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BORGES
AS NOVAS
TECNOLOGIAS DA TV
da TV no BRASIL
Assis
Chateubriand,
responsável por
trazer a TV ao
Brasil, fala diante
da câmera. Só
200 aparelhos
assistiram
à primeira
transmissão
TV no Brasil
sempre teve o
Reinvenção aos 70
rumo alterado
P
oucos aparelhos, uma transmissão amadora e cheia de problemas
técnicos, a reação do público variando entre a curiosidade e a completa
por mudanças indiferença. Quando a Tupi emitiu o sinal pioneiro de uma emissora de TV
tecnológicas, no Brasil, em 18 de setembro de 1950, não seria de admirar que alguém, vendo
aquela estreia, duvidasse de seu futuro. A novidade, que se consolidava nos EUA
mas nenhuma desde os anos 1930, chegou com atraso ao Brasil, pelas mãos pelo polêmico
tão radical magnata da mídia Assis Chateaubriand e tendo no rádio um concorrente que
parecia imbatível. Raros poderiam desconfiar que estavam presenciando o início
quanto a de uma revolução.
observada nos
Uma revolução que não termina nunca e é feita incessantemente,
dias atuais acompanhando as novidades de cada tempo. A inquietude da TV desde aquela
transmissão inicial, sete décadas atrás, é o ponto nervoso dessa obra. Nesta
jornada inicial, vamos falar de como este meio é, hoje, completamente diferente
do que já foi um dia, agregando formatos e plataformas, interações e linguagens,
promovendo experiências e sensações únicas.
Do bombril ao 8K
Na imagem, mal se conseguia distinguir o que era gente e o que era objeto.
Formas um tanto embaçadas circulavam naquela tela dentro de uma espécie
de caixote, de onde também saíam sons. Um cinema portátil, para alguns. Uma
bobagem que não merecia atenção, para outros. Uma corrida tecnológica sem
fim para quem a colocava no ar, em operações que beiravam a temeridade, com
equipamentos imensos e caros, e resultados nem sempre satisfatórios. O início
2 da TV no Brasil teve a marca do pioneirismo, com seus erros e histórias icônicas.
da TV no BRASIL
Uma trajetória cuja evolução podemos medir pela qualidade da imagem que
chega até nós hoje, 70 anos depois daqueles vultos e “fantasmas” fugidios. Esse
tipo de problema teria vida longa na história da TV brasileira. Antenas ineficientes,
improvisadas em perigosas instalações no telhado, ou em cima do aparelho,
com pedacinhos de bombril nas pontas para ajudar na recepção. Quando os
equipamentos ficaram melhores, as emissoras fizeram investimentos. O Brasil
ganhou um sistema de satélites, nos anos 1970, e essa situação foi melhorando.
A importação das câmeras dos EUA, imensas e frágeis, foi uma operação de
guerra, assim como o contrabando que o dono da Tupi, Assis Chateaubriand,
providenciou dos 200 primeiros aparelhos de TV, distribuídos em residências e
lojas para que alguém assistisse à estreia. Das três câmeras que chegaram para
o grande dia, uma pifou antes do início da transmissão. Uma das suspeitas é
que a água benta jogada para benzer o equipamento tenha danificado seus
mecanismos eletrônicos. E o pior é que não havia ninguém que soubesse
consertar aquilo.
Com novas demandas por interação, a TV de hoje busca soluções criativas. “De-
senvolvemos um aplicativo, o QVT (Quero Ver na TV), em que o telespectador pode
se comunicar de forma direta. Numa plataforma no celular, ele consegue mandar
para a gente conteúdo que pode ser exibido e se tornar uma reportagem em nos-
sos telejornais”, diz o diretor. “Essa evolução tecnológica nos deixa mais próximos
do telespectador, para atender da melhor forma possível. A TV continuará a ser uma
plataforma relevante”, complementa.
Uma evolução que aponta para experiências ainda mais abrangentes, transfor-
mando a TV em algo muito além do que poderia imaginar a mente mais criativa de
70 anos atrás. “Já temos conteúdos produzidos em 4K para aparelhos inteligentes.
Quem assina a Globo Play já pode experimentar isso. E, a caminho, nós já temos o 8K,
que é de uma qualidade impressionante”, anuncia Cauvilla. “Além das resoluções do
vídeo, existe também o áudio imersivo, que está tendo sua padronização finalizada e
que fará parte dos novos modelos de telas.”
