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ROGÉRIO

BORGES
AS NOVAS
TECNOLOGIAS DA TV

da TV no BRASIL

Assis
Chateubriand,
responsável por
trazer a TV ao
Brasil, fala diante
da câmera. Só
200 aparelhos
assistiram
à primeira
transmissão

TV no Brasil
sempre teve o
Reinvenção aos 70
rumo alterado
P
oucos aparelhos, uma transmissão amadora e cheia de problemas
técnicos, a reação do público variando entre a curiosidade e a completa
por mudanças indiferença. Quando a Tupi emitiu o sinal pioneiro de uma emissora de TV
tecnológicas, no Brasil, em 18 de setembro de 1950, não seria de admirar que alguém, vendo
aquela estreia, duvidasse de seu futuro. A novidade, que se consolidava nos EUA
mas nenhuma desde os anos 1930, chegou com atraso ao Brasil, pelas mãos pelo polêmico
tão radical magnata da mídia Assis Chateaubriand e tendo no rádio um concorrente que
parecia imbatível. Raros poderiam desconfiar que estavam presenciando o início
quanto a de uma revolução.
observada nos
Uma revolução que não termina nunca e é feita incessantemente,
dias atuais acompanhando as novidades de cada tempo. A inquietude da TV desde aquela
transmissão inicial, sete décadas atrás, é o ponto nervoso dessa obra. Nesta
jornada inicial, vamos falar de como este meio é, hoje, completamente diferente
do que já foi um dia, agregando formatos e plataformas, interações e linguagens,
promovendo experiências e sensações únicas.

Do bombril ao 8K
Na imagem, mal se conseguia distinguir o que era gente e o que era objeto.
Formas um tanto embaçadas circulavam naquela tela dentro de uma espécie
de caixote, de onde também saíam sons. Um cinema portátil, para alguns. Uma
bobagem que não merecia atenção, para outros. Uma corrida tecnológica sem
fim para quem a colocava no ar, em operações que beiravam a temeridade, com
equipamentos imensos e caros, e resultados nem sempre satisfatórios. O início
2 da TV no Brasil teve a marca do pioneirismo, com seus erros e histórias icônicas.
da TV no BRASIL

Uma trajetória cuja evolução podemos medir pela qualidade da imagem que
chega até nós hoje, 70 anos depois daqueles vultos e “fantasmas” fugidios. Esse
tipo de problema teria vida longa na história da TV brasileira. Antenas ineficientes,
improvisadas em perigosas instalações no telhado, ou em cima do aparelho,
com pedacinhos de bombril nas pontas para ajudar na recepção. Quando os
equipamentos ficaram melhores, as emissoras fizeram investimentos. O Brasil
ganhou um sistema de satélites, nos anos 1970, e essa situação foi melhorando.

Tudo isso aconteceu gradativamente, enquanto a TV conquistava público e


mercado. No início, porém, as condições eram muito complicadas. Em 1952, dois
anos depois de sua instalação no Brasil, só existiam em todo o território nacional
cerca de 11 mil televisores. Naquele ano, era inaugurada a TV Paulista, a terceira
do Brasil, que se juntava às TVs Tupi de São Paulo e do Rio de Janeiro. Tateava-se
um modelo de programação que pudesse seduzir mais telespectadores com seu
conteúdo, já que, se dependesse da imagem, seria difícil.

Os registros daquela época mostram que a qualidade das transmissões era


precária, com muitos cortes, imagens que dançavam na tela, instáveis, som sem
sincronia com o que se via. Ainda que o equipamento que foi importado para
inaugurar a TV no Brasil fosse de última geração, havia um problema crônico
com os canais de transmissão. Em seus primeiros tempos, apenas um raio de 100
quilômetros em torno da emissora era atendido pelo sinal. Só no final de 1951 o
Brasil passou a fabricar seus próprios receptores, da marca Invictus.

A importação das câmeras dos EUA, imensas e frágeis, foi uma operação de
guerra, assim como o contrabando que o dono da Tupi, Assis Chateaubriand,
providenciou dos 200 primeiros aparelhos de TV, distribuídos em residências e
lojas para que alguém assistisse à estreia. Das três câmeras que chegaram para
o grande dia, uma pifou antes do início da transmissão. Uma das suspeitas é
que a água benta jogada para benzer o equipamento tenha danificado seus
mecanismos eletrônicos. E o pior é que não havia ninguém que soubesse
consertar aquilo.

Mesmo com todos os contratempos, a TV foi ao ar e em seguida vieram outros


3 canais, nos anos 1950 e 1960, com equipamentos mais modernos sendo trazidos
do exterior, ao passo que o preço dos aparelhos domésticos ficava mais
acessível. Ao dar seu próximo grande salto tecnológico, a TV já era algo bem
disseminado no Brasil, um sonho de consumo acalentado por todas as famílias.
E quem já possuía um receptor preto-e-branco passou a ambicionar algo a
mais no início dos anos 1970, quando as imagens ganharam cores.

A primeira transmissão colorida no País foi em 1972, na cobertura da Festa


da Uva, em Caxias do Sul, realizada pela TV Difusora, de Porto Alegre. Teste que
da TV no BRASIL foi um sucesso e estimulou a vinda de aparelhos de TV colorida para o Brasil.
A cor já fazia parte da programação de canais no exterior. Basta lembrar que
a Copa de 1970, no México, foi filmada com a nova tecnologia, mas por aqui
ela precisou de mais tempo para engrenar. Era necessária fazer uma mudança
total nos equipamentos, com muito investimento, e a TV Globo tomou a frente
desse processo.

A TV Anhanguera foi pioneira na


adoção das novas tecnologias, tudo para
proporcionar mais qualidade nos serviços
prestados aos telespectadores

A primeira novela a cores foi O Bem Amado, de 1973. Logo, em 1974, o


Jornal Nacional passou a ser transmitido no formato colorido. Dali por diante,
as inovações tecnológicas tiveram um ritmo mais rápido. Nos anos 1980, veio
o videocassete, que permitia gravar programas ou assistir conteúdos na hora
que se desejasse. O controle remoto, inventado ainda nos anos 1950 nos EUA,
caiu no gosto do brasileiro. Em 1988, o governo autorizou a instalação da
TV a cabo no Brasil, causando mais um impacto nos hábitos de consumo de
4 conteúdo em imagens.
Admirável mundo novo
A revolução digital da TV mundial aprofundaria a transformação. As primeiras
experiências com a TV digital no mundo ocorreram em 1995 nos EUA e Japão, que
criaram sistemas próprios de transmissão nesse novo modelo, substituindo o anterior,
chamado de analógico, e que vedava diversas ferramentas de interação e de desen-
volvimento na qualidade da imagem e do som. No Brasil, após muitas disputas políti-
da TV no BRASIL cas e econômicas sobre qual desses modelos adotar, a TV digital chegou em 2007.

A TV brasileira ingressou, assim, na era da Alta Definição. Além de uma qualidade


muito superior, permitiu interações com outras formas de comunicação, como a
internet. “Hoje, praticamente todos os players que têm a TV tradicional estão inseridos
nos aplicativos, na TV conectada”, enfatiza Carlos Cauvilla, diretor de Engenharia e
Tecnologia de TV e Rádio do Grupo Jaime Câmara.

Esses aplicativos têm mudado a forma de fazer e consumir os conteúdos da TV.


Os aparelhos ficaram inteligentes, interligando equipamentos simultaneamente pela
internet. Ao mesmo tempo, a TV migrou para o smartphone e o computador, princi-
palmente quando se mescla ao cinema para abastecer os conteúdos de plataformas
de streaming. “Além da tela tradicional na TV, você pode utilizar vários dispositivos
conectados, incluindo a Smart TV, para consumir conteúdos, onde você quiser, da
forma como você quiser”, aponta Cauvilla.

Acompanhar esses movimentos é o único caminho possível. “A TV Anhanguera e


as emissoras do Grupo Jaime Câmara, desde a época do analógico, têm sido pionei-
ras no uso de tecnologias. Na transição do analógico para o digital, fomos a primeira
rede de TV fora do eixo Rio-São Paulo a transmitir o sinal em HD, em alta definição.
Também fomos agora, no Centro-Oeste, o primeiro grupo a transmitir no Globo Play,
essa plataforma conectada em todos os dispositivos, mantendo essa conexão com o
telespectador”, enumera Cauvilla.

Com novas demandas por interação, a TV de hoje busca soluções criativas. “De-
senvolvemos um aplicativo, o QVT (Quero Ver na TV), em que o telespectador pode
se comunicar de forma direta. Numa plataforma no celular, ele consegue mandar
para a gente conteúdo que pode ser exibido e se tornar uma reportagem em nos-
sos telejornais”, diz o diretor. “Essa evolução tecnológica nos deixa mais próximos
do telespectador, para atender da melhor forma possível. A TV continuará a ser uma
plataforma relevante”, complementa.

Uma evolução que aponta para experiências ainda mais abrangentes, transfor-
mando a TV em algo muito além do que poderia imaginar a mente mais criativa de
70 anos atrás. “Já temos conteúdos produzidos em 4K para aparelhos inteligentes.
Quem assina a Globo Play já pode experimentar isso. E, a caminho, nós já temos o 8K,
que é de uma qualidade impressionante”, anuncia Cauvilla. “Além das resoluções do
vídeo, existe também o áudio imersivo, que está tendo sua padronização finalizada e
que fará parte dos novos modelos de telas.”

Preparados para tanta inovação? Pois é melhor tomar fôlego, porque toda essa
evolução está só começando. “Quando olhamos para o futuro, já temos tecnologias
que serão o diferencial para quem vai consumir TV. Nossos desafios serão entender
cada vez mais os hábitos das pessoas, entender o que eles desejam e levar isso pela
tecnologia, nos conteúdos. No Brasil, de forma gratuita, a TV continuará sendo muito
5 importante na vida de nossos telespectadores”, acrescenta o diretor Cauvilla.
Para entender tudo
TV DIGITAL – A migração do sistema analógico
para o digital foi um divisor de águas para a TV
brasileira, que adotou um sistema misto, uma
tecnologia baseada no modelo japonês, mas com
adaptações de pesquisadores brasileiros. Houve um
da TV no BRASIL período de transição, com ajustes das emissoras e dos
fabricantes de TV, possibilitando o ingresso de novos
atores nesse mercado.

STREAMING – Baseadas em distribuição de


dados digitais, são plataformas que estabelecem
pontes entre hábitos de consumo próprios da TV, do
cinema e da internet. Globo Play, Netflix, Disney Plus
e Amazon Prime, entre outras, vêm consolidando esta
programação por demanda, que se caracteriza pelo
usuário consumir os conteúdos em vários suportes, na
hora que quiser.

4K E 8K – São medidas da qualidade da resolução


das imagens que vemos nos aparelhos de TV. A versão
HD já havia dado um salto enorme quanto ao sistema
analógico. Depois veio a Full HD, com 2 milhões de
pixels (pontos que formam as imagens) na tela. A 4K
tem uma resolução 4 vezes melhor que a Full HD. A 8K é
o dobro da 4K, dando uma sensação inédita até agora.

SMART TV – Um computador em forma de TV,


que capta sinais de internet, projeta material de seu
celular e já faz outros serviços domésticos. A TV é uma
espécie de vanguarda de uma fronteira tecnológica em
pleno desenvolvimento, que é a internet das coisas. O
preço, antes proibitivo, tem caído e novas gerações dos
produtos já seduzem os consumidores.

ÁUDIO IMERSIVO – As pesquisas em torno dessa


ferramenta para a TV vêm sendo desenvolvidas já
há algum tempo, tomando algo parecido com o
que já existe em várias salas de cinema. A diferença
é que tal instrumental estaria em nossa sala,
conferindo uma experiência sensitiva intensa a partir
da interação de som e imagem, de acordo com o
conteúdo que é visto.

NOVAS TELAS – Quando surgiram as telas planas e


as slims (bem finas), com aparelhos de TV que dispensam
os tubos de imagem, houve um espanto geral. Hoje, telas
imensas e que se curvam e com painéis especiais, com
sistemas tecnológicos de emissão de luz de cada ponto
formador da imagem, proporcionam uma sensação
imersiva ainda mais profunda.
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AS NOVELAS

da TV no BRASIL

Tarcísio Meira, Cláudio


Cavalcanti, Macedo
Neto e Cláudio Marzo
em Irmãos Coragem,
1970 (Foto: Acervo
Globo)

Em seus 70
anos, nenhuma
Um povo noveleiro
A
s telenovelas brasileiras são produções dinâmicas, que ousam em te-
atração eletrizou máticas e linguagens, na relação com o público, na forma de mostrar as
muitas faces do País. Com um olho no enredo e outro na audiência, auto-
mais o público res e autoras souberam auscultar a batida dos sentimentos dos telespectadores,
da TV no Brasil provocando e debatendo nosso jeito de ser, nossa forma de pensar e agir, nossas
mazelas e nossas qualidades, registrando retratos cômicos e dramáticos do Brasil.
que as novelas. Por isso esse tipo de atração firmou-se como o mais popular nos 70 anos da TV
Um gênero brasileira.
que, em 2020, A primeira novela da TV brasileira foi uma adaptação de um sucesso no rádio, Sua
celebra também Vida Me Pertence, que estreou em dezembro de 1951, na TV Tupi. Passava apenas
duas vezes por semana e era escrita, dirigida e protagonizada por Walter Forster. Ufa!
o centenário Teve apenas 15 capítulos e tinha no elenco Lima Duarte, hoje com 90 anos. Na época,
daquela que a teledramaturgia era feita ao vivo – não havia equipamentos para gravação – e o
principal investimento voltava-se para a produção de espetáculos teatrais encenados
foi sua autora na TV, como o Grande Teatro Tupi.
pioneira
O hábito de ver novela começou a arraigar-se mesmo no brasileiro no início
dos anos 1960, quando os folhetins passaram a ser diários. A primeira obra neste
formato foi 2-5499 Ocupado, trama protagonizada pelo casal 20 da TV, Tarcísio
Meira e Glória Menezes, em 1963, na Tupi. Em 1964, ocorreu o primeiro fenôme-
no de audiência, o dramalhão latino O Direito de Nascer, também na Tupi. Com
poucos televisores no País, o último capítulo foi transmitido para multidões nos
ginásios do Ibirapuera, em São Paulo, e do Maracanãzinho, no Rio.

O desfecho apoteótico do personagem Albertinho Limonta, vivido por Amil-


7 ton Fernandes, mostrou definitivamente que aquele seria o principal produto de
entretenimento oferecido pela TV, em capítulos diários, por longos meses. As no-
velas invadiram o cotidiano dos brasileiros, contando histórias cheias de dramas
e lágrimas. Mas em 1968, Lima Duarte, o mesmo Midas responsável por dirigir O
Direito de Nascer, revolucionou o gênero com Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso,
modernizando a narrativa das novelas e inaugurando um novo tempo.

Os anos 1970, com a entrada da Globo de forma definitiva na disputa com a


Tupi e a Excelsior pela primazia das novelas, foi a década das ousadias, como o
da TV no BRASIL western Irmãos Coragem, de Janete Clair, com a criação de heróis que conquista-
ram até o público masculino. Foi também o tempo de O Bem Amado, um passo
arriscado na direção da crítica alegórica do regime militar, escrita pelo comunista
de carteirinha Dias Gomes e que se tornou também a primeira novela em cores
do Brasil. Odorico Paraguaçu encarnava o coronelismo da política brasileira.

A sensualidade de Gabriela na novela que mostrou pela primeira vez o univer-


so de Jorge Amado neste formato, o sucesso internacional de A Escrava Isaura, a
comédia rasgada de Guerra dos Sexos foram, aos poucos, contribuindo para criar
horários específicos para os folhetins, que poderiam ser ocupados pelas tramas
Sua Vida me Pertence, românticas e urbanas de Janete Clair (Selva de Pedra), pelo realismo mágico de
a primeira novela, Dias Gomes (Saramandaia) ou pelo riso solto de Sílvio de Abreu (Cambalacho) e
estreou em dezembro de Cassiano Gabus Mendes (Que Rei Sou Eu?)
de 1951, na TV Tupi
As novelas brasileiras foram se diversificando e criando fenômenos. Vale Tudo
foi um marco nesse sentido, por mostrar um Brasil ocupado pelo embate entre a
honestidade e o jeitinho brasileiro num tempo em que a censura a essas pro-
duções havia sido revogada. Vieram os sucessos trigueiros de Tieta, Pantanal e
Renascer, a diversão teen de Vamp, as protagonistas negras de Xica da Silva e Da
Cor do Pecado, a doçura de Carrossel e Chiquititas, o novelão clássico de Senhora
do Destino, o suspense de Avenida Brasil. Mil faces de um povo noveleiro.

Tarcísio Meira e
Glória Menezes foram
protagonistas de
2-5499 Ocupado

O Sheik de Agadir:
boa aceitação junto
ao telespectador

Sônia Braga na pele


de Gabriela, de
Jorge Amado

8
La Magadan, a pioneira
Uma história que tinha um sheik árabe, uma princesa assassina e um
oficial nazista. Em resumo, uma loucura. Mas eram exatamente essas tramas
rocambolescas que faziam milhões de pessoas colarem os olhos na tela da TV
preto-e-branco – de casa ou de algum vizinho – para acompanhar dramalhões
que usavam e abusavam de romances proibidos, laços de sangue secretos, crimes
da TV no BRASIL misteriosos e finais que variavam entre os felizes e os trágicos. Assim nasceu a
novela brasileira. E o gênero teve uma parteira: a cubana Gloria Magadan.

No ano em que a TV no Brasil completa 70 anos de existência também marca


o centenário desta autora pioneira das novelas, responsável por alguns dos
primeiros sucessos da teledramaturgia nacional. Gloria nasceu em Cuba em 1920,
mas a revolução comunista em seu país, liderada por Fidel Castro e Che Guevara,
em 1959, fez com que precisasse migrar. Na ilha caribenha, ela já era escritora e
encontrou abrigo no Brasil a partir de 1964. A TV Globo foi inaugurada no ano
seguinte e seus destinos se encontraram.

