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RESUMO: Este artigo tem como propósito apresentar uma leitura possível sobre a
concepção de língua, em textos escritos, poéticos, musicais e científicos. Para isso nos
utilizamos de estudiosos da leitura como extração do significado do texto, com base nos
estudos de Kleiman e Koch. E para discutir os conceitos de língua recorreu-se a
Saussure, Chomsky e Travaglia, por apresentarem subsídios teóricos metalinguísticos.
Os estudos sobre leitura nem sempre têm focado a análise de texto com propósitos para
discutir assuntos mais conceituais ou metalinguísticos, como se os textos não servissem
também para discutir conceitos, como se isso também não fosse leitura. E como se os
livros e os dicionários fossem os únicos a expor conceitos sobre língua. O resultado que
se almejou foi mostrar que é possível contextualizar conceitos fazendo leitura. Tanto é
que uma busca de seis textos serviram para mostrar que escritores, músicos e linguistas
também produzem textos que falam sobre a língua, a metalinguagem, material precioso
para uma leitura focalizada numa temática que inclui leitura e conceito de língua.
ABSTRACT: This paper aims to present a reading as possible about the conception of
language in written texts, poetry, music and science. For that we use to scholars of
reading as the extraction of meaning from text, based on studies of Kleiman and Koch.
And to discuss the concepts of language used to Saussure, Chomsky and Travaglia, for
presenting theoretical support metalinguistic. Studies of reading have not always
focused on text analysis purposes to discuss more conceptual or metalinguistic, as if the
texts do not also serve to discuss concepts, as if that too was not reading. And as if the
books and dictionaries were the only ones to exhibit concepts about language. The result
was that aimed to show that it is possible to contextualize concepts doing reading. So
much so that a search of six texts served to show that writers, musicians and linguists
also produce texts that speak the language, metalanguage, precious material for a lecture
focused on a theme that includes the concept of reading and language.
INTRODUÇÃO
Não só os dicionários devem ter o papel de definir, conceituar, é preciso
valorizar outros materiais que também sirvam para este propósito. Os textos de
linguístas, escritores e músicos podem auxiliar nesta atividade que é o ato de conceituar.
Uma leitura não deve se restringir somente a temáticas sociais, ideológicas, culturais,
políticas, domésticas, dentre outras desta natureza. A leitura deve também servir para
explorar assuntos metalingüísticos, como por exemplo, conceituar a língua. Teoria da
leitura em Kleiman e Koch, e teoria da metalinguagem no conceito de língua em
Saussure, Perini, e Travaglia serviram para fundamentar esta discussão sobre leitura e
conceito de língua.
Este trabalho vem apresentar o modo como alguns textos expressam seu
sentido sobre o conceito de língua, textos de linguistas, escritores e músicos, que podem
conceber a língua, enquanto código, em que a língua é um objeto da linguística e
pertence a todos os membros de uma comunidade; por isso faz parte do patrimônio
social e cultural de cada grupo. Como ela é um código aceito por convenção, um único
indivíduo, isoladamente, não é capaz de criá-la ou modificá-la. A fala e a escrita,
entretanto, são usos individuais da língua. Ainda assim, não deixam de ser sociais, pois,
sempre que falamos e escrevemos levamos em consideração o interlocutor e qual é a
situação em que nós estamos nos comunicando. Concepção esta que se ajusta aos
conceitos de Saussure. Outros vêem a língua como um conjunto de competências
gramaticais construídas pelo falante como um ser criativo capaz de elaborar regras
cognitivamente, como é o caso de Chomsky.
Há também linguistas que percebem a língua como um ato de comunicação,
como uma atividade que está a serviço de uma comunidade heterogênea. A língua é
uma realização concreta em uma dada situação que exige uma série de fatores que se
ajustam à comunicação, tais como, o momento da enunciação, a pessoa ou destinatário
interessado, os propósitos do autor, a língua como instituição social (ato que se realiza
para atender às expectativas do destinatário e os propósitos do produtor que representa
uma instituição social), concepção que se pode entender em Travaglia.
Uma leitura de seis textos escolhidos, por falar sobre a língua, textos
metalinguísticos, tornou-se necessária. Para isso, buscamos teóricos de leitura como
extração do significado do texto em Koch e Klaimam. Os textos analisados expõem
informações que nos fazem compreender como compreendem a língua, numa visão de
código com regras internas, uma visão homogênea e mais conservadora, formal; ou
numa visão de atividade de linguagem em que o código se ajusta aos contextos de uso,
em que os fatores externos podem determinar as regras internas do código usado, numa
visão mais heterogênea e mais sócio-histórico-variacional, funcional.