Preparados para tanta inovação? Pois é melhor tomar fôlego, porque toda essa
evolução está só começando. “Quando olhamos para o futuro, já temos tecnologias
que serão o diferencial para quem vai consumir TV. Nossos desafios serão entender
cada vez mais os hábitos das pessoas, entender o que eles desejam e levar isso pela
tecnologia, nos conteúdos. No Brasil, de forma gratuita, a TV continuará sendo muito
5 importante na vida de nossos telespectadores”, acrescenta o diretor Cauvilla.
Para entender tudo
TV DIGITAL – A migração do sistema analógico
para o digital foi um divisor de águas para a TV
brasileira, que adotou um sistema misto, uma
tecnologia baseada no modelo japonês, mas com
adaptações de pesquisadores brasileiros. Houve um
da TV no BRASIL período de transição, com ajustes das emissoras e dos
fabricantes de TV, possibilitando o ingresso de novos
atores nesse mercado.
da TV no BRASIL
Em seus 70
anos, nenhuma
Um povo noveleiro
A
s telenovelas brasileiras são produções dinâmicas, que ousam em te-
atração eletrizou máticas e linguagens, na relação com o público, na forma de mostrar as
muitas faces do País. Com um olho no enredo e outro na audiência, auto-
mais o público res e autoras souberam auscultar a batida dos sentimentos dos telespectadores,
da TV no Brasil provocando e debatendo nosso jeito de ser, nossa forma de pensar e agir, nossas
mazelas e nossas qualidades, registrando retratos cômicos e dramáticos do Brasil.
que as novelas. Por isso esse tipo de atração firmou-se como o mais popular nos 70 anos da TV
Um gênero brasileira.
que, em 2020, A primeira novela da TV brasileira foi uma adaptação de um sucesso no rádio, Sua
celebra também Vida Me Pertence, que estreou em dezembro de 1951, na TV Tupi. Passava apenas
duas vezes por semana e era escrita, dirigida e protagonizada por Walter Forster. Ufa!
o centenário Teve apenas 15 capítulos e tinha no elenco Lima Duarte, hoje com 90 anos. Na época,
daquela que a teledramaturgia era feita ao vivo – não havia equipamentos para gravação – e o
principal investimento voltava-se para a produção de espetáculos teatrais encenados
foi sua autora na TV, como o Grande Teatro Tupi.
pioneira
O hábito de ver novela começou a arraigar-se mesmo no brasileiro no início
dos anos 1960, quando os folhetins passaram a ser diários. A primeira obra neste
formato foi 2-5499 Ocupado, trama protagonizada pelo casal 20 da TV, Tarcísio
Meira e Glória Menezes, em 1963, na Tupi. Em 1964, ocorreu o primeiro fenôme-
no de audiência, o dramalhão latino O Direito de Nascer, também na Tupi. Com
poucos televisores no País, o último capítulo foi transmitido para multidões nos
ginásios do Ibirapuera, em São Paulo, e do Maracanãzinho, no Rio.
Tarcísio Meira e
Glória Menezes foram
protagonistas de
2-5499 Ocupado
O Sheik de Agadir:
boa aceitação junto
ao telespectador
8
La Magadan, a pioneira
Uma história que tinha um sheik árabe, uma princesa assassina e um
oficial nazista. Em resumo, uma loucura. Mas eram exatamente essas tramas
rocambolescas que faziam milhões de pessoas colarem os olhos na tela da TV
preto-e-branco – de casa ou de algum vizinho – para acompanhar dramalhões
que usavam e abusavam de romances proibidos, laços de sangue secretos, crimes
da TV no BRASIL misteriosos e finais que variavam entre os felizes e os trágicos. Assim nasceu a
novela brasileira. E o gênero teve uma parteira: a cubana Gloria Magadan.
Ela acabou saindo da emissora carioca e chegou a escrever mais uma novela, E
Nós, Aonde Vamos? Na verdade, ela acabou indo para fora do Brasil, onde seu estilo
folhetinesco ainda tinha boa aceitação – aliás, basta ver as produções das TVs de
México, Colômbia, Venezuela para atestar essa diferença. Encontrou em Miami um
local onde seu trabalho era muito valorizado para o público latino que vivia no EUA.