As novelas passaram a ter formatos


de capítulos diários apenas em 1963,
apesar de a TV Tupi, a pioneira das
emissoras por aqui, ter feito algumas
tentativas no gênero com exibições
mais espaçadas. Foi Gloria Magadan,
nesta segunda fase da produção de
teledramaturgia nacional, quem deu
as cartas por mais de dez anos. Ela
ingressou na Globo e implantou no
canal a tradição de produzir novelas.
Escrevia suas próprias histórias e
supervisionava os textos de outros
autores, entre os quais Janete Clair,
que viria a substituí-la como maior
nome do gênero.

Na Globo, O Sheik de Agadhir,


a novela que tinha a princesinha
psicopata (Marieta Severo) e um
nazista extemporâneo (Mário
Gloria Magadan: Lago), foi um de seus maiores sucessos, entrando para o imaginário das novelas
autora cubana brasileiras. Também escreveu Eu Compro Esta Mulher, A Rainha Louca e O Homem
veio para o Brasil
Proibido, produções livremente inspiradas em clássicos da literatura. Seu reinado
em 1964
na emissora acabou no final dos anos 1960, quando a empresa percebeu que a
fórmula de Magadan já não agradava tanto o público. A Tupi já produzia novelas
mais modernas.

Ela acabou saindo da emissora carioca e chegou a escrever mais uma novela, E
Nós, Aonde Vamos? Na verdade, ela acabou indo para fora do Brasil, onde seu estilo
folhetinesco ainda tinha boa aceitação – aliás, basta ver as produções das TVs de
México, Colômbia, Venezuela para atestar essa diferença. Encontrou em Miami um
local onde seu trabalho era muito valorizado para o público latino que vivia no EUA.
Morreu em junho de 2001, ainda lembrada por aqui como a mulher que iniciou a
9 telenovela brasileira.
As penas da história
JANETE CLAIR DIAS GOMES
(1925-1983) – Se (1922-1999)
Glória Magadan foi – Nos anos de
a pioneira, ninguém chumbo da década
revolucionou de 1970, a Globo
da TV no BRASIL mais o gênero peitou a ditadura e
no Brasil que sua manteve como um
“estagiária” Janete de seus principais
Clair. O talento autores do horário
desta mineira nobre o comunista
de Conquista já havia sido atestado assumido Dias Gomes, o dramaturgo
Separamos na Rádio Nacional, onde escreveu baiano que já havia feito história no
10 autoras e radionovelas, mas a ousadia de romper cinema ao ver sua obra O Pagador de
com parâmetros apareceu na TV, com Promessas chegar à Palma de Ouro
autores, com folhetins em que surgia o cotidiano em Cannes com o filme de Anselmo
seus grandes do brasileiro. Logo de cara, solucionou Duarte. Isso, claro, irritava os censores,
um fracasso, Anastácia, A Mulher Sem que gostavam de cortar suas tramas, até
sucessos, que Destino, criando um terremoto que chegar ao ápice de proibir um de seus
fizeram o Brasil matou os personagens, recomeçando do trabalhos de ir ao ar. Em 1975, a primeira
zero. Depois, encavalou vários sucessos, versão de Roque Santeiro foi embargada
ser o país que a começar pela antológica Irmãos no dia da estreia. Roque Santeiro só foi ao
assiste e produz Coragem, de 1970. Em seguida vieram ar em 1985. Outra de suas novelas, O Bem
Selva de Pedra, Pecado Capital, O Astro, Amado, provocava os poderosos. São de
novelas como Pai Herói. Morreu enquanto escrevia Eu sua autoria ainda as tramas Saramandaia
nenhum outro Prometo, concluída por Glória Perez. e O Espigão.
no mundo. IVANI RIBEIRO CASSIANO
(1916-1995) – GABUS MENDES
Fazer estrondoso (1929-1993) –
sucesso com a Pioneiro da TV
mesma novela brasileira, Cassiano
mais de uma vez, Gabus Mendes
escrevendo versões testemunhou
diferentes para a primeira
emissoras distintas. transmissão da
Será que alguém Tupi, em 1950.
conseguiu tal feito? Ivani Ribeiro sim, Com apenas 21 anos de idade, já
e mais de uma vez. A partir de 1963, escrevia textos para a emissora, até
esta paulista de São Vicente escreveu chegar a cargos de direção, bancando a
tramas para vários canais, como Tupi e revolucionária Beto Rockfeller, de Bráulio
Excelsior. Chegou a lançar 13 novelas Pedroso, em 1968, protagonizada por
seguidas para um único horário da seu cunhado, Luiz Gustavo. Sua primeira
Excelsior. Nos anos 1970, emplacou na novela, porém, só estreou em 1976:
Tupi dois sucessos, Mulheres de Areia Anjo Mau. Foi na Globo que Cassiano
e A Viagem. Vinte anos depois, já na se destacou como autor, com vários
Globo, fez o remake de ambas e repetiu sucessos na década de 1980. Em Elas Por
o fenômeno, algo inédito naquelas Elas, criou o detetive atrapalhado Mário
proporções. Antes, já havia escrito A Fofoca. Também escreveu Ti-Ti-Ti e Brega
Gata Comeu para o horário das 18h da & Chique e, por fim, a satírica Que Rei
Globo, recuperando a trama A Barba Sou Eu?, uma alegoria bem humorada
10 Azul, levada ao ar pela Tupi. das mazelas brasileiras.
da TV no BRASIL
GILBERTO BRAGA (1945- ) – Ele AGUINALDO SILVA (1943- ) –
assinou suas primeiras tramas Jornalista que fazia coberturas
com Janete Clair (Bravo!) e Lauro policiais, Aguinaldo Silva iniciou sua
César Muniz (Corrida do Ouro) carreira na TV escrevendo séries
nos anos 1970, até ser destacado que remetiam àquele universo, até
para adaptar obras literárias, para o estrear como novelista em Partido
horário das 18h da Globo. Daí veio Alto. Depois vieram a ruidosa par-
o arrebatador sucesso A Escrava ceria com Dias Gomes em Roque
Isaura, uma das novelas brasileiras Santeiro (ele lembra que escreveu
mais vistas no exterior. Também é a maior parte da trama sozinho) e
dele o fenômeno Dancin’Days. Nos anos 1980, ao lado de a dobradinha com Gilberto Braga em Vale Tudo. A partir
Aguinaldo Silva, escreveu Vale Tudo, com as vilãs Odete de Tieta, novela que criou às pressas a pedido da Globo,
Roitman e Maria de Fátima. É autor ainda de trabalhos enfileirou sucessos, como Pedra Sobre Pedra, Porto dos
como O Dono do Mundo, Celebridade e Paraíso Tropical. Milagres, A Indomada e Senhora do Destino.

BENEDITO RUY BARBOSA LAURO CÉSAR MUNIZ (1938- ) –


(1931- ) – As novelas rurais, épicos Veterano nas novelas, Lauro César
do interior do Brasil, são sua marca Muniz ajudou a formar vários cole-
registrada. Desde Meu Pedacinho gas de profissão. Na Globo, onde
de Chão, no início dos anos 1970, ajudou a emissora a conquistar
até sua última obra, Velho Chico, a liderança da audiência, escre-
ele mergulhou nesses universos. veu sucessos como Escalada, Os
Isso fica patente na trilogia formada Gigantes, Casarão e a metanarrativa
por Pantanal (Manchete), Renascer Espelho Mágico, em que abordava
e O Rei do Gado (Globo). A cultu- o próprio universo da TV. Nos anos
ra italiana também foi bastante abordada por ele, em 1980, emplacou novelas de grande audiência, como a
novelas como Os Imigrantes (Bandeirantes), Terra Nostra trama de suspense e vingança Roda de Fogo e a política
e Esperança (Globo). Duas filhas e um neto do novelista O Salvador da Pátria. Nos últimos anos, produziu tramas
seguiram o mesmo caminho do patriarca. para a TV Record.

SÍLVIO DE ABREU (1942- ) – Ele GLÓRIA PEREZ (1947- ) – Ela é


primeiro tentou a carreira de ator, uma espécie de herdeira de Janete
mas foi como autor que Sílvio de Clair, com tramas que se baseiam
Abreu fez sucesso. Seu primeiro no melhor estilo novelão. Foi assim
trabalho foi a versão de Éramos Seis com Barriga de Aluguel, inicial-
para a Tupi. Mas foi na comédia que mente pensada para o horário das
ele se encontrou, a começar por 20h, mas deslocada para a faixa
Guerra dos Sexos, em que teve a ou- das 18h por ser considerada “dra-
sadia de colocar os ícones Paulo Au- mática demais”. Depois ela con-
tran e Fernanda Montenegro numa seguiu se firmar no horário nobre
antológica cena de pastelão. Vieram ainda Cambalacho, com tramas como De Corpo e Alma (quando viveu a
Sassaricando e Deus nos Acuda. Daí migrou para novelas tragédia de perder a filha Daniella Perez, assassinada por
mais dramáticas, com a policialesca A Próxima Vítima, e as um colega de elenco), Explode Coração e as histórias
românticas Belíssima e Passione. multiculturais O Clone, Caminho das Índias e América.
11
O PAPEL DA ARTE

Uma aliada poderosa


A
data oficial da primeira transmissão de TV no Brasil é 18 de setembro de 1950.
Mas antes que a TV Tupi, de São Paulo, inaugurasse por aqui aquele que seria
da TV no BRASIL o meio de comunicação mais popular do País, o dono do canal, o magna-
ta Assis Chateaubriand, fez um teste do equipamento que havia adquirido para o
Nana Caymmi e empreendimento. Em 5 de julho de 1950, na sede de sua empresa, os Associados, foi
Gilberto Gil no Festival feita uma transmissão fechada para convidados, entre artistas e empresários interna-
da Música Popular cionais. Era a inauguração festiva do Museu de Arte de São Paulo.
Brasileira de 1967

Em seus 70 anos O Masp era uma das meninas dos olhos de Chateaubriand. Ele angariava doações
– às vezes com extorsões – para reforçar os recursos destinados à compra de obras
no Brasil, a TV de grandes mestres da pintura europeia. Reza a lenda que o homem que montou o
foi um meio acervo do museu, Pietro Maria Bardi, teve dificuldades em convencer o patrão a não
colocar esses quadros nos estúdios da Tupi no dia de sua inauguração, o que poderia
poderoso de danificá-los com o excesso de luz. Há laços profundos entre a TV e as artes no Brasil, o
popularização que geraria um intercâmbio intenso entre elas.
da cultura, Clássicos do teatro e da literatura, lançamento de grandes nomes da música, apoio
contribuindo ao cinema fizeram, desde o seu início, parte da história da TV brasileira. Essa comu-
nhão foi importante para popularizar manifestações culturais antes restritas a fre-
para sua quentadores de plateias de elite. Obras a que a maioria das pessoas não teriam acesso
expansão e foram inseridas nas casas de milhões de brasileiros, em seus formatos originais ou em
adaptações, familiarizando esses trabalhos com novos públicos, abrindo horizontes
variedade culturais mais amplos a gerações de telespectadores.

Uma das primeiras iniciativas nesse sentido foi o Grande Teatro Tupi, exatamente
na emissora pioneira. Produzidas nas sedes de São Paulo e do Rio de Janeiro, essas
12 montagens eram apresentadas ao vivo – nos anos 1950 não havia equipamento para
da TV no BRASIL

Grande Teatro
Tupi: Fernanda
Montenegro e
Sérgio Britto
em A Casa em
Ordem

gravação dos programas – e levaram à TV grandes nomes dos palcos nacionais. A


ideia de sua criação foi de Guilherme Figueiredo, que escalou um elenco que incluía
nomes como Fernanda Montenegro (a primeira atriz contratada profissionalmente
da TV brasileira), Nathalia Timberg e Ítalo Rossi.
Até mesmo Todos esses nomes integravam ou viriam a integrar companhias de teatro brasi-
nomes que leiras históricas, como o TBC, o Teatro Brasileiro de Comédia. Seus maiores criadores
se revezavam entre as câmeras da Tupi e os palcos, fazendo com que nascesse ali
tinham certa a teledramaturgia nacional, antes mesmo do surgimento das telenovelas. E nasceu
resistência levando clássicos do teatro grego, peças de Shakespeare, obras dos maiores drama-
turgos do mundo. Tudo isso produzido em escala industrial. Só o autor Manoel Carlos,
em entrar no por exemplo, adaptou mais de 100 obras para a Tupi.
novo meio se
A emissora foi a responsável pelo ingresso na TV de gigantes do porte de Fernan-
renderam à do Torres, Ziembinski, Sérgio Brito, Tônia Carrero, Sérgio Cardoso. Até mesmo nomes
possibilidade que tinham certa resistência em entrar no novo meio se renderam à possibilidade
de levar arte de alta qualidade a um público numeroso, encenando textos de Ibsen,
de levar arte de Goethe, Tchekov, Pirandello, Eugene O’Neill. E ali também se deu a estreia de astros e
alta qualidade estrelas que depois estariam nas novelas, como Francisco Cuoco, Claudio Cavalcanti,
Sebastião Vasconcelos, Iara Lins e Zilka Salaberry.
a um público
numeroso Ao todo, em suas diferentes fases, os teleteatros da Tupi levaram ao ar nada menos
que 1.321 textos, em programas que também tiveram os nomes de TV de Vanguar-
da, Tele-Teatro Brastemp, TV de Comédia. Entre seus colaboradores estavam autores
como Rachel de Queiroz, que escreveu a peça O Padrezinho Santo, levada ao ar em
24 de abril de 1958, e um de seus textos de teatro mais conhecidos, A Beata Maria do
Egito, encenado na TV em 04 de janeiro de 1959, com adaptação de Dionísio Azeve-
13 do e Lima Duarte no elenco.
da TV no BRASIL

Edwin Luise e
Lucélia Santos em
A Escrava Isaura,
um dos grandes
sucessos da TV

Nos palcos, nas páginas


Do teatro para outros gêneros literários. Ao longo de sua história, a TV lançou um
olhar especial para a literatura, sobretudo a brasileira, fazendo verdadeiros clássicos
tornarem-se atrações muito populares. Novelas, séries, especiais ganharam a teli-
nha, permitindo que as obras dos maiores expoentes da produção literária nacional
experimentassem novas roupagens e públicos. Nesse quesito, a TV Globo foi a que
mais investiu. Já nos anos 1970, a adaptação do romance Gabriela, de Jorge Amado,
inaugurou em horário nobre esse nicho.
Jorge Amado
O autor baiano, aliás, é um dos nomes mais constantes no casamento entre TV e
é um dos literatura. Depois da morena Cravo e Canela, vieram mais adaptações, como Tenda
nomes mais dos Milagres, Dona Flor e Seus Dois Maridos e o megassucesso Tieta, no final dos
anos 1980. A novela fez a brejeirice da protagonista e a carolice da vilã Perpétua con-
constantes no quistarem o Brasil, o que acontece ainda hoje em suas reprises na TV fechada e nos
casamento serviços de streaming. O mergulho no universo sertanejo também foi realizado por
intermédio de trabalhos de outros gênios.
entre TV e
literatura Em um especial premiado internacionalmente, o poema Morte e Vida Severina, de
João Cabral de Melo Neto, foi cantado, declamado e encenado no sertão árido e nas
margens do Rio Capiberibe. Já o humor de O Auto da Compadecida, de Ariano Su-
assuna, que havia ganhado uma adaptação mais antiga, nos fez rir e nos emocionou
na minissérie global, com um elenco estelar e inspirado. A série virou filme e repetiu
o sucesso. Mais recentemente, o especial Alexandre e Outros Heróis trouxe à tona a
parte bem humorada da prosa de Graciliano Ramos.

Nos sertões mais centrais do País, o épico de Guimarães Rosa foi adaptado em
uma das mais elogiadas minisséries da história da TV, Grande Sertão: Veredas. Um ou-
14 tro clássico de nossas letras, O Tempo e o Vento, do gaúcho Érico Verissimo, foi levado
à TV em uma produção de grande porte, acompanhando as gerações da família Terra
Cambará e a história do Rio Grande do Sul. Outra de suas obras, Incidente em Antares,
foi adaptada para uma série de TV. A Globo levou ao ar, ainda, uma novela baseada
em Olhai os Lírios do Campo, também do autor.

O filho de Érico, Luis Fernando Verissimo, tornou-se um nome recorrente nos


especiais de humor da Rede Globo, principalmente na série A Comédia da Vida
Privada. Ocupava um horário específico na programação, chamado Terça Nobre, para
da TV no BRASIL o qual foram adaptados textos como O Alienista, de Machado de Assis, O Coronel e o
Lobisomem, de José Cândido de Carvalho, e Os Pastores da Noite, de Jorge Amado.
Episódios curtos e exibidos em uma única noite, ao contrário de séries mais longas ou
novelas retiradas da literatura.

O Sorriso do Lagarto,
de João Ubaldo Ribeiro, e
Riacho Doce, de José Lins
do Rego, viraram séries na
Globo. Capitu foi uma adap-
tação de Dom Casmurro, de
Machado de Assis, e Anar-
quistas Graças a Deus saiu
do livro de mesmo nome
de Zélia Gattai. Novelas de
época de autores do século
19 conquistaram o público,
a começar por A Escrava
Isaura, de Bernardo Gui-
marães. Em 1975, a Globo
transformou em novela os
romances Helena, de Ma-
chado de Assis, e A Moreni-
nha, de Joaquim Manuel de
Macedo.

A lista é imensa: Dois


Irmãos, de Milton Hatoum;
Tony Ramos e
Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles; A Casa das Sete Mulheres, de Letícia
Bruna Lombardi na
minissérie da Globo Wierzchowski; A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz; Agosto, de Rubem Fonseca;
Grande Sertão: Chapadão do Bugre, de Mário Palmério (esta última, na TV Manchete, emissora que
Veredas, de 1985 também adaptou Tocaia Grande, de Jorge Amado). Os contos de Lima Barreto, por
exemplo, foram unidos, resultando na novela Fera Ferida. O mesmo aconteceu com a
novela Felicidade, reunião de narrativas de Aníbal Machado.

