministrada pela nossa orientadora,
Profa. Dra. Rosa Éster Rossini, no curso de graduação referente ao Estado de São Paulo. Essa
última experiência foi proveitosa e gratificante em se tratando do convívio com a atividade
acadêmica na minha Alma Mater. Em 2002 retornamos à Paraíba e atualizamos a pesquisa de
campo bem como redigimos os textos preliminares do corpo da tese.
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feiras do Nordeste ainda está para ser feito, sendo que até a presente data ainda não tivemos
conhecimento de pesquisa abrangente sobre o tema. Até a década de oitenta, o mais
conhecido trabalho geográfico publicado versando especificamente sobre a feira nordestina,
foi o pequeno (e sugestivo) artigo de Bernardo Issler (Issler, 1965). Já o mesmo não ocorreu
com a literatura antropológica e sociológica, bem como, no que concerne aos trabalhos
interessando aos aspectos geográficos das feiras (ou mercados-peródicos na nomenclatura
anglo-saxã: periodical markets) na África e nos países hispano-americanos; basta reportar-se
à exaustiva bibliografia levantada por Smith (1979), com mais de 100 títulos, onde apenas um
faz referência ao Nordeste (!) Posteriormente, nosso levantamento efetuado em 1986,
(PAZERA Jr., 1988) revelou cerca de 700 trabalhos (referentes a 512 autores) sem, contudo,
preencher a lacuna. Nos anos seguintes surgiram outros trabalhos, porém de pequeno porte,
como monografias de graduação e relatórios. (MELO FILHO, 1991). Nossos levantamentos
recentes (inclusive na Internet em 2000 - 2002) quase não acresceram essa listagem, embora
tenha ocorrido um aumento expressivo de trabalhos de interesse teórico-metodológico de
caráter geral, como os apresentados nos últimos “Encontros” de geógrafos da AGB (XII em
1999 e XIII, em 2002). Aportes valiosos, também no plano teórico, sobretudo no que
concerne ao trabalho informal e à modernização excludente no mundo globalizado,
encontramos nas obras de Milton Santos e colaboradores (SANTOS, 1994; 1999; SANTOS et
al., 1995).
A feira é um fenômeno tão importante na vida econômica e social do Nordeste que,
dificilmente, um estudo regional deixa de mencioná-la ou de fazer algum inquérito na feira.
Basta lembrar, apenas para citar um dos mais antigos, o artigo de Pasquale Petrone sobre o
Crato-CE (PETRONE, 1965). Contudo, conforme já demos a entender, faltam estudos de
grande porte sobre a feira analisada do ponto de vista da ciência geográfica. Na verdade, não
há trabalhos alentados mesmo nas outras ciências sociais, embora a sua literatura seja bem
mais rica que a geográfica; exceção gritante é a tese de doutorado em Antropologia de Luiz
Mott (MOTT, 1975).
“A feira nordestina não é um simples local de compra e venda de mercadorias mais do
que isto, é o local privilegiado onde se desenvolvem uma série de relações sociais” (Pazera
Jr., 1987, p. 654). Além de ponto de encontro tradicional de amigos ou de simples conhecidos,
é o locus escolhido para os mais variados atos da vida social mantendo assim um sentido de
permanência. Ali se sabem as últimas notícias e boatos. Ali são feitos os anúncios de utilidade
pública. Comícios, geralmente ocorrem em dia de feira, podendo contar, assim, com o maior
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público possível da zona rural. Espetáculos artísticos, dentre eles alguns hoje ditos folclóricos,
desenvolvem-se na feira. Apresentam-se espetáculos com o fito de promover algum produto,
como é o caso dos remédios, ou ainda como forma de entretenimento (cuja remuneração é
voluntária), a exemplo dos cantadores que evocam os trovadores medievais, apresentando
riqueza em experiência e memória. A literatura de cordel é divulgada quase que
exclusivamente nas feiras, sempre com suas raízes no povo. É muito significativo que, até nas
grandes capitais nordestinas, mesmo as pessoas que não freqüentam feira e fazem compras no
Hipermercado, dizem: “vou à feira”, o que indica o permanente na mudança. Escusado dizer
que feira provem do latim feria, dia festivo, pois “nos dias de festa os mercadores iam à praça
pública negociar suas mercadorias “feria” passou da religião ao comércio e virou feira e féria,
a remuneração...” (PIMENTA, 2002, p. 91). Com a oficialização do Cristianismo, o
Imperador Constantino, no séc. IV, estabeleceu que os dias da semana seriam chamados
ferias; posteriormente, prima feria foi substituída por dominicus dies. Ao que parece, somente
o português conservou essa tradição cristã...
O universo da pesquisa ultrapassa os limiares da feira, abrangendo o município de
Itabaiana, no Agreste da Paraíba. O Município de Itabaiana possui uma área de 204,7 Km2 no
piemonte do Planalto da Borborema, área já conhecida como “Agreste acatingado”,
enquadrada atualmente, conforme classificação do IBGE, na Mesorregião do Agreste e Brejo
Paraibano e na Microrregião Agro-Pastoril do Baixo Paraíba. A sede municipal dista 63 Km
da capital João Pessoa, o município limita-se ao Norte com os municípios de Gurinhém, Pilar
e Mogeiro; ao Sul, Juripiranga, Salgado de São Felix e o Estado de Pernambuco; a Leste
limita-se com Pilar e a Oeste com Mogeiro e Salgado de São Felix. A Fig. 1 (reproduzida
parcialmente da Imagem Radar DSG 1976) permite uma visualização do entorno de Itabaiana.
O município é banhado pelas águas do rio Paraíba, que recebe o rio Ingá, os riachos Salgado e
Nogueira. O clima na região em que está situado o município, é do tipo tropical megatérmico,
quente e subúmido, quase semi-árido. A temperatura média anual fica entre máximas de 30 e
mínimas de 20 graus centígrados. Itabaiana era constituída por formações vegetais da Floresta
Atlântica de Planície, Encosta e Agreste. O município situa-se numa área de transição entre
essas formações; no entanto, atualmente, a vegetação original encontra-se já bastante
modificada pelas atividades humanas, predominando as pastagens para o gado bovino, e os
plantios de cana-de-açúcar na atualidade, tendo conhecido também vários outros “ciclos”
agrícolas no passado, notadamente o da cultura algodoeira.
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Trata-se de uma área que merece um interesse especial, em virtude das suas
características ecológicas e culturais que correspondem à uma faixa de transição e de encontro
de diferentes unidades bastante significativa das paisagens nordestinas e de sua estrutura
sócio-econômica, reflexo de um passado e de uma natureza muito significativas na Paraíba.
Ademais, a feira de Itabaiana, constituiu, tradicionalmente, uma das mais importantes feiras
camponesas do Nordeste e apesar de sua permanência vem sofrendo um processo
significativo de mudanças.
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CAPÍTULO 1
O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO ESPAÇO E A FEIRA DE ITABAIANA
o comércio em movimento
de uma forma admirável
que se torna agradável
onde tem muito alimento
para o abastecimento
área urbana ou rural
na seqüência natural
no âmbito da cidade
com maior facilidade
com modo regional
Um cronista relata a existência de “logeas de mercadores”, por volta de 1587. Embora em seu
relato faça referência a duas formas de comércio distintas, uma exercida pelo comércio
estabelecido responsável pelos artigos finos e de luxo e outra realizada ao ar livre com
produtos provenientes das roças circunvizinhas, ele não explicita esta forma de comércio
como sendo feira (MOTT, 1975, p. 312).
Quanto às feiras rurais, que são de maior interesse para o nosso estudo, a referência é
feita a Feira de Capoame, em 1732, próximo à cidade da Bahia (na atual Dias D’Ávila)
(CARVALHO, 1958, p. 19). Esta feira foi durante do século XVIII o principal centro
comercial para o gado vindo do sertão para o abastecimento da cidade de Salvador e seu
Recôncavo. Outras referências são feitas às feiras de Mata de São João e a feira de Nazaré, na
Bahia, e as feiras de Goiana, Pernambuco e Laranjeiras, em Sergipe. No Brasil havia, por esta
época, dois tipos de feiras. A Feira de Mercado, realizada aos sábados para o abastecimento
alimentar da população da cidade e das redondezas e a Feira Franca, realizada anual ou bi-
anualmente destinada à comercialização de bens regionais como o gado e por isto atraiam
grande número de compradores e vendedores das mais distantes regiões. No século XIX a
ocorrência das feiras é freqüente e algumas tão grandes que para a satisfação dos
freqüentadores eram abatidos em torno de 60 a 70 bois, como a feira de Itabaianinha,
Pernambuco, segundo relatado na tese de Mott (1975, p. 313).
Na atualidade uma das feiras mais importantes é a de Feira de Santana, Bahia. Esta
cidade foi escolhida para sediar esta feira por possuir condições favoráveis de localização, e
suas próprias pastagens para a manutenção do gado à espera de comercialização. No sul do
país as feiras não se aparentavam com as do nordeste, sendo a única de que se tem notícia a
“Feira de Burros de Sorocaba”, responsável pelo fornecimento de muares inclusive para
Minas. No Norte e Centro-oeste não foi verificada, pelos vários viajantes, qualquer atividade
de comércio semelhante às feiras, sendo o abastecimento destas regiões realizado através da
navegação fluvial.
As feiras de zona de transição ocorrem nas faixas de transição entre duas zonas
geograficamente diferentes: Zona da Mata-Sertão; Brejo-Agreste. Esta localização vai
possibilitar que produtos característicos de cada área sejam trocados. Desta forma estas feiras
apresentam uma variedade de produtos significativa, que vão desde frutas e legumes até
produtos industrializados. Outro ponto a ser considerado é que, em geral, nestas zonas de
transição há o domínio da pequena e média propriedade, o que propicia condições para que
um número maior de agricultores participem da feira. Quando estão de posse de um bom
sortimento de produtos têm condições de ir a duas ou três feiras por semana, dando
preferência às de maior porte. Os comerciantes de artigos industrializados adquirem o produto
nos atacadistas dos grandes centros e lojas de tecido e confecção, com condições de
pagamento futuro. Assim após a comercialização eles podem retornar ao fornecedor, pagar a
dívida e renovar o “estoque”.
Um dos fatores relacionados à maior intensidade e importância das feiras, nesta zona
de transição é a presença de culturas comerciais próximas às cidades, dando à feira uma área
de influência maior e possibilidades de crescimento, pois atraem um número cada vez maior
de comerciantes e compradores. Dois exemplos que podem ser citados são os de Arapiraca,
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cereais. Até os anos oitenta era comum também o uso da “cuia” para vender farinha (a cuia
era de tamanho variado).Para pesar animais e produtos agrícolas a unidade mais utilizada
ainda é a arroba. Ultimamente, as balanças dos feirantes de Itabaiana tem sido aferidas pela
fiscalização e alguns deles já possuem balanças digitais.
A feira se inicia antes mesmo do raiar do dia, prolongando-se até o meio-dia. Alguns
comerciantes já possuem um lugar “fixo” para se instalar e todos respeitam esta regra da feira.
Os feirantes-agricultores saem de sua propriedade logo cedo e só os que possuem produtos
não perecíveis se arriscam em feiras mais distantes. Tanto comerciantes como consumidores,
que não têm um meio de condução próprio costumam fazer uso de lotações em caminhões e
kombis, ou mototáxi (cada vez mais comum em várias cidades do interior) ou utilizam os
ônibus que fazem uma vez por semana o itinerário da feira. Há ainda os que ficam na “beira
da estrada” à espera de uma carona e os que possuindo bicicletas, ou mais raramente, animais,
deles se utilizam para chegar à feira. O dia de feira é um acontecimento social, principalmente
no Sertão, onde não se faz apenas o comércio. É o dia de ir ao médico, ao barbeiro, à igreja e
tudo que for necessário. O importante é aproveitar ao máximo à viagem, pois nem todos
podem se dar ao luxo de ir à cidade a qualquer hora, largando o roçado ou o trabalho em
alguma propriedade. Inclusive, nos shows do cômico Zé Paraíba o assunto é muito comentado
em tiradas como esta: “O povo do mato gosta de se consultar na feira, o médico já aperreado
querendo fazer a feira , uma senhora encosta e...”
Para o Nordeste a importância da feira está ligada ao tamanho do núcleo em que ela
ocorre. Quanto menor for o núcleo urbano tanto maior sua importância e sua influência. Nas
pequenas comunidades, onde o comércio regular é inexpressivo, assume o papel de mercado
geral, onde se realizam todos os negócios locais. Nos pequenos centros urbanos (e às vezes
até em cidades maiores), a feira encarna e torna concreta a função comercial. Para tanto
promove a circulação regional ou inter-regional dos produtos locais de subsistência e de
consumo.
O interior do Nordeste começou a ser ocupado a partir do final do século XVI, e esta
ocupação teve como base econômica a atividade pecuária. Tal foi a sua importância para
explicar a origem de Itabaiana e de sua feira que o tema será desenvolvido em outro capítulo.
Da mesma forma, o papel das vias de circulação e dos transportes também será abordado
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separadamente. Uma das razões da penetração do gado para o interior foi a necessidade de
prover à área açucareira do litoral de animais para o transporte e de carne para as populações
urbanas. Além disso, os solos das áreas litorâneas, solos aluviais de massapé e eluviais
oriundos da decomposição das rochas cristalinas sempre foram propícios à cultura da cana-de-
açúcar, e a mata atlântica servia como combustível para os fornos dos engenhos, através do
corte de suas árvores. Não era possível, portanto a junção das duas atividades no litoral,
mesmo porque não havia ainda o arame farpado, as cercas eram vivas ou de varas. A pecuária,
portanto só podia ser feita em condições restritas ao lado da agricultura e esta, era a prioridade
econômica no século XVI.
Outro fator que contribuiu para a penetração do gado para o interior foi a presença dos
holandeses no século XVII levando os criadores a entrar para o interior devido ao medo de
perder seus alimentos para os invasores que os requisitavam. Ao penetrar para o interior, estes
criadores iam estabelecendo-se em extensões de terra doadas em sesmarias.
A cultura da cana de açúcar era tão mais importante que a “Carta Régia” de 1701
proibia a criação de gado até dez léguas da costa, o que corresponde, aproximadamente à
distância geodésica de Itabaiana ao mar (SAITO; PAZERA et al, 1984, p.91). Vale salientar
que esta medida teve como conseqüência a separação econômica e espacial da agricultura e da
pecuária, fazendo com que uma e outra adotassem obrigatoriamente práticas extensivas. No
entanto, a criação de gado foi a principal atividade econômica amplamente difundida no
Brasil Colônia não destinadas basicamente à exportação (VALVERDE, 1985, p.193).
A proximidade com o Rio Paraíba foi um fator de ordem física de grande importância
na formação de um aglomerado urbano e na prática da atividade pecuária (ver Foto 1).
32
ÌTABAIANA
LOCALIZAÇÃO DE ITABAIANA NO
ESTADO DA PARAÍBA
38º 37º 36º 35º
6º
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O RIO GRANDE DO NORTE
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sesmaria naquele espaço foi concedida em 4 de agosto de 1663 para Francisco Camelo
Valcasser e Francisco do Rego Barros. Foi ocupada em 1665, antes, portanto da chegada dos
Jesuítas em 1670. (MAIA, 1976, p. 27). Nos seus “Apontamentos para a História Territorial
da Parahyba”, Lyra Tavares refere-se à criação de gado na área no ano de 1726 (TAVARES,
1982, p.127). À sua volta várias outras fazendas se estabeleceram e Itabaiana logo se tornou
um aglomerado humano. Entre 1780 e 1800, as transações entre sesmeiros já aconteciam
nesta área onde atualmente ergue-se a cidade de Itabaiana.
