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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA

A FEIRA DE ITABAIANA – PB: PERMANÊNCIA E MUDANÇA

Eduardo Pazera Jr.

São Paulo
2003
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA

A FEIRA DE ITABAIANA – PB: PERMANÊNCIA E MUDANÇA

Eduardo Pazera Jr.

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Geografia Humana, do
Departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para obtenção do
título de Doutor em Geografia.

Orientadora: Profa. Dra. Rosa Ester Rossini

São Paulo
2003
EDUARDO PAZERA JR.

A FEIRA DE ITABAIANA-PB: PERMANÊNCIA E MUDANÇA

Aprovada em ______/______/______

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________
Profa. Dra. Rosa Ester Rossini (Orientadora)

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

São Paulo
2003
Este trabalho é dedicado:

aos meus filhos, Rui (o predileto, para sempre em


seu mundo),
Lia (a ternura)
e Pedro (o gênio afetuoso);

à minha esposa Luzia (companheira de todas as


horas)

e aos meus mestres (que me forjaram o espírito


de geógrafo):

Pasquale Petrone, Aziz Nacib Ab’Sáber e José


Ribeiro de Araújo Filho.

Et in Arcadia ego!
ROL DE AGRADECIMENTOS

Quase todas teses, no seu proêmio, apresentam uma espécie de rol de agradecimentos
justificando o caráter coletivo deste empreendimento acadêmico. Pois bem, esta não foge à
regra. Não teria sido possível sem a ajuda desinteressada dessas pessoas. Certamente esta
listagem pecará pela exclusão de muitos nomes que aqui mereceriam constar.
Antecipadamente nos desculpamos pela omissão.

Em primeiro lugar, cabe agradecer à orientadora e amiga Profa. Dra. Rosa Ester Rossini que,
apesar dos seus muito afazeres, aceitou mais este encargo.

Paulo Rosa foi de inestimável valia com seu apoio intelectual e material, bem como a sua
equipe do Laboratório de Geografia Aplicada, da Universidade Federal da Paraíba, que teve
um papel fundamental nas etapas de organização do trabalho, elaboração de cartogramas,
tabelas, montagem, impressão e encadernação do texto. Nesse grupo, merecem destaque
especial, em primeiro lugar, Conrad Rosa (nos cartogramas e diagramação). Foram também
muito importantes os bons préstimos dos demais membros dessa equipe: Pablo Rosa (nas
“dúvidas informáticas”), Kallianna Dantas e Maria Barros (questionários e “estética”)
Nadjacléa Vilar Almeida e André Luis Leite de Sousa, (“scanner”) e Mônica Ferreira Teles
(tabelas).

Maria Nilza (“Nílvia”) Rosa, doutoranda em Literatura (UFPB) fez paciente e minuciosa
revisão do texto; se algo tiver “escapado” ela está isenta de culpa.

Bolsistas do CNPQ (quotas sob nossa orientação em Iniciação à Pesquisa e


Aperfeiçoamento): muito especialmente Lígia Maria Tavares da Silva (posteriormente colega
que continuou prestando expressiva colaboração), bem como, Rosilda dos Santos Carneiro,
Niciana de Sousa, Claudemilson (“Caruaru”) Leocádio da Silva e Maria José Ventura,
participaram dos trabalhos de campo e seus relatórios de pesquisa forneceram importantes
subsídios à tese.

.
Colaboraram na aplicação de questionários e entrevistas em Itabaiana: Regina Celly Nogueira
da Silva (com muito carinho), Luzia Alves Pazera, Lia Pazera Murphy, Audra Remencius,
Laima Remencius, Murilo Correia, Maria de Fátima Nascimento, Ângela Panosso, Leonardo
Palmeira, Hércules, Ulisses, Rita, Sílvia, Vera.

O Prof. Dr. Erasmo D’Almeida Magalhães (USP) foi um grande incentivador do trabalho e
deu muitas sugestões. O antropólogo Prof. Dr. Luiz Mott (UFBA) cedeu material
bibliográfico e informações úteis.

O Prof. Dr. Silvio Carlos Bray (UNESP-Rio Claro) foi de inestimável valia em um momento
difícil do processo.

A Profa. Dra. Emilia de Rodat Moreira contribuiu com sua vivência na problemática agrária
de Itabaiana; Doralice Maia e Carlos Augusto Cardoso cederam materiais.
A nímia gentileza do Prof. Dr. José Loureiro Leite Lopes (Pró-Reitor de Pós-Graduação e
Pesquisa, Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ) contribuiu para a estadia por um ano
na USP.

Ana Elisa Pereira (LABOPLAN, Depto.de Geografia-USP) prestou auxílio amigável com a
infra-estutura do laboratório onde milita de modo exemplar.

Cleidenice Félix da Silva atuou como paciente secretária e bibliotecária em todos momentos.

Pedro Alves Pazera, filho mais jovem, da “geração da informática”, ajudou nas brigas com o
computador.

Na etapa que antecedeu à entrega da tese, ou seja, no exame de qualificação, foram dados
importantes subsídios pelas examinadoras: Profa. Dra. Amália Inés Geraiges de Lemos e
Profa. Dra. Ana Maria Camargo Marangoni. Certamente este trabalho teria resultado bem
melhor se todas as suas sugestões tivessem sido acatadas.

Aos companheiros reais e virtuais de navegação pela Internet, sobretudo na “lista de discussão
de geografia” http://br.groups.yahoo.com/group/listageografia/ , a nossa gratidão pelo
estímulo das discussões..

Agradecimentos são devidos também à boa vontade de todos os informantes anônimos na


feira de Itabaiana. Que eles estejam certos de que não foram meros “objetos” de pesquisa.

Muito obrigado a todos!


RESUMO
PAZERA Jr., Eduardo.A Feira de Itabaiana-PB: Permanência e Mudança. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 2003. (Tese) Doutorado em Geografia Humana.

PALAVRAS-CHAVE: feiras; feira nordestina; feiras camponesas; Paraíba;


permanência e mudança

A feira nordestina não é um simples local de compra e venda de mercadorias; mais


do que isto é o local privilegiado onde se desenvolve uma série de relações
sociais.É um fenômeno muito importante na vida econômica e social do Nordeste
brasileiro. A feira que se realiza todas as terças-feiras na cidade de Itabaiana,
Microrregião Agro-pastoril do Baixo Paraíba, Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil,
foi escolhida como objeto desta tese por ser bastante representativa do tipo de feira
nordestina. Trata-se de uma feira com características peculiares e que vem sofrendo
grandes modificações ultimamente. Surgida no século XIX como feira de gado foi
adquirindo novas funções, evoluindo até os dias hoje, mantendo sua importância na
vida econômica e social da cidade e da região. A pesquisa baseou-se em fontes
bibliográficas e em trabalhos de campo com levantamentos fotográficos e
cartográficos, bem com, sobretudo, envolvendo inquéritos e entrevistas com
feirantes e compradores. Foram abordados os seguintes aspectos no trabalho: O
processo de ocupação do espaço e a feira (A origem da feira de Itabaiana: a feira de
gado); a feira de Itabaiana na atualidade: sua estrutura, funcionamento e função;
circulação e transportes como fatores de transformação na feira (do jegue ao
mototáxi); a inserção do pequeno produtor e do ambulante na feira; a carne bovina
na feira de Itabaiana. Foram estudadas as permanências e mudanças nas últimas
décadas comparando-se dados de campo. Constatou-se que a feira de Itabaiana foi
perdendo suas características de feira camponesa típica do Nordeste tendendo a
transformar-se aparentemente em feira urbana, porém mantendo a sua essência.
ABSTRACT
PAZERA Jr, Eduardo. The periodical market of Itabaiana-PB: Permanence and
Change. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003. (Thesis) Doctor in Human
Geography

Key-Words: periodical market; Northeastern Brazil; peasant market; Paraíba;


permanence and change

The periodical market of Northeastern Brazil is not a simple place of purchase and
sale of merchandises. Moreover, it is the privileged place of many social
relationships.The periodical market that takes place all the Tuesdays in the city of
Itabaiana, Agro-pastoral Microregion of the Lower Paraíba River, State of Paraíba,
Northeastern Brazil, was chosen as object of this thesis because represents the
Northeastern periodical market. It is a fair with peculiar characteristics which is lately
suffering great changes. Starting in the 19 th century as a cattle fair it was acquiring
new functions, evolving until nowadays, keeping its importance in the economic and
social life of the city and the region. The research was based on bibliographical
sources and field works with photographic and cartographic surveys, with inquiries
and interviews with sellers and purchasers. We studied the following subjects: The
process of occupation of the space and the market ( the origin, the cattle fair) The
periodical market of Itabaiana in the present (structure, performance and function),
circulation and transports as factors of transformation in the market ( from the
donkey to the “mototaxi”), the insertion of the small producer and the street-seller,
the beef in Itabaiana. We studied the permanence and changes in the last decades
comparing field data. We find out that Itabaiana was losing its characteristics of
typical northeastern peasant market tending to change itself apparently into an urban
fair, however keeping its essence.
SUMÁRIO

Índice das Tabelas


Índice de Figuras e Quadros
Lista de Fotos
Resumo
Abstract

INTRODUÇÃO 15

CAPÍTULO 1 - O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO ESPAÇO E A FEIRA DE


ITABAIANA 24

CAPÍTULO 2 - CIRCULAÇÃO E TRANSPORTES COMO FATORES DE


TRANSFORMAÇÃO NA FEIRA DE ITABAIANA 87

CAPÍTULO 3 - A INSERÇÃO DO PEQUENO PRODUTOR NA FEIRA 116

CAPÍTULO 4 - A INSERÇÃO DO AMBULANTE NA FEIRA 139

CAPÍTULO 5 - A CARNE BOVINA NA FEIRA DE ITABAIANA 157

RUMO ÀS CONSIDERAÇÕES FINAIS: PERMANÊNCIAS E


TRASFORMAÇÕES NA FEIRA DE ITABAIANA 179
BIBLIOGRAFIA 183
ANEXOS 194
ÍNDICE

Índice das Tabelas


Índice de Figuras e Quadros
Lista de Fotos
Resumo
Abstract

INTRODUÇÃO 15

CAPÍTULO 1 - O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO ESPAÇO E A FEIRA DE


ITABAIANA 24

1.1 - A Feira no Brasil 25


1.1.1 - A Feira no Nordeste 26
1.2 - Itabaiana, a feira e a Ocupação do Interior Nordestino 30
1.3 - A origem da feira de Itabaiana: a feira de gado 35
1.3.1 - As “outras feiras” até 1930 37
1.3.2 - A feira e as melhorias urbanas em Itabaiana 39
1.3.3 - As transformações iniciais da feira e a Revolução de 1930 43
1.3.4 - O Pós – Guerra e a Industrialização no Brasil 46
1.3.5 - O golpe militar de 64 e o fim da feira de gado 48
1.3.6 - O PROALCOOL e As transformações ocorridas em Itabaiana após o fim
do programa. 53
1.4 - A feira de Itabaiana na atualidade: estrutura, funcionamento e função 60
1.4.1 - A Feira no espaço econômico nacional 80
1. 5 - CONSIDERAÇÕES 85

CAPÍTULO 2 - CIRCULAÇÃO E TRANSPORTES COMO FATORES DE


TRANSFORMAÇÃO NA FEIRA DE ITABAIANA 87

2.1 - As Feiras e os Transportes 88


2.2 - A Evolução dos Transportes na Paraíba: As Primeiras Vias 91
2.3 - As Ferrovias e as Estradas de Rodagem 96
2.4 - Os Transportes no Dia da Feira 104
2.4.1 - Caminhões-lotação e camionetas 106
2.4.2 - Ônibus especiais 108
2.4.3 – Automóveis 110
2.4.4 - A Revolução do mototáxi 113
2.5 – CONSIDERAÇÕES 115

CAPÍTULO 3 - A INSERÇÃO DO PEQUENO PRODUTOR NA FEIRA 116

3.1 - A Intervenção Estatal e Suas Conseqüências Para o Nordeste 117


3.2 - Os Reflexos do PROALCOOL em Itabaiana 121
3.3 - A Situação Fundiária Atual 128
3.4 - O Trabalho do Pequeno Produtor na Feira 131
3.5 – CONSIDERAÇÕES 137
CAPÍTULO 4 - A INSERÇÃO DO AMBULANTE NA FEIRA 139

4.1 - O Perfil do Ambulante da Feira de Itabaiana 140


4.2 - Ambulantes, Feira & Economia 152
4.3 - O Ambulante e as Mudanças na Feira 154
4.4 - CONSIDERAÇÕES 156

CAPÍTULO 5 - A CARNE BOVINA NA FEIRA DE ITABAIANA 157

5.1 - A Pecuária Nacional 158


5.2 - A Pecuária Paraibana 163
5.3 - A Pecuária de Itabaiana e a Feira de Gado: Expansão da Pecuária entre
1970 e 2000 165
5.4 - A Indústria da Carne e a Caracterização do Matadouro municipal e do
Posto de Abate em Itabaiana 169
5.5 - O Consumo da Carne e sua Comercialização 171
5.5.1 - Personagens e formas 171
5.5.2 - Caracterização dos comerciantes 173
5.5.3 -As vendas 174
5.5.4 - Procedência dos produtos 176
5.6 - CONSIDERAÇÕES 177

RUMO ÀS CONSIDERAÇÕES FINAIS: PERMANÊNCIAS E


TRASFORMAÇÕES NA FEIRA DE ITABAIANA 179
BIBLIOGRAFIA 183
ANEXOS 194
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Tráfego Médio Diário (TDM) de Algumas Estradas no ESTADO


da Paraíba em 1985 e 2001 101
TABELA 2 - Procedência dos veículos na Feira de Itabaiana 112
TABELA 3 - Primeiros Limites de Produção do Açúcar da Usina no Brasil 118
TABELA 4 - Contingenciamento da Produção de Açúcar de usina 120
TABELA 5 - Produção Canavieira – Itabaiana 124
TABELA 6 - Itabaiana – PB. Utilização das terras com pastagem e efetivos dos
rebanhos bovinos 125
TABELA 7 - Produção Agrícola das lavouras temporárias em Itabaiana 126

TABELA 9 - Itabaiana – PB. Imóveis rurais segundo as categorias 130


TABELA 10 - População por situação de domicílio no período de 1970-2000 132
TABELA 11 - Itabaiana - PB. População economicamente ativa segundo os de
atividade 133
TABELA 12 - Pessoal ocupado por categoria em Itabaiana - PB 134
TABELA 13 - Bovinos existentes segundo as grandes regiões e Unidades da
Federação no período de 1960 – 1998 159
TABELA 14 - Crescimento do rebanho bovino da Paraíba no período 1960-2000 163
TABELA 15 - Classificação dos comerciantes segundo o nível de instrução (%) 174
TABELA 16 - Estimativa de vendas anuais de produto bovino 175
LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 1 - Cartograma demonstrando a localização da cidade de Itabaiana e seu


entorno 21
Figura 2 - Representação do movimento na feira 29
Figura 3 - Posição do Município de Itabaiana no Nordeste do Brasil 33
Figura 4 - Zonas Produtoras de Cana de Açúcar referente aos períodos entre
1970 e 1980 57
Figura 5 - Demonstrando as divisões da feira de Itabaiana 71
Figura 6 - Esboço demonstrando a distribuição espacial dos produtos da feira 72
Figura 7 - Organização espacial do sistema de comércio do gado da feira de 89
Itabaiana no início do século XX
Figura 8 - Mapa denotando os primeiros Caminhos da Paraíba 94
Figura 9 - Rota denotando a Estrada das Boiadas (Século XVII, XVIII e XIX) 95
Figura 10 - Principais vias do Estado da Paraíba em 1920 99
Figura 11 - Mapa Rodoviário do Estado da Paraíba 102
Figura 12 – Vias de comunicação entre municípios do Estado por via terrestre 103
Figura 13 - Localização dos transportes no centro da cidade de Itabaiana em dia
de feira 105
Figura 14 - Rota de caminhões-lotação para Itabaiana nos dias de feira 107
Figura 15 - Deslocamento de ônibus especiais para Itabaiana nos dias de Feira 109
Figura 16 - Gráfico da produção brasileira de Álcool período de 1975 a 1998 122
Figura 17 - Calendário de vendas dos ambulantes 143
Figura 18 - Local das residências dos ambulantes 146
Figura 19 - Deslocamento dos ambulantes no domingo 149
Figura 20 - Deslocamento dos ambulantes nas segundas e quartas 150
Figura 21 - Deslocamento dos ambulantes da feira de Itabaiana no dias de
quinta-feira e sábado 151
Figura 22 - Rebanho bovino nas regiões brasileiras 161
Figura 23 - Os caminhos do gado para Olinda e Recife 166

Quadro 1 - A feira de Itabaiana constitui-se num circuito inferior da economia 79


LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Itabaiana vista da margem esquerda do rio Paraíba 32


Foto 2 - O relevo suavemente ondulado dominante no município de Itabaiana 34
Foto 3 - “Feira de Cavalos” já nos seus últimos dias... 38
Foto 4 - A ladeira do Alto dos Currais ao receber a denominação de “Rua
Camilo de Holanda” – 1916 41
Foto 5 - Praça Senador Álvaro Machado – 1920 41
Foto 6 - A Antiga Rua do Comércio (Heráclito Cavalcante e Walfredo Leal),
vista do alto da Matriz com a sua arborização de castanholas – 1914 42
Foto 7 - A mesma rua da foto 6 vista do mesmo ângulo com sua arborização de
Ficus benjamin, 1928. Foto reproduzida de Maia, 1976 42
Foto 8 - Do alto da torre da igreja uma visão dos veículos estacionados e o início
das barracas da feira 43
Foto 9 - A área urbana periférica com pastagens ao fundo 60
Foto 10 - Utensílios de barro 63
Foto 11 - O mesmo local em 16-04-02. Nota-se a redução dos artigos de barro 63
Foto 12 - Cantadores da feira 65
Foto 13 - Dupla de violeiros fazendo um desafio na feira 66
Foto 14 - Carro de som divulgando propaganda comercial 66
Foto 15 - Vendedores de Literatura de Cordel apregoando suas “estórias” 67
Foto 16 - Feira das frutas 68
Foto 17 - “Feira das frutas” com as bancas de comida 69
Foto 18 - Frutas e verduras na linha do trem 69
Foto 19 - Vista aérea da Feira de Itabaiana 73
Foto 20 - Ilegalidade consentida: venda de passarinhos 74
Foto 21 - Do jegue ... 114
Foto 22 - ... ao mototáxi 114
INTRODUÇÃO

ASSIM EU QUERERIA o meu último poema


Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação

Manuel Bandeira, “O Último Poema”


16

Nosso interesse pelo estudo da feira foi despertado em meados dos anos sessenta
quando da nossa graduação em Geografia na USP. Durante o curso tivemos ocasião de
conviver com pesquisadores do Instituto de Geografia-USP no projeto referente ao
abastecimento da cidade de São Paulo que envolvia o Mercado Central e as feiras-livres. O
primeiro contato com a feira nordestina deu-se através de uma excursão da Faculdade,
dirigida pelo Prof. Pasquale Petrone, quando colaboramos na aplicação de questionários na
feira do Crato-CE, em 1965. A idéia de estudar a feira no Nordeste ficou latente por muitos
anos e sempre que possível visitávamos essas feiras. Aproveitamos também algumas viagens
para observar feiras no Brasil e países vizinhos (notadamente Bolívia, Peru e Guiana), bem
como no Leste Europeu (Lituânia e Polônia). A feira sempre nos motivou a pensar na idéia de
permanência e mudança. Ora evocação nostálgica de uma Idade Média idealizada, deslocada
no tempo e no espaço (sobrevivência/resistência do passado?), ora estratégia de sobrevivência
do rurícola deslocado, do lúmpen e do camelô.
Em 1986, trabalhando na UFPB, resolvemos dar início ao projeto de doutorado
estudando a feira no interior da Paraíba. Iniciamos por algumas feiras do vale do rio Paraíba e
escolhemos a de Itabaiana por ser mais representativa. No entanto a pesquisa não se deu de
forma ininterrupta, diversos percalços precisaram ser vencidos, havendo lapsos entre um
momento e outro da observação. Não obstante, essa aparente solução de continuidade
(sobretudo durante a década de noventa) transformou-se em um fato que acabou por ampliar a
capacidade de análise, permitindo o estudo sincrônico e diacrônico do nosso objeto bem como
a compreensão das transformações do espaço sentidas e vividas.
No início de 2001, passamos a estagiar no LABOPLAN (Depto. de Geografia-USP) e
cursamos disciplinas na condição de aluno especial do Curso Pós-graduação em Geografia
(Área de Geografia Humana) na USP, referentes à “Migrações na era da Globalização”
(Profa. Dra. Rosa Ester Rossini e Maria Beatriz Rocha-Trindade) e “Agricultura e
Capitalismo” (Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira). No segundo semestre submetemo-
nos à seleção para o Doutoramento. Com a aprovação formalizamos nossa matrícula e
convalidamos os créditos. Nesse semestre continuamos o estágio no LABOPLAN e tivemos a
ocasião de acompanhar algumas atividades da disciplina ministrada pela nossa orientadora,
Profa. Dra. Rosa Éster Rossini, no curso de graduação referente ao Estado de São Paulo. Essa
última experiência foi proveitosa e gratificante em se tratando do convívio com a atividade
acadêmica na minha Alma Mater. Em 2002 retornamos à Paraíba e atualizamos a pesquisa de
campo bem como redigimos os textos preliminares do corpo da tese.
17

A cidade de Itabaiana, no Agreste da Paraíba, no piemonte do planalto da Borborema,


situa-se na margem direita do rio Paraíba, onde se inicia seu baixo curso numa altitude de 42
metros. Esta é uma zona a barlavento e que apresenta um clima subúmido com presença de
irregularidades climáticas acentuadas. A cidade historicamente já foi palco de situações como
curtumes e indústrias de tecelagens (fios de algodão) chegando mesmo a criar tradição onde
as mulheres rendeiras realizavam seu labor nas calçadas ao entardecer, produto estes que eram
comercializados também nas feiras. Nesse cenário, procuramos questionar situações relativas
à dinâmica instalada na relação sociedade e sua temporalidade, pois no viés social é
praticamente impossível a manutenção de algo que se perpetue. Mesmo buscando a
conservação de algumas tradições é quase impossível que elas se mantenham vivas, no
decurso do tempo, sem alterações. Mas o que nos chamou a atenção no decorrer dos anos é
que mesmo com o capitalismo periférico se instalando numa velocidade acentuada, as feiras
continuam a existir assumindo novas roupagens. Daí surge o nosso questionamento: Quais as
transformações recentes na dinâmica das feiras?
Com o problema demarcado faz-se presente um outro passo metodológico que é
inevitável e que acabará por também balizar de forma pertinente o sentido da pesquisa. Se
considerarmos que o objetivo é um elemento que aponta para onde queremos chegar,
buscamos então por dentro do problema definir o mais sucinto possível o dito objetivo geral,
pois acreditamos que o crescimento do espírito se faz com um sentido bem demarcado:
Compreender as transformações recentes na dinâmica das feiras camponesas no agreste
paraibano, especificamente, na cidade de Itabaiana.
Com o problema definido e o objetivo geral anunciado, o outro passo de vital
importância, neste caso, é a enunciação de alguns pressupostos, responsáveis pelo
balizamento daquilo que nos dará respaldo real para procurarmos algo demarcado, e não
trilharmos de olhos vendados no universo do espaço-tempo da feira no Agreste paraibano.
Não queremos com esta situação definir uma proposição rígida, mas sim demarcar os
caminhos para trilharmos com segurança. Desse modo, como pressupostos básicos deste
estudo, podemos inferir que o espaço de comercialização tem seu assentamento tempo-
espacial sem alterações profundas; os produtos no intervalo de tempo sofreram modificações
significativas; os atores adequam seu modus de atuação a partir das necessidades de consumo
impostas pelo mercado.
As modificações recentes na dinâmica da feira, no Agreste da Paraíba, serão
enfatizadas através do estudo do caso da feira de Itabaiana. O estudo geográfico profundo das
18

feiras do Nordeste ainda está para ser feito, sendo que até a presente data ainda não tivemos
conhecimento de pesquisa abrangente sobre o tema. Até a década de oitenta, o mais
conhecido trabalho geográfico publicado versando especificamente sobre a feira nordestina,
foi o pequeno (e sugestivo) artigo de Bernardo Issler (Issler, 1965). Já o mesmo não ocorreu
com a literatura antropológica e sociológica, bem como, no que concerne aos trabalhos
interessando aos aspectos geográficos das feiras (ou mercados-peródicos na nomenclatura
anglo-saxã: periodical markets) na África e nos países hispano-americanos; basta reportar-se
à exaustiva bibliografia levantada por Smith (1979), com mais de 100 títulos, onde apenas um
faz referência ao Nordeste (!) Posteriormente, nosso levantamento efetuado em 1986,
(PAZERA Jr., 1988) revelou cerca de 700 trabalhos (referentes a 512 autores) sem, contudo,
preencher a lacuna. Nos anos seguintes surgiram outros trabalhos, porém de pequeno porte,
como monografias de graduação e relatórios. (MELO FILHO, 1991). Nossos levantamentos
recentes (inclusive na Internet em 2000 - 2002) quase não acresceram essa listagem, embora
tenha ocorrido um aumento expressivo de trabalhos de interesse teórico-metodológico de
caráter geral, como os apresentados nos últimos “Encontros” de geógrafos da AGB (XII em
1999 e XIII, em 2002). Aportes valiosos, também no plano teórico, sobretudo no que
concerne ao trabalho informal e à modernização excludente no mundo globalizado,
encontramos nas obras de Milton Santos e colaboradores (SANTOS, 1994; 1999; SANTOS et
al., 1995).
A feira é um fenômeno tão importante na vida econômica e social do Nordeste que,
dificilmente, um estudo regional deixa de mencioná-la ou de fazer algum inquérito na feira.
Basta lembrar, apenas para citar um dos mais antigos, o artigo de Pasquale Petrone sobre o
Crato-CE (PETRONE, 1965). Contudo, conforme já demos a entender, faltam estudos de
grande porte sobre a feira analisada do ponto de vista da ciência geográfica. Na verdade, não
há trabalhos alentados mesmo nas outras ciências sociais, embora a sua literatura seja bem
mais rica que a geográfica; exceção gritante é a tese de doutorado em Antropologia de Luiz
Mott (MOTT, 1975).
“A feira nordestina não é um simples local de compra e venda de mercadorias mais do
que isto, é o local privilegiado onde se desenvolvem uma série de relações sociais” (Pazera
Jr., 1987, p. 654). Além de ponto de encontro tradicional de amigos ou de simples conhecidos,
é o locus escolhido para os mais variados atos da vida social mantendo assim um sentido de
permanência. Ali se sabem as últimas notícias e boatos. Ali são feitos os anúncios de utilidade
pública. Comícios, geralmente ocorrem em dia de feira, podendo contar, assim, com o maior
19

público possível da zona rural. Espetáculos artísticos, dentre eles alguns hoje ditos folclóricos,
desenvolvem-se na feira. Apresentam-se espetáculos com o fito de promover algum produto,
como é o caso dos remédios, ou ainda como forma de entretenimento (cuja remuneração é
voluntária), a exemplo dos cantadores que evocam os trovadores medievais, apresentando
riqueza em experiência e memória. A literatura de cordel é divulgada quase que
exclusivamente nas feiras, sempre com suas raízes no povo. É muito significativo que, até nas
grandes capitais nordestinas, mesmo as pessoas que não freqüentam feira e fazem compras no
Hipermercado, dizem: “vou à feira”, o que indica o permanente na mudança. Escusado dizer
que feira provem do latim feria, dia festivo, pois “nos dias de festa os mercadores iam à praça
pública negociar suas mercadorias “feria” passou da religião ao comércio e virou feira e féria,
a remuneração...” (PIMENTA, 2002, p. 91). Com a oficialização do Cristianismo, o
Imperador Constantino, no séc. IV, estabeleceu que os dias da semana seriam chamados
ferias; posteriormente, prima feria foi substituída por dominicus dies. Ao que parece, somente
o português conservou essa tradição cristã...
O universo da pesquisa ultrapassa os limiares da feira, abrangendo o município de
Itabaiana, no Agreste da Paraíba. O Município de Itabaiana possui uma área de 204,7 Km2 no
piemonte do Planalto da Borborema, área já conhecida como “Agreste acatingado”,
enquadrada atualmente, conforme classificação do IBGE, na Mesorregião do Agreste e Brejo
Paraibano e na Microrregião Agro-Pastoril do Baixo Paraíba. A sede municipal dista 63 Km
da capital João Pessoa, o município limita-se ao Norte com os municípios de Gurinhém, Pilar
e Mogeiro; ao Sul, Juripiranga, Salgado de São Felix e o Estado de Pernambuco; a Leste
limita-se com Pilar e a Oeste com Mogeiro e Salgado de São Felix. A Fig. 1 (reproduzida
parcialmente da Imagem Radar DSG 1976) permite uma visualização do entorno de Itabaiana.
O município é banhado pelas águas do rio Paraíba, que recebe o rio Ingá, os riachos Salgado e
Nogueira. O clima na região em que está situado o município, é do tipo tropical megatérmico,
quente e subúmido, quase semi-árido. A temperatura média anual fica entre máximas de 30 e
mínimas de 20 graus centígrados. Itabaiana era constituída por formações vegetais da Floresta
Atlântica de Planície, Encosta e Agreste. O município situa-se numa área de transição entre
essas formações; no entanto, atualmente, a vegetação original encontra-se já bastante
modificada pelas atividades humanas, predominando as pastagens para o gado bovino, e os
plantios de cana-de-açúcar na atualidade, tendo conhecido também vários outros “ciclos”
agrícolas no passado, notadamente o da cultura algodoeira.
20

Trata-se de uma área que merece um interesse especial, em virtude das suas
características ecológicas e culturais que correspondem à uma faixa de transição e de encontro
de diferentes unidades bastante significativa das paisagens nordestinas e de sua estrutura
sócio-econômica, reflexo de um passado e de uma natureza muito significativas na Paraíba.
Ademais, a feira de Itabaiana, constituiu, tradicionalmente, uma das mais importantes feiras
camponesas do Nordeste e apesar de sua permanência vem sofrendo um processo
significativo de mudanças.
21

Figura 1 – Cartograma demonstrando a localização de Itabaiana e seu entorno


Fonte: Folha IMAGEM RADAR DSG Folha SB.25-Y-C MIR-235, 1976 1: 250000
22

Quanto à relevância do trabalho, além dos aspectos já mencionados (notadamente os


de interesse acadêmico), cabe salientar a importância do conhecimento da feira nordestina
como elemento fundamental na comercialização e consumo de gêneros alimentícios,
vestuários, dentre outros na Região Nordeste. O resultado da pesquisa se somará aos níveis
anteriores de conhecimento e poderá, eventualmente, contribuir para um melhor
equacionamento da problemática do abastecimento da população nordestina, sobretudo a de
baixa renda.
Pretendemos elucidar as hipóteses divergentes formuladas pelos antropólogos Forman
e Riegelhaupt (1970), de um lado e de Heath e Tanner (1982), de outro lado. Forman e
Riegelhaupt (1970), em seu sucinto trabalho, postulam um modelo de mudanças nos padrões
de comercialização dos produtos agrícolas, envolvendo estágios sucessivos de maior
amplitude e complexidade comercial de caráter crescente (HOEFLE, 1982). Ocorreria ainda,
de acordo com a mesma formulação, uma tendência para que os pequenos produtores e
intermediários (também pequenos), fossem, progressivamente, eliminados do circuito, em
benefício de formas modernas de comercialização. Por sua vez, Heath e Tanner (1982),
também com base em pesquisa no Nordeste, publicaram uma réplica ao trabalho citado,
considerando que os pequenos produtores e intermediários mantêm-se como parte de um
sistema local de comercialização que persiste por estar bem adaptado às necessidades das
populações de baixa renda em áreas de escassez de capitais.
A execução do trabalho partiu de uma abordagem do espaço como resultante da
produção humana inserida no contexto histórico (LEFEBVRE, 1981). Assim, a noção espaço-
tempo revela-se de fundamental importância para nortear o estudo dos processos de
transformações ocorridas nas feiras camponesas de Itabaiana. Este modo de abordar o assunto
implica no conhecimento da dinâmica da evolução do espaço agrário e urbano municipal
inserido em um contexto mais amplo de transformações do capitalismo. Nesse sentido, de
acordo com o que propôs Milton Santos, trata-se, de “pensar o território como ator e não
apenas como o palco” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 11).
Para a realização do estudo geográfico da feira de Itabaiana, após a obtenção dos
conceitos na literatura, especialmente da bibliografia que se situa numa linha geográfica,
histórica, estatística, sociológica, antropológica e econômica, passamos ao trabalho de campo
em que a feira foi observada e registrada, de forma ortográfica e iconográfica, utilizando-se a
fotografia como técnica e também “croquis” (estes últimos são do tipo de levantamento
funcional, descrevendo os produtos e sua disposição espacial). As fotos não são apenas
23

ilustrações demonstrativas do fato em si ou formas de apresentação de resultados; servem


principalmente como instrumento de análise. Foram realizadas entrevistas (informais e
dirigidas), com os participantes da feira e aplicados questionários com questões abertas e
fechadas, de modo que as respostas permitissem uma interpretação mais detalhada.
Os dados obtidos, tanto de fontes bibliográficas, como de trabalhos de campo, foram
analisados, quantificados e graficados (além de terem sido cartografados), para redação do
texto.
24

CAPÍTULO 1
O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO ESPAÇO E A FEIRA DE ITABAIANA

o comércio em movimento
de uma forma admirável
que se torna agradável
onde tem muito alimento
para o abastecimento
área urbana ou rural
na seqüência natural
no âmbito da cidade
com maior facilidade
com modo regional

o povo se anima logo


cedo para a feira
indo de qualquer maneira
pelo caminho de cima
e encontra com a prima
parecendo uma festa
participa e manifesta
enfrentando com franqueza
a maior da redondeza
e o suor desce na testa

José de Sousa Dantas, “Dia de Feira no interior”


25

1.1 - A Feira no Brasil

As feiras no Brasil, à época de colonização, constituíam-se numa inovação, pois os


nativos não tinham noção deste tipo de comércio. Os índios possuíam uma vida simples,
baseada numa economia de subsistência, que tinha como única finalidade à satisfação de suas
necessidades imediatas. Não havia motivo para a produção de excedentes e acumulação de
riquezas, pois, sua cultura desconhecia a propriedade privada. O comércio intertribal se dava
de forma muito peculiar, com os grupos delimitando um lugar específico para a troca de
produtos, em geral para o adorno corporal.
De acordo com o viajante quinhentista Jean de Léry, os tupinambá ao comerciarem
com os goitacá procuravam manter uma distância relativa em torno de 100m uns dos outros,
deixando os produtos a serem trocados na metade desta distância. Findo o escambo, também
se rompia a trégua e transposto o limite do local destinado ao encontro, punham-se ao encalço
dos inimigos na tentativa de reaverem as suas mercadorias (LÉRY, 1951, p. 72).
Com a chegada dos portugueses ao Brasil, este processo de trocas tornou-se mais
intenso principalmente com os tupinambás. A princípio foram oferecidos pelos nativos
produtos exóticos e posteriormente com produtos de interesse comercial como o pau-brasil.
No entanto, para o invasor português, este comércio era insuficiente e os saques às aldeias e a
captura dos índios para o trabalho escravo tornaram-se constantes.
A primeira referência das feiras no Brasil data de 1548, quando o Rei D. João III na
tentativa de evitar que os colonos se dirigissem às aldeias, ordenou que se fizesse um dia de
feira para que os gentios viessem à cidade comerciar seus produtos e comprar o que
necessitassem (MOTT, 1976, p. 83). Partindo do princípio que os mesmos já estavam
acostumados a reunir seus artigos de troca na praia para a posterior negociação, estas feiras
acabaram por não se realizar. Por este motivo não se realizaram feiras na colônia durante os
séculos XVI e XVII, não sendo registrado qualquer ocorrência das mesmas nos documentos
oficiais ou relatos de viajantes (MOTT, 1975, p. 307).
O pequeno comércio encontrava dificuldades de se instalar devido à auto-suficiência
dos engenhos, que produziam o necessário para a manutenção da casa senhorial e dos seus
escravos, e os produtos que não produziam vinham diretamente da metrópole ou eram
trazidos por mascates. Outro agravante era a escassez de gêneros alimentícios para o
abastecimento das vilas e cidades, pois toda a mão-de-obra estava ligada à produção
açucareira. O mais comum nas cidades eram as lojas, quitandas estalagens, tavernas e outros.
26

Um cronista relata a existência de “logeas de mercadores”, por volta de 1587. Embora em seu
relato faça referência a duas formas de comércio distintas, uma exercida pelo comércio
estabelecido responsável pelos artigos finos e de luxo e outra realizada ao ar livre com
produtos provenientes das roças circunvizinhas, ele não explicita esta forma de comércio
como sendo feira (MOTT, 1975, p. 312).
Quanto às feiras rurais, que são de maior interesse para o nosso estudo, a referência é
feita a Feira de Capoame, em 1732, próximo à cidade da Bahia (na atual Dias D’Ávila)
(CARVALHO, 1958, p. 19). Esta feira foi durante do século XVIII o principal centro
comercial para o gado vindo do sertão para o abastecimento da cidade de Salvador e seu
Recôncavo. Outras referências são feitas às feiras de Mata de São João e a feira de Nazaré, na
Bahia, e as feiras de Goiana, Pernambuco e Laranjeiras, em Sergipe. No Brasil havia, por esta
época, dois tipos de feiras. A Feira de Mercado, realizada aos sábados para o abastecimento
alimentar da população da cidade e das redondezas e a Feira Franca, realizada anual ou bi-
anualmente destinada à comercialização de bens regionais como o gado e por isto atraiam
grande número de compradores e vendedores das mais distantes regiões. No século XIX a
ocorrência das feiras é freqüente e algumas tão grandes que para a satisfação dos
freqüentadores eram abatidos em torno de 60 a 70 bois, como a feira de Itabaianinha,
Pernambuco, segundo relatado na tese de Mott (1975, p. 313).
Na atualidade uma das feiras mais importantes é a de Feira de Santana, Bahia. Esta
cidade foi escolhida para sediar esta feira por possuir condições favoráveis de localização, e
suas próprias pastagens para a manutenção do gado à espera de comercialização. No sul do
país as feiras não se aparentavam com as do nordeste, sendo a única de que se tem notícia a
“Feira de Burros de Sorocaba”, responsável pelo fornecimento de muares inclusive para
Minas. No Norte e Centro-oeste não foi verificada, pelos vários viajantes, qualquer atividade
de comércio semelhante às feiras, sendo o abastecimento destas regiões realizado através da
navegação fluvial.

1.1.1 - A Feira no Nordeste

A feira brasileira é um importante fator de distribuição além de um dinamizador


econômico, sobretudo no Nordeste, estando profundamente envolvida nos sistemas de
mercado regional e reagindo às mudanças que ocorrem no campo político e econômico do
país.
27

As feiras que se realizam semanalmente nas cidades brasileiras são significativas na


vida urbana. No Nordeste, no entanto, ela deixa de ser um fato rotineiro para assumir um
papel de destaque sendo, às vezes, difícil distinguir até que ponto a feira depende da cidade ou
a cidade depende da feira. Desta forma a feira além de sua importância urbana e regional,
desenvolve o processo de comercialização e trocas inter-regionais.
No Nordeste encontram-se basicamente dois tipos de feiras: as dos grandes centros
urbanos, com toda uma estrutura de comércio regular e as pequenas feiras espalhadas por todo
o interior. Estas podem ser consideradas como remanescentes das feiras tradicionais, onde o
agricultor, artesão e criador se transformam em comerciantes. Neste tipo de feira o
comerciante esporádico vende o que possui em excesso para adquirir os gêneros de sua
necessidade. Este tipo de feira ocorre com mais intensidade nos menores e mais rústicos
povoados, quer do Litoral quer do Sertão. Com base no tipo de região em que ocorrem é
possível se fazer a distinção de dois grupos, conforme a classificação muito bem estabelecida
por Bernardo Issler (ISSLER, 1965, p. 37):

• Feiras de Zona de Transição.