Morreu em junho de 2001, ainda lembrada por aqui como a mulher que iniciou a
9 telenovela brasileira.
As penas da história
JANETE CLAIR DIAS GOMES
(1925-1983) – Se (1922-1999)
Glória Magadan foi – Nos anos de
a pioneira, ninguém chumbo da década
revolucionou de 1970, a Globo
da TV no BRASIL mais o gênero peitou a ditadura e
no Brasil que sua manteve como um
“estagiária” Janete de seus principais
Clair. O talento autores do horário
desta mineira nobre o comunista
de Conquista já havia sido atestado assumido Dias Gomes, o dramaturgo
Separamos na Rádio Nacional, onde escreveu baiano que já havia feito história no
10 autoras e radionovelas, mas a ousadia de romper cinema ao ver sua obra O Pagador de
com parâmetros apareceu na TV, com Promessas chegar à Palma de Ouro
autores, com folhetins em que surgia o cotidiano em Cannes com o filme de Anselmo
seus grandes do brasileiro. Logo de cara, solucionou Duarte. Isso, claro, irritava os censores,
um fracasso, Anastácia, A Mulher Sem que gostavam de cortar suas tramas, até
sucessos, que Destino, criando um terremoto que chegar ao ápice de proibir um de seus
fizeram o Brasil matou os personagens, recomeçando do trabalhos de ir ao ar. Em 1975, a primeira
zero. Depois, encavalou vários sucessos, versão de Roque Santeiro foi embargada
ser o país que a começar pela antológica Irmãos no dia da estreia. Roque Santeiro só foi ao
assiste e produz Coragem, de 1970. Em seguida vieram ar em 1985. Outra de suas novelas, O Bem
Selva de Pedra, Pecado Capital, O Astro, Amado, provocava os poderosos. São de
novelas como Pai Herói. Morreu enquanto escrevia Eu sua autoria ainda as tramas Saramandaia
nenhum outro Prometo, concluída por Glória Perez. e O Espigão.
no mundo. IVANI RIBEIRO CASSIANO
(1916-1995) – GABUS MENDES
Fazer estrondoso (1929-1993) –
sucesso com a Pioneiro da TV
mesma novela brasileira, Cassiano
mais de uma vez, Gabus Mendes
escrevendo versões testemunhou
diferentes para a primeira
emissoras distintas. transmissão da
Será que alguém Tupi, em 1950.
conseguiu tal feito? Ivani Ribeiro sim, Com apenas 21 anos de idade, já
e mais de uma vez. A partir de 1963, escrevia textos para a emissora, até
esta paulista de São Vicente escreveu chegar a cargos de direção, bancando a
tramas para vários canais, como Tupi e revolucionária Beto Rockfeller, de Bráulio
Excelsior. Chegou a lançar 13 novelas Pedroso, em 1968, protagonizada por
seguidas para um único horário da seu cunhado, Luiz Gustavo. Sua primeira
Excelsior. Nos anos 1970, emplacou na novela, porém, só estreou em 1976:
Tupi dois sucessos, Mulheres de Areia Anjo Mau. Foi na Globo que Cassiano
e A Viagem. Vinte anos depois, já na se destacou como autor, com vários
Globo, fez o remake de ambas e repetiu sucessos na década de 1980. Em Elas Por
o fenômeno, algo inédito naquelas Elas, criou o detetive atrapalhado Mário
proporções. Antes, já havia escrito A Fofoca. Também escreveu Ti-Ti-Ti e Brega
Gata Comeu para o horário das 18h da & Chique e, por fim, a satírica Que Rei
Globo, recuperando a trama A Barba Sou Eu?, uma alegoria bem humorada
10 Azul, levada ao ar pela Tupi. das mazelas brasileiras.
da TV no BRASIL
GILBERTO BRAGA (1945- ) – Ele AGUINALDO SILVA (1943- ) –
assinou suas primeiras tramas Jornalista que fazia coberturas
com Janete Clair (Bravo!) e Lauro policiais, Aguinaldo Silva iniciou sua
César Muniz (Corrida do Ouro) carreira na TV escrevendo séries
nos anos 1970, até ser destacado que remetiam àquele universo, até
para adaptar obras literárias, para o estrear como novelista em Partido
horário das 18h da Globo. Daí veio Alto. Depois vieram a ruidosa par-
o arrebatador sucesso A Escrava ceria com Dias Gomes em Roque
Isaura, uma das novelas brasileiras Santeiro (ele lembra que escreveu
mais vistas no exterior. Também é a maior parte da trama sozinho) e
dele o fenômeno Dancin’Days. Nos anos 1980, ao lado de a dobradinha com Gilberto Braga em Vale Tudo. A partir
Aguinaldo Silva, escreveu Vale Tudo, com as vilãs Odete de Tieta, novela que criou às pressas a pedido da Globo,
Roitman e Maria de Fátima. É autor ainda de trabalhos enfileirou sucessos, como Pedra Sobre Pedra, Porto dos
como O Dono do Mundo, Celebridade e Paraíso Tropical. Milagres, A Indomada e Senhora do Destino.
Em seus 70 anos O Masp era uma das meninas dos olhos de Chateaubriand. Ele angariava doações
– às vezes com extorsões – para reforçar os recursos destinados à compra de obras
no Brasil, a TV de grandes mestres da pintura europeia. Reza a lenda que o homem que montou o
foi um meio acervo do museu, Pietro Maria Bardi, teve dificuldades em convencer o patrão a não
colocar esses quadros nos estúdios da Tupi no dia de sua inauguração, o que poderia
poderoso de danificá-los com o excesso de luz. Há laços profundos entre a TV e as artes no Brasil, o
popularização que geraria um intercâmbio intenso entre elas.
da cultura, Clássicos do teatro e da literatura, lançamento de grandes nomes da música, apoio
contribuindo ao cinema fizeram, desde o seu início, parte da história da TV brasileira. Essa comu-
nhão foi importante para popularizar manifestações culturais antes restritas a fre-
para sua quentadores de plateias de elite. Obras a que a maioria das pessoas não teriam acesso
expansão e foram inseridas nas casas de milhões de brasileiros, em seus formatos originais ou em
adaptações, familiarizando esses trabalhos com novos públicos, abrindo horizontes
variedade culturais mais amplos a gerações de telespectadores.
Uma das primeiras iniciativas nesse sentido foi o Grande Teatro Tupi, exatamente
na emissora pioneira. Produzidas nas sedes de São Paulo e do Rio de Janeiro, essas
12 montagens eram apresentadas ao vivo – nos anos 1950 não havia equipamento para
da TV no BRASIL
Grande Teatro
Tupi: Fernanda
Montenegro e
Sérgio Britto
em A Casa em
Ordem
Edwin Luise e
Lucélia Santos em
A Escrava Isaura,
um dos grandes
sucessos da TV
Nos sertões mais centrais do País, o épico de Guimarães Rosa foi adaptado em
uma das mais elogiadas minisséries da história da TV, Grande Sertão: Veredas. Um ou-
14 tro clássico de nossas letras, O Tempo e o Vento, do gaúcho Érico Verissimo, foi levado
à TV em uma produção de grande porte, acompanhando as gerações da família Terra
Cambará e a história do Rio Grande do Sul. Outra de suas obras, Incidente em Antares,
foi adaptada para uma série de TV. A Globo levou ao ar, ainda, uma novela baseada
em Olhai os Lírios do Campo, também do autor.
O Sorriso do Lagarto,
de João Ubaldo Ribeiro, e
Riacho Doce, de José Lins
do Rego, viraram séries na
Globo. Capitu foi uma adap-
tação de Dom Casmurro, de
Machado de Assis, e Anar-
quistas Graças a Deus saiu
do livro de mesmo nome
de Zélia Gattai. Novelas de
época de autores do século
19 conquistaram o público,
a começar por A Escrava
Isaura, de Bernardo Gui-
marães. Em 1975, a Globo
transformou em novela os
romances Helena, de Ma-
chado de Assis, e A Moreni-
nha, de Joaquim Manuel de
Macedo.
Além disso, a TV foi a responsável por levar os próprios escritores para mais próxi-
mo de seu público. Cora Coralina, por exemplo, foi “apresentada” aos seus leitores em
reportagens de emissoras de televisão. Assim, sua voz e sua figura de uma senhora já
bastante idosa integraram o imaginário de seus versos. Já a imagem mais famosa de
Clarice Lispector é a de sua última entrevista, dada de improviso à TV Cultura pouco
antes de morrer. As respostas ferinas, o cigarro aceso, a língua presa criaram uma
mística ainda maior em torno da autora.