Ainda nesta concepção de que língua é interação, identidade cultural, podemos perceber
nas observações de Antunes, que nos faz refletir sobre a função da linguagem e o uso da
língua. (2007, p. 22):
A língua é parte de nós mesmos, de nossa identidade cultural, histórica,
social. É por meio dela que nos socializamos, que interagimos, que
desenvolvemos nosso sentimento de pertencimento a um grupo, a uma
comunidade. É a língua que nos faz sentir pertencendo a um espaço. É ela
que confirma nossa declaração: Eu sou daqui. Falar, escutar, ler, escrever
reafirma cada vez, nossa condição de gente, de pessoa histórica, situada em
um em tempo e em um espaço. Além disso, a língua mexe com valores.
Mobiliza crenças. Institui e reforça poderes.
As pessoas, quando falam, não têm a liberdade total de inventar, cada uma a
seu modo, as palavras que dizem, nem têm a liberdade irrestrita de colocá-las
em qualquer lugar nem de compor, de qualquer jeito, seus enunciados. (...)
Isso porque toda língua tem sua gramática. (...). Quando alguém é capaz de
falar uma língua é então capaz de usar apropriadamente, as regras
(fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas) dessa língua (além, é
claro, de outras de natureza pragmática) na produção de textos interpretáveis
e relevantes. (...) Quer dizer, não existe falante sem conhecimento de
gramática.
1. língua e gramática são a mesma coisa; basta saber gramática para falar, ler
e escrever com sucesso; 2. explorar nomenclatura e classificações é estudar
gramática; 3. a norma prestigiada é a única linguisticamente valida; 4. toda
atuação verbal tem que se pautar pela norma prestigiada; 5. o respaldo para
aceitação de um novo padrão gramatical, está prioritariamente nos manuais
de gramática.
2. A língua é grande demais, seus usos são deveras complexos e plurais para
caberem em algumas poucas centenas de páginas. Nenhum manual de
gramática pode ser exato. A língua é fluida, é movediça; escapa
constantemente a nossas projeções, pois é comandada por pessoas, que,
necessariamente, nunca se repetem, nem mesmo quando dizem o mesmo
duas ou mais vezes.
Língua
Gosto de sentir a minha língua roçar
a língua de Luís de Camões
gosto de ser e de estar
e quero me dedicar
a criar confusões de prosódias
e uma profusão de paródias
que encurtem dores
e furtem cores como camaleões
gosto do Pessoa na pessoa
da rosa no Rosa
e sei que a poesia está para a prosa
assim como o amor está para a amizade
e quem há de negar que esta lhe é superior
e deixa os portugais morrerem á míngua
“minha pátria é minha língua”
fala mangueira!
fala!
Flor do lácio sambódromo
lusamérica latim em pó
o que quer
o que pode
esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
e o falso inglês relax dos surfistas
sejamos imperialistas
vamos na velo da dicção choo choo de Carmen Miranda
e – xeque-mate – explique-nos luanda
ouçamos com atenção os deles e os delas da tv globo
sejamos o lobo do lobo do homem
O texto musical conceitua a língua como uma entidade heterogênea que varia
de acordo com a identidade cultural, o grupo falante e que o código está sujeito a
mudanças sócio-históricas e culturais. O texto em estudo nada mais é que uma
declaração de amor à língua portuguesa. Comparada à mãe/pátria, Caetano revela que a
miscigenação lingüística prova que o povo brasileiro tem uma diversidade cultural
aflorada e visível.
O compositor aproxima o falante da língua, de modo que, ao apresentar
diferentes acepções sobre a língua, deixa transparecer o nível e público para o qual
destina tal significado. Pois assim como o português falado em outras instâncias, o
português do Brasil traz características muito peculiares, provenientes das culturas às
quais fomos submetidos, herdando assim uma língua heterogênea de sentidos.
No texto que segue: O Ferrador de Cavalos, a concepção de língua, nessa
leitura pode ser interpretada como código específico a uma comunidade, e que cada
comunidade tem não uma variedade de língua, mas línguas, diferentes línguas, então é
um código de cada comunidade falante.
O FERRADOR DE CAVALOS
Em que língua falarei
ao ferrador de cavalos?
Por que, na minha língua
de assombro e vogal,
só falo a mim mesmo
- ao meu nada e ao meu tudo-
E nem sequer disponho
do gesto dos mudos?
Se as palavras morrem
à míngua como os homens,
e se o silêncio fala
seu próprio idioma,
em que língua direi
ao homem diferente,
que ele é meu semelhante
quando o vejo ferrar
o casco de um cavalo?