• Feiras de Zonas Típicas.

As feiras de zona de transição ocorrem nas faixas de transição entre duas zonas
geograficamente diferentes: Zona da Mata-Sertão; Brejo-Agreste. Esta localização vai
possibilitar que produtos característicos de cada área sejam trocados. Desta forma estas feiras
apresentam uma variedade de produtos significativa, que vão desde frutas e legumes até
produtos industrializados. Outro ponto a ser considerado é que, em geral, nestas zonas de
transição há o domínio da pequena e média propriedade, o que propicia condições para que
um número maior de agricultores participem da feira. Quando estão de posse de um bom
sortimento de produtos têm condições de ir a duas ou três feiras por semana, dando
preferência às de maior porte. Os comerciantes de artigos industrializados adquirem o produto
nos atacadistas dos grandes centros e lojas de tecido e confecção, com condições de
pagamento futuro. Assim após a comercialização eles podem retornar ao fornecedor, pagar a
dívida e renovar o “estoque”.
Um dos fatores relacionados à maior intensidade e importância das feiras, nesta zona
de transição é a presença de culturas comerciais próximas às cidades, dando à feira uma área
de influência maior e possibilidades de crescimento, pois atraem um número cada vez maior
de comerciantes e compradores. Dois exemplos que podem ser citados são os de Arapiraca,
28

em Alagoas, com todo o seu desenvolvimento voltado para a cultura do fumo e


conseqüentemente a feira, e Timbaúba, Pernambuco, localizada na Zona da Mata e encravada
entre os canaviais.
As feiras de zonas típicas são as existentes no interior de zonas geográficas bem
definidas. Quando comparadas às das zonas de transição são menores e mais pobres,
resumindo-se a umas poucas barracas com produtos de consumo indispensável e algumas de
artesanato e confecção. Por ser uma zona onde a pobreza é generalizada, principalmente no
Sertão, a presença do produtor como comerciante quase não se faz notar. Quase todo mundo
possui uma roça, mesmo que bem pequena, ou não possuem condição de comprar o que é
oferecido na feira. Catolé do Rocha, no Sertão paraibano, Mamanguape, na Zona da Mata
paraibana e Angicos no Sertão do Rio Grande do Norte, são alguns exemplos deste tipo de
feira (ISSLER, 1965, p.36).
No que tange à organização interna das feiras (ver Fig. 2), não existem formas
predeterminadas, nem legislação específica que trate deste tema, porém alguns aspectos são
comuns a quase todas. O mercado público, geralmente de propriedade da prefeitura
Municipal, é o local onde são comercializados os produtos de maior consumo e que
necessitem de proteção contra mudanças no tempo, como farinha de mandioca e carne. Nas
feiras mais rudimentares, o abate dos animais é feito em um prédio anexo ao mercado, com
precárias condições de higiene e à vista de todos. Os demais produtos são dispostos em torno
do mercado e pelas ruas próximas ao mercado. Os produtos que necessitam de maior espaço
como a cerâmica e os móveis dispõem-se pela periferia da feira.
29

Figura 2 – Representação do movimento na feira


Fonte: Desenho de Percy Lau. (“A feira sertaneja”) in Tipos e aspectos do Brasil. 10ª ed. Rio de
Janeiro: IBGE, 1975.

O artesanato constituía um ponto fundamental nas feiras típicas do nordeste, sendo


comum encontrar o artesão em plena atividade, fabricando principalmente os artefatos de
couro como sandálias, alpercatas e calçados. Este tipo de artesanato é mais comum nas áreas
de predomínio de criação (já mencionamos que em Itabaiana, na virada do século, o artesão
desaparecia da feira). As redes de dormir são também bastante comuns e de maior aceitação
por parte da clientela, por possuírem preços mais acessíveis que as camas e serem mais fácil
de transportar. No caso de Itabaiana, isso era válido até meados dos anos oitenta.
Paralelamente à comercialização, a feira atrai os prestadores de serviços, que têm aí
um bom momento para o exercício de suas atividades. O mais representativo destes serviços
são as barracas de alimentos, que funcionam desde a madrugada, servindo desde cafezinho até
os pratos típicos como o picado e a buchada. Barbeiros e pequenas oficinas para consertos de
relógios são também comuns.
O sistema de pesos e medidas nem sempre seguia o padrão adotado pelo governo.
Basta lembrar que um dos grandes levantes armados na Paraíba, o “Quebra-Quilos” (de 1874)
iniciou-se nas feiras como protesto contra a adoção do sistema métrico decimal. Era comum
cada comerciante possuir seu próprio método e seus próprios pesos. O litro, medida de
capacidade geralmente utilizada para líquidos, pode aqui ser utilizado para se medir farinha e
30

cereais. Até os anos oitenta era comum também o uso da “cuia” para vender farinha (a cuia
era de tamanho variado).Para pesar animais e produtos agrícolas a unidade mais utilizada
ainda é a arroba. Ultimamente, as balanças dos feirantes de Itabaiana tem sido aferidas pela
fiscalização e alguns deles já possuem balanças digitais.
A feira se inicia antes mesmo do raiar do dia, prolongando-se até o meio-dia. Alguns
comerciantes já possuem um lugar “fixo” para se instalar e todos respeitam esta regra da feira.
Os feirantes-agricultores saem de sua propriedade logo cedo e só os que possuem produtos
não perecíveis se arriscam em feiras mais distantes. Tanto comerciantes como consumidores,
que não têm um meio de condução próprio costumam fazer uso de lotações em caminhões e
kombis, ou mototáxi (cada vez mais comum em várias cidades do interior) ou utilizam os
ônibus que fazem uma vez por semana o itinerário da feira. Há ainda os que ficam na “beira
da estrada” à espera de uma carona e os que possuindo bicicletas, ou mais raramente, animais,
deles se utilizam para chegar à feira. O dia de feira é um acontecimento social, principalmente
no Sertão, onde não se faz apenas o comércio. É o dia de ir ao médico, ao barbeiro, à igreja e
tudo que for necessário. O importante é aproveitar ao máximo à viagem, pois nem todos
podem se dar ao luxo de ir à cidade a qualquer hora, largando o roçado ou o trabalho em
alguma propriedade. Inclusive, nos shows do cômico Zé Paraíba o assunto é muito comentado
em tiradas como esta: “O povo do mato gosta de se consultar na feira, o médico já aperreado
querendo fazer a feira , uma senhora encosta e...”
Para o Nordeste a importância da feira está ligada ao tamanho do núcleo em que ela
ocorre. Quanto menor for o núcleo urbano tanto maior sua importância e sua influência. Nas
pequenas comunidades, onde o comércio regular é inexpressivo, assume o papel de mercado
geral, onde se realizam todos os negócios locais. Nos pequenos centros urbanos (e às vezes
até em cidades maiores), a feira encarna e torna concreta a função comercial. Para tanto
promove a circulação regional ou inter-regional dos produtos locais de subsistência e de
consumo.

1.2 - Itabaiana, a feira e a Ocupação do Interior Nordestino.

O interior do Nordeste começou a ser ocupado a partir do final do século XVI, e esta
ocupação teve como base econômica a atividade pecuária. Tal foi a sua importância para
explicar a origem de Itabaiana e de sua feira que o tema será desenvolvido em outro capítulo.
Da mesma forma, o papel das vias de circulação e dos transportes também será abordado
31

separadamente. Uma das razões da penetração do gado para o interior foi a necessidade de
prover à área açucareira do litoral de animais para o transporte e de carne para as populações
urbanas. Além disso, os solos das áreas litorâneas, solos aluviais de massapé e eluviais
oriundos da decomposição das rochas cristalinas sempre foram propícios à cultura da cana-de-
açúcar, e a mata atlântica servia como combustível para os fornos dos engenhos, através do
corte de suas árvores. Não era possível, portanto a junção das duas atividades no litoral,
mesmo porque não havia ainda o arame farpado, as cercas eram vivas ou de varas. A pecuária,
portanto só podia ser feita em condições restritas ao lado da agricultura e esta, era a prioridade
econômica no século XVI.
Outro fator que contribuiu para a penetração do gado para o interior foi a presença dos
holandeses no século XVII levando os criadores a entrar para o interior devido ao medo de
perder seus alimentos para os invasores que os requisitavam. Ao penetrar para o interior, estes
criadores iam estabelecendo-se em extensões de terra doadas em sesmarias.
A cultura da cana de açúcar era tão mais importante que a “Carta Régia” de 1701
proibia a criação de gado até dez léguas da costa, o que corresponde, aproximadamente à
distância geodésica de Itabaiana ao mar (SAITO; PAZERA et al, 1984, p.91). Vale salientar
que esta medida teve como conseqüência a separação econômica e espacial da agricultura e da
pecuária, fazendo com que uma e outra adotassem obrigatoriamente práticas extensivas. No
entanto, a criação de gado foi a principal atividade econômica amplamente difundida no
Brasil Colônia não destinadas basicamente à exportação (VALVERDE, 1985, p.193).
A proximidade com o Rio Paraíba foi um fator de ordem física de grande importância
na formação de um aglomerado urbano e na prática da atividade pecuária (ver Foto 1).
32

Foto 1 - Itabaiana vista da margem esquerda do rio Paraíba


Foto: Eduardo Pazera Jr. Data: 21-04-2002)

O município de Itabaiana, localizado dominantemente na porção meridional do


Agreste Baixo da Paraíba, (ver Fig. 3) é uma área situada em pleno caminho da penetração do
gado para o interior. Além disso, os fatores de ordem física tiveram grande importância tanto
no processo de penetração do gado para aquela região quanto para a formação de uma
aglomeração humana. A já referida proximidade com o rio Paraíba, por exemplo, foi
fundamental em se tratando de uma área onde as temperaturas durante o verão são elevadas e
as precipitações relativamente escassas. No entanto as chuvas periódicas de inverno permitem
o plantio de culturas alimentares.
33

POSIÇÃO DE ITABAIANA NO NORDESTE DO BRASIL

ÌTABAIANA

LOCALIZAÇÃO DE ITABAIANA NO
ESTADO DA PARAÍBA
38º 37º 36º 35º


E
RT
NO
DO
E
A ND
GR
RI
O RIO GRANDE DO NORTE


CEARÁ

CO
BU B UC
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PE P ER

ELABORADO: CONRAD ROSA, PAULO ROSA 8º

BASE CARTOGRÁFICA: IBGE

Figura 3 – Posição do Município de Itabaiana no Nordeste do Brasil


34

O relevo da área é do tipo aplainado apresentando-se às vezes colinoso, suavemente


ondulado (ver Foto 2). Estas condições do relevo aliadas a uma vegetação não muito fechada,
do tipo agreste, com presenças de mata úmida e espécies herbácio-arbustivas propícias tanto
para o pasto como para a alimentação do gado, contribuíram de forma significante para a
estabilização de uma população e para a atividade pecuária naquele espaço. Além do mais,
fatores de ordem natural como a proximidade de um rio perene numa área seca durante seis
meses do ano, um relevo não muito acidentado, e uma vegetação própria para a alimentação
do gado eram elementos de certa forma condicionantes numa época e num país onde o
conhecimento de técnicas adequadas à agricultura e à pecuária eram rudimentares.

Foto 2 - O relevo suavemente ondulado dominante no município de Itabaiana


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 05-03-2002

A ocupação do atual município de Itabaiana teve sua origem na fundação da Missão


do Pilar em 1670 pelos Jesuítas que, margeando o Rio Paraíba lá chegaram. Os missionários
tinham por objetivo o estabelecimento dos indígenas. Esta missão afastou os índios Tupis da
área, permanecendo os Cariris. No entanto, a fase de colonização começou de fato no século
XVIII, quando novas sesmarias foram concedidas tornando-se fazendas de gado. A primeira
35

sesmaria naquele espaço foi concedida em 4 de agosto de 1663 para Francisco Camelo
Valcasser e Francisco do Rego Barros. Foi ocupada em 1665, antes, portanto da chegada dos
Jesuítas em 1670. (MAIA, 1976, p. 27). Nos seus “Apontamentos para a História Territorial
da Parahyba”, Lyra Tavares refere-se à criação de gado na área no ano de 1726 (TAVARES,
1982, p.127). À sua volta várias outras fazendas se estabeleceram e Itabaiana logo se tornou
um aglomerado humano. Entre 1780 e 1800, as transações entre sesmeiros já aconteciam
nesta área onde atualmente ergue-se a cidade de Itabaiana.

1.3 – A origem da feira de gado

A feira de Itabaiana tem sua origem na própria geografia da pecuária no Nordeste e no


Brasil, na medida em que foi conseqüência natural de uma organização do espaço de
comercialização voltada para circular os produtos e bens oriundos da atividade criatória. O
fato de Itabaiana estar localizada na borda leste da região da pecuária foi fundamental para o
estabelecimento da feira de gado na segunda metade do século XIX. (SAITO; PAZERA et al,
1986 p.100).
As feiras de gado do Nordeste brasileiro, forma de comércio tradicional, são ainda
como destaca Strauch (1952, p.101) “uma exigência das condições da pecuária naquela
região. (...) Torna-se então muito importante a situação geográfica desses pontos de
convergência que devem interessar tanto ao sertão, área produtora, como ao litoral e mata,
zonas de consumo”. A localização da feira em Itabaiana liga-se, portanto a fatores de ordem
físicos (clima, relevo, vegetação e hidrografia apropriadas à atividade criatória, assim como, à
instalação de um aglomerado humano); políticos (a criação de sesmarias, a invasão holandesa
e a influência política para a criação da lei que instituiu a própria feira); econômicos (a
expansão da atividade criatória no interior nordestino) e sociais (o lugar era ponto de parada
para os tangerinos e vaqueiros que tangiam as boiadas para os centros comerciais de Recife e
João Pessoa).
Itabaiana passou a categoria de vila subordinada à Comarca do Pilar durante os anos
de 1881 a 1885, aumentando com isso as transações comerciais. As feiras passaram a realizar-
se nas terças-feiras, dia em que o Prefeito vinha da Vila do Pilar despachar os papéis na sede
de Itabaiana (SILVA, 1990, p.10). A função de fiscalizar e administrar o abastecimento nas
vilas e povoados era atribuição da Câmara Municipal. Não conseguimos verificar se ocorrem,
atualmente, outras feiras no Nordeste, às terças. Contudo, a antiga feira de gado de Feira de
36

Santana, na Bahia, por mais de um século realizava-se nesse dia e foi transferida, no século
XX, para as segundas (CARVALHO, 1958 p.23).
A carne era vendida nas ruas e por causa disto, foi sugerida a construção de um
açougue para o retalho da carne. Isto se deu em 1887. Consta que a feira de gêneros começava
a se formar por volta de 1830. O comércio prosperou e em 1890 foi construído o prédio do
mercado para melhorar as condições de higiene e segurança dos feirantes e dos gêneros,
principalmente da farinha de mandioca. A Coroa compreendia ser o abastecimento uma
questão de ordem social, nem sempre entendida pelos grandes interesses da lavoura
comercial. A legislação portuguesa refletia a preocupação de favorecer atividades rentáveis
como a monocultura do tipo comercial. No entanto a auto-suficiência das unidades rurais foi
um dos traços característicos da economia que se instalava no Brasil e a produção de
subsistência sempre acompanhou os azares da economia exportadora, setor dinâmico por
excelência.
A produção de subsistência desenvolvida quer nas grandes unidades para o auto-
abastecimento, quer nas pequenas e médias propriedades, com capacidade de produzir
excedentes alimentares, teve uma considerável importância interna, e, no entanto, só recebeu
a atenção do poder colonial nos momentos críticos de escassez alimentar nas cidades. No
século XVIII a Coroa estabelece que se façam nas vilas e povoados às feiras, para que se
possa vender e comprar o que se necessitar, e para tal estabelece que a fiscalização das feiras
se fizesse através da Câmara Municipal (LINHARES, 1979, p.85).
O crescimento da feira de Itabaiana foi uma resposta às necessidades do núcleo urbano
em expansão, bem como foi resultado das melhorias no transporte, como as carroças de boi e
o trem, à abertura de estradas e à interiorização da economia. A organização da feira de
Itabaiana em linhas gerais subordinou-se à política agrícola do país, pois a região era de
criação de gado, sendo a agricultura uma segunda atividade. Com isso, à parte da feira que
ganhou maior destaque, foi à feira de gado, pela sua grande importância econômica bem
como pela sua dimensão espacial.
O memorialista Sabiniano Maia (MAIA, 1976, p.135), divide a feira em cinco
“feiras”, no final do século XIX e no início do século XX: a de gado, a de gêneros, a de
cavalos, a do bacurau e a do capim. A mais importante, no entanto, era a de gado, criada pela
lei 140, de 1880 quando Itabaiana ainda era povoado. Esta feira era muito representativa e deu
início ao desenvolvimento progressivo da região, pois com o aumento da população, Itabaiana
torna-se Município em Abril de 1890.A feira de gado era a mais importante, pois a estrutura
37

agrária e econômica do Município voltava-se para a atividade pecuária. A Feira de Gado


surgiu em função de uma atividade – a pecuária – amplamente favorecida pelas condições
naturais favoráveis, conforme o comentário da foto 2.

1.3.1 - As “outras feiras” até 1930

A Feira do Capim foi uma conseqüência do aumento da população da cidade que sem
serviço de canalização de água, precisava dos muares com barris para levar água nas casas.
Após a entrega, os carregadores dirigiam-se à feira do Capim para abastecer os animais de
forragens verdes tais como: capins verdes, olhos de cana, palha de milho e bagaço de cana.
Nos anos oitenta, já não havia vestígios dessa feira. Provavelmente, com a regularização do
abastecimento urbano de água ela perdeu sua função.Além disso, o uso de animais para o
transporte de mercadorias diversas para a feira, bem como para montaria de feirantes e
compradores, já vinha rareando desde os anos sessenta com a expansão dos caminhões.
A Feira do “Bacurau” data de 29 de Março de 1890, ano em que foi instalado o
mercado público. Constituía o ponto de encontro dos tangerinos que iam jantar antes de ir
para o bordel na segunda-feira à noite. Atualmente no mesmo local ainda existem barracas
que servem comidas variadas.
Na Feira de Cavalos também eram comercializados éguas, burras e jumentos. No
início do século XX era conhecida pela sua grande extensão em todo o Estado. “Dizia-se
inclusive que de tão grande, era possível roubar um cavalo num lado da feira e comercializá-
lo do outro lado” (SILVA, 1990, p. 21). A foto abaixo (Foto 3), de 1987, é uma pálida
lembrança da antiga feira de cavalos, que se localizava, na época, longe do centro da cidade e
da feira propriamente dita, junto ao Cemitério, ao lado da ferrrovia. Em meados dos anos
noventa já não se comercializavam cavalos na feira de Itabaiana.
38

Foto 3 - “Feira de Cavalos” já nos seus últimos dias ...


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 27-04-1987.

Com relação à Feira de Gêneros inexistem referências específicas na bibliografia


consultada até então. Conforme foi visto anteriormente, a organização do espaço agrário do
Município se dava em função principalmente do gado, que atendia às necessidades de
suprimento de carne para o litoral, onde a cultura da cana-de-açúcar era a prioridade agrícola
que visava por sua vez o comércio exterior. As culturas de subsistência no país permaneciam
em segundo plano, preocupando-se o governo com ela nos casos mais críticos de carência do
abastecimento. Com isto, não havia o incentivo e o desconhecimento de técnicas de plantio
era comum conforme relata João Lira Tavares sobre o Município de Itabaiana em 1910:

A agricultura apresenta um estado verdadeiramente lastimável, tais os processos


empregados pelos seus inúmeros cultivadores. O agricultor em quase todos nossos municípios
pertence à classe dos desprotegidos da sorte. Entre eles são em absoluto desconhecidos os
processos modernos de destocar, lavrar, adubar, plantar, colher e beneficiar o produto. O
cultivo da terra é aqui exercido pelos pequenos agricultores, produtores de gêneros de
imediato consumo (TAVARES, 1910, p. 575).
39

O Município produzia, no entanto muitas frutas, a saber: bananas de várias qualidades,


mangas, oiti, mamão, uva, lima de pérsia, limão, caju, sapoti, jaca, jabuticaba, figo, romã,
goiaba, coco da praia, melancia, melão, pitomba, tamarindo e pinha ou ata, sendo esta a de
maior abundância (TAVARES, 1910, p. 576). Os gêneros comercializados na feira
compreendiam então a carne e a farinha vendidos no mercado e no açougue, frutas e
excedentes de pequenas roças familiares. A estes pequenos agricultores cabia a atividade
menor de ocupar a terra, desbravá-la e povoá-la. A área que eles ocupavam (e ocupam) é
aquela não ocupada pela agricultura comercial especulativa e não ambicionada por interesses
mais fortes. Daí o caráter precário e transitório do uso da terra por pequenos proprietários e
lavradores sitiantes, como se fossem eles ocupantes provisórios de glebas temporárias. A
sucessora atual dessa feira corresponde à descrita adiante como “terceira e quarta partes” da
feira, com a grande diferença da origem dos produtos que transcende, não só, os limites
municipais, mas até mesmo, os regionais e eventualmente, nacionais.
João de Lira Tavares (TAVARES, 1910, p.576) chega a referir-se à Feira de Itabaiana
como a mais importante do Estado no início do século XX. Outros autores (SILVA, 1979, p
84; CARDOSO, 2000, p. 39) comentam que durante parte do século XIX ela era mais
importante que a feira de Campina Grande. No entanto pode-se constatar que a importância
maior centralizava-se na comercialização do gado, pois os impostos arrecadados eram a
grande fonte de renda para o Município.

1.3.2 - A feira e as melhorias urbanas em Itabaiana

Itabaiana, enquanto se mantinha como povoado do Município do Pilar evoluía


lentamente, bem como a maioria dos povoados nordestinos e da Paraíba. Seu progresso
acentuou-se em fins do século XIX, quando passou à categoria de Vila e finalmente de
Município em 1890. Em meados do século XX Mogeiro e Salgado de São Félix
emanciparam-se de Itabaiana, tornando-se municípios autônomos. Para o progresso de
Itabaiana dois fatores contribuíram determinantemente: a criação da Feira de Gado em 1864 e
a chegada do trem, assuntos que serão discutidos em outros capítulos. Com o trem, o
comércio dinamizou-se, e com este, a cidade. Foram inaugurados cinema, telefone e luz
elétrica, e esta chegou à cidade em 17 de Março de 1912, seis dias antes da inauguração do
sistema elétrico da Capital. Aliás, acrescentam vários historiadores, que esta primazia
estendera-se sobre todo o Estado da Paraíba (MAIA, 1976).
40

O abastecimento de água em Itabaiana foi uma conquista junto a Inspetoria Federal de


Obras Contra as Secas. Após análises e perfurações, concluíram os engenheiros que o local
mais indicado para as instalações seria a Ilha existente no Rio Paraíba. A cidade e o Rio
sempre viveram em simbiose, portanto o rio era sempre motivo de preocupação pela secura do
leito no verão ou pelo represamento nas cheias do inverno. A prova disto é encontrada na Lei
Orçamentária de 1914 em que o prefeito temendo a devastação do leito pelo primitivismo dos
rurícolas, decretava medidas acauteladoras, proibindo derrubadas de matas e árvores à sua
margem, pagando os infratores uma multa por árvore derrubada. No entanto, tais precauções
não tiveram continuidade, e “a cidade vivia entre cheias arrasadoras e secas incendiárias”
(SILVA, 1990, p.18).
Em 1924, a cidade se viu ilhada entre o rio Paraíba e o riacho das Pedras. O escritor
José Lins do Rego deixou uma descrição candente dessas cheias no seu romance “Usina”: “O
Paraíba inchava de cheio, roncando. As suas águas cresciam (....)Um ronco sinistro com as
águas que comiam as ribanceiras, que ruíam com estrépito” (REGO, 1973, p.257). Casas
foram derrubadas assim como a ilha de abastecimento de água. Esta enchente marcou época
de tal forma que a cidade ficou conhecida como antes e depois da cheia. Com a calamidade a
Feira de Cavalos ficou suspensa por um longo tempo. Foi também carregada pela cheia a ilha
de abastecimento d’água, inaugurada em 1911, pioneira no estado, pois o abastecimento de
água da Capital só chegou um ano depois.
Itabaiana foi, portanto, a primeira cidade no Estado a ter água encanada e luz elétrica o
que mostra a sua importância econômica e política no cenário estadual no início do século
XX. De fato, por volta de 1910 Itabaiana foi talvez a cidade mais importante do interior
paraibano, equipada com carruagens, uma linha de bonde puxado a burros, assim como
eletricidade, vias pavimentadas, abastecimento de água, belas avenidas e parques (ver Fotos 4,
5, 6, 7 e 8 reproduzidas do livro Itabaiana suas histórias, suas memórias de Sabiniano Maia,
1976). Os bondes puxados a burro circularam de 1914 a 1929 segundo dados da ANTP
(Associação Nacional do Transporte Público). A feira certamente foi um dos fatores
econômicos que contribuíram substancialmente para este desenvolvimento. No romance (
“Doidinho”) de José Lins do Rego, cujo personagem vivencia esse período, temos a seguinte
imagem:

[...]Era uma cousa grandiosa a feira de Itabaiana. Nunca vira tanto povo
junto, num rebuliço de festa, nessa confusão, nesse bate-boca dos que
vendem e trocam. Havia de tudo: o lado do queijo, da carne-de-sol, do
açúcar bruto, do açúcar purgado, do feijão, ruas inteiras de gêneros, gente
41

falando alto, cheiro de bacalhau, de peixe em salmoura, de frutas passadas.


(REGO, 1989, p. 19)

Foto 4 - A ladeira do Alto dos Currais ao receber a


denominação de “Rua Camilo de Holanda” – 1916
Foto reproduzida de Maia, 1976.

Foto 5 - Praça Senador Álvaro Machado – 1920


Foto reproduzida de Maia, 1976.
42

Foto 6 A Antiga Rua do Comércio (Heráclito Cavalcante e Walfredo Leal),


vista do alto da Matriz com a sua arborização de castanholas – 1914. ( foto
reproduzida de Maia, 1976).

Foto 7 – A mesma rua da foto 6 com sua arborização de Ficus benjamin,


1928. Foto reproduzida de Maia, 1976. Comparar com a foto 8 de 1987
43

Foto 8 – Do alto da torre da igreja uma visão dos veículos estacionados e o início das barracas
da feira (Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 24-07-1987). Comparar com as fotos 6 e 7.

1.3.3 - As transformações iniciais da feira e a Revolução de 1930

Conforme vimos anteriormente, até a década de trinta, Itabaiana progredia


consideravelmente enquanto economia regional e a Feira do gado, sendo o fator primordial
deste progresso, colocava Itabaiana em local de destaque no cenário Estadual no referido
período. O censo de 1940 mostra que a arrecadação do município teve uma receita maior do
que a despesa. A cidade atraía pelo clima ameno no inverno de março a agosto pessoas de
outros municípios, de Recife e de João Pessoa e era conhecida por ser dotada de uma infra-
estrutura de serviços, que à época só eram oferecidos pelos grandes centros, como serviços de
iluminação e energia, remoção de lixo, transporte urbano e praças ajardinadas, ruas
pavimentadas, bibliotecas, sociedades artísticas, literárias, beneficentes e religiosas, além de
manter imprensa periódica (MAIA, 1976, p.255).
44

A respeito de Itabaiana o escritor José Octávio disse:

Cidade que se equilibrou, dialeticamente, entre a feira e o trem, o arruado e


o rio, os pés-rapados e os corcundas, Paraíba e Pernambuco, o sertão e a
capital, (....), que se beneficiou da condição de corredor para o Recife,
função que figurou na raiz da irradiação dos movimentos de 1817, 24 e 48 a
seu território e se acentuou com a chegada da estrada de ferro em 1901 (...).
a urbanização itabaianense foi fulminante e comportou condes, cinema,
revistas, pastoris, lapinhas, carnavais e retretas bem como edificações de
suas amplas praças ornamentadas com artísticos coretos.Originário do
antigo criatório, em razão do que, ainda bem recentemente, eram
pecuaristas itabaianenses que abasteciam de carne os mercados pessoenses,
Itabaiana também valorizou-se um pouco com o algodão e a cana de açúcar
que lhe tisnaram a paisagem. No período do apogeu, representado pela
eqüidistância em relação aos mercados consumidores de João Pessoa,
Campina Grande e Recife, sua feira de gado marcou época, tanto quanto a
escola primária do professor Maciel, onde estudou José Lins do Rego, em
cujos romances podem encontrar-se referências a Itabaiana. (MELLO,
1983, p.60)

A partir da década de trinta, pode-se dizer que começa uma fase de estagnação quanto
ao crescimento urbano e um freio no desenvolvimento da economia incapaz de absorver a
mão-de-obra que necessitava de emprego. Até 1930, existia no cenário político a figura dos
chefes políticos, que eram uma espécie de “todo-poderoso de uma comunidade”. Depois dessa
autoridade seguia-se o coletor de rendas, o delegado de polícia, o juiz de direito e o promotor
público. Nesta seqüência desenvolvia-se o drama demonstrativo do poderio da época: o
coletor aumentava o imposto do adversário do chefe, este mandava cobrá-lo; havendo recusa,
o delegado o prendia como infrator da lei. Às vezes o chefe político era o Juiz de Direito e
esta relação era plenamente aceitável. O chefe não era o Prefeito nomeado, que se ofuscava
inteiramente diante do chefe, que na prática resolvia tudo, inclusive as benfeitorias como a
construção de prédios, ruas, etc. Em Itabaiana a instalação de luz elétrica e encanamento da
água foram iniciativas do chefe, que com sua influência política adquiria cada vez mais
popularidade e respeito (Maia, 1976, p.75). O prestígio destes chefes ou coronéis muitas vezes
transcendia às fronteiras do Estado e nenhuma ação de vulto se realizava sem o seu
consentimento. Dispondo de consideráveis contingentes de jagunços, que constituíam o seu
exército particular, mobilizavam estas forças para fazer valer seus interesses, impor a sua
vontade e dobrar seus inimigos (RODRIGUES, 1976 p.16).
Segundo o depoimento do Sr. Manoel Borges, 72 anos, ex-proprietário de terras e de
gado, existia uma política de perseguição nas coletas de impostos na Feira de Gado, ou seja,
havia na época uma relação muito estreita entre a política, representada pelo poder
45

oligárquico e a economia, sendo que a política determinava de certa forma as negociações


existentes na feira (SILVA, 1990, p. 20).
João Pessoa, ao assumir a Presidência do Estado da Paraíba, volta-se basicamente para
duas questões: uma política sistemática de desprestígio aos coronéis e um programa de
soerguimento das finanças do Estado. Para acabar com os vícios políticos, demitiu juízes e
promotores, removeu delegado e chefes da Mesa de Rendas (coletorias estaduais). Para
moralizar e reorganizar as administrações municipais selecionou e nomeou novos prefeitos,
fugindo à “velha praxe de compadrio”, dando preferência a elementos que se projetaram em
cargos públicos e que não tinham relações com o prefeito da gestão anterior (MAIA, 1976).
Para desestimular ou mesmo proibir o comércio do interior paraibano com outros
Estados, para estimular a instalação de firmas e com isso fomentar a economia do Estado,
João Pessoa criou a Lei Tributária 673, promulgada em 17 de Novembro de 1928 regulando a
exportação de mercadorias, sendo criado por este dispositivo legal o Imposto de Incorporação.
A partir deste momento, passou a ser dado tratamento diferente às mercadorias que entravam
ou saíam do Estado, em termos de tributação. A economia e as finanças paraibanas há muito
vinham sofrendo grandes prejuízos em face do intercâmbio comercial de suas cidades
interioranas com os Estados vizinhos. Dentre estes, Pernambuco constituída o maior
concorrente, às vezes adotando taxações mais baixas no intuito de atrair produtos para a sua
praça. Itabaiana era uma destas cidades que negociava direta e constantemente com Recife.
O Jornal do Commércio de Recife, na época órgão de grande repercussão no país,
abriu uma ferrenha campanha contra a Lei, denominada de guerra tributária. Cedeu colunas
para os que se julgavam prejudicados, inclusive aos comerciantes das cidades do interior
paraibano (principalmente Campina Grande, Itabaiana e Alagoa Grande). Comerciantes de
Itabaiana chegaram a emitir telegramas de protesto à Lei Tributária ao Sr. Washington Luiz,
então Presidente da República. Isto denota o grande fluxo de negócios realizados entre as
praças comerciais de Recife e Itabaiana, e a partir desta observação pode-se afirmar que o
volume dos negócios realizados em Itabaiana trazia desenvolvimento para a economia
regional e não contribuía de forma significativa para o desenvolvimento do Estado da Paraíba.
“No mais, Itabaiana pertence a uma categoria de cidades que escoavam toda a sua produção
ao centro polarizador da bacia urbana de Recife”. (SILVA, 1990 p.21)
Esta reforma econômica levou o Estado a um progresso tal que permitiu que o
Presidente paraibano recusasse empréstimos oferecidos por bancos estrangeiros, alegando ser
a renda estadual suficiente para atender às necessidades do Estado. No entanto a referida
46

reforma implicaria para as cidades do interior na falta de gêneros alimentícios e no aumento


do custo de vida. Entre os produtos mais caros encontrados nas feiras de gêneros do interior
do Estado estavam o feijão, o arroz, o charque, a banha, cebolas, batatas, frutas e verduras.
Esta guerra tributária foi, no entanto se desvirtuando, transformando-se em válvula de escape
de rixas familiares e se constituiria numa das sementes do futuro movimento armado de
Princesa (RODRIGUES, 1978 p.55).
A morte de João Pessoa, conseqüência de uma pressão sobre o poderio oligárquico das
famílias paraibanas, serve de estopim para o movimento denominado de Revolução de 30, que
para muitos estudiosos foi a Revolução Burguesa por ter partido e se viabilizado pela ruptura
do pacto oligárquico, tendo como centros deflagradores as oligarquias do extremo Sul, de
Minas Gerais, da Paraíba e de Pernambuco (OLIVEIRA, 1981 p.65).

1.3.4 - O Pós – Guerra e a Industrialização no Brasil

A partir de 1930, iniciou-se no país uma fase de transição das estruturas econômicas e
políticas, e a característica desta transição foi a presença cada vez mais marcante das
burguesias industrial e comercial, em detrimento do poderio oligárquico. Até então, a
economia caracterizava-se por ser primária, voltada para a exportação (MARANHÃO, 1984,
p.122). Esta estrutura era baseada na existência de uma série de bacias urbanas, ou seja, de
regiões em formação: grandes áreas do interior eram polarizadas para um porto que escoava
sua produção e recebia do exterior os produtos por ela importados. As relações entre estas
bacias urbanas eram feitas por mar porque as ferrovias existentes eram raras estradas de
penetração, construídas para exportação dos produtos do interior, e as rodovias, poucas e de
má qualidade, não se estruturavam ainda em uma rede nacional (ANDRADE, 1979, p. 110).
Esta economia, que se expandia para fora, era a base para o sistema oligárquico de
dominação, pois o controle do Estado estava obviamente nas mãos dos produtores, dos
latifundiários e dos exportadores capitalistas.

Quando a indústria paulista, beneficiada pela ausência de concorrentes estrangeiros


durante a guerra, se equipou para substituir as importações e produzir em larga escala
nacional, não podia se satisfazer com um mercado consumidor restrito à região do Centro –
Sul. Procurou mercados nas demais bacias urbanas. Com isso, as antigas bases do sistema
oligárquico de dominação vão sendo substituídas por uma burguesia industrial e mercantil.
47

Enquanto isto, o Estado Nacional, por sua vez, criava mecanismos político – institucionais
que atuavam de modo decisivo na criação de infra-estrutura para viabilizar o crescimento da
economia industrial do Centro-Sul: a abolição de barreiras alfandegárias entre os estados; a
instituição do imposto do consumo; a abolição da capacidade dos estados de legislar sobre o
comércio exterior. Estas medidas acabariam por criar condições para a formação de um
ESPAÇO ECONÔMICO NACIONAL UNIFICADO (MARANHÃO, 1984, p.127). A partir
de 1930, as economias regionais isoladas, cuja dinâmica era dada principalmente por suas
relações com o exterior, passam a integrar uma DIVISÃO REGIONAL DO TRABALHO
NACIONAL, cujo pólo, onde se iniciava o processo de desenvolvimento industrial, era o
Centro-Sul.
O Nordeste, enfraquecido economicamente e politicamente debilitado com a ascensão
da burguesia industrial ao poder, assistia a uma crescente invasão de produtos industriais e
agrícolas do Centro-Sul, perdia seus mercados e via evadirem-se substanciais parcelas do
capital e da mão-de-obra regionais. O fenômeno do aumento das disparidades regionais desde
então é acentuado e é na verdade um sinal da integração do nordeste à economia nacional
comandada pelo Centro-Sul. Com isso, o Centro-Sul condicionava as possibilidades de
desenvolvimento da Região Nordeste. Itabaiana, com sua importante Feira de Gado e de
Gêneros, era no passado uma área de dinamismo econômico, chegando a constituir-se em
Região-Pólo. Sua função basicamente era fornecer alimentos, principalmente carne, para as
cidades de João Pessoa e para a Bacia Urbana de Recife-Olinda que tinha sua economia
centrada na exportação de açúcar.
Apesar das transformações ocorridas no cenário econômico e político do país após a
Revolução de 30 e acentuado após a Segunda Grande Guerra, não se observaram
transformações substanciais do tipo das que ocorreram no Centro-Sul, na economia regional
do Nordeste, que continuou assentada na produção de açúcar no litoral e na zona da mata, no
algodão e nas atividades pecuárias do Agreste e do Sertão. Dentro deste cenário, a Feira de
Gado continuou tendo sua importância, porém não desenvolvem outras formas de expansão
econômica que possibilitem o crescimento do município, que, como a maioria dos municípios
do interior nordestino, passa a entrar em processo de estagnação econômica, sem a menor
possibilidade de competir com os produtos produzidos no Centro-Sul.
O processo de industrialização exportado do Centro-Sul para todo o país teve na
década de 30 sua penetração na Feira de Itabaiana. Conforme o depoimento de pessoas idosas
e comerciantes locais antigos, foi nesta época que a Feira viu-se invadida por produtos
48

industrializados tais como roupas, sapatos, artigos de louças e plásticos. Até então na Feira
negociavam-se produtos do tipo artesanal como artigos de couro e tecidos. As lojas
encarregavam-se, de negociar com produtos diversos que vinham da praça de Recife. Com a
invasão dos mascates e camelôs, a Feira começa a modificar-se na sua forma, na sua estrutura
e, portanto na sua função, adaptando-se às novas necessidades tanto do capital como da
população daquela região.
Na segunda metade dos anos 50, sob o Governo Juscelino Kubitscheck, houve uma
diferenciação no interior da própria expansão industrial, que requereu o capital estrangeiro e
isto foi facilitado pela própria expansão que ocorria do capitalismo em escala internacional: o
crescimento dos países do Mercado Comum Europeu e principalmente do Japão. Foi
implantada no país a indústria automobilística que contribuía, juntamente com a construção de
Brasília, para a abertura de estradas de rodagem por todo o país.
Com o processo de industrialização do Centro-Sul, sucede-se de fato a destruição das
economias regionais, mas esta destruição não é senão uma das formas de expansão do sistema
em escala nacional. A estagnação econômica consiste, no entanto de uma fase do ciclo, cuja
lei é a nova forma de crescimento do capital (OLIVEIRA, 1981). As relações entre o Centro-
Sul e o Nordeste começam a partir da destruição dos capitais do Nordeste, onde fábricas não
conseguem competir, atividades antes protegidas pelas barreiras alfandegárias deixam de
existir e enfim na troca de valores iguais, ganha quem tem maior produtividade: o Centro-Sul.