Além disso, a TV foi a responsável por levar os próprios escritores para mais próxi-
mo de seu público. Cora Coralina, por exemplo, foi “apresentada” aos seus leitores em
reportagens de emissoras de televisão. Assim, sua voz e sua figura de uma senhora já
bastante idosa integraram o imaginário de seus versos. Já a imagem mais famosa de
Clarice Lispector é a de sua última entrevista, dada de improviso à TV Cultura pouco
antes de morrer. As respostas ferinas, o cigarro aceso, a língua presa criaram uma
mística ainda maior em torno da autora.

15
Dedé Santana,
Lucinha Lins,
da TV no BRASIL Renato Aragão,
Mussum e Zacarias
no filme Os
Saltimbancos
Trapalhões

Compartilhamento de telas
“Ô, da poltrona!”. Este jargão, repetido em tantas noites de domingo na progra-
mação da Rede Globo, era uma das senhas para uma atração de grande audiência:
o programa de humor Os Trapalhões. O quarteto formado por Renato Aragão (Didi),
Dedé Santana, Mussum e Zacarias fez da TV um trampolim irresistível para outro tipo
de tela, bem maior. Por pelo menos duas décadas, Os Trapalhões produziram de um
a dois filmes por ano, quase todos eles recordistas de bilheteria. Foram mais de 40
produções, com milhões de pessoas nos cinemas.

Esse é apenas um exemplo da forma como TV e cinema também andaram juntos


no Brasil desde a inauguração da Tupi, em 1950. Boa parte do público viu nossos maio-
Os res clássicos da telona na telinha. Mesmo aqueles filmes produzidos antes da chegada
Trapalhões da TV ao País, como as chanchadas da Atlântida dos anos 1940, depois foram reprisa-
dos por várias emissoras, estimuladas pela popularidade dos artistas que integravam
produziram os elencos dos filmes, como Grande Otelo e Oscarito. Muitos migraram para a TV, em
de um a dois programas de humor ou novelas.

filmes por Mesmo trabalhos considerados mais densos também tiveram espaço, como os
premiados O Pagador de Promessas – a obra de Dias Gomes depois ganharia uma
ano, quase adaptação para a TV – e Deus e o Diabo na Terra do Sol já foram exibidas algumas
todos eles vezes, ainda que hoje estejam restritas a canais específicos da TV a cabo. Mas as comé-
dias inocentes de Mazzaropi, por exemplo, ainda podem ser vistas em sessões promo-
recordistas vidas pela TV Cultura. Como aconteceu em quase todo o mundo, porém, o cinema
de bilheteria comercial virou a estrela na grade de programação.

Quando se lança uma produção cinematográfica, há toda uma estratégia de


marketing que inclui, claro, a TV, em todos os seus formatos. Antes a TV aberta im-
perava sozinha, quadro que mudou com a ampliação de canais a cabo e que foi
revolucionado com a chegada do streaming. Telefilmes também surgiram como um
produto alternativo oriundo da TV e séries foram reeditadas para se transformarem em
obras para a exibição nas salas de cinema. A Globo chegou a abrir um estúdio, a Globo
Filmes, de olho nessa interação.

Mais recentemente, a linguagem mais esmerada e esteticamente melhor traba-


lhada do cinema passou a influenciar as produções de TV. Nomes ligados ao cinema,
como Fernando Meirelles e Cao Hamburger, desenvolveram projetos com canais de
televisão ou com produtoras, elevando o nível técnico de determinados projetos. Até
mesmo diretores de fotografia consagrados, como Walter Carvalho, começaram a ser
solicitados para emprestar seu olhar para séries e novelas. Cinema e TV, em todos os
16 sentidos, nunca estiveram tão interligados.
Trilha sonora de nossas vidas
Programas musicais de grande audiência, com os maiores nomes da nossa mú-
sica, em todos os estilos, contribuíram para criar um público amplo e variado para a
produção fonográfica nacional a partir da TV. Isso vem desde os primeiros tempos, já
que a televisão tinha um forte lastro com o rádio. Vários artistas da chamada Era de
Ouro radiofônica também foram soltar a voz ou apresentar seus programas no novo
da TV no BRASIL meio de comunicação. Muitos telespectadores passaram a ver pela primeira vez o
rosto de quem eram fãs, mas de quem só conheciam a voz.

Um dos que fizeram esse caminho foi Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Sucesso no
rádio, repetiu a dose na TV, na Tupi e na Globo. Por seu programa passavam, além dos
calouros, artistas de todos os matizes. Não é à toa que apadrinhou nomes como Clara
Nunes, que era adorado por Roberto Carlos e Raul Seixas e ganhou até homenagem
num samba de Gilberto Gil. Na mesma esteira, outras atrações fizeram sucesso seme-
lhante, como o Programa Flávio Cavalcanti, que também quebrava discos de que não
gostava, e o Clube do Bolinha.

Um capítulo à parte foram os


festivais de música, alguns bastante
emblemáticos. O filme Uma Noite
em 67 mostra o mais espetacular
de todos, o 3º Festival da Música
Popular Brasileira, da TV Record.
Reunidos, em uma única disputa e
com canções que marcaram história,
os gigantes Gilberto Gil (Domin-
go no Parque, acompanhado dos
Mutantes), Caetano Veloso (Alegria,
Alegria), Edu Lobo (Ponteio) e Chico
Buarque (Roda Viva). Nesse período
nasceram a Jovem Guarda e a Tro-
picália, sob os holofotes da principal
emissora de TV da época.

O documentário Tropicália, de
Marcelo Machado, mostra que Paulo
Machado de Carvalho, então dono
Abelardo Barbosa,
o Chacrinha: por da Record, estimulava uma certa “guerra civil” nos bastidores da emissora, formando
seu programa grupos de diferentes gêneros que rivalizavam entre si. Caetano Veloso chega a dizer,
passaram grandes no filme, que foi assistindo os programas de Chacrinha, com sua estética tropicali-
nomes zada, que sedimentou parte de sua linha de atuação. Ele também afirma, categori-
camente, que sem a TV, aqueles movimentos intensos não teriam ocorrido tal qual
aconteceram.

Nos estúdios da Record, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa popularizaram


o iê, iê, iê. Também ali Elis Regina e Jair Rodrigues capitanearam o badalado O Fino da
Bossa. Pela TV assistimos a Bossa Nova ganhar o mundo, testemunhamos o nasce-
douro do Rock Brasil e a histórica primeira edição do Rock in Rio, em 1985, vimos os
trios elétricos tomarem a folia e os sambas cariocas transformarem-se em hinos, pre-
senciamos a ascensão do sertanejo, do funk e as novelas colaram em nossa mente
17 hits românticos. A TV só faz sentido com trilha sonora.
O PAPEL DO JORNALISMO

da TV no BRASIL

Cid Moreira e
Hilton Gomes
foram os primeiros
apresentadores do
Jornal Nacional

Desde 1950,
a TV brasileira
Testemunha ocular
tem sido, com
seu jornalismo,
da História
um arquivo – Atenção! Atenção! O senhor Presidente da República, Getúlio Vargas, suicidou-se
nas dependências do Palácio do Catete!
de registros
históricos de Na manhã daquele fatídico 24 de agosto de 1954, o veículo que primeiro deu
o plantão do desfecho da grave crise política que se desenrolava nos derradeiros
épocas, regimes dias de governo de Getúlio Vargas foi o rádio. Locutores empostavam as vozes com
políticos e dramaticidade para informar ao Brasil sobre o tiro fatal dado pelo mandatário da
nação no próprio peito. Mas as manifestações de desespero das pessoas em frente ao
episódios que caixão do líder político, as filas para o velório, a revolta contra os inimigos de Getúlio,
moldaram o esses registros em imagens já devemos à TV.

mundo como Ela havia chegado ao Brasil apenas 4 anos antes da morte trágica de Getúlio, mas
o conhecemos mostrou desde o início sua vocação para ser um dos principais meios de arquivo de
acontecimentos históricos. O primeiro telejornal brasileiro foi produzido pela emis-
hoje sora que inaugurou a TV no Brasil, a Tupi. Ele se chamava Imagens do Dia e começou
a ser produzido antes mesmo de a primeira transmissão do canal do magnata Assis
Chateaubriand ir ao ar. Uma equipe captou parte do desfile do 15 de Setembro em
São Paulo e isso foi exibido em 19 de setembro.

Portanto, um dia depois de a Tupi entrar no ar, o locutor Ruy Rezende leu um texto
introdutório e as imagens, captadas pelos cinegrafistas Jorge Kurkjian, Paulo Salomão
e Alfonso Zibas, começaram a ser mostradas ao ainda pequeno público paulistano
18 que tinha aparelhos receptores em casa. A professora Edna Mello Silva, professora da
Universidade Federal de São Paulo, resgatou essa história pioneira, estudando essas
primeiras imagens do telejornalismo nacional, condensadas em 8 filmes preservados
na Cinemateca Brasileira.

“Na época, a programação da TV Tupi de São Paulo iniciava-se a partir das 20 horas
e o telejornal não tinha um horário certo para ser veiculado, pois dependia da pro-
gramação a ser exibida antes dele”, escreve a pesquisadora, em um de seus estudos
sobre o tema. Ela aponta que a linguagem então empregada ainda estava muito
da TV no BRASIL ligada à do rádio, mas não só a ele. “É possível deduzir que a influência do cinejornal
pode ter sido marcante na forma de reportar os acontecimentos. Notícias esportivas
e informações ligadas à agenda dos governantes.”

Hoje completamente em desuso,


cinejornal já fazia sucesso, levando
às plateias imagens de fatos e perso-
nalidades. Eram apresentadas antes
da exibição dos filmes nas salas de
cinema, sempre, como descreve
Edna Mello, “com imagens em planos
abertos, com poucos cortes, acompa-
nhados pela narração de um locutor
em off”. Espécie de precursores do
telejornalismo, os cinejornais sobre-
viveram algum tempo, com atrações
como o Canal 100, que trazia breves
documentários sobre nosso futebol,
sob os versos da canção que entoava
“Que bonito é...”

Canal 100: telejornal O rádio, porém, era o meio de comunicação com mais apelo popular e não demo-
era exibido nos rou para seu principal produto jornalístico migrar para a TV. No ar desde 28 de agosto
cinemas e tinha o de 1941 na Rádio Nacional, o Repórter Esso (tinha esse nome porque era patrocinado
futebol como centro
pela gigante do petróleo) era um companheiro inseparável dos brasileiros. Com o
slogan “Testemunha Ocular da História”, sua primeira transmissão informou o público
sobre o ataque alemão à Normandia, na França, durante a Segunda Guerra Mundial.
Escutá-lo à noite tornou-se tradição familiar.

Já em 1952, a TV Tupi arregimentou a atração para sua programação.


Sua voz mais conhecida foi Heron Domingues, que o apresentou no
rádio entre 1944 e 1962. Na TV, o noticiário foi rebatizado para O Seu
Repórter Esso, apresentado por nomes como Luiz Jatobá e Gontijo
Teodoro, ficando no ar até 1970. Naquele ano, ele já tinha um concor-
rente de peso, o Jornal Nacional, da Rede Globo, que foi ao ar em 1º de
setembro de 1969, tendo na bancada os apresentadores Cid Moreira e
Hilton Gomes, depois substituído por Sérgio Chapelin.

O Jornal Nacional, aliás, foi o primeiro telejornal brasileiro a ser trans-


mitido em rede nacional, simultaneamente, explorando uma tecnologia
que chegara ao Brasil em fevereiro de 1969 e que permitiu que os brasileiros vissem a
chegada do Homem à Lua – com cobertura de repórteres do País no lançamento da
espaçonave Apollo 11, nos EUA – naquele mesmo ano, e a Copa do Mundo de 1970.
A primeira entrevista via satélite também foi feita em 1969, pela Globo, uma conversa
de Hilton Gomes com o papa Paulo VI, direto do Vaticano.
19
Quem fez nossa TV
O âncora da TV Globo, Heron Domingues, deu a notícia tão aguardada naqueles
dias de agosto de 1974. No boletim Jornal Internacional era mostrado o sinal da Casa
Branca, aberto antes do início do pronunciamento do então presidente dos EUA,
Richard Nixon, mostrando o homem que estava no centro de uma crise política iné-
dita. Sem saber que já poderia ser visto por alguém, ele contava piadas e mostrava-
da TV no BRASIL -se descontraído. Minutos depois, anunciaria sua renúncia do cargo mais poderoso
do mundo, na esteira do escândalo de Watergate.

Heron deu todas as informações e saiu da emissora carioca para jantar com amigos.
Voltou para casa e deitou-se. Naquela mesma noite, um enfarte fulminante calou uma
das vozes mais conhecidas do Brasil desde os tempos do Repórter Esso no rádio, aos
50 anos de idade. Esta é uma das muitas histórias que beiram o inacreditável e mar-
cam o telejornalismo brasileiro na sua missão de levar informações de fatos relevantes
ao público. Heron era
comentarista do Jornal Na-
cional, cuja primeira edição
foi apresentada por Hilton
Gomes e Cid Moreira.

Cid foi um símbolo do


mais longevo telejornal
da história da TV brasileira,
aquele que ainda é líder de
audiência no segmento.
Ao lado dele, por décadas,
esteve Sérgio Chapelin. E
por muitos anos, no seu
cérebro, estiveram profis-
sionais como Armando
Nogueira e Alice-Maria,
jornalistas que, mesmo
antes da criação da Rede
Globo, já levava notícias
Heron Domingues a todo o Brasil. Armando,
apresentou o boletim por exemplo, trabalhou na Copa de 1954. Hilton Gomes cobriu o assassinato de John
Jornal Internacional Kennedy pela TV Excelsior, em 1963, e a ida do homem à Lua, em 1969.
na Globo
Nesses 70 anos, o telejornalismo inovou em formatos, como a revista eletrônica
Fantástico, pioneira em mesclar, com mais ousadia, informação e entretenimento.
Também foram criados programas de mais fôlego, tomando como padrão atrações
da TV dos EUA. O Globo Repórter é um deles, que começou com os materiais es-
peciais e investigativos feitos por nomes como Hélio Costa e Lucas Mendes. Glória
Maria, a primeira jornalista negra com destaque, também tem sua trajetória ligada ao
programa, mostrando todo o mundo em suas reportagens.

O modelo de ancoragem mais opinativo dos telejornais foi inaugurado por aqui
por Boris Casoy, no SBT Brasil, e Marília Gabriela inovou na forma de fazer entrevistas
com mais profundidade em seus programas na Bandeirantes. Flagrantes, furos jor-
nalísticos, coberturas especiais, premiações internacionais – como o material produ-
zido pela Rede Globo sobre a invasão do Complexo do Alemão – ajudam a contar
20 essa trajetória de sete décadas.
Nada passou em branco
A televisão levou todos os fatos históricos para dentro da casa dos brasileiros
nos últimos 70 anos, cobrindo, em cada uma das sete décadas que compõem sua
trajetória, o que de mais importante moveu o mundo, dos avanços da ciência às
maiores tragédias, das guerras e revoluções aos feitos humanos que desafiaram nossa
imaginação. Tudo pôde ser visto em preto e branco ou a cores, no formato analógico
da TV no BRASIL ou digital, em imagens fugidias ou em alta definição. São 70 anos de mediação entre
nossa vida e este vasto mundo.

Anos 1950
ANOS JK – O presidente Juscelino Kubitschek soube, como poucos, abrir seu
sorriso para os ainda incipientes noticiários de TV, mas que já captavam o espírito
daqueles 50 anos em 5. Uma coroação que veio com as obras e a inauguração de
Brasília, tudo filmado.

REVOLUÇÃO CUBANA – Os barbudos que desceram a Sierra Maestra para plan-


tar, no quintal dos EUA, um regime comunista na Guerra Fria, também foram mostra-
dos pela TV brasileira. Fidel Castro e Che Guevara eram personagens distantes para a
maioria, mas não desconhecidos.

Anos 1960
GOLPE DE 64 – A crise iniciada com a renúncia de Jânio Quadros e agravada no
governo de João Goulart resultou no golpe militar de 1964, também coberto – e
até mesmo apoiado – por emissoras de TV, que dali por diante viveriam, por sua vez,
períodos de dura censura.

CHEGADA DO HOMEM À LUA – Um pequeno passo para um homem, um


grande passo para a humanidade. A frase do astronauta Neil Armstrong, o primeiro
homem a pisar na Lua, em 1969, foi ouvida por plateias eletrizadas em todo o mundo
via satélite, inclusive na TV brasileira.

Anos 1970
REVOLUÇÃO SEXUAL – Os anos 1960 já haviam sido de mudanças profundas no
comportamento e na cultura, o que continuou nos anos 1970. No Brasil, os hippies,
roqueiros, os jovens ganharam cor, podendo ser vistos em programas jornalísticos na
TV brasileira.

HERZOG – Mesmo sob censura, o telejornalismo tinha focos de resistência duran-


te a ditadura. Um deles ficava na TV Cultura e seu diretor, Vladimir Herzog, foi chama-
do a depor no DOPS, de São Paulo, em 1975. Foi assassinado lá dentro e sua morte
abalou o regime militar.

21
Anos 1980
DIRETAS JÁ E TANCREDO – Comícios pelo Brasil, votação no
Congresso para a volta das eleições diretas para presidente, derrota,
vitória no Colégio Eleitoral. Tancredo Neves punha fim à ditadura, mas
morreu sem tomar posse. A TV acompanhou seu ápice e seu martírio.

da TV no BRASIL QUEDA DO MURO DE BERLIM – Trepado em cima do Muro de


Berlim, o repórter Silio Boccanera atestava, em uma reportagem anto-
lógica, que o maior símbolo da Guerra Fria estava ruindo. Era o fim de
uma era, o emblema de um fato histórico que a TV brasileira mostrou,
ao vivo.

Anos 1990
IMPEACHMENT DE COLLOR – Povo na rua vestido de preto e
um coro único pelo País. A TV brasileira, como se cobrisse um enredo
policial, via as provas se avolumarem contra o então presidente Fer-
nando Collor e transmitiu ao vivo a votação de seu impeachment.