Santana, na Bahia, por mais de um século realizava-se nesse dia e foi transferida, no século
XX, para as segundas (CARVALHO, 1958 p.23).
A carne era vendida nas ruas e por causa disto, foi sugerida a construção de um
açougue para o retalho da carne. Isto se deu em 1887. Consta que a feira de gêneros começava
a se formar por volta de 1830. O comércio prosperou e em 1890 foi construído o prédio do
mercado para melhorar as condições de higiene e segurança dos feirantes e dos gêneros,
principalmente da farinha de mandioca. A Coroa compreendia ser o abastecimento uma
questão de ordem social, nem sempre entendida pelos grandes interesses da lavoura
comercial. A legislação portuguesa refletia a preocupação de favorecer atividades rentáveis
como a monocultura do tipo comercial. No entanto a auto-suficiência das unidades rurais foi
um dos traços característicos da economia que se instalava no Brasil e a produção de
subsistência sempre acompanhou os azares da economia exportadora, setor dinâmico por
excelência.
A produção de subsistência desenvolvida quer nas grandes unidades para o auto-
abastecimento, quer nas pequenas e médias propriedades, com capacidade de produzir
excedentes alimentares, teve uma considerável importância interna, e, no entanto, só recebeu
a atenção do poder colonial nos momentos críticos de escassez alimentar nas cidades. No
século XVIII a Coroa estabelece que se façam nas vilas e povoados às feiras, para que se
possa vender e comprar o que se necessitar, e para tal estabelece que a fiscalização das feiras
se fizesse através da Câmara Municipal (LINHARES, 1979, p.85).
O crescimento da feira de Itabaiana foi uma resposta às necessidades do núcleo urbano
em expansão, bem como foi resultado das melhorias no transporte, como as carroças de boi e
o trem, à abertura de estradas e à interiorização da economia. A organização da feira de
Itabaiana em linhas gerais subordinou-se à política agrícola do país, pois a região era de
criação de gado, sendo a agricultura uma segunda atividade. Com isso, à parte da feira que
ganhou maior destaque, foi à feira de gado, pela sua grande importância econômica bem
como pela sua dimensão espacial.
O memorialista Sabiniano Maia (MAIA, 1976, p.135), divide a feira em cinco
“feiras”, no final do século XIX e no início do século XX: a de gado, a de gêneros, a de
cavalos, a do bacurau e a do capim. A mais importante, no entanto, era a de gado, criada pela
lei 140, de 1880 quando Itabaiana ainda era povoado. Esta feira era muito representativa e deu
início ao desenvolvimento progressivo da região, pois com o aumento da população, Itabaiana
torna-se Município em Abril de 1890.A feira de gado era a mais importante, pois a estrutura
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A Feira do Capim foi uma conseqüência do aumento da população da cidade que sem
serviço de canalização de água, precisava dos muares com barris para levar água nas casas.
Após a entrega, os carregadores dirigiam-se à feira do Capim para abastecer os animais de
forragens verdes tais como: capins verdes, olhos de cana, palha de milho e bagaço de cana.
Nos anos oitenta, já não havia vestígios dessa feira. Provavelmente, com a regularização do
abastecimento urbano de água ela perdeu sua função.Além disso, o uso de animais para o
transporte de mercadorias diversas para a feira, bem como para montaria de feirantes e
compradores, já vinha rareando desde os anos sessenta com a expansão dos caminhões.
A Feira do “Bacurau” data de 29 de Março de 1890, ano em que foi instalado o
mercado público. Constituía o ponto de encontro dos tangerinos que iam jantar antes de ir
para o bordel na segunda-feira à noite. Atualmente no mesmo local ainda existem barracas
que servem comidas variadas.
Na Feira de Cavalos também eram comercializados éguas, burras e jumentos. No
início do século XX era conhecida pela sua grande extensão em todo o Estado. “Dizia-se
inclusive que de tão grande, era possível roubar um cavalo num lado da feira e comercializá-
lo do outro lado” (SILVA, 1990, p. 21). A foto abaixo (Foto 3), de 1987, é uma pálida
lembrança da antiga feira de cavalos, que se localizava, na época, longe do centro da cidade e
da feira propriamente dita, junto ao Cemitério, ao lado da ferrrovia. Em meados dos anos
noventa já não se comercializavam cavalos na feira de Itabaiana.
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[...]Era uma cousa grandiosa a feira de Itabaiana. Nunca vira tanto povo
junto, num rebuliço de festa, nessa confusão, nesse bate-boca dos que
vendem e trocam. Havia de tudo: o lado do queijo, da carne-de-sol, do
açúcar bruto, do açúcar purgado, do feijão, ruas inteiras de gêneros, gente
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Foto 8 – Do alto da torre da igreja uma visão dos veículos estacionados e o início das barracas
da feira (Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 24-07-1987). Comparar com as fotos 6 e 7.
A partir da década de trinta, pode-se dizer que começa uma fase de estagnação quanto
ao crescimento urbano e um freio no desenvolvimento da economia incapaz de absorver a
mão-de-obra que necessitava de emprego. Até 1930, existia no cenário político a figura dos
chefes políticos, que eram uma espécie de “todo-poderoso de uma comunidade”. Depois dessa
autoridade seguia-se o coletor de rendas, o delegado de polícia, o juiz de direito e o promotor
público. Nesta seqüência desenvolvia-se o drama demonstrativo do poderio da época: o
coletor aumentava o imposto do adversário do chefe, este mandava cobrá-lo; havendo recusa,
o delegado o prendia como infrator da lei. Às vezes o chefe político era o Juiz de Direito e
esta relação era plenamente aceitável. O chefe não era o Prefeito nomeado, que se ofuscava
inteiramente diante do chefe, que na prática resolvia tudo, inclusive as benfeitorias como a
construção de prédios, ruas, etc. Em Itabaiana a instalação de luz elétrica e encanamento da
água foram iniciativas do chefe, que com sua influência política adquiria cada vez mais
popularidade e respeito (Maia, 1976, p.75). O prestígio destes chefes ou coronéis muitas vezes
transcendia às fronteiras do Estado e nenhuma ação de vulto se realizava sem o seu
consentimento. Dispondo de consideráveis contingentes de jagunços, que constituíam o seu
exército particular, mobilizavam estas forças para fazer valer seus interesses, impor a sua
vontade e dobrar seus inimigos (RODRIGUES, 1976 p.16).
Segundo o depoimento do Sr. Manoel Borges, 72 anos, ex-proprietário de terras e de
gado, existia uma política de perseguição nas coletas de impostos na Feira de Gado, ou seja,
havia na época uma relação muito estreita entre a política, representada pelo poder
45
A partir de 1930, iniciou-se no país uma fase de transição das estruturas econômicas e
políticas, e a característica desta transição foi a presença cada vez mais marcante das
burguesias industrial e comercial, em detrimento do poderio oligárquico. Até então, a
economia caracterizava-se por ser primária, voltada para a exportação (MARANHÃO, 1984,
p.122). Esta estrutura era baseada na existência de uma série de bacias urbanas, ou seja, de
regiões em formação: grandes áreas do interior eram polarizadas para um porto que escoava
sua produção e recebia do exterior os produtos por ela importados. As relações entre estas
bacias urbanas eram feitas por mar porque as ferrovias existentes eram raras estradas de
penetração, construídas para exportação dos produtos do interior, e as rodovias, poucas e de
má qualidade, não se estruturavam ainda em uma rede nacional (ANDRADE, 1979, p. 110).
Esta economia, que se expandia para fora, era a base para o sistema oligárquico de
dominação, pois o controle do Estado estava obviamente nas mãos dos produtores, dos
latifundiários e dos exportadores capitalistas.
Enquanto isto, o Estado Nacional, por sua vez, criava mecanismos político – institucionais
que atuavam de modo decisivo na criação de infra-estrutura para viabilizar o crescimento da
economia industrial do Centro-Sul: a abolição de barreiras alfandegárias entre os estados; a
instituição do imposto do consumo; a abolição da capacidade dos estados de legislar sobre o
comércio exterior. Estas medidas acabariam por criar condições para a formação de um
ESPAÇO ECONÔMICO NACIONAL UNIFICADO (MARANHÃO, 1984, p.127). A partir
de 1930, as economias regionais isoladas, cuja dinâmica era dada principalmente por suas
relações com o exterior, passam a integrar uma DIVISÃO REGIONAL DO TRABALHO
NACIONAL, cujo pólo, onde se iniciava o processo de desenvolvimento industrial, era o
Centro-Sul.
O Nordeste, enfraquecido economicamente e politicamente debilitado com a ascensão
da burguesia industrial ao poder, assistia a uma crescente invasão de produtos industriais e
agrícolas do Centro-Sul, perdia seus mercados e via evadirem-se substanciais parcelas do
capital e da mão-de-obra regionais. O fenômeno do aumento das disparidades regionais desde
então é acentuado e é na verdade um sinal da integração do nordeste à economia nacional
comandada pelo Centro-Sul. Com isso, o Centro-Sul condicionava as possibilidades de
desenvolvimento da Região Nordeste. Itabaiana, com sua importante Feira de Gado e de
Gêneros, era no passado uma área de dinamismo econômico, chegando a constituir-se em
Região-Pólo. Sua função basicamente era fornecer alimentos, principalmente carne, para as
cidades de João Pessoa e para a Bacia Urbana de Recife-Olinda que tinha sua economia
centrada na exportação de açúcar.
Apesar das transformações ocorridas no cenário econômico e político do país após a
Revolução de 30 e acentuado após a Segunda Grande Guerra, não se observaram
transformações substanciais do tipo das que ocorreram no Centro-Sul, na economia regional
do Nordeste, que continuou assentada na produção de açúcar no litoral e na zona da mata, no
algodão e nas atividades pecuárias do Agreste e do Sertão. Dentro deste cenário, a Feira de
Gado continuou tendo sua importância, porém não desenvolvem outras formas de expansão
econômica que possibilitem o crescimento do município, que, como a maioria dos municípios
do interior nordestino, passa a entrar em processo de estagnação econômica, sem a menor
possibilidade de competir com os produtos produzidos no Centro-Sul.
O processo de industrialização exportado do Centro-Sul para todo o país teve na
década de 30 sua penetração na Feira de Itabaiana. Conforme o depoimento de pessoas idosas
e comerciantes locais antigos, foi nesta época que a Feira viu-se invadida por produtos
48
industrializados tais como roupas, sapatos, artigos de louças e plásticos. Até então na Feira
negociavam-se produtos do tipo artesanal como artigos de couro e tecidos. As lojas
encarregavam-se, de negociar com produtos diversos que vinham da praça de Recife. Com a
invasão dos mascates e camelôs, a Feira começa a modificar-se na sua forma, na sua estrutura
e, portanto na sua função, adaptando-se às novas necessidades tanto do capital como da
população daquela região.
Na segunda metade dos anos 50, sob o Governo Juscelino Kubitscheck, houve uma
diferenciação no interior da própria expansão industrial, que requereu o capital estrangeiro e
isto foi facilitado pela própria expansão que ocorria do capitalismo em escala internacional: o
crescimento dos países do Mercado Comum Europeu e principalmente do Japão. Foi
implantada no país a indústria automobilística que contribuía, juntamente com a construção de
Brasília, para a abertura de estradas de rodagem por todo o país.
Com o processo de industrialização do Centro-Sul, sucede-se de fato a destruição das
economias regionais, mas esta destruição não é senão uma das formas de expansão do sistema
em escala nacional. A estagnação econômica consiste, no entanto de uma fase do ciclo, cuja
lei é a nova forma de crescimento do capital (OLIVEIRA, 1981). As relações entre o Centro-
Sul e o Nordeste começam a partir da destruição dos capitais do Nordeste, onde fábricas não
conseguem competir, atividades antes protegidas pelas barreiras alfandegárias deixam de
existir e enfim na troca de valores iguais, ganha quem tem maior produtividade: o Centro-Sul.
No geral o circuito superior utiliza a tecnologia importada e de alto nível, com dupla
utilização do capital intensivo, enquanto que o circuito inferior predomina a utilização do
“trabalho intensivo”, sendo este detentor de um grande potencial criativo. No entanto, não se
podem entender ambos os circuitos como independentes, eles são fruto de um mesmo
conjunto de causas e possuem a mesma origem, o que leva a serem vistos como interligados,
constituindo-se numa bipolarização. Isto se deve ao fato de que existe uma classe média que
se utiliza dos dois circuitos, impedindo desta forma que ocorra um isolamento entre ambos.
Além deste fato, no decorrer das relações econômicas que se desenvolvem, surge o
intercâmbio de insumos entre os dois circuitos. Ressalta-se, porém, que o circuito superior se
impõe ao circuito inferior. “O trabalhador informal dirige e mantém sua atividade muito mais
em virtude do emprego e do fluxo de renda gerador, do que na busca de uma rentabilidade
competitiva” (Cacciamalli, 1993, p. 219).
Como bem se expressa Santos ( 1979, p.29)
Nas feiras também é notável a presença de pequenos produtores (que serão estudados
em capítulo posterior), artesãos (eventualmente) e outros que fornecem frutas e verduras,
especialmente na Paraíba, onde verdura, serve para designar tanto legumes quanto tubérculos
e hortaliças, que se colhem no quintal e vendem ali na feira para suprir uma necessidade
iminente. Estas pessoas não podem ser caracterizadas como feirantes, pois só
esporadicamente comparecem à feira, sempre com o objetivo de complementar o próprio
sustento e da família.
No que diz respeito às metas sociais que visariam em princípio a diminuição das
disparidades regionais e das disparidades individuais de renda, e que se verifica de fato é que
o programa intensificou as disparidades regionais, pois a região Centro-Sul foi mais uma vez
a que obteve a maior aplicação de grandes volumes de capital neste setor: até 1979, contava
com 65% do total de destilarias enquanto o Norte-Nordeste ficava com 35%. Considerando
somente o Nordeste, das 55 destilarias implantadas até 1980, 25 ficavam em Pernambuco,
Estado dos mais desenvolvidos em termos industriais (GONÇALVES, 1982, p.4).
No que refere à renda individual, as disparidades têm aumentado, e isso ocorre porque
os pequenos produtores vão sendo gradualmente expulsos da terra em que trabalham,
passando a trabalhadores assalariados temporários, bóias-frias, que vão trabalhar como
diaristas. De fato, o trabalho nos campos de cana absorve um contingente bastante grande de
pessoas, mas de forma irregular, pois é um tipo de cultura que usa mão-de-obra temporária.
Em vista disto, a expansão da cana-de-açúcar tem provocado um verdadeiro êxodo rural,
através da expulsão do homem do campo, fazendo inchar de forma desordenada pequenos
centros ao seu redor, são cidades que não contam com qualquer beneficio em termos de
saneamento básico ou de qualquer outra infra-estrutura para absorver este contingente
numeroso, além de não ter condições para absorver essa mão-de-obra.
No mais, este programa simplesmente veio viabilizar economicamente os latifúndios
improdutivos, ou seja, grandes áreas que eram exploradas em moldes não formalmente
capitalistas ou arrendatários, parceiros, geralmente cultivadores de produtos alimentares, o
que causou, com a expulsão destes rurícolas, a retração das culturas alimentares para dar
espaço à cana, além de piorar consideravelmente a qualidade de vida dos camponeses que
antes podiam cultivar para sua própria subsistência, e, com o trabalho assalariado, tendo que
morar longe do campo, passam a depender totalmente do seu trabalho, passando à condição
de pobreza total, habitando agora nas favelas das pequenas e grandes cidades.