1.3.5 - O golpe militar de 64 e o fim da feira de gado

Apoiados nas Forças Armadas e na tecnoburocracia como setores “modernos” e


organizados, os grupos industriais privados, nacionais e estrangeiros e os grupos capitalistas
agrários, consolidam o seu sistema de dominação com o movimento militar de 64. O Estado
passa a se fundamentar na grande empresa estatal e privada, excluindo as massas populares
rurais e urbanas, os setores operários e parte substancial das classes médias através de
aparelhos repressivos que foram enfraquecendo a sociedade civil. Inicia-se um novo
desenvolvimentismo baseado numa acumulação relativamente rápida de capital – pago pelos
grupos excluídos – e numa forte concentração de renda que atende aos interesses
principalmente de empresas multinacionais. Surgiu com isto um sistema burguês de
dominação e como conseqüência um sistema econômico centralizado num espaço nacional
49

que se consolidou estabelecendo um planejamento centralizado onde a sociedade civil foi


excluída (MARANHÃO, 1984 p.125).
No que diz respeito ao processo de integração do Nordeste ao sistema nacional ou à
economia nacional, o subdesenvolvimento do Nordeste é justamente um produto da sua
integração neste processo. Conforme foi visto antes, o Governo Militar instalado no país após
o Golpe de 64, incentivou a grande empresa nacional e transnacional tanto industrial como
agrícola. Quanto à ação do capital na área rural, programas oficiais passaram a garantir
empréstimos a pequenos proprietários de terras para compra de sementes, fertilizantes,
equipamento, e no sentido de encorajar a comercialização e a administração modernas. Para
Santos isto é feito “sob o pretexto de ajudar e a solucionar problemas de abastecimento de
alimentos e de pobreza rural, mas a finalidade verdadeira é modernizar a economia rural e
aumentar a composição técnica e orgânica do capital na agricultura” (SANTOS, 1979,
p.155).
Vale notar que determinadas alterações técnicas na agricultura podem, às vezes,
implicar numa modificação na propriedade da terra quanto à forma jurídica e espacial. Com o
desencadeamento dos mecanismos de ajuda, logo se eleva a necessidade de capital na
economia tanto na esfera da produção como de outras atividades: concentração do mercado
atacadista, no transporte, no frete e na propriedade de terra que se transformam em
verdadeiros monopólios rurais. Estes programas, portanto, ajudaram os já favorecidos.
Esta “revolução verde” tem a finalidade de seduzir países subdesenvolvidos para a
adoção de certas formas de modernização agrícola. Ela tem sido apoiada em massa por
constante publicidade porque envolve o uso intensivo de fertilizantes, sementes e
equipamentos que são importados. Ela cria também condições para a instalação de grandes
monopólios importadores-exportadores, que são na maioria subsidiários de firmas
multinacionais, e têm desorganizado o padrão tradicional da propriedade da terra e do uso do
solo, com desenvolvimento de empresas capitalistas às expensas de pequenos proprietários
que passam a integrar outras categorias de trabalhadores como bóias-frias ou mesmo
trabalhadores sem-terra, cujo índice tem aumentado consideravelmente nos países do terceiro
mundo após a chamada “revolução verde”.
Nesse período os grandes grupos industriais passam a integrar-se no sistema capitalista
mundial, ou seja, todas as áreas do país passam a ser reorientadas na sua produção conforme
os interesses de uma rede mundial. No entanto, na medida em que este tipo de penetração leva
à introdução de novas formas de produção (modernas e organizadas), leva também à
50

destruição daquilo que existia anteriormente em um determinado espaço. Com isso, o


conjunto de toda uma economia regional é obrigado a mudar distorcendo um ritmo de
desenvolvimento estabelecido há muito tempo e possivelmente, mais adequado às
necessidades da região. Como este crescimento econômico se vale do capital concentrado a
serviço de uma estrutura capitalista, ele intensifica a pobreza (SANTOS, 1999).
A esta altura, Itabaiana já sentia esta cruel realidade, a secular Feira de Gado
responsável pelo desenvolvimento local deixava de existir, em 1964 (fato marcante da
década), mudando com isso a forma de Feira que passa a ser uma Feira de Gêneros, de
produtos industrializados e algumas peças artesanais. Com o fim da Feira de Gado, a Feira de
Itabaiana começa a tomar a forma que possui atualmente. O gado, antes comercializado na
feira, passa a ser negociado e comercializado pelas grandes empresas, cujo objetivo é atender
às necessidades do capital e não mais de uma economia local.Posteriormente, sobretudo a
partir dos anos oitenta, tornam-se comuns os leilões nas grandes cidades. A tecnologia é
introduzida nas fazendas aumentando com isso a produtividade e levando o pecuarista a
negociar diretamente com os frigoríficos dos grandes centros. Como conseqüência, a região
produtora não usufrui o lucro da produção, que passa a centralizar-se cada vez mais nas mãos
dos fazendeiros e comerciantes do produto. O comércio do gado na Feira possibilitava um
maior dinamismo na economia regional assim como trazia dinamismo para a cidade. A
modernização dos sistemas de produção agro-pecuário serve desta forma ao modo de
produção dominante em vez de servir à formação sócio-econômica local e às suas
necessidades específicas.Tanto é que uma reivindicação das lideranças empresariais
itabaianenses (expressas em reunião comunitária) é a reativação da feira de gado através da
construção de instalações apropriadas (SEBRAE, 1997 p.33).
Segundo Milton Santos (1979), o processo de modernização tecnológica, ocorrido nos
países subdesenvolvidos após a 2a guerra mundial, e a forma como foi implantado, acabou por
gerar na economia desses países, dois circuitos de produção, distribuição e consumo. O
circuito superior é o que está mais íntima e diretamente ligado ao processo de modernização
tecnológica, ao passo que o inferior sofre esta influência de forma relativa, pois ele está mais
ligado à classe social que não usufrui das benesses do progresso. Neste sentido,

Não se poderia caracterizar os dois circuitos da economia urbana através de


variáveis isoladas. Antes, é necessário considerar o conjunto dessas
atividades. Mas pode-se dizer, desde já, que a diferença fundamental entre
as atividades do circuito inferior e as do circuito superior está baseada nas
diferenças de tecnologia e de organização (SANTOS, 1979, p.33).
51

No geral o circuito superior utiliza a tecnologia importada e de alto nível, com dupla
utilização do capital intensivo, enquanto que o circuito inferior predomina a utilização do
“trabalho intensivo”, sendo este detentor de um grande potencial criativo. No entanto, não se
podem entender ambos os circuitos como independentes, eles são fruto de um mesmo
conjunto de causas e possuem a mesma origem, o que leva a serem vistos como interligados,
constituindo-se numa bipolarização. Isto se deve ao fato de que existe uma classe média que
se utiliza dos dois circuitos, impedindo desta forma que ocorra um isolamento entre ambos.
Além deste fato, no decorrer das relações econômicas que se desenvolvem, surge o
intercâmbio de insumos entre os dois circuitos. Ressalta-se, porém, que o circuito superior se
impõe ao circuito inferior. “O trabalhador informal dirige e mantém sua atividade muito mais
em virtude do emprego e do fluxo de renda gerador, do que na busca de uma rentabilidade
competitiva” (Cacciamalli, 1993, p. 219).
Como bem se expressa Santos ( 1979, p.29)

A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou


vivendo de atividades ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas muito
elevadas, cria na sociedade urbana uma divisão entre aqueles que podem ter
acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos e aquelas que,
tendo as mesmas necessidades, não têm condições de satisfazê-las. Isso cria
ao mesmo tempo diferenças quantitativas e qualitativas no consumo. Essas
diferenças são a causa e o efeito da existência, ou seja, da criação ou da
manutenção, nessas cidades, de dois circuitos de produção, distribuição e
consumo dos bens e serviços.

Essas distorções acabam por dar origem a novas formas de interpretação da


estruturação das redes urbana nos países periféricos, levando em conta o papel dos mercados
periódicos, ou seja, as feiras, que existem na América Latina, África e Ásia. Entende-se aqui,
a feira, como uma espécie de mercado periódico formado em pequenos núcleos rurais ou de
povoamento que periodicamente se transformam em localidades centrais, ou seja, nos dias de
feira os pequenos núcleos assumem o papel de centro de comércio, para onde converge a
população do próprio núcleo e de outros. Findo o período de comércio os núcleos voltam a ser
apenas núcleos rurais, com grande parte da população subsistindo de atividades primárias.
Os mercados periódicos apresentam uma sincronização espaço-temporal das
atividades humanas. Desta forma os dias de feira acham-se articulados, apresentando uma
lógica de tempo e espaço, envolvendo o deslocamento periódico e sincronizado dos seus
participantes. Assim, tanto comerciantes como prestadores de serviços deslocam-se para onde
converge a clientela de uma área próxima ao mercado.
52

Os comerciantes, artesãos e prestadores de serviços amanhecem no centro com suas


mercadorias e instrumentos de trabalho. São, em geral, provenientes de outros pequenos
núcleos onde no dia anterior realizaram suas atividades comerciais, ou de outros maiores onde
residem e em sua maioria exercem a mesma atividade. Alguns são oriundos da zona rural e
deslocam-se aos mercados para vender produtos de sua roça e adquirir bens de que
necessitam. “Uma das características principais da feira é a periodicidade” (PAZERA Jr.,
1995, p. 81). A vantagem da periodicidade dos mercados é permitir uma distribuição espacial
mais abrangente, promovendo com isso, a redução das distâncias a serem percorridas pelos
consumidores, para a realização efetiva da compra.
Para Alexandre Diniz (1987, p. 72):

As feiras são essencialmente, lugares de compra e venda de produtos


variados, destacando-se, hoje, bens industrializados, ao lado de produtos
agrícolas tradicionais. Há uma pequena oferta de serviços ligados à feira:
barbeiros, relojoeiros, fotógrafos, mecânicos de bicicletas e até dentistas
práticos. Todavia, essa atividade é secundária diante da função comercial
dos mercados periódicos.

A caracterização do que é feira no Nordeste brasileiro passa pelos seguintes pontos:


periodicidade, itinerância dos comerciantes, variedade de produtos e serviços, agregação de
produtos similares em uma mesma área, preços abertos a acordos, bem como, formas criativas
de exposição das mercadorias e de chamar atenção sobre elas.
A feira do nordeste é um universo rico para o desenvolvimento de estudos nas áreas
sociais e econômicas. A Geografia vai a campo e busca reunir em um só tempo ambos os
aspectos. Assim além da sua efetiva função econômica, a feira é um espaço aberto a toda uma
gama de relações sociais que vão desde o simples ato de perguntar o preço dos produtos até ao
desenvolvimento de relações de amizade entre comerciantes e compradores, o que pode dar
origem a um sistema de vendas a crédito. Dentro das relações sociais, ocorre também, embora
não necessariamente dentro dos limites da feira, mas motivada pela sua existência, o encontro
de parentes e amigos que moram em outras cidades, sendo a feira, para algumas localidades,
um acontecimento social.
A característica mais marcante das feiras nordestinas é a itinerância dos feirantes e
que, indo de um mercado, feira, a outro criam um anel de mercado bastante movimentado
viabilizando, desta forma, sua atividade visto que, a baixa renda da população não possibilita
que a mesma se desloque para centros relativamente distantes da localidade.
53

Nas feiras também é notável a presença de pequenos produtores (que serão estudados
em capítulo posterior), artesãos (eventualmente) e outros que fornecem frutas e verduras,
especialmente na Paraíba, onde verdura, serve para designar tanto legumes quanto tubérculos
e hortaliças, que se colhem no quintal e vendem ali na feira para suprir uma necessidade
iminente. Estas pessoas não podem ser caracterizadas como feirantes, pois só
esporadicamente comparecem à feira, sempre com o objetivo de complementar o próprio
sustento e da família.

1.3.6 - O PROALCOOL e As transformações ocorridas em Itabaiana após o fim do


programa

O PROALCOOL (Programa Nacional do Álcool) foi criado em 1974 com a finalidade


estabelecida pelo Governo Brasileiro, de enfrentar a crise energética resultante da alta dos
preços internacionais do petróleo, através de uma política de crédito subsidiado. A produção
de álcool visava à substituição dos derivados do petróleo, principalmente a gasolina
automotiva. No entanto, este projeto contemplou com financiamento a juros subsidiados,
inferiores à desvalorização da moeda, os grandes proprietários, que conseqüentemente estão
aumentando seus espaços com o cultivo da cana-de-açúcar. Com isso, esse projeto passou a
produzir uma significativa reconcentração na estrutura agrária brasileira. Este programa tinha
por objetivo resolver o problema da crise energética pela qual atravessava o país, mas no seu
bojo ele poderia trazer, também, soluções para resolver ou pelo menos superar as contradições
do meio rural, pretendendo contribuir para a diminuição das disparidades regionais.
Quanto ao PROALCOOL como solução para a crise energética, faz-se necessárias
algumas explicações, pois esta foi a maneira simplista encontrada pelo governo para a rápida
propagação do Programa que na realidade manifesta interesses sociais e econômicos internos
e ligados ao tradicional setor agrário exportador. Este setor encontrava-se bastante debilitado
com a crise que resultava dos preços internacionais do açúcar em queda e desde cedo se
constitui num setor beneficiário desta opção alcooleira, pois contou com juros e condições
extremamente favoráveis de financiamento para modernizar e ampliar o parque industrial
além de expandir enormemente a área cultivada com a cana e poder contar com o apoio
decisivo do Governo. Outro fato que mostra realmente existirem questões escondidas pelo
projeto, é que o custo de produção do álcool é mais alto do que o do refino da gasolina.
54

No que diz respeito às metas sociais que visariam em princípio a diminuição das
disparidades regionais e das disparidades individuais de renda, e que se verifica de fato é que
o programa intensificou as disparidades regionais, pois a região Centro-Sul foi mais uma vez
a que obteve a maior aplicação de grandes volumes de capital neste setor: até 1979, contava
com 65% do total de destilarias enquanto o Norte-Nordeste ficava com 35%. Considerando
somente o Nordeste, das 55 destilarias implantadas até 1980, 25 ficavam em Pernambuco,
Estado dos mais desenvolvidos em termos industriais (GONÇALVES, 1982, p.4).
No que refere à renda individual, as disparidades têm aumentado, e isso ocorre porque
os pequenos produtores vão sendo gradualmente expulsos da terra em que trabalham,
passando a trabalhadores assalariados temporários, bóias-frias, que vão trabalhar como
diaristas. De fato, o trabalho nos campos de cana absorve um contingente bastante grande de
pessoas, mas de forma irregular, pois é um tipo de cultura que usa mão-de-obra temporária.
Em vista disto, a expansão da cana-de-açúcar tem provocado um verdadeiro êxodo rural,
através da expulsão do homem do campo, fazendo inchar de forma desordenada pequenos
centros ao seu redor, são cidades que não contam com qualquer beneficio em termos de
saneamento básico ou de qualquer outra infra-estrutura para absorver este contingente
numeroso, além de não ter condições para absorver essa mão-de-obra.
No mais, este programa simplesmente veio viabilizar economicamente os latifúndios
improdutivos, ou seja, grandes áreas que eram exploradas em moldes não formalmente
capitalistas ou arrendatários, parceiros, geralmente cultivadores de produtos alimentares, o
que causou, com a expulsão destes rurícolas, a retração das culturas alimentares para dar
espaço à cana, além de piorar consideravelmente a qualidade de vida dos camponeses que
antes podiam cultivar para sua própria subsistência, e, com o trabalho assalariado, tendo que
morar longe do campo, passam a depender totalmente do seu trabalho, passando à condição
de pobreza total, habitando agora nas favelas das pequenas e grandes cidades.
Este projeto, como a maioria dos projetos agrícolas dos países do Terceiro Mundo
surge como mais uma inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho, proposta pelas
grandes potências imperialistas. O capital, através do Estado, com uma política agrícola,
encontra a forma “errada” de viabilizar o latifúndio, promovendo assim o “desenvolvimento
capitalista” no campo. Os investimentos no setor agropecuário através de capitalização da
agroindústria via equipamentos, fertilizantes, adubos e demais meios de produção, que são
importados, começaram a partir de 1970. Assim, no ano de 1975 houve apenas um reforço de
55

um conjunto de medidas já adotadas cujos reflexos são a rapidez da expansão área cultivada e
o aumento do rendimento médio por hectare.
No Brasil, a exploração agromercantil sempre constituiu o setor dominante da
economia agrária nacional, é uma herança colonial do sistema de plantation, de que marca a
história brasileira até os dias atuais que permite a separação entre de um lado a grande
propriedade que exploram um ou mais produtos de alto valor comercial e de outro, as
“sobras” de terras ocupadas sob as mais diversas condições de posse, desde a propriedade
formal até a ocupação de uma porção onde se planta alimentos destinados ao consumo. Desta
forma deflagra-se o conflito entre a agricultura para exportação e para a produção de
alimentos. O estabelecimento agromercantil tende a buscar os produtos de maior
lucratividade, e isto por uma série de motivos conjunturais ligados a toda uma série de
estímulos a subsídios destinados ao incremento das exportações agrícolas como forma de
desafogar o estrangulamento da dívida externa (EGLER, 1984, p.14). Segundo levantamento
de Lígia Tavares (SILVA, 1990, p. 10) pode-se constatar que o índice de alimentos por
habitante caiu de 100, em 1977 para 24,4 em 1983, enquanto o dos produtos exportáveis
cresceu de 100 para 106,9 no mesmo período.
No que concerne à fixação do homem do campo, o PROALCOOL tem trazido, como
conseqüência de sua implantação, a agudização das tensões sociais latentes no meio rural,
pois na tentativa de explorar as terras dentro da lógica mais imediata do capital e gozando de
incentivos governamentais para a aceleração da expansão de cultura de cana, a lei geral seria
transformar os trabalhadores em assalariados permanentes ou volantes, uma vez que não
interessaria aos proprietários representantes do grande capital, a exploração das terras nos
antigos moldes de arrendamento e parceria. Portanto, o PROALCOOL estabeleceu-se não só
permitindo o processo de concentração fundiária, mas propiciou o acirramento dos conflitos
sociais no meio rural (GONÇALVES, 1982, p.6).
A Paraíba até 1975 possuía uma indústria açucareira relativamente grande restrita aos
fundos de vales, como os do Mamanguape e Paraíba e nos Brejos de Areia e Alagoa Grande.
Entretanto, com os estímulos governamentais através do preço do álcool e de crédito
extremamente barato para implantação de destilaria, o PROALCOOL permitiu que tornasse
compensador o plantio de cana-de-açúcar nos tabuleiros do litoral paraibano, iniciando assim
uma expansão rápida e predatória sobre as últimas reservas de mata e sobre os cerrados que
recobriam os tabuleiros costeiros da Paraíba expandindo-se, em seguida, para outras áreas. No
cartograma “Zonas Produtoras de Cana” (ver Fig. 4) evidencia-se a expansão dos canaviais a
56

partir do PROALCOOL mostrando a situação anterior e posterior. Apesar de pequena a


participação do Estado na produção nacional do álcool, o incremento da produção foi imenso,
saltando de 3,0 milhões de litros da safra de 72/73 para 67 milhões de litros na safra de 79/80
(SILVA, 1990, p.25). No entanto, na medida em que aumenta a orientação da economia
canavieira da Paraíba em direção ao álcool, aumenta também a sua dependência de decisões
políticas que estão fora de seu controle como também à sua vinculação a fornecimento de
fertilizantes, defensivos e toda a sorte de implementos agrícolas necessários à ocupação
agrícola dos tabuleiros, sem falar nos mecanismos de crédito agrícolas que cada vez mais
estão nas mãos de bancos particulares (EGLER, 1984, p.16). Este é um exemplo bem próximo
do que Milton Santos chama de revolução verde, conforme visto anteriormente (SANTOS,
1979a p.156).
57

ZONAS PRODUTORAS DE CANA 1970 - 1980

RIO GRANDE DO NORTE

OCEANO
ATLÂNTICO
ITABAIANA

PERNAMBUCO

REGIÕES TRADICIONAIS PRODUTORAS


DE CANA (ATE 1970)

ZONAS DE EXPANSÃO DA CANA


A PARTIR DO PROALCOOL

10 0 10 20 km

FONTE: IBGE - CENSO AGROPECUÁRO -1970


PRODUÇÃO AGRÍCOLA MUNICIPAL - 1985

Figura 4 – Zonas Produtoras de Cana de Açúcar referente aos períodos entre 1970 e 1980
Adaptado de Lígia Tavares (Silva, 1990, p. 15)
58

Em Itabaiana os impactos do PROALCOOL transformaram significativamente a


paisagem rural e urbana na medida em que expulsou o trabalhador do campo para as favelas
periféricas da cidade. Neste processo a Feira teve um papel fundamental, papel este que
retrata a forma, a estrutura e a função atual da Feira no contexto espacial da região.
A expansão dos canaviais apresenta efeitos reais sobre a agricultura regional,
principalmente no que diz respeito à agricultura praticada por pequenos proprietários,
arrendatários, ocupantes, etc, que cultivam alimentos para garantir a sobrevivência familiar,
sendo o excedente vendido nas feiras e mercados. Nesse sentido, vamos analisar os impactos
das mudanças da organização agrária do município de Itabaiana e suas repercussões na Feira
de Itabaiana, partindo do princípio de que as transformações ocorridas a partir da década de
setenta e, portanto com a introdução do PROALCOOL, constituíram um marco fundamental
na atual forma, estrutura e função da feira. Por aproximação, podemos correlacionar esse
programa com o circuito superior promovendo o retraimento do circuito menor, trazendo no
seu bojo as promessas de mudanças com a modernização técnica. Para Santos (1985, p.55-56)
essa correlação pode indicar o estabelecimento de uma rugosidade, em que há “uma mistura
de formas novas e velhas, de estruturas criando novas formas mais adequadas para
cumprirem novas junções”.
O PROALCOOL modificou substancialmente a estrutura agrária do Estado. No
Município de Itabaiana não foi diferente. Localizado dominantemente na porção meridional
do Agreste Baixo da Paraíba, caracterizava-se até 1970 como uma área voltada para a
produção do algodão herbáceo e de uma policultura alimentar tradicional (mandioca, feijão e
milho), complementada por uma pecuária extensiva de grande porte voltada para a produção
de carne e de leite nos anos setenta. Recentemente, com a ação do inseto popularmente
chamado bicudo que dizima a cultura do algodão, houve uma retração nesta atividade. Por
outro lado houve uma expansão da cana-de-açúcar e principalmente da pecuária. Até 1985 a
cana avançou no município substituindo a cotonicultura e a policultura alimentar. No entanto
em 1988 parava de se expandir, embora retomasse essa expansão em meados da década de
noventa para depois se retrair novamente. A atividade que passou a comandar a organização
agrária do Município atualmente é a pecuária melhorada, em especial de corte (MOREIRA,
1988, p.40). Os rebanhos bovinos no município totalizam 14.906 cabeças, em 1980, sofrendo
oscilações em seu efetivo, sobretudo em função das secas que assolaram a Paraíba,
notadamente em 1993 e 1999-2000. Neste último ano estava reduzido a 8250 cabeças. O
assunto será abordado com mais detalhes, posteriormente.
59

Com relação aos estabelecimentos agropecuários, o dados de 1980 mostram a seguinte


realidade para o Município: 75,51% da área total do Município era composta por 37
estabelecimentos de 100 a menos de 1000 hectares. Apenas 13,75% da área total era
composta por 88 estabelecimentos de 10 a menos de 100 hectares e apenas 10,76% da área
compunha-se de 1.188 estabelecimentos com menos de 10 hectares. Isto demonstrava um alto
grau de concentração fundiária no Município que se manteve nas décadas seguintes, com
pequenas modificações mostradas nos dados de 1998 (IDEME 1999): 41 estabelecimentos (de
100 a 1000 ha) correspondiam a 54% da área 77 de 10 a 100 há, totalizando 13,7% da área e
finalmente, 13,76% da área era composta por estabelecimentos de menos de 10 ha.
Com relação à população do Município, o Censo de 1980 apresentava a seguinte
realidade: Da população residente no Município de Itabaiana que perfazia um total de 26796
habitantes, 17843 residiam na área urbana e apenas 3668 na área rural, sendo que ocupados
nas atividades agropecuárias havia 3516. Esta pequena porcentagem da população ocupada no
campo condiz com a realidade agrícola na medida em que a atividade da pecuária melhorada
emprega muito pouca mão de obra, além disso, grande parte da população que trabalha no
campo, principalmente nas atividades canavieiras reside na área urbana sendo, portanto,
recenseados como população urbana e não rural. Os censos posteriores mostraram não só a
diminuição relativa e absoluta da população rural, mas também, a redução da população total
do município a partir de 1991 acentuando-se ainda mais em 2000, como resultado da
emigração.
Até 1970, os arrendatários constituíam a categoria de produtores rurais de maior
significado ao lado dos proprietários. Posteriormente, partir da década de 80, com o
crescimento da área de pastagem artificial de 331,3% entre 1970 e 1980 e o aumento do
número de bovinos, ocorreram profundas mudanças nas relações de trabalho com o avanço do
trabalho assalariado temporário que cresceu à razão de 1,22% ao ano entre 1970 e 1980
(Moreira, 1988 p.41). Esta realidade é refletida na paisagem urbana de Itabaiana através do
crescimento dos bairros periféricos onde grande parte da população reside (ver Foto 9). Estes
bairros, ou favelas surgiram a partir da década de 70, conforme os relatos dos próprios
moradores. Eles não apresentam nenhuma infra-estrutura como água e esgoto, as casas são
amontoadas e acompanham as encostas das colinas em “meia laranja”, que caracterizam o
relevo da área. A situação dos moradores destes bairros é de miséria e quase todos os
entrevistados (através de conversas informais) são ex-agricultores e alguns ainda trabalham
em sistema de arrendamento durante o dia, em alguns casos trabalham até 60 pessoas neste
60

sistema em um único pedaço de terra. Muitos dos moradores destes bairros têm na feira uma
alternativa para ganhar algum dinheiro. De um modo geral, as transformações ocorridas em
Itabaiana a partir de 1970 são conseqüência principalmente das transformações ocorridas na
organização do espaço agrário. Dentro deste contexto, a feira desempenha um papel
fundamental não só para a população de Itabaiana, mas para a população de todo o Município,
pois ela passa a assumir a nova realidade desta população que, cada vez mais empobrecida,
articula forma de sobrevivência criando novos mecanismos de adaptação a essa nova
realidade.

Foto 9 - A área urbana periférica com pastagens ao fundo


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 12-03-2002.

1.4 – A feira de Itabaiana na atualidade: estrutura, funcionamento e função.

A estrutura da Feira envolve o estudo da disposição espacial do mercado das barracas,


dos produtos comercializados em geral e a importância desta disposição para o seu
funcionamento e para a dinâmica econômica e social do Município. Pudemos até observar que
a feira sempre teve importância na vida das pessoas em Itabaiana ao longo da existência da
mesma. Através do estudo da sua forma atual tivemos ocasião de observar até que ponto
houve uma flexibilidade em sua estrutura para atender as novas necessidades de uma
61

população que, ao sentir as modificações impostas pela presença do capital na área rural, teve
que migrar para o centro urbano, modificando também a paisagem da cidade e a forma da
feira.
A maior concentração de barracas de maior porte se dá da rua principal à avenida
Presidente João Pessoa (rever Foto 8), onde concentra-se também grande parte do comércio
local regularmente estabelecido. A feira acontece nas terças e o movimento é intenso em toda
a cidade. Na avenida José Silveira, de frente para a igreja principal ficam estacionados carros,
ônibus e caminhões de várias localidades e municípios vizinhos como João Pessoa, Campina
Grande, Ingá, Mogeiro, Itambé, Limoeiro, Goiana, Timbaúba e Recife dentre outros.
Sob o ponto de vista estrutural, a feira se divide em 4 partes: A primeira parte,
composta por barracas de maior porte é a porta de entrada da feira. São barracas cadastradas
pela prefeitura e nelas são vendidos quase que exclusivamente os seguintes produtos:
confecções de todos os tipos, calçados, tecidos e redes. Estes produtos ficam dispostos da
seguinte maneira seguindo a ordem das ruas: todas as barracas dessa parte da feira ficam na
avenida João Pessoa; do lado direito ficam as barracas de tecidos, do lado esquerdo, as de
redes e confecções e no centro ficam as barracas de calçados.
A segunda parte da feira é composta por pequenas barracas e por vendedores
ambulantes não cadastrados que estendem suas esteiras e pagam seu aluguel no chão da feira.
Localizada também na avenida João Pessoa, nesta parte são vendidos os seguintes produtos:
produtos artesanais de couro como sandálias, botas, arreios, chicotes, coleiras, cintos, tiras e
artefatos para montaria em geral, porém o fabrico deles é em Campina Grande e Caruaru, na
maioria, apesar de Itabaiana possuir matéria-prima para a elaboração desses produtos, bem
como, artesãos. É raro ver um artesão expondo na feira.Vimos três em 1986, um em 1990 e
nenhum em 2002, vendendo sandálias de couro bastante rústicas, as “alpercatas”, típicas do
“matuto”. Esta parte da feira é bastante diversificada, e o feirante pode ser encontrado nela
numa terça e na outra não; é uma parte mutável da feira onde há uma grande diversidade de
produtos. Além dos produtos de couro, cada vez mais escassos, são vendidos louças e objetos
de plástico e alumínio como baldes, panelas e artigos de cozinha em geral e brinquedos. No
final dos anos oitenta os brinquedos artesanais quase já não existiam na feira. As bonecas de
pano (“bruxinhas”) e os carrinhos e, sobretudo os caminhõezinhos de madeira (estes, feitos
em Itabaiana) ainda podiam ser encontrados (em pequena quantidade) segundo aparece em
vídeo de 1994 elaborado por um grupo de estudiosos do folclore (ASPECTOS, 1994) sob a
coordenação do Prof. José Nilton da Silva (UFPB) que posteriormente nos disse: “a feira está
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perdendo sua identidade regional sendo descaracterizada pela invasão de produtos industriais
vindos do Paraguai...” Atualmente os ditos brinquedos só são encontrados nos Mercados de
Artesanato para turistas nas capitais ou ainda, em eventos de divulgação do folclore (Feira dos
Municípios em João Pessoa). Os caminhõezinhos de Itabaiana eram famosos e ainda são
feitos por artesãos locais que os vendem para compradores das capitais. Em matéria de
brinquedos, em Itabaiana, como de sorte em todos pontos de venda da população de baixa
renda, dominam os brinquedos “do Paraguai” (geralmente chineses). Ultimamente, em função
da alta do dólar voltam a predominar brinquedos nacionais.
Ainda nesta parte da feira, porém na rua Quintino Bocaiúva, uma perpendicular à
avenida Presidente João Pessoa para o lado esquerdo, ou seja, na direção oposta ao Rio
Paraíba, era comum (em 1986-1990) algumas mulheres comercializando com artigos
artesanais de barro. Em 2002 havia apenas uma pessoa vendendo esses artigos (ver Fotos 10 e
11). Trata-se de um trecho menos “nobre” da feira. São panelas, fogareiros, pratos e artigos
para copa e cozinha em geral assim como vasos para plantas. Nesta altura da feira, na avenida
Presidente João Pessoa, começam a aparecer os vendedores de inhame, macaxeira e batata
doce, que estendem seus produtos no chão. São na maioria comerciantes intermediários, mas
existem alguns poucos produtores também. Eles ficam no meio da rua. Do lado direito deles
estão vendedores com os mais variados tipos de produtos artesanais (também conhecidos
como “mangalhos”) a exemplo de lamparinas de lata de óleo, ralador de coco, colher de pau,
urupema (peneira de palha), pilão, ralador de milho, abano para fogão e baladeira (estilingue),
objetos de palha como cestas, bolsas, chapéus, e outros. Já quase no fim da feira, na altura do
antigo cinema ficam os comerciantes de moveis que vendem camas, sofás, armários, mesas,
cadeiras e guarda-roupas. Os acabamentos são artesanais, porém os preços são bem em conta.
No final da feira, próximo à Praça Epitácio Pessoa, ficam os feirantes que negociam com
pequenos animais, onde podem ser encontrados porcos, cabras, aves e qualquer outro que
esporadicamente possa aparecer.
63

Foto 10. Utensílios de barro.


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 23-03-1986).

Foto 11 - O mesmo local em 16-04-2002. Nota-se a redução dos artigos de barro.


Foto Eduardo Pazera Jr.)
64

A terceira parte da feira refere-se ao mercado público e às áreas (ruas e becos) que
estão em torno dele. Esta área é conhecida como Praça Venâncio Neiva. Saindo da Avenida
Presidente João Pessoa e dobrando à esquerda na direção do mercado, nos deparamos com
uma grande concentração de vendedores de todos os tipos, pois esta área é bastante
requisitada por estar próxima ao mercado. Na seqüência encontramos a partir da esquina com
a Avenida Presidente João Pessoa, muitas barraquinhas de miudezas com artigos de
perfumaria, papelaria, higiene, etc. Pelo meio da rua existem caixotes com remédios,
bijuterias e outras miudezas. No entanto, nesta parte a tendência maior é para o comércio de
gêneros alimentícios: São barracas de temperos, galinha abatida, queijos, colorau, fubá, sal,
café, açúcar, verduras em saquinhos, etc. No prédio do mercado propriamente dito, quase não
se pode andar. Crianças e adultos vendendo coentro, alface, alho, temperos e verduras, ficam
em pé por toda parte obstruindo a passagem. Isso, aliado à sujeira e ao calor fazem do
mercado um lugar de condições precárias de higiene, fato comum nos mercados públicos da
Paraíba. O mercado de Itabaiana é composto de três blocos. No primeiro são vendidos todos
os tipos de carne fresca, carne salgada e peixe em geral. No segundo e terceiro blocos ficam
os cereais (isto é: o milho, os feijões e a farinha). Existem diferentes variedades destes
cereais, no entanto, a grande maioria dos produtos procede de outros municípios e de outros
estados como Pernambuco, Bahia e Sergipe.
Nas proximidades era comum a presença de cantadores cegos (ver Foto 12) e de uma
dupla de violeiros (ver foto 13); porém ultimamente eles não têm mais comparecido à feira.
Indagamos a respeito e não souberam informar sobre o paradeiro dos cegos, mas os violeiros,
pelo que consta, estão se apresentando em outros locais com afluência de turistas. De fato,
temos observado nas praias, bares e restaurantes da capital paraibana a presença de cantadores
fazendo improvisos para os turistas que ficam maravilhados com a criatividade desses
repentistas. Contudo, o público nativo da feira de Itabaiana, ao que parece, prefere os CDs e
fitas piratas com os “pornoforrós” e outras músicas da moda. Um CD pirata é mais
compensador que a esmola para o cego ou o trocado para o cantador. A presença de muitos
carros de som (ver Foto 14) e outros recursos sonoros de menor porte para propaganda
comercial ou política ou para divulgação de músicas, contribui para perturbar os poetas
populares, os narradores, os cantadores e os vendedores de literatura de cordel. Esses
comerciantes, na verdade, mereceriam o nome de “divulgadores” (termo consagrado por
muitas editoras comerciais para seus vendedores) pois efetivamente fazem ( faziam?) um
trabalho mais de divulgação do que de venda. Fenômeno semelhante ao dos cantadores, da
65

mudança de gosto do público também, ocorreu com divulgadores da literatura de cordel.


Atualmente, além de atrativo turístico, essa literatura é objeto de teses de doutorado (há um
setor especializado na UFPB que se dedica a essa literatura, o LEO – Laboratório de Estudos
da Oralidade). Por tratar-se da literatura oral popular, o vendedor apregoa (ver Foto 15) sua
mercadoria usando microfone para o público que até os fins da década de oitenta ainda
apreciava (e eventualmente comprava) os versos que evocavam estórias medievais a exemplo
de Carlos Magno e os Doze Pares de França, Trancoso ou “causos” do cangaceiro Lampião
ou, até mesmo, acontecimentos coevos envolvendo críticas a autoridades. Toda essa
diversidade expressa a ligação de gerações e classes sociais, unindo a tradição à
contemporaneidade.

Foto12 – Cantadores da feira.


Foto Eduardo Pazera Jr..Data: 14-07-1987
66

Foto 13 - dupla de violeiros fazendo um desafio na feira.


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 14-07-1987.

Foto 14 – Carro de som divulgando propaganda comercial.


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 21-11-2000
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Foto 15 – Vendedores de Literatura de Cordel apregoando suas “estórias”.


Foto Eduardo Pazera Jr. Data 14-07-1987.

Por trás do último bloco, de frente à linha do trem, concentram-se os vendedores de


fumo e cigarros, as barracas de comidas dos mais variados tipos, assim como lanchonetes na
parte externa do pavilhão do mercado. De uma destas lanchonetes pode-se observar durante
vários minutos o movimento das barracas de fumo, que era bastante intenso até muito
recentemente, mas vêm sofrendo uma certa redução, possivelmente em virtude da
concorrência dos cigarros contrabandeados do Paraguai, apesar de não serem muitas. O fumo
de rolo (como aqui se denomina o fumo em corda), no entanto também vem de fora, de
Arapiraca-AL, Mari, Campina Grande e outros. Nesta área ocorre muito movimento na
segunda à noite devido à proximidade com a feira do bacurau que acontece logo ali na frente,
numa rua conhecida pelo nome de Rua do Carretel onde fica o meretrício. A procura por este
último tipo de serviço parecia ser mais expressiva até os anos 90; teria diminuído atualmente?
Existe, nesta mesma área, também uma pequena concentração de barracas de confecções, mas
não tão intensa quanto na primeira parte da feira.
A quarta parte da feira é a mais pitoresca, onde são vendidas as frutas (ver Fotos 16,
17 e 18) e as verduras. Localizadas por trás do mercado, na confluência das ruas Venâncio
68

Neiva, Almeida Barreto, Napoleão Laureano e Floriano Peixoto são constituídas de barracas
de todos os tamanhos, caixotes e esteiras no chão. Ela acontece por cima da linha do trem, o
que lhe dá uma beleza característica que, combinada com as cores das frutas e verduras alivia
a vista e a mente dos apertos sofridos nas outras partes da feira. No mais, os cachos de
bananas em grande quantidade estendidos ao chão na subida da Rua Floriano Peixoto, aguçam
o apetite e “até quem não goste de banana se surpreende ao querer experimentar uma” (Silva,
1990, p. 37). Na direção oposta, situa-se a colina com a Santinha protegendo todos os que têm
na feira seu meio de vida e que a cada terça -feira lá chegam cheios de esperança de vender
um pouco mais que das outras vezes e poder assim ter uma semana melhor. São vendidos
todos os tipos de frutas da estação, algumas são provenientes do Município mesmo, outras são
trazidas das CEASAS por intermediários que vendem aos feirantes logo cedo, como no caso
das laranjas e das verduras propriamente. As bananas são provenientes do Brejo
Pernambucano.

Foto 16 – Feira das frutas.(Foto Eduardo Pazera Jr. 24-07-1987) No primeiro plano a figura do
“balaieiro” pronto para carregar as compras.
69

Foto 17 – “Feira das frutas” com as bancas de comida.


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 24-09-2002.

Foto 18 – Frutas e verduras na linha do trem.