PLANO REAL – Esperança de estabilização econômica que muitos


receberam com ceticismo, escaldados com os fracassos da década
anterior, o Plano Real finalmente venceu a hiperinflação e fez a econo-
mia respirar ares mais civilizados.

Anos 2000
11 DE SETEMBRO – Uma cena inacreditável. Ao vivo, canais
transmitiam o choque do segundo avião contra as Torres Gêmeas
do World Trade Center, em Nova York, enquanto cobriam a primeira
colisão. O Brasil e o mundo pararam para ver os ataques terroristas nos
EUA.

ACIDENTES AÉREOS – Um plantão noticiou, em setembro de


2006, que um avião da Gol havia desaparecido sobre a Amazônia.
Outro plantão, em julho de 2007, mostrava um avião da TAM ardendo
em chamas, em São Paulo. Duas tragédias dissecadas pela TV.

Anos 2010
PRIMAVERA ÁRABE – Quedas de ditadores – algumas delas,
de forma violenta –, pedidos por mais liberdade e desestabilização
da geopolítica internacional. A chamada Primavera Árabe ganhou
amplo espaço nos noticiários e os brasileiros puderam testemunhar
os protestos.

JORNADAS DE 2013 – Edições especiais de telejornais sinaliza-


vam que o que víamos nas ruas brasileiras em junho de 2013 não era
algo trivial. Centenas de milhares de pessoas nas grandes cidades do
País pediam honestidade na política e melhores serviços públicos.

22
FEBRES E MODAS DA TV

da TV no BRASIL

O corte de cabelo
de Tônia Carrero
em Pigmaleão
70 (1970) é até
hoje um dos mais
copiados

TV foi uma
inventora e
Fazendo a cabeça do público
“V
propagadora ocê tem a pulseira da Jade?” “Viu o cabelo da Solange?” “Aquele
de tendências vestido da Preta é lindo.” “Gostei da camisa do Flamel.” Em diferentes
momentos, essas frases estiveram na boca dos brasileiros e elas
em roupas e mostram que a TV dita moda, estabelece tendências, vira febre. As pulseiras da Jade
penteados, eram as que Giovanna Antonelli usava na novela O Clone. O cabelo da Solange era
o ostentado por Lídia Brondi em Vale Tudo. O vestido da Preta era o desfilado por
lançando modas Taís Araújo em Da Cor do Pecado. A camisa do Flamel era a marca do figurino do
que ganharam alquimista de Edson Celulari em Fera Ferida.

as ruas e ficaram “O figurino para os personagens de uma novela e de um programa de variedades


na memória possui diferenças”, explica o estilista goiano Paulo Vitor Santos, há dois anos
trabalhando na Globo, onde já participou de produções como as novelas Órfãos da
Terra, Verão 90 e Amor de Mãe. “Nas novelas, o nosso guia principal é o texto escrito
pelo autor. É a partir dali que extraímos as características da personagem, fazemos
pesquisas de campo e começamos a ‘criar’ sua personalidade através das roupas. Nos
programas de variedade vestimos os apresentadores que não são personagens e sim
alguém que já possui personalidade própria”, acrescenta.

Acompanhando as tendências do tempo em que são exibidas, as novelas,


sobretudo, acabam sendo uma espécie de registro do que se usava, do que fazia
sucesso em determinada época. Criou-se uma cultura no País de se olhar com
atenção para a TV em busca de inspiração e modelos que, rapidamente, ganham
as ruas, as vitrines das lojas, as bancas dos camelôs, os salões de beleza. “Algumas
histórias possuem personagens com mais apelo estético e isso, consequentemente,
se reflete no figurino”, diz Paulo Vitor. “Para esses personagens são feitas pesquisas
23 mais profundas de desfiles internacionais e tendências que ainda estão por vir.”
Para algo fazer sucesso fora das telas, porém, depende do carisma de quem
interpreta o personagem, dos rumos que ele terá na trama, da resposta dos telespec-
tadores. “Eu acredito que uma peça ou acessório cai no gosto do público por dois
motivos principais: o primeiro é a frequência de exposição, a outra é a identificação
com o personagem, história”, avalia o figurinista. “Saber o que vai virar moda ou não é
sempre uma surpresa. Às vezes, o que a figurinista escolheu achando que ia virar uma
tendência pode não cair no gosto do público; em outras, o que ela escolheu despre-
tensiosamente vira uma febre.”
da TV no BRASIL
O mesmo acontece com as cabeças, dos personagens e dos telespectadores.
“A gente tem que estar acompanhando para poder estar antenado no momento.
O que a brasileira mais assiste é novela. Ela procura as personagens, as atrizes que
estão fazendo sucesso para poder se espelhar”, afirma o cabeleireiro Eder Bueno
Macedo. Com seus mais de 30 anos de profissão, ele já testemunhou inúmeros
cortes e penteados lançados pela TV e que clientes desejaram reproduzir em
seus próprios cabelos. “Os escritores vão criando histórias a partir de imagens da
vida real. Acho isso bacana. Tem que saber escolher seu estilo”, aconselha.

As mais copiadas
O cabeleireiro Eder Bueno recorda-se de alguns íco-
nes da TV brasileira que já movimentaram e ainda agitam
os salões de beleza com seus estilos. “Um dos cortes mais
copiados, ainda hoje comentados, é o da Tônia Carrero
na novela Pigmaleão 70. Até hoje é pedido, com uma
nova releitura, claro. Outros cortes muito copiados foram
Marília Pêra o da atriz Marília Pêra, em Brega & Chique, da Cristiane
em Brega Torloni, em A Gata Comeu, da Vera Fischer, em Perigosas
& Chique Peruas, e da Débora Falabella, em Avenida Brasil”, cita.
(1987): “Outra atriz muito copiada é a Glória Pires.”
outro corte
muito
Para diferentes linhas de corte, referências também
pedido
distintas. “Falando em franjas, as mais famosas até hoje
foram as de Lídia Brondi, em Vale Tudo, e de Alinne
Moraes, em Duas Caras. Febre na época. Em repicados,
o mais famoso é o de Cláudia Raia. Nos tempos mais
atuais, vem o cabelo da Cláudia Abreu, em Belíssima”,
aponta. “A atriz mais copiada atualmente é a Giovanna
Antonelli, e seu cabelo de mais sucesso foi o da novela
Da Cor do Pecado. Ela estava com um cabelo curto, todo
arrepiado atrás, franja toda colorida. Muito lindo”, elogia.
Os vestidos “Algumas histórias possuem personagens com mais
de veludo
apelo estético e isso, consequentemente, se reflete no
da Nazaré,
em Senhora figurino”, revela o figurinista Paulo Vitor. “O trabalho
do Destino do figurinista é conseguir equilibrar essa variante com
(2004) um olhar estético para a TV.” Peças mais simples, que
marcaram o dão mais margem para serem reproduzidas, largam na
figurino da frente nessa corrida, como as blusas ciganinhas da per-
época sonagem Babalu (Letícia Spiller), em Quatro por Quatro.
Paulo Vitor, desde criança, prestava atenção no que o
24 pessoal vestia nas atrações da TV. “Sempre!”, enfatiza.
Suas lembranças sobre os figurinos que lhe marcaram permanecem muito
vivas. “Um que eu me lembro muito é o da personagem Fada Bela (Angélica), no
programa Caça Talentos. Lembro dos figurinos do Castelo Rá-Tim-Bum. De nove-
las, os vestidos de veludo da Nazaré em Senhora do Destino; as roupas branco/
Off white da eterna Carminha, de Avenida Brasil, e por aí vai...” Mais exageradas,
como a viúva Porcina (Regina Duarte), em Roque Santeiro, ou mais sóbrias, como
as Helenas de Manoel Carlos, todos os estilos convivem na TV.
da TV no BRASIL

Nem sempre
dá para seguir
Nem todos podem dizer que têm a versatilidade capilar de
uma Fátima Bernardes, certo? A apresentadora ficou conhecida
por fazer verdadeiras revoluções nos cabelos, deixando às vezes
o público surpreso, perplexo. Certa vez, ela precisou explicar seu
novo visual depois do choque que as pessoas levaram ao vê-la
na bancada do Jornal Nacional. Nem sempre é possível fazer tan-
tas peripécias, ainda que a moda que a TV sugere seja tentadora.
“Nessas horas, temos que explicar que não dá para fazer o que
querem. Já perdi cliente por causa disso”, admite o cabeleireiro
Eder Bueno.

Essa fissura pela moda também já foi abordada nas próprias


atrações da TV, como novelas e séries desse universo. A mais
famosa delas foi Ti-Ti-Ti, de Cassiano Gabus Mendes, que ganhou
duas versões. O cerne da trama era a rivalidade entre dois nomes
da alta costura, Victor Valentim (Luiz Gustavo) e Jacques Leclair
(Reginaldo Faria). Eles foram tão populares nos anos 1980, que a
primeira versão da novela gerou o lançamento de produtos reais,
como o batom Boka Loka. Também de Cassiano Gabus Mendes,
Plumas & Paetês tinha um enredo que envolvia uma empresa do
ramo da moda.

No final dos anos 1980, Antônio Calmon escreveu Top Model,


Babalu (Letícia Spiller), um sucesso absoluto. Depois, no início dos anos 1990, veio a
de Quatro por Quatro minissérie Sex Appeal, que tratava do concorrido mercado das
(1994), ostentava modelos de grife. Em Vale Tudo, de Gilberto Braga e Aguinaldo
blusas ciganinhas Silva, um dos núcleos era a revista de moda Tomorrow. Belíssima,
de Sílvio de Abreu, tinha como cenário uma fábrica de roupas. A
última trama que trouxe esse elemento foi Verdades Secretas, de
Walcyr Carrasco, mostrando os lados obscuros desse meio. E Wa-
lcyr criou ainda, em A Dona do Pedaço, a influencer de moda Vivi
Guedes (Paloma Oliveira), que virou fenômeno nas redes sociais.

25
Quem lembra dessas modas?
AS BOCAS DE SINO – Nos anos 1960 e 1970, as calças bocas
de sino, camisas bufantes e, depois da chegada da cor à TV, um
verdadeiro arco-íris na telinha, alimentavam os sonhos de consumo
do público, dos programas da Jovem Guarda da Record a Beto
Rockfeller, da Tupi.
da TV no BRASIL
COSTELETAS JORNALÍSTICAS – A cena parece insólita, mas
nos anos 1970, Cid Moreira e Sérgio Chapelin, na bancada do Jornal
Nacional, ostentavam vistosas costeletas, cabelos volumosos, ternos
com cortes da moda e cores berrantes. Difícil prestar atenção nas
notícias.

IDEAL DE BELEZA – Há quem diga que não houve mulher


mais bonita que Tônia Carrero. Quando a dama do teatro, com sua
elegância natural, migrou para a TV, lançou moda em novelas como
Pigmalião 70 (cabelos cheios) e Água Viva (a prática do top less).

LIBERDADE EM MADEIXAS – Os cabelos soltos foram marca


nos libertários anos 1970, com a beleza de Sônia Braga liderando as
tendências, seja como a trigueira Gabriela, seja como a empoderada
Júlia de Dancin’ Days. Combinavam bem com vestido de chita ou
bustiê.

O FRENÉTICO DANCIN’ DAYS – Abra suas asas, solte suas feras!


A novela Dancin’ Days trouxe o universo da discoteca, com roupas
descoladas e coloridas para homens e mulheres e a inconfundível
meia colorida associada a sandálias abertas. Conjunto confortável
para dançar.

UM CORTE INESQUECÍVEL – Maria Cláudia chamava a atenção


na novela Plumas e Paetês com um corte de cabelo que seria
recorrente nos anos 1980. Ele formava um grande volume, curto
na frente, enorme atrás. Modelo que depois migrou para a música,
adotado por vários artistas.

O CHANEL CHIQUE – Uma das personagens mais hilárias das


novelas brasileiras foi capaz, ainda, de lançar um corte de cabelo
copiadíssimo. O chanel negro da falida Rafaela, de Brega & Chique, é
inesquecível. Ponto para a elegância e o talento de Marília Pêra.

AS GAROTAS DO FANTÁSTICO – Nos anos 1980, a audiência


masculina do programa Fantástico era vitaminada pelo concurso
Garotas do Fantástico. Os minúsculos biquínis nos modelos asa delta,
na frente, e fio dental, atrás, viraram moda, ousadias levadas para as
praias do País.

AS BOTAS DA XUXA – O programa era para o público infantil,


mas Xuxa, além de Rainha dos Baixinhos, também foi a rainha dos
acessórios, que iam de pulseiras à chuquinha no cabelo. Mas nada se
compara às quilométricas botas, que iam acima dos joelhos. Muita
26 gente usou.
O PODER DO COURO – Protagonista da novela Fera Radical, Malu
Mader surgia na tela vestindo jaquetas de couro, calças jeans e outros
acessórios que denotavam sensualidade e um certo poder rústico. Não
deu outra. As peças, fáceis de combinar, viraram moda.

AS VIAGENS DE GLÓRIA PEREZ – As novelas da escritora têm marcas


registradas: tramas em países exóticos, dancinhas típicas e toda sorte de
elementos que viram febre nos figurinos. A pulseira que também era anel,
da TV no BRASIL peça usada em O Clone, virou artigo de primeira necessidade.

A SUNGUINHA DO GALÃ – Carlos Alberto Riccelli era mostrado em


numerosas cenas da novela Vale Tudo usando sungas para lá de cavadas.
Nos anos 1980 e 1990, o modelo era muito comum entre os homens.
Depois caiu em desuso, substituído por peças mais recatadas.

ACESSÓRIOS DE PANO – Sandrinha (Adriana Esteves), de Torre


de Babel, popularizou um diadema feita de tecido. Antes, os irmãos
interpretados por Guilherme Fontes e Guilherme Leme, usavam, em
Bebê a Bordo, lenços, inserindo essa peça no vestuário masculino.

E AQUELAS OMBREIRAS? – Uma das modas mais populares – e


mais feias – legadas pelos anos 1980 foram as imensas ombreiras,
colocadas em ternos, jaquetas, blusas. Nas novelas, elas eram
onipresentes. Apresentadores, como Gugu e Xuxa, as adotaram. E o
público também.

BLACK POWER – Demorou para que os cabelos crespos fossem


aceitos na TV, em novelas e telejornais. Mais um sinal do racismo estrutural
da sociedade brasileira. A partir do momento que atrizes e jornalistas
negras ganharam destaque, puderam assumir a beleza de seus fios.

GÓTICO SOFT – Roupas negras e maquiagem escura, da sombra ao


batom. O visual gótico conquistou os adolescentes do início dos anos
1990 graças à novela teen Vamp, de enorme sucesso. Os vampiros soft
da TV eram copiados por meninas e meninos.

SENSUAIS E PODEROSAS – Algumas personagens conseguiram


fazer de peças de roupa íntima algo mais que isso. Tieta (Betty Faria)
mostrava sutiãs de renda vermelha ou preta com naturalidade. Mais
recentemente, Bibi Perigosa (Juliana Paes) era adepta de body cavados. 

AS CAMISAS DO ALQUIMISTA – Camisas de algodão cru de mangas


compridas, sem gola, com uma fileira de botões na frente que ia até a
altura do peito. Esse visual conquistou os homens nos anos 1990 graças ao
personagem Flamel (Edson Celulari), da novela Fera Ferida.

27
HUMOR NA TV

da TV no BRASIL

Chico Anísio
como Salomé:
crítica à
ditadura
militar

Programas Sete décadas de gargalhadas


de humor

C
hico Anysio, travestido de uma senhora gaúcha, pega o telefone e dispa-
figuram entre ra, no melhor sotaque dos pampas: “João Baptista? É Salomé!” Em plena
as principais ditadura militar, o presidente João Baptista Figueiredo era satirizado pela
personagem do maior criador de tipos da história do humor na TV do Brasil, em
atrações da TV esquetes que não perdoavam as mazelas de um País que vivia sob censura. Em
em sua história horário nobre da Globo, Chico levava ao público uma crítica contundente que
os telejornais não eram autorizados a fazer. Este é um dos papéis que o humor
no Brasil, desempenhou por aqui.
transformando- Nos seus 70 anos de história, rir fez parte do cotidiano de quem assiste TV nas mais
se no decorrer diversas emissoras do País. Já nos seus primeiros anos, alguns formatos humorísticos
das décadas migraram do rádio para a nova mídia. Certos quadros, como o Primo Rico e Primo
Pobre, interpretados pelos veteranos Paulo Gracindo e Brandão Filho, por exemplo,
e traduzindo atravessaram décadas, fazendo aparições em vários programas. Outros nasceram
nossa num formato para a TV, mas com tipos trazidos do circo e do rádio, como A Praça da
Alegria, que estreou na Tupi ainda em 1953.
mentalidade e
vida pública Explorando a lógica dos vaudevilles franceses e as peças de Teatro de Revista
brasileiros, o riso na TV nacional buscou sua identidade, seja com fórmulas que
apostavam na picardia, em piadas de cunho sexual, quanto num humor mais
inocente, ou mesmo físico, algo mais inspirado em comediantes clássicos do ci-
nema, como a dupla O Gordo e o O Magro, Buster Keaton, Irmãos Marx e Charles
Chaplin. Dessa variedade de opções, a TV brasileira foi encontrando seu próprio
28 jeito de fazer um público imenso e heterogêneo rir ao mesmo tempo.
Logo vieram os comediantes de destaque, muitos deles iniciados também no
rádio, no circo ou nas comédias da Atlântida dos anos 1940 e 1950, grande labo-
ratório de roteiristas, atores e atrizes que se tornaram populares da maior parte do
público brasileiro por meio da TV. Puxados pelo carisma da imbatível dupla Oscarito
e Grande Otelo, outros rostos estrearam naquela época, para, nas décadas seguintes,
virarem referência no novo meio. Em certa escala, as chanchadas da telona migra-
ram para a telinha, com outros recursos e armas.

da TV no BRASIL Os programas de humor ganharam mais vigor na TV brasileira nos anos 1960,
sobretudo na Record e na Excelsior. Nelas, Ronald Golias aprontava confusões na
Família Trapo e Moacyr Franco mostrava seus múltiplos talentos de ator, cantor e
comediante em Moacyr Franco Show. É
quando a Globo, inaugurada em 1965,
entra nessa disputa, primeiro com Balança,
Mas Não Cai, em 1968, e depois com Faça
Humor, Não Faça Guerra. Por trás dessas
produções, havia nomes como Carlos
Manga e Max Nunes, roteiristas e diretores
provindos do cinema e do rádio.