Este projeto, como a maioria dos projetos agrícolas dos países do Terceiro Mundo
surge como mais uma inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho, proposta pelas
grandes potências imperialistas. O capital, através do Estado, com uma política agrícola,
encontra a forma “errada” de viabilizar o latifúndio, promovendo assim o “desenvolvimento
capitalista” no campo. Os investimentos no setor agropecuário através de capitalização da
agroindústria via equipamentos, fertilizantes, adubos e demais meios de produção, que são
importados, começaram a partir de 1970. Assim, no ano de 1975 houve apenas um reforço de
55
um conjunto de medidas já adotadas cujos reflexos são a rapidez da expansão área cultivada e
o aumento do rendimento médio por hectare.
No Brasil, a exploração agromercantil sempre constituiu o setor dominante da
economia agrária nacional, é uma herança colonial do sistema de plantation, de que marca a
história brasileira até os dias atuais que permite a separação entre de um lado a grande
propriedade que exploram um ou mais produtos de alto valor comercial e de outro, as
“sobras” de terras ocupadas sob as mais diversas condições de posse, desde a propriedade
formal até a ocupação de uma porção onde se planta alimentos destinados ao consumo. Desta
forma deflagra-se o conflito entre a agricultura para exportação e para a produção de
alimentos. O estabelecimento agromercantil tende a buscar os produtos de maior
lucratividade, e isto por uma série de motivos conjunturais ligados a toda uma série de
estímulos a subsídios destinados ao incremento das exportações agrícolas como forma de
desafogar o estrangulamento da dívida externa (EGLER, 1984, p.14). Segundo levantamento
de Lígia Tavares (SILVA, 1990, p. 10) pode-se constatar que o índice de alimentos por
habitante caiu de 100, em 1977 para 24,4 em 1983, enquanto o dos produtos exportáveis
cresceu de 100 para 106,9 no mesmo período.
No que concerne à fixação do homem do campo, o PROALCOOL tem trazido, como
conseqüência de sua implantação, a agudização das tensões sociais latentes no meio rural,
pois na tentativa de explorar as terras dentro da lógica mais imediata do capital e gozando de
incentivos governamentais para a aceleração da expansão de cultura de cana, a lei geral seria
transformar os trabalhadores em assalariados permanentes ou volantes, uma vez que não
interessaria aos proprietários representantes do grande capital, a exploração das terras nos
antigos moldes de arrendamento e parceria. Portanto, o PROALCOOL estabeleceu-se não só
permitindo o processo de concentração fundiária, mas propiciou o acirramento dos conflitos
sociais no meio rural (GONÇALVES, 1982, p.6).
A Paraíba até 1975 possuía uma indústria açucareira relativamente grande restrita aos
fundos de vales, como os do Mamanguape e Paraíba e nos Brejos de Areia e Alagoa Grande.
Entretanto, com os estímulos governamentais através do preço do álcool e de crédito
extremamente barato para implantação de destilaria, o PROALCOOL permitiu que tornasse
compensador o plantio de cana-de-açúcar nos tabuleiros do litoral paraibano, iniciando assim
uma expansão rápida e predatória sobre as últimas reservas de mata e sobre os cerrados que
recobriam os tabuleiros costeiros da Paraíba expandindo-se, em seguida, para outras áreas. No
cartograma “Zonas Produtoras de Cana” (ver Fig. 4) evidencia-se a expansão dos canaviais a
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OCEANO
ATLÂNTICO
ITABAIANA
PERNAMBUCO
10 0 10 20 km
Figura 4 – Zonas Produtoras de Cana de Açúcar referente aos períodos entre 1970 e 1980
Adaptado de Lígia Tavares (Silva, 1990, p. 15)
58
sistema em um único pedaço de terra. Muitos dos moradores destes bairros têm na feira uma
alternativa para ganhar algum dinheiro. De um modo geral, as transformações ocorridas em
Itabaiana a partir de 1970 são conseqüência principalmente das transformações ocorridas na
organização do espaço agrário. Dentro deste contexto, a feira desempenha um papel
fundamental não só para a população de Itabaiana, mas para a população de todo o Município,
pois ela passa a assumir a nova realidade desta população que, cada vez mais empobrecida,
articula forma de sobrevivência criando novos mecanismos de adaptação a essa nova
realidade.
população que, ao sentir as modificações impostas pela presença do capital na área rural, teve
que migrar para o centro urbano, modificando também a paisagem da cidade e a forma da
feira.
A maior concentração de barracas de maior porte se dá da rua principal à avenida
Presidente João Pessoa (rever Foto 8), onde concentra-se também grande parte do comércio
local regularmente estabelecido. A feira acontece nas terças e o movimento é intenso em toda
a cidade. Na avenida José Silveira, de frente para a igreja principal ficam estacionados carros,
ônibus e caminhões de várias localidades e municípios vizinhos como João Pessoa, Campina
Grande, Ingá, Mogeiro, Itambé, Limoeiro, Goiana, Timbaúba e Recife dentre outros.
Sob o ponto de vista estrutural, a feira se divide em 4 partes: A primeira parte,
composta por barracas de maior porte é a porta de entrada da feira. São barracas cadastradas
pela prefeitura e nelas são vendidos quase que exclusivamente os seguintes produtos:
confecções de todos os tipos, calçados, tecidos e redes. Estes produtos ficam dispostos da
seguinte maneira seguindo a ordem das ruas: todas as barracas dessa parte da feira ficam na
avenida João Pessoa; do lado direito ficam as barracas de tecidos, do lado esquerdo, as de
redes e confecções e no centro ficam as barracas de calçados.
A segunda parte da feira é composta por pequenas barracas e por vendedores
ambulantes não cadastrados que estendem suas esteiras e pagam seu aluguel no chão da feira.
Localizada também na avenida João Pessoa, nesta parte são vendidos os seguintes produtos:
produtos artesanais de couro como sandálias, botas, arreios, chicotes, coleiras, cintos, tiras e
artefatos para montaria em geral, porém o fabrico deles é em Campina Grande e Caruaru, na
maioria, apesar de Itabaiana possuir matéria-prima para a elaboração desses produtos, bem
como, artesãos. É raro ver um artesão expondo na feira.Vimos três em 1986, um em 1990 e
nenhum em 2002, vendendo sandálias de couro bastante rústicas, as “alpercatas”, típicas do
“matuto”. Esta parte da feira é bastante diversificada, e o feirante pode ser encontrado nela
numa terça e na outra não; é uma parte mutável da feira onde há uma grande diversidade de
produtos. Além dos produtos de couro, cada vez mais escassos, são vendidos louças e objetos
de plástico e alumínio como baldes, panelas e artigos de cozinha em geral e brinquedos. No
final dos anos oitenta os brinquedos artesanais quase já não existiam na feira. As bonecas de
pano (“bruxinhas”) e os carrinhos e, sobretudo os caminhõezinhos de madeira (estes, feitos
em Itabaiana) ainda podiam ser encontrados (em pequena quantidade) segundo aparece em
vídeo de 1994 elaborado por um grupo de estudiosos do folclore (ASPECTOS, 1994) sob a
coordenação do Prof. José Nilton da Silva (UFPB) que posteriormente nos disse: “a feira está
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perdendo sua identidade regional sendo descaracterizada pela invasão de produtos industriais
vindos do Paraguai...” Atualmente os ditos brinquedos só são encontrados nos Mercados de
Artesanato para turistas nas capitais ou ainda, em eventos de divulgação do folclore (Feira dos
Municípios em João Pessoa). Os caminhõezinhos de Itabaiana eram famosos e ainda são
feitos por artesãos locais que os vendem para compradores das capitais. Em matéria de
brinquedos, em Itabaiana, como de sorte em todos pontos de venda da população de baixa
renda, dominam os brinquedos “do Paraguai” (geralmente chineses). Ultimamente, em função
da alta do dólar voltam a predominar brinquedos nacionais.
Ainda nesta parte da feira, porém na rua Quintino Bocaiúva, uma perpendicular à
avenida Presidente João Pessoa para o lado esquerdo, ou seja, na direção oposta ao Rio
Paraíba, era comum (em 1986-1990) algumas mulheres comercializando com artigos
artesanais de barro. Em 2002 havia apenas uma pessoa vendendo esses artigos (ver Fotos 10 e
11). Trata-se de um trecho menos “nobre” da feira. São panelas, fogareiros, pratos e artigos
para copa e cozinha em geral assim como vasos para plantas. Nesta altura da feira, na avenida
Presidente João Pessoa, começam a aparecer os vendedores de inhame, macaxeira e batata
doce, que estendem seus produtos no chão. São na maioria comerciantes intermediários, mas
existem alguns poucos produtores também. Eles ficam no meio da rua. Do lado direito deles
estão vendedores com os mais variados tipos de produtos artesanais (também conhecidos
como “mangalhos”) a exemplo de lamparinas de lata de óleo, ralador de coco, colher de pau,
urupema (peneira de palha), pilão, ralador de milho, abano para fogão e baladeira (estilingue),
objetos de palha como cestas, bolsas, chapéus, e outros. Já quase no fim da feira, na altura do
antigo cinema ficam os comerciantes de moveis que vendem camas, sofás, armários, mesas,
cadeiras e guarda-roupas. Os acabamentos são artesanais, porém os preços são bem em conta.
No final da feira, próximo à Praça Epitácio Pessoa, ficam os feirantes que negociam com
pequenos animais, onde podem ser encontrados porcos, cabras, aves e qualquer outro que
esporadicamente possa aparecer.
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A terceira parte da feira refere-se ao mercado público e às áreas (ruas e becos) que
estão em torno dele. Esta área é conhecida como Praça Venâncio Neiva. Saindo da Avenida
Presidente João Pessoa e dobrando à esquerda na direção do mercado, nos deparamos com
uma grande concentração de vendedores de todos os tipos, pois esta área é bastante
requisitada por estar próxima ao mercado. Na seqüência encontramos a partir da esquina com
a Avenida Presidente João Pessoa, muitas barraquinhas de miudezas com artigos de
perfumaria, papelaria, higiene, etc. Pelo meio da rua existem caixotes com remédios,
bijuterias e outras miudezas. No entanto, nesta parte a tendência maior é para o comércio de
gêneros alimentícios: São barracas de temperos, galinha abatida, queijos, colorau, fubá, sal,
café, açúcar, verduras em saquinhos, etc. No prédio do mercado propriamente dito, quase não
se pode andar. Crianças e adultos vendendo coentro, alface, alho, temperos e verduras, ficam
em pé por toda parte obstruindo a passagem. Isso, aliado à sujeira e ao calor fazem do
mercado um lugar de condições precárias de higiene, fato comum nos mercados públicos da
Paraíba. O mercado de Itabaiana é composto de três blocos. No primeiro são vendidos todos
os tipos de carne fresca, carne salgada e peixe em geral. No segundo e terceiro blocos ficam
os cereais (isto é: o milho, os feijões e a farinha). Existem diferentes variedades destes
cereais, no entanto, a grande maioria dos produtos procede de outros municípios e de outros
estados como Pernambuco, Bahia e Sergipe.
Nas proximidades era comum a presença de cantadores cegos (ver Foto 12) e de uma
dupla de violeiros (ver foto 13); porém ultimamente eles não têm mais comparecido à feira.
Indagamos a respeito e não souberam informar sobre o paradeiro dos cegos, mas os violeiros,
pelo que consta, estão se apresentando em outros locais com afluência de turistas. De fato,
temos observado nas praias, bares e restaurantes da capital paraibana a presença de cantadores
fazendo improvisos para os turistas que ficam maravilhados com a criatividade desses
repentistas. Contudo, o público nativo da feira de Itabaiana, ao que parece, prefere os CDs e
fitas piratas com os “pornoforrós” e outras músicas da moda. Um CD pirata é mais
compensador que a esmola para o cego ou o trocado para o cantador. A presença de muitos
carros de som (ver Foto 14) e outros recursos sonoros de menor porte para propaganda
comercial ou política ou para divulgação de músicas, contribui para perturbar os poetas
populares, os narradores, os cantadores e os vendedores de literatura de cordel. Esses
comerciantes, na verdade, mereceriam o nome de “divulgadores” (termo consagrado por
muitas editoras comerciais para seus vendedores) pois efetivamente fazem ( faziam?) um
trabalho mais de divulgação do que de venda. Fenômeno semelhante ao dos cantadores, da
65
Neiva, Almeida Barreto, Napoleão Laureano e Floriano Peixoto são constituídas de barracas
de todos os tamanhos, caixotes e esteiras no chão. Ela acontece por cima da linha do trem, o
que lhe dá uma beleza característica que, combinada com as cores das frutas e verduras alivia
a vista e a mente dos apertos sofridos nas outras partes da feira. No mais, os cachos de
bananas em grande quantidade estendidos ao chão na subida da Rua Floriano Peixoto, aguçam
o apetite e “até quem não goste de banana se surpreende ao querer experimentar uma” (Silva,
1990, p. 37). Na direção oposta, situa-se a colina com a Santinha protegendo todos os que têm
na feira seu meio de vida e que a cada terça -feira lá chegam cheios de esperança de vender
um pouco mais que das outras vezes e poder assim ter uma semana melhor. São vendidos
todos os tipos de frutas da estação, algumas são provenientes do Município mesmo, outras são
trazidas das CEASAS por intermediários que vendem aos feirantes logo cedo, como no caso
das laranjas e das verduras propriamente. As bananas são provenientes do Brejo
Pernambucano.
Foto 16 – Feira das frutas.(Foto Eduardo Pazera Jr. 24-07-1987) No primeiro plano a figura do
“balaieiro” pronto para carregar as compras.
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BA
R AÍ
PA
O
RI
LEGENDA
PARTES DA FEIRA
FONTE:
PLANTA BASE -IBGE 1:4500
ELABORAÇÃO GRÁFICA:
40 0 40 80 M EDUARDO PAZERA JR.
CONRAD ROSA
conforme constatado ao longo deste trabalho, mas em prol do capital. Portanto, esta realidade
confirma o que fica postulado em Polanyi et al (1957 p. 357): “O caráter de auto-regulação
do mercado que interage mutuamente com os envolvidos, pode ser destruído pela introdução
de elementos externos que afetam o mecanismo estabilizador. Por exemplo: decisões políticas
governamentais”.
Apesar das transformações que a feira sofreu ao longo do tempo, a sua função parece
ter permanecido, pelo menos em termos gerais no que se refere à importância que ela sempre
ocupou na vida das pessoas e a importância na dinâmica econômica do Município. Mas a feira
atualmente tem algumas funções específicas quanto ao seu caráter econômico e social. No
início e apogeu da feira do gado, grandes negócios eram realizados assim como grandes
somas de dinheiro movimentadas, fato este que gerava fonte de rendas para Municípios. Nesta
época da feira do gado, na primeira metade do século XX, fatores políticos tinham grande
influência na dinâmica da feira e de certa forma direcionavam os negócios, conforme visto
anteriormente. Atualmente, na feira conforme foi sendo constatado ao longo deste trabalho,
não circula grande quantidade de capital, assim como não existem grandes negócios. Estes
existem em Itabaiana, mas não são concretizados na feira. Com relação a este tipo de
comércio, Milton Santos chama de Setor Informal da Economia (SANTOS, 1979b).