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 24-09-2002.
70

Em suma, a feira possui um tipo de organização que distribui espacialmente as


barracas conforme a seguinte hierarquia: as barracas mais antigas e de maior porte ficam logo
na parte inicial da feira. Do meio em diante, situam-se as de menor porte. Em seguida, vão
aparecendo os feirantes que apenas alugam o chão. Em volta do prédio do mercado estão as
barracas de médio e pequeno porte, nas calçadas, enquanto, no meio da rua, ficam as bancas e
os caixotes. Nesta área não há produtos no chão. Na feira das frutas existem barracas de todos
os tamanhos, assim como, caixotes e esteiras. Por se tratar de uma área mais ampla, as
barracas não ficam tão amontoadas, permitindo, assim, maior liberdade de locomoção por
parte dos compradores e um maior número de meninos carregadores de frete.
O cartograma seguinte (ver Fig. 5) mostra como esta distribuição acontece na cidade
propriamente dita e permite uma melhor visualização da distribuição espacial dos produtos da
feira. É importante observar que as delimitações quanto às partes da feira não são
extremamente rígidas, podendo elementos de uma parte existir em outras. As divisões
obedecem à ordem majoritária dos elementos contidos em cada uma delas. O esboço da figura
6 tenta mostrar uma visão esquemática dessa distribuição. Este esquema (de 1990) não sofreu
mudanças substanciais no espaço, em 2002. Não obstante, foi expressiva a redução drástica da
área destinada à venda de utensílios de barro conforme já nos referimos anteriormente ao
comentar as fotos (Foto 10 e 11), bem como a crescente extensão do setor destinado à venda
de roupas e calçados (primeira parte do esquema).
71

DIVISÕES DA FEIRA - 2002

BA
R AÍ
PA

O
RI

LEGENDA
PARTES DA FEIRA

FONTE:
PLANTA BASE -IBGE 1:4500

ELABORAÇÃO GRÁFICA:
40 0 40 80 M EDUARDO PAZERA JR.
CONRAD ROSA

FONTEl PESQUISA DE CAMPO 2002

Figura 5 – Demonstrando as divisões da feira de Itabaiana


72

Figura 6 – Esboço demonstrando a distribuição espacial dos produtos da feira


(Adaptado de Silva, 1990, p. 27)

A feira de Itabaiana, apesar da forma aparentemente variada e confusa que apresenta


possui uma estrutura bem organizada como espaço de comercialização e consumo (vista aérea
da feira na Foto 19). Sob o ponto de vista da fiscalização a feira atualmente é de fato
organizada, ao passo que até a década de sessenta, não era tão bem estruturada, mas seu
assentamento no espaço através do tempo mantém-se sem alterações profundas. Houve,
portanto uma melhora neste sentido, segundo o depoimento do mais antigo fiscal da
prefeitura, o Sr. José Paulo. O sistema de arrecadação é eficiente e consiste na cobrança do
chão e aluguel das barracas. Dentro deste sistema existem os que são cadastrados e os que são
ambulantes. O comum entre eles é que todos pagam à Prefeitura de Itabaiana para negociar na
feira.
73

Foto 19 – Vista aérea da Feira de Itabaiana


Foto: Conrad Rosa. Data:16-04-2002)

O Funcionamento da Feira inicia-se nas vésperas da feira, ao entardecer da segunda


feira. Começa então a “feira do Bacurau”, vendendo de tudo, novo ou usado. Com o lucro
obtido, era tradicional alguns homens irem à noite para o meretrício na Rua do Carretel. Esta
feira ainda se mantinha com todo vigor nos anos oitenta, mas parece sofrer um certo declínio
recentemente, apesar da sua tradição que remonta os primórdios da Feira do Gado.
Na madrugada da terça-feira começam a chegar negociantes de todos os tipos: são
pequenos produtores rurais que se aglomeram com seus produtos num caminhão, e
estacionados na frente da Igreja, vendem em grosso para os feirantes e compram para si o que
necessitam da cidade. Chegam também os intermediários que compram caixas de frutas e
verduras nas CEASAS de Recife, Campina Grande e João Pessoa repassando aos feirantes em
menor quantidade. Há ainda os intermediários com todo o tipo de produtos: confecções,
miudezas e outros. Eles vêm de Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe, Timbaúba, Campina
Grande, Recife e João Pessoa. Esse dia é tão importante que o cinema, que funcionou até por
volta de 1995, exibia filmes nas manhãs das terças, fato que não ocorria nem na capital, onde
as sessões se iniciavam somente à tarde (enfim, em Itabaiana havia matinês propriamente
ditas!). A igreja celebra nesse dia uma missa muito concorrida.
74

Próximo à Igreja, funcionava a feira de pássaros, com espécies locais e de outros


lugares. Apesar da ilegalidade, funcionava regularmente ainda no início dos anos noventa e de
modo intermitente até 2000. Somente em 2001 a fiscalização do IBAMA coibiu
(definitivamente?) a atividade. (ver Foto 20).

Foto 20 – Ilegalidade consentida: venda de passarinhos.


Foto: Eduardo Pazera Jr. Data: 07-04-1987
75

Na feira, realizamos alguns inquéritos, baseados numa amostragem qualitativa e não


estatística, com questionários aplicados aos feirantes. O questionário foi aplicado
aleatoriamente às diferentes categorias de feirantes, conforme o maior ou menor número de
cada categoria. O objetivo era a coleta de uma amostragem que representasse por volta de
25% de cada categoria. Como a amostragem não objetivava uma precisão estatística rigorosa,
alguns itens foram posteriormente confirmados nas várias entrevistas informais ao longo do
trabalho com os feirantes. Estes questionários foram aplicados em comerciantes de: miudezas,
tecidos, sapatos, confecções, louças, brinquedos, fumo, temperos, gêneros alimentícios,
verduras, frutas, plantas medicinais e artigos de couro (Os feirantes de “carnes e derivados”,
bem como os ambulantes e pequenos produtores serão estudados em capítulos separados). Em
síntese, a tabulação dos questionários demonstrou (de acordo com nossos vários inquéritos no
período que vai de 1986 a 2002) a seguinte realidade:
Em 1986 por volta de 50% dos feirantes negociavam em várias feiras. Essa proporção
aumentou para 70% em 1990 e 75% em 2002, denotando uma maior mobilidade
proporcionada, talvez, pela maior facilidade de aquisição de veículos. Inclusive, parece ter
ocorrido uma tendência para aumentar o raio de ação dos feirantes em seus deslocamentos.
Por exemplo, nos primeiros inquéritos não encontramos feirantes que também negociassem
em João Pessoa; em 2002 já havia alguns. Há uma dispersão razoável nessa itinerância dos
feirantes (cerca de 25 municípios diferentes). A maioria dos feirantes freqüenta, sobretudo as
feiras de Juripiranga, Timbaúba-PE, Gurinhém e Itambé-PE formando, portanto, os chamados
“anéis de mercado” (voltaremos ao tema no capítulo referente aos “ambulantes”). Quanto ao
local de residência dos feirantes, 65% residiam no próprio município em 1986. Já, em 2002
essa taxa havia baixado um pouco – 55%. Houve um pequeno aumento na proporção dos
residentes em João Pessoa, mantendo-se constante a proporção dos que moravam nas outras
cidades como Timbaúba, Salgado de São Félix, Campina Grande, Juripiranga, Itambé. No que
se refere à naturalidade dos feirantes, cerca de 48% havia nascido no município (40% em
2002) com uma grande dispersão de origens para os demais, embora todos fossem paraibanos
(a maioria de municípios vizinhos) ou pernambucanos (sobretudo da vizinha Timbaúba).
No que concerne à aquisição de seus respectivos produtos, apenas 10% negociam com
produtos locais, o que inclui mercadorias compradas nas lojas da cidade, como sapatos e no
mercado, como no caso dos temperos 63% compra produtos em grosso, o que significa de
uma dúzia para cima. Como somente 30% tem estoque (para e guardar em casa a sobra),
nenhum entrevistado possuía capital de investimento ou de giro. 30% dos feirantes sabem
76

quanto vendem e os que sabem são os negociantes de tecidos e confecção e os de bananas,


que só vão embora quando vendem tudo De 20 a 30% dos entrevistados possuem uma
clientela regular.
Inquiridos sobre o exercício de outras atividades, constatamos que 80% dos feirantes
se sustentam somente como feirantes, sendo que 30% deles (geralmente os mais idosos)
viviam antes da agricultura. 50% alegam ter havido uma queda no poder aquisitivo da
população; uns reclamam do aumento da feira, outros de que há muito vendedor para pouco
consumidor. Há os que notam o aumento populacional da cidade e ainda outros que associam
a queda nos negócios com a queda da produção do algodão e dos produtos alimentícios. No
entanto, 18% acham que a feira anda melhor do que era. Finalmente, 77% dos feirantes
disseram gostar da vida de feirante e não querem outra atividade. Alegam que ela é divertida,
que podem conhecer outras pessoas e que é melhor do que trabalhar em outras atividades.
Considerando o grau de instrução dos feirantes, cujo índice é de 35% para os que têm apenas
o 1º grau, a feira para eles parece ser realmente uma das poucas opções de trabalho.
Quanto ao público que faz compras na feira de Itabaiana os questionários
evidenciaram que em 1986 cerca de 65% residia em Itabaiana (mais da metade no perímetro
rural). Em 2002 essa taxa passaria para 76%, invertendo a proporção rural-urbana. Esses
números devem ser vistos com cautela, mas parece que ocorreu uma certa diminuição da
importância regional dessa feira em virtude da ampliação da infra-estrutura comercial das
cidades vizinhas... Esses mesmos questionários, aplicados nas feiras vizinhas de Salgado de
São Félix, Pilar, São Miguel de Taipu e Cruz do Espírito Santo, resultaram em uma taxa
constante de compradores-residentes de quase 100%, o que corrobora a importância regional
de Itabaiana...
77

Com relação à arrecadação do Município, a feira e o Mercado Municipal,


tradicionalmente desde os anos 80, respondiam por mais metade das receitas municipais
correntes, mesmo com a implantação de outros tributos como o ISS e o IPTU que passaram a
ser efetivamente cobrados a partir de meados dos anos noventa. Conforme o depoimento de
um funcionário da Prefeitura, a Feira contribui com mais arrecadação que o comércio fixo, o
recolhimento das receitas do Mercado, da Feira, e do Matadouro é a maior e mais constante
fonte de renda do governo municipal. Através de conversas informais com os feirantes, pode-
se constatar um grande número de desempregado que tem na feira uma forma de
sobrevivência. A concentração maior deles é na segunda parte da feira onde as barracas são de
pequeno porte e o chão é alugado.
No que concerne ao comércio fixo, que se concentra na Avenida Presidente João
Pessoa, os comerciantes alegam que a feira não atrapalha, mas ao contrário, traz muitas
pessoas de fora e da cidade mesmo ao comércio, pessoas que tem na Terça-feira o dia das
compras o que acaba incrementando também os negócios do comércio das lojas. Neste
sentido, existe uma relação harmoniosa e complementar entre a feira e o comércio fixo. A
partir destes dados pode-se constatar que de fato a feira exerce uma grande influência na
dinâmica econômica da cidade e do Município. A feira funciona até o meio dia; a partir de
então, os feirantes começam a desarmar as barracas, embrulhar seus produtos, que,
freqüentemente serão arrumados em uma outra feira não muito longe, nos dias seguintes.
Em princípio, parece óbvia a análise da função de uma feira, como de qualquer outro
tipo de comércio, ou seja, uma troca entre o que se vende e o que se compra. Nesta forma
simples de negociação, onde a função dos preços seria regular o suprimento de bens, existem
vários aspectos que tornam este mecanismo complexo como, por exemplo: a escolha dos bens
para produzir e os meios para tal, os serviços envolvidos, a alocação e os recursos disponíveis,
a distribuição e por fim os efeitos de fatores sociais e políticos na economia. O sistema de
mercado perfeito é aquele onde existe um sistema de auto-regulação de preço, e este tipo de
mercado, apropriado para a solução de muitos problemas econômicos de uma população de
baixa renda, existiu em muitos lugares do fim do século XIX e começo do século XX (Polanyi
et al, 1957 p. 365).
Nesta pesquisa, podemos perceber como fatores extralocais modificaram a vida
econômica e social da população de Itabaiana, levando a feira, principal atividade econômica
da cidade, a sofrer várias transformações que refletiram na vida de todos os munícipes. Estas
transformações não foram em prol do chamado “desenvolvimento sustentável” do município,
78

conforme constatado ao longo deste trabalho, mas em prol do capital. Portanto, esta realidade
confirma o que fica postulado em Polanyi et al (1957 p. 357): “O caráter de auto-regulação
do mercado que interage mutuamente com os envolvidos, pode ser destruído pela introdução
de elementos externos que afetam o mecanismo estabilizador. Por exemplo: decisões políticas
governamentais”.
Apesar das transformações que a feira sofreu ao longo do tempo, a sua função parece
ter permanecido, pelo menos em termos gerais no que se refere à importância que ela sempre
ocupou na vida das pessoas e a importância na dinâmica econômica do Município. Mas a feira
atualmente tem algumas funções específicas quanto ao seu caráter econômico e social. No
início e apogeu da feira do gado, grandes negócios eram realizados assim como grandes
somas de dinheiro movimentadas, fato este que gerava fonte de rendas para Municípios. Nesta
época da feira do gado, na primeira metade do século XX, fatores políticos tinham grande
influência na dinâmica da feira e de certa forma direcionavam os negócios, conforme visto
anteriormente. Atualmente, na feira conforme foi sendo constatado ao longo deste trabalho,
não circula grande quantidade de capital, assim como não existem grandes negócios. Estes
existem em Itabaiana, mas não são concretizados na feira. Com relação a este tipo de
comércio, Milton Santos chama de Setor Informal da Economia (SANTOS, 1979b).
Este setor, chamado também de circuito inferior da economia, cresce paralelamente à
pobreza urbana. No caso do Brasil, podemos no decorrer deste trabalho acompanhar este
processo, que no caso (exa) gerou a pobreza do Nordeste. Na medida em que o crescimento
econômico impede a expansão do emprego, assim como o desenvolvimento de um mercado
interno para os produtos modernos, cria como conseqüência um circuito inferior. Este circuito
é formado de atividades de pequena dimensão, sendo um tipo de comércio não moderno. Em
geral são empreendimentos que não pagam água, luz, telefone, nem aluguel e também não
possuem registro, apesar de atualmente em algumas cidades o registro ser necessário. No caso
de Itabaiana, existe o aluguel das barracas, o cadastro e o chão da feira, o que dá aos
negociantes um caráter de formalidade. No entanto, o circuito inferior é bem enraizado e
possui relações privilegiadas com sua região (SANTOS, 1979b) Isto quer dizer que a feira
mantém sua função econômica na vida da cidade, só que esta função é importante
particularmente para os pobres, na medida em que se constitui um fornecedor privilegiado de
trabalho. Outra característica deste circuito é a presença do intermediário que compra a
crédito do atacadista e repassa o produto para o feirante. Ao observar as características dos
dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, constata-se que de fato, a
79

feira de Itabaiana constitui-se num circuito inferior da economia, pois responde positivamente
a todas as características apresentadas por este, conforme mostra o quadro 1:

QUADRO 1 – A FEIRA DE ITABAIANA CONSTITUI-SE NUM CIRCUITO INFERIOR DA


ECONOMIA

CIRCUITO SUPERIOR CIRCUITO INFERIOR

TECNOLOGIA Capital intensivo Trabalho intensivo


ORGANIZAÇÃO burocrática primitiva
CAPITAIS importantes reduzidos
EMPREGO reduzido volumoso
ASSALARIADO dominante não obrigatório
ESTOQUES grande quantidade e/ou pequena quantidade
alta qualidade qualidade inferior
PREÇOS fixos (em geral) submetidos à discussão
entre comprador e vendedor –
haggling – pessoal não
CRÉDITO bancário institucional institucional
MARGEM DE LUCRO reduzida por unidade, mas elevada por unidades mas
importante pelo volume de pequena em relação ao volume
negócios (menos art. luxo) de negócios
RELAÇÕES C/ CLIENTELA impessoais e/ou com diretas, personalizadas
CUSTOS FIXOS papéis
PUBLICIDADE importantes desprezíveis
REUTILIZAÇÃO DOS BENS necessária nula
OVEHEAD CAPITAL nula freqüente
AJUDA GOVERNAMENTAL
DEPENDÊNCIA DIRETA DO indispensável dispensável
EXTERIOR importante nula ou quase nula

grande, atividade voltada para o reduzida ou nula


exterior

Fonte: Reproduzida de Milton Santos (Santos, 1979, p. 34).


80

Deste modo, a feira possui uma grande função social, oferecendo espaço para os
desempregados da lavoura, que ao serem expulsos do campo, vêem na cidade e
especificamente na feira um meio de sobrevivência. Afinal de contas, a própria estrutura da
feira permite sua expansão, pois os produtos são repassados através dos intermediários na
própria cidade, e o aluguel do chão é cobrado ao longo do funcionamento da feira. Além do
mais, a feira tem importante função de abastecer a população de alimentos, visto que o
Município produz cada vez menos alimentos, e a população que antes vivia no campo
cultivando seus alimentos agora na cidade, tem que comprar para comer. O dia de feira é
também o mais apropriado para um anúncio ou propaganda de eventos como vaquejadas,
festas e comícios. No mais, o dia de feira é o dia em que toda a cidade se movimenta, onde
não só o comércio em geral fatura, mas a prefeitura e com isso, o Município.
Para Itabaiana, parecem ser válidas as palavras (bastando trocar o nome da padroeira
por Nossa Senhora da Conceição), referentes a Feira de Santana, da obra de Rollie Poppino:

Parece, todavia, que a maioria dos habitantes de Feira de Santana não é


profundamente religiosa, pois que, conquanto respeite os atributos sociais e
morais de sua fé, coloca em plano de precedência as atividades rotineiras.
Essa situação verifica-se na importância da feira semanal, em torno da qual
gira toda a vida de Feira de Santana e que há mais de um século supera no
município as próprias atividades religiosas. Nem a comemoração do Natal,
nem as festividades de Santana interferem com a tradicional feira.
(POPPINO, 1968. p.15)

1.4.1 A Feira no espaço econômico nacional

Forman e Riegelhaupt (1970), antropólogos, através de um estudo sobre feiras


elaboraram uma tipologia de locais de mercado que obedece a um sistema hierárquico
conforme a importância da feira na economia regional. O objetivo disto seria a tentativa de
compreender como as feiras são integradas na economia nacional. Dentro desta perspectiva,
tentaremos esclarecer de uma forma geral o papel das feiras na economia nacional e
especificamente o papel da feira de Itabaiana procurando encaixá-la dentro da tipologia
elaborada pelos referidos autores.
“A feira brasileira não é um zero econômico que compra pouco e vende pouco, mas
uma parte integral dos padrões nacionais de produção, distribuição e consumo de alimentos”.
(SILVA, 1990 p.47) Ela está profundamente envolvida nos sistemas de mercado regional e
nacional e reage a mudanças neste sistema. Quanto a essas reações, podemos observar ao
81

longo deste trabalho como transformações ao nível nacional refletem na dinâmica da feira. No
Nordeste, a produção alimentar não avança de forma progressiva, pois existe uma disparidade
entre a diminuição das áreas de cultivo de alimentos e um aumento nas populações rural e
urbana que não produzem alimentos e precisam ser alimentadas.
Segundo Forman e Riegelhaupt, as feiras podem ser classificadas nos seguintes tipos:
Feira de Consumo, Feira de Distribuição, Feira Urbana de Consumo (Feira de Abastecimento)
e Feira de Usina. A Feira de Consumo consiste num mercado cíclico para a população rural de
baixa renda onde são encontradas três categorias de vendedores: a) os que vendem e compram
para si; b) os que compram produtos de outros e também vendem seus; c) os intermediários
que vendem em todo lugar. A segunda categoria representa um crescente número de
camponeses que entram na feira para suprir as necessidades que a produção só não basta,
devido ao aumento do mundo rural capitalizado. Cada feirante tem uma especialidade, objetos
acabados raramente são comercializados por camponeses, pois requerem um certo fundo de
investimento. As vendas vão para o caixa e não para investimento, o preço varia de acordo
com o contrato. Existem alguns controles monopolistas como no caso de cereais e outros são
regulados nacionalmente, como as carnes.
A feira de Itabaiana pode ser enquadrada dentro desta classificação, porém com
algumas diferenças: Ela supre não só a população rural como a urbana, ambas de baixa renda
e de alta renda também, como no caso dos fazendeiros que em Itabaiana aproveitam o dia da
feira para fazer suas compras. A classe média urbana e rural também se beneficia do dia da
feira.
Com relação à categoria dos vendedores, a maior fonte de suprimentos são os
armazéns que vendem no atacado para os feirantes pagarem no final da feira. No entanto, em
Itabaiana não há armazéns e os muitos feirantes são ambulantes, por isso compram à vista em
Recife, Caruaru, Campina Grande, etc. Um vendedor de miudezas disse que juntava um certo
dinheiro para fazer compras, outro vendedor de tecidos disse que comprava em Recife nas
liquidações das grandes lojas. Já, outros compram dos intermediários que vendem na própria
feira, sendo que este tipo de relação prevalece com as verduras, legumes e frutas. Parece não
haver uma rigidez ou uma ordem quanto ao sistema de abastecimento dos produtos.
Aparentemente, cada um tem seu próprio esquema.
82

Os autores citam as dificuldades de transporte, que para eles são uma das chaves para
a persistência das feiras e a falta de rodovias a razão principal para a existência de
intermediários, Com relação a esta questão não foi feita em Itabaiana uma análise
aprofundada, foi, porém observado que, de fato, os produtores se aglomeram num caminhão
para trazer suas mercadorias, e que isto parece ser uma alternativa na questão dos transportes
na comunicação do campo para a cidade. Havia, porém um vendedor de confecções que
habita em Juripiranga, alegando que se tivesse despesa com transporte, seu negócio seria
inviável. Ele pega “carona” para ir à feira. Outra característica comum nas feiras, assim como
em Itabaiana é a falta de inventário de armazenamento, os lucros são difíceis de calcular, mas
os ganhos são baixos, devido à pequena quantidade de bens e o baixo padrão dos
consumidores. As taxas também vêm de todo lado assim como a licença para estar na feira.
Enquanto o sistema de feira tem vantagens para o muito pobre, reduz a possibilidade de
formação de capital.
Com relação à Feira de Distribuição são duas ou três feiras que se completam, onde os
intermediários têm que ir pegar suas mercadorias. As feiras de distribuição no Nordeste
localizam-se nas áreas de transição entre o litoral e o sertão. Elas fornecem mercadorias para
as feiras rurais e urbanas, no atacado. Neste tipo de feira encontram-se duas esferas de
atividades, as atividades do circuito inferior e as atividades do circuito superior (para utilizar a
linguagem de Milton Santos). Nos armazéns que compram em grosso, talvez ocorram as mais
importantes atividades comerciais. Os varejistas urbanos também dependem dos atacadistas
das feiras de distribuição para a feira urbana. O atacadista serve de elo do campo para a
cidade e também de volta para o campo – aqui ele tem um papel vital na economia
transacional.
O terceiro tipo de feira, a Feira Urbana de Consumo (Feira de Abastecimento), faz
parte de um largo mercado diário, mas também é semanal (acessória). No mercado estão os
atacadistas que servem as populações urbanas. Os intermediários cercam os vendedores do
mercado e da feira. Poucos camponeses vendem seu próprio produto, sem dúvida porque a
maioria das cidades no Nordeste é geralmente circundada por cana-de-açúcar ou qualquer
outro produto comercial. Devido à função exportadora das cidades costeiras e a escassez de
produtos de subsistência que cidades centrais em zonas de transição e suas feiras de
distribuição se desenvolveram, são elas a “espinha dorsal” do Nordeste, pois delas sai
alimentos para o litoral e para as feiras rurais do interior. No caso de Itabaiana, isto pode ser
83

comprovado, pois a maioria dos produtos vem de fato de Campina Grande como também de
Caruaru.
Por último, a Feira de Usina, que atende às populações próximas, na área da própria
indústria. Segundo os autores esta feira tem um caráter menos pobre que a feira de consumo.
Com relação aos intermediários, dentro do sistema rural a proliferação destes torna-se
necessária para pequenos e espalhados centros de produção e consumo e pala escassez de
facilidades de transporte e armazenamento. Portanto, um número de intermediários é essencial
nas feiras rurais para a distribuição de bens no local, mas no entanto eles não competem com
os atacadistas, pois abrangem o mercado de baixa renda. Não existe, porém, a possibilidade
do intermediário crescer neste sistema, pois ele não pode comprar muito e nem teria para
quem vender. No mais, eles não formam cooperativas, são individualistas e as formas de
autoproteção prevalecem.
Com relação aos atacadistas, eles estabelecem os preços, pois seguram a mercadoria
controlando os preços dentro e fora da estação. Eles interceptam a mercadoria do produtor
antes de chegar na feira, que vende a eles por preços mais baixos se precavendo, porém, dos
riscos de venda na feira, além do mais, os atacadistas compram em dinheiro. As facilidades de
transportes também facilitam a compra direta atacadista/produtor. Como o atacadista tem
condições de armazenamento e comunicações, estão em muito melhores condições que o
produtor e o intermediário para comprar e vender. A penetração deles não é apenas no
controle dos preços, mas no âmago do sistema, na posse e uso da terra, pois os que têm
condição de plantar culturas comerciais estão em vantagem econômica.
Existe, portanto uma relação entre o latifundiário e atacadista. Os atacadistas fornecem
crédito em troca de direitos exclusivos pela colheita e por isso exercem uma influência
importante sobre a produção da economia rural. Existe uma grande concentração de capital
nos níveis mais altos do sistema onde transporte e armazenamento são facilidades. Isto indica
desenvolvimento, que ocorre muito em função da procura urbana que tem estimulado o
crescimento das atividades atacadistas. Devido à atual estrutura agrária, a tendência maior é
para um aumento na concentração fundiária e a proletarização das massas rurais. O aumento
dos preços dos alimentos valoriza a terra, mas o produtor – camponês nem pode competir para
obter mais terras e nem investir no que já possui. O acesso ao crédito é limitado e o governo
não se interessa pelo pequeno produtor, pois os incentivos são para os produtos de exportação.
84

Para Forman e Riegelhaupt (1970), as feiras tendem ao desaparecimento devido ao


crescente número de atacadistas e as conseqüências de suas atividades conforme vistas
anteriormente. Por fim, acreditam estes autores que a feira é um fenômeno viável que, no
entanto tende à extinção no mundo moderno. Uma análise crítica com relação a esta postura
do desaparecimento das feiras foi feita por Heath e Tanner (1982), numa réplica ao estudo de
Forman e Riegelhaupt. Estes autores, entre vários comentários e críticas, mostram que o
intermediário representa a própria feira e que por isso não pode desaparecer, pois a feira tem
grande importância quanto à geração de empregos, pois ser feirante é uma forma de
sobrevivência já que um grande número de agricultores atualmente são sem-terra. No mais, a
impossibilidade do trabalho na agricultura não acaba com os pequenos feirantes produtores,
pois a feira não é só do pequeno produtor, mas também dos sem-terra. Além do mais, não
existe a competição dos pequenos feirantes capitalizados, pois estes preferem atividades do
tipo criação de gado, plantio de cana-de-açúcar, enfim, qualquer atividade comercial. Os
referidos antropólogos, concluem sua réplica, mostrando que as feiras não tendem ao
desaparecimento por fazerem parte de um sistema que subsiste para atender o meio pobre,
rural e urbano, e desempregado. Assim, os atores da feira, ou seja, a massa de seus
freqüentadores (feirantes e compradores), com exceção de alguns filhos dos fazendeiros de
Itabaiana, estão excluídos das benesses do que Inés Geraiges (LEMOS, 1995, p. 101) chama
de as novas catedrais do consumo: os shopping centers.
Parece haver um denominador comum entre Heath e Tanner (1982) e Milton Santos,
apesar de Santos (1979b) se utilizar de uma terminologia específica – Circuito inferior ou
setor informal da economia - que pode ser aplicado em todos os tipos de relações comerciais
que atendem à classe marginalizada a partir da penetração do capitalismo tanto no espaço
agrário quanto urbano. Heath e Tanner, no entanto possuem um trabalho mais específico
sobre feiras. Nesse texto, com uma outra terminologia eles concluem que a feira faz parte
deste circuito inferior da economia. É bem este o caso de Itabaiana que se enquadra no que
Milton Santos (Santos, 1979, p. 165) denominou de “...uma totalidade doente, perversa e
prejudicial.”
85

CONSIDERAÇÕES

A feira de Itabaiana ao longo de sua existência, sofreu transformações não só no que


se refere à sua “paisagem” (“aparência”) mas, sobretudo no que diz respeito aos produtos e
bens, que passam a ser os agentes de mudança. Nesse caso podemos afirmar que no intervalo
de tempo que se deu a pesquisa confirmou-se que houve mudança de produtos de
comercialização no espaço da feira. Essas modificações não foram produzidas por situações
cuja dinâmica evolutiva constitui-se de agentes impulsionadores endógenos. Esses agentes são
os fatores que mudaram a configuração dinâmica da feira e são externos ao fenômeno em si,
principalmente fatores de ordem econômica, partindo de um planejamento mundial onde na
divisão do mundo, o Brasil ficou classificado como um membro dos países do então chamado
“Terceiro Mundo”. Diante desta realidade, o país passa a assumir a mentalidade capitalista
vigente baseada na acumulação rápida de capital, e na modernização tecnológica, que passa a
ser condição fundamental para o crescimento do país. Esta mentalidade, no entanto beneficia
os que já são beneficiados, aumenta a concentração de renda e com isso amplia-se o fosso
entre ricos e pobres.
Deste modo, as diversas formas que a feira assumiu foram resultado de uma
adequação dela e de seus atores às diversas políticas econômicas nacionais e internacionais,
que por sua vez obedecem a um planejamento cada vez mais sutil das potências do então
chamado Primeiro Mundo. Como conseqüência deste planejamento hierarquizado, a feira teve
a sua forma original, a Feira de Gado, modificada ou porque não dizer extinta, já que de fato
ela deixou de existir. No entanto, ao analisarmos a atual condição de pobreza das populações
rural e urbana de Itabaiana podemos concluir que a feira, na forma em que se apresenta
atualmente, tem uma grande importância econômica e social para as populações pobres.
Esta realidade, vista a partir de uma totalidade espacial tornou possível a compreensão
de que a feira não é governada pela população que é diretamente envolvida por ela.
Cumpre observar, ainda, que as grandes cidades brasileiras do século XIX, Salvador,
Recife e Rio de Janeiro e acrescente-se a cidade de São Paulo, no início deste século as
demais, não possuíam indústrias. Isto conduz ao questionamento do fato de se atribuir este
comércio às condições técnicas atuais de expansão do capitalismo em detrimento da própria
formação urbana brasileira, como é comum acontecer.
É muito freqüente em vários autores (BARROS, 1987, p. 28), a atitude de fazer
referência à questão da abordagem do tema em relação à dependência-marginalidade social
86

em centros latino-americanos, que traz em seu bojo fatos como subemprego, pobreza, atraso
tecnológico, etc., como conseqüência de um sistema industrial dependente, com baixa
capacidade de absorção de mão-de-obra, sendo este fato atribuído à ausência de “mecanismos
ágeis de acumulação capitalista”. Contrariando esta justificativa, o Brasil, na época do
“milagre econômico”, passou a apresentar índices de acumulação jamais vistos, sendo que a
problemática de marginalidade urbana expressa em um terciário cada vez inflado, continuava
em expansão. Nesta perspectiva, observar a marginalidade urbana no Brasil sob a ótica da
política econômica de desenvolvimento adotada é uma forma de camuflar a verdadeira causa
deste problema, ou seja, a acumulação de capitais e de renda por parcela reduzida da
população.
87

CAPÍTULO 2
CIRCULAÇÃO E TRANSPORTES COMO FATORES DE TRANSFORMAÇÃO NA
FEIRA DE ITABAIANA

(...)E o Trem começou a andar. Passou pela porta da cadeia: os


presos olhavam das grades. Talvez fosse o grande espetáculo
deles, aquele trem indo e voltando todos os dias. Lá estava o
cemitério pequeno, que nem tinha lugar para ninguém. O poço
de Maracaípe, onde tomávamos banho com o Seu Coelho. As
últimas casas de Itabaiana, e o rio correndo com o trem para
Santa Rosa. Vinha depois todo amarelo, o sobrado da Galhofa,
do velho Germiniano.[...] Mas nem a estrada ferro, nem os
passageiros, nem o mundo por onde corria o trem, existiam de
verdade para mim.

José Lins do Rego, “Doidinho”


88

2.1 As Feiras e os Transportes

Itabaiana, conforme já foi salientado, surgiu da expansão da pecuária que deu origem à
famosa feira de gado, razão de ser do núcleo urbano. O fato da feira de gado ter se extinguido
e a feira na cidade ter permanecido, foi um ponto de reflexão que levou a uma análise mais
profunda dos fatores que poderiam ter contribuído para esta permanência. Estes fatores por
sua vez estariam ligados a uma dinâmica de escala maior, de âmbito nacional, mais
especificamente a política nacional de transportes que vêm desde 1930 privilegiando a
construção de rodovias no país. Assim, nesta investigação surgiu a necessidade do estudo dos
meios de comunicação terrestre, as vias e os equipamentos, relacionando este estudo com as
teorias acerca das feiras mercados periódicos nos países periféricos. Os meios de
comunicação terrestre tornaram-se desta forma um estudo imprescindível na compreensão das
transformações recentes que vêm sofrendo a feira de Itabaiana no Agreste da Paraíba
conforme demonstramos na figura 7.
89

Figura 7 – Organização espacial do sistema de comércio do gado da feira de Itabaiana


no início do século XX (Adaptado de Silva, 1992, p.5)

O estudo da evolução da Feira de Itabaiana visto a partir das vias de transporte, mostra
que Itabaiana, assim como Campina Grande, historicamente fazem parte da hinterlândia do
Recife, em Pernambuco.
Os mercados periódicos são como núcleos de povoamento que periodicamente se
transformam em centros de comércio. Esta periodicidade pode ocorrer uma ou mais vezes por
semana, durante o período de safra ou conforme outros critérios. Os estudos sobre mercados
periódicos foram realizados em diversos contextos culturais e sócio-econômicos na Ásia,
África e América Latina. Fora dos períodos de intenso movimento comercial, estes núcleos
voltam a ser pacatos núcleos rurais onde a maior parte da população se dedica às atividades
primárias.
Nos dias de feira vendedores dos mais variados produtos, artesãos e prestadores de
serviços amanhecem no centro com suas mercadorias e instrumentos de trabalho. Muitos são
provenientes de outros núcleos onde atuaram no dia anterior e outros, como profissionais mais
qualificados, são oriundos de um centro maior, onde moram e atuam profissionalmente.
Outros vêm das áreas rurais para vender suas produções e comprar o que não produzem.
Historicamente a feira é assim; é o lugar de reunião cotidiana e coletiva; é o mercado onde
90

produtos são exibidos, com possibilidades de barganha e troca. Pois é somente no mercado de
trocas que todas as coisas se tornam ‘valores’, como foi evidenciado por Hannah Arendt. Este
valor consiste na “estima da esfera pública na qual as coisas surgem como mercadorias”; este
valor é “uma qualidade objetiva do próprio objeto”. Os valores reforça Arendt “passam a
existir sempre que os objetos são trazidos para a relatividade da troca, em constante mutação
entre os membros da sociedade”. (ARENDT, 1999, p.77-78)
Quanto aos transportes utilizados, estes podem ser tropas de burros, cavalos, carroças,
bicicletas, motos, caminhões, camionetas, ônibus e até a pé. Todos se encontram na feira.
Assim, sabem das novidades e realizam eventos sociais, culturais e políticos.
O alcance espacial máximo é a área determinada por um raio a partir de uma
localidade central. Dentro desta área, os consumidores deslocam-se efetivamente para a
localidade principal, visando à obtenção de bens e serviços. O tempo gasto e os custos de
transportes são fundamentais na análise do alcance espacial máximo. “O alcance espacial
mínimo compreende a área em torno de uma localidade central, que engloba o mínimo de
consumidores suficientes para que um comerciante ali se instale” (SILVA, 1987, p. 20). O
alcance espacial máximo e o mínimo variam de acordo com os diferentes bens e serviços
oferecidos. O alcance espacial máximo, por sua vez, depende profundamente dos custos de
transporte.
Os transportes passam a ter grande relevância nos estudos referentes à centralidade
urbana, em função da modernidade e da rápida urbanização do mundo subdesenvolvido,
conforme Bromley (1980, p. 646):

As comunicações modernas, particularmente o transporte rodoviário,


reduziram grandemente o problema de distância em muitas partes dos
países subdesenvolvidos. Esta mudança conduziu a uma reestruturação
fundamental dos sistemas de mercado interno. As novas comunicações
tornam mais fáceis e barato visitar os grandes centros e, conseqüentemente,
os consumidores concentram suas compras nesses centros, desprezando os
menores. Os grandes centros aumentam em tamanho e número, enquanto
alguns dos mercados menores são eliminados. Esta tendência de
reestruturação da hierarquia de centros de mercado é reforçada pela
tendência moderna de uma urbanização rápida.

De fato, o estudo dos transportes vem assumindo uma grande importância em função
das transformações rápidas na economia mundial. Segundo Pierre George (1980), o estudo
dos transportes admite duas modalidades de estudo: o dos tipos de equipamentos e o dos
tráfegos e fluxos, envolvendo, inclusive, a problemática da qualidade das vias e das infra-
estruturas como pedágios.
91

O estudo dos tipos equipamentos leva em conta os tipos de espaços de percursos e de


trânsito, que se divide em dois campos: o das linhas e o das redes. A análise destas deve
mostrar como, através dos transportes, esta cidade vale-se de uma posição privilegiada nos
dias de feira. Quanto ao estudo dos fluxos, merece destaque neste trabalho o estudo das linhas
de transporte, principalmente nos dias de feira, quando surgem várias linhas que não são
formalmente cadastradas pela rodoviária local.

2.2 - A Evolução dos Transportes na Paraíba: As Primeiras Vias

Uma análise dos transportes na área estudada requer um estudo da evolução histórica
dos transportes, vias e percursos, na medida em que este estudo contribui para a análise da
função dos transportes na dinâmica da feira de Itabaiana, que é o objeto do presente estudo.
No Brasil, a história dos transportes sempre teve uma relação direta com a dinâmica
econômica, que por sua vez obedece a ciclos distintos conforme os ditames do mercado
internacional. O Nordeste açucareiro tinha, até o período da implantação da ferrovia, em
meados do século XIX, sua rede de transporte associada aos rios que penetravam pelas
planícies por onde se estendiam engenhos. O Brasil, colonizado primeiramente no litoral,
fundamentava suas ligações através do transporte marítimo costeiro. O curto período de
instalação de ferrovias ocorreu em função do monopólio das estradas de ferro e sua influência
no mundo. Neste período, os economistas salientavam a função dos meios de transporte,
notadamente o trem, no desenvolvimento dos países novos. É certo que a facilidade de
comunicação estimula as forças produtivas e a história do transporte se confunde com à do
comércio.
O escritor José Américo de Almeida, já na primeira edição de A Paraíba e seus
problemas, publicada em 1923, comentava que o Estado da Paraíba apresentava mais que
qualquer outro, o obstáculo da distância (Almeida, 1980). Este mesmo autor referiu-se à
forma oblonga do território como perturbadora da unidade antropogeográfica e como um fator
de dispersão. O trem de ferro, inicialmente, não avança até o Sertão, fazendo com que a sua
economia fosse absorvida pelo estado vizinho, Pernambuco, já que havia maior facilidade de
ligações do Sertão com Recife do que com João Pessoa (na época, cidade da Parahyba). Esta
realidade pode ser percebida através da rede dendrítica e dos mapas referentes às vias no
período anterior a 1930.
92

Do século XVI até meados do século XIX existiam veredas mata adentro que com o
tempo se transformavam em caminhos cabendo apenas um animal. Com os carros de boi, os
caminhos se alargavam, permanecendo, no entanto, atoleiros que às vezes eram
intransponíveis. Sem dúvida, o cavalo e o carro de boi tiveram grande importância para a
abertura de estradas e para a organização de povoados, vilas e posteriormente, cidades. De
1635 a 1645 existiam apenas dois caminhos na Paraíba: o da Capital em direção ao sul,
alcançando Goiana-PE, e o da Capital em direção ao norte, parando em Copaoba (Serra da
Raiz) e seguindo para o Rio Grande do Norte (Joffily, 1977).
Lembra Irineu Joffily que foram três os primeiros primitivos condutos por onde a
Paraíba recebeu elementos colonizadores, “todos os três na sua fronteira meridional porque
somente desta direção e pela via marítima podia vir-lhe a vida civilizada” (Joffily, 1977,
p.219). A estrada que unia a Pernambuco e por onde chegavam recursos para a defesa e a
estabilidade do pequeno núcleo, tinha o seguinte traçado: partindo de Olinda, passava por
Igarassu, e depois por Goiana, penetrando na Paraíba através de Taquara, Alhandra e Jacoca,
entrava na Capital pelas Marés e depois por Cruz das Armas.
Para as fundações do Rio Grande do Norte e do Ceará esta estrada prolongou-se
acompanhando o litoral. Almeida (1980) diz que em 1620, a conquista do interior já havia
alcançado as terras do atual município de Itabaiana que tinha fazendas de criação. De fato, as
primeiras sesmarias foram concedidas nesta data. No entanto, Maia (1976) diz que estas não
foram logo ocupadas e que a colonização, conforme citado anteriormente só ocorreu com a
concessão de novas sesmarias no século XVIII. Também vimos que Joffily menciona apenas
dois condutos no Estado até 1645 e não inclui Itabaiana nestes dois condutos. Ainda
referindo-nos às vias na direção de Itabaiana, Almeida (1980) comenta a facilidade de trânsito
neste rumo, pelo menos até o aldeamento dos índios tapuias. Esta colocação, no entanto
merece algumas reflexões: Maia (1976), referindo-se à ocupação da área, diz que o caminho
até Pilar percorrido pelos Jesuítas foi margeando o Rio Paraíba. Sabemos por outro lado que
as condições do meio físico da área, ou seja, um relevo suave e ondulado, com uma vegetação
arbustiva e esparsa não se constituía em um grande obstáculo à penetração humana e muito
menos à do gado que tinha também a seu favor um pasto natural. Assim, o “trânsito fácil”
mencionado por Almeida, não se tratava, evidentemente, de uma via explícita já elaborada,
mas um caminho natural, devido à facilidade de penetração ao longo do rio Paraíba, a pé e de
canoa.
93

Seguindo o curso do rio Paraíba em direção ao oeste, uma outra via se abriu, tendo
sido percorrida inicialmente pelo Padre Nantes para a Aldeia dos Cariris no Boqueirão.
Conforme José Américo de Almeida:

Esse caminho que o venerando capuchinho francez nos pinta atravancado de


cannas bravas era provavelmente por onde se communicava Antonio de
Oliveira com a sua fazenda de criação, sita nas proximidades da mesma
aldeia, e foi por elle que devia ter transitado diversas vezes o padre
Theodosio de Lucé, desde quase dois annos antes. E grande parte delle
provavelmente foi aproveitado na estrada que hoje liga essa parte do sertão
da Parahyba à cidade do Recife. Almeida (1980, p.345).