Nos anos 1970, os programas ganha-


ram contornos mais políticos em razão do
aperto do cerco da ditadura. Mesmo em
atrações aparentemente inocentes, como
a pioneira versão de A Grande Família,
levada ao ar a partir de 1972 pela Globo,
havia o olhar do autor Oduvaldo Vianna
Jô Soares em uma Filho, o Vianinha, notório militante de esquerda que inseria nas situações cotidianas
das esquetes do
dos roteiros as agruras econômicas de um típico núcleo familiar brasileiro e seus
seu Viva o Gordo
perrengues financeiros, desmentindo a narrativa do Milagre Econômico vendida
pelos militares.

Um dos expoentes daquela nova fase dos humorísticos que cutucavam nas
feridas do País foi Chico Anysio, que estreou seu Chico City na Globo em 1973, por
O quadro Primo onde desfilavam personagens que tinham a língua ferina e o comportamento
Rico, Primo Pobre desprezível, incluindo aí coronéis autoritários e políticos corruptos. Nos programas
foi um dos grandes que faria depois, Chico Anysio acrescentaria a essa galeria um líder religioso pilantra,
sucessos da TV gente que dava carteiradas para conquistar privilégios, moralistas que tinham vidas
secretas para lá de animadas. Um quadro comple-
to do Brasil, enfim.

Logo, Chico ganhou a companhia de Jô Soares


nesse terreno, que também criou personagens
críticos, sobretudo nos anos 1980, época de
uma redemocratização cheia de vícios. Em Veja
O Gordo e Viva o Gordo, Jô fazia graça, já na
abertura, com figuras proeminentes da vida real –
nem o papa João Paulo II escapava –, ironizando
seres autoritários nostálgicos da ditadura ou
vítimas do regime que custavam a acreditar que
aquele período tenebroso havia acabado. Jô
tinha a bagagem de ter trabalhado no jornal O
Pasquim, pedra no sapato do autoritarismo.
29
da TV no BRASIL

Ronald Golias e Grande Otelo

Os Mestres da Alegria
Por muitos anos, Chico Anysio e Jô Soares, na Rede Globo, e Carlos Alberto
de Nóbrega, titular no SBT há mais de 30 anos do banco da Praça É Nossa,
herdado de seu pai, Manuel de Nóbrega, foram portos-seguros para comediantes
veteranos que ajudaram a construir o humor na TV brasileira. Em seus programas,
verdadeiras entidades da área, como José Vasconcellos, Zezé Macedo, Walter
D’Ávila, Lúcio Mauro, Costinha, Antônio Carlos Pires, Moacyr Franco, Zilda
Cardoso, Grande Otelo e Brandão Filho, continuaram no dia-a-dia do público.
José Vasconcelos
Ao mesmo tempo, essas atrações também revelaram novos nomes do humor,
como Tom Cavalcante, Cláudia Jimenez, Fafy Siqueira, Heloísa Perissé, Ingrid
Guimarães, Marcius Melhem, Leandro Hassum e o próprio filho de Chico Anysio,
Bruno Mazzeo. Além disso, popularizaram tipos que se tornaram sinônimos
de certas situações brasileiras, gravando bordões em nossa memória. Dona
Bela, Catifunda, Rolando Lero, a Velha Surda, Bronco, Baltazar da Rocha e João
Canabrava viraram “pessoas” e não apenas personagens.

Esses mestres do humor ajudam-nos a contar um pouco de nossa história para


Costinha além da TV. Pensar no quarteto dos Trapalhões, por exemplo, é também falar de
uma infância passada nos anos 1970 e 1980, quando a criançada ficava ansiosa para
ver Didi, Dedé, Mussum e Zacarias no cinema. Dercy Gonçalves, que chegou a ter
programas próprios nos anos 1970, tornou-se conhecida por seu vocabulário sem
pudores, desafiando estereótipos em relação a pressões de comportamento que
sempre pesou sobre as mulheres em uma sociedade machista.

A TV também abriu espaço para que comediantes do cinema chegassem a


outros públicos sem sair de seu habitat. Foi o caso de Mazzaropi, astro de seus
30 filmes em que interpreta um caipira que transitava entre a inocência absoluta e a
da TV no BRASIL

Carlos Alberto de
Nóbrega (direita) em
um dos quadros de
sucesso do A Praça é
Nossa: a velha surda

matreirice sábia do interior. Os chamados shows de um homem só não ficaram


de fora, com programas de auditório abrindo oportunidade para esses artistas do
teatro, como as sessões de piadas fortes de Ary Toledo no programa Sílvio Santos,
as canções do menestrel Juca Chaves ou os causos de Rolando Boldrin.

Com o envelhecimento e a morte de muitas dessas referências, outros


tomaram seus lugares. Já nos anos 1980, novos roteiristas inseriram mais ousadia
nas atrações, como a trupe da TV Pirata e do Casseta & Planeta. As chamadas
sitcoms, modelos de programas cômicos muito populares nos EUA, ganharam
mais terreno no Brasil, com maior produção de séries desta natureza por aqui,
sobretudo na Rede Globo, como as criadas por Miguel Falabella (Toma Lá, Dá Cá
e Pé na Cova) e Cláudio Paiva (Tapas & Beijos), que voltou ao ar em reprises.

O seriado
mexicano Chaves
ficou no ar no Os enlatados de sucesso
SBT por mais
de 35 anos Se foi sem querer querendo, não sei, mas que o sucesso veio com tudo e para ficar,
ininterruptos já não resta dúvidas. O sucesso tão longevo e insuspeito como o do seriado Chaves,
que ficou no ar no SBT por mais de 35 anos ininterruptamente – ainda
mais em se tratando de um produto produzido no México ainda nos
anos 1970 –, é um fenômeno cuja explicação talvez nem mesmo seja
mais necessária. Em termos de programa de humor, com a famosa
claque (a risada artificial inserida na cena), nenhum enlatado conquistou
tantos fãs no Brasil quanto este.

Outras atrações vindas do exterior foram muito apreciadas. A


romântica e inocente Jeannie É um Gênio fez sucesso na TV brasileira
nos anos 1970. Nos anos 1980, a Globo manteve nos finais da tarde
um horário para as sitcoms norte-americanas, como As Super Gatas e
O Poderoso Benson. A chegada da TV a cabo permitiu que fenômenos
dos EUA fossem vistos simultaneamente aqui, como as séries Seinfeld,
Friends, Two And a Half Man, Modern Family e The Big Bang Theory, além de
31 programas de humor, como Saturday Night Life.
Os clássicos do riso
A PRAÇA DA ALEGRIA – “A mesma praça, o mes-
mo banco…” A música veio bem depois da estreia
na TV Tupi, em 1953, mas também está ligada à Praça
da Alegria, de Manuel da Nóbrega, e depois à Praça
é Nossa, de seu filho Carlos Alberto. Um clássico com
da TV no BRASIL quase 70 anos.

FAMÍLIA TRAPO – Programa que misturava tea-


tro e TV, como muitas atrações das primeiras décadas
da televisão no Brasil, a Família Trapo era capitaneada
por Ronald Golias e tinha no elenco um jovem Jô
Soares (um de seus criadores) e o comediante Rena-
to Corte Real.

BALANÇA, MAS NÃO CAI – O programa foi criado


inicialmente na Rádio Nacional, nos anos 1950, por Max
Nunes e Paulo Gracindo, mas só estreou na Globo em
1968, dirigido por Lúcio Mauro. Era um grande cortiço,
em que os mais absurdos e engraçados personagens
conviviam.

A GRANDE FAMÍLIA – Sua primeira versão foi


ao ar em 1972 e tinha Eloísa Mafalda, Jorge Dória
e Brandão Filho nos principais papéis. A segunda
versão começou a ser exibida na Globo em 2001 e
durou até 2014, com Marieta Severo e Marco Nanini
vivendo o casal Lineu e Nenê.

O PLANETA DOS HOMENS – Jô Soares e Agildo


Ribeiro eram os anfitriões deste humorístico, que
ironizava nosso comportamento de cada dia, em uma
brincadeira com o filme O Planeta dos Macacos. Até
um símio, o macaco Sócrates, ganhou vida na atração
criticando os humanos.

CHICO CITY – Chico Anysio teve seu primeiro


programa-solo de humor na Globo a partir de 1973.
Ali já apareciam alguns de seus personagens mais
famosos, como Azambuja e Coronel Limoeiro. Chico
teria várias atrações, como Chico Anysio Show, nos
anos 1980.

OS TRAPALHÕES – Sucesso na Excelsior em 1966


como Adoráveis Trapalhões, a atração, com várias
formações – mas sempre com Renato Aragão e Dedé
Santana no elenco – passou pela Record (Os Insociá-
veis) e Tupi, antes de chegar à Globo em 1977, já com
32 Mussum e Zacarias.
ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO – Pro-
grama criado em 1952 na Rádio Mayrink Veiga pelo
radialista e humorista Haroldo Barbosa, sua estreia na TV
foi em 1957, na TV Rio. Chico Anysio o manteve como
quadro de seus projetos até virar uma atração própria.
Inesquecível.

da TV no BRASIL VIVA O GORDO – Jô Soares já havia escrito e


atuado em vários programas de humor na Globo,
como Faça Humor, Não Faça Guerra e Satiricom,
quando ganhou uma nova atração, o Viva o Gordo.
Fez questão de trabalhar com amigos antigos, como
Paulo Silvino e Francisco Milani.

TV PIRATA – Em uma metanarrativa até então


inédita na TV, o programa reuniu atores que faziam
comédia, mas não eram reconhecidos como
comediantes, como Marco Nanini, Ney Latorraca,
Diogo Vilela, Débora Bloch, Regina Casé e Cláudia
Raia. Foi revolucionário.

SAI DE BAIXO – De uma ideia de Luiz Gustavo,


com execução de Daniel Filho, as noites de domingo
ganharam a graça de personagens como o escroque
Caco Antibes (Miguel Falabella), a tonta Magda
(Marisa Orth) e o porteiro Ribamar (Tom Cavalcante).

CASSETA & PLANETA – Parte dos roteiristas da


TV Pirata adivinha deste grupo, junção dos jornais
satíricos Planeta Diário e Casseta Popular, formado
por Bussunda, Hélio de La Peña, Hubert, Marcelo Ma-
dureira, Beto Silva, Cláudio Manoel e Reinaldo. Sátira
total à política e à TV.

COMÉDIA MTV – Num estilo mais anárquico, a


MTV levou ao ar um tipo de programa que influiu até
nos programas da Globo. Não à toa, alguns de seus
nomes, como Marcelo Adnet, Tatá Werneck e Dani
Calabresa, foram desenvolver projetos na emissora
carioca.

ZORRA – Por mais de uma década apostando no


humor físico e nas piadas de cunho sexual, o Zorra
Total ocupou as noites de sábado da Globo, até o
formato ser substituído por algo mais crítico e atual,
o Zorra, com paródias da cena política e sátiras de
situações do cotidiano.
33
ESPORTE

da TV no BRASIL

Seleção campeã
do mundo em
1958, na Suécia

Copas do Paixões nacionais


Mundo,

Q
uando a TV brasileira foi inaugurada, em setembro de 1950, o Brasil vivia
Olimpíadas, um de seus maiores traumas esportivos, um luto que se abatera sobre
o País dois meses antes. Em 16 de julho daquele ano, cerca de 200 mil
Fórmula 1 e até pessoas no Maracanã viram a Seleção Brasileira de futebol perder a final da
campeonato primeira Copa do Mundo disputada no Brasil, levando 2 x 1 do Uruguai, no que
ficou conhecido como Maracanazo. O Brasil nunca havia sido campeão e ainda
de sinuca. A TV esperaria 8 anos para ter este sonho realizado. A TV nasceu por aqui num ano
brasileira, em esportivamente fatídico.
seus 70 anos, O esporte foi uma das armas do novo veículo para conquistar público, ainda
alimentou a que houvesse pouquíssimos aparelhos de TV disponíveis para receber essas ima-
gens pioneiras. Em um estudo apresentado na USP sobre as transmissões espor-
paixão por todos tivas na televisão brasileira, Henrique Gasparino resgata a informação de que a TV
os esportes Tupi, primeira emissora do País, colocou no ar, ainda em seu início, o programa
Vídeo Esportivo, apresentado por Aurélio Campos. O primeiro jogo transmitido
e produziu foi um Palmeiras x São Paulo, no Estádio do Pacaembu, em outubro de 1950.
instantes
Nos anos seguintes, questões estruturais permaneceram sendo obstáculos
memoráveis difíceis de superar para uma maior popularização das transmissões esportivas
pela TV. O rádio continuou a ser o modo preferido do público para acompanhar
os grandes clássicos e até a Copa do Mundo, uma vez que quando se falava em
esporte, todo mundo logo pensava em futebol, claro. Os fãs de esportes olím-
picos aguardariam ainda mais para conseguir ver na TV as modalidades serem
disputadas. A primeira transmissão de Olimpíadas no Brasil foi em 1972, direto da
34 Alemanha.
Seleção Brasileira
masculina de vôlei,
medalha de ouro nos
Jogos Olímpicos de
Barcelona, em 1992

da TV no BRASIL

Depois da inauguração da Rede Globo, em 1965, a Tupi e a Record passaram a ter


uma forte concorrência. Com os satélites à disposição, o brasileiro passou a ver, além
de seu sagrado futebol dos domingos, eventos internacionais. Já em 1972, a Globo
transmitiu o primeiro título de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1, inaugurando no País
um novo gosto pelo automobilismo. A emissora, aliás, trabalhou para que o Brasil fosse
incluído no calendário das corridas, o que só ocorreu em 1973, em Interlagos.

O início dos anos 1970 foi o ponto de virada para a inclusão


do esporte em horários nobres das emissoras brasileiras. A Copa
do Mundo do México, em 1970, os Jogos Olímpicos de Muni-
que, em 1972, a vitória na Fórmula 1 de Emerson, também em
1972, abriram os olhos das TVs para este nicho lucrativo. Nos
anos 1980, as competições de diferentes modalidades fizeram
ainda mais sucesso, com direito a algumas loucuras. Várias delas
foram promovidas pela TV Bandeirantes, que priorizou o esporte
em sua programação, sobretudo aos domingos.

Com o Show do Esporte, comandado por Luciano do Valle, o


Emerson Fittipaldi
telespectador tinha a oportunidade de acompanhar de tudo um
pouco. O futebol europeu pelas manhãs, modalidades olímpicas
e amadoras durante a tarde, futebol nacional e mesa-redonda no final da noite. Além
dos craques do gramado, era possível ver as tacadas de Rui Chapéu na sinuca, as lutas
do boxeador Maguila, jogos de basquete, de tênis de mesa, quadra e, claro, de vôlei.

Entrou para a história o desafio de vôlei internacional que a emissora e Luciano pro-
gramaram para o Maracanã em 1983, um embate entre Brasil e a União Soviética. Uma
quadra foi montada no gramado do estádio e quase 96 mil pessoas (o que ainda é um
recorde de público absoluto na modalidade) foram até lá para ver aquele time que,
um ano depois, chegaria à final olímpica dos Jogos de Los Angeles. Aquele evento foi
fundamental para a popularização do esporte no Brasil, que passou a ser o segundo
mais apreciado por aqui, só atrás do futebol.

Nas últimas três décadas, com coberturas mais grandiosas, novas tecnologias de
captação de imagens e de som, uso de computação gráfica e estruturas gigantescas
de transmissão, o esporte ganhou mais visibilidade ainda. Veio a TV a cabo, com canais
exclusivos para as competições, como SporTV, ESPN, Fox Sports. Campeonatos do ex-
terior, como a NBA e a NFL, dos Estados Unidos, conquistaram fãs e audiência. E o Brasil
descobriu, via TV, ídolos na ginástica, na natação, na canoagem, no judô, nos games,
35 no salto em vara, no surf, no MMA...
da TV no BRASIL

Pelé
comemora
gol durante
a Copa do
Mundo de
1970, no
México

As Copas na TV
Estima-se que na Copa do Mundo de 1954, a primeira a ser realizada após a intro-
dução da televisão no Brasil, não havia nem 40 mil aparelhos de TV no Brasil e quase
nenhum tinha tecnologia para captar os jogos, já que as transmissões por satélite
ainda não estavam disponíveis. Viagens internacionais eram caríssimas, mas mesmo
assim, emissoras como Tupi e TV Rio investiam pesado e improvisavam no que po-
diam. E tudo dependia dos canais do exterior, nem sempre em condições melhores
para oferecer imagens e som dos mundiais.

Esse quadro melhorou, mas não mudou substancialmente nos anos seguintes. O
brasileiro não pôde ver ao vivo pela TV os dois primeiros títulos mundiais do Brasil.
Em 1958, a transmissão da Copa da Suécia ficou na mão de um pool de emissoras
da Europa, a Eurovisão, mas a Tupi colocou no ar, no ano anterior, um programa
especial, o Panair na Copa do Mundo, em que Oduvaldo Cozzi, narrador de jogos
na TV e no rádio, entrevistava personalidades da bola. Uma equipe da emissora foi
enviada a Estocolmo para produzir reportagens.

Isso não quer dizer que o público ficava totalmente órfão dos jogos do Brasil na
Copa. Trechos das partidas e os confrontos contra França (semifinal) e Suécia (final)
foram gravados em filmes de 16 milímetros, chamados de kinescópios, e transporta-
dos para cá por aviões. Esse material era exibido na Tupi do Rio de Janeiro e de São
Paulo e na TV Itacolomi, de Belo Horizonte, com o acréscimo de comentários. Tudo
só pôde ser visto alguns dias depois da realização dos jogos. No rádio, era possível
acompanhar a partida no momento da disputa.