15
Dedé Santana,
Lucinha Lins,
da TV no BRASIL Renato Aragão,
Mussum e Zacarias
no filme Os
Saltimbancos
Trapalhões
Compartilhamento de telas
“Ô, da poltrona!”. Este jargão, repetido em tantas noites de domingo na progra-
mação da Rede Globo, era uma das senhas para uma atração de grande audiência:
o programa de humor Os Trapalhões. O quarteto formado por Renato Aragão (Didi),
Dedé Santana, Mussum e Zacarias fez da TV um trampolim irresistível para outro tipo
de tela, bem maior. Por pelo menos duas décadas, Os Trapalhões produziram de um
a dois filmes por ano, quase todos eles recordistas de bilheteria. Foram mais de 40
produções, com milhões de pessoas nos cinemas.
filmes por Mesmo trabalhos considerados mais densos também tiveram espaço, como os
premiados O Pagador de Promessas – a obra de Dias Gomes depois ganharia uma
ano, quase adaptação para a TV – e Deus e o Diabo na Terra do Sol já foram exibidas algumas
todos eles vezes, ainda que hoje estejam restritas a canais específicos da TV a cabo. Mas as comé-
dias inocentes de Mazzaropi, por exemplo, ainda podem ser vistas em sessões promo-
recordistas vidas pela TV Cultura. Como aconteceu em quase todo o mundo, porém, o cinema
de bilheteria comercial virou a estrela na grade de programação.
Um dos que fizeram esse caminho foi Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Sucesso no
rádio, repetiu a dose na TV, na Tupi e na Globo. Por seu programa passavam, além dos
calouros, artistas de todos os matizes. Não é à toa que apadrinhou nomes como Clara
Nunes, que era adorado por Roberto Carlos e Raul Seixas e ganhou até homenagem
num samba de Gilberto Gil. Na mesma esteira, outras atrações fizeram sucesso seme-
lhante, como o Programa Flávio Cavalcanti, que também quebrava discos de que não
gostava, e o Clube do Bolinha.
O documentário Tropicália, de
Marcelo Machado, mostra que Paulo
Machado de Carvalho, então dono
Abelardo Barbosa,
o Chacrinha: por da Record, estimulava uma certa “guerra civil” nos bastidores da emissora, formando
seu programa grupos de diferentes gêneros que rivalizavam entre si. Caetano Veloso chega a dizer,
passaram grandes no filme, que foi assistindo os programas de Chacrinha, com sua estética tropicali-
nomes zada, que sedimentou parte de sua linha de atuação. Ele também afirma, categori-
camente, que sem a TV, aqueles movimentos intensos não teriam ocorrido tal qual
aconteceram.
da TV no BRASIL
Cid Moreira e
Hilton Gomes
foram os primeiros
apresentadores do
Jornal Nacional
Desde 1950,
a TV brasileira
Testemunha ocular
tem sido, com
seu jornalismo,
da História
um arquivo – Atenção! Atenção! O senhor Presidente da República, Getúlio Vargas, suicidou-se
nas dependências do Palácio do Catete!
de registros
históricos de Na manhã daquele fatídico 24 de agosto de 1954, o veículo que primeiro deu
o plantão do desfecho da grave crise política que se desenrolava nos derradeiros
épocas, regimes dias de governo de Getúlio Vargas foi o rádio. Locutores empostavam as vozes com
políticos e dramaticidade para informar ao Brasil sobre o tiro fatal dado pelo mandatário da
nação no próprio peito. Mas as manifestações de desespero das pessoas em frente ao
episódios que caixão do líder político, as filas para o velório, a revolta contra os inimigos de Getúlio,
moldaram o esses registros em imagens já devemos à TV.
mundo como Ela havia chegado ao Brasil apenas 4 anos antes da morte trágica de Getúlio, mas
o conhecemos mostrou desde o início sua vocação para ser um dos principais meios de arquivo de
acontecimentos históricos. O primeiro telejornal brasileiro foi produzido pela emis-
hoje sora que inaugurou a TV no Brasil, a Tupi. Ele se chamava Imagens do Dia e começou
a ser produzido antes mesmo de a primeira transmissão do canal do magnata Assis
Chateaubriand ir ao ar. Uma equipe captou parte do desfile do 15 de Setembro em
São Paulo e isso foi exibido em 19 de setembro.