A terceira via foi a entrada dos sertanistas vindos a margem do rio São Francisco, na
Bahia. Por aí foi trazido o gado com que se fundaram as primeiras fazendas do alto sertão. A
bandeira de Teodósio de Oliveira Ledo ligou, afinal as zonas conquistadas, estabelecendo as
relações de todo o interior com a sede da capitania.
Joffily (1977, p. 219) diz que anos após a expulsão dos flamengos uma outra estrada
se abriu, partindo do alto sertão, passando em Campina Grande, descendo o Planalto da
Borborema, Ingá, Itabaiana, Pilar, Santa Rita e a Capital. Ao chegar em Campina Grande se
bifurcava para Areia e ao atingir Itabaiana ia para Recife por Itambé, Goiana e Igarassu.
Como em principio, somente Recife se apresentava como centro consumidor de gado, este
vinha do sertão por este caminho, dividindo-se então em boiadas em Itabaiana: uma menor
parte ia para a Capital paraibana e a maior parte destinava-se à capital Pernambucana de
acordo com o cartograma a seguir (ver Fig. 8).
Este caminho ficou conhecido como a Estrada das Boiadas (conforme Fig. 9) e pode-
se dizer que era o principal meio de escoamento do gado do sertão que a esta altura já possuía
uma pecuária de grande importância, ocupando a maior extensão de terras no território
paraibano e concorrendo com 1/3 ou mais das rendas da Paraíba.
94

OS PRIMEIROS CAMINHOS DA PARAÍBA

NATAL

R IO G
RANDE
DO NORT
E

SERRA
RAIZ

JOÃO
PARAÍBA PESSOA

PILAR
ITABAIANA
BOQUEIRÃO ALHANDRA

GOIANA

CAMINHOS
ESTABELECIDOS
CO
BU
AM
RN
PE OLINDA
ROTAS PROVÁVEIS
RECIFE

FONTE: IRINEO JOFFILY- NOTAS SOBRE A PARAÍBA

10 0 10 20 KM

Figura 8 – Mapa denotando os primeiros Caminhos da Paraíba


Fonte: Notas sobre a Paraíba. Irineu Joffily (1977)
95

A ESTRADA DAS BOIADAS (SÉCULOS XVII, XVIII E XIX)

RIO GRAN
DE DO NORT
E

PATOS
STA
RITA JOÃO
PIANCÓ PESSOA
INGÁ
PARAÍBA CAMPINA PILAR
GRANDE
ITABAIANA

ITAMBÉ

GOIANA

O
BUC
NA M
P ER
RECIFE

E LA B O R A D O : C O N R A D R O SA E E D U A R D O PA ZE R A JR .

30 0 30 60 Km
FONTE: ADAPTADO DE ALMEIDA, JOSÉ AMÉRICO-
A PARAÍBA E SEUS PROBLEMAS

Figura 9 – Rota da “Estrada das Boiadas” (Século XVII, XVIII e XIX)


FONTE: Adaptado de ALMEIDA, José Américo de. A Paraíba e seus problemas.
Este foi o sistema de comunicação interna em todo o território até 1883. Até então, o carro de boi era o veículo utilizado.
96

2.3 - As Ferrovias e as Estradas de Rodagem

Em 1871, o Governo provincial autorizou a incorporação de uma companhia para


construir a estrada de ferro, que teve o nome de Conde D’Eu, entre a Capital da Província e
Alagoa Grande com ramificações em Ingá e Guarabira. No entanto, em função de atrasos e
problemas econômicos, o trecho ficou diminuído, sendo construído a partir de 1880 os
trechos: da Capital a Mulungu e os ramais do Pilar e de Guarabira, terminados em 1884.
Posteriormente após muitas discussões por parte de comerciantes, o tráfego para o porto de
Cabedelo foi inaugurado em 1889.
Por muitos anos a Paraíba ficou reduzida a estas linhas de trem. As zonas do Brejo e
os sertões de grande potencial agrícola e comercial continuaram isolados, “apartados”. O
comércio usufruiu pouco deste serviço insuficiente, já que os pontos de maior movimento
mercantil ficaram distantes das estações. Na época, o engenheiro Retumba fez graves críticas
a esta situação, denunciando inclusive corrupção por parte de políticos e administradores da
empresa ferroviária, e lamentando a enorme dívida adquirida pelo Estado, sem que houvesse
um retorno significativo para a população (ALMEIDA, 1960, p.347).
Em 1889 foi contratada a Recife-Limoeiro Railway Company para a conclusão do
trecho Timbaúba-Pilar, a Estação Rosa e Silva e a de Itabaiana em 1901. Foi um
melhoramento significativo que, no entanto, facilitou o intercâmbio de Recife com o interior
da Paraíba, desfavorecendo assim, o estado como um todo. Quanto ao Município de Itabaiana,
o trem gerou um grande impulso aos negócios, favorecendo e ampliando a área de influência
da feira de gado. O próprio fato de a cidade ser beneficiada com o trem, já mostra a força
econômica e política que a feira tinha no final do século XIX.
O trem formava juntamente com a feira de gado o elo sobre o qual se assentava o
desenvolvimento de Itabaiana, influindo, portanto na sociedade, na economia e na política
local, na medida em que tornava Itabaiana mais próxima dos centros urbanos de Recife e do
interior da Paraíba. Os negócios da feira começavam na segunda-feira, a cidade inteira se
movimentava, os hotéis lotavam com negociantes vindos de Campina Grande, Mogeiro, Pilar,
Massangana e Recife.
Os estados de Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte tinham no início do
século, seus territórios explorados por uma dezena de empresas de estradas de ferro. Isto
gerava prejuízos já que existia grande diversidade de bitolas, tarifas e horários. Assim, o
Governo Federal uniu-as sob a direção da “The Great Western Of Brazil Railway Company
97

Limited”. De 1901 a 1904, esta companhia encampou todas as vias férreas dos quatros
estados.
Depois de 1901, ocorreram disputas para decidir se a linha de Campina Grande
deveria partir de Itabaiana ou de Alagoa Grande, e após longas discussões os itabaianenses
venceram, sendo esta cidade o ponto de partida. Em 1907 partia o primeiro trem para
Campina Grande. A linha Itabaiana – Campina Grande facilitava o acesso ao Sertão. No
entanto, Campina tinha relações sociais e comerciais com o Recife, para onde se destinavam a
produção agrícola, essencialmente o algodão, bem como o gado. Este desenvolvimento
ferroviário, numa posição relativa quanto ao número de habitantes e à área territorial, deveria
ser suficiente para a dinâmica econômica que dependesse de transporte; no entanto,
permanecia a crise de circulação, já que o interior permaneceu apartado. O prolongamento
para Campina Grande, além de ter contribuído para maior desvio da produção do Estado, não
resolveu as dificuldades de comunicação da zona sertaneja. O comércio não era dinâmico em
função da morosidade da circulação e as mercadorias despachadas para locais próximos
acabavam apodrecendo nas estações.
No Sertão as estradas eram estreitas, pedregosas e descuidadas. Em muitos locais nem
carros de boi passavam. As viagens eram demoradas e os preços dos produtos se elevavam
muito em função disto.
O engenheiro Retumba traçou um plano de estrada de ferro cujo objetivo era ligar o
Brejo ao Sertão, por Areia, já que em Campina Grande a produção era escoada para
Pernambuco. O Brejo, úmido e fértil, através do transporte teria mais condições de abastecer o
Sertão nos períodos secos, além de fazer com que a produção do Sertão tivesse mais acesso à
Capital paraibana e não à pernambucana. Depois de iniciadas as obras, tiveram que parar por
ordem do Governo Federal, com prejuízo do capital empregado. O projeto do Governo
Federal referia-se à construção de estradas de rodagem e não mais à instalação de novas vias
férreas. A ferrovia deixou de transportar passageiros em 1977, embora sua decadência já fosse
sentida a partir dos anos sessenta. Atualmente, circulam trens cargueiros apenas uma ou duas
vezes por semana, no período noturno, o que não impede o uso do leito da ferrovia para a
feira de frutas.
As estradas de rodagem surgem como alternativa para complementar a rede ferroviária
existente e baixar o frete até as estações. Até 1920 só existiam duas estradas de rodagem: da
Capital à Pilar, quase desfeita em Santa Rita e a de Alagoa Grande a Areia, construída pelo
98

Estado, incompleta e tecnicamente condenável. De 1920 a 1922 foram construídas várias


estradas de rodagem e carroçáveis em todo o Estado (ver Fig. 10).
99

PRINCIPAIS VIAS DO ESTADO DA PARAÍBA EM 1920

E
RT
NO
DO
DE
AN
GR R IO G
RAND
O E DO
RÁ RI NOR TE
RA
CE

SOUZA
STA
LUZIA MAMANGUAPE

ALAGOA
GRANDE CABEDELO
PATOS
CAMPINA JOÃO
GRANDE PESSOA
PIANCÓ
PILAR
CEARÁ

ITABAIANA

CO
BU
AM
RN
PE

O
B UC
NA M
P ER

ESTRADA CARROÇAVEL

ESTRADA DE RODAGEM

ESTRADA DE FERRO
30 0 30 60 Km

Figura 10 – Principais vias do Estado da Paraíba em 1920


Fonte: J. A Almeida – A Paraíba e seus problemas (1980)
Organizado por Lígia Maria Tavares e Eduardo Pazera Jr.
100

Itabaiana, além da estrada de ferro, possuía três estradas de rodagem ligando a cidade
a Umbuzeiro, Campina Grande e Itambé, tendo sido mais ainda facilitada a sua comunicação
pela construção da ponte sobre o rio Paraíba.
O sistema rodoviário do Estado, face à dispersão da produção agrícola e à
multiplicidade de destinos da produção não tem de fato, como se tornar competitivo em
relação ao transporte rodoviário. Além do mais, as ferrovias e os trens vão se tornando cada
vez mais obsoletos já que demanda recursos para reconstrução e modernização deste sistema
de transporte. No Brasil, a política viária vem, desde 1930 incentivando os transportes
rodoviários e não os ferroviários.
No Estado da Paraíba, a rede rodoviária se configura a partir de um eixo principal, a
BR-230. Totalmente pavimentada e sob jurisdição federal, esta estrada liga a Capital do
Estado ao mais distante município (Cajazeiras) no sentido longitudinal (leste-oeste). Une os
principais pólos estaduais (Cajazeiras, Souza, Patos, Campina Grande e João Pessoa)
recolhendo e distribuindo o tráfego das rodovias estaduais. Através de outra rodovia federal, a
BR – 101, a Paraíba se liga aos demais centros urbanos do Nordeste, como Recife e Natal. Os
municípios do Brejo paraibano e adjacências estão servidos pelo conjunto de rodovias
estaduais e pavimentadas através do sistema “Anel do Brejo”. Entretanto, vários outros
segmentos do sistema vicinal que interligam rodovias-tronco com centros produtores ou áreas
com vocação para desenvolverem-se economicamente e/ou culturalmente encontram-se em
sua quase totalidade planejadas ou mesmo implantadas, mas sem condições de atendimento às
localidades.
No projeto referente ao programa de rodovias alimentadoras de 1988, realizado pelo
D.E.R – PB havia o seguinte comentário em sua introdução: “O Estado Crítico de
Conservação de Grande Parte das Rodovias Pavimentadas, a Grande Extensão de Rodovias
não Pavimentadas ou Simplesmente a não Existência de Ligações Rodoviárias entre os
Centros de Produção e os de Comercialização e Consumo são Causas Fundamentais que
Poderão Impedir o acesso destes Produtos aos Mercados” (DER, 1988). Assim, o objetivo
deste projeto era priorizar as vias fundamentais para a dinâmica comercial.
Antes de prosseguir, é interessante notar que neste projeto percebe-se ainda a
colocação da problemática dos transportes quanto à distribuição e comercialização dos
produtos agrícolas, tal qual exposta por José Américo de Almeida na década de trinta!
(ALMEIDA, 1980). No projeto, dentre as estradas com prioridade para a restauração estava a
PB – 054, trecho BR – 230 – Itabaiana. Esta estrada construída em 1976, com 19 Km de
101

extensão é uma das mais movimentadas do Estado conforme a tabela 1, que mostra alguns
exemplos para comparação. Informações recentes corroboram essas proporções. Inclusive,
como se observa na referida tabela, o tráfego nessa estrada de ligação cresceu em um ritmo
superior ao de outras rodovias similares na Paraíba. Também na ordem das prioridades para a
pavimentação estava a PB – 082 ligando Itabaiana a Salgado de São Félix, numa extensão de
10 km com um tráfego médio bastante elevado, de 369 veículos diários...Esse projeto de 1988
só foi concluído em 2000. Em 2002 estava sendo construída a nova ponte sobre o rio Paraíba
visando desviar o tráfego pesado do centro do centro da cidade reduzindo os
congestionamentos que ocorrem, sobretudo no dia da feira. Essa nova alternativa de tráfego
talvez reduza o movimento da feira.

TABELA 1 - TRÁFEGO MÉDIO DIÁRIO (TDM) DE ALGUMAS ESTRADAS NO ESTADO DA


PARAÍBA EM 1985 E 2001

ESTRADA EXTENSÃO ANO TDM


KM ABERTURA
1985 2001
PB 325 Catolé do Rocha/BR 230 53 1978 636 787
PB 400 Cajazeiras/Bonito Sta Fé 64 1977 281 413
PB 105 Remígio/Arara/Solânea/ 49 1970/75 889 2100
Rua Nova
PB 75 Alagoinha/Guarabira 15 1979 566 2160
PB 090 BR230/Ingá 07 1980 403 510
PB 054 BR230/Itabaiana 19 1976 1002 2329

FONTE: Informações da Engenheira Glória Ramalho –DER/PB

Observando o mapa rodoviário do Estado (ver Fig. 11 e 12), podemos perceber


claramente a situação de privilégio da cidade de Itabaiana no contexto da realidade espacial
do Estado, quanto ao número de rodovias convergentes.
Seguindo a hierarquização das cidades no Estado, conforme estabelecido pelo D.E.R –
PB, cujo critério é o número de habitantes, as cidades hierarquicamente acima de Itabaiana
como Campina Grande (mais de 100.000 hab.), Patos (entre 50 e 100.000 hab.), Guarabira e
Cajazeiras com uma população entre 20.000 e 50.000, tem respectivamente, 5, 5, 3 e 4
rodovias pavimentadas, e 2 implantadas, além de ser servida por estrada de ferro, que tem
inclusive bifurcação de duas linhas, enquanto as referidas cidades só possuem uma linha;
excluímos desta análise a Capital do Estado, João Pessoa). Na hierarquização estabelecida,
Itabaiana possui entre 20.000 e 5.000 habitantes.
102

MAPA RODOVIÁRIO DA PARAÍBA

E
T
R
O
N
O
D
E
D
N
A R I O G R A N D E D O N O R T E
R
G
I O
R

Mataraca
Á
A R

R I O G R A N D E D O N O R T E
C E

Pombal -42
7
BR

BR
BR-110

-10
Cabedelo

1
Cajazeiras

Patos
BR-230 João Pessoa

1 BR-230
-36
Piancó BR Campina

BR-1
-41
2 Grande
BR

01
Á
R
A
E

BR
C

-10
O
C

4
Conceição U
B
M
A C O
N B U
R A M
E R N
P P E

Monteiro

Limite estadual

Rodovia federal

Rodovia estadual
20 0 20 40 km
Principais cidades

FONTE: DER - 1999

Figura 11 – Mapa Rodoviário do Estado da Paraíba


103

VIAS DE COMUNICAÇÃO EM
ALGUNS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA PARAÍBA (2002)
GUARABIRA

CAMPINA
GRANDE

CAJAZEIRAS

ITABAIANA

PATOS

ESTRADA PAVIMENTADA
ESTRADA IMPLANTADA
ESTRADA MUNICPAL
ESTRADA DE FERRO

10 0 10 20 km
BASE CARTOGRÁFICA: MAPA RODOVIÁRIO DER - PB
ELABORADO: CONRAD ROSA E EDUARDO PAZERA JR.

Figura 12 – Vias de Comunicação de alguns municípios do Estado por via terrestre


2.4 - Os Transportes no Dia da Feira
104

2.4 - Os Transportes no Dia de Feira

Na Avenida José Silveira, de frente para a Igreja principal, ficam estacionados os


carros, caminhões e camionetas de várias localidades e municípios vizinhos. (rever Foto 8).
Durante o dia da feira em Itabaiana, principalmente no período da manhã (de 6 às 12 horas),
todas as ruas do centro da cidade ao redor da feira ficam ocupadas pelos seguintes tipos de
veículos: automóveis, camionetas, caminhões e ônibus. Estes diferentes tipos de veículos se
misturam estacionados pelas ruas do centro da cidade, existindo, no entanto, uma certa
predominância quanto ao tipo de veículos e o local de estacionamento. Predominam,
estacionados na Avenida José Silveira, os automóveis, num trecho bem próximo à feira,
depois os caminhões e as camionetas.
Na rua Fernando Pessoa predominam os automóveis, enquanto nas transversais
(Florentino de Vasconcelos, Nézinho de Almeida e Heroína Maria Cleide) predominam as
camionetes de lotação. Os ônibus especiais ficam estacionados próximos à Igreja e ao longo
da Praça na Rua Cel. Firmino Rodrigues. Estas são as principais ruas onde estacionam os
veículos nos dias de feira (ver Fig. 13).
105

R IO P ARA ÍB A

EIDE
M. CL
OINA

FERNA
R. HER

ALMEIDA

R.
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AUTOMÓVEIS
BOCAIÚ

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ÃO MERCADO
CAMINHONETES

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ÃO CAMINHÃO-LOTAÇÃO

O
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R.

U
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R.

ÔNIBUS ESPECIAIS

IT
A
OTO
NO PEIX
R. FLORIA MOTO-TÁXI

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO DA
FEIRA

20 0 20 40 60m

Figura 13 – Localização dos transportes no centro da cidade de Itabaiana em dia de feira


Fonte: Pesquisa de campo 2002. Elaboração gráfica: Eduardo Pazera Jr. e Conrad Rosa
106

A partir de observações de campo, durante os dias de feira em 1986-88, 1990,


complementadas pela pesquisa de Lígia Tavares, do mês de Julho de 1992 (Silva, 1992), bem
como pelos inquéritos de 2000 e 2002, foi possível estabelecer a origem dos transportes que
se deslocam para a cidade de Itabaiana em dias de feira, conforme a tipologia citada acima.
Também foi possível levantar algumas características quanto ao tipo de usuário e sua relação
com a feira.

2.4.1 - Caminhões-lotação e camionetas

Através deste tipo de transporte, o caminhão-lotação, o produtor rural tem condições


de trazer seus produtos para serem vendidos na feira, por intermédio dos feirantes, e comprar
objetos que necessita e que não encontra em sua localidade rural. A maioria dos motoristas
dos caminhões - lotação que foram abordados testemunharam este tipo de realidade.
A proveniência destes caminhões não espelha exatamente a origem do próprio
produtor já que estes são, na maioria, apanhados pelo meio do caminho. Outra questão com
relação à origem dos caminhões refere-se à dificuldade de precisão quanto ao mapeamento, já
que muitas localidades de origem destes caminhões são sítios não encontrados nos
documentos cartográficos existentes da área de estudo. Isto posto, predominam os caminhões
oriundos de Mogeiro, São José do Una em Pedras de Fogo, além de outros oriundos de
Juripiranga, Ingá, Gurinhém, Cabral, Maracaípe, Fazenda També, Fazenda São José e Granja
Santa Luzia. (ver Fig 14).
As camionetas também servem para trazer não só os produtos rurais, mas também para
transportar consumidores assim como atravessadores, que especulando preços, encontram
algum tipo de produto mais barato que levam para vender em outra cidade. No dia em que as
camionetas foram pesquisadas, os produtos mais comprados para serem revendidos eram
bananas e animais vivos (peru, porco, galinha). O destino das camionetas abordadas na rua
principal era: Lagoa da Pedra, Jenipapo, Maracaípe, Camurim, Barra, Mari, Una de São José,
Santa Rita e João Pessoa (estas últimas referem-se aos atravessadores).
107

DESLOCAMENTO DOS CAMINHÕES-LOTAÇÃO PARA ITABAIANA


NOS DIAS DE FEIRA (1992-2002)

GURINHÉM
DESLOCAMENTO DOS CAMINHÕES
PARA ITABAIANA NOS DIAS DE FEIRA

S. JOSÉ

UNA DE S. JOSÉ
MOGEIRO

ITABAIANA

JURIPIRANGA
PEDRAS DE
FOGO

DESLOCAMENTO DE CAMINHONETES
PARA ITABAIANA NOS DIAS DE FEIRA
STA RITA

JOÃO PESSOA

PILAR
SÍTIO RCH
DO MOGEIRO

MOGEIRO

ITABAIANA
JURIPIRANGA

PEDRAS
DE FOGO
BASE CARTOGRÁFICA: DER
FONTE: PESQUISA DE CAMPO

10 0 10 20 km

Figura 14 – Rota de caminhões-lotação para Itabaiana nos dias de feira


108

Próximo ao rio, nas ruas transversais, as camionetas destinavam-se a áreas menos


distantes: Sítio Novo, Sítio Cariatá, Sítio Riacho do Mogeiro, Sítio São José do Pilar. Tanto as
camionetas que transportam consumidores como os caminhões-lotação, possuem uma
disciplina quanto aos horários de partida da localidade de origem e da feira. Em geral o
horário de saída da feira varia entre 10 e 12 horas da manhã.

2.4.2 Ônibus especiais

Estes ônibus não são cadastrados pela Polícia Rodoviária local, sendo, portanto,
clandestinos. Eles se deslocam para Itabaiana somente nos dias de feira, isto é, nas terças-
feiras. Não existem horários extras de ônibus na rodoviária local nos dias de feira, aumenta,
porém significativamente o número de passageiros nas linhas existentes, na medida em que o
ônibus vai parando por pequenas localidades ao longo do percurso, como é o caso dos ônibus
oriundos de João Pessoa, Recife e Campina Grande.
O dia de pagamento da Prefeitura de Itabaiana é sempre realizado em dias de feira,
aumentando consideravelmente o número de passageiros que se desloca para Itabaiana nestes
dias, estimulando assim a dinâmica comercial da feira. Assim como acontece com os
caminhões-lotação, os ônibus especiais têm um local de origem, que não esclarece a origem
dos usuários em si já que estes são apanhados ao longo do trajeto. Eles são na maioria
consumidores, podendo haver ambulantes e eventualmente feirantes. Predominam as
mulheres e as crianças, que aproveitam o dia de feira para passear, visitar parentes e amigos,
procurar um político em busca de favor e por fim adquirir produtos tanto na feira quanto nas
lojas da cidade.
Os ônibus especiais são provenientes das seguintes localidades: Umbuzeiro, Natuba,
Ingá, Juarez Távora, Gurinhém, Sapé, Cajá, Pilar, Juripiranga, Pedras de Fogo, na Paraíba e
Itambé, Timbaúba (passando por Camutanga) e outras localidades do Estado vizinho de
Pernambuco. (ver Fig. 15)
109

DESLOCAMENTO DOS ÔNIBUS ESPECIAIS PARA ITABAIANA EM DIAS DE FEIRA

DESLOCAMENTO DOS ÔNIBUS ESPECIAIS PARA ITABAIANA


EM DIAS DE FEIRA (1992-2002)

GURINHÉM CALDAS SAPÉ


BRANDÃO
JUAREZ
TÁVORA CAJÁ

PILAR S. MIGUEL
INGÁ MOGEIRO DE TAIPU

ITABAIANA JURIPIRANGA

CAMUTANGA

TIMBAÚBA

NATUBA

UMBUZEIRO

DESLOCAMENTO DOS AUTOMÓVEIS PARA ITABAIANA


EM DIAS DE FEIRA

JOÃO PESSOA
CAMPINA
GRANDE ITABAIANA

TIMBAÚBA

ORGANIZADO POR: LÍGIA MARIA TAVARES E


EDUARDO PAZERA JR. RECIFE

BASE CARTOGRÁFICA: DER


FONTE: PESQUISA DE CAMPO

40 0 40 80 km

Figura 15 – Deslocamento de ônibus especiais para Itabaiana nos dias de Feira


110

2.4.3 - Automóveis

Este tipo de veículo predomina estacionado em frente à feira. Não foi possível detectar
com detalhes o tipo de relação entre o usuário do carro e a feira, já que diferentemente dos
caminhões, ônibus e camionetas cujos condutores estavam nas proximidades, os automóveis
estavam trancados sem os donos por perto. Entretanto, em conversa informal com alguns
moradores da cidade, algumas informações foram obtidas. Um carro com placa de Recife, por
exemplo, pertencia a um oftalmologista que vem à Itabaiana toda a semana atender alguns
clientes. Outro carro com placa de João Pessoa pertencia também a um médico que para lá se
desloca semanalmente. Duas Pick-ups com placa de Timbaúba pertenciam a fazendeiros.
Segundo depoimento de moradores, eles se encontram na Casa do Vaqueiro, uma loja de
produtos especializados para fazendas de criação e agricultura, na esquina da Avenida José
Silveira com a Rua Fernando Pessoa, praticamente na “porta” da feira. Nestes encontros
trocam informações em comum e chegam até a realizar negócios de compra e venda de gado.
Sob este aspecto, parece provável afirmar que, apesar de o gado não estar presente na feira,
negócios ainda são realizados aproveitando a função de ponto-de-encontro.
A origem dos carros em dias de feira em Itabaiana tendo por base as placas, apresenta
a seguinte predominância: Timbaúba, Itabaiana, João Pessoa, Campina Grande e Recife. Um
fazendeiro de família reconhecida na região afirmou que Itabaiana tem muita afinidade com
Timbaúba em termos de relações comerciais. Isto em parte explica a predominância dos
carros com placa desta cidade e sugere uma reflexão a respeito dos níveis em que ocorrem as
negociações comerciais quanto ao volume de capital, além de sugerir também uma reflexão a
cerca dos diversos tipos de consumidores que se deslocam para Itabaiana no dia da feira. A
tabela 2, referente à origem dos automóveis estacionados na feira, é bom frisar, fornece
apenas uma indicação relativa. O elevado número de veículos de Recife e João Pessoa deve-
se, simplesmente, ao papel dessas cidades na revenda de automóveis e não significa que
motoristas dessas capitais estejam na feira de Itabaiana. Comparando os vários anos da
pesquisa nota-se um (óbvio!) aumento da motorização dos participantes da feira, tanto dos
feirantes como dos compradores. Questionários aplicados em 1987 indicavam que cerca de
7% dos feirantes possuíam veículo próprio. Em 2002 esse índice chegava a quase 50%! Por
outro lado (o que também é óbvio) o percentual dos feirantes que vinham a pé passou de 40%
para 15%!
111

Através do estudo dos transportes distinguem-se tipos de usuários diferenciados: os da


zona rurais, produtores e consumidores e os fazendeiros e prestadores de serviços oriundos de
centros maiores, que aparentemente têm uma relação com o comércio formal estabelecido.
Como exatamente se processam as relações entre produtores e/ou consumidores rurais com a
feira e o comércio formal, e, entre os fazendeiros também com a feira e o comércio local, é
um estudo-chave na análise das recentes transformações que a feira vem sofrendo.
Já foi visto que, historicamente, Itabaiana sempre esteve mais próxima a Pernambuco
do que à Paraíba, quanto ao destino da produção agropecuária e à importação de produtos
comercializáveis, principalmente os manufaturados. Esta realidade se delineia parcialmente
através dos estudos dos transportes podendo evidenciar-se mais nitidamente a partir dos
estudos anteriormente sugeridos. De uma maneira geral, os ônibus especiais e os carros,
transportam pessoas de localidades mais distantes, enquanto caminhões-lotação e as
camionetas transportam populações mais próximas e predominantemente
produtores/consumidores.
112

TABELA 2 - PROCEDÊNCIA DOS VEÍCULOS NA FEIRA DE ITABAIANA.

Município Estado Número de veículos


Alagoa Grande PB 1
Bayeux PB 2
Buenos Aires PE 1
Cabedelo PB 1
Camaragibe PE 1
Campina Grande PB 2
Camutanga PE 2
Carpina PE 1
Caruaru PE 3
Ferreiros PE 1
Goiana PE 2
Guarabira PB 1
Guarulhos SP 1
Igarassu PE 1
Ingá PB 1
Itabaiana PB 42
Itambé PE 3
Jaboatão dos Guararapes PE 2
João Pessoa PB 10
Juarez Távora PB 1
Junco do Seridó RN 1
Juripiranga PB 3
Macaparana PE 1
Mogeiro PB 1
Nazaré da Mata PE 1
Nisia Floresta RN 1
Pau D’alho PE 1
Pedras de Fogo PB 7
Pilar PB 1
Pilões PB 1
Recife PE 7
Riachão do Poço PB 1
Santa Rita PB 1
São José dos Ramos PE 2
São Paulo SP 1
Sapé PB 1
Serra ES 1
Timbaúba PE 22
TOTAL 133
FONTE: Pesquisa de campo com base nas placas em 23/04/2002
113

2.4.4 - A Revolução do mototáxi

Em 1996 ocorreu uma mudança radical nos transportes na feira: a introdução do


Mototáxi. Este novel meio de transporte praticamente eliminou o transporte animal (ver Foto
21) que já estava bem reduzido, a partir da década de oitenta, substituído, pela expansão dos
veículos automotores, e em parte, pela bicicleta. Comenta-se que, em algumas cidades do
interior nordestino o jegue está desaparecendo e até mesmo tem sido abandonado nas estradas
para morrer à míngua, por ter perdido sua utilidade. Não foi possível constatar se isto ocorre
em Itabaiana. A moto (ver Foto 22) é utilizada não só para o transporte de compradores e
feirantes, mas também, em certos casos, para levar mercadorias. Não é raro que um
mototaxista conduza uma saca de feijão ou de farinha. O baixo custo desse transporte (R$1,00
em 2002 para qualquer ponto do perímetro urbano do município) fez com que muita gente que
andava a pé ou de “lotação”, o preferisse. As viagens para o perímetro rural são muito
significativas. A preferência pelo ônibus ou dos caminhões/caminhonetes-lotação ocorre em
função dos volumes a serem transportados ou da distância. Contudo, muita gente usa mototáxi
para os percursos Itabaiana-Salgado de São Félix e Itabaiana-Pilar, distantes, 12 e 17 Km,
respectivamente Em 2002, cerca de 190 mototaxistas operavam em Itabaiana, dos quais 40
eram autônomos e os demais pertenciam a “Associação dos Mototaxistas de Itabaiana”.
Curiosamente, o uso do capacete não é obrigatório (!) a não ser para os motociclistas “de
fora”.
A expansão do uso da motocicleta leva-nos a refletir também sobre o destino do
cavalo no Nordeste. Em Itabaiana não se vê mais não só o jegue, mas também o cavalo nos
dias de feira. Mesmo na lida com o gado reduziu-se o uso do cavalo. Por outro lado, a moto
tem assumido um papel importante, não só como meio de transporte, mas também como
mercadoria e investimento, notadamente a Honda CG-125, o “Fusca” das motos! Contudo, o
cavalo passa a ganhar outro uso – o “esportivo”. Os parques de vaquejadas tornam-se cada
vez mais comuns. Obviamente, Itabaiana não poderia deixar de contar com uma das mais
importantes vaquejadas das cercanias.
114

Foto 21 – Do jegue ...


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 29-03-1987.

Foto 22 - ... ao mototáxi.


Foto Eduardo Pazera Jr. Data: 24-09-2002.
115

CONSIDERAÇÕES

A partir destes elementos realçados podemos inferir que existe uma relação direta,
histórica inclusive, do sistema de comunicação terrestre com a dinâmica e, portanto, com as
transformações que a feira vem sofrendo ao longo de sua existência Se no passado a
introdução da ferrovia incrementou a já existente feira de gado, a extinção da mesma não
abalou o comércio local, já que a introdução das rodovias dinamizou a comercialização de
produtos agrícolas tornando o produtor mais próximo da cidade através das diversas
modalidades de transporte que passaram a percorrer os diversos itinerários rurais. As rodovias
beneficiaram também outros negociantes da feira, os vendedores de produtos manufaturados
de diversas naturezas oriundos dos centros maiores de produção e comércio como Campina
Grande e Recife, principalmente, que além das rodovias têm ao seu dispor os equipamentos
de transporte, que facilitam o comércio com diversas outras feiras, inclusive.
Contudo, o grande impacto da expansão rodoviária foi a intensificação do uso do
caminhão, sobretudo para o transporte do gado diretamente para os frigoríficos. Se a
introdução das rodovias contribuiu para o fim da feira de gado, responsável pela importância
da feira e da cidade de Itabaiana na primeira metade do século passado, introduziu, por outro
lado, diversos tipos de transportes, possibilitando desta forma o comércio de outros produtos
além dos agrícolas, como os manufaturados, além de minimizar distâncias, e aumentar a área
de influência tornando os negócios mais dinâmicos na medida em que aumentou o número de
consumidores. Desta forma, foi mantida, através da introdução de novas vias e de uma
variedade de meios de transporte, a posição estratégica de Itabaiana, mantendo-se assim a sua
relevância comercial na área do Agreste Baixo da Paraíba.
116

CAPÍTULO 3
A INSERÇÃO DO PEQUENO PRODUTOR NA FEIRA

A feira no interior
é um evento especial
torna tradicional
com elevado valor
comparece o agricultor
para a compra realizar
indo vender ou trocar
a miuceira criada
ou legume da enxada
para a renda completar

José de Sousa Dantas “Dia de Feira no Interior”


117

O objeto deste capítulo será o pequeno produtor rural, seja ele proprietário da terra
onde trabalha, ou não, e que se dirige à feira, para comercializar parte de sua produção. No
decorrer da investigação nos surpreendemos ao comprovar a diminuição do número de
pequenos produtores comercializando na feira, o que nos levou a buscar explicações para o
fato. Para tanto, fez-se necessário um levantamento da situação fundiária do município, bem
como da produção, da evolução da população economicamente ativa e das relações de
trabalho que concernem a estes pequenos produtores rurais. Desta forma, além do
levantamento bibliográfico realizado, procuramos obter dados, no INCRA, IBGE e Prefeitura
Municipal, e junto aos (próprios) pequenos produtores rurais nas nossas entrevistas informais
e nos questionários aplicados.
Para se entender a atual situação do pequeno produtor, fez-se mister um rápido estudo
acerca das recentes transformações por que vem passando a ocupação do espaço agrário, e
que são a base da resposta ao principal questionamento, o porquê dos pequenos produtores
estarem se afastando do mercado (Carneiro e Silva, 1993, p. 4).
A ocupação e o povoamento inicial do Agreste e do Sertão estão diretamente
relacionados ao processo de evolução da atividade canavieira no litoral. Esta, no seu apogeu,
em virtude da especialização das terras na produção de cana, forçam a separação das
atividades agrícolas e pecuárias. Resultando numa divisão regional do trabalho: a Zona da
Mata voltada para a produção do açúcar e o interior (Agreste e Sertão) voltado para a
produção de gêneros alimentícios e de gado. Este tem sido o quadro em que se moldou a
ocupação de Itabaiana, no Agreste da Paraíba, conforme já salientamos.

3.1 - A Intervenção Estatal e Suas Conseqüências Para o Nordeste

A intervenção do Estado na economia açucareira se confunde com a implantação do


cultivo da cana-de-açúcar no Brasil e, se intensificou bastante a partir da I Guerra Mundial,
com o incentivo à indústria alcooleira e o rigoroso controle sobre a produção de açúcar, que
sempre enfrentou problemas de instabilidade de preços, motivada ora pela retração do
mercado consumidor ora pela super oferta dos países produtores.
No início da década de 30 o país estava vivendo uma crise econômica sem
precedentes, com a superprodução açucareira sem condições de ser absorvida pelos mercados
internos e externos, também em crise. Posteriormente, o governo, buscando uma solução para
o problema do sistema canavieiro e preocupado com o abastecimento da gasolina, obrigou aos
118

distribuidores a adicionarem 5% de álcool a cada litro de gasolina. Além de liberar todas a


taxas de importação para os equipamentos que se destinassem à implantação de destilarias e
de restringir a produção de açúcar a 150 dias de moagem, passou a comprar todo e excedente
da produção.
O IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool), foi criado em 1933 com a finalidade de
dirigir, fomentar e controlar a produção de açúcar e de álcool em todo país e, sobretudo
assegurar o equilíbrio entre a oferta e a procura para promover e estabilização dos preços.
Para tanto o IAA instituiu cotas de produção do açúcar para todo país, ficando o Nordeste
com 62% da produção nacional e o Centro Sul com 37,2%, conforme a tabela 3, mas que não
foram cumpridas. Gileno De Carli, citado por Andrade (1988:649), assim define a situação:
“mesmo que a limitação da produção fosse cumprida não resolveria o problema da super
produção, pelo simples fato de só levar em conta a produção de usinas, no momento em que
40% da produção no país provinha dos meios-aparelhos e bangüês”. Em 1937 o Instituto
estabeleceu cotas definitivas de produção de cada unidade produtora, deixando em aberto que
em caso de necessidade os valores poderiam ser alterados.