Este setor, chamado também de circuito inferior da economia, cresce paralelamente à
pobreza urbana. No caso do Brasil, podemos no decorrer deste trabalho acompanhar este
processo, que no caso (exa) gerou a pobreza do Nordeste. Na medida em que o crescimento
econômico impede a expansão do emprego, assim como o desenvolvimento de um mercado
interno para os produtos modernos, cria como conseqüência um circuito inferior. Este circuito
é formado de atividades de pequena dimensão, sendo um tipo de comércio não moderno. Em
geral são empreendimentos que não pagam água, luz, telefone, nem aluguel e também não
possuem registro, apesar de atualmente em algumas cidades o registro ser necessário. No caso
de Itabaiana, existe o aluguel das barracas, o cadastro e o chão da feira, o que dá aos
negociantes um caráter de formalidade. No entanto, o circuito inferior é bem enraizado e
possui relações privilegiadas com sua região (SANTOS, 1979b) Isto quer dizer que a feira
mantém sua função econômica na vida da cidade, só que esta função é importante
particularmente para os pobres, na medida em que se constitui um fornecedor privilegiado de
trabalho. Outra característica deste circuito é a presença do intermediário que compra a
crédito do atacadista e repassa o produto para o feirante. Ao observar as características dos
dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, constata-se que de fato, a
79
feira de Itabaiana constitui-se num circuito inferior da economia, pois responde positivamente
a todas as características apresentadas por este, conforme mostra o quadro 1:
Deste modo, a feira possui uma grande função social, oferecendo espaço para os
desempregados da lavoura, que ao serem expulsos do campo, vêem na cidade e
especificamente na feira um meio de sobrevivência. Afinal de contas, a própria estrutura da
feira permite sua expansão, pois os produtos são repassados através dos intermediários na
própria cidade, e o aluguel do chão é cobrado ao longo do funcionamento da feira. Além do
mais, a feira tem importante função de abastecer a população de alimentos, visto que o
Município produz cada vez menos alimentos, e a população que antes vivia no campo
cultivando seus alimentos agora na cidade, tem que comprar para comer. O dia de feira é
também o mais apropriado para um anúncio ou propaganda de eventos como vaquejadas,
festas e comícios. No mais, o dia de feira é o dia em que toda a cidade se movimenta, onde
não só o comércio em geral fatura, mas a prefeitura e com isso, o Município.
Para Itabaiana, parecem ser válidas as palavras (bastando trocar o nome da padroeira
por Nossa Senhora da Conceição), referentes a Feira de Santana, da obra de Rollie Poppino:
longo deste trabalho como transformações ao nível nacional refletem na dinâmica da feira. No
Nordeste, a produção alimentar não avança de forma progressiva, pois existe uma disparidade
entre a diminuição das áreas de cultivo de alimentos e um aumento nas populações rural e
urbana que não produzem alimentos e precisam ser alimentadas.
Segundo Forman e Riegelhaupt, as feiras podem ser classificadas nos seguintes tipos:
Feira de Consumo, Feira de Distribuição, Feira Urbana de Consumo (Feira de Abastecimento)
e Feira de Usina. A Feira de Consumo consiste num mercado cíclico para a população rural de
baixa renda onde são encontradas três categorias de vendedores: a) os que vendem e compram
para si; b) os que compram produtos de outros e também vendem seus; c) os intermediários
que vendem em todo lugar. A segunda categoria representa um crescente número de
camponeses que entram na feira para suprir as necessidades que a produção só não basta,
devido ao aumento do mundo rural capitalizado. Cada feirante tem uma especialidade, objetos
acabados raramente são comercializados por camponeses, pois requerem um certo fundo de
investimento. As vendas vão para o caixa e não para investimento, o preço varia de acordo
com o contrato. Existem alguns controles monopolistas como no caso de cereais e outros são
regulados nacionalmente, como as carnes.
A feira de Itabaiana pode ser enquadrada dentro desta classificação, porém com
algumas diferenças: Ela supre não só a população rural como a urbana, ambas de baixa renda
e de alta renda também, como no caso dos fazendeiros que em Itabaiana aproveitam o dia da
feira para fazer suas compras. A classe média urbana e rural também se beneficia do dia da
feira.
Com relação à categoria dos vendedores, a maior fonte de suprimentos são os
armazéns que vendem no atacado para os feirantes pagarem no final da feira. No entanto, em
Itabaiana não há armazéns e os muitos feirantes são ambulantes, por isso compram à vista em
Recife, Caruaru, Campina Grande, etc. Um vendedor de miudezas disse que juntava um certo
dinheiro para fazer compras, outro vendedor de tecidos disse que comprava em Recife nas
liquidações das grandes lojas. Já, outros compram dos intermediários que vendem na própria
feira, sendo que este tipo de relação prevalece com as verduras, legumes e frutas. Parece não
haver uma rigidez ou uma ordem quanto ao sistema de abastecimento dos produtos.
Aparentemente, cada um tem seu próprio esquema.
82
Os autores citam as dificuldades de transporte, que para eles são uma das chaves para
a persistência das feiras e a falta de rodovias a razão principal para a existência de
intermediários, Com relação a esta questão não foi feita em Itabaiana uma análise
aprofundada, foi, porém observado que, de fato, os produtores se aglomeram num caminhão
para trazer suas mercadorias, e que isto parece ser uma alternativa na questão dos transportes
na comunicação do campo para a cidade. Havia, porém um vendedor de confecções que
habita em Juripiranga, alegando que se tivesse despesa com transporte, seu negócio seria
inviável. Ele pega “carona” para ir à feira. Outra característica comum nas feiras, assim como
em Itabaiana é a falta de inventário de armazenamento, os lucros são difíceis de calcular, mas
os ganhos são baixos, devido à pequena quantidade de bens e o baixo padrão dos
consumidores. As taxas também vêm de todo lado assim como a licença para estar na feira.
Enquanto o sistema de feira tem vantagens para o muito pobre, reduz a possibilidade de
formação de capital.
Com relação à Feira de Distribuição são duas ou três feiras que se completam, onde os
intermediários têm que ir pegar suas mercadorias. As feiras de distribuição no Nordeste
localizam-se nas áreas de transição entre o litoral e o sertão. Elas fornecem mercadorias para
as feiras rurais e urbanas, no atacado. Neste tipo de feira encontram-se duas esferas de
atividades, as atividades do circuito inferior e as atividades do circuito superior (para utilizar a
linguagem de Milton Santos). Nos armazéns que compram em grosso, talvez ocorram as mais
importantes atividades comerciais. Os varejistas urbanos também dependem dos atacadistas
das feiras de distribuição para a feira urbana. O atacadista serve de elo do campo para a
cidade e também de volta para o campo – aqui ele tem um papel vital na economia
transacional.
O terceiro tipo de feira, a Feira Urbana de Consumo (Feira de Abastecimento), faz
parte de um largo mercado diário, mas também é semanal (acessória). No mercado estão os
atacadistas que servem as populações urbanas. Os intermediários cercam os vendedores do
mercado e da feira. Poucos camponeses vendem seu próprio produto, sem dúvida porque a
maioria das cidades no Nordeste é geralmente circundada por cana-de-açúcar ou qualquer
outro produto comercial. Devido à função exportadora das cidades costeiras e a escassez de
produtos de subsistência que cidades centrais em zonas de transição e suas feiras de
distribuição se desenvolveram, são elas a “espinha dorsal” do Nordeste, pois delas sai
alimentos para o litoral e para as feiras rurais do interior. No caso de Itabaiana, isto pode ser
83
comprovado, pois a maioria dos produtos vem de fato de Campina Grande como também de
Caruaru.
Por último, a Feira de Usina, que atende às populações próximas, na área da própria
indústria. Segundo os autores esta feira tem um caráter menos pobre que a feira de consumo.
Com relação aos intermediários, dentro do sistema rural a proliferação destes torna-se
necessária para pequenos e espalhados centros de produção e consumo e pala escassez de
facilidades de transporte e armazenamento. Portanto, um número de intermediários é essencial
nas feiras rurais para a distribuição de bens no local, mas no entanto eles não competem com
os atacadistas, pois abrangem o mercado de baixa renda. Não existe, porém, a possibilidade
do intermediário crescer neste sistema, pois ele não pode comprar muito e nem teria para
quem vender. No mais, eles não formam cooperativas, são individualistas e as formas de
autoproteção prevalecem.
Com relação aos atacadistas, eles estabelecem os preços, pois seguram a mercadoria
controlando os preços dentro e fora da estação. Eles interceptam a mercadoria do produtor
antes de chegar na feira, que vende a eles por preços mais baixos se precavendo, porém, dos
riscos de venda na feira, além do mais, os atacadistas compram em dinheiro. As facilidades de
transportes também facilitam a compra direta atacadista/produtor. Como o atacadista tem
condições de armazenamento e comunicações, estão em muito melhores condições que o
produtor e o intermediário para comprar e vender. A penetração deles não é apenas no
controle dos preços, mas no âmago do sistema, na posse e uso da terra, pois os que têm
condição de plantar culturas comerciais estão em vantagem econômica.
Existe, portanto uma relação entre o latifundiário e atacadista. Os atacadistas fornecem
crédito em troca de direitos exclusivos pela colheita e por isso exercem uma influência
importante sobre a produção da economia rural. Existe uma grande concentração de capital
nos níveis mais altos do sistema onde transporte e armazenamento são facilidades. Isto indica
desenvolvimento, que ocorre muito em função da procura urbana que tem estimulado o
crescimento das atividades atacadistas. Devido à atual estrutura agrária, a tendência maior é
para um aumento na concentração fundiária e a proletarização das massas rurais. O aumento
dos preços dos alimentos valoriza a terra, mas o produtor – camponês nem pode competir para
obter mais terras e nem investir no que já possui. O acesso ao crédito é limitado e o governo
não se interessa pelo pequeno produtor, pois os incentivos são para os produtos de exportação.
84
CONSIDERAÇÕES
em centros latino-americanos, que traz em seu bojo fatos como subemprego, pobreza, atraso
tecnológico, etc., como conseqüência de um sistema industrial dependente, com baixa
capacidade de absorção de mão-de-obra, sendo este fato atribuído à ausência de “mecanismos
ágeis de acumulação capitalista”. Contrariando esta justificativa, o Brasil, na época do
“milagre econômico”, passou a apresentar índices de acumulação jamais vistos, sendo que a
problemática de marginalidade urbana expressa em um terciário cada vez inflado, continuava
em expansão. Nesta perspectiva, observar a marginalidade urbana no Brasil sob a ótica da
política econômica de desenvolvimento adotada é uma forma de camuflar a verdadeira causa
deste problema, ou seja, a acumulação de capitais e de renda por parcela reduzida da
população.
87
CAPÍTULO 2
CIRCULAÇÃO E TRANSPORTES COMO FATORES DE TRANSFORMAÇÃO NA
FEIRA DE ITABAIANA
Itabaiana, conforme já foi salientado, surgiu da expansão da pecuária que deu origem à
famosa feira de gado, razão de ser do núcleo urbano. O fato da feira de gado ter se extinguido
e a feira na cidade ter permanecido, foi um ponto de reflexão que levou a uma análise mais
profunda dos fatores que poderiam ter contribuído para esta permanência. Estes fatores por
sua vez estariam ligados a uma dinâmica de escala maior, de âmbito nacional, mais
especificamente a política nacional de transportes que vêm desde 1930 privilegiando a
construção de rodovias no país. Assim, nesta investigação surgiu a necessidade do estudo dos
meios de comunicação terrestre, as vias e os equipamentos, relacionando este estudo com as
teorias acerca das feiras mercados periódicos nos países periféricos. Os meios de
comunicação terrestre tornaram-se desta forma um estudo imprescindível na compreensão das
transformações recentes que vêm sofrendo a feira de Itabaiana no Agreste da Paraíba
conforme demonstramos na figura 7.
89
O estudo da evolução da Feira de Itabaiana visto a partir das vias de transporte, mostra
que Itabaiana, assim como Campina Grande, historicamente fazem parte da hinterlândia do
Recife, em Pernambuco.
Os mercados periódicos são como núcleos de povoamento que periodicamente se
transformam em centros de comércio. Esta periodicidade pode ocorrer uma ou mais vezes por
semana, durante o período de safra ou conforme outros critérios. Os estudos sobre mercados
periódicos foram realizados em diversos contextos culturais e sócio-econômicos na Ásia,
África e América Latina. Fora dos períodos de intenso movimento comercial, estes núcleos
voltam a ser pacatos núcleos rurais onde a maior parte da população se dedica às atividades
primárias.
Nos dias de feira vendedores dos mais variados produtos, artesãos e prestadores de
serviços amanhecem no centro com suas mercadorias e instrumentos de trabalho. Muitos são
provenientes de outros núcleos onde atuaram no dia anterior e outros, como profissionais mais
qualificados, são oriundos de um centro maior, onde moram e atuam profissionalmente.
Outros vêm das áreas rurais para vender suas produções e comprar o que não produzem.
Historicamente a feira é assim; é o lugar de reunião cotidiana e coletiva; é o mercado onde
90
produtos são exibidos, com possibilidades de barganha e troca. Pois é somente no mercado de
trocas que todas as coisas se tornam ‘valores’, como foi evidenciado por Hannah Arendt. Este
valor consiste na “estima da esfera pública na qual as coisas surgem como mercadorias”; este
valor é “uma qualidade objetiva do próprio objeto”. Os valores reforça Arendt “passam a
existir sempre que os objetos são trazidos para a relatividade da troca, em constante mutação
entre os membros da sociedade”. (ARENDT, 1999, p.77-78)
Quanto aos transportes utilizados, estes podem ser tropas de burros, cavalos, carroças,
bicicletas, motos, caminhões, camionetas, ônibus e até a pé. Todos se encontram na feira.
Assim, sabem das novidades e realizam eventos sociais, culturais e políticos.
O alcance espacial máximo é a área determinada por um raio a partir de uma
localidade central. Dentro desta área, os consumidores deslocam-se efetivamente para a
localidade principal, visando à obtenção de bens e serviços. O tempo gasto e os custos de
transportes são fundamentais na análise do alcance espacial máximo. “O alcance espacial
mínimo compreende a área em torno de uma localidade central, que engloba o mínimo de
consumidores suficientes para que um comerciante ali se instale” (SILVA, 1987, p. 20). O
alcance espacial máximo e o mínimo variam de acordo com os diferentes bens e serviços
oferecidos. O alcance espacial máximo, por sua vez, depende profundamente dos custos de
transporte.
Os transportes passam a ter grande relevância nos estudos referentes à centralidade
urbana, em função da modernidade e da rápida urbanização do mundo subdesenvolvido,
conforme Bromley (1980, p. 646):
De fato, o estudo dos transportes vem assumindo uma grande importância em função
das transformações rápidas na economia mundial. Segundo Pierre George (1980), o estudo
dos transportes admite duas modalidades de estudo: o dos tipos de equipamentos e o dos
tráfegos e fluxos, envolvendo, inclusive, a problemática da qualidade das vias e das infra-
estruturas como pedágios.
91
Uma análise dos transportes na área estudada requer um estudo da evolução histórica
dos transportes, vias e percursos, na medida em que este estudo contribui para a análise da
função dos transportes na dinâmica da feira de Itabaiana, que é o objeto do presente estudo.
No Brasil, a história dos transportes sempre teve uma relação direta com a dinâmica
econômica, que por sua vez obedece a ciclos distintos conforme os ditames do mercado
internacional. O Nordeste açucareiro tinha, até o período da implantação da ferrovia, em
meados do século XIX, sua rede de transporte associada aos rios que penetravam pelas
planícies por onde se estendiam engenhos. O Brasil, colonizado primeiramente no litoral,
fundamentava suas ligações através do transporte marítimo costeiro. O curto período de
instalação de ferrovias ocorreu em função do monopólio das estradas de ferro e sua influência
no mundo. Neste período, os economistas salientavam a função dos meios de transporte,
notadamente o trem, no desenvolvimento dos países novos. É certo que a facilidade de
comunicação estimula as forças produtivas e a história do transporte se confunde com à do
comércio.