Empunhando o martelo
ele me conta histórias
de cravos perdidos
e cavalos mancos.
Palavras que se perdem
como ferraduras
no caminho do pasto.
(IVO, Ledo. Apud, LOPES, 2004, p.)
AULA DE PORTUGUÊS
A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
(ANDRADE, Carlos Drummond, 1979, apud TRAVAGLIA,
2001, p. 7)
Outra leitura que podemos fazer sobre o conceito de língua é no texto de
Manuel Bandeira. O escritor mostra que existem formas de usar as regras da língua, que
podemos usá-la para nos entreter, criar neologismos, novas palavras, para uma situação
nova. Que a língua pode ser usada com intenções próprias, particulares.
Outra leitura que podemos fazer sobre o conceito de língua é no texto de Carlos
Drummond. O escritor mostra que existem duas formas de usar as regras da língua, no
caso o pronome, e que os que estudam a língua não usam o pronome no início da frase,
mas os falantes naturais da língua, na fala, usam o pronome iniciando frase. Mais uma
vez se percebe a heterogeneidade da língua e variedade no diferentes usos.
“Texto: Pronominais:
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom crioulo
Da nação brasileira
Dizem todos os dias
Me dá um cigarro.
(Poesias reunidas, p. 125)”.
De acordo com a questão citada, Solé (1998, p.31) afirma que: “O processo
de leitura deve garantir que o leitor compreenda o texto e que pode ir construindo uma
idéia sobre seu conteúdo, extraindo dele o que lhe interessa, em função dos seus
objetivos”.
A leitura pode focar uma temática, que poderá se tornar uma meta para
interpretar textos que falem sobre língua, por exemplo. “A produção e a recepção de
textos funcionam como ações discursivas relevantes para algum plano ou meta”. (Koch
2001, p.17).
Kleiman (2000, p. 9) realiza uma análise sobre a compreensão de textos
escritos literários, como forma de compreender vários aspectos que constituem a leitura,
revelando, a complexidade do ato de compreender e a multiplicidade de processos
cognitivos que constituem a atividade em que o leitor se engaja para construir o sentido
de um texto escrito.
A leitura enfatiza os aspectos cognitivos do leitor, neste contexto, a autora
considera que a percepção é fundamental, bem como a reflexão sobre o conjunto
complexo de componentes mentais da compreensão da leitura. Segundo Kleiman (2000:
p. 10) “a compreensão de textos envolve processos cognitivos múltiplos, justificando
assim o nome de "faculdade" que é dado ao conjunto de processos, atividades, recursos
e estratégias mentais próprios do ato de compreender”.
A interpretação de uma leitura qualquer impõe ao educando aspectos cognitivos
fundamentais. A concepção de língua, discutidas nos textos, podem ser fruto de
estratégias do escritor que leva o leitor a poder, cognitivamente, extrair significados do
texto, sem necessariamente aparecer diretamente, mas com um manejo de interpretação
pelo contexto do texto.
Essa concepção adotada por Kleiman (2001, p. 29) defende que:
Ao interpretarmos um texto que fale, por exemplo, sobre língua, percebemos que
esta interpretação não está na base superficial do código escrito, mas na construção do
sentido gerado e compreendido ou interpretado pelo leitor.
Considerações Finais
O resultado a que chegamos é que a leitura deve ser vista no sentido mais amplo
da aprendizagem, em que pretendemos pensar, por exemplo, na língua, trabalharmos o
conceito, e entender melhor a língua que usamos, e para tanto devemos nos servir do
texto com função não só leitora, mas como veículo de aprendizagem sobre uma
temática, que neste caso, é a concepção de língua pela leitura de textos que falem sobre
este assunto.
A metalinguagem, conceito de língua, não deve ser usada só pelos dicionários, os
textos também podem sugerir estas definições, e por que não conceituar língua por meio
da leitura de textos, já que ambas caminham juntas: a linguagem e a leitura de mundo
ajudam no desenvolvimento do pensamento e, por sua vez, o pensamento mais
desenvolvido auxilia a linguagem, a leitura e a interpretação.
Referências Bibliográficas
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 9ª ed. São Paulo: Pontes,
2002.
KOCH, Ingedore Villaça. A construção do sentido do texto. São Paulo: Fontes, 1997.
IVO, Ledo. Noite misteriosa. Os melhores poemas de Ledo Ivo. São Paulo: Global,
1983. In: LOPES, Harry Vieira et al. Projeto escola e cidadania para todos. São Paulo:
Editora do Brasil, 2004.
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6.ed. Trad. Claudia Schilling. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1998.