TABELA 3 - PRIMEIROS LIMITES DE PRODUÇÃO DO AÇÚCAR DA USINA NO BRASIL

Estados produtores Limites de produção Data de resolução do IAA


Sacos %
Pará,
Maranhão,
Ceará e
Rio Grande do Norte 54.443 0,4 24.09.35
Paraíba 225.912 1,9 24.09.35
Pernambuco 4.450.193 37,6 11.03.36
Alagoas 1.301.928 11,0 23.12.35
Sergipe 721.519 6,1 01.10.35
Bahia 685.101 5,8 16.09.35
Minas Gerais 339.599 2,9 09.07.35
Rio de Janeiro 2.000137 16,9 11.07.35
São Paulo 2.067.863 17,4 11.07.35
TOTAL 11.846.695 100,0
FONTE: IAA – Reproduzido de Andrade. (1988:648)
119

A II Guerra trouxe modificações significativas na economia açucareira nacional. Para


o Nordeste, em especial, as conseqüências foram desastrosas, pois, além da dificuldade de
exportar o produto para o exterior havia dificuldade de transportar o açúcar para os grandes
centros consumidores do Centro-Sul. Isto, somado a ameaça de racionamento e à escassez do
produto, levou os produtores da região a pressionar o IAA para rever as cotas de produção
(Andrade: 1988:651).
A partir da década de 50 o país teve intensificado o seu processo de urbanização e o
mercado interno cresceu. A demanda pelo produto ficou superior à produção, em virtude da
quebra da safra do nordeste em conseqüência da seca.
A superestimativa do crescimento do mercado interno e a liberação da produção para
36,7 milhões de sacos, sem um controle rígido por parte do IAA, e crescendo ano a ano
resultou em uma safra de aproximadamente 53,7 milhões de sacos entre 1958/59. O governo
se viu, então, obrigado a comprar o excedente e subsidiar a sua exportação devido ao baixo
preço no mercado internacional. Na safra seguinte, 1959/60, o IAA retomou sua política de
limitação da produção (50 milhões de sacos), resolução esta que perdurou até 1962, quando,
em virtude da Revolução cubana o mercado preferencial norte-americano se abriu para o
Brasil levando a um novo aumento na safra.
Vários foram os investimentos realizados, especialmente no Centro-Sul, que detinha
61% contra 39% do Norte-Nordeste. Além do que das novas usinas que deveriam ser criadas,
apenas 12 deveriam ser implantadas no Norte-Nordeste.(rever Tab. 3 e ver Tab. 4.). O
resultado destes esforços foi a safra recorde de 1965/66, de 75,9 milhões de sacos de açúcar,
com a substituição de muitos cafezais em favor da cana-de-açúcar, sobretudo no Centro-Sul,
com aumento da área plantada.
Em 1966 o Governo Federal criou o Grupo Especial para Racionalização da
Agroindústria Canavieira Nordestina (GERAN), com a finalidade de modernizar a indústria
açucareira e modificar a estrutura agrária da zona canavieira do Nordeste, aproveitando as
terras liberadas com a retração da cultura da cana, pois o governo já iniciara um novo plano
de redução da produção nacional, para absorção da mão-de-obra. Em linhas gerais, o GERAN
se assemelhava ao projeto desenvolvido pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do
Nordeste (GTDN). A diferença residia no fato do GERAN defender a compra de terras, a
preço de mercado, ao passo que o GNTD alegava que as terras já estavam pagas pelos
benefícios tecnológicos empregados pelo governo e que as mesmas deveriam ser
desapropriadas.
120

Os proprietários reagiram a esse programa, que tocava no ponto mais sensível da


região: a questão agrária. Com isso não solicitaram os recursos oferecidos pelo GERAN para
projetos de modernização. Resultado: a questão fundiária foi relegada a segundo plano.

TABELA 4 - CONTINGENCIAMENTO DA PRODUÇÃO DE AÇÚCAR DE USINA

Estados Limites anteriores Limites deferidos Novas


produtores usinas
Sacos % Sacos %
Acre, Amapá,
Amazonas, Pará
Maranhão, Piauí - - 100.000 0,1 3
Ceará 140.593 0,3 163.256 0,2 7
Rio Grande do
Norte 309.070 0,7 411.707 0,6 -
Paraíba 920.271 1,9 1.087.195 1,4
Pernambuco 12.717.932 26,6 16.641.622 22,7 -
Alagoas 4.147.987 8,7 6.191.521 8,4 2
Sergipe 2.026.341 4,2 2.020.070 2,8 -
Bahia 1.854.510 3,9 2.071.574 2,8 5
Espírito Santo 327.625 0,7 338.270 0,5 1
Minas Gerais 2.480.606 5,2 3.353.372 4,4 6
Rio de Janeiro 2.275.476 13,1 8.744.064 11,9 3
São Paulo 15.084.701 31,6 30.010.807 40,8 9
Paraná 852.822 1,8 1.605.466 2,2 10
Santa Catarina 854.137 0,5 354.577 0,5 1
Rio Grande do Sul
- - 150.000* 0,2 1
Mato Grosso 169.673 0,4 186.640 0,2 1
Goiás 187.828 0,4 220.386 0,3 1
TOTAL 47.749.572 100,0 73.605.527 100,0
FONTE: Reproduzida de Andrade (1988, p. 46).
121

O PLANALSUCAR foi criado em 1971 com o objetivo de tornar viável a implantação


e a execução de projetos de pesquisas no campo da genética, fitossanidade e agronomia,
visando à obtenção de novas variedades de cana, que melhor se adequassem a varias áreas de
cultivo no país (ANDRADE, 1988, p.660).
No Nordeste o programa possui duas coordenadorias: a Coordenadoria Regional Norte
(CONOR), com sede em Carpina-PE, que atua com planos de ação que se estendem até o
Amazonas; e a Coordenadoria Regional Nordeste, com sede em Rio Largo-AL, atuando de
Alagoas à Bahia. Estes programas, no que se refere ao planejamento, estenderiam, ainda mais,
a intervenção do Estado na agroindústria açucareira, favorecendo a classe produtora,
sobretudo os usineiros, com facilidade dos empréstimos oferecidos pelo governo com juros
baixos e longos prazos de pagamentos. Do ponto de vista ambiental, com o aumento da área
planejada, aceleraram a destruição dos últimos resquícios de florestas e a poluição dos rios,
tanto por agrotóxicos como pelo vinhoto.
Promoveram também, mudanças na área social com a aceleração do processo de
proletarização do trabalho rural. O tradicional sistema de produção de culturas alimentares,
feitos por pequenos e médios agricultores, foi substituído pela cana-de-açúcar, quer pelo
incentivo dos financiamentos do governo, quer pela expropriação das terras pelas grandes
usinas.

3.2 - Os Reflexos do PROALCOOL em Itabaiana

Ao analisarmos a evolução recente da agroindústria açucareira e alcooleira nacionais,


constatamos que o álcool sempre foi visto como a tábua de salvação da economia nacional
e/ou do sistema açucareiro, como na década de 30, com a grande recessão da economia,
durante e após a II Guerra Mundial.
Em 1973 tem início a crise mundial do petróleo, com a elevação do preço do barril,
que coincidiu com a nova queda na demanda do açúcar no mercado internacional,
comprometendo, desta forma, o equilíbrio na balança de pagamento do país.
O PROALCOOL conforme já salientamos foi criado com o objetivo imediato de
expandir a produção nacional de álcool com fins carburantes e tentar abrir para a
agroindústria, tanto a canavieira quanto a de outros produtos utilizáveis na produção de
álcool, novas perspectivas de mercado e equilibrar a balança de pagamentos, com a
diminuição da importação de petróleo.
122

O que de concreto o programa trouxe foi o fomento da produção de álcool, que já teve,
particularmente no setor canavieiro, um aumento da ordem de 980% no período
compreendido entre 1975/82, conforme mostra a figura 16, e a ampla modernização das
destilarias já existentes, bem como a instalação de 22 novas destilarias, assim distribuídas: 02
no Rio Grande do Norte; 06 na Paraíba; 05 em Pernambuco; 08 em Alagoas e 01 em Sergipe.
O programa pretendia, ainda, na sua proposta original, se estender à área social, mas tais
objetivos nunca foram executados devido ao controle dos grandes proprietários.

Figura 16 – Gráfico da produção brasileira de Álcool período de 1975 a 1998


Fonte: PROALCOOL, 2002.

As disparidades regionais aumentaram: das 144 destilarias implantadas até 1979, cerca
de 35% estavam na região Norte-Nordeste (ao passo que o Centro-Sul detinha os 65%
restantes), sendo que das 55 destilarias da região implantadas até 1980, 25 estavam no Estado
de Pernambuco. As disparidades individuais de renda no meio rural aumentaram, na medida
em que os pequenos produtores são expulsos das terras em que trabalham, passando a ocupar-
se noutras atividades ou como assalariados- temporários, bóias-frias. Ressalta-se, ainda, que a
exploração sobre as mulheres e as crianças é maior, pois além de formarem um grande
contingente, recebem 50% menos que os homens para executarem a mesma tarefa.
123

Em relação ao crescimento da renda interna, o PROALCOOL conseguiu atingir boa

parte de seu objetivo. Foi possível viabilizar economicamente inúmeros latifúndios

improdutivos. Atente-se para o fato destes latifundiários serem, anteriormente, explorados de

forma (assim chamada) de não capitalista: arrendamento, parceria, morador, com culturas

alimentares.

No que diz respeito à mão-de-obra, a cana apesar de absorver um grande número de


pessoas, o faz de maneira irregular, temporária, provocando um desemprego sazonal, que por
sua vez, vai, juntamente com a expulsão dos camponeses, promover um fluxo migratório
constante, tanto ao nível local, sede de municípios e vilas, como ao nível interestadual e
intermunicipal.
Na Paraíba, a introdução do PROALCOOL acelerou a substituição de culturas
alimentares e de matérias-primas destinadas ao mercado interno, bem como da vegetação
natural, seja pela cana-de-açúcar, seja por pastagens artificiais. Isto representa muito mais que
uma simples mudança na utilização do solo, sobretudo pelos seus reflexos no setor social.
Em Itabaiana o PROALCOOL, teve papel decisivo na modificação do uso do solo. O
município tradicionalmente policultor e pecuarista, passou a ser um prolongamento dos
canaviais dos tabuleiros litorâneos que invadiram o Agreste. É muito significativo que na
classificação das “Regiões Agrárias” da Paraíba de 1970, correspondente a 13 unidades
regionais, Itabaiana insere-se na terceira, denominada, “Região de pecuária de corte e de
policultura” (MOREIRA, 1997, p. 16). Até 1970 em Itabaiana, a cana era considerada um
produto insignificante, com apenas 3 ha de área cultivada. A partir da criação do programa,
com os incentivos do governo federal, a cana se alastra não só sobre os tabuleiros, mas
também sobre as áreas mais agrestes do município. Neste contexto a feira passa a ser um
referencial para a população, agora desprovida de meios de subsistência e morando nas
favelas que florescem na cidade, como uma alternativa de trabalho. Sua função e estrutura,
agora, estão voltadas para esta nova realidade social e econômica, que pode ser comprovada
pelo número de residentes no campo e na cidade. Esse processo se inicia por volta de 1970 e
se estende até os nossos dias
A expansão canavieira, que se processou no município a partir de 1975, deve ser
analisada tanto em relação à área cultivada como pelo aumento da quantidade produzida.
Entre 1975 e 1980 a área cultivada com cana-de-açúcar cresceu de 3ha para 200ha, o que
124

corresponde a um aumento de mais de 6.600%. A produção que era de apenas 60 toneladas


subiu para 6.807 toneladas. Continuando o processo de expansão, em 1988, o município
atingiu o total de 1.500ha plantados, chegando sua produção a 105.000 toneladas, safra
recorde, conforme mostra a tabela 5.

TABELA 5 - PRODUÇÃO CANAVIEIRA – ITABAIANA

Ano Quantidade (t) Área cultivada (ha)


1970 108 3
1975 60 3
1980 6.807 200
1985 41.333 919
1988 105.000 1.500
1990 62.400 1.300
1995 33.580 1.393
1997 115.740 1.929
1998 1.800 180
2000 9.000 180

FONTE: IBGE – Censo Agropecuário 1970, 1975, 1980, 1985


IBGE – Produção Agrícola Municipal – 1990, 2000

Ela não só substituiu algumas manchas de florestas e de cerrado existentes em 1970,


como também a policultura alimentar, especialmente a mandioca, e ocupou ainda certos
espaços voltados anteriormente para a produção do sisal, tornando-se assim a forma
predominante de uso de solo.
A expansão pecuária teve de início em 1970, quando a SUDENE, através do FINOR,
passou a subsidiar esta atividade com incentivos fiscais e financeiros. Além do aumento da
demanda de carne e leite nos principais centros urbanos do estado. Este fenômeno, conhecido
como pecuarização, teve um avanço impressionante a partir de então. O rebanho bovino de
Itabaiana apresentou, entre 1970/80, um crescimento relativo de 28%, passando de 11.541
cabeças para 14.868. A área destinada às pastagens artificiais cresceu no mesmo período cerca
de 858%, o que significava dizer que as pastagens passaram de 749ha para 6.429ha. Em 1985
a progressão da área consagrada às pastagens artificiais era fato consumado (ver Tab. 6).
125

TABELA 6 - ITABAIANA – PB. UTILIZAÇÃO DAS TERRAS COM PASTAGEM E EFETIVOS DOS
REBANHOS BOVINOS

Ano Pastagem (área) Rebanho Bovino

Natural Plantadas Total


1970 16.720 749 17.469 11.541
1975 9.194 2.782 11.976 12.579
1980 7.936 6.429 14.365 14.868
1985 8.570 3.595 12.165 14.428
1995/96 4.949 1.218 6.167 13.343
2000 - - - 8.250

FONTE: IBGE – Censo Agropecuário 1970,1975,1980,1985.


Pesquisa da Pecuária Municipal, 1991, 2000.

A grande maioria das áreas anteriormente voltadas para a produção de alimentos


encontrava-se ocupada em 1985 pelo capim pangola ou pelo bracchiaria, ou ainda, pela cana-
de-açúcar. O que pode ser facilmente comprovado quando analisarmos a produção das
culturas alimentares do município.
A área colhida com mandioca em 1980 foi de 350 ha. Em 1988 esta área foi reduzida
para 126 ha, representando uma queda de 42,7% na quantidade produzida. Outras culturas
temporárias, tradicionais na região, também sofreram fortes influências do processo de
expansão da pecuária e da cana-de-açúcar. O milho, feijão, amendoim e o algodão herbáceo,
em geral cultivados por pequenos produtores, tiveram suas áreas colhidas ampliadas, porém,
de forma insignificante quanto comparados aos índices alcançados pela pecuária e pela cana-
de-açúcar. O feijão cresceu, em área colhida, apenas 41%, o milho foi ainda mais atingido,
passando sua área colhida de 595 ha para 752 ha, ou seja, um aumento de 26%. O algodão
herbáceo e o amendoim, de maior valor comercial, conseguiram ampliar um pouco mais sua
área, mesmo assim, não ultrapassaram a casa dos 75%. (ver Tab. 7 e 8). Dados posteriores
(1995 e 2000) mostram, de modo geral uma redução expressiva. É importante salientar que,
no caso do milho, ocorreu uma mudança radical no destino da sua produção. De cultura
alimentícia, fundamental na mesa do nordestino in natura ou beneficiado para o costumeiro e
imprescindível cuscuz matinal, o milho passou a ser produzido basicamente para
arraçoamento do gado, sobretudo após 1995.
126

TABELA 7 - PRODUÇÃO AGRÍCOLA DAS LAVOURAS TEMPORÁRIAS EM ITABAIANA

Produtos Área Quant. Área Quant. Área Quant. Área Quant. Área Quant.
colhida (t) colhida (t) colhida (t) colhida (t) colhida (t)
(ha) (há) (ha) (ha) (ha)
1980 1988 1990 1995* 2000*
Algodão herbáceo 300 83 524 419 300 285 100 70 150 36
Amendoim 150 75 250 175 250 200 120 60 150 75

Cana-de-açúcar 200 10.000 1.500 105.000 1.300 62.400 1.929 83.580 180 9000
Feijão 533 77 752 376 800 400 760 152 600 180

Mandioca 350 2.650 126 1.134 150 1.200 200 2.400 51 612

Milho 595 78 752 376 800 400 1.100 2.053 1.200 720

FONTE: IBGE – Produção Agrícola Municipal 1980, 1988, 1990


* http://www.ibge.gov.br/
127

TABELA 8 - PRODUÇÃO AGRÍCOLA DAS LAVOURAS PERMANENTES EM ITABAIANA

Produtos Área Quant. Área Quant. Área Quant. Área Quant. Área Quant.
colhida (mil colhida (mil colhida (mil colhida (mil colhida (mil
(ha) frutos) (ha) frutos) (ha) frutos) (ha) frutos) (ha) frutos)
1980 1988 1990 1995* 2000*
Banana - - 5 7 5 7 2 3 3 5

Coco-da-baia 60 139 60 180 60 180 60 150 26 78

Laranja 10 1.200 10 700 10 700 5 300 4 240

Manga 20 2.000 20 1.800 20 1.800 20 1.600 18 1.080

FONTE: IBGE – Produção Agrícola Municipal 1980, 1988, 1990


* http://www.ibge.gov.br/
128

Em relação às culturas permanentes, o quadro se manteve estável até 1990. A área


colhida não sofreu alteração, ficando por conta da quantidade que produzia as oscilações
dessas culturas. Por exemplo, a laranja, que apesar de manter sua área colhida em 10 ha,
sofreu uma queda na produção de 42%; os resultados posteriores, de 1995 e 2000, já mostram
uma redução, conforme dados do IBGE, apresentados na tabela 08. Assim, houve até mesmo
erradicação de árvores de certo porte, como mangueiras, para substituí-las por pastagens e
eventualmente pela cana. A extinção do PROALCOOL não alterou substancialmente o
quadro, pois a produção canavieira continuou sendo vantajosa em função dos mercados do
álcool ou do açúcar conforme o momento, embora, de modo geral na Paraíba, e em Itabaiana,
especificamente, venha ocorrendo uma tendência para redução da cultura canavieira,
notadamente a partir de 1988 (com uma retomada na sua expansão nos meados da década de
noventa) e, ao que parece, uma consolidação da queda no início deste século. Não obstante, as
ditas “classes produtoras” da Paraíba têm reivindicado a reativação do programa, alegando
que seria uma nova fonte de empregos ao que a Profa. Emília Moreira, lança o repto: “como
pensar o Proalcool como solução para o desemprego por ele mesmo gerado?” (MOREIRA e
TARGINO, 1997, p.137).

3.3 - A Situação Fundiária Atual

Nessa rápida análise acerca da estrutura fundiária do Município de Itabaiana,


utilizamos dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA, referentes aos anos de 1972 a 1992, apresentados na tabela 9. O quadro indica
sempre uma grande polarização no que se refere ao número de propriedades, para os
minifúndios e quanto à área ocupada, para os latifundiários por exploração. Entre 1972 e 1976
verifica-se predomínio absoluto dos minifúndios, 85% do total de imóveis cadastrados,
ficando o latifúndio com apenas 14% desse total. Em compensação os latifúndios controlavam
aproximadamente 70% das terras ocupadas contra 14% dos minifúndios. Os minifúndios
predominam numericamente na região, mas, são os latifúndios que detêm a maior parte das
terras.
As empresas rurais, em número muito inferior aos latifúndios apresentavam, no
mesmo período, uma extensão média por imóvel de 179,6ha. A distinção entre estas duas
categorias residia numa maior ou menor racionalização do uso do solo. Assim em 1989,
observa-se uma inversão da situação anterior, passando as empresas rurais a concentrar 66%
129

das terras ocupadas e os latifúndios 25%. Importa relembrar que este foi o período de maior
expansão da cultura canavieira e da pecuária. Os minifúndios foram os mais atingidos nesse
processo, pois, além de perderem em área total, tiveram a extensão média dos imóveis
reduzidas de 9,5 ha em 1976 para 6,1ha em 1989. Os dados cadastrais de 1992 mantêm
proporções semelhantes, embora tenha aumentado o número de minifúndios e empresas
rurais. O tamanho médio das propriedades que em 1972 era de 9,4 hectares passou a 6,45 ha
em 1992, Infelizmente, as mudanças posteriores na metodologia de coleta de dados do
INCRA dificultam a comparação histórica, mas é fora de dúvida que esses extremos
continuam válidos, apesar das tímidas tentativas de reforma agrária. Depois de muitas
delongas, Itabaiana foi beneficiada com um assentamento do INCRA visando dirimir
conflitos no campo.
130

TABELA 9 - ITABAIANA – PB. IMÓVEIS RURAIS SEGUNDO AS CATEGORIAS

CATEGORIA MINIFÚNDIOS EMPRESAS LAT. EXPLORAÇÃO LAT. DIMENSÃO TOTAL


RURAIS
ANO
IMÓVEIS ÁREA IMÓVEIS ÁREA IMÓVEIS ÁREA IMÓVEIS ÁREA IMÓVEIS ÁRE
( ha ) ( ha ) ( ha ) ( ha ) A
( ha )

1972 289 2.722 16 2.895 54 12.489 - - 359 18.10


6
1976 298 2.835 18 3.233 55 12.922 - - 371
18.99
1989 283 1.742 52 14.556 33 5.477 - - 368 0

1992 303 1954 58 15.711 30 4.742 - - 391 21.77


5

22.40
8
FONTE: INCRA – Estatísticas Cadastrais. Cadastro: 1972, 1976, 1989, 1992.
131

3.4 - O Trabalho do Pequeno Produtor na Feira

Em nossas entrevistas com alguns feirantes de Itabaiana detectamos que uma das
primeiras queixas destes, em suas maioria ex-agricultores, era a falta de emprego e de terras
para trabalhar. Na opinião deles, caso tivessem possibilidade de escolha, ainda estariam na
roça. Do total de 93 entrevistados cerca de 41 responderam “agricultor” à pergunta referente à
sua profissão anterior e 9 deles declararam que ainda trabalhavam na lavoura nos dias em que
não estavam na feira. A partir daí nos perguntamos como estaria a situação do pequeno
produtor que comercializa na feira e até que ponto as mudanças ocorridas na organização do
espaço agrário afetaria suas participação, uma vez que é tradicional a presença de pequenos
produtores nas feiras. Estes podem ser apenas produtores que comercializam o que produzem
ou podem ser produtores-revendedores, que além de venderem seus próprios produtos,
adquirem outros com finalidade de aumentar seus ganhos.
A questão do trabalho do pequeno produtor rural na feira de Itabaiana está, a nosso
ver, diretamente relacionada a uma estrutura fundiária desigual e a um conjunto de relações de
trabalho que se apresenta na forma de sociedade de classes onde existem proprietários de
terras, grandes ou pequenos, e os trabalhadores rurais. Estes últimos apresentando várias
nuances: assalariados, parceiros, meeiros, arrendatários. Associando a isto, soma-se uma
política de desenvolvimento agrícola bastante ineficiente e que só favorece a produção de
culturas de exportação em detrimento da policultura alimentar, esta última produzida
principalmente pelos pequenos. Na verdade, as mudanças ocorridas na organização do espaço
do município, são conseqüência do grande investimento de capital na agropecuária e dos
mecanismos por ele desenvolvidos para sua reprodução e garantia de rentabilidade. Ou seja, a
maximização de lucro com o mínimo de custos e riscos.
O desenvolvimento da monocultura canavieira favoreceu a concentração do capital
tanto como fortaleceu a concentração da propriedade da terra. Ressaltamos que, no período
compreendido entre 1975 e 1996, na Paraíba, ocorreram 71 conflitos pela posse da terra, que
vieram a público, sendo 26 destes nos municípios compreendidos na microrregião Agro-
pastoril do Baixo Paraíba. Em Itabaiana foram 6; alguns até os dias de hoje ainda não foram
resolvidos integralmente. Um deles, em Itabaiana, resultou na morte de um trabalhador.
(MOREIRA, 1997, p.188).
A mecanização adotada principalmente após a implantação do PROALCOOL, permite
que apenas um homem realize o trabalho de vários outros, sendo desta forma, desnecessário,
132

ao produtor de cana, ter em sua propriedade parceiro ou moradores. Foi esse processo de
avanço do capitalismo que levou a substituição de culturas e a conseqüente exploração e
proletarização total ou parcial, do pequeno produtor agrícola. Como destaca Cantalice (1985,
p. 138) “o capitalismo cria, destrói, mantém, recria e adapta quaisquer formas de
organização da produção, enquanto não prescindir o seu papel para acumulação, face a
outra alternativa mais lucrativa”.
Analisando o crescimento da população do município, com base nos censos e segundo
a tabela 10, verificamos um decréscimo da ordem de 24% na população rural entre 1970 e
1980 e de 35% quando comparadas aos valores de 1991. A população urbana, nos mesmo
período, cresceu 27% e 33% respectivamente. Já mencionamos, anteriormente, que nos
últimos censos a população total do município sofreu uma pequena redução como corolário da
emigração. Os dados referidos são o reflexo do avanço da monocultura da cana e
posteriormente, das pastagens, sobre a tradicional policultura da região, e que acabou por
expulsar os trabalhadores do campo. A divisão do trabalho no território paraibano sempre se
caracterizou pelo predomínio do setor primário, tanto que no censo demográfico de 1980 mais
de 50% da população economicamente ativa a ele estava ligada.

TABELA 10 - POPULAÇÃO POR SITUAÇÃO DE DOMICÍLIO NO PERÍODO DE 1970-2000

Ano Urbana Rural Total


1970 15.070 9.726 24.796
1980 19.211 7.329 26.540
1991 20.161 6.309 26.470
2000* 19.801 5.406 25.207
FONTE: IBGE
*DATASUS

No município de Itabaiana isto ocorreu até 1970 quando 50,7% das pessoas afirmavam
estar trabalhando no setor primário contra 30% no setor secundário. Em 1980 a situação se
inverteu, o setor primário passou a ocupar 32,3% da população e o secundário 50,8%,
conforme a tabela 11. Nos censos posteriores acentua-se a tendência para redução do setor
primário e expansão mais acentuada no terciário, embora a mudança de metodologia de coleta
de dados do IBGE (nos censos de 1991 e 2000) não possibilite uma quantificação exata. Ao
mesmo tempo, no tocante às relações de trabalho propriamente ditas, observa-se no município
de Itabaiana uma elevação no número de empregados temporários e permanentes (Tab. 12),
133

pois o capital não mais necessita das antigas formas de organização da produção (relações de
trabalho ditas “pré-capitalistas”), parceiro, meeiro, etc, para se reproduzir.

TABELA 11 – Itabaiana - PB. População economicamente ativa segundo os


setores de atividade

ANO 1970 1980


SETORES DE
ATIVIDADE

Primário 3.474 2.461

Secundário 901 1.159

Terciário 2.111 3.861

Outros 356 115

TOTAL 6.842 7.596

FONTE: Censo Demográfico da Paraíba, 1970


Censo Demográfico – Tomo 5 – Paraíba, 1980
134

TABELA 12 - PESSOAL OCUPADO POR CATEGORIA EM ITABAIANA - PB

Categoria 1970 1980 1985 Variação relativa (%)


1970-1980 1980-1985
Empregados Permanentes 179 222 328 24,0 47,7

Empregado Temporário 1 317 317 20100,0 56,9

Responsável e Membro não 3.853 3.104 2.565 -19,4 -17,4


remunerado da família
Parceiro 1 - 3 - -

FONTE: IBGE – Censo Agropecuário – Paraíba 1970 – 1980

Melo, citado por Cantalice (1985, p.138), apresentando um depoimento colhido de um


proprietário de terras nos dá a noção da nova lógica capitalista que tomou conta do setor
agrário:

(...) a rentabilidade da cultura algodoeira só teria condições de competir


com a pecuária caso ele adotasse o sistema da parceria, que, entretanto
considerava “muito desumano”. Admitiu também que tirar o homem da
terra e colocar o boi é mais desumano ainda, mas concluiu que “a miséria
longe da gente dói menos”.

Em nosso entender, estas relações, ditas “não-capitalistas” são tão capitalistas quanto o
assalariamento. Embora os trabalhadores não recebam um salário, eles têm sua força de
trabalho explorado ao máximo, pois além de beneficiar a propriedade alheia, ainda são
obrigados a pagar por esse beneficiamento, na forma de renda ou foro, e para conseguir
produzir algum excedente necessitam duplicar sua carga de trabalho.
Vieira (1986) distinguiu um grande número de formas de exploração do pequeno
produtor agrícola, que praticamente nos passam despercebidas, por já termos incorporados em
nosso modo de encarar a sociedade, como corriqueiras. Eis algumas:

A expropriação – através do processo de absorção das terras dos pequenos


pelos grandes;
Quando o produtor realiza empréstimos junto ao dono da terra;
Quando lhe é imposta a “sujeição”;

Quando o produtor compra, do patrão, o produto que ele produziu e que


pagou com renda, ou que vendeu no momento de precisão, ou ainda,
quando este produto é utilizado pelo proprietário para pagar os dias de
serviços prestados pelo trabalhador à fazenda. (VIERA, 1986, p.22).

Exemplo disto nos foi dado por um pequeno produtor de amendoim que
comercializava frutas na feira. Ele acaba de beneficiar uma outra área (destocou) e recebeu do
patrão o direito de uso da terra por 3 anos, sem pagamento. Mas, ele não possui nenhuma
135

garantia de que ficará na terra, pelo tempo acordado, pois não foi firmado contrato. O acordo
foi verbal, podendo ser rompido unilateralmente, a qualquer momento. Esta nova área será
usada para o plantio de amendoim, pelo fato de ser sua atual produção muito pequena, mal
dando para pagar a renda e sustentar a família.
No setor da feira destinado ao comércio de animais, encontramos vários pequenos
produtores, de amendoim, inhame, batata, macaxeira e até mesmo cana, que negociavam com
os bichos por não conseguirem tirar da terra o suficiente para garantir um bom lucro na feira.
Assim, eles chegam na noite anterior com seus cercados e gaiolões; alguns já trazem os
animais das suas próprias localidades, adquiridos principalmente de vizinhos. Outros
preferem comprar os animais da própria feira.
É bastante comum vermos pessoas chegarem à feira com uma ou duas galinhas, em
geral pequenos sitiantes, alguns ovos, um porco, uma cabra, etc., para venderem aos feirantes
e com isto conseguir algum dinheiro a mais para as compras. Presenciamos um caso em que a
venda de uma galinha seria o único dinheiro que uma senhora teria para a suas compras na
feira.
Um dos nossos entrevistados jovem de 23 anos há 15 anos que trabalha na feira com o
pai vendendo galinhas, nos informou que na sua propriedade foram plantados 5 ha de inhame,
mas a seca reduziu a área a menos de 2 ha trazendo grande prejuízo e que se não fosse a feira
seria bem pior. É a partir daí que a feira se insere no contexto capitalista atual, na medida que
ao servir com alternativa de sobrevivência para os pequenos produtores e outras pessoas que
dela se valem para o comércio de produtos industriais ou não, ela contribui para minimizar as
tensões provocadas pela expropriação-exploração do homem do campo.
A emancipação do trabalho e a emancipação das classes trabalhadoras em relação à
opressão e à exploração certamente significam progresso na direção da não-violência (Arendt,
1999, p.141). A emancipação do trabalho, nos termos de Marx, equivale à emancipação da
necessidade, o que significa a emancipação em relação ao próprio consumo. Neste sentido a
forma de trabalho emancipada pode ser toda e qualquer ligação que subordine outras para o
consumo, incluídas as frivolidades. Estas, uma vez afastadas, entram em vigor a dinâmica das
necessidades vitais. Porém, como demonstra Arendt nenhum objeto do mundo estará a salvo
do consumo e da aniquilação do consumo.
Um outro entrevistado, (vendedor de aves), proprietário de uma área de 9,3 ha disse
que na sua propriedade ele só plantava cana-de-açúcar e que por não ser “agregado” a
ninguém vende sua lavoura a quem pagar mais ou chegar primeiro. “Vendo na feira há mais
136

de 30 anos e só continuo para não perder o jeito, a gente nunca sabe o futuro. Mas o que eu
ganho dá pra viver”. Este senhor de mais de 60 anos foi o único que não se queixou da sua
condição, talvez pela idade ou pelo fato de ser proprietário da terra em que trabalha e
produzindo uma “mercadoria” de venda garantida. Um fato, porém é unânime, todos nos
disseram que preferem o trabalho na roça, do preparo à colheita, ao trabalho na feira, que é
muito agitado e corrido, com muito risco de prejuízo. Eles dizem que precisam “brigar” pelo
freguês, gritando mais alto e fazendo “negócio” para vender no mínimo a metade do que
levou a feira, senão não vale a pena. (Carneiro e Silva, 1993 p. 33)
137

CONSIDERAÇÕES

Retomando o processo histórico da ocupação do espaço agrário paraibano e sua


divisão em: Litoral canavieiro (voltado para a produção do açúcar e do álcool), Sertão
pecuarista-cotonicultor (criação de gado e produção de algodão) e Agreste policultor
(produção de gêneros alimentícios) podem-se constatar que o referido espaço encontra-se
diretamente ligado ao sistema econômico atuante, o qual, por sua vez, é influenciado
fortemente pelo mercado externo que dita, o que, quando e o quanto se deve produzir. Esse
sistema capitalista de produção, guiado pela necessidade de lucro imediato e pela valorização
do capital, quando analisado no âmbito interno apresenta uma contradição muito marcante -
um sistema de relações de trabalho e de organização (moradia e parceria) que fogem à regra
normal tradicionalmente encontrada no capitalismo, ou seja, o assalariamento.
Dentro desse modo de produção capitalista, o Estado aparece como agente detentor de
capital, regendo o sistema econômico, porém sempre subordinado ao capital internacional.
Foi exercendo essa função, que em meados da década de 70, o governo federal criou o
PROALCOOL (Programa Nacional do Álcool), tendo em vista a crise mundial do petróleo. O
objetivo desse programa era a produção de uma fonte alternativa de energia, a partir da
biomassa da cana-de-açúcar.
Através dos incentivos fiscais dados pelo Governo, o cultivo da cana toma proporção
jamais vista até então em todo o país. Em Itabaiana, no ano de 1970 apenas 3 ha eram
cultivados com cana-de-açúcar. Em 1988 esse número subiu assustadoramente para 1.500 ha.
Se por um lado a cana invadiu o município de Itabaiana, por outro, a pecuária também
teve um grande avanço entre 1970/80. O rebanho bovino cresceu de 11.541 para 14.868
cabeças e a área com pastagens artificiais cresceu de 749 pra 6.429 ha. Assim, percebe-se que
as gramíneas invadiram este município, seja para a produção de álcool, seja para a
alimentação dos rebanhos.
Isto se reflete diretamente sobre o pequeno produtor rural que, graças às “boas
intenções” do Governo de diminuir as disparidades regionais, passa a não mais ter condições
de produzir e se vê obrigado a comercializar na feira vendendo seu “excedente forçado” e/ou
mercadorias que não produz, adquiridas nos caminhões de distribuição, para manter-se vivo e
com algumas esperanças. Como refere Arendt a força de trabalho e o consumo são apenas
dois estágios de um só processo, imposto ao homem pelas necessidades de vida: “o que quer
que façamos, devemos fazê-lo a fim de ‘ganhar o próprio sustento’, e este é o veredito da
138

sociedade, e o número de pessoas que poderiam desafiá-lo, especialmente nas profissões


liberais, vem diminuindo consideravelmente” (ARENDT, 1999, p.138-39).
Assim a feira se apresenta como um dos lugares onde estes pequenos produtores lutam
pela sobrevivência, revendendo produtos, tentando adquirir meios para garantir a alimentação
de sua família. Essa é uma das conseqüências de uma estrutura fundiária desigual, responsável
pela concentração da terra, em forma de latifúndios e empresas rurais, bem como de relações
de trabalho baseadas na exploração do homem pelo homem. Talvez a continuação das nossas
pesquisas, com uma quantificação mais adequada (já que nossas entrevistas podem não ter
sido estatisticamente significativas) nos levem a mudar o título do capítulo para: A inserção
do ex-pequeno produtor rural na feira de Itabaiana como estratégia de sobrevivência...
139

CAPÍTULO 4
A INSERÇÃO DO AMBULANTE NA FEIRA

Nada representa mais


Seus Estados Nordestinos
Do que uma feira livre
Tendo mulher e meninos
Homem e velho vendendo
Outros apreçando e vendo
Artigos grossos e finos

Franklin Maxado Nordestino. “Feira


Nordestina: Resiste no Rio dando
exemplo pra São Paulo” (cordel)
140

De acordo com Alexandre Diniz(1987, p.87):

O feirante-ambulante se caracteriza pela itinerância, uma vez que passa


semanas seguindo de uma feira a outra. Podem ser verdadeiros mascates,
com pequenos estoques e variados produtos, mas também podem ser
proprietários de caminhões que circulam, sem itinerário fixo, entre diversas
feiras: neste caso, que merecem estudos mais aprofundados, os estoques são
grandes, mas a variedade é menor, geralmente um tipo de produto
industrializado.

Ainda que pareça um truísmo, neste capítulo, para os efeitos desta pesquisa,
entendemos por “ambulante” aquele ambulante “propriamente dito”, ou seja, o vendedor que
efetivamente circula, não tem um ponto fixo, perambula. A opção pelo estudo do ambulante
na feira foi motivada pela observação, em campo, do elevado número de pessoas a
perambular pela feira ou que, munidas de um pequeno expositor, tabuleiro, por exemplo,
freqüentemente “destoam” da estrutura da feira por ficarem “circulando” em locais que já
teriam sido predeterminados pela Prefeitura para a colocação de determinados tipos de
barracas e/ou produtos. Esta escolha foi também motivada pelo interesse em se estabelecer
um confronto entre as informações contidas na bibliografia consultada acerca do comércio
ambulante nas cidades e sobre o circuito informal da economia, com a realidade concreta do
pequeno espaço da feira de Itabaiana e do próprio município.
Carvalho dá a seguinte definição para os comerciantes de rua: “Os camelôs não são
sindicalizados nem têm licença da Prefeitura para o exercício da atividade comercial. Os
ambulantes são cadastrados na Prefeitura, têm licença e são sindicalizados” (1989, p.20). No
entanto, como este trabalho refere-se ao comércio de rua da cidade do Recife, para o nosso
objetivo fez-se necessário uma adaptação destes conceitos à realidade de Itabaiana, onde a
forma de coleta das taxas por parte da Prefeitura, através do espaço ocupado em dias de feira,
deixa margem para que o número de pessoas trabalhando na feira varie a cada dia de feira.
Com isto resolveu-se que, para este estudo, a definição de ambulante, para a feira de
Itabaiana, é o comerciante que se desloca dentro da feira, comercializa em locais fora
daqueles predeterminados pela Prefeitura, atua como ambulante em outras feiras e em outras
cidades em outros dias e que não é cadastrado pela Prefeitura. Ademais, o que nos parece
mais importante, os itabaianenses os denominam ambulantes e não empregam o termo
“camelô”.