O escritor José Américo de Almeida, já na primeira edição de A Paraíba e seus
problemas, publicada em 1923, comentava que o Estado da Paraíba apresentava mais que
qualquer outro, o obstáculo da distância (Almeida, 1980). Este mesmo autor referiu-se à
forma oblonga do território como perturbadora da unidade antropogeográfica e como um fator
de dispersão. O trem de ferro, inicialmente, não avança até o Sertão, fazendo com que a sua
economia fosse absorvida pelo estado vizinho, Pernambuco, já que havia maior facilidade de
ligações do Sertão com Recife do que com João Pessoa (na época, cidade da Parahyba). Esta
realidade pode ser percebida através da rede dendrítica e dos mapas referentes às vias no
período anterior a 1930.
92
Do século XVI até meados do século XIX existiam veredas mata adentro que com o
tempo se transformavam em caminhos cabendo apenas um animal. Com os carros de boi, os
caminhos se alargavam, permanecendo, no entanto, atoleiros que às vezes eram
intransponíveis. Sem dúvida, o cavalo e o carro de boi tiveram grande importância para a
abertura de estradas e para a organização de povoados, vilas e posteriormente, cidades. De
1635 a 1645 existiam apenas dois caminhos na Paraíba: o da Capital em direção ao sul,
alcançando Goiana-PE, e o da Capital em direção ao norte, parando em Copaoba (Serra da
Raiz) e seguindo para o Rio Grande do Norte (Joffily, 1977).
Lembra Irineu Joffily que foram três os primeiros primitivos condutos por onde a
Paraíba recebeu elementos colonizadores, “todos os três na sua fronteira meridional porque
somente desta direção e pela via marítima podia vir-lhe a vida civilizada” (Joffily, 1977,
p.219). A estrada que unia a Pernambuco e por onde chegavam recursos para a defesa e a
estabilidade do pequeno núcleo, tinha o seguinte traçado: partindo de Olinda, passava por
Igarassu, e depois por Goiana, penetrando na Paraíba através de Taquara, Alhandra e Jacoca,
entrava na Capital pelas Marés e depois por Cruz das Armas.
Para as fundações do Rio Grande do Norte e do Ceará esta estrada prolongou-se
acompanhando o litoral. Almeida (1980) diz que em 1620, a conquista do interior já havia
alcançado as terras do atual município de Itabaiana que tinha fazendas de criação. De fato, as
primeiras sesmarias foram concedidas nesta data. No entanto, Maia (1976) diz que estas não
foram logo ocupadas e que a colonização, conforme citado anteriormente só ocorreu com a
concessão de novas sesmarias no século XVIII. Também vimos que Joffily menciona apenas
dois condutos no Estado até 1645 e não inclui Itabaiana nestes dois condutos. Ainda
referindo-nos às vias na direção de Itabaiana, Almeida (1980) comenta a facilidade de trânsito
neste rumo, pelo menos até o aldeamento dos índios tapuias. Esta colocação, no entanto
merece algumas reflexões: Maia (1976), referindo-se à ocupação da área, diz que o caminho
até Pilar percorrido pelos Jesuítas foi margeando o Rio Paraíba. Sabemos por outro lado que
as condições do meio físico da área, ou seja, um relevo suave e ondulado, com uma vegetação
arbustiva e esparsa não se constituía em um grande obstáculo à penetração humana e muito
menos à do gado que tinha também a seu favor um pasto natural. Assim, o “trânsito fácil”
mencionado por Almeida, não se tratava, evidentemente, de uma via explícita já elaborada,
mas um caminho natural, devido à facilidade de penetração ao longo do rio Paraíba, a pé e de
canoa.
93
Seguindo o curso do rio Paraíba em direção ao oeste, uma outra via se abriu, tendo
sido percorrida inicialmente pelo Padre Nantes para a Aldeia dos Cariris no Boqueirão.
Conforme José Américo de Almeida:
A terceira via foi a entrada dos sertanistas vindos a margem do rio São Francisco, na
Bahia. Por aí foi trazido o gado com que se fundaram as primeiras fazendas do alto sertão. A
bandeira de Teodósio de Oliveira Ledo ligou, afinal as zonas conquistadas, estabelecendo as
relações de todo o interior com a sede da capitania.
Joffily (1977, p. 219) diz que anos após a expulsão dos flamengos uma outra estrada
se abriu, partindo do alto sertão, passando em Campina Grande, descendo o Planalto da
Borborema, Ingá, Itabaiana, Pilar, Santa Rita e a Capital. Ao chegar em Campina Grande se
bifurcava para Areia e ao atingir Itabaiana ia para Recife por Itambé, Goiana e Igarassu.
Como em principio, somente Recife se apresentava como centro consumidor de gado, este
vinha do sertão por este caminho, dividindo-se então em boiadas em Itabaiana: uma menor
parte ia para a Capital paraibana e a maior parte destinava-se à capital Pernambucana de
acordo com o cartograma a seguir (ver Fig. 8).
Este caminho ficou conhecido como a Estrada das Boiadas (conforme Fig. 9) e pode-
se dizer que era o principal meio de escoamento do gado do sertão que a esta altura já possuía
uma pecuária de grande importância, ocupando a maior extensão de terras no território
paraibano e concorrendo com 1/3 ou mais das rendas da Paraíba.
94
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10 0 10 20 KM
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30 0 30 60 Km
FONTE: ADAPTADO DE ALMEIDA, JOSÉ AMÉRICO-
A PARAÍBA E SEUS PROBLEMAS
Limited”. De 1901 a 1904, esta companhia encampou todas as vias férreas dos quatros
estados.
Depois de 1901, ocorreram disputas para decidir se a linha de Campina Grande
deveria partir de Itabaiana ou de Alagoa Grande, e após longas discussões os itabaianenses
venceram, sendo esta cidade o ponto de partida. Em 1907 partia o primeiro trem para
Campina Grande. A linha Itabaiana – Campina Grande facilitava o acesso ao Sertão. No
entanto, Campina tinha relações sociais e comerciais com o Recife, para onde se destinavam a
produção agrícola, essencialmente o algodão, bem como o gado. Este desenvolvimento
ferroviário, numa posição relativa quanto ao número de habitantes e à área territorial, deveria
ser suficiente para a dinâmica econômica que dependesse de transporte; no entanto,
permanecia a crise de circulação, já que o interior permaneceu apartado. O prolongamento
para Campina Grande, além de ter contribuído para maior desvio da produção do Estado, não
resolveu as dificuldades de comunicação da zona sertaneja. O comércio não era dinâmico em
função da morosidade da circulação e as mercadorias despachadas para locais próximos
acabavam apodrecendo nas estações.
No Sertão as estradas eram estreitas, pedregosas e descuidadas. Em muitos locais nem
carros de boi passavam. As viagens eram demoradas e os preços dos produtos se elevavam
muito em função disto.
O engenheiro Retumba traçou um plano de estrada de ferro cujo objetivo era ligar o
Brejo ao Sertão, por Areia, já que em Campina Grande a produção era escoada para
Pernambuco. O Brejo, úmido e fértil, através do transporte teria mais condições de abastecer o
Sertão nos períodos secos, além de fazer com que a produção do Sertão tivesse mais acesso à
Capital paraibana e não à pernambucana. Depois de iniciadas as obras, tiveram que parar por
ordem do Governo Federal, com prejuízo do capital empregado. O projeto do Governo
Federal referia-se à construção de estradas de rodagem e não mais à instalação de novas vias
férreas. A ferrovia deixou de transportar passageiros em 1977, embora sua decadência já fosse
sentida a partir dos anos sessenta. Atualmente, circulam trens cargueiros apenas uma ou duas
vezes por semana, no período noturno, o que não impede o uso do leito da ferrovia para a
feira de frutas.
As estradas de rodagem surgem como alternativa para complementar a rede ferroviária
existente e baixar o frete até as estações. Até 1920 só existiam duas estradas de rodagem: da
Capital à Pilar, quase desfeita em Santa Rita e a de Alagoa Grande a Areia, construída pelo
98
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ESTRADA CARROÇAVEL
ESTRADA DE RODAGEM
ESTRADA DE FERRO
30 0 30 60 Km
Itabaiana, além da estrada de ferro, possuía três estradas de rodagem ligando a cidade
a Umbuzeiro, Campina Grande e Itambé, tendo sido mais ainda facilitada a sua comunicação
pela construção da ponte sobre o rio Paraíba.
O sistema rodoviário do Estado, face à dispersão da produção agrícola e à
multiplicidade de destinos da produção não tem de fato, como se tornar competitivo em
relação ao transporte rodoviário. Além do mais, as ferrovias e os trens vão se tornando cada
vez mais obsoletos já que demanda recursos para reconstrução e modernização deste sistema
de transporte. No Brasil, a política viária vem, desde 1930 incentivando os transportes
rodoviários e não os ferroviários.
No Estado da Paraíba, a rede rodoviária se configura a partir de um eixo principal, a
BR-230. Totalmente pavimentada e sob jurisdição federal, esta estrada liga a Capital do
Estado ao mais distante município (Cajazeiras) no sentido longitudinal (leste-oeste). Une os
principais pólos estaduais (Cajazeiras, Souza, Patos, Campina Grande e João Pessoa)
recolhendo e distribuindo o tráfego das rodovias estaduais. Através de outra rodovia federal, a
BR – 101, a Paraíba se liga aos demais centros urbanos do Nordeste, como Recife e Natal. Os
municípios do Brejo paraibano e adjacências estão servidos pelo conjunto de rodovias
estaduais e pavimentadas através do sistema “Anel do Brejo”. Entretanto, vários outros
segmentos do sistema vicinal que interligam rodovias-tronco com centros produtores ou áreas
com vocação para desenvolverem-se economicamente e/ou culturalmente encontram-se em
sua quase totalidade planejadas ou mesmo implantadas, mas sem condições de atendimento às
localidades.
No projeto referente ao programa de rodovias alimentadoras de 1988, realizado pelo
D.E.R – PB havia o seguinte comentário em sua introdução: “O Estado Crítico de
Conservação de Grande Parte das Rodovias Pavimentadas, a Grande Extensão de Rodovias
não Pavimentadas ou Simplesmente a não Existência de Ligações Rodoviárias entre os
Centros de Produção e os de Comercialização e Consumo são Causas Fundamentais que
Poderão Impedir o acesso destes Produtos aos Mercados” (DER, 1988). Assim, o objetivo
deste projeto era priorizar as vias fundamentais para a dinâmica comercial.
Antes de prosseguir, é interessante notar que neste projeto percebe-se ainda a
colocação da problemática dos transportes quanto à distribuição e comercialização dos
produtos agrícolas, tal qual exposta por José Américo de Almeida na década de trinta!
(ALMEIDA, 1980). No projeto, dentre as estradas com prioridade para a restauração estava a
PB – 054, trecho BR – 230 – Itabaiana. Esta estrada construída em 1976, com 19 Km de
101
extensão é uma das mais movimentadas do Estado conforme a tabela 1, que mostra alguns
exemplos para comparação. Informações recentes corroboram essas proporções. Inclusive,
como se observa na referida tabela, o tráfego nessa estrada de ligação cresceu em um ritmo
superior ao de outras rodovias similares na Paraíba. Também na ordem das prioridades para a
pavimentação estava a PB – 082 ligando Itabaiana a Salgado de São Félix, numa extensão de
10 km com um tráfego médio bastante elevado, de 369 veículos diários...Esse projeto de 1988
só foi concluído em 2000. Em 2002 estava sendo construída a nova ponte sobre o rio Paraíba
visando desviar o tráfego pesado do centro do centro da cidade reduzindo os
congestionamentos que ocorrem, sobretudo no dia da feira. Essa nova alternativa de tráfego
talvez reduza o movimento da feira.
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BR-1
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Limite estadual
Rodovia federal
Rodovia estadual
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Principais cidades
VIAS DE COMUNICAÇÃO EM
ALGUNS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA PARAÍBA (2002)
GUARABIRA
CAMPINA
GRANDE
CAJAZEIRAS
ITABAIANA
PATOS
ESTRADA PAVIMENTADA
ESTRADA IMPLANTADA
ESTRADA MUNICPAL
ESTRADA DE FERRO
10 0 10 20 km
BASE CARTOGRÁFICA: MAPA RODOVIÁRIO DER - PB
ELABORADO: CONRAD ROSA E EDUARDO PAZERA JR.
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ÔNIBUS ESPECIAIS
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R. FLORIA MOTO-TÁXI
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO DA
FEIRA
20 0 20 40 60m
GURINHÉM
DESLOCAMENTO DOS CAMINHÕES
PARA ITABAIANA NOS DIAS DE FEIRA
S. JOSÉ
UNA DE S. JOSÉ
MOGEIRO
ITABAIANA
JURIPIRANGA
PEDRAS DE
FOGO
DESLOCAMENTO DE CAMINHONETES
PARA ITABAIANA NOS DIAS DE FEIRA
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JOÃO PESSOA
PILAR
SÍTIO RCH
DO MOGEIRO
MOGEIRO
ITABAIANA
JURIPIRANGA
PEDRAS
DE FOGO
BASE CARTOGRÁFICA: DER
FONTE: PESQUISA DE CAMPO
10 0 10 20 km
Estes ônibus não são cadastrados pela Polícia Rodoviária local, sendo, portanto,
clandestinos. Eles se deslocam para Itabaiana somente nos dias de feira, isto é, nas terças-
feiras. Não existem horários extras de ônibus na rodoviária local nos dias de feira, aumenta,
porém significativamente o número de passageiros nas linhas existentes, na medida em que o
ônibus vai parando por pequenas localidades ao longo do percurso, como é o caso dos ônibus
oriundos de João Pessoa, Recife e Campina Grande.
O dia de pagamento da Prefeitura de Itabaiana é sempre realizado em dias de feira,
aumentando consideravelmente o número de passageiros que se desloca para Itabaiana nestes
dias, estimulando assim a dinâmica comercial da feira. Assim como acontece com os
caminhões-lotação, os ônibus especiais têm um local de origem, que não esclarece a origem
dos usuários em si já que estes são apanhados ao longo do trajeto. Eles são na maioria
consumidores, podendo haver ambulantes e eventualmente feirantes. Predominam as
mulheres e as crianças, que aproveitam o dia de feira para passear, visitar parentes e amigos,
procurar um político em busca de favor e por fim adquirir produtos tanto na feira quanto nas
lojas da cidade.
Os ônibus especiais são provenientes das seguintes localidades: Umbuzeiro, Natuba,
Ingá, Juarez Távora, Gurinhém, Sapé, Cajá, Pilar, Juripiranga, Pedras de Fogo, na Paraíba e
Itambé, Timbaúba (passando por Camutanga) e outras localidades do Estado vizinho de
Pernambuco. (ver Fig. 15)
109
PILAR S. MIGUEL
INGÁ MOGEIRO DE TAIPU
ITABAIANA JURIPIRANGA
CAMUTANGA
TIMBAÚBA
NATUBA
UMBUZEIRO
JOÃO PESSOA
CAMPINA
GRANDE ITABAIANA
TIMBAÚBA
40 0 40 80 km
2.4.3 - Automóveis
Este tipo de veículo predomina estacionado em frente à feira. Não foi possível detectar
com detalhes o tipo de relação entre o usuário do carro e a feira, já que diferentemente dos
caminhões, ônibus e camionetas cujos condutores estavam nas proximidades, os automóveis
estavam trancados sem os donos por perto. Entretanto, em conversa informal com alguns
moradores da cidade, algumas informações foram obtidas. Um carro com placa de Recife, por
exemplo, pertencia a um oftalmologista que vem à Itabaiana toda a semana atender alguns
clientes. Outro carro com placa de João Pessoa pertencia também a um médico que para lá se
desloca semanalmente. Duas Pick-ups com placa de Timbaúba pertenciam a fazendeiros.