No bicampeonato, em 1962, no Chile, os brasileiros tiveram mais agilidade. A Tupi


36 e a Record formaram uma sociedade e, por a Copa do Mundo estar bem mais pró-
da TV no BRASIL

Neymar disputa bola


em jogo do Brasil
contra a Croacia, na
Copa do Mundo de
2014, no Brasil

xima de nós, os jogos foram exibidos um dia depois de sua realização. Foi estudada
uma forma de se transmitir os sinais do país sul-americano para as antenas das emis-
soras, mas havia uma Cordilheira dos Andes no meio do caminho, o que impediu a
operação. Vinte emissoras de TV no Brasil conseguiram exibir os jogos, com mesmas
imagens e narrações. Era um prenúncio.

Em termos de transmissões esportivas, a TV brasileira só chegaria à maioridade na


Copa do Mundo de 1970, quando o Brasil foi tricampeão. O sistema Embratel entra-
ra em funcionamento e as emissoras responsáveis por gerar o sinal diretamente do
México também contavam com equipamentos mais modernos. Esta foi a primeira
Quando a Copa, aliás, transmitida em cores, mas não para o Brasil, que ainda não havia incor-
cor chegou à porado essa tecnologia. O País viu a Copa em preto e branco, mas, pela primeira vez,
ao vivo, por Tupi, Globo e emissoras independentes.
TV brasileira,
pudemos ver Dividida entre várias emissoras, a transmissão foi fatiada. Parte dos jogos era
narrada por profissionais da Globo, outra parte pelo pessoal da Tupi, uma terceira
o amarelo da pelo grupo das emissoras menores. Também ali foi inaugurado o modelo de fazer
seleção de a transmissão para locais públicos, já que nem todo mundo tinha aparelho de TV
em casa. Quase todos os Estados receberam o sinal, em uma rede de antenas dis-
Pelé, Tostão, tribuídas pelo País. Quando a cor chegou à TV brasileira, pudemos ver o amarelo
Rivelino, da seleção de Pelé, Tostão, Rivelino, Gerson e Jairzinho.
Gerson e Aquela Copa do Mundo traz uma marca que entrou na crônica política brasileira.
Jairzinho O Brasil vivia o período mais sangrento e opressor da ditadura militar e o presidente
Médici conseguiu que o então técnico da Seleção, o jornalista João Saldanha, comu-
nista assumido, fosse removido do cargo. Saldanha acabou comentando o Mundial
pela Globo. Quando os campeões voltaram, o governo associou sua imagem à dos
jogadores, como se eles fossem garotos-propaganda do regime. Paulo Maluf, prefeito
biônico de São Paulo, deu um Fusca a cada um dos atletas.

Nos insucessos de 1974 e 1978, a conotação política já não foi tão forte e em 1982,
o Brasil assistiu, extasiado, ao jogo bonito de um time que parecia mágico. Mas a
mágica perdeu para o pragmatismo italiano e mais derrotas vieram em 1986 e 1990.
Só em 1994, o Brasil voltou a comemorar uma nova conquista da Copa, com a cena
final de um Galvão Bueno descontrolado gritando, abraçado a Pelé: “É tetra! É tetra!”.
O narrador também seria a voz mais emblemática da conquista de 2002 e até do 7x1
37 que levamos da Alemanha, em nosso vexame em casa.
Momentos
inesquecíveis
AS VITÓRIAS NAS PISTAS – As manhãs e ma-
drugadas de domingo ganharam uma trilha sonora.
A primeira vez que se pôde ouvir o chamado Tema
da TV no BRASIL da Vitória foi em um êxito de Nelson Piquet, mas foi a
Ayrton Senna que ele ficou associado. A TV mostrou
os três títulos de ambos, além do bicampeonato de
Emerson Fittipaldi, além de sua vitória nas 500 milhas
de Indianápolis.

AS MEDALHAS DO VÔLEI – Depois de bater na


trave em 1984, o vôlei caiu nas graças do público,
sobretudo após a medalha de ouro olímpica nos jogos
de Barcelona, em 1992. Em 1996, a TV mostrou a final
olímpica do vôlei de praia feminino em Atlanta, em que
as duas duplas eram brasileiras. Até mesmos as brigas
das jogadoras do Brasil e de Cuba eletrizaram a torcida.

GUGA, O REI DE ROLAND GARROS – No ritmo


Ayrton Senna dos uivos que Gustavo Kuerten, o Guga, soltava a
cada raquetada que dava, o Brasil viu pela televisão
um sonho se realizar. Maria Esther Bueno, a mais
vitoriosa tenista brasileira, ganhou seus títulos sem
a TV para mostrar. Já Guga ganhou três títulos de
Roland Garros (1997, 2000 e 2001) sob as lentes do
mundo. Era o rei de Paris.

VENCEMOS OS MAIORAIS – A vitória sobre a po-


derosíssima seleção de basquete dos EUA foi histórica
naquela final dos Jogos Pan-Americanos de 1987, em
Indianápolis. Oscar Schmidt, o Mão Santa, virou ídolo,
assim como a dupla Hortênsia e Magic Paula, campeãs
de outro Pan-Americano, desta vez em Cuba, em 1991,
com direito a reverência de Fidel Castro.
Hortência Marcari
TORPEDOS NAS PISCINAS – 21 segundos e meio.
Nesse brevíssimo espaço de tempo, uma piscina de 50
metros de comprimento foi atravessada por um ver-
dadeiro projétil em forma de nadador. A TV brasileira
mostrou a consagração de César Cielo nas Olimpíadas
de Pequim, em 2008, como também acompanhou as
de Gustavo Borges, Xuxa, Thiago Pereira, Ricardo Prado.

FEITOS IMPRESSIONANTES – O País viu João


do Pulo subir no pódio das Olimpíadas de Montreal,
em 1976, e de Moscou, em 1980, no salto triplo, assim
como seu drama, ao perder uma perna em um aci-
dente em 1981. A TV não conseguiu mostrar os ouros
João Carlos de Oliveira, olímpicos, na mesma modalidade, de Adhemar Ferreira
o João do Pulo
38 da Silva em 1952, em Helsinque, e 1956, em Melbourne.
Nós conhecemos
essas vozes
GALVÃO BUENO – Ele nasceu uma semana depois do
Maracanazo. E quem poderia imaginar que as finais de Copa
do Mundo seriam uma de suas marcas. Galvão Bueno tornou-
da TV no BRASIL -se, nas últimas décadas, a principal voz da TV brasileira nos
maiores eventos esportivos, semeando bordões que entraram
no imaginário dos telespectadores, que se dividem entre os
que o amam e os que o odeiam. Fato é que a conquista do
tetracampeonato pela Seleção Brasileira e as vitórias de Ayrton
Senna não entrariam em nossa memória da mesma forma sem
os gritos de Galvão.

SÍLVIO LUIZ – Seu primeiro contato com o futebol foi como


árbitro. Não demorou muito para que Sílvio Luiz trocasse o apito
pelo microfone, primeiro como repórter de campo, depois
como narrador nas cabines. Com um estilo irreverente, ele mos-
trou que narrar um jogo pode ser algo engraçado, uma espécie
de papo informal com os amigos, com comentários hilários.

LUCIANO DO VALLE – Considerado por muitos de seus


colegas um dos narradores mais técnicos que a TV brasileira
já produziu, Luciano do Valle também era um empreendedor,
montando projetos e revolucionando os modelos de contra-
tação de profissionais da área, que passaram a ser sócios de
determinadas emissoras para programas determinados. Luciano
é reconhecido como um dos mais importantes incentivadores
do vôlei no Brasil – passou a ser chamado de Luciano do Vôlei –
trouxe a Fórmula Indy para o Brasil e nos apresentou a NBA.

RUI PORTO – Ele já era uma voz conhecida no rádio quando


passou a integrar equipes das primeiras emissoras de TV na área
esportiva. Chegou a ser repórter da cobertura da área na TV Tupi
antes de se transferir para a Globo, onde narrou as Copas de
1970 e 1974. Um de seus netos, Roby Porto, também se tornou
narrador esportivo em canais da TV fechada.

OSMAR SANTOS – Dono de um carisma absoluto, Osmar


Santos fez boa parte de sua carreira no rádio, mas nos anos 1980
migrou para a TV, tornando-se o principal narrador da Rede Glo-
bo e até apresentador de programas de auditório. Além disso,
Osmar, que interrompeu sua carreira após um grave acidente de
carro, foi a voz das Diretas Já, mestre de cerimônia nos comícios.

LÉO BATISTA – Ele não foi narrador, mas sua presença


passou a ser regular na TV Globo nas últimas cinco décadas.
Apresentador – do Globo Esporte e até do Jornal Nacional –, Léo
chegou a apresentar luta de boxe dentro do ringue, ao mesmo
tempo que já fazia carreira no rádio – ele anunciou a morte de
39 Getúlio Vargas na Rádio Globo. Memória viva da TV.
ANIMADORES DA TV

da TV no BRASIL

Silvio Santos Hebe Camargo

Em suas Os donos do palco


diferentes áreas
de atuação,
R
oda, roda e avisa! Um minuto pro comercial! E o Chacrinha continuava balan-
çando a pança. E buzinando a moça e comandando a massa. E continuava dan-
homens e do as ordens no terreiro, com sua indumentária tropicalista, sua voz anasalada
mulheres herdada do rádio, sua impiedade ao gongar calouros e a jogar postas de bacalhau e
imensas mandiocas em cima da plateia. Uma anarquia por onde desfilaram os maio-
tornaram- res nomes da música brasileira no palco, os grandes ídolos das novelas em seu júri e
se familiares que rompeu barreiras que redefiniram as fronteiras da TV brasileira.

a diferentes Chacrinha pertence àquele grupo de personalidades que não só deixaram marcas
gerações que registradas em seus programas, mas redesenharam os contornos do próprio veículo
de comunicação. O sofá de Hebe Camargo tornou-se sinônimo de entrevistas das
acompanharam quais poderiam sair revelações inusitadas e que era um espaço de encontros inima-
os 70 anos da gináveis. O imenso microfone pendurado no colarinho e a voz e a risada inconfun-
díveis de Sílvio Santos viraram a senha não só de seus programas dominicais, mas a
história da TV referência para os animadores de auditório que vieram depois.
no Brasil
Desde que entrou no ar em setembro de 1950, a TV brasileira produziu nomes e
tipos que guiaram seus destinos e criaram familiaridade com o público já na emissora
pioneira, a Tupi. Pouco tempo depois de entrar no ar, seus executivos perceberam que
programas de auditório eram um nicho a ser explorado. Uma receita que já vinha do
rádio, mas que precisava passar por algumas adaptações. As atrações necessitavam
ser mais coloridas, com algumas boas doses de sensacionalismo, com bastante
música e certos toques de suspense fabricado.

Essa linha de shows ganhou o horário nobre e ajudou a conquistar público mais
extenso para a TV, o que também havia ocorrido nos EUA. Um dos primeiros a palmi-
lhar esse terreno foi J. Silvestre, que estreou na Tupi em 1955, com o famoso O Céu é
o Limite. Um de seus feitos foi ter alcançado a incrível marca de 84 pontos no Ibope.
Uma febre nacional. Em 1956, o Almoço com as Estrelas, comandado pelo casal
Hairton e Lolita Rodrigues, estreou no canal, ocupando as tardes de sábado. Mais uma
40 ideia importada do rádio que deu certo.
Ao lado das novelas e dos telejornais, assistir TV significava também ficar ligado
nesses apresentadores em ação. Isso desde o início. Hebe Camargo gostava de
repetir a história de que só não participou da primeira transmissão da Tupi, em 18 de
setembro de 1950, porque “estava namorando”. Mas seu lugar estava reservado. Sua
estreia foi na TV Record, em 1966, com breves passagens por uma Tupi já nos seus
últimos suspiros e pela Bandeirantes, antes de se consagrar no SBT. Quem a con-
da TV no BRASIL tratou sabia da força de tais grifes televisivas. Na TV Paulista, em 1962, Sílvio Santos
surgiu na frente das câmeras pela primeira vez, em um game show, algo que saberia
explorar como ninguém. O ex-camelô sabia vender produtos e a si próprio. Seu
horário era comprado no canal e essa relação continuou quando a Globo adquiriu a
Paulista. Sim, Sílvio Santos, por dez anos, foi o rei dos domingos na Globo, antes de
fundar seu próprio canal, a TVS, depois rebatizado de SBT.

Em shows de calouros, em games valendo 1 milhão de reais – “em barras de ouro,


que valem mais do que dinheiro!” –, jogando aviõezinhos feitos de notas de R$ 100,
Sílvio é um fenômeno único em muitos sentidos. Prestes a completar 90 anos de
idade, ele uniu o carisma do artista com um pragmatismo agressivo nos negócios,
construindo um império, com relações com os poderosos, dos generais da
ditadura militar, a presidentes que vão de Lula a Bolsonaro. Muito tempo
atrás, anunciaram: Sílvio Santos vem aí! Sim, ele veio e promoveu uma
revolução.

Muitos nomes, muitos estilos


Nos anos 1970, Flávio Cavalcanti levava ao ar seus programas onde não
faltavam polêmicas. Ele dava chances a calouros, debatia temas controver-
sos e avacalhava os artistas de quem não gostava. Com o dedo em riste para
cima quando chamava comerciais, muitas vezes o apresentador era visto
quebrando em pedacinhos discos de cantores consagrados por não gostar
deles. Cavalcanti representava correntes conservadoras, fazendo sucesso no
auge do regime militar. Em 1986, enfartou durante seu programa, no SBT.
Morreu 4 dias depois.
Flávio Cavalcanti
foi um No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a TV ganhou outros rostos conheci-
apresentador dos, como o de Bolinha, que revelava talentos musicais. Outro apresentador conheci-
bastante do a aparecer por aquela época foi Raul Gil. Nos anos 1980, o repórter esportivo Fausto
polêmico na TV Silva migrou do jornalismo para o entretenimento, estreando um programa ousado
na Bandeirantes, o Perdidos na Noite, em que tudo valia, dado o horário avançado em
que era exibido. A Globo o levou para disputar a audiência com Sílvio Santos aos do-
mingos. A emissora chegou a contratar o jovem Gugu Liberato, cria do próprio Sílvio,
para essa tarefa, mas a pedido do dono do SBT, desistiu. Gugu fez sucesso nos finais de
semana, em sua casa original, por mais de duas décadas.

Entre as mulheres, Xuxa, jovem atriz lançada como apresentadora para o públi-
co infantil na TV Manchete, tornou-se, nos anos 1980, a Rainha dos Baixinhos nas
manhãs da Globo. Em sua esteira vieram Angélica e Eliana. Em outro segmento,
Ana Maria Braga, que fez sucesso na Record antes de ir para a Globo, investiu numa
mistura que ia dos fogões de Ofélia, a rainha das receitas, e a extinta TV Mulher, que
debatia comportamento e entrevistava celebridades. Uma TV em evolução conta-
da por seus personagens.
41
da TV no BRASIL

Programa J.
Silvestre chegou
a alcançar 84
pontos no Ibope

Os 40 anos do fim
Em 18 de julho de 1980, funcionários do governo federal entraram nas sedes da
TV Tupi em São Paulo e no Rio de Janeiro para tirar a primeira emissora do Brasil e da
América Latina do ar. Sua concessão não foi renovada pelo governo militar de João
Figueiredo. Naquele dia, também eram interrompidas as atividades de mais cinco
emissoras ligadas à Tupi: A TV Itacolomi, de Belo Horizonte; a TV Rádio Clube, de
Fortaleza; a TV Rádio Clube Pernambuco, do Recife; a TV Marajoara, em Belém; e a TV
Piratini, em Porto Alegre.

Algumas delas voltaram ao ar posteriormente, retransmitindo a programação de


A Tupi era outras redes, mas o indiozinho da Tupi nunca mais esteve no ar, encerrando uma
detentora da história que completaria três décadas em setembro daquele ano. A justificativa foi
a inadimplência no pagamento de salários, impostos e fornecedores por parte dos
história inicial administradores da empresa, em grave crise. Ela havia perdido audiência e recursos
de nossa publicitários. Mas seus executivos e funcionários acusaram o governo de tomar uma
medida política motivado por outros interesses.
televisão
Muitas das emissoras da Tupi acabaram associadas aos grupos Sílvio Santos,
no momento em que o SBT se tornava uma rede nacional, e dos irmãos Bloch,
conhecidos pela publicação de revistas e que montava, naquela época, a TV
Manchete. A Rede Globo também viu aquela que fora sua maior concorrente
nos anos 1970 sumir do mercado. A última atração, antes de os transmissores
serem desativados, foi um trecho da missa campal que o papa João Paulo II havia
celebrado naquele ano no Rio e um apelo para que Figueiredo recuasse da decisão.

A Tupi era detentora da história inicial de nossa televisão. Propriedade do


controverso magnata das comunicações Assis Chateaubriand, o canal foi o primeiro
a levar a dramaturgia para sua programação, com o Grande Teatro Tupi, inaugurou
os horários das telenovelas, formatou os modelos de telejornais e revelou talentos
que fariam sucesso em outras emissoras, sobretudo na Globo. Também foi ao ar
pelo canal alguns programas icônicos, como o Pinga-Fogo, voltado para entrevistas.
42 Uma das mais notórias foi com o médium Chico Xavier.
As grandes referências
A TV brasileira entrou no imaginário do público por
meio de personalidades e personagens que passaram
a ser familiares a milhões de telespectadores
da TV no BRASIL

A MAIOR DAS VILÃS – A novela Vale Tudo já era


um sucesso quando Odete Roitman, em um trabalho
consagrado de Beatriz Segall, entrou em cena. E che-
gou botando o terror. Sua arrogância e seus preconcei-
tos aliaram-se à sua maldade para conquistar o público.
Descobrir quem a havia assassinado no folhetim parou
o Brasil. Não houve megera igual a ela.