4.1 - O Perfil do Ambulante da Feira de Itabaiana


141

No início da pesquisa, buscou-se, primeiro realizar entrevistas informais, com os


ambulantes, com a finalidade de tomar conhecimento de sua realidade. É necessário salientar,
porém, que é muito difícil “contar com um estudo completo que defina o perfil pessoal do
comerciante de rua” (YÁZIGI, 2000, p.198) em função da sua própria mobilidade e uma certa
ilegalidade. Dentro destas entrevistas procurou-se enfocar a questão referente ao crescimento
do número de ambulantes existentes na feira e a partir de quando este fato ganhou vulto.
Segundo o Sr. Joaquim Pereira, ambulante há mais de 30 anos, este aumento se deu mais ou
menos há 20 anos, sendo que nos últimos sete ou oito anos a feira foi invadida por crianças,
homens e mulheres que vendem de tudo, “feira acima, feira abaixo”. Questionado sobre o
motivo que, na sua opinião concorreu para este aumento, foi obtida esta resposta: “A situação
tá difícil, o povo não tem emprego, então todo mundo procura um jeito de ganhar dinheiro,
porque quem tem filho não pode ficar parado, esperando arrumar emprego. É melhor
trabalhar na feira que ficar por aí” (CARNEIRO, 1993, p.33).
Esta afirmação foi posteriormente confirmada, ao aplicar-se os questionários, baseados
em amostragem qualitativa e não estatística, pois quase todos foram unânimes em responder
que antes de serem ambulantes possuíam outra atividade e que por ficarem sem emprego, ou
terra para trabalhar, buscaram no comércio uma alternativa de renda. Como conseqüência, os
recursos para o início desta atividade são oriundos de indenizações, pela demissão de seus
empregos, ou são frutos de economias conseguidas ao longo dos anos de trabalho na
agricultura. Apenas dois dos entrevistados afirmaram ter obtido o dinheiro por empréstimo de
um parente próximo, que já está pago, e que por isso agora podem trabalhar para si.
Em geral, os ambulantes começam a negociar com pouca mercadoria, e à medida que
conseguem vendê-las podem adquirir outras. Foi constatado também que a maioria dos
ambulantes alegaram que procuram se manter comercializando com os mesmos produtos que
começaram.Não obstante, a prática parece se diferente, pois observamos a contínua mudança
dos produtos vendidos ao longo dos anos de acordo com as tendências do mercado buscando
uma melhor relação custo-benefício. Assim, os modismos logo se incorporam à feira de
acordo com as solicitações e capacidade financeira do mercado consumidor e com base nas
possibilidades de aquisição por parte dos ambulantes. É o caso da mudança dos discos para as
fitas e destas para os CDs e fitas de vídeo, fato que ocorreu em menos de vinte anos... O DVD
ainda não se encontrava à venda em 2002 por estes ambulantes devido ao seu alto preço,
embora já existisse em uma locadora. Regra geral os ambulantes se abastecem de mercadorias
142

provenientes de distribuidores de João Pessoa, Campina Grande e eventualmente de Recife,


sobretudo no que concerne aos brinquedos e eletrônicos importados (legalmente ou não) do
Paraguai.
No caso dos artigos plásticos do tipo “utilidades domésticas” (como baldes, tigelas,
etc...) estes são na maioria da marca “Polyutil”, que fabrica, sobretudo, produtos reciclados.
Assim, há grande facilidade para sua aquisição por conveniência de transporte, pois são
fabricados em João Pessoa e vendidos na própria fábrica que mantêm um lojão e por isso
vende a preços baixos. Embora alguns ambulantes especializem-se na venda de certos
produtos, contudo, é comum ocorrer uma certa sazonalidade nas mercadorias vendidas de
acordo com o “calendário” mostrado na figura 17. No caso dos que comercializam com frutas
a preferência é pelas frutas da época encontradas com mais facilidade e em maior quantidade,
e que também são mais baratas. Esta procura por produtos de preços mais acessíveis e de fácil
manuseio, é motivada pela ausência de capital de giro que propicie a formação de estoques e
diminuição de gastos com o transporte até a feira. Principalmente para os comerciantes de
frutas que adquirem seus produtos de intermediários, que compram as frutas nos Ceasas e as
trazem para a revenda aos feirantes.
143

CALENDÁRIO “IDEAL” DE VENDAS DOS AMBULANTES

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FONTE: PESQUISA DIRETA, 2002

Figura 17 – Calendário de vendas dos ambulantes


144

O nível de escolaridade é baixo entre os ambulantes - 75,5% não foram além da 5ª


série - é outro fator que contribui para que esta atividade seja procurada por um número cada
vez maior de pessoas, uma vez que o mercado de trabalho já está saturado e o número de
jovens com grau de escolaridade mais elevado é superior à oferta de emprego, principalmente
nas cidades sede dos municípios, não tendo os ambulantes, condições de concorrer para uma
outra “colocação”. Comparando o perfil do ambulante de Itabaiana, com aquele descrito para
a metrópole paulistana na obra “O mundo das calçadas” (YÁZIGI, 2000, p.200), notamos
curiosas semelhanças no que refere à forma de aquisição das mercadorias, à escolaridade e à
composição por idades e sexos. Esse perfil difere radicalmente no que concerne ao exercício
de outras atividades, pois no caso da metrópole, muitos possuem outros empregos. Dentre os
ambulantes que atuam na feira de Itabaiana é possível encontrar pessoas com nível superior,
que também se voltaram para esta atividade por não conseguir trabalho dentro de sua
qualificação profissional. Uma destas pessoas disse que o que o levou a trabalhar como
ambulante em várias feiras foi a falta de dinheiro, além da comodidade de poder faltar a
outras feiras se surgir algum imprevisto como doença, por exemplo, sem precisar se preocupar
com o fato de perder o “ponto” para outro.
Todo este contexto leva a entender como a feira, que parece ser um empreendimento
simples e sem formalidade, pode ser afetada pelos acontecimentos que lhe são externos, mas
que na verdade, fazem parte do todo que é o espaço brasileiro. Qualquer alteração no campo
político e econômico do país vai ser refletida em todos os segmentos da sociedade,
independente de estar no centro de São Paulo ou na feira de Itabaiana.
É voz corrente que o circuito inferior da economia serve à classe “marginalizada” da
sociedade, tanto no que se refere ao trabalho quanto ao abastecimento. E sendo esta classe
marginalizada nada mais que um grande contingente de pessoas à espera de uma oportunidade
para sair de anonimato (em busca de um lugar que possa lhes dar o respeito e a dignidade que
merecem), evidenciou-se, nos questionários aplicados (em 1993), que cerca de 28% dos
ambulantes da feira de Itabaiana não estão satisfeitos com o trabalho de ambulante. Procurou-
se ir mais a fundo e saber o motivo desta insatisfação. Em síntese, as várias respostas obtidas
mostraram que não há segurança quanto aos ganhos ao término de uma semana de trabalho e
que por isto (eles) preferiam estar em um emprego fixo, com um salário garantido e
assistência social, que os deixariam livres de preocupação com a sua própria feira, ou seja,
com a compra de sua própria alimentação. Recentemente esses dados foram corroborados.
145

Alguns acham também, que são discriminados, seja no comércio, (pois alguns
estabelecimentos exigem a comprovação de renda para que se possa comprar a crédito), seja
por parte das pessoas que dizem que o ambulante só trabalha quando quer. A esse respeito
uma das entrevistadas deu um depoimento interessante, que por ser muito prolixo aqui será
sintetizado. Em linhas gerais ela não possui capital suficiente para negociar apenas com
mercadorias próprias, tendo que recorrer a um atacadista para conseguir mais tecidos para
ofertar a clientela. Ao final da semana presta contas ao atacadista dos tecidos do qual
comprou que vendeu e recebe uma pequena comissão. Caso não possa comparecer no dia
marcado serão cobrados juros sobre a quantidade de tecidos que lhe foi cedido. Assim,
mesmo negociando em outras feiras, ela não consegue melhorar a sua situação e afirma que se
tivesse condição deixaria o comércio. Porém para agravar seu problema ela é uma ex-
agricultora, portanto, sem qualificação profissional, não cursou nenhum ano a escola, o que
sabe aprendeu com a experiência e possui a idade “avançada”, de 55 anos. Desta forma ela
está três vezes fora das exigências do mercado de trabalho. Para esta mulher sofrida, que criou
sozinha os três filhos, não há outra alternativa senão continuar na atividade de ambulante,
mesmo com tantas dificuldades, pois nas palavras dela, “eu não vou morrer de fome”
(CARNEIRO, 1993, p.36).
Dentre os ambulantes que freqüentam a feira de Itabaiana 2/3 residem em outros
municípios e quase todos trabalham em outras feiras além da de Itabaiana. (ver Fig. 18)
Seguem um critério bastante razoável, ao nosso ver, de aproveitar o dia de feira de seus
respectivos municípios de residência. Primeiro pela economia que fazem por não precisarem
pagar transporte, segundo como a feira só funciona até ao meio-dia podem aproveitar o resto
do dia para descansar ou resolver outros problemas. Mas também há aqueles que não
trabalham em seus municípios de residência, 30% do total dos entrevistados, preferindo tirar o
dia para o descanso semanal. Os demais utilizam outros dias da semana para descansar sendo
que o dia preferido por 43% dos entrevistados é a sexta-feira, 19% preferem a quarta-feira e
8% preferem o domingo. Esse descanso poderá resultar da existência de ‘tempo de folga’
conquistada sobre o trabalho, ou de uma ‘abstenção’ consciente da atividade de trabalhar
(ARENDT, op.cit., p.114).
146

LOCAL DE RESIDÊNCIA DOS AMBULANTES


DA FEIRA DE ITABAINA

Alagoa
Grande Sapé
Gurinhém
Bayeux
João
Pessoa
Pilar
Mogeiro

Ingá
Itabaiana

Sal. S. Felix
Itambé
Timbaúba

20 0 20 40 Km

Base Cartográfica: IBGE


Fonte: Pesquisa de campo, 2002

Figura 18 – Local das residências dos ambulantes


147

O trabalho na feira é regido por uma lógica da necessidade, em que relações sociais e
vida comunitária são importantes para sua existência. Embora o referido trabalho na feira seja
regido antes de tudo pelo mercado e pelo capitalismo industrial, o consumidor traz de casa o
costume e o feirante o trabalho, ou a profissão e faz disso um hábito semanal. O espaço que
eles ocupam (consumidor e feirante) é um espaço interativo, posto que todas as pessoas que
por aqui circulam expressam riqueza em experiência, cultura e costume. Os costumes não
devem ser entendidos

“(...) como sobra de uma estrutura social já extinta, “resíduos do passado”,


“antiguidades” ou “sobrevivências” – interpretações bastante utilizadas
durante um certo período nas ciências humanas, principalmente nos estudos
folclóricos – mas enquanto manifestações culturais em que se denota a
prática social, a (re)produção espacial, a valorização do passado e a
interação conflitiva com os setores hegemônicos. (MAIA, 2000. p.331)

Nas formas de expressão e convivência repousam elementos importantes na


construção da identidade cultural de um povo, que se constrói a partir do espaço e tempo. O
primeiro é necessário para que o homem construa a sua sobrevivência; o segundo, isto é, o
tempo histórico é importante para a construção da memória histórica, sem a qual não haveria
o conhecimento cumulativo que é transformado pela vida prática, e faz disso um hábito
semanal.
Quanto ao local de residência dos ambulantes da feira de Itabaiana, evidencia-se que
os que não residem em Itabaiana, moram nas proximidades, em distâncias inferiores a 120
Km: João Pessoa, Bayeux, Alagoa Grande, Sapé, Cajá, Gurinhém, Mogeiro, Ingá, Salgado de
São Félix, em proporções semelhantes e apenas dois fora do estado: em Itambé e Timbaúba
(Pernambuco). Fato semelhante ocorre com os “anéis de mercado”, (tradução do termo
homólogo dos geógrafos de língua inglesa), expressão que designa os “movimentos
pendulares” dos ambulantes que trabalham em outras feiras, em outros dias da semana e que
formam uma espécie de anel em volta de suas residências. Os questionários indicaram que a
grande maioria dos ambulantes de Itabaiana aproveita os outros dias da semana para vender
em outras feiras. Nenhuma resposta foi dada para as sextas-feiras (obviamente, também paras
as terças, dia da feira de Itabaiana!). As figuras 19, 20 e 21 referentes ao “Deslocamento dos
Ambulantes” demonstram sua presença nas feiras de Areia, Goiana (PE), Ingá, Sapé e
Salgado de S. Félix aos sábados - dia em que se realiza a grande maioria das feiras. Nas
quintas, há feira apenas em Serra Redonda (no que refere à presença dos entrevistados).
Domingo é outro dia importante de feira. A maioria vai para João Pessoa (feira do bairro de
148

Oitizeiro). Trabalha-se também em: Santa Rita, Alhandra, Mogeiro, Gurinhém e Juarez
Távora. É pouco menos significativa a atuação desses mesmos ambulantes nas segundas-
feiras: Belém, Itambé-PE e Pedras de Fogo (vale ressaltar que Itambé-PE e Pedras de Fogo-
PB são separadas administrativamente pelo meio de uma rua...). Nas quartas-feiras a maioria
trabalha em Timbaúba-PE e Guarabira.
149

DESLOCAMENTO DOS AMBULANTES NOS DOMINGOS

Areia

Sapé

Juarez
Távora
Pilar

Ingá

Itabaiana

Sal. S. Felix

Goiana

Deslocamento no Domingo

20 0 20 40 Km

Base Cartográfica: IBGE


Fonte: Pesquisa de campo, 2002

Figura 19 – Deslocamento dos ambulantes no domingo


150

DESLOCAMENTO DOS AMBULANTES NAS SEGUNDAS E QUARTAS

Belém

Guarabira

Sapé

Pilar

Ingá
Itabaiana

Itambé
Timbaúba

Deslocamento na Segunda

20 0 20 40 Km
Deslocamento na Quarta

Base Cartográfica: IBGE


Fonte: Pesquisa de campo, 2002

Figura 20 – Deslocamento dos ambulantes nas segundas e quartas.


151

DESLOCAMENTO DOS AMBULANTES DA FEIRA DE ITABAIANA


NOS DIAS DE QUINTA-FEIRA E SÁBADO

Areia

Sapé

Pilar

Ingá

Itabaiana

Sal. S. Felix

Goiana

20 0 20 40 Km

SÁBADO

QUINTA-FEIRA
BASE CARTOGRÁFICA: IBGE
FONTE: PESQUISA DE CAMPO

Figura 21 – Deslocamento dos ambulantes da feira de Itabaiana no dias de quinta-feira e sábado


152

No tocante ao tempo de trabalho como ambulantes na feira detectou-se que 57% estão
entre menos de 1 e 5 anos, que pode ser justificado pelo atrativo que a feira exerce frente à
facilidade de instalação. Basta chegar, expor a mercadoria, pagar (eventualmente) a taxa ao
fiscal da Prefeitura e aguardar os compradores. Dentro deste percentual apresentado 33,3%
trabalham há menos de 1 ano, o que comprova que o crescente aumento no número de
desempregados no país influi diretamente na dinâmica dos ambulantes na feira.
A distribuição por sexo é outro fator que foi analisado, sendo observado que os
homens são maioria, 67%, contra apenas 33% de mulheres, que não podem se dedicar
inteiramente ao comércio por causa das obrigações em casa. Ao ser observado este item, há
que se reportar à condição de vida da mulher nordestina, sobretudo da zona rural, que além de
auxiliar o marido nas tarefas para o sustento da família, quer no roçado, quer no comércio,
ainda é responsável pela educação dos filhos, pelos afazeres domésticos, e outras “coisas de
mulher”, na expressão das próprias mulheres...
O trabalho ambulante na feira não é apenas mais uma das muitas atividades que
podem ser nela desenvolvidas é, acima de tudo, um refúgio para todas as pessoas que, estando
sem emprego, buscam nesta atividade uma forma de garantir sua sobrevivência. Dentro deste
contexto fez-se necessário um estudo das transformações ocorridas no uso do solo do
município de Itabaiana, para que se pudesse relacionar a interferência do capital na agricultura
e suas implicações sociais, no aumento do número de ambulantes que passaram a atuar na
feira de Itabaiana.

4.2 - Ambulantes, Feira & Economia.

A não ser pelas referências na tese pioneira de Nilson C. Barros, sobre o comércio
ambulante em Campina Grande (BARROS, 1987) e da observação geral de Diniz, 1987,
praticamente inexiste dentro da bibliografia consultada, qualquer menção ao comércio
ambulante dentro das feiras nordestinas. Contudo, a bibliografia recente sobre o ambulante
nas metrópoles é relativamente extensa (YÁZIGI, 2000). No entanto, este estudo constatou
que ele já está inserido dentro do fenômeno das feiras. O que ocorre é uma generalização de
todos os comerciantes que atuam na feira sob a denominação de feirante ou feirante-
ambulante, por sua itinerância. Contudo, a itinerância do ambulante é um traço marcante, já
que ele se desloca “dentro” do espaço da feira. Aqui os ambulantes da feira adquiriram sua
153

individualidade, passando a serem observados como categoria independente e com


características próprias.
Buscando esta individualidade procuramos observar como se comportavam dentro do
espaço da feira, como expunham suas mercadorias, como abordavam o “freguês” e, a partir
daí elaborar questionários que viessem a comprovar nossas suposições quanto a constituírem
uma categoria independente de comerciantes de feira. A aplicação dos questionários se deu de
forma a que se conseguisse uma amostragem qualitativa do objeto de estudo. Deste modo,
antes da aplicação dos questionários procuramos selecionar o entrevistado, com base nas
características citadas neste instrumento.
Sob o título genérico de Setor Informal, numerosos estudos sobre a economia urbana
no nordeste foram realizados. A Organização Internacional do Trabalho - OIT - deu destaque
a este elemento da economia urbana nos países subdesenvolvidos, pela sua amplitude e
grande capacidade de utilização de mão-de-obra, poderia de constituir em uma alternativa de
redução das dificuldades enfrentadas pela grande massa da população das cidades destes
países, reconhecendo a incapacidade do setor formal em fornecer empregos em número
condizente com a demanda.
O excedente de trabalhadores não aproveitados, ao inserirem-se na atividade terciária,
tornam-se agentes no processo de acumulação de capital pelo circuito superior da economia
uma vez que, desenvolvendo atividades econômicas informais, de produção e/ou
comercialização de bens e serviços, contribuem para a redução dos custos de reprodução da
força de trabalho permitindo à população de baixa renda o acesso a bens e serviço que outra
forma deveriam ser oferecidos por empresas capitalistas, além de contribuírem com a
manutenção, não intencional, do exército industrial de reserva (CARVALHO, 1989, p.23).
No setor informal é pouco observada a presença de relações de assalariamento, e
quando estas ocorrem são de forma não oficial. É marcante a presença da mão-de-obra
familiar não paga, que se reveza de forma que não se perca nenhuma possibilidade de venda
ou prestação de serviço, pois os rendimentos são poucos e por demais oscilantes. No entanto,
dois pontos podem ser levantados em relação ao aproveitamento dos parcos recursos
empregados: a ausência de controle dos gastos em relação ao instrumento de trabalho ou
produto comercializado, (que acarreta dificuldades na reposição de mercadorias); e desgaste
desnecessário da força de trabalho, motivado pela ausência de condições de divulgação do
produto ou serviço, levando o indivíduo ao “corpo-a-corpo” com o consumidor e outros
comerciantes e prestadores de serviços, e a constante remoção das mercadorias, especialmente
154

no caso dos ambulantes, que são levadas ao local de venda no início da manhã e trazidas de
volta para casa no final da tarde.

4.3 - O Ambulante e as Mudanças na Feira

As transformações que ocorreram na feira de Itabaiana são decorrentes do sistema


econômico e político, desenvolvido no país após a década de 30. Com o processo de
industrialização do Sudeste e o surgimento de uma burguesia industrial e comercial, o velho
poder das oligarquias do nordeste se esfacelou, abrindo espaço ao avanço do capital vindo do
sul do país. Contando com toda uma política voltada para seu desenvolvimento, além de
incentivos fiscais a exportação para as demais regiões, tornou-se fácil a injeção de artigos
industriais do Sudeste no Nordeste, que não conseguia barrar este fenômeno pela forma como
os grandes latifundiários tentavam se manter no poder. Em decorrência disto, grandes somas
de capital e mão-de-obra iam sendo desviadas para o centro-sul.
A feira de gado, mesmo mantendo uma certa importância econômica, viu-se, por si só,
impossibilitada de promover o município que, a exemplo da maioria dos municípios do
interior nordestino, entrou num processo de estagnação econômica, sem chances de competir
com os produtos vindos do centro-sul.
Foi a partir da década de 50 que a feira de Itabaiana passou a comercializar com
produtos industriais como roupas, artigos plásticos, alumínios, etc., que eram trazidos pelos
lojistas do Recife para Itabaiana. Com a proliferação de mascates e camelôs a feira inicia um
novo estágio, modificando sua estrutura e função, com vistas adquiridas pela população
devido ao constante apelo ao consumo de produtos modernos, dos freqüentadores da feira.
As modificações no espaço agrário provocadas pela introdução do capital na
agricultura, sustentado pelo governo através de empréstimos rurais para solucionar problemas
de abastecimento e diminuir a pobreza, tinham na realidade a intenção de modernizar a
agricultura e abrir caminhos a uma nova estrutura fundiária (EGLER, 1985). Esta ajuda foi
decisiva para o surgimento de duas categorias de trabalhadores rurais: “bóia-fria”, agricultores
que destituídos da propriedade da terra têm que se tornar “operários” nas plantações
comerciais, sem-terra, que cedo ou tarde acabam por ocupar pedaço de terra para cultivar sua
subsistência em propriedades alheias.
Em Itabaiana o PROALCOOL, conforme já salientamos, teve papel decisivo na
modificação do uso do solo. O município tradicionalmente policultor e pecuarista, passou a
155

ser um prolongamento dos canaviais do tabuleiro que invadiram o Agreste. Neste contexto a
feira passa a ser um referencial para a população, agora desprovida de meios de subsistência e
morando nas favelas que florescem na cidade, como uma alternativa de trabalho. Sua função e
estrutura, agora, estão voltadas para esta nova realidade social e econômica, que pode ser
comprovada pelo número de residentes no campo e na cidade.
Na dissertação de Paulo Galvão, referente à feira de João Pessoa, foi estabelecida um
periodização que mutatis mutandis bem se aplicaria ao caso presente:

Este período corresponde a três fases distintas da feira livre: a primeira,


como principal centro abastecedor da população da cidade, parcialmente
relacionada com a produção local; a segunda, correspondendo à queda da
importância da feira livre, em face à ideologia da modernização urbana; a
terceira, ao processo de revigoramento da feira, movido pela elevada
pobreza urbana e pelas estratégias de urbanização do capital comercial.
(GALVÃO, 1994, p.4)
156

CONSIDERAÇÕES

O comércio ambulante na feira de Itabaiana constitui-se, em uma estratégia de


sobrevivência que busca amenizar os impactos sociais decorrentes da invasão do cultivo da
cana e aumento da área de pastagem no município de Itabaiana. Essa expansão concorreu para
a expulsão de arrendatários, meeiros e moradores das propriedades rurais para a periferia da
cidade.
A feira por si só já oferece atrativos à população camponesa, que aparece de vez em
quando para negociar, e se a esse atrativo adiciona-se o desemprego, ela passa a ser um centro
polarizador desta mão-de-obra disponível. Para o ambulante da feira de Itabaiana o comércio
em um só dia é insuficiente para garantir seu sustento, sendo necessário trabalhar em outras
feiras, constituindo um “anel de mercado” baseado nas distâncias a serem percorridas e outros
custos adicionais sobre o produto. Distâncias maiores tornam os preços dos produtos
impraticáveis, frente à baixa renda dos freqüentadores das feiras.
Existe uma pequena parcela de ambulantes que desejam um emprego fixo, porém
esbarram em sérias dificuldades, como falta de qualificação profissional, baixo grau de
instrução, um mercado de trabalho saturado e a estagnação econômica de vários municípios
do Estado da Paraíba.
O ambulante desta feira não é cadastrado pela Prefeitura; no dia que vem à feira paga
para utilizar o chão; desta forma não está obrigado a comparecer semanalmente a Itabaiana.
Caso não compareça sua ausência quase não será notada. Os produtos comercializados variam
desde simples agulhas de costura manual até “muambas” vindas do Paraguai. A forma de
apresentação destes produtos é também sui generis. Restos de caixotes se transformam em
tabuleiros, cabos de vassouras levam pequenas sacolas com frutas e as mãos seguram balaios.
Com as mudanças tecnológicas, ocorreram grandes alterações nos produtos vendidos pelos
ambulantes. Já mencionamos o caso das fitas-cassete de gravações artesanais dos anos oitenta
que foram substituídas quase que totalmente pelos CDs piratas.
157

CAPÍTULO 5
A CARNE BOVINA NA FEIRA DE ITABAIANA

De vez em quando meu avô parava para conversar.(...) – Que


anda fazendo por aqui? – Vendendo um gadinho, Seu Coronel
– com a cabeça baixa. Precisão de dinheiro; o algodão não deu
nada este ano, e o povo de casa carecendo se vestir. – Muito gado
nos currais? – Gadinho, Seu Coronel. O sertão está chovido.
Não tem descido nada. Estão nas engordas. [...] Na porta do
hotel estava Pão-Duro com o pai. Cheguei com o velho Zé
Paulino como se conduzisse um troféu de batalha. O pai do
colega foi logo se descobrindo para o meu avô: - O que lhe trouxe
aqui, Coronel Zé Paulino? Mandou gado para os currais? –
Não. Vim somente visitar o meu neto no colégio. E Pão-Duro
ouviu. O meu avô não estava em Itabaiana para negociar, para
vender nem trocar. Viera me ver. Tinha ele um neto no colégio
para visitar. Isto valia para mim mais do que não sei o quê. Os
pais dos outros traziam os filhos para a feira, mas não era por
estes que estavam em Itabaiana. O velho Zé Paulino não.
Tivera saudades do neto. Recebera uma carta falando do colégio,
e tomara o trem para ver o que se passava. Eu era o menino
mais feliz, naquele momento.

José Lins do Rego. “Doidinho”


158

Como a pecuária bovina foi responsável pelo próprio surgimento do núcleo urbano e
da feira de Itabaiana, neste capítulo pretende-se determinar o papel da feira na produção,
industrialização e comercialização da carne bovina no município. Vimos que o gado até a
década de sessenta era o principal produto comercializado na feira, em currais. Com a
expansão das rodovias, o gado deixou de ser comercializado na feira, passando a ser
comercializado somente como produto final para consumo: a carne e seus subprodutos. No
entanto, foi observado que, apesar do gado não mais ser comercializado na feira, esta ainda
mantém-se como ponto de encontro dos fazendeiros para as negociações.
Isto posto, este estudo mostrou como se dão atualmente as formas de comercialização
da carne na feira, levando em consideração todo o processo produtivo da mesma no município
como um todo, relacionando ao mesmo tempo com a dinâmica da pecuária aos níveis regional
e nacional, no sentido de tornar mais claro o processo de transição entre a venda do gado
tradicionalmente realizada na feira e a modernização da pecuária no município.

5.1 - A Pecuária Nacional

As criações, de modo geral, e em particular o rebanho bovino no que diz respeito à


produção de carne, estão sujeitos a baixas e altas cíclicas devido às doenças ou desastres que
ocorrem com os rebanhos. Casos “incontroláveis” como as secas no Nordeste ou as enchentes
no Centro-Oeste afetam seriamente a pecuária nacional.
A bovinocultura brasileira é comparável em tamanho, às maiores do mundo; desde os
anos 70 apresentou-se como o quarto produtor mundial, com possibilidades de expansão
sendo, porém sua participação no comércio internacional pouco significativa. O rebanho
bovino está constituído basicamente pelos segmentos de corte e leite. No caso em estudo
enfocar-se-á a bovinocultura de corte. No que se refere à qualificação dos rebanhos, temos de
considerar que cada tipo de animal tem um ciclo reprodutivo próprio, relacionado com a
ordem, família e raça à qual pertence. O seu desenvolvimento depende de vários fatores tais
como: condições climáticas, manejo, alimentação, situação higiênica-sanitária, fatores
zootécnicos, etc. Entretanto a sua produtividade está dada basicamente pelos índices de
desfrute, pelo médio da carcaça, idade do abate, conversão alimentar, entre outros.
Analisando o comportamento da pecuária nacional durante os anos, 1960 – 1998,
segundo se pode observar na tabela 13 a seguir temos que: o rebanho bovino teve um
159

incremento de 112,3%, isto é, passou de 56 para 119 milhões de cabeças, ou seja, que a
bovinocultura registrou uma taxa média geométrica anual de crescimento (i) de 3,8% ao ano.

TABELA 13 BOVINOS EXISTENTES SEGUNDO AS GRANDES REGIÕES E UNIDADES DA


FEDERAÇÃO NO PERÍODO DE 1960 – 1998

Grandes
Regiões e Quantidade de bovinos em mil cabeças
Unidades da
Federação 1960 % 1970 % 1980 % 1998* %
NORTE 1.235 2,2 1.606 2,0 3.688 3,1 21.098 12,9
Rondônia 3 23 200 5.104
Acre 33 72 298 906
Amazonas 141 261 350 809
Roraima 167 236 326 424
Pará 315 1.037 2.411 8.337
Amapá 16 67 52 74
NORDESTE 11.356 13.000 17,5 21.376 13,4 21.980 13,4
Maranhão 1.381 1.465 2.836 3.936
Piauí 1.136 1.193 1.595 1.750
Ceará 1.354 1.004 2.434 2.114
R. Grande do
Norte 487 603 906 793
Paraíba 766 863 1.296 928
Pernambuco 930 1.183 1.858 1.470
Alagoas 412 480 833 899
Sergipe 495 614 1.006 918
Bahia 4.595 5.625 9.090 9.168
SUDESTE 21.039 37,5 26.726 34,1 35.126 29,5 37.073 22,9
Minas Gerais 11.964 15.080 19.615 20.501
Espírito Santo 654 1.380 1.870 1.938
R. de Janeiro 1.073 1.184 1.774 1.881
São Paulo 7.131 9.082 11.867 12.753
SUL 11.678 20,8 18.925 24,1 24.609 20,7 26.599 16,3
Paraná 1.666 4.681 7.915 9.766
Santa Catarina 1.202 1.956 2.621 3.090
R. Grande do Sul
8.810 12.288 14.082 13.743
CENTRO- 10.533 18,8 17.180 33.673 56.401 33,4
OESTE
Mato Grosso do
Sul 5.654 9.394 11.904 21.421
Mato Grosso 5.249 16.751
Goiás 4.863 7.756 16.454 18.118
Distrito Federal 16 30 66 110
BRASIL 56.041 78.257 118.971 163.154

FONTE: IBGE – Censos Agropecuários 1960,1970,1980


*Anuário Estatístico do Brasil. v. 60. Rio de Janeiro, 2000.
160

Analisando a evolução da pecuária brasileira, segundo as grandes regiões,


correspondendo ao período 1960 – 1998, teremos: o maior rebanho bovino em 1960 estava
localizado na região Sudeste, que detinha 37,6% do rebanho nacional, ou seja, 21 dos 56
milhões de cabeças. Tiveram importância as regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste com
29,8%, 20,6% e 18,8% do efetivo total. A região Norte tem pequena representação no
contexto nacional.
Na década de 70 sobressai o Sudeste com 34,2% do rebanho total, acompanhado do
Sul e Centro-Oeste com 24,2% e 21,9% do rebanho respectivamente. O Nordeste diminui sua
participação relativa enquanto que a região Norte cresce ligeiramente (ver Fig. 22). No início
da década de 80, tem-se uma definição dos centros de bovinocultura, destacando-se a região
Sudeste, com 29,5% do rebanho nacional, seguindo-lhe o Centro-Oeste com 28,3%.Após os
anos 90 o destaque é para o Centro-Oeste.
161

REBANHO BOVINO NAS REGIÕES


BRASILEIRAS

60

50

40
Milhões de cabeças

30

20

10

0
1960 1965 1970 1975 1980 1998
Anos
NORTE SUDESTE
CENTRO-OESTE NORDESTE

Figura 22 – Rebanho bovino nas regiões brasileiras


162

Analisando o comportamento das regiões nos anos censitários observamos que o


Sudeste tem diminuído sua participação no total nacional, de 37,5% em 1960 para 29,5% em
1980, para depois perder para o Centro-Oeste, entretanto seguiu mantendo liderança na taxa
de crescimento de seu efetivo. A localização, nessa região, dos maiores consumidores do
Brasil, contribui para seu destaque do ponto de vista qualitativo, havendo áreas especializadas
em gado leiteiro e de corte, à base de raças zebuínas e européias.
A região Centro-Oeste vem demonstrando condições excepcionais ao
desenvolvimento do rebanho bovino. Tem crescido sua participação no total nacional de
18,8% em 1960 para 21,9% em 1970, 28,3% em 1980, 33,4% em 1998, registrando um taxa
de crescimento de 60% ao ano. O grande crescimento da região Centro-Oeste em relação às
demais é devido, inclusive, a fatores naturais e locais. A predominância de cerrados e campos
oferecendo condições propícias à expansão da pecuária, bem como a sua localização – centro
do espaço nacional – permite um intercâmbio com as demais regiões aspecto bastante
importante, dado a facilidade de acesso à região Sudeste, onde se situam os maiores mercados
nacionais.
A região Sul, praticamente não modificou sua participação na composição do efetivo
bovino do país, girou em torno dos 20,6% até cair para 16% em 1998, pois sua taxa de
crescimento é a média de todas as regiões, cerca de 3,8% ao ano. Deve-se salientar que esse
crescimento não se mostrou mais acentuado em virtude da expansão de lavouras destinadas à
exportação de soja, ocupando terras tradicionalmente destinadas à pecuária.
A região Nordeste teve reduzida sua participação no rebanho bovino, passando de
20,6% em 1960 para 17,5% em 1970, ficando em 18,4% em 1980. Essa posição pode ser
atribuída, aos problemas climáticos, secas que periodicamente assolam as áreas sertanejas de
concentração da atividade pecuária, como também a problemas políticos-econômicos
regionais. A pecuária de corte ainda é a predominante, estando disseminada por toda a região.
O Norte, região sem tradição pecuária, teve destaque peculiar na década de 1970,
registrando um acréscimo no seu rebanho, de 117,4% e apresenta a segunda maior taxa de
crescimento nos últimos 20 anos, isto é: 5,6% ao ano. É notável o aumento de seu efetivo
apesar das condições adversas aí encontradas e de sua posição geográfica distante dos grandes
centros de consumo. Do ponto de vista qualitativo, destaca-se o rebanho bovino da região Sul.
Beneficiada pelas condições climáticas que favorecem a adaptação de raças européias, essa
foi a única do país que, há longos anos, dispôs de expressivo plantel à base de raças
melhoradas voltada, inicialmente para a produção de carnes, e, mais recentemente para a
163

produção leiteira. Daí ter sido a primeira região a ingressar no comércio brasileiro de
exportação de carne.

5.2 - A Pecuária Paraibana

A pecuária surgiu na Paraíba, como conseqüência da cultura da cana que necessitava


de animais de trabalho para suas atividades nas diversas fases de operação e fabrico do
açúcar. Posteriormente, começaram a ser também criados os rebanhos suínos, caprinos e
ovinos para autoconsumo da população empregada já na cultura de algodão. Atualmente, a
situação da pecuária apresenta-se consideravelmente modificada, pois o mercado é constituído
pela população dos centros urbanos.
Na década de 50 a pecuária do Estado teve uma expansão acelerada chegando-se a
falar da “Pecuarização” da agricultura dada às altas taxas de crescimento naquele período. Na
década de 60 a pecuária paraibana teve desempenho pouco satisfatório, apresentando uma
taxa anual de crescimento na ordem de 1,2 % (ver Tab. 14).

TABELA 14 - CRESCIMENTO DO REBANHO BOVINO DA PARAÍBA NO PERÍODO 1960-2000

Ano Milhares de Taxa de


cabeças crescimento
1960 766 -
1970 866 13%
1980 1.296 49,6%
1990* 1.345 3,7 %
2000* 952 -29,21%
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 1980
*http://www.ibge.gov.br/

Na década de 70 a pecuária do Estado evoluiu favoravelmente, o rebanho cresceu a


uma taxa anual de 4,1%, passando de 866.000 cabeças para 1.296.000 cabeças, similar à
região Nordeste e à pecuária nacional. É bem provável que os incentivos fiscais da SUDENE
tenham contribuído para essa evolução. Mesmo que se constate que a oferta foi dinamizada
em conseqüência de certa decadência das culturas agrícolas, tornando a pecuária atividade
mais rentável do ponto de vista do produtor, a oferta interna de bovinos ainda é insuficiente,
obrigando o abastecimento a ser feito por outros Estados da região e outras regiões do país.
De maneira geral a pecuária paraibana encontra-se pouco desenvolvida. O atraso deve-se
164

entre outros fatores à questão da concentração da propriedade da terra, principal responsável


pelo caráter extensivo da pecuária, e, conseqüentemente sua baixa produtividade. Como
resultado dessa situação encontramos nos campos um rebanho de qualidade inferior,
reproduzindo-se ao acaso, vivendo em pastagens naturais, e que nas épocas de seca, enfrenta
longos períodos de jejum forçado ocasionando-lhes sérias deficiências alimentícias que aliado
a problemas de saúde animal ocasionam a já referida baixa produtividade, que se traduz em
baixos desfrutes, baixo peso médio e idade avançada do gado de abate. Já no decênio 1970-80
expandiu-se em quase 50%, mas, posteriormente essa taxa de crescimento declina ficando
negativa em 2000.
Contudo, a criação de gado bovino na Paraíba é a atividade mais importante sob todos
os aspectos da produção animal. As demais são secundárias ou suplementares. Ela representa
ainda, um dos mais expressivos ramos da atividade das fazendas-latifúndio e grandes
propriedades, entretanto, está longe de atender as necessidades reais de consumo do Estado.
A Paraíba no contexto do Nordeste representa apenas 6,0% do rebanho regional e
1,1% do nacional. Em termos de crescimento, o decênio compreendido entre 1960 – 1970
registrou uma taxa de crescimento anual de 1,2% passando de 766 mil cabeças para 866 mil
cabeças, entre 1970 – 1980 houve significativo crescimento, na ordem de 4,1% ao ano,
passando para 1.296 mil cabeças segundo o censo agropecuário de 1980. Segundo dados da
pecuária municipal em 1990, a Paraíba contava com um plantel bovino com cerca de
1.345.361 cabeças, passando a pouco mais de 952.000 em 2000. De modo geral, na Paraíba,
distinguem-se duas épocas no fluxo de produção de bovinos, notadamente nos bovinos de
corte. Assim, os criadores aproveitam a época invernosa (maio/agosto) para engordar o gado à
base de vegetação nativa abundante no período de chuvas. No período de verão as pastagens
nativas são substituídas por palma forrageira, sendo que nas longas secas o gado às vezes é
transportado para a área litorânea com a finalidade de preservá-lo.
A maior oferta local de gado de corte ocorre nos meses de inverno, pois a partir de
setembro quando diminuem as pastagens da região, recorre-se à importação do gado de outros
Estados. Destacam-se como importantes fornecedores, os Estados, de Minas Gerais, Bahia,
Sergipe e Goiás. Em 1978 a Paraíba importou 17.837 cabeças de gado para abate, desses,
53,6% procedia de Minas Gerais, 29,1 da Bahia e 14,3% de Sergipe, os outros 3% inclui o
gado de Goiás, Alagoas e Pernambuco (SILVA, 1993, p. 24).
Na época de verão, os criadores se retraem nas vendas dos animais e ocorre quase
sempre uma certa pressão por parte dos fazendeiros para aumento de preço do gado em pé.
165

Nesse período o Estado é abastecido por gado importado e também pelos movimentos dos
criadores que mantém campos de engorda confinada em pequena escala. A produção pecuária
acha-se disseminada em todo o Estado, praticamente na Paraíba não há zonas de alta
concentração de produção de gado.