Portanto, um dia depois de a Tupi entrar no ar, o locutor Ruy Rezende leu um texto
introdutório e as imagens, captadas pelos cinegrafistas Jorge Kurkjian, Paulo Salomão
e Alfonso Zibas, começaram a ser mostradas ao ainda pequeno público paulistano
18 que tinha aparelhos receptores em casa. A professora Edna Mello Silva, professora da
Universidade Federal de São Paulo, resgatou essa história pioneira, estudando essas
primeiras imagens do telejornalismo nacional, condensadas em 8 filmes preservados
na Cinemateca Brasileira.
“Na época, a programação da TV Tupi de São Paulo iniciava-se a partir das 20 horas
e o telejornal não tinha um horário certo para ser veiculado, pois dependia da pro-
gramação a ser exibida antes dele”, escreve a pesquisadora, em um de seus estudos
sobre o tema. Ela aponta que a linguagem então empregada ainda estava muito
da TV no BRASIL ligada à do rádio, mas não só a ele. “É possível deduzir que a influência do cinejornal
pode ter sido marcante na forma de reportar os acontecimentos. Notícias esportivas
e informações ligadas à agenda dos governantes.”
Canal 100: telejornal O rádio, porém, era o meio de comunicação com mais apelo popular e não demo-
era exibido nos rou para seu principal produto jornalístico migrar para a TV. No ar desde 28 de agosto
cinemas e tinha o de 1941 na Rádio Nacional, o Repórter Esso (tinha esse nome porque era patrocinado
futebol como centro
pela gigante do petróleo) era um companheiro inseparável dos brasileiros. Com o
slogan “Testemunha Ocular da História”, sua primeira transmissão informou o público
sobre o ataque alemão à Normandia, na França, durante a Segunda Guerra Mundial.
Escutá-lo à noite tornou-se tradição familiar.
Heron deu todas as informações e saiu da emissora carioca para jantar com amigos.
Voltou para casa e deitou-se. Naquela mesma noite, um enfarte fulminante calou uma
das vozes mais conhecidas do Brasil desde os tempos do Repórter Esso no rádio, aos
50 anos de idade. Esta é uma das muitas histórias que beiram o inacreditável e mar-
cam o telejornalismo brasileiro na sua missão de levar informações de fatos relevantes
ao público. Heron era
comentarista do Jornal Na-
cional, cuja primeira edição
foi apresentada por Hilton
Gomes e Cid Moreira.
O modelo de ancoragem mais opinativo dos telejornais foi inaugurado por aqui
por Boris Casoy, no SBT Brasil, e Marília Gabriela inovou na forma de fazer entrevistas
com mais profundidade em seus programas na Bandeirantes. Flagrantes, furos jor-
nalísticos, coberturas especiais, premiações internacionais – como o material produ-
zido pela Rede Globo sobre a invasão do Complexo do Alemão – ajudam a contar
20 essa trajetória de sete décadas.
Nada passou em branco
A televisão levou todos os fatos históricos para dentro da casa dos brasileiros
nos últimos 70 anos, cobrindo, em cada uma das sete décadas que compõem sua
trajetória, o que de mais importante moveu o mundo, dos avanços da ciência às
maiores tragédias, das guerras e revoluções aos feitos humanos que desafiaram nossa
imaginação. Tudo pôde ser visto em preto e branco ou a cores, no formato analógico
da TV no BRASIL ou digital, em imagens fugidias ou em alta definição. São 70 anos de mediação entre
nossa vida e este vasto mundo.
Anos 1950
ANOS JK – O presidente Juscelino Kubitschek soube, como poucos, abrir seu
sorriso para os ainda incipientes noticiários de TV, mas que já captavam o espírito
daqueles 50 anos em 5. Uma coroação que veio com as obras e a inauguração de
Brasília, tudo filmado.
Anos 1960
GOLPE DE 64 – A crise iniciada com a renúncia de Jânio Quadros e agravada no
governo de João Goulart resultou no golpe militar de 1964, também coberto – e
até mesmo apoiado – por emissoras de TV, que dali por diante viveriam, por sua vez,
períodos de dura censura.