Segundo depoimento de moradores, eles se encontram na Casa do Vaqueiro, uma loja de
produtos especializados para fazendas de criação e agricultura, na esquina da Avenida José
Silveira com a Rua Fernando Pessoa, praticamente na “porta” da feira. Nestes encontros
trocam informações em comum e chegam até a realizar negócios de compra e venda de gado.
Sob este aspecto, parece provável afirmar que, apesar de o gado não estar presente na feira,
negócios ainda são realizados aproveitando a função de ponto-de-encontro.
A origem dos carros em dias de feira em Itabaiana tendo por base as placas, apresenta
a seguinte predominância: Timbaúba, Itabaiana, João Pessoa, Campina Grande e Recife. Um
fazendeiro de família reconhecida na região afirmou que Itabaiana tem muita afinidade com
Timbaúba em termos de relações comerciais. Isto em parte explica a predominância dos
carros com placa desta cidade e sugere uma reflexão a respeito dos níveis em que ocorrem as
negociações comerciais quanto ao volume de capital, além de sugerir também uma reflexão a
cerca dos diversos tipos de consumidores que se deslocam para Itabaiana no dia da feira. A
tabela 2, referente à origem dos automóveis estacionados na feira, é bom frisar, fornece
apenas uma indicação relativa. O elevado número de veículos de Recife e João Pessoa deve-
se, simplesmente, ao papel dessas cidades na revenda de automóveis e não significa que
motoristas dessas capitais estejam na feira de Itabaiana. Comparando os vários anos da
pesquisa nota-se um (óbvio!) aumento da motorização dos participantes da feira, tanto dos
feirantes como dos compradores. Questionários aplicados em 1987 indicavam que cerca de
7% dos feirantes possuíam veículo próprio. Em 2002 esse índice chegava a quase 50%! Por
outro lado (o que também é óbvio) o percentual dos feirantes que vinham a pé passou de 40%
para 15%!
111
CONSIDERAÇÕES
A partir destes elementos realçados podemos inferir que existe uma relação direta,
histórica inclusive, do sistema de comunicação terrestre com a dinâmica e, portanto, com as
transformações que a feira vem sofrendo ao longo de sua existência Se no passado a
introdução da ferrovia incrementou a já existente feira de gado, a extinção da mesma não
abalou o comércio local, já que a introdução das rodovias dinamizou a comercialização de
produtos agrícolas tornando o produtor mais próximo da cidade através das diversas
modalidades de transporte que passaram a percorrer os diversos itinerários rurais. As rodovias
beneficiaram também outros negociantes da feira, os vendedores de produtos manufaturados
de diversas naturezas oriundos dos centros maiores de produção e comércio como Campina
Grande e Recife, principalmente, que além das rodovias têm ao seu dispor os equipamentos
de transporte, que facilitam o comércio com diversas outras feiras, inclusive.
Contudo, o grande impacto da expansão rodoviária foi a intensificação do uso do
caminhão, sobretudo para o transporte do gado diretamente para os frigoríficos. Se a
introdução das rodovias contribuiu para o fim da feira de gado, responsável pela importância
da feira e da cidade de Itabaiana na primeira metade do século passado, introduziu, por outro
lado, diversos tipos de transportes, possibilitando desta forma o comércio de outros produtos
além dos agrícolas, como os manufaturados, além de minimizar distâncias, e aumentar a área
de influência tornando os negócios mais dinâmicos na medida em que aumentou o número de
consumidores. Desta forma, foi mantida, através da introdução de novas vias e de uma
variedade de meios de transporte, a posição estratégica de Itabaiana, mantendo-se assim a sua
relevância comercial na área do Agreste Baixo da Paraíba.
116
CAPÍTULO 3
A INSERÇÃO DO PEQUENO PRODUTOR NA FEIRA
A feira no interior
é um evento especial
torna tradicional
com elevado valor
comparece o agricultor
para a compra realizar
indo vender ou trocar
a miuceira criada
ou legume da enxada
para a renda completar
O objeto deste capítulo será o pequeno produtor rural, seja ele proprietário da terra
onde trabalha, ou não, e que se dirige à feira, para comercializar parte de sua produção. No
decorrer da investigação nos surpreendemos ao comprovar a diminuição do número de
pequenos produtores comercializando na feira, o que nos levou a buscar explicações para o
fato. Para tanto, fez-se necessário um levantamento da situação fundiária do município, bem
como da produção, da evolução da população economicamente ativa e das relações de
trabalho que concernem a estes pequenos produtores rurais. Desta forma, além do
levantamento bibliográfico realizado, procuramos obter dados, no INCRA, IBGE e Prefeitura
Municipal, e junto aos (próprios) pequenos produtores rurais nas nossas entrevistas informais
e nos questionários aplicados.
Para se entender a atual situação do pequeno produtor, fez-se mister um rápido estudo
acerca das recentes transformações por que vem passando a ocupação do espaço agrário, e
que são a base da resposta ao principal questionamento, o porquê dos pequenos produtores
estarem se afastando do mercado (Carneiro e Silva, 1993, p. 4).
A ocupação e o povoamento inicial do Agreste e do Sertão estão diretamente
relacionados ao processo de evolução da atividade canavieira no litoral. Esta, no seu apogeu,
em virtude da especialização das terras na produção de cana, forçam a separação das
atividades agrícolas e pecuárias. Resultando numa divisão regional do trabalho: a Zona da
Mata voltada para a produção do açúcar e o interior (Agreste e Sertão) voltado para a
produção de gêneros alimentícios e de gado. Este tem sido o quadro em que se moldou a
ocupação de Itabaiana, no Agreste da Paraíba, conforme já salientamos.
O que de concreto o programa trouxe foi o fomento da produção de álcool, que já teve,
particularmente no setor canavieiro, um aumento da ordem de 980% no período
compreendido entre 1975/82, conforme mostra a figura 16, e a ampla modernização das
destilarias já existentes, bem como a instalação de 22 novas destilarias, assim distribuídas: 02
no Rio Grande do Norte; 06 na Paraíba; 05 em Pernambuco; 08 em Alagoas e 01 em Sergipe.
O programa pretendia, ainda, na sua proposta original, se estender à área social, mas tais
objetivos nunca foram executados devido ao controle dos grandes proprietários.
As disparidades regionais aumentaram: das 144 destilarias implantadas até 1979, cerca
de 35% estavam na região Norte-Nordeste (ao passo que o Centro-Sul detinha os 65%
restantes), sendo que das 55 destilarias da região implantadas até 1980, 25 estavam no Estado
de Pernambuco. As disparidades individuais de renda no meio rural aumentaram, na medida
em que os pequenos produtores são expulsos das terras em que trabalham, passando a ocupar-
se noutras atividades ou como assalariados- temporários, bóias-frias. Ressalta-se, ainda, que a
exploração sobre as mulheres e as crianças é maior, pois além de formarem um grande
contingente, recebem 50% menos que os homens para executarem a mesma tarefa.
123
forma (assim chamada) de não capitalista: arrendamento, parceria, morador, com culturas
alimentares.
TABELA 6 - ITABAIANA – PB. UTILIZAÇÃO DAS TERRAS COM PASTAGEM E EFETIVOS DOS
REBANHOS BOVINOS
Produtos Área Quant. Área Quant. Área Quant. Área Quant. Área Quant.
colhida (t) colhida (t) colhida (t) colhida (t) colhida (t)
(ha) (há) (ha) (ha) (ha)
1980 1988 1990 1995* 2000*
Algodão herbáceo 300 83 524 419 300 285 100 70 150 36
Amendoim 150 75 250 175 250 200 120 60 150 75
Cana-de-açúcar 200 10.000 1.500 105.000 1.300 62.400 1.929 83.580 180 9000
Feijão 533 77 752 376 800 400 760 152 600 180
Mandioca 350 2.650 126 1.134 150 1.200 200 2.400 51 612
Milho 595 78 752 376 800 400 1.100 2.053 1.200 720
Produtos Área Quant. Área Quant. Área Quant. Área Quant. Área Quant.
colhida (mil colhida (mil colhida (mil colhida (mil colhida (mil
(ha) frutos) (ha) frutos) (ha) frutos) (ha) frutos) (ha) frutos)
1980 1988 1990 1995* 2000*
Banana - - 5 7 5 7 2 3 3 5
das terras ocupadas e os latifúndios 25%. Importa relembrar que este foi o período de maior
expansão da cultura canavieira e da pecuária. Os minifúndios foram os mais atingidos nesse
processo, pois, além de perderem em área total, tiveram a extensão média dos imóveis
reduzidas de 9,5 ha em 1976 para 6,1ha em 1989. Os dados cadastrais de 1992 mantêm
proporções semelhantes, embora tenha aumentado o número de minifúndios e empresas
rurais. O tamanho médio das propriedades que em 1972 era de 9,4 hectares passou a 6,45 ha
em 1992, Infelizmente, as mudanças posteriores na metodologia de coleta de dados do
INCRA dificultam a comparação histórica, mas é fora de dúvida que esses extremos
continuam válidos, apesar das tímidas tentativas de reforma agrária. Depois de muitas
delongas, Itabaiana foi beneficiada com um assentamento do INCRA visando dirimir
conflitos no campo.
130
22.40
8
FONTE: INCRA – Estatísticas Cadastrais. Cadastro: 1972, 1976, 1989, 1992.
131
Em nossas entrevistas com alguns feirantes de Itabaiana detectamos que uma das
primeiras queixas destes, em suas maioria ex-agricultores, era a falta de emprego e de terras
para trabalhar. Na opinião deles, caso tivessem possibilidade de escolha, ainda estariam na
roça. Do total de 93 entrevistados cerca de 41 responderam “agricultor” à pergunta referente à
sua profissão anterior e 9 deles declararam que ainda trabalhavam na lavoura nos dias em que
não estavam na feira. A partir daí nos perguntamos como estaria a situação do pequeno
produtor que comercializa na feira e até que ponto as mudanças ocorridas na organização do
espaço agrário afetaria suas participação, uma vez que é tradicional a presença de pequenos
produtores nas feiras. Estes podem ser apenas produtores que comercializam o que produzem
ou podem ser produtores-revendedores, que além de venderem seus próprios produtos,
adquirem outros com finalidade de aumentar seus ganhos.
A questão do trabalho do pequeno produtor rural na feira de Itabaiana está, a nosso
ver, diretamente relacionada a uma estrutura fundiária desigual e a um conjunto de relações de
trabalho que se apresenta na forma de sociedade de classes onde existem proprietários de
terras, grandes ou pequenos, e os trabalhadores rurais. Estes últimos apresentando várias
nuances: assalariados, parceiros, meeiros, arrendatários. Associando a isto, soma-se uma
política de desenvolvimento agrícola bastante ineficiente e que só favorece a produção de
culturas de exportação em detrimento da policultura alimentar, esta última produzida
principalmente pelos pequenos. Na verdade, as mudanças ocorridas na organização do espaço
do município, são conseqüência do grande investimento de capital na agropecuária e dos
mecanismos por ele desenvolvidos para sua reprodução e garantia de rentabilidade. Ou seja, a
maximização de lucro com o mínimo de custos e riscos.
O desenvolvimento da monocultura canavieira favoreceu a concentração do capital
tanto como fortaleceu a concentração da propriedade da terra. Ressaltamos que, no período
compreendido entre 1975 e 1996, na Paraíba, ocorreram 71 conflitos pela posse da terra, que
vieram a público, sendo 26 destes nos municípios compreendidos na microrregião Agro-
pastoril do Baixo Paraíba. Em Itabaiana foram 6; alguns até os dias de hoje ainda não foram
resolvidos integralmente. Um deles, em Itabaiana, resultou na morte de um trabalhador.
(MOREIRA, 1997, p.188).
A mecanização adotada principalmente após a implantação do PROALCOOL, permite
que apenas um homem realize o trabalho de vários outros, sendo desta forma, desnecessário,
132
ao produtor de cana, ter em sua propriedade parceiro ou moradores. Foi esse processo de
avanço do capitalismo que levou a substituição de culturas e a conseqüente exploração e
proletarização total ou parcial, do pequeno produtor agrícola. Como destaca Cantalice (1985,
p. 138) “o capitalismo cria, destrói, mantém, recria e adapta quaisquer formas de
organização da produção, enquanto não prescindir o seu papel para acumulação, face a
outra alternativa mais lucrativa”.
Analisando o crescimento da população do município, com base nos censos e segundo
a tabela 10, verificamos um decréscimo da ordem de 24% na população rural entre 1970 e
1980 e de 35% quando comparadas aos valores de 1991. A população urbana, nos mesmo
período, cresceu 27% e 33% respectivamente. Já mencionamos, anteriormente, que nos
últimos censos a população total do município sofreu uma pequena redução como corolário da
emigração. Os dados referidos são o reflexo do avanço da monocultura da cana e
posteriormente, das pastagens, sobre a tradicional policultura da região, e que acabou por
expulsar os trabalhadores do campo. A divisão do trabalho no território paraibano sempre se
caracterizou pelo predomínio do setor primário, tanto que no censo demográfico de 1980 mais
de 50% da população economicamente ativa a ele estava ligada.
No município de Itabaiana isto ocorreu até 1970 quando 50,7% das pessoas afirmavam
estar trabalhando no setor primário contra 30% no setor secundário. Em 1980 a situação se
inverteu, o setor primário passou a ocupar 32,3% da população e o secundário 50,8%,
conforme a tabela 11. Nos censos posteriores acentua-se a tendência para redução do setor
primário e expansão mais acentuada no terciário, embora a mudança de metodologia de coleta
de dados do IBGE (nos censos de 1991 e 2000) não possibilite uma quantificação exata. Ao
mesmo tempo, no tocante às relações de trabalho propriamente ditas, observa-se no município
de Itabaiana uma elevação no número de empregados temporários e permanentes (Tab. 12),
133
pois o capital não mais necessita das antigas formas de organização da produção (relações de
trabalho ditas “pré-capitalistas”), parceiro, meeiro, etc, para se reproduzir.
Em nosso entender, estas relações, ditas “não-capitalistas” são tão capitalistas quanto o
assalariamento. Embora os trabalhadores não recebam um salário, eles têm sua força de
trabalho explorado ao máximo, pois além de beneficiar a propriedade alheia, ainda são
obrigados a pagar por esse beneficiamento, na forma de renda ou foro, e para conseguir
produzir algum excedente necessitam duplicar sua carga de trabalho.
Vieira (1986) distinguiu um grande número de formas de exploração do pequeno
produtor agrícola, que praticamente nos passam despercebidas, por já termos incorporados em
nosso modo de encarar a sociedade, como corriqueiras. Eis algumas:
Exemplo disto nos foi dado por um pequeno produtor de amendoim que
comercializava frutas na feira. Ele acaba de beneficiar uma outra área (destocou) e recebeu do
patrão o direito de uso da terra por 3 anos, sem pagamento. Mas, ele não possui nenhuma
135
garantia de que ficará na terra, pelo tempo acordado, pois não foi firmado contrato. O acordo
foi verbal, podendo ser rompido unilateralmente, a qualquer momento. Esta nova área será
usada para o plantio de amendoim, pelo fato de ser sua atual produção muito pequena, mal
dando para pagar a renda e sustentar a família.