O ARTESÃO DA TELEDRAMATURGIA – Quando


foi ao ar a primeira transmissão da TV Tupi, no estúdio
estava um jovem de 20 anos que era uma espécie
de faz-tudo, de câmera a contrarregra. Lima Duarte,
depois, dirigiu novela, coordenou programação e,
sobretudo, criou tipos inesquecíveis, como o jagunço
Zeca Diabo, em O Bem Amado, e Sinhozinho Malta,
em Roque Santeiro.

NO CENTRO DAS INOVAÇÕES – No final de


1968, estreou na TV Tupi a novela Beto Rockfeller e o
gênero nunca mais seria o mesmo. Protagonizando
o folhetim, o ator Luiz Gustavo, que passou anos sem
poder trabalhar na Globo por conta do sucesso feito
na concorrência. Quando o veto caiu, fez persona-
gens icônicos e idealizou o humorístico Sai de Baixo.
Mais um gol na carreira.

OS CASAIS QUE
ENCANTARAM – Muitas
novelas foram escaladas
para que o público
seguisse na ficção casais
que realmente existiam
na vida real. Tarcísio
Meira e Glória Menezes
e Yoná Magalhães e
O PIOR DOS CARRASCOS – Novela brasileira
Carlos Alberto foram
mais vendida no exterior em toda a história, o su-
pares românticos em
cesso no Brasil e em dezenas de países também se
várias tramas. Eva Wilma
deveu ao seu vilão com jeito de galã, encarnado
e John Herbert tiveram
por Rubens de Falco. Seu personagem, o senhor de
um seriado. Paulo Goulart
escravos Leôncio, provocou no público sentimentos
e Nicette Bruno também
contraditórios, indo da repulsa à sedução. Fórmula
marcaram época.
43 perfeita para atrair audiência.
da TV no BRASIL

DE NAMORADINHA A VIÚVA – O apelido de Namoradinha do Brasil


veio quando, em 1971, a atriz Regina Duarte protagonizou a novela Minha
Doce Namorada (na foto, com Cláudio Marzo). Com o tempo, ela migrou
dos tipos ingênuos para a mulher independente (Malu Mulher), chegando
ao exotismo escandaloso da Viúva Porcina (Roque Santeiro). Goste-se ou
não dela, Regina integra a história da TV.

UM BOA NOITE CLÁSSICO – Como pensar a TV


brasileira sem o seu mais icônico apresentador de
telejornais? Cid Moreira estava na bancada inaugu-
ral do Jornal Nacional, em 1969, e lá ficou até 1996.
Aos 93 anos, ele hoje faz sucesso com vídeos diver-
tidos na web e no ano passado, em uma enquete
da revista Veja, foi apontado o melhor apresentador
da história do JN.

BEIJO DO GORDO – Integrante do primeiro pro-


grama que unia humor e teatro, a Família Trapo, e
presença constante em várias atrações cômicas de
sucesso dos anos 1970 e 1980, Jô Soares se reinven-
tou nos anos 1990, transformando-se no principal
entrevistador do País, inaugurando um novo horário
para o gênero, os finais da noite, primeiramente no
SBT e depois na Globo.

O HOMEM DAS MIL FACES – Centenas de per-


sonagens, cada um com um rosto, um cabelo, uma
voz, um trejeito. Chico Anysio, por muitas décadas,
fez parte da rotina dos telespectadores, sempre
aparecendo de forma diferente. As atrações cria-
das pelo humorista ainda fazem sucesso em suas
reprises e remakes, como A Escolinha do Professor
44 Raimundo.
A TELEVISÃO EM GOIÁS

da TV no BRASIL

Jackson Abrão e José


Divino no comando
do primeiro
telejornal da TV
Anhanguera

As lembranças e A TV em nossa terra


os personagens

Q
uanto tempo demorou para o público goiano chegar à era da TV, instalada
que ajudam a no Brasil em setembro de 1950? Cerca de uma década, segundo o livro
contar a história Imprensa Goiana – Depoimentos para a História, publicação da Associação
Goiana de Imprensa. A primeira emissora a ser implantada no Estado foi a TV Rádio
do mais popular Clube, em 1961. O canal fazia parte do império dos Diários Associados, conglomerado
veículo de de mídia do magnata Assis Chateaubriand, responsável por trazer a televisão para o
País, dando prosseguimento a uma história de pioneirismo.
comunicação do
País em Goiás A Rádio Clube foi a primeira emissora radiofônica inaugurada em Goiânia,
durante o Batismo Cultural da nova capital, em 1942. Quase 20 anos depois,
coube a essa mesma empresa trazer a nova tecnologia, ainda que de forma
experimental. Os sinais já estavam sendo transmitidos com mais regularidade
e os aparelhos receptores começavam a ser mais acessíveis e passavam a
conquistar público. Claro que era um mercado que despertava interesse. Antes
da Rádio Clube, experiências no final dos anos 1950 já eram feitas nesse sentido
por aqui.

Em circuito fechado, ainda tateando suas possibilidades, aquela que se


transformaria na maior empresa de comunicação do Centro-Oeste começou a gerar
as primeiras imagens. A estreia comercial, porém, só aconteceu em 24 de outubro de
1963, no aniversário de 30 anos da nova capital. Entrava no ar a TV Anhanguera, dos
irmãos Câmara, que já haviam fundado o jornal O POPULAR e a Rádio Anhanguera.
Um novo e poderoso veículo passava a integrar o cotidiano dos goianos, com a
45 transmissão da Hora do Ângelus, primeiro programa produzido pelo canal.
A mensagem religiosa, escrita pelo jornalista Jávier Godinho e narrada por José
Divino, ficou no ar por décadas e foi uma marca registrada da emissora, liderada
por Jaime Câmara. “Eu entrei na emissora quando ela tinha apenas 11 meses de
existência, em 1964”, revela o jornalista Jackson Abrão, que está no Grupo Jaime
Câmara há quase 56 anos. “No início, a TV exibia atrações de várias emissoras
nacionais, como a Record e a Excelsior. Isso nos deu a possibilidade de liderar a
audiência, porque a programação era mais variada que a da Tupi.”
da TV no BRASIL
Jackson trabalhava na Rádio Brasil Central, onde apresentava alguns programas
e até fazia imitações. Logo foi convidado para ingressar na Rádio Anhanguera. “O
Rebouças Câmara, um dos fundadores do grupo, ia me ver fazer os programas.
Logo falou para o irmão, o seu Jaime Câmara, que passou a prestar atenção
em mim. Comecei a ajudar nos telejornais da emissora.” No início, ele não foi
diretamente para a apresentação, mas em seguida começou a dividir a bancada
com o amigo José Divino, morto em 2019.

Ele participou dos primeiros telejornais da emissora


– e também pioneiros na TV goiana. “Tínhamos dois
informativos, chamados O Popular no Canal 2, já que
as notícias que dávamos vinham do jornal. A TV não
tinha uma equipe de reportagem própria. Isso só
aconteceu quando ela passou a ser uma das afiliadas
da Rede Globo, por volta de 1970.” Antes disso, Jackson
apresentava o jornal Correspondente Faiçal – nome de
uma imobiliária da cidade. “Era um sucesso absoluto,
mas saiu do ar com a adoção da grade da Globo.”

Jackson também se lembra que um dos fenômenos


de audiência da emissora em seus tempos iniciais foi a
telenovela A Deusa Vencida, de 1965, produzida pela
Coronel Hipopota e Excelsior. “O governador Otávio Lage não marcava
sua República Livre compromissos públicos na hora da novela. Quando trouxemos alguns dos atores
do Cerradão para visitar Goiânia, milhares de pessoas foram ao aeroporto para vê-los.” Entre
as estrelas da produção estavam nomes como Tarcísio Meira, Glória Menezes e
Regina Duarte. Ao se associar à Globo, a TV Anhanguera foi a primeira em Goiás a
transmitir em rede.

Nem mesmo o grande incêndio que danificou a TV Anhanguera em 1967,


deixando-a fora do ar por cerca de um mês, tirou dela uma liderança que
consolidou nas décadas seguintes. Outras emissoras apareceram no Estado. A
TV Rádio Clube, após o desmonte do conglomerado dos Diários Associados,
transformou-se na TV Goyá, que transmitia a programação da Rede Tupi.
Com o fim da Tupi, em 1980, ela passou a retransmitir a TV Record e a TVS.
Em seguida, tornou-se afiliada do SBT, mas perdeu esse direito para a TV Serra
Dourada, criada em 1991.

A exemplo da TV Anhanguera, suas concorrentes priorizaram o jornalismo.


Programas como o Goiânia Urgente, atração da TV Goyá nos anos 1980, o
Jornal do Meio-Dia, da TV Serra Dourada, disputaram audiência com o Jornal
Anhanguera. Ao lado dos telejornais de emissoras como a TV Brasil Central,
a TV Goiânia e a Record, a televisão goiana tornou-se porta-voz e arquivo
de nossas mudanças e dos principais eventos das últimas décadas, como o
46 acidente com o césio 137.
Eles criaram uma TV
Uma espécie de Chacrinha goiano. Assim poderia ser considerado Maximiliano
Carneiro, mas ninguém o conhecia por este nome. Para seu público, ele sempre foi o
Coronel Hipopota. E era um público amplo. O animador comandou, entre o final dos
anos 1960 e meados dos anos 1970, sua República Livre do Cerradão, atração líder de
audiência transmitida pela TV Anhanguera nas tardes de sábado. Atrações musicais,
da TV no BRASIL muita festa no palco e um carisma absoluto do apresentador cativaram as pessoas e
gravaram seu nome na memória.

“Antes de a gente vir para Goiânia, morávamos em Uberlândia e ele trabalhava lá


em um programa na Rádio Educadora, que já era voltado para esse mundo sertanejo”,
relata Jane Carneiro, filha única do apresentador. “Aí os irmãos vieram para Goiânia
até que um dia minha mãe disse para ele: ‘vamos embora’. E já havia um convite. Os
irmãos do papai tinham uma gráfica na Rua 2 e ele começou a conhecer pessoas, indo
parar na Rádio Anhanguera. Papai fazia um programa de madrugada. Nesse ínterim,
eles estavam fortalecendo a TV”, recorda.

Nessa nova TV, Hipopota


tinha alguns amigos que
conheciam seus trabalhos no
Triângulo Mineiro. Uma delas, a
apresentadora Magda Santos,
a primeira pessoa a ter um
programa voltado para o público
infantil em Goiás, O Mundo é das
Crianças. “Ela veio incentivada
pelo Coronel Hipopota junto
com o jornalista José Divino. Ela
tinha feito teatro em Ribeirão
Preto e atuava na rádio”, informa
a jornalista Sueli Raul, sobrinha
de Magda. “Ela chegou a atuar
como atriz junto com o Zé Divino
na primeira novela da TV goiana,
Família Brodie”, salienta.

Magda Santos República Livre do Cerradão


apresentou o e O Mundo é das Crianças foram projetos paralelos, com equipes compartilhadas.
programa infantil Magda entrava na grade de programação aos domingos. “Segundo ela, era uma
O Mundo é das oportunidade em que crianças pobres e ricas se misturavam num mesmo ambiente
Crianças de alegria, arte e música. O programa ficou no ar por 11 anos, até 1977. Magda
resolveu dar uma pausa e preparava a volta do programa, que seria realizado na nova
sede da TV Anhanguera, mas a morte do Coronel Hipopota, em 1981, levou os novos
projetos para a gaveta”, diz Sueli

Para uma TV em seus primeiros anos de existência no Estado, esses programas


povoavam o imaginário dos telespectadores. “Estar no programa da Tia Magda era
o máximo para a época, apesar do calor imenso que os panelões de iluminação
provocavam”, conta a sobrinha da apresentadora. “A vida dele era a televisão”, define
Jane, filha do Coronel Hipopota. “Ele era um apresentador nato, nasceu para fazer isso.
Ele entrava na casa das pessoas e elas o admiravam. Era um programa para o povão,
47 com uma linguagem popular. Era formidável.”
da TV no BRASIL

Cena de
A Família
Brodie, novela
escrita por
Cici Pinheiro

Uma novelista goiana


Em 1963, uma autora e diretora de teatro, depois de uma temporada em
São Paulo onde trabalhou com grandes nomes da dramaturgia brasileira e
ganhou experiência em trabalhos nas TVs Tupi e Paulista, retornou a Goiás para
revolucionar a televisão local. Seu nome era Cici Pinheiro e seu projeto mais
ousado foi colocar no ar uma telenovela goiana. “Inspirada em Walter Forster,
Ela deu a autor da primeira telenovela brasileira, Sua Vida Me Pertence, na TV Tupi de São
Paulo, Cici apresentou sua proposta aos irmãos Câmara, da TV Anhanguera”, diz
oportunidade Antenor Pinheiro, seu sobrinho e filho adotivo. “E a TV Anhanguera apostou no
única para a projeto, em 1965.”
cultura goiana A novela ganhou o título de A Família Brodie. “Ela foi inspirada no livro O
se projetar Castelo do Homem sem Alma, de A J. Cronin, e foi dirigida e produzida por Ceci”,
acrescenta Antenor. “A novela foi exibida em 45 capítulos durante seis semanas.”
nacionalmente O sucesso de audiência fez a emissora encomendar mais trabalhos do gênero à
por meio da diretora, que ainda produziu para o canal goiano Drácula, O Homem da Noite,
em 1966, e Aconteceu no Natal, em 1967. “Desta última eu participei”, ri o filho.
dramaturgia “Ela deu a oportunidade única para a cultura goiana se projetar nacionalmente
por meio da dramaturgia.” Não era a primeira vez que Ceci havia sido pioneira.

“Ela foi a primeira a escrever uma radionovela em Goiás, chamada Era Uma
Senhora Mais Brilhante que o Sol, em homenagem à vinda da imagem de Nossa
Senhora de Fátima a Goiânia, em 1951. Teve a duração de três semanas e foi
apresentada na Rádio Brasil Central”, destaca Antenor. Depois ela foi para São Paulo,
onde passou em um concurso para integrar o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC).
Passagem pelos palcos e estúdios paulistas que lhe valeu a amizade de nomes
como Cacilda Becker, Paulo Autran, Dina Sfat, Sérgio Cardoso e Raul Cortez. O nome
de Ceci Pinheiro se confunde com a teledramaturgia feita em Goiás.

48
Espaço para os talentos
A Juventude Comanda e Frutos da Terra. Dois programas musicais com estilos
diferentes, mas que têm algo em comum: em suas respectivas épocas, ajudaram
a valorizar os talentos goianos, abrindo espaço na TV aos artistas locais. “A gente
adaptou o que eu fazia no rádio para a televisão. Na Rádio Brasil Central e depois
na Rádio Anhanguera, eu apresentei o programa A Juventude Comanda. Era
da TV no BRASIL um programa de rock, de música jovem. De 1964 a 1969, eu apresentei na TV
Anhanguera esse programa”, recorda o jornalista Arthur Rezende.

“Era aos domingos, 5 horas da tarde. Eu tinha entrevistas e músicas ao vivo


com cantores, cantoras, dubladores e grupos musicais, os conjuntos”, descreve.
“A minha experiência de rádio e TV foi muito rica porque era o começo, eu era
muito jovem e queria fazer aquilo.” Arthur, que por décadas foi colunista do jornal
O POPULAR e apresenta atualmente o programa Aplauso, na PUC TV, teve outras
experiências na televisão depois daquela atração inicial. “Aí a gente pula para os
anos 1970. Resolvemos criar um festival dedicado aos secundaristas.”

O Festival Comunica-Som
foi realizado entre 1971 e 1985,
com as semifinais e finais sendo
transmitidas pela TV Anhanguera,
no melhor estilo dos festivais
de música nacionais, como os
da Record. “Era uma festa e teve
muito sucesso, porque a cada ano
a gente aumentava o número
de participantes. Na semifinal
e final, tínhamos a presença de
grandes nomes da música popular
brasileira, jornalistas da cena
nacional, diretores de gravadoras
e editoras.” Paulinho Tapajós e Ivan
Lins, por exemplo, estiveram no
júri de algumas edições.
Arthur Rezende
esteve à frente de João Caetano, Marcelo Barra e Bororó foram revelados nesses festivais. “Falar
A Juventude no sobre a criatividade da televisão daquela época é interessante porque tivemos
Comando que fazer das tripas, coração. As câmeras eram enormes, davam uma dificuldade
danada para locomover. Tivemos muita dificuldade para fazer o registro daquele
período”, admite Arthur. Parte desses registros, sobretudo de A Juventude
Comanda, se perdeu no incêndio da TV Anhanguera de 1967, mas ficaram
lembranças. “Trazíamos grandes nomes, como Roberto Carlos e Jerry Adriani.”

Atrações famosas nacionalmente também desfilaram pelo palco e por outros


cenários do Frutos da Terra, por muitos anos atração na TV Anhanguera e atualmente
exibido na TV Serra Dourada. Em sua concepção e comando, estava Hamilton
Carneiro. “Eu comecei um programa na TV Anhanguera, em 1970, que se chamava
UBE Cultural. Era um programa erudito. Ficou no ar por quase 9 anos. Depois fizemos
um que era uma transição para o Frutos da Terra e se chamava Espaço 2. Era quase
tudo ao vivo. Aí sim veio a ideia”, rememora.

49
da TV no BRASIL

Hamilton
Carneiro criou
o programa
Frutos da
Terra

“Conversamos com seu Jaime Câmara na época, de fazer um programa bem


popular, com cultura regional. Seu Jaime aplaudiu muito a ideia, fizemos um
piloto e começamos a trabalhar o Frutos da Terra.” Algumas inovações foram
implementadas. “O importante foi ir para as externas, que era modalidade nova
na televisão. Mostrávamos um grupo de catira, uma dupla, um cantor solo. No
estúdio, eles tinham uma certa timidez, mas no seu local de trabalho, não. Eles
cresciam, até as entrevistas rendiam mais.”