Anos 1970
REVOLUÇÃO SEXUAL – Os anos 1960 já haviam sido de mudanças profundas no
comportamento e na cultura, o que continuou nos anos 1970. No Brasil, os hippies,
roqueiros, os jovens ganharam cor, podendo ser vistos em programas jornalísticos na
TV brasileira.
21
Anos 1980
DIRETAS JÁ E TANCREDO – Comícios pelo Brasil, votação no
Congresso para a volta das eleições diretas para presidente, derrota,
vitória no Colégio Eleitoral. Tancredo Neves punha fim à ditadura, mas
morreu sem tomar posse. A TV acompanhou seu ápice e seu martírio.
Anos 1990
IMPEACHMENT DE COLLOR – Povo na rua vestido de preto e
um coro único pelo País. A TV brasileira, como se cobrisse um enredo
policial, via as provas se avolumarem contra o então presidente Fer-
nando Collor e transmitiu ao vivo a votação de seu impeachment.
Anos 2000
11 DE SETEMBRO – Uma cena inacreditável. Ao vivo, canais
transmitiam o choque do segundo avião contra as Torres Gêmeas
do World Trade Center, em Nova York, enquanto cobriam a primeira
colisão. O Brasil e o mundo pararam para ver os ataques terroristas nos
EUA.
Anos 2010
PRIMAVERA ÁRABE – Quedas de ditadores – algumas delas,
de forma violenta –, pedidos por mais liberdade e desestabilização
da geopolítica internacional. A chamada Primavera Árabe ganhou
amplo espaço nos noticiários e os brasileiros puderam testemunhar
os protestos.
22
FEBRES E MODAS DA TV
da TV no BRASIL
O corte de cabelo
de Tônia Carrero
em Pigmaleão
70 (1970) é até
hoje um dos mais
copiados
TV foi uma
inventora e
Fazendo a cabeça do público
“V
propagadora ocê tem a pulseira da Jade?” “Viu o cabelo da Solange?” “Aquele
de tendências vestido da Preta é lindo.” “Gostei da camisa do Flamel.” Em diferentes
momentos, essas frases estiveram na boca dos brasileiros e elas
em roupas e mostram que a TV dita moda, estabelece tendências, vira febre. As pulseiras da Jade
penteados, eram as que Giovanna Antonelli usava na novela O Clone. O cabelo da Solange era
o ostentado por Lídia Brondi em Vale Tudo. O vestido da Preta era o desfilado por
lançando modas Taís Araújo em Da Cor do Pecado. A camisa do Flamel era a marca do figurino do
que ganharam alquimista de Edson Celulari em Fera Ferida.
As mais copiadas
O cabeleireiro Eder Bueno recorda-se de alguns íco-
nes da TV brasileira que já movimentaram e ainda agitam
os salões de beleza com seus estilos. “Um dos cortes mais
copiados, ainda hoje comentados, é o da Tônia Carrero
na novela Pigmaleão 70. Até hoje é pedido, com uma
nova releitura, claro. Outros cortes muito copiados foram
Marília Pêra o da atriz Marília Pêra, em Brega & Chique, da Cristiane
em Brega Torloni, em A Gata Comeu, da Vera Fischer, em Perigosas
& Chique Peruas, e da Débora Falabella, em Avenida Brasil”, cita.
(1987): “Outra atriz muito copiada é a Glória Pires.”
outro corte
muito
Para diferentes linhas de corte, referências também
pedido
distintas. “Falando em franjas, as mais famosas até hoje
foram as de Lídia Brondi, em Vale Tudo, e de Alinne
Moraes, em Duas Caras. Febre na época. Em repicados,
o mais famoso é o de Cláudia Raia. Nos tempos mais
atuais, vem o cabelo da Cláudia Abreu, em Belíssima”,
aponta. “A atriz mais copiada atualmente é a Giovanna
Antonelli, e seu cabelo de mais sucesso foi o da novela
Da Cor do Pecado. Ela estava com um cabelo curto, todo
arrepiado atrás, franja toda colorida. Muito lindo”, elogia.