5.3 - A Pecuária de Itabaiana e a Feira de Gado: Expansão da Pecuária entre 1970 e


2000

O surgimento do município de Itabaiana tal como sua própria feira deu-se em função
da atividade pecuária, conforme já salientamos anteriormente, que por sua vez, foi implantada
naquele espaço, em parte, devido às condições favoráveis. Era uma área que ficava no
caminho da penetração do gado para o interior nordestino conforme figura 23.
166

0 50 100 150 200 250km

ITABAIANA

Figura 23 – Os caminhos do gado para Olinda e Recife


Modificado de Manuel Correia de Andrade, A terra e o homem no Nordeste. São Paulo:
Brasiliense, 1963.
167

Aquela área apresentava condições de relevo satisfatórias, tipo aplainado, às vezes


colinoso; proximidade com o rio Paraíba. Estas condições de relevo, aliada a uma vegetação
tipo agreste com presença de mata úmida e espécies herbáceas e arbustivas eram propícias
para a alimentação do gado, contribuindo de forma significante para a fixação de uma
população e da atividade pecuária naquele espaço.
As rotas de penetração do gado para o interior nordestino possibilitaram a Itabaiana
seu processo de ocupação.Vale salientar que no início de sua atividade a pecuária enfrentou
vários obstáculos.No entanto, enquanto crescia a atividade de pecuária, a agricultura
gradualmente crescia também. Isto é exemplificado através de uma série de regulamentações
que restringiram o crescimento da atividade pecuária Por exemplo: em 1845 a resolução
número 03 proposta através da Câmara Municipal do Pilar e promulgada pela província,
proibia a pastagem de animais no Município do Pilar (que incluía os atuais municípios de
Salgado de São Félix e Itabaiana). Uma exceção a isto foi a permissão da pastagem em uma
estreita área ao longo do rio Paraíba. Três anos depois a livre pastagem foi permitida na sub-
delegacia de Itabaiana, sendo novamente proibida em 1864 exceto para cavalos. A lei 429 de
1871 permitiu novamente a pastagem, meia légua de ambos os lados ao longo do Rio Paraíba
entre Itabaiana e Salgado de São Félix. Apesar da cultura da cana-de-açúcar ter penetrado até
a altura do Pilar, ao longo do Rio Paraíba, e a terra a Oeste ser predominantemente região
pecuária, estas leis e regulamentações indicam claramente o conflito entre a agricultura e a
pecuária. Esta situação existiu até o fim do século XIX, quando da introdução do arame
farpado que trouxe mudanças drásticas na paisagem e nas terras de pastagem (SAITO;
PAZERA et al, 1986).
Não obstante, não havia o conhecimento técnico necessário para prevenir e tratar
animais em caso de doenças. As doenças eram conhecidas pelos seus nomes populares e não
técnicos, como “quarto inchado”, “crauará” e “oca” no gado bovino. No cavalar, “rengo” e
“roda” eram as mais conhecidas. Para estas moléstias quase não havia tratamento
(TAVARES, 1910). Apesar do crescimento gradual da agricultura e dos conflitos entre
pecuarista e agricultores, a atividade pecuária era sem dúvida a mais praticada na região e a
que mais trazia prosperidade econômica, fato este que levou a cidade a vencer a disputa com
Guarabira para o estabelecimento da feira através do dispositivo legal promulgado em 1864.
Assim, percebe-se que Itabaiana seguiu as linhas gerais de ocupação do interior nordestino, no
que se refere à atividade econômica, que no caso foi a pecuária.
168

Como a região era propícia à criação de gado, fato já citado anteriormente, a feira que
ganhou maior destaque foi a feira de gado pela sua grande importância econômica e dimensão
espacial. Criada pela lei 140, quando Itabaiana ainda era povoado, esta feira foi muito
representativa; foi ela quem deu início ao desenvolvimento progressivo da região, pois com o
aumento da população, Itabaiana tornou-se município em abril de 1890.
Desta forma, a feira de gado correspondia à própria atividade pecuária desenvolvida
pelo município e colaborava de forma significativa para o seu desenvolvimento econômico. O
primeiro mercado público, assim como o primeiro ponto de venda de carne da cidade foram
frutos desta feira. Esta feira perdurou por 100 anos, de 1864, época de sua criação, até 1964.
Seu desaparecimento, segundo Sabiniano Maia (MAIA, 1976), deu-se devido ao surgimento e
a intensificação da malha rodoviária. Tal feito implicou no maior uso de caminhões e
automóveis, propiciando a comercialização do gado diretamente nas fazendas. O rebanho foi
poupado das longas caminhadas que ocasionavam perdas de peso, doenças, etc. Era o início
do sistema comercial moderno de compra e venda de gado, utilizado nos grandes centros do
país, assunto que será evidenciado no tópico comercialização.
Como foi mencionado anteriormente, no período entre 1970 – 2000, o rebanho bovino
da Paraíba obteve um crescimento na ordem de 4,1% ao ano. Em Itabaiana, seu rebanho
bovino obteve um crescimento altamente significativo, na ordem de 28,8%. A área destinada
às pastagens artificiais cresceu assustadoramente. Isto é, passara, de 749 hectares para 6.429
hectares, conforme mencionado anteriormente (rever tabela 9). Esse crescimento foi
decorrente em grande parte, devido a uma política governamental, sobretudo do poder
executivo estadual, empreendendo vários projetos que direta e indiretamente estavam ligados
à pecuária: programa de desenvolvimento de áreas integradas no Nordeste-
POLONORDESTE; Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semi-árida
do Nordeste – Projeto Sertanejo; Pró-Várzeas e outros.
O apoio creditício com taxas de juros muito baixos acompanhada de um longo período
de carência, foram os determinantes principais para a referida expansão. É importante
destacar os melhoramentos adquiridos no que diz respeito ao manejo da criação do rebanho;
na alimentação, a melhoria das pastagens naturais, na utilização mais freqüente das pastagens
artificiais e no uso de rações alimentares mais ricas em ingredientes nutritivos. Nas condições
sanitárias dos animais, salienta-se a difusão do uso de vacinas e de medicamentos em todas as
fazendas produtoras. A assistência veterinária é mais freqüente nas médias e grandes
fazendas.
169

Outro fato bastante interessante no que tange à qualidade dos rebanhos é a introdução
de técnicas modernas, utilizadas nos grandes centros produtores de gado. Pois, em Itabaiana, o
controle de reprodução dos animais através da técnica de inseminação artificial já está sendo
praticada em algumas fazendas do município.

5.4 A Indústria da Carne e a Caracterização do Matadouro Municipal e do Posto de


Abate em Itabaiana

A unidade produtora de carnes é a indústria de abate. O abate é uma atividade ligada


diretamente à produção pecuária, pois é de onde vem sua matéria-prima, por isso constitui-se
numa agroindústria. A indústria de abate como qualquer outra indústria depende da matéria-
prima. Em Itabaiana, o gado destinado ao abate é procedente em pequena escala da área onde
opera a indústria, isto é, das fazendas localizadas no próprio município e de fazendas de
municípios circunvizinhos, e, em grande escala pelas importações de outros estados. Em
suma, o município comporta-se como um grande comprador de gado para corte.
O fluxo da indústria de abate começa na fazenda, quando da seleção e separação do
gado para o abate. Depois o gado é transportado, na maioria das vezes, em caminhões
engradados até os currais do matadouro. Em seguida, o gado é pesado e inspecionado para
verificação de defeitos e doenças. Feita a verificação pelo veterinário, o animal considerado
saudável é conduzido para o setor de abate, onde é abatido. A carcaça é então submetida à
limpeza e conseqüentemente são realizadas as divisões.
É no setor de abate onde se inicia o fluxo da conversão fabril. O corpo do animal é
separado em três classes de produtos: a carne, os subprodutos comestíveis e os subprodutos
não-comestíveis. A carne constitui a parte comestível mais apreciada do animal, aliada aos
músculos, ligamentos, cartilagens, gorduras, tendões e ossos. Os subprodutos comestíveis são
as partes do animal como o fígado, rins, coração, miúdos, língua, rabo, dentre outros. Os
subprodutos não-comestíveis são as diversas glândulas, pâncreas, cascos, couro, chifres,
olhos, etc. As carnes e os subprodutos comestíveis são despachados do matadouro para a
feira-mercado público pelo caminhão da prefeitura. Com relação aos subprodutos não-
comestíveis, destaca-se o couro, que é vendido em estado cru para a indústria de couros onde
se processa seu beneficiamento.
O matadouro municipal de Itabaiana de propriedade pública foi construído no ano de
1967. Está localizado na área urbana, ocupando uma área de 1000m², com uma área
170

construída de 500m². Possui trinta funcionários. O abastecimento d’água utilizado no


estabelecimento é efetuado através de canalização pela CAGEPA (Companhia de Águas e
Esgotos da Paraíba). Infelizmente, o matadouro não possui sistema de esgoto industrial,
canaliza o escoamento dos seus detritos em direção ao rio Paraíba que passa nas
proximidades. Esses resíduos vão ocasionar a poluição de suas águas provocando doenças,
contaminações e mau cheiro. Essas águas mais adiante são utilizadas pelas populações
ribeirinhas para beber, lavar, etc.
Foi visitado apenas um posto de abate, de propriedade privada, como todos outros, o
acesso interno a tal estabelecimento não é nada fácil, além do mais, tanto o dono como as
pessoas que ali trabalham, falam muito pouco, e quando falam, deixam muito a duvidar. As
condições de abate são mais precárias do que no matadouro público (SILVA, 1993).
O Posto de Abate é um local quase que improvisado, geralmente uma palhoça,
utilizado para o abate de animais. Possui condições mínimas de trabalho e higiene. O abate,
limpeza e pesagem da carcaça são realizadas numa só área. Com relação à inspeção sanitária,
no matadouro municipal, é realizada no pré-abate e no pós-abate. Enquanto no posto de abate
não existe nenhuma fiscalização dessa natureza. Os animais são abatidos sem vigilância
sanitária, podendo estar doentes ou com alguma enfermidade contagiosa. Em seguida, as
carcaças são liberadas ao bel prazer do dono do posto.
Em vistas das condições precárias de trabalho, da falta de higiene nas instalações, da
pouca fiscalização sanitária no matadouro e nenhuma nos postos de abate e nas fabricações
caseiras, de carne de sol e lingüiças, pode-se concluir que a indústria de carne em Itabaiana é
consideravelmente deficiente quanto a esses aspectos.
Conforme levantamento efetuado no terceiro trimestre de 1993 (SILVA, 1993, p.26),
observe-se que apenas 15% do gado abatido procedeu do próprio município e dos
circunvizinhos, 85% de outros Estados; sendo o Estado de Goiás o maior fornecedor, razão
pela qual, faz de Itabaiana importadora de gado em pé. Ainda, com relação à procedência do
gado abatido no matadouro municipal, o assessor do Diretor, Sr. Antônio Severino Felipe,
informou que existia uma freqüente mudança nos índices percentuais de procedência do gado
de outros Estados, mas que em média, nos últimos decênios, prevaleceu o comportamento a
seguir: 15% de Itabaiana, 10% de Pernambuco, 20% da Bahia, 25% do Maranhão e o restante
de Goiás. Inquéritos recentes corroboraram esses dados.
Vale ressaltar, a existência de um moderno matadouro – frigorífico de propriedade da
CIAN – Companhia de Industrialização de Alimentos do Nordeste, localizado no Município
171

de João Pessoa, capital do Estado, proporcionando uma situação distinta dos outros
municípios que contam com matadouros municipais semelhantes ao de Itabaiana, que
funciona em condições de abate artesanal, sem perspectiva de melhoramentos.

5.5 - O Consumo da Carne e Sua Comercialização

Segundo os costumes tradicionais da população itabaianense, a sua preferência está


profundamente arraigada no consumo da carne bovina “verde” (fresca). Distribuída para
comercialização na feira/mercado público, a carne bovina, ainda “quente”, após poucas horas
do abate, não sofre nenhum tipo de estocagem. O produto tem uma rotação bastante rápida.
A carne resfriada, conhecida como “bóia” - sobra após um dia de feira – é
comercializada em pequena escala, já a carne congelada chega a ser considerada como
“velha”, sendo de baixíssima aceitação até muito recentemente Os Supermercados iniciaram a
venda de carne bovina congelada apenas em 2000 (um deles só passou a vendê-la em 2001).A
chamada “revolução do frango” dos meados da década de noventa, chegou em Itabaiana
bastante atenuada. Por volta de 1997 já havia pontos de venda de frango congelado e o seu
consumo passou a ser corrente, embora as pessoas dissessem que preferiam a galinha de
capoeira (galinha caipira), ou, mais ainda a carne verde, mas compravam frango em função
dos preços atraentes.

5.5.1 - Personagens e formas

A comercialização de produtos agropecuários implica na transferência de bens dos


locais de produção aos de consumo. Para a efetivação dessa comercialização, no caso
presente, o da carne bovina produzida em Itabaiana, faz-se necessário à presença dos canais
de comercialização que se caracterizam por uma série de intermediários pelos quais passam a
mercadoria do produtor ao consumidor. Em Itabaiana, são as pessoas do marchante, do
boiadeiro e do fornecedor que desempenham os papéis principais de intermediários, enquanto
os papéis complementares são desempenhados pelos retalhistas e pelas fateiras.
O Marchante é a pessoa que compra gado para abate nas fazendas ou ainda nas
imediações do próprio matadouro, geralmente é o dono do capital e em alguns casos possui o
meio de transporte (caminhão engradado, ou “gaiola”). Paga para o abate de seu gado. Vende
172

os chifres e couros, para reprocessamento. A carcaça (isto é, o peso do animal abatido no fim
da linha de abate) é vendida para os retalhistas nas feiras-mercado público e às vezes, vende
para fornecedores. Os “fatos”, como se denominam as partes que correspondem as vísceras e
intestinos do animal abatido, são vendidos para as fateiras que os encaminham para a feira.
O Boiadeiro é a pessoa possuidora de caminhão engradado. Possui menos capital que
o marchante; dedica-se à compra dos animais nas fazendas, até completar o caminhão que
logo o transporta até os currais do matadouro. Geralmente vende para os marchantes e/ou
fornecedores.
O Fornecedor é a pessoa que possui capital, habita nas imediações do matadouro ou do
posto de abate. Mantém contatos freqüentes com boiadeiros, aos quais paga pelo abate do
gado que lhes compra e, conseqüentemente, distribui as carcaças aos retalhistas que as
vendem na feira. Freqüentemente compra carcaças aos marchantes.
Os Retalhistas são as pessoas (feirantes que vendem carne a varejo) que compram as
carcaças dos marchantes e dos fornecedores e as revendem em forma de retalhos – pedaços de
carne já cortados, pesando em média 500 gramas – separados e expostos em cima da bancada
e/ou dependuradas em ganchos. A maioria desses feirantes recebe a carne verde na
madrugada do dia da feira, sem pagamento algum, só no final do dia de venda, realizam seus
pagamentos aos marchantes e aos fornecedores.
Finalmente as Fateiras, pessoas que se dedicam a “tratar o fato” geralmente, nas
instalações do próprio matadouro. Este trabalho é feito na maioria das vezes por mulheres que
compram “os fatos” aos marchantes e fornecedores, limpam e vendem na feira, e/ou fornecem
o produto a outros feirantes.
Justifica-se o interesse pelos produtos bovinos levados em consideração na pesquisa
pelo simples fato deles fazerem parte da preferência e dos costumes alimentares não só dos
habitantes de Itabaiana, mas também dos outros compradores da feira. É importante notar que
o conjunto de todas as etapas por onde passam os produtos bovinos, estão sob o controle
desses intermediários. Dessa forma, distinguem-se dois níveis de comércio: o nível atacadista
e o nível varejista, ambos configurados pelos marchantes/boiadeiros/fornecedores e
retalhistas/fateiras, respectivamente. A comercialização da carne bovina em Itabaiana se
realizava única e exclusivamente na sua feira, dentro do mercado público até, muito
recentemente, conforme mencionamos.
O mercado público é uma área delimitada por muros de alvenaria. Possui infra-
estrutura: água, esgoto e eletricidade, sua área está distribuída em boxes que são destinados à
173

venda de carnes, cereais, farinhas, hortigranjeiros e outros. Na área adjacente, sem nenhum
tipo de cerca e com piso empedrado se desenvolve a feira (conforme vimos no capítulo
anterior), um comércio ao ar livre, onde os feirantes localizam seus bancos, barracas, estrados,
etc., para executar suas atividades de oferta de produtos. Sempre se encontram áreas
separadas para carnes, peixes, hortigranjeiros, cereais, mangalhos (produtos do artesanato
doméstico, como candeeiros, canecas, baldes, etc.) e estivas (secos e molhados).
O Box é um compartimento fixo de concreto dentro da área do mercado. Os balcões,
revestidos de concreto, granito ou cerâmica, possuem hastes de ferro galvanizado com
ganchos, donde se expõem os produtos à venda. Geralmente contam com água potável e
eletricidade. Todos possuem balanças, alguns possuem picador de carne e geladeira.
Raríssimos possuíam congeladores até o final dos anos noventa. Recentemente têm
aumentado a quantidade de “freezers”.
O Banco por sua vez é confeccionado com tábuas dispostas em forma de mesa,
geralmente coberto com lona e muito simples. São desarmáveis e se transportam, muitas
vezes de feira para feira. Alguns não possuem balança, pesam na balança do vizinho. Possuem
ganchos de ferro para expor seus produtos.
Por fim a Barraca, com estrutura em madeira com cobertura de telha de brasilit e/ou
lona, geralmente são fixos. Possuem balanças e ganchos para expor os produtos. Em alguns
casos possuem eletricidade. A comercialização da carne bovina e de seus subprodutos
comestíveis, segundo os questionários aplicados se realiza nos 82 pontos de venda localizados
na feira sendo que 50% nos boxes e os outros 50% nos bancos e em algumas barracas,
caracterizando assim uma forma simples de comercialização. O espaço ocupado por cada Box
mede em média 3,5m², por cada banco 2,75 m² e por cada barraca 3m². A Prefeitura cobra um
imposto pelo uso do solo, cujo valor varia de acordo com o tipo de ocupação, ficando em
média em agosto de 1993 Cr$ 200,00 e R$ 3,00em 2002, por cada ponto de venda.

5.5.2 Caracterização dos comerciantes

O feirante é o dono dos instrumentos de trabalho, somente em alguns casos, paga um


aluguel ao proprietário pelo uso dessas ferramentas. Segundo informou um fiscal arrecadador
da feira, esse imposto que a Prefeitura recebe não dá para cobrir as despesas ocasionadas
pelos serviços de manutenção das áreas físicas, administração e higienização, etc,
conseqüentemente, o município não pode ampliar, equipar e modernizar essas áreas. Apenas
174

15 dos 82 feirantes de carne de Itabaiana negociam em outras feiras, tais como: Juripiranga,
Timbaúba e Pilar, segundo levantamento de 1993 (SILVA, 1993).
De maneira geral, o comércio de carnes é realizado por homens em 78% dos casos.
Somente o setor de vendas dos subprodutos (miúdos e mocotó) com 21 pontos de venda,
apresentou 18 mulheres, conhecidas como fateiras.
Com relação ao Estado Civil dos comerciantes, dos 82 pontos de vendas registrados,
72% são casados, 18% solteiros e 1% pertencem ao grupo de “outros”. O nível de instrução
escolar registrado na pesquisa foi de 96% abaixo do 1º grau. O grau superior atingiu somente
1,22% dos 82 feirantes, de acordo com a tabela 15.

TABELA 15 - CLASSIFICAÇÃO DOS COMERCIANTES SEGUNDO O NÍVEL DE INSTRUÇÃO (%)

Nível de instrução Feirantes


Analfabeto 36 30
Alfabetizado 30 35
1º Grau 29 30
2º Grau 3 5
Técnico 1 -
Superior 1 -
Total 100 100
Fonte: (1993 -Silva, 1993; 2002- pesquisa de
campo)

Com relação à forma de organização da categoria, não foi registrado nenhum tipo de
associação dos feirantes, apenas dois casos de sindicalização.

5.5.3 - As Vendas

As vendas de carne bovina e de seus subprodutos comestíveis são apresentadas ao


nível de vendas por dia de comercialização. Compreende-se por dia de comercialização, o dia
em que os produtos ficam disponíveis à venda na feira. Como já foi mencionada
anteriormente, a comercialização da carne em Itabaiana se realiza principalmente na sua feira.
O dia estabelecido para tal evento é a terça-feira, quando funcionam os 82 postos de vendas,
nos quais foram aplicados os questionários. São 51 pontos de vendas de carne verde, 21
pontos de vendas de subprodutos (miúdos e mocotó) e 10 pontos de vendas de carne
processada: carne-de-sol, carne de charque e lingüiça, sendo 04, 03 e 03 pontos de vendas,
respectivamente. Nos outros seis dias restantes da semana, apenas 08 pontos funcionavam, em
175

1993, vendendo (a bóia – ou seja, a chamada carne “velha”) quantidades inexpressivas


quando comparadas ao dia da feira. Já em 2002, em virtude da expansão dos meios de
congelamento, bem como da mudança dos hábitos dos consumidores, havia aumentado a
quantidade desses pontos para 15.
Em termos de quantidades vendidas, cada feirante retalhista vende por dia de feira
uma média de 200 kg de carne verde. Cinqüenta e um retalhistas perfazem um total de 10.200
kg que são vendidos semanalmente. Cada fateira vende em média 100 kg de miúdos (triparia e
bucharia em geral) e 20 kg de mocotó (membros anteriores e posteriores dos bovinos). Essas
quantidades, informadas em 1993 parecem não terem sido alteradas. A lingüiça – cada
varejista vende 150 kg. Na tabela 16 tentou-se fazer uma estimativa com base nas
informações verbais de vendas diárias.

TABELA 16 – ESTIMATIVA DE VENDAS ANUAIS DE PRODUTO BOVINO

Produto bovino Tipo Quant (Kg) Subtotal %

Carne Verde Carne verde 10.200


10.200 70
Carne processada Carne-de-sol 900
Carne-de-charque 620
Lingüiça 450
1.970 13
Subprodutos Miúdos 2.100
Mocotó 420
2.520 17

Total 14.690 100


FONTE: Pesquisa direta (Adaptado de Silva, 1993, p.27)
176

5.5.4 - Procedência dos produtos

No período da pesquisa identificamos as seguintes fontes de fornecimento da carne


verde para o município de Itabaiana: Matadouro Municipal, Posto de Abate e outras. A
procedência da carne verde comercializada, por dia de comercialização foi: 50% proveniente
do Matadouro Municipal, ou seja, 5,1 toneladas de um total de 10,2 toneladas. 15% das carnes
verdes procediam dos postos de abate, isto é, 1,53 toneladas e 35% procediam de fontes
desconhecidas, ou seja, 3,37 toneladas.
Os subprodutos, miúdos e mocotó, negociados por 21 feirantes, somam 2.520 kg.
Estes procedem em 45% do matadouro, ou seja, 1.134 Kg, 10% dos postos de abate, isto é,
252 Kg e a fonte outros 45%, ou seja, 1.134 Kg.
Apesar de Itabaiana ser considerada grande produtora de carne-de-sol, na feira foram
encontrados poucos pontos de vendas, apenas 04, vendendo uma quantidade de carne não
muito considerável.
Um feirante vendedor informou que quase toda a carne-de-sol produzida em Itabaiana,
destina-se ao mercado da capital (João Pessoa). A lingüiça é um produto tradicional de
fabricação caseira. Com relação à procedência das carnes processadas – carne-de-sol, carne de
charque e lingüiça, consideradas na pesquisa, registrou-se o seguinte: 50% da carne-de-sol e
da lingüiça procediam de Postos de Abate, e os outros 50% restantes dos mesmos produtos,
procediam de fontes outras. E quase toda carne de charque procedia do Rio Grande do Sul,
São Paulo e Minas Gerais.
177

CONSIDERAÇÕES

No período considerado (1960-1998), o rebanho bovino da Paraíba não apresentou a


mesma velocidade de crescimento dos outros estados. O maior crescimento do rebanho
bovino paraibano registrou-se no período compreendido entre 1970 – 1980, na ordem de 4,1%
ao ano, passando de 866.000 cabeças para 1.296.000 cabeças.
A pecuária de corte no Estado da Paraíba apresentou baixa produtividade em
comparação com outros Estados. O Estado da Paraíba se comporta como um grande
importador de gado. Apesar de existir oferta localizada em alguns municípios, mas sem
excedentes para mobilizá-los aos centros populacionais do Estado, daí a necessidade de
importação. Itabaiana comporta-se como importadora de gado em pé.
178

A indústria de carnes em Itabaiana está caracterizada pelo abate e pela fabricação da


carne-de-sol e lingüiças. Sendo que esses dois últimos produtos não apresentam consideráveis
níveis de comercialização na feira local. Segundo informações destinam-se ao mercado da
capital.
Tanto o abate como a fabricação (caseira) de carne-de-sol e da lingüiça se processam
em precárias condições higiênico – técnico – sanitárias. Portanto, a indústria de abate carece
de uma infra-estrutura adequada e rigorosa fiscalização sanitária nas suas atividades. O papel
principal da feira em todo o processo de produção da carne bovina dá-se exclusivamente na
comercialização do produto no varejo pelos feirantes retalhistas.
Em Itabaiana não existiam açougues, nem supermercados comercializando a carne
bovina congelada até 1998. O frango congelado começou a ser vendido por volta de 1996. O
comércio da carne bovina na feira se caracteriza por possuir elevado número de pontos de
venda (boxes, bancos e barracas), que registram nas suas vendas diárias cerca de 200 kg em
média por cada feirante varejista. Cerca de 72% dos feirantes varejistas de carne
desempenham sua atividade unicamente na feira local, enquanto 18% se deslocam para as
feiras de Juripiranga, Timbaúba, Pilar e Mogeiro. A maior parte dos feirantes é alfabetizada,
muitos têm até a primeiro grau completo. É um tipo de comércio onde predominam os
homens casados.
A carne verde bovina é o produto de maior aceitação, atingindo 70% das vendas do
produto bovino, seguido de 17% de seus subprodutos e 13% das carnes processadas.
A procedência da carne verde comercializada na feira-livre foi de 50% do matadouro
municipal, 15% de postos de abate e 35% de outras fontes que se supõe sejam de abate
clandestino.
Segundo informações de alguns feirantes varejistas, grandes quantidades de carnes
produzidas em postos de abate clandestinos são enviadas “em menor quantidade” para a feira
local e “uma maior quantidade” destina-se à João Pessoa onde são comercializadas. Esse tipo
de informação, até certo ponto, compromete qualquer levantamento de dados que pretendam
diagnosticar as quantidades de animais abatidos, procedência desses animais, comercialização
etc. Somente uma eficaz fiscalização poderia ajudar na obtenção de dados suficientemente
corretos.
A inexistência de associação de feirantes, de seu sindicato ou qualquer outra forma de
associação, impede a geração de força para reivindicar perante as autoridades melhores
condições no desenvolvimento de suas atividades.
179

RUMO ÀS CONSIDERAÇÕES FINAIS:


PERMANÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES NA FEIRA DE ITABAIANA

“Afinal, se dessa história eu desejasse produzir um romance,


demonstraria, mais uma vez, que não se pode escrever, senão
fazendo um palimpsesto de um manuscrito encontrado – sem
jamais conseguir subtrair-se à Angústia da Influência. Nem
fugiria das curiosidades pueris do leitor, o qual gostaria de
saber, afinal, se Roberto realmente escreveu as páginas sobre
as quais me detive em demasia. Honestamente, deveria
responder-lhe que não é impossível que tenham sido escritas
por um outro qualquer, que desejava fingir contar a verdade. E
assim perderia eu todo o efeito romanesco: porque fingimos,
sim, contar coisas verdadeiras, mas não devemos dizer
seriamente que estamos fingindo.”

Umberto Eco, “A Ilha do Dia Anterior”


180

Iniciamos este trabalho com o objetivo de investigar a permanência e mudança da feira


que se apresenta, ora como sobrevivência/resistência do passado ora pelas sucessivas
transformações que atingiram as sociedades no início do século XX no Brasil. Tais aspectos
têm a ver com a postura teórico-metodológica que assumimos para definir a feira como
espaço de reunião cotidiana e de manifestações coletivas onde produtos são expostos com
possibilidades de barganha e troca. É nesse lugar-comum, isto é, lugar de intenções que todas
as coisas se tornam valores.
O primeiro passo de nossa reflexão se desenvolveu em torno do processo de ocupação
do espaço e o papel das feiras no Nordeste brasileiro. Compreendemos que a noção espaço-
tempo revela-se de fundamental importância para este estudo principalmente porque, pela
análise dos processos de transformações ocorridas nas feiras, verificamos que a evolução do
espaço agrário e urbano municipal envolve um contexto mais amplo de transformações do
capitalismo. Nessa ocorrência encontramos a especificidade necessária para constituir-se em
objeto de estudo, pelo menos na perspectiva em que pretendíamos abordá-lo: as
transformações recentes na dinâmica das feiras.
Sendo este um estudo específico da Feira de Itabaiana - PB, com mais razão devem ser
evitadas as deduções apressadas com relação aos processos de construção do conhecimento
sobre o tema. A atenção se deve à diversidade encontrada nas maneiras de viver as práticas,
tanto por parte do feirante quanto do consumidor, de atribuir-lhes valor e sentido.
Para a análise da permanência e mudança da Feira de Itabaiana, alinharam-se algumas
proposições preliminares. Tais questões figuram-se necessárias para situar o problema:
Como ver o espaço de comercialização?
Como perceber os produtos que no intervalo de tempo sofreram modificações
significativas?
Qual o papel do feirante e do consumidor que adequaram seu modus de atuação a
partir das necessidades de consumo impostas pelo mercado?
Para responder tais questões, reportamo-nos às transformações recentes ocorridas no
Brasil e no Nordeste brasileiro, dentre estas, as mudanças na economia, propostas pela nova
fase de acumulação monopolista do capital estrangeiro; a expansão das indústrias culturais e
um aparente debilitamento do Estado, sendo que a internacionalização das indústrias culturais
corresponde a um dos aspectos que mais interferiram (interferem) nas culturas de cada região.
Interessante notar que na Feira de Itabaiana os costumes do passado não se revelam
apenas como expressão conservadora. Seu sentido expressa formas peculiares de resistência
181

aos efeitos de uma cultura que a cada dia se fez mais globalizante. Entretanto, na feira tudo se
mistura e tudo se transforma, caracterizando-a como um espaço marcado pela diversidade e
pelos contrastes, sejam eles sociais, culturais ou econômicos. A Feira de Itabaiana, à parte o
seu valor material, reconhecido desde o século XIX, tem revelado uma função cultural
integradora da comunidade que a produz, tanto que contribui para a formação de uma
identidade regional bastante expressiva.
A modernização e o consumo nas feiras estão sempre a exigir diversificação de
produção de bens materiais e não necessariamente identificação com a região. Neste processo
modernizador, a feira se enche de produtos para agradar o consumidor. Apesar da diversidade
e da especificidade de certos itens encontrados nas feiras, os principais motivos que levam os
consumidores a esses mercados livres ainda é o costume, e fazem dessa permanência um
hábito constante. Além do interesse na compra do produto, há um outro, latente (imanente?)
resultante da troca de experiências consolidadas na afinidade social e cultural. O dia de feira é
um acontecimento social, principalmente no interior, onde não se faz apenas o comércio.
A partir destas observações, foi introduzida uma possibilidade de análise desta questão
neste trabalho referente à resistência das feiras e à possibilidade de mudanças frente à
proposta de homogeneização de mercados e consumo tendo como principais objetivos a
caracterização do mercado livre.
Das análises resultantes do trabalho de campo em Itabaiana e seu entorno, construímos
o quadro descrito a seguir.
O fenômeno observado nesse campo encontra similares em todo o país, com algumas
diferenças de produtos que são incentivados pelo poder local ou regional, a exemplo dos
produtos de barro ou das frutas. Por outro lado, alguns produtos estão profundamente afetados
pelas transformações modernizantes que estão passando as regiões brasileiras. Por isso
mesmo “a feira tem de vender de um tudo para agradar o freguês”, como disse um de nossos
entrevistados. Nesse sentido, é preciso diversificar a atividade, para agradar ao mercado. O
feirante “briga” pelo freguês, gritando mais alto e fazendo “negócio” para vender no mínimo a
metade do que levou para a feira, senão não vale a pena, como bem disse um vendedor de
aves.
O universo que foi desvendado a partir do conhecimento das feiras, envolvendo
produtos e serviços, agregação de produtos similares em uma mesma área, preços abertos a
acordos, permitiu aprofundar a discussão sobre a dicotomia permanência versus mudança,
posto que não é possível discutir o cotidiano das feiras sem o seu correlato, a adaptação ao
182

tempo. Este se explicita no seu cotidiano e constrói, a cada dia, a sua identidade, pois o espaço
de comercialização tem seu assentamento tempo-espacial sem alterações profundas, já que
muda a aparência, mas mantém a essência. Tal como o tempo, a feira pode também ser
afetada por mudanças: ao estar sujeita a outras experiências, incorpora novas formas, novos
sentidos, novos valores, assim os produtos no intervalo de tempo observado sofreram
modificações significativas com a notável expansão de produtos industrializados oriundos de
mercados como os do Paraguai e de Caruaru-PE. Nesse sentido, a feira de Itabaiana vem
apresentado, cada vez mais, nos últimos anos, uma semelhança aparente com as feiras
urbanas, devido à expansão do espaço ocupado pela chamada “feira da sulanca” – nome
regional para as feiras que vendem sobretudo confecções populares oriundas das fábricas de
Caruaru e arredores. Não obstante, a sua essência continua basicamente a mesma: as relações
entre seus participantes preservam-se, pois são regidas pelo costume. Assim, será no campo
da cultura que poderão ser encontrados, tanto os elementos da resistência, como os da
mudança, pois os atores adequam seu modus de atuação a partir das necessidades de consumo
impostas pelo mercado, já que a feira é um espaço onde se realiza o consumo. No âmbito das
feiras, os espaços de comunicação, interação e de encontro se dão em meio ao povo, sempre
com suas raízes no povo. Por isso mesmo podemos afirmar que não haverá necessariamente o
“fim” das feiras, como pensam alguns. As feiras são elementos vivos, que se perpetuam, na
medida em que são movidas pela história. Elas correspondem, portanto, a um lugar em que se
criou, de certa forma, um espaço de liberdade, tanto para o ir e vir, como também para se
negociar. Neste último caso pode-se tomar como parâmetro, tanto o valor de troca como o
valor de uso, pois o feirante, sob certos aspectos, é o dono do produto do seu tempo.
183

BIBLIOGRAFIA

...el se enfrascó tanto en sus lecturas que se le


pasaban
las noches leyendo de claro en claro, y los días
en de turbio
em turbio; y así, del poco dormir y del mucho
leer se le secó
el cerebro de manera que vino a perder el juicio.

Miguel de Cervantes, “El ingenioso Hidalgo


Don Quijote de La Mancha”
184

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194

ANEXOS
195

MODELOS DE QUESTIONÁRIOS:

QUESTIONÁRIOS PARA OS FEIRANTES

LOCALIDADE (MUNICÍPIO):
__________________________________________________________

DATA: ______________________ ENTREVISTADOR:


______________________________________

1. PRODUTO (S):
_____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________

2. HORÁRIO: __________________________ 3. RESIDÊNCIA (BAIRRO, Z. URBANA


OU RURAL, MUNICÍPIO, ESTADO):
_______________________________________________________________

4. NATURALIDADE
(IDEM):___________________________________________________________
________________________________________ 5. SEXO:
____________________________________

6. TEMPO P/CHEGAR _______________ 7. MODO:


________________________________________

8. DIAS DA SEMANA/ CIDADE/ PRODUTOS VENDIDOS ( OU ATIVIDADES):

SEG.
___________________________________________________________________________
_____
TER.
___________________________________________________________________________
_____
QUART.
___________________________________________________________________________
__
QUI.
___________________________________________________________________________
_____
SEX.
___________________________________________________________________________
_____
196

SAB.
___________________________________________________________________________
_____
DOM.
___________________________________________________________________________
____

9. % DE FREGUESES FIXOS _________________ 10. PROCEDÊNCIA (%) :


____________________
___________________________________________________________________________
__________

11. PROFISSÃO ANTERIOR:


___________________________________________________________

12. LOCAL DE ABASTECIMENTO E PRODUTOS: _____________________________-


___________
-
___________________________________________________________________________
__________

OBS :
___________________________________________________________________________
____
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________
197

QUESTIONÁRIO PARA COMPRADORES

LOCALIDADE (MUNICÍPIO):
__________________________________________________________

DATA: ______/______/______ ENTREVISTADOR:


_________________________________________

1. PRODUTOS QUE COMPROU HOJE:


___________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________

2. QUANTO GASTOU: ____________________________ 3. OUTROS PRODUTOS QUE


COSTUMA
COMPRAR (FREQÜÊNCIA) :
___________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________

4. OUTROS LOCAIS DE ABASTECIMENTO (PRODUTOS E FREQUÊNCIA) :


_________________
___________________________________________________________________________
__________
___________________________________________________________________________
__________
___________________________________________________________________________
__________

5. RESIDÊNCIA (Z. URBANA OU RURAL) :


______________________________________________
___________________________________________________________________________
__________

6. NATURALIDADE:
__________________________________________________________________

7. IDADE: __________________________________ 8. SEXO:


________________________________

9. PROFISSÃO ATUAL:
_______________________________________________________________
198

10. PROFISSÃO ANTERIOR:


___________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________

OBS:
___________________________________________________________________________
_____
___________________________________________________________________________
__________
___________________________________________________________________________
__________
199

QUESTIONÁRIO: COMERCIALIZAÇÃO DA CARNE BOVINA: FRESCA,


PROCESSADA E DOS SUB-PRODUTOS

1. DENOMINAÇÃO DO COMÉRCIO:

FEIRA LIVRE ( ) MERCADO PÚBLICO ( )


AÇOUGUE ( ) SUPERMERCADO ( )

2. TIPOS DE OCUPAÇÃO:

BOX ( )______m2 TARIMBA ( )______m2 BARRACA( )______m2

ESTRADO ( )______m2 BANCO ( )_______m2

3. DIAS DE ATIVIDADE POR SEMANA:

2ª. ( ) 3ª. ( ) 4ª. ( ) 5ª. ( ) 6ª. ( ) SÁB. ( ) DOM. ( )

4. TAXA PAGA POR DIA: R$____________ POR SEMANA: R$


_________________________
POR MÊS: R$
_____________________________

5. VENDE EM OUTRA FEIRA?

NÃO ( ) SIM ( ) 6. QUAL?___________________________________

7. SEXO: MASCULINO ( ) FEMININO ( )

8. GRAU DE INSTRUÇÃO: Analfabeto ( ) Alfabetizado ( )

1º Grau ( ) 2º Grau ( )
Técnica ( ) Superior ( )

9. ESTADO CIVIL: Casado ( ) Solteiro ( ) Outros ( )

10. SINDICALIZADOR? Sim ( ) Não ( )


200

DIA DE FEIRA NO INTERIOR

JOSÉ DE SOUSA DANTAS


A feira no interior tem deles que fica afoito ao chegar o sétimo dia
é um evento especial toma café com peteca novamente vai à feira
torna tradicional e bolo feito por Neca
com elevado valor cavalim bom e biscoito volta de forma animada
comparece o agricultor comendo mais que dezoito a cavalo ou a rural
para a compra realizar com o ponche de cajá na jornada semanal
indo vender ou trocar morango ou maracujá janta fubá com coalhada
a miuceira criada e vai à casa Leão com farinha e carne assada
ou legume da enxada testa o madapolão e trabalha sem canseira
para a renda completar fabricado no Ceará cuida da vaca leiteira
vai fazendo economia
o comércio em movimento tem ainda o costume ao chegar o sétimo dia
de uma forma admirável perambula toda a hora novamente vai à feira
que se torna agradável até quando for embora
onde tem muito alimento observa o legume essa é uma rotina
para o abastecimento vai na sala de curtume de uma feira geral
área urbana ou rural olha a rabichola e sela seja seca ou invernal
na seqüência natural lamparina e a panela numa área nordestina
no âmbito da cidade vai na banca de mangaio a pessoa campesina
com maior facilidade por onde vende balaio se dirige pra cidade
com modo regional ao lado da ruela onde tem felicidade
de comprar com seu
o povo se anima noutro canto ele procura dinheiro
logo cedo para a feira alpercata e baleeira sendo forte brasileiro
indo de qualquer maneira e raiz de quixabeira com muita dignidade
pelo caminho de cima urupemba que atura
e encontra com a prima o café e rapadura tem a forma de obter
lá no boxe de Arrudinha vai comprando o alimento
ao chegar lá na cidade compra arroz e a farinha para lhe dar o sustento
cada um procura abrigo o jabá e o feijão e poder sobreviver
de parente ou de amigo araruta e macarrão procura o que fazer
onde tenha comodidade e o óleo de cozinha trabalhando no roçado
e na sua intimidade nem que seja de alugado
adquire segurança passeia o dia inteiro para completar a feira
faz lanche enchendo a até pela tardezinha vai lutando a vida inteira
pança vai comprar uma sombrinha com o braço calejado
toma uma chamadinha e passar no açougueiro
com tira gosto de galinha noutro canto o tempero distante tenho saudade
que dá uma sustança completa no botequim da feira do interior
com canela e gergelim onde o homem agricultor
para ir até a cidade e todo tipo de mistura vai comprar utilidade
sela cavalo ligeiro adquire uma fechadura mesmo com necessidade
ou então burro trigueiro na venda de Seu Joaqui mas procura conversar
que ganha velocidade tem o gosto de encontrar
desloca sem vaidade na venda de Manoel o amigo e conhecido
pode ser de bicicleta escolhe a mercadoria onde fica entretido
201

outra forma predileta um arreio e uma cia comentando o seu lugar


ou ainda vai a pé a botina e carretel
ao sair toma café literatura de cordel esse meio de transporte
parecendo um atleta e procura se ajeitar bem carrega miuceira
com o saco de estourar galinha de capoeira
também pára um chofer ele toma uma bicadinha o carneiro e o capote
de caminhão ou de rural uma pinga cana rainha cambito, panela e pote
que transporta pessoal para a casa retornar jerimum e melancia
em cima ou na “bulé” couro de bode em bacia
conduz homem ou mulher volta de forma animada e papagaio atrevido
de toda a vizinhança a cavalo ou a rural chamando por apelido
pois tem a confiança na jornada semanal animando nesse dia
e mais tranqüilidade
para chegar à cidade
fazer parte da festança janta fubá com coalhada
com farinha e carne assada
esse meio de transporte e trabalha sem canseira
bem carrega miuceira cuida da vaca leiteira
vai fazendo economia

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