Grupos de cultura popular, violeiros, contadores de causos, receitas


culinárias ganhavam um espaço até então inédito na TV goiana. Sempre com
Hamilton Carneiro no leme, o que nos faz pensar que ele já começou fazendo
isso na televisão. Errado. “Comecei como operador de filme, depois de VT.
Fui coordenador de programação. Depois fui para a Rede Globo, onde fiz
coordenação de externas no programa Som Livre Exportação e na primeira
versão de Irmãos Coragem. Depois ajudei a implantar a Globo em Brasília e voltei
para a TV Anhanguera.”

50
Uma história
da TV no BRASIL
resgatada
Uma outra emissora histórica em Goiás é a TV
Brasil Central, hoje ligada à Agência Brasil Central.
Canal estatal do governo estadual, entrou no ar
em 1975 e fez, em todo esse período, a cobertura
dos principais fatos que mudaram os destinos dos
goianos. “A TBC e as outras emissoras fazem parte
da memória do Estado”, avalia o jornalista Enzo de
Lisita, que liderou uma equipe na produção de uma
série documental sobre a trajetória do canal e que
acaba de estrear. “E quantos fatos
marcantes há. Por isso é importante
construir esse acervo.”

Apresentador de programas
na TBC e professor de jornalismo
na PUC Goiás, Enzo trabalhou em
outras empresas, como a TV Serra
Dourada. Essa experiência na área
lhe deu bagagem para conduzir
22 entrevistas com profissionais
que têm a TV Brasil Central em sua
trajetória. “A gente vai descobrindo
coisas curiosas, reportagens que
você não lembrava mais, entrevistas
Enzo de Lisita: “A TBC interessantes”, destaca. Seu trabalho
e as outras emissoras contou com a colaboração do arquivo depositado
fazem parte da no Museu da Imagem e do Som (MIS), com materiais
memória” jornalísticos da emissora.

Entre esses tesouros, conversas com Cora


Coralina, a cobertura do comício das Diretas Já em
Goiânia e até uma das últimas entrevistas concedidas
por Pedro Ludovico Teixeira, fundador da capital.
“Apesar de ser vinculada ao governo, a TBC consegue
fazer trabalhos independentes. Seu acervo é muito
bom, apesar das perdas no incêndio de 1997”,
descreve Enzo. Segundo ele, a TV aberta está em
transformação, inserida num processo maior. “Mas
ela continua a mais democrática, plural. Óbvio que
está se reinventando e precisa fazer isso mesmo.”

51
A TV EM NOSSAS VIDAS

da TV no BRASIL

O Brasil e a vida A caixa mágica que mudou tudo


de muita gente
não seriam os
A
primeira vez que o magnata das comunicações Assis Chateaubriand
anunciou que a TV chegaria ao Brasil, um jogo de peteca precisou ser
mesmos sem a paralisado. No pátio da Rádio Difusora, em São Paulo, os então radialistas
presença da TV, Walter Forster, Cassiano Gabus Mendes e Dermival Costa estavam numa peleja,
quando o patrão baixinho chegou, acompanhado de outros homens de terno e
esse meio de gravata, tirou um pedaço de giz do bolso e passou a riscar o chão. “Aqui vai ser o
comunicação estúdio A. Agora espiche a trena para o lado de lá, ali vai ser o estúdio B.”

transformou A cena, descrita no livro Chatô, O Rei do Brasil, de Fernando Morais, se passou em
nossa trajetória fevereiro de 1949, um ano e meio antes de a primeira emissora de TV da América La-
tina e a quarta no mundo entrar em funcionamento. Forster, que seria um dos mais
e nossa poderosos executivos do meio de comunicação que estava nascendo, perguntou a
mentalidade Assis naquele momento: “O senhor está pretendendo acabar com o nosso campi-
nho de peteca?” E a resposta veio no melhor estilo Chatô: “Vocês vão jogar peteca
no diabo que o carregue; aqui vão ser os estúdios da TV Tupi.”

E em 18 de setembro de 1950, lá estavam os estúdios da Tupi, com Forster e


Cassiano já lidando com um maquinário moderno e cheio de armadilhas, com-
prado por vias nem sempre confessáveis, e Assis Chateaubriand provando que
seu projeto não era da boca para fora. Lolita Rodrigues substituiu a amiga Hebe
Camargo, que preferiu acompanhar um namorado em outro evento a cantar o
Hino da Televisão na transmissão pioneira. E a festa só foi filmada em seus basti-
52 dores porque um dos presentes, Alfredo Vasconcelos, resolveu registrar tudo.
da TV no BRASIL

Fernanda
Montenegro e Paulo
Autran em cena
famosa da novela
Guerra dos Sexos,
da Globo

Apesar do espírito de improviso que reinou naquela


estreia, com uma das câmeras pifando na hora H, e a compra
emergencial de 200 aparelhos receptores para que o sinal
tivesse para quem transmitir, a TV brasileira tornou-se uma
potência, referência mundial por suas novelas, premiada
com suas reportagens, autora de modelos teledramatúrgi-
cos originais. “Por um descuido de alguém, deixaram que
o Brasil tivesse uma indústria de TV muito importante em
Em certos todo o mundo”, brincou, em uma entrevista, a atriz Fernanda
sentidos, é até Montenegro.

difícil pensar o Ao chegar aos seus 70 anos, a televisão no Brasil é uma


Brasil nas suas instituição. Uma pesquisa da Kantar Ibope, feita em 2018,
constatou que 93% dos brasileiros tinham o hábito de assistir
últimas sete TV com regularidade nas principais regiões metropolitanas
décadas sem do País. O tempo médio diário na frente do aparelho, entre
2008 e 2018, havia saltado em mais de uma hora, indo de
a existência pouco mais de 8 horas para mais de 9 horas, já contando a
da TV chegada das plataformas de streaming. Com novas platafor-
mas e aparelhos de acesso e vitaminada pelas redes sociais, a
TV ainda domina.

E isso quer dizer que ela também se tornou presente em


nosso imaginário. Em certos sentidos, é até difícil pensar o
Brasil nas suas últimas sete décadas sem a existência da TV.
“Nossa cultura é única e a TV brasileira foi feita para o paladar
brasileiro, tendo encontrado solo propício para conquistá-lo.
Como consequência, moldou gerações”, avalia Nilson Xavier,
criador do site Teledramaturgia, autor do Almanaque da Tele-
novela Brasileira e colunista do site TV História, em que resgata
53 as principais obras e momentos icônicos das novelas e séries.
O poder do hábito
“As novelas, presentes no prime time das emissoras, sempre foram o ‘carro-
-chefe’ da programação, principalmente da Globo, a pioneira na industrialização
da teledramaturgia. Esse processo de nacionalização do gênero não começou na
Globo, mas foi ela quem a implantou eficazmente”, pondera o jornalista Nilson
Xavier. Industrialização que ganhou ainda mais força com as transmissões em
da TV no BRASIL rede e, nessa esteira, a montagem de programações que ofereceram ao público a
chance de fazer do ato de assistir TV um compromisso diário.

“A novela já havia sido testada no rádio e um de


seus ingredientes fundamentais é a criação de hábito”,
afirma, em depoimento ao projeto Memória Globo,
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, chefão da
maior emissora do País por quatro décadas. Ele foi um
dos responsáveis por criar a grade com três novelas
e um telejornal no meio na programação noturna da
Globo. “O segredo foi inserir temas atuais e brasileiros
nos enredos. A novela, mesmo se aproximando da re-
alidade, veio atender um gosto médio da população,
sem conteúdo mais elaborado”, lembra.
Estúdios Globo, Segundo Boni, o que diferenciou as novelas globais em relação às produções
maior complexo
de concorrentes, como Tupi e Excelsior, foi a contratação de um casal de autores
de produção
de conteúdo da – Dias Gomes e Janete Clair –, sob a direção geral de Daniel Filho. “Não quería-
América Latina, mos uma novela brasileira com cara mexicana. Eles foram fundamentais nisso.
no Rio Passamos a ter textos mais elaborados, abordagens de problemas sociais e polí-
ticos, com diálogos de melhor qualidade.” Modos específicos de falar, paisagens
fora do eixo Rio-São Paulo, tramas históricas começaram a surgir na telinha.

Nilson Xavier reconhece esse papel desempenha-


do pela televisão, mas tece algumas críticas. “Com a
programação e grade unificadas desde a década de
1970, a TV brasileira ‘uniu o País’, por assim dizer. Po-
rém, acho que aconteceu uma padronização. Atores
cariocas em novelas que se passam no Nordeste com
sotaques genéricos é o maior exemplo disso. Apesar
de a Globo – no caso das novelas – difundir e divul-
gar outros cenários, ela também foi criticada por essa
generalização ou pela preferência por ambientações
no Rio e em São Paulo.”

Ainda na Tupi – com o fenômeno Beto Rockfeller,


um divisor de águas na teledramaturgia nacional –
e na Excelsior – que investia em textos refinados e
Luiz Gustavo e
Bete Mendes em reuniu um elenco estelar em suas produções –, o brasileiro passou a se interessar
Beto Rockfeller, por um produto que veio a monopolizar as atenções, as conversas e até certos
da TV Tupi comportamentos nacionais. “Há esse impacto, sobre o modismo que cria, mas
não tem o poder de convencimento”, opina Boni. “Você recebe a mensagem,
mas digerir essa mensagem e fazer seu próprio juízo, isso é com o público.”

54
Uma fórmula de sucesso
A Globo, que também começou sua trajetória na teledramaturgia fazendo
adaptações de histórias do rádio e de romances do século 19, mudou essa chave,
sobretudo, a partir de O Bem Amado, de 1973, novela que ainda teve a honra de
inaugurar a cor na emissora e virou febre. O imaginário de Jorge Amado entrou
na sala dos brasileiros com Gabriela em 1975. “Existe um esforço em abranger os
da TV no BRASIL vários brasis na programação”, comenta Nilson Xavier, mesmo ressalvando o que
chama de “pequenos vícios” em que incorreram as novelas.

A fórmula de mesclar novelas e jornalismo em horário nobre – um modelo


criado pela Globo e copiado por outras emissoras, como Record e SBT –, com
espaços para esportes, humor, programas de auditório e shows, deu à Globo a
liderança de audiência praticamente nos últimos 50 anos. “O nome Padrão Globo
de Qualidade é um apelido que eu não criei”, afirma Boni em seu depoimento ao
Memória Globo. “Mas ele representa essa busca por fazer melhor. A televisão não
pode regredir. Ela tem que avançar e trazer consigo
os telespectadores.”

“A programação da TV continuará como sempre a


conhecemos, com jornalismo, esporte, dramaturgia,
humor, variedades e realities shows”, prevê Nilson
Xavier. “Acredito que o que mudará será a maneira
de ofertar essa programação. Acho que a grade fixa
e engessada como a conhecemos está com os dias
contados. O público exige o cardápio de opções
para assistir quando e onde bem desejar. E essa é a
maior vantagem do streaming sobre a TV paga ou
aberta”, conclui. Cada tempo, portanto, pede suas
próprias soluções.
Boni: “o nome
Padrão Globo de “Eu entrei na Globo em 1967”, relata Boni. “Durante um ano eu trabalhei no
Qualidade é um Telecentro da Tupi, em 1966. Desde muito antes, eu e o Walter Clark [executivo
apelido que eu que foi um dos responsáveis por montar a estrutura de várias emissoras, incluin-
não criei” do a Globo] sonhávamos em fazer uma rede de televisão no Brasil. Em 1963, nós
tentamos fazer isso na TV Rio. Depois fui para a Tupi e ele veio para a Globo, mas
eu prometi que trabalharíamos juntos e foi o que aconteceu.” Promessa cumpri-
da e uma nova era da TV brasileira começava a ser escrita.

São 70 anos que mostram a variedade que esse meio de comunicação apre-
senta. Das primeiras experiências na Tupi ao streaming do GloboPlay, a TV agre-
gou linguagens, produziu clássicos e ícones, reconfigurou valores, lidou com
diferentes contextos políticos, invadiu o imaginário nacional. Certamente você
tem alguma lembrança – ou muitas delas – ligada à TV: uma notícia bombástica,
um programa da infância, uma novela inesquecível, um bordão engraçado. Oni-
presença em casas, bares, hotéis, hospitais. Uma presença em nossas vidas.

55
da TV no BRASIL

CRÔNICA
Dona Raimunda, telespectadora
Rogério Borges

E
m 1950, quando a TV chegou ao Brasil, uma família de retirantes deixava o
interior do Ceará em busca de uma vida melhor no sul. Saindo do sertão do
Cariri, um casal e seus 6 filhos pequenos (a mais velha tinha 11 anos de idade),
iniciaram, num pau-de-arara, uma aventura temerária, mas movida pela esperança.
Por 10 dias, eles atravessaram estradas rudimentares na carroceria de um caminhão,
sentados em tábuas duras ou sobre as próprias bagagens, passando as noites em
alojamentos simples ou mesmo dormindo debaixo do veículo.

O objetivo era o Paraná, mas a doença da filha caçula, um bebê de nove meses,
os fez parar no interior de São Paulo. A criança, vítima de difteria, não resistiu. Eles
conseguiram emprego em uma fazenda e energia elétrica era um luxo apenas de
algumas casas “da cidade”. Os anos se passaram, mais filhos vieram, eles começaram
a morar de aluguel na pequena Icém, na divisa de São Paulo e Minas Gerais, e por lá
uma novidade começou a aparecer. Uma luz diferente saía de determinadas janelas
à noite, criando aglomerações de olhos espantados.

Raimunda, a matriarca desta família nordestina, foi conferir com os filhos o que
era aquela mágica. E por ela encantou-se para sempre. Todas as noites passou a ser
convidada a assistir TV na casa de comadres, vizinhas, de patrões dela e dos filhos.
As imagens ainda eram em preto e branco e as primeiras novelas da Tupi e Excelsior
eram as atrações preferidas. Era o início de uma cumplicidade que duraria a vida
toda. Ela ainda não tinha dinheiro para ter o próprio aparelho de TV, mas a televisão
56 integrava seu cotidiano. Religiosamente.
Os anos se passaram, os filhos cresceram, o casamento acabou e Raimunda dei-
xou o interior paulista e veio para Goiás, onde muitos de seus filhos já viviam. E aqui
teve o prazer, no início dos anos 1970, de ter em sua sala aquela janela para mundo.
Assim, pôde acompanhar as aventuras dos Irmãos Coragem, pôde elogiar a beleza
do galã Carlos Zara na primeira versão de Mulheres de Areia, testemunhou as prese-
padas do prefeito Odorico Paraguaçu em O Bem Amado, a sensualidade trigueira de
Sônia Braga, em Gabriela.

da TV no BRASIL Raimunda também morou em Brasília, onde, já nos anos 1980, abria a casa para
os netos em férias. Eu era um deles e a wTV ocupava um lugar de destaque na sala.
Mas a imagem não era boa. A antena interna vivia enfeitada com bombril para tentar
pegar imagens mais nítidas. Lembro-me de minha avó praguejar por não conseguir
ver direito as imagens do velório da cantora Elis Regina, que passavam no jornal. Ao
retornar a Goiânia, pouco tempo depois, ela foi presenteada pelos filhos com uma TV
a cores. E seu encantamento aumentou.

Assistir TV ao lado de minha avó era um acontecimento. Dona Raimunda interagia


com tudo o que via. Rezava a Ave-Maria na Hora do Ângelus, dava “boa noite” ao Cid
Moreira e ao Sérgio Chapelin em todo encerramento do Jornal Nacional, colocava
Ainda me apelidos nos vilões das novelas e se revoltava com suas maldades. “Bicho nojento”,
disparava, ao ver o autoritarismo de Sinhozinho Malta, em Roque Santeiro. “Isso é um
pego hoje, lobisomem”, atestava, ao ver Zé das Medalhas, outro personagem da mesma novela.
quando vejo “Véia do queixo duro”, dizia de outra vilã.
alguma novela, Quando Odete Roitman levou os tiros que a mataram em Vale Tudo, minha avó
imaginando o comentou, com toda a calma: “Bem feito”. Quando a beata Perpétua aprontava das
suas em Tieta, disparava: “Essa bicha é danada”. Rubens de Falco, para ela, era o eterno
que minha avó Leôncio de A Escrava Isaura: “Esse aí não vale nada”. Mas nada se comparava ao
comentaria, Programa Sílvio Santos. Do Domingo no Parque, às 10 da manhã, ao Show de Calou-
ros, às 10 da noite, minha avó não permitia que outra emissora fosse sintonizada no
o que diria de domingo. Quem não gostasse, que fosse embora.
determinado
Até o final de sua vida – ela morreu no início de 1999 –, a TV foi um bálsamo para
personagem dona Raimunda. Foram companheiras inseparáveis, na saúde e na doença, na alegria
e na tristeza, e só a morte as separou. Um casamento de verdade, com amor e paixão
envolvidos. Ainda me pego hoje, quando vejo alguma novela, imaginando o que
minha avó comentaria, o que diria de determinado personagem. Exemplos iguais aos
dela há milhões. Talvez envolvimentos tão intensos já não se repitam mais, mas eles
foram fundamentais para a história da TV no País.

Raimundas, Marias, Joões, Pedros, Aparecidas, Fátimas, Josés. Os anônimos


que integram essa máquina que há 70 anos entrou no cotidiano nacional para
não mais sair. Nos jogos de futebol, nos concursos de calouros, nos plantões que
noticiam catástrofes, nas tramas das novelas, nos realities shows que bisbilhotam
a vida alheia, nos shows musicais, nas piadas dos programas de humor, em tudo
isso o brasileiro mergulha há sete décadas, todos dos dias, renovando um veículo
que se transforma e se renova.

57
da TV no BRASIL
COORDENAÇÃO
Silvana Bittencourt
Fabrício Cardoso

EDIÇÃO
Rodrigo Alves

REPORTAGEM
Rogério Borges

EDIÇÃO DE ARTE E CAPA


André Rodrigues

EDIÇÃO DE FOTOS
Weimer Carvalho

ARTE
Luiz Antena

FOTOS
Central Globo de Produções
Acervo Rede Globo
Acervo TV Tupi
Acervo Manchete
Getty Images
Cedoc Grupo Jaime Câmara
Wildes Barbosa
Ricardo Rafael
Hélio Nunes
REUTERS/Zoubeir Souissi

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