No setor da feira destinado ao comércio de animais, encontramos vários pequenos
produtores, de amendoim, inhame, batata, macaxeira e até mesmo cana, que negociavam com
os bichos por não conseguirem tirar da terra o suficiente para garantir um bom lucro na feira.
Assim, eles chegam na noite anterior com seus cercados e gaiolões; alguns já trazem os
animais das suas próprias localidades, adquiridos principalmente de vizinhos. Outros
preferem comprar os animais da própria feira.
É bastante comum vermos pessoas chegarem à feira com uma ou duas galinhas, em
geral pequenos sitiantes, alguns ovos, um porco, uma cabra, etc., para venderem aos feirantes
e com isto conseguir algum dinheiro a mais para as compras. Presenciamos um caso em que a
venda de uma galinha seria o único dinheiro que uma senhora teria para a suas compras na
feira.
Um dos nossos entrevistados jovem de 23 anos há 15 anos que trabalha na feira com o
pai vendendo galinhas, nos informou que na sua propriedade foram plantados 5 ha de inhame,
mas a seca reduziu a área a menos de 2 ha trazendo grande prejuízo e que se não fosse a feira
seria bem pior. É a partir daí que a feira se insere no contexto capitalista atual, na medida que
ao servir com alternativa de sobrevivência para os pequenos produtores e outras pessoas que
dela se valem para o comércio de produtos industriais ou não, ela contribui para minimizar as
tensões provocadas pela expropriação-exploração do homem do campo.
A emancipação do trabalho e a emancipação das classes trabalhadoras em relação à
opressão e à exploração certamente significam progresso na direção da não-violência (Arendt,
1999, p.141). A emancipação do trabalho, nos termos de Marx, equivale à emancipação da
necessidade, o que significa a emancipação em relação ao próprio consumo. Neste sentido a
forma de trabalho emancipada pode ser toda e qualquer ligação que subordine outras para o
consumo, incluídas as frivolidades. Estas, uma vez afastadas, entram em vigor a dinâmica das
necessidades vitais. Porém, como demonstra Arendt nenhum objeto do mundo estará a salvo
do consumo e da aniquilação do consumo.
Um outro entrevistado, (vendedor de aves), proprietário de uma área de 9,3 ha disse
que na sua propriedade ele só plantava cana-de-açúcar e que por não ser “agregado” a
ninguém vende sua lavoura a quem pagar mais ou chegar primeiro. “Vendo na feira há mais
136
de 30 anos e só continuo para não perder o jeito, a gente nunca sabe o futuro. Mas o que eu
ganho dá pra viver”. Este senhor de mais de 60 anos foi o único que não se queixou da sua
condição, talvez pela idade ou pelo fato de ser proprietário da terra em que trabalha e
produzindo uma “mercadoria” de venda garantida. Um fato, porém é unânime, todos nos
disseram que preferem o trabalho na roça, do preparo à colheita, ao trabalho na feira, que é
muito agitado e corrido, com muito risco de prejuízo. Eles dizem que precisam “brigar” pelo
freguês, gritando mais alto e fazendo “negócio” para vender no mínimo a metade do que
levou a feira, senão não vale a pena. (Carneiro e Silva, 1993 p. 33)
137
CONSIDERAÇÕES
CAPÍTULO 4
A INSERÇÃO DO AMBULANTE NA FEIRA
Ainda que pareça um truísmo, neste capítulo, para os efeitos desta pesquisa,
entendemos por “ambulante” aquele ambulante “propriamente dito”, ou seja, o vendedor que
efetivamente circula, não tem um ponto fixo, perambula. A opção pelo estudo do ambulante
na feira foi motivada pela observação, em campo, do elevado número de pessoas a
perambular pela feira ou que, munidas de um pequeno expositor, tabuleiro, por exemplo,
freqüentemente “destoam” da estrutura da feira por ficarem “circulando” em locais que já
teriam sido predeterminados pela Prefeitura para a colocação de determinados tipos de
barracas e/ou produtos. Esta escolha foi também motivada pelo interesse em se estabelecer
um confronto entre as informações contidas na bibliografia consultada acerca do comércio
ambulante nas cidades e sobre o circuito informal da economia, com a realidade concreta do
pequeno espaço da feira de Itabaiana e do próprio município.
Carvalho dá a seguinte definição para os comerciantes de rua: “Os camelôs não são
sindicalizados nem têm licença da Prefeitura para o exercício da atividade comercial. Os
ambulantes são cadastrados na Prefeitura, têm licença e são sindicalizados” (1989, p.20). No
entanto, como este trabalho refere-se ao comércio de rua da cidade do Recife, para o nosso
objetivo fez-se necessário uma adaptação destes conceitos à realidade de Itabaiana, onde a
forma de coleta das taxas por parte da Prefeitura, através do espaço ocupado em dias de feira,
deixa margem para que o número de pessoas trabalhando na feira varie a cada dia de feira.
Com isto resolveu-se que, para este estudo, a definição de ambulante, para a feira de
Itabaiana, é o comerciante que se desloca dentro da feira, comercializa em locais fora
daqueles predeterminados pela Prefeitura, atua como ambulante em outras feiras e em outras
cidades em outros dias e que não é cadastrado pela Prefeitura. Ademais, o que nos parece
mais importante, os itabaianenses os denominam ambulantes e não empregam o termo
“camelô”.
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FRUTAS
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NOS I IGO
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O
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O
AG FRUTAS
HO JUNH
JUL O
Alguns acham também, que são discriminados, seja no comércio, (pois alguns
estabelecimentos exigem a comprovação de renda para que se possa comprar a crédito), seja
por parte das pessoas que dizem que o ambulante só trabalha quando quer. A esse respeito
uma das entrevistadas deu um depoimento interessante, que por ser muito prolixo aqui será
sintetizado. Em linhas gerais ela não possui capital suficiente para negociar apenas com
mercadorias próprias, tendo que recorrer a um atacadista para conseguir mais tecidos para
ofertar a clientela. Ao final da semana presta contas ao atacadista dos tecidos do qual
comprou que vendeu e recebe uma pequena comissão. Caso não possa comparecer no dia
marcado serão cobrados juros sobre a quantidade de tecidos que lhe foi cedido. Assim,
mesmo negociando em outras feiras, ela não consegue melhorar a sua situação e afirma que se
tivesse condição deixaria o comércio. Porém para agravar seu problema ela é uma ex-
agricultora, portanto, sem qualificação profissional, não cursou nenhum ano a escola, o que
sabe aprendeu com a experiência e possui a idade “avançada”, de 55 anos. Desta forma ela
está três vezes fora das exigências do mercado de trabalho. Para esta mulher sofrida, que criou
sozinha os três filhos, não há outra alternativa senão continuar na atividade de ambulante,
mesmo com tantas dificuldades, pois nas palavras dela, “eu não vou morrer de fome”
(CARNEIRO, 1993, p.36).
Dentre os ambulantes que freqüentam a feira de Itabaiana 2/3 residem em outros
municípios e quase todos trabalham em outras feiras além da de Itabaiana. (ver Fig. 18)
Seguem um critério bastante razoável, ao nosso ver, de aproveitar o dia de feira de seus
respectivos municípios de residência. Primeiro pela economia que fazem por não precisarem
pagar transporte, segundo como a feira só funciona até ao meio-dia podem aproveitar o resto
do dia para descansar ou resolver outros problemas. Mas também há aqueles que não
trabalham em seus municípios de residência, 30% do total dos entrevistados, preferindo tirar o
dia para o descanso semanal. Os demais utilizam outros dias da semana para descansar sendo
que o dia preferido por 43% dos entrevistados é a sexta-feira, 19% preferem a quarta-feira e
8% preferem o domingo. Esse descanso poderá resultar da existência de ‘tempo de folga’
conquistada sobre o trabalho, ou de uma ‘abstenção’ consciente da atividade de trabalhar
(ARENDT, op.cit., p.114).
146
Alagoa
Grande Sapé
Gurinhém
Bayeux
João
Pessoa
Pilar
Mogeiro
Ingá
Itabaiana
Sal. S. Felix
Itambé
Timbaúba
20 0 20 40 Km
O trabalho na feira é regido por uma lógica da necessidade, em que relações sociais e
vida comunitária são importantes para sua existência. Embora o referido trabalho na feira seja
regido antes de tudo pelo mercado e pelo capitalismo industrial, o consumidor traz de casa o
costume e o feirante o trabalho, ou a profissão e faz disso um hábito semanal. O espaço que
eles ocupam (consumidor e feirante) é um espaço interativo, posto que todas as pessoas que
por aqui circulam expressam riqueza em experiência, cultura e costume. Os costumes não
devem ser entendidos
Oitizeiro). Trabalha-se também em: Santa Rita, Alhandra, Mogeiro, Gurinhém e Juarez
Távora. É pouco menos significativa a atuação desses mesmos ambulantes nas segundas-
feiras: Belém, Itambé-PE e Pedras de Fogo (vale ressaltar que Itambé-PE e Pedras de Fogo-
PB são separadas administrativamente pelo meio de uma rua...). Nas quartas-feiras a maioria
trabalha em Timbaúba-PE e Guarabira.
149
Areia
Sapé
Juarez
Távora
Pilar
Ingá
Itabaiana
Sal. S. Felix
Goiana
Deslocamento no Domingo
20 0 20 40 Km
Belém
Guarabira
Sapé
Pilar
Ingá
Itabaiana
Itambé
Timbaúba
Deslocamento na Segunda
20 0 20 40 Km
Deslocamento na Quarta
Areia
Sapé
Pilar
Ingá
Itabaiana
Sal. S. Felix
Goiana
20 0 20 40 Km
SÁBADO
QUINTA-FEIRA
BASE CARTOGRÁFICA: IBGE
FONTE: PESQUISA DE CAMPO
No tocante ao tempo de trabalho como ambulantes na feira detectou-se que 57% estão
entre menos de 1 e 5 anos, que pode ser justificado pelo atrativo que a feira exerce frente à
facilidade de instalação. Basta chegar, expor a mercadoria, pagar (eventualmente) a taxa ao
fiscal da Prefeitura e aguardar os compradores. Dentro deste percentual apresentado 33,3%
trabalham há menos de 1 ano, o que comprova que o crescente aumento no número de
desempregados no país influi diretamente na dinâmica dos ambulantes na feira.
A distribuição por sexo é outro fator que foi analisado, sendo observado que os
homens são maioria, 67%, contra apenas 33% de mulheres, que não podem se dedicar
inteiramente ao comércio por causa das obrigações em casa. Ao ser observado este item, há
que se reportar à condição de vida da mulher nordestina, sobretudo da zona rural, que além de
auxiliar o marido nas tarefas para o sustento da família, quer no roçado, quer no comércio,
ainda é responsável pela educação dos filhos, pelos afazeres domésticos, e outras “coisas de
mulher”, na expressão das próprias mulheres...
O trabalho ambulante na feira não é apenas mais uma das muitas atividades que
podem ser nela desenvolvidas é, acima de tudo, um refúgio para todas as pessoas que, estando
sem emprego, buscam nesta atividade uma forma de garantir sua sobrevivência. Dentro deste
contexto fez-se necessário um estudo das transformações ocorridas no uso do solo do
município de Itabaiana, para que se pudesse relacionar a interferência do capital na agricultura
e suas implicações sociais, no aumento do número de ambulantes que passaram a atuar na
feira de Itabaiana.
A não ser pelas referências na tese pioneira de Nilson C. Barros, sobre o comércio
ambulante em Campina Grande (BARROS, 1987) e da observação geral de Diniz, 1987,
praticamente inexiste dentro da bibliografia consultada, qualquer menção ao comércio
ambulante dentro das feiras nordestinas. Contudo, a bibliografia recente sobre o ambulante
nas metrópoles é relativamente extensa (YÁZIGI, 2000). No entanto, este estudo constatou
que ele já está inserido dentro do fenômeno das feiras. O que ocorre é uma generalização de
todos os comerciantes que atuam na feira sob a denominação de feirante ou feirante-
ambulante, por sua itinerância. Contudo, a itinerância do ambulante é um traço marcante, já
que ele se desloca “dentro” do espaço da feira. Aqui os ambulantes da feira adquiriram sua
153
no caso dos ambulantes, que são levadas ao local de venda no início da manhã e trazidas de
volta para casa no final da tarde.
ser um prolongamento dos canaviais do tabuleiro que invadiram o Agreste. Neste contexto a
feira passa a ser um referencial para a população, agora desprovida de meios de subsistência e
morando nas favelas que florescem na cidade, como uma alternativa de trabalho. Sua função e
estrutura, agora, estão voltadas para esta nova realidade social e econômica, que pode ser
comprovada pelo número de residentes no campo e na cidade.
Na dissertação de Paulo Galvão, referente à feira de João Pessoa, foi estabelecida um
periodização que mutatis mutandis bem se aplicaria ao caso presente:
CONSIDERAÇÕES
CAPÍTULO 5
A CARNE BOVINA NA FEIRA DE ITABAIANA
Como a pecuária bovina foi responsável pelo próprio surgimento do núcleo urbano e
da feira de Itabaiana, neste capítulo pretende-se determinar o papel da feira na produção,
industrialização e comercialização da carne bovina no município. Vimos que o gado até a
década de sessenta era o principal produto comercializado na feira, em currais. Com a
expansão das rodovias, o gado deixou de ser comercializado na feira, passando a ser
comercializado somente como produto final para consumo: a carne e seus subprodutos. No
entanto, foi observado que, apesar do gado não mais ser comercializado na feira, esta ainda
mantém-se como ponto de encontro dos fazendeiros para as negociações.
Isto posto, este estudo mostrou como se dão atualmente as formas de comercialização
da carne na feira, levando em consideração todo o processo produtivo da mesma no município
como um todo, relacionando ao mesmo tempo com a dinâmica da pecuária aos níveis regional
e nacional, no sentido de tornar mais claro o processo de transição entre a venda do gado
tradicionalmente realizada na feira e a modernização da pecuária no município.
incremento de 112,3%, isto é, passou de 56 para 119 milhões de cabeças, ou seja, que a
bovinocultura registrou uma taxa média geométrica anual de crescimento (i) de 3,8% ao ano.
Grandes
Regiões e Quantidade de bovinos em mil cabeças
Unidades da
Federação 1960 % 1970 % 1980 % 1998* %
NORTE 1.235 2,2 1.606 2,0 3.688 3,1 21.098 12,9
Rondônia 3 23 200 5.104
Acre 33 72 298 906
Amazonas 141 261 350 809
Roraima 167 236 326 424
Pará 315 1.037 2.411 8.337
Amapá 16 67 52 74
NORDESTE 11.356 13.000 17,5 21.376 13,4 21.980 13,4
Maranhão 1.381 1.465 2.836 3.936
Piauí 1.136 1.193 1.595 1.750
Ceará 1.354 1.004 2.434 2.114
R. Grande do
Norte 487 603 906 793
Paraíba 766 863 1.296 928
Pernambuco 930 1.183 1.858 1.470
Alagoas 412 480 833 899
Sergipe 495 614 1.006 918
Bahia 4.595 5.625 9.090 9.168
SUDESTE 21.039 37,5 26.726 34,1 35.126 29,5 37.073 22,9
Minas Gerais 11.964 15.080 19.615 20.501
Espírito Santo 654 1.380 1.870 1.938
R. de Janeiro 1.073 1.184 1.774 1.881
São Paulo 7.131 9.082 11.867 12.753
SUL 11.678 20,8 18.925 24,1 24.609 20,7 26.599 16,3
Paraná 1.666 4.681 7.915 9.766
Santa Catarina 1.202 1.956 2.621 3.090
R. Grande do Sul
8.810 12.288 14.082 13.743
CENTRO- 10.533 18,8 17.180 33.673 56.401 33,4
OESTE
Mato Grosso do
Sul 5.654 9.394 11.904 21.421
Mato Grosso 5.249 16.751
Goiás 4.863 7.756 16.454 18.118
Distrito Federal 16 30 66 110
BRASIL 56.041 78.257 118.971 163.154
60
50
40
Milhões de cabeças
30
20
10
0
1960 1965 1970 1975 1980 1998
Anos
NORTE SUDESTE
CENTRO-OESTE NORDESTE
produção leiteira. Daí ter sido a primeira região a ingressar no comércio brasileiro de
exportação de carne.
Nesse período o Estado é abastecido por gado importado e também pelos movimentos dos
criadores que mantém campos de engorda confinada em pequena escala. A produção pecuária
acha-se disseminada em todo o Estado, praticamente na Paraíba não há zonas de alta
concentração de produção de gado.
O surgimento do município de Itabaiana tal como sua própria feira deu-se em função
da atividade pecuária, conforme já salientamos anteriormente, que por sua vez, foi implantada
naquele espaço, em parte, devido às condições favoráveis. Era uma área que ficava no
caminho da penetração do gado para o interior nordestino conforme figura 23.
166
ITABAIANA
Como a região era propícia à criação de gado, fato já citado anteriormente, a feira que
ganhou maior destaque foi a feira de gado pela sua grande importância econômica e dimensão
espacial. Criada pela lei 140, quando Itabaiana ainda era povoado, esta feira foi muito
representativa; foi ela quem deu início ao desenvolvimento progressivo da região, pois com o
aumento da população, Itabaiana tornou-se município em abril de 1890.
Desta forma, a feira de gado correspondia à própria atividade pecuária desenvolvida
pelo município e colaborava de forma significativa para o seu desenvolvimento econômico. O
primeiro mercado público, assim como o primeiro ponto de venda de carne da cidade foram
frutos desta feira. Esta feira perdurou por 100 anos, de 1864, época de sua criação, até 1964.
Seu desaparecimento, segundo Sabiniano Maia (MAIA, 1976), deu-se devido ao surgimento e
a intensificação da malha rodoviária. Tal feito implicou no maior uso de caminhões e
automóveis, propiciando a comercialização do gado diretamente nas fazendas. O rebanho foi
poupado das longas caminhadas que ocasionavam perdas de peso, doenças, etc. Era o início
do sistema comercial moderno de compra e venda de gado, utilizado nos grandes centros do
país, assunto que será evidenciado no tópico comercialização.
Como foi mencionado anteriormente, no período entre 1970 – 2000, o rebanho bovino
da Paraíba obteve um crescimento na ordem de 4,1% ao ano. Em Itabaiana, seu rebanho
bovino obteve um crescimento altamente significativo, na ordem de 28,8%. A área destinada
às pastagens artificiais cresceu assustadoramente. Isto é, passara, de 749 hectares para 6.429
hectares, conforme mencionado anteriormente (rever tabela 9). Esse crescimento foi
decorrente em grande parte, devido a uma política governamental, sobretudo do poder
executivo estadual, empreendendo vários projetos que direta e indiretamente estavam ligados
à pecuária: programa de desenvolvimento de áreas integradas no Nordeste-
POLONORDESTE; Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semi-árida
do Nordeste – Projeto Sertanejo; Pró-Várzeas e outros.
O apoio creditício com taxas de juros muito baixos acompanhada de um longo período
de carência, foram os determinantes principais para a referida expansão. É importante
destacar os melhoramentos adquiridos no que diz respeito ao manejo da criação do rebanho;
na alimentação, a melhoria das pastagens naturais, na utilização mais freqüente das pastagens
artificiais e no uso de rações alimentares mais ricas em ingredientes nutritivos. Nas condições
sanitárias dos animais, salienta-se a difusão do uso de vacinas e de medicamentos em todas as
fazendas produtoras. A assistência veterinária é mais freqüente nas médias e grandes
fazendas.
169
Outro fato bastante interessante no que tange à qualidade dos rebanhos é a introdução
de técnicas modernas, utilizadas nos grandes centros produtores de gado. Pois, em Itabaiana, o
controle de reprodução dos animais através da técnica de inseminação artificial já está sendo
praticada em algumas fazendas do município.
de João Pessoa, capital do Estado, proporcionando uma situação distinta dos outros
municípios que contam com matadouros municipais semelhantes ao de Itabaiana, que
funciona em condições de abate artesanal, sem perspectiva de melhoramentos.
os chifres e couros, para reprocessamento. A carcaça (isto é, o peso do animal abatido no fim
da linha de abate) é vendida para os retalhistas nas feiras-mercado público e às vezes, vende
para fornecedores. Os “fatos”, como se denominam as partes que correspondem as vísceras e
intestinos do animal abatido, são vendidos para as fateiras que os encaminham para a feira.
O Boiadeiro é a pessoa possuidora de caminhão engradado. Possui menos capital que
o marchante; dedica-se à compra dos animais nas fazendas, até completar o caminhão que
logo o transporta até os currais do matadouro. Geralmente vende para os marchantes e/ou
fornecedores.
O Fornecedor é a pessoa que possui capital, habita nas imediações do matadouro ou do
posto de abate. Mantém contatos freqüentes com boiadeiros, aos quais paga pelo abate do
gado que lhes compra e, conseqüentemente, distribui as carcaças aos retalhistas que as
vendem na feira. Freqüentemente compra carcaças aos marchantes.
Os Retalhistas são as pessoas (feirantes que vendem carne a varejo) que compram as
carcaças dos marchantes e dos fornecedores e as revendem em forma de retalhos – pedaços de
carne já cortados, pesando em média 500 gramas – separados e expostos em cima da bancada
e/ou dependuradas em ganchos. A maioria desses feirantes recebe a carne verde na
madrugada do dia da feira, sem pagamento algum, só no final do dia de venda, realizam seus
pagamentos aos marchantes e aos fornecedores.
Finalmente as Fateiras, pessoas que se dedicam a “tratar o fato” geralmente, nas
instalações do próprio matadouro. Este trabalho é feito na maioria das vezes por mulheres que
compram “os fatos” aos marchantes e fornecedores, limpam e vendem na feira, e/ou fornecem
o produto a outros feirantes.
Justifica-se o interesse pelos produtos bovinos levados em consideração na pesquisa
pelo simples fato deles fazerem parte da preferência e dos costumes alimentares não só dos
habitantes de Itabaiana, mas também dos outros compradores da feira. É importante notar que
o conjunto de todas as etapas por onde passam os produtos bovinos, estão sob o controle
desses intermediários. Dessa forma, distinguem-se dois níveis de comércio: o nível atacadista
e o nível varejista, ambos configurados pelos marchantes/boiadeiros/fornecedores e
retalhistas/fateiras, respectivamente. A comercialização da carne bovina em Itabaiana se
realizava única e exclusivamente na sua feira, dentro do mercado público até, muito
recentemente, conforme mencionamos.
O mercado público é uma área delimitada por muros de alvenaria. Possui infra-
estrutura: água, esgoto e eletricidade, sua área está distribuída em boxes que são destinados à
173
venda de carnes, cereais, farinhas, hortigranjeiros e outros. Na área adjacente, sem nenhum
tipo de cerca e com piso empedrado se desenvolve a feira (conforme vimos no capítulo
anterior), um comércio ao ar livre, onde os feirantes localizam seus bancos, barracas, estrados,
etc., para executar suas atividades de oferta de produtos. Sempre se encontram áreas
separadas para carnes, peixes, hortigranjeiros, cereais, mangalhos (produtos do artesanato
doméstico, como candeeiros, canecas, baldes, etc.) e estivas (secos e molhados).
O Box é um compartimento fixo de concreto dentro da área do mercado. Os balcões,
revestidos de concreto, granito ou cerâmica, possuem hastes de ferro galvanizado com
ganchos, donde se expõem os produtos à venda. Geralmente contam com água potável e
eletricidade. Todos possuem balanças, alguns possuem picador de carne e geladeira.
Raríssimos possuíam congeladores até o final dos anos noventa. Recentemente têm
aumentado a quantidade de “freezers”.
O Banco por sua vez é confeccionado com tábuas dispostas em forma de mesa,
geralmente coberto com lona e muito simples. São desarmáveis e se transportam, muitas
vezes de feira para feira. Alguns não possuem balança, pesam na balança do vizinho. Possuem
ganchos de ferro para expor seus produtos.
Por fim a Barraca, com estrutura em madeira com cobertura de telha de brasilit e/ou
lona, geralmente são fixos. Possuem balanças e ganchos para expor os produtos. Em alguns
casos possuem eletricidade. A comercialização da carne bovina e de seus subprodutos
comestíveis, segundo os questionários aplicados se realiza nos 82 pontos de venda localizados
na feira sendo que 50% nos boxes e os outros 50% nos bancos e em algumas barracas,
caracterizando assim uma forma simples de comercialização. O espaço ocupado por cada Box
mede em média 3,5m², por cada banco 2,75 m² e por cada barraca 3m². A Prefeitura cobra um
imposto pelo uso do solo, cujo valor varia de acordo com o tipo de ocupação, ficando em
média em agosto de 1993 Cr$ 200,00 e R$ 3,00em 2002, por cada ponto de venda.
15 dos 82 feirantes de carne de Itabaiana negociam em outras feiras, tais como: Juripiranga,
Timbaúba e Pilar, segundo levantamento de 1993 (SILVA, 1993).
De maneira geral, o comércio de carnes é realizado por homens em 78% dos casos.
Somente o setor de vendas dos subprodutos (miúdos e mocotó) com 21 pontos de venda,
apresentou 18 mulheres, conhecidas como fateiras.
Com relação ao Estado Civil dos comerciantes, dos 82 pontos de vendas registrados,
72% são casados, 18% solteiros e 1% pertencem ao grupo de “outros”. O nível de instrução
escolar registrado na pesquisa foi de 96% abaixo do 1º grau. O grau superior atingiu somente
1,22% dos 82 feirantes, de acordo com a tabela 15.
Com relação à forma de organização da categoria, não foi registrado nenhum tipo de
associação dos feirantes, apenas dois casos de sindicalização.
5.5.3 - As Vendas
CONSIDERAÇÕES
aos efeitos de uma cultura que a cada dia se fez mais globalizante. Entretanto, na feira tudo se
mistura e tudo se transforma, caracterizando-a como um espaço marcado pela diversidade e
pelos contrastes, sejam eles sociais, culturais ou econômicos. A Feira de Itabaiana, à parte o
seu valor material, reconhecido desde o século XIX, tem revelado uma função cultural
integradora da comunidade que a produz, tanto que contribui para a formação de uma
identidade regional bastante expressiva.
A modernização e o consumo nas feiras estão sempre a exigir diversificação de
produção de bens materiais e não necessariamente identificação com a região. Neste processo
modernizador, a feira se enche de produtos para agradar o consumidor. Apesar da diversidade
e da especificidade de certos itens encontrados nas feiras, os principais motivos que levam os
consumidores a esses mercados livres ainda é o costume, e fazem dessa permanência um
hábito constante. Além do interesse na compra do produto, há um outro, latente (imanente?)
resultante da troca de experiências consolidadas na afinidade social e cultural. O dia de feira é
um acontecimento social, principalmente no interior, onde não se faz apenas o comércio.
A partir destas observações, foi introduzida uma possibilidade de análise desta questão
neste trabalho referente à resistência das feiras e à possibilidade de mudanças frente à
proposta de homogeneização de mercados e consumo tendo como principais objetivos a
caracterização do mercado livre.
Das análises resultantes do trabalho de campo em Itabaiana e seu entorno, construímos
o quadro descrito a seguir.
O fenômeno observado nesse campo encontra similares em todo o país, com algumas
diferenças de produtos que são incentivados pelo poder local ou regional, a exemplo dos
produtos de barro ou das frutas. Por outro lado, alguns produtos estão profundamente afetados
pelas transformações modernizantes que estão passando as regiões brasileiras. Por isso
mesmo “a feira tem de vender de um tudo para agradar o freguês”, como disse um de nossos
entrevistados. Nesse sentido, é preciso diversificar a atividade, para agradar ao mercado. O
feirante “briga” pelo freguês, gritando mais alto e fazendo “negócio” para vender no mínimo a
metade do que levou para a feira, senão não vale a pena, como bem disse um vendedor de
aves.
O universo que foi desvendado a partir do conhecimento das feiras, envolvendo
produtos e serviços, agregação de produtos similares em uma mesma área, preços abertos a
acordos, permitiu aprofundar a discussão sobre a dicotomia permanência versus mudança,
posto que não é possível discutir o cotidiano das feiras sem o seu correlato, a adaptação ao
182
tempo. Este se explicita no seu cotidiano e constrói, a cada dia, a sua identidade, pois o espaço
de comercialização tem seu assentamento tempo-espacial sem alterações profundas, já que
muda a aparência, mas mantém a essência. Tal como o tempo, a feira pode também ser
afetada por mudanças: ao estar sujeita a outras experiências, incorpora novas formas, novos
sentidos, novos valores, assim os produtos no intervalo de tempo observado sofreram
modificações significativas com a notável expansão de produtos industrializados oriundos de
mercados como os do Paraguai e de Caruaru-PE. Nesse sentido, a feira de Itabaiana vem
apresentado, cada vez mais, nos últimos anos, uma semelhança aparente com as feiras
urbanas, devido à expansão do espaço ocupado pela chamada “feira da sulanca” – nome
regional para as feiras que vendem sobretudo confecções populares oriundas das fábricas de
Caruaru e arredores. Não obstante, a sua essência continua basicamente a mesma: as relações
entre seus participantes preservam-se, pois são regidas pelo costume. Assim, será no campo
da cultura que poderão ser encontrados, tanto os elementos da resistência, como os da
mudança, pois os atores adequam seu modus de atuação a partir das necessidades de consumo
impostas pelo mercado, já que a feira é um espaço onde se realiza o consumo. No âmbito das
feiras, os espaços de comunicação, interação e de encontro se dão em meio ao povo, sempre
com suas raízes no povo. Por isso mesmo podemos afirmar que não haverá necessariamente o
“fim” das feiras, como pensam alguns. As feiras são elementos vivos, que se perpetuam, na
medida em que são movidas pela história. Elas correspondem, portanto, a um lugar em que se
criou, de certa forma, um espaço de liberdade, tanto para o ir e vir, como também para se
negociar. Neste último caso pode-se tomar como parâmetro, tanto o valor de troca como o
valor de uso, pois o feirante, sob certos aspectos, é o dono do produto do seu tempo.
183
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ANEXOS
195
MODELOS DE QUESTIONÁRIOS:
LOCALIDADE (MUNICÍPIO):
__________________________________________________________
1. PRODUTO (S):
_____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________
4. NATURALIDADE
(IDEM):___________________________________________________________
________________________________________ 5. SEXO:
____________________________________
SEG.
___________________________________________________________________________
_____
TER.
___________________________________________________________________________
_____
QUART.
___________________________________________________________________________
__
QUI.
___________________________________________________________________________
_____
SEX.
___________________________________________________________________________
_____
196
SAB.
___________________________________________________________________________
_____
DOM.
___________________________________________________________________________
____
OBS :
___________________________________________________________________________
____
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________
197
LOCALIDADE (MUNICÍPIO):
__________________________________________________________
6. NATURALIDADE:
__________________________________________________________________
9. PROFISSÃO ATUAL:
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198
OBS:
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199
1. DENOMINAÇÃO DO COMÉRCIO:
2. TIPOS DE OCUPAÇÃO:
1º Grau ( ) 2º Grau ( )
Técnica ( ) Superior ( )