Os vestidos “Algumas histórias possuem personagens com mais
de veludo
apelo estético e isso, consequentemente, se reflete no
da Nazaré,
em Senhora figurino”, revela o figurinista Paulo Vitor. “O trabalho
do Destino do figurinista é conseguir equilibrar essa variante com
(2004) um olhar estético para a TV.” Peças mais simples, que
marcaram o dão mais margem para serem reproduzidas, largam na
figurino da frente nessa corrida, como as blusas ciganinhas da per-
época sonagem Babalu (Letícia Spiller), em Quatro por Quatro.
Paulo Vitor, desde criança, prestava atenção no que o
24 pessoal vestia nas atrações da TV. “Sempre!”, enfatiza.
Suas lembranças sobre os figurinos que lhe marcaram permanecem muito
vivas. “Um que eu me lembro muito é o da personagem Fada Bela (Angélica), no
programa Caça Talentos. Lembro dos figurinos do Castelo Rá-Tim-Bum. De nove-
las, os vestidos de veludo da Nazaré em Senhora do Destino; as roupas branco/
Off white da eterna Carminha, de Avenida Brasil, e por aí vai...” Mais exageradas,
como a viúva Porcina (Regina Duarte), em Roque Santeiro, ou mais sóbrias, como
as Helenas de Manoel Carlos, todos os estilos convivem na TV.
da TV no BRASIL
Nem sempre
dá para seguir
Nem todos podem dizer que têm a versatilidade capilar de
uma Fátima Bernardes, certo? A apresentadora ficou conhecida
por fazer verdadeiras revoluções nos cabelos, deixando às vezes
o público surpreso, perplexo. Certa vez, ela precisou explicar seu
novo visual depois do choque que as pessoas levaram ao vê-la
na bancada do Jornal Nacional. Nem sempre é possível fazer tan-
tas peripécias, ainda que a moda que a TV sugere seja tentadora.
“Nessas horas, temos que explicar que não dá para fazer o que
querem. Já perdi cliente por causa disso”, admite o cabeleireiro
Eder Bueno.
25
Quem lembra dessas modas?
AS BOCAS DE SINO – Nos anos 1960 e 1970, as calças bocas
de sino, camisas bufantes e, depois da chegada da cor à TV, um
verdadeiro arco-íris na telinha, alimentavam os sonhos de consumo
do público, dos programas da Jovem Guarda da Record a Beto
Rockfeller, da Tupi.
da TV no BRASIL
COSTELETAS JORNALÍSTICAS – A cena parece insólita, mas
nos anos 1970, Cid Moreira e Sérgio Chapelin, na bancada do Jornal
Nacional, ostentavam vistosas costeletas, cabelos volumosos, ternos
com cortes da moda e cores berrantes. Difícil prestar atenção nas
notícias.
27
HUMOR NA TV
da TV no BRASIL
Chico Anísio
como Salomé:
crítica à
ditadura
militar
C
hico Anysio, travestido de uma senhora gaúcha, pega o telefone e dispa-
figuram entre ra, no melhor sotaque dos pampas: “João Baptista? É Salomé!” Em plena
as principais ditadura militar, o presidente João Baptista Figueiredo era satirizado pela
personagem do maior criador de tipos da história do humor na TV do Brasil, em
atrações da TV esquetes que não perdoavam as mazelas de um País que vivia sob censura. Em
em sua história horário nobre da Globo, Chico levava ao público uma crítica contundente que
os telejornais não eram autorizados a fazer. Este é um dos papéis que o humor
no Brasil, desempenhou por aqui.
transformando- Nos seus 70 anos de história, rir fez parte do cotidiano de quem assiste TV nas mais
se no decorrer diversas emissoras do País. Já nos seus primeiros anos, alguns formatos humorísticos
das décadas migraram do rádio para a nova mídia. Certos quadros, como o Primo Rico e Primo
Pobre, interpretados pelos veteranos Paulo Gracindo e Brandão Filho, por exemplo,
e traduzindo atravessaram décadas, fazendo aparições em vários programas. Outros nasceram
nossa num formato para a TV, mas com tipos trazidos do circo e do rádio, como A Praça da
Alegria, que estreou na Tupi ainda em 1953.
mentalidade e
vida pública Explorando a lógica dos vaudevilles franceses e as peças de Teatro de Revista
brasileiros, o riso na TV nacional buscou sua identidade, seja com fórmulas que
apostavam na picardia, em piadas de cunho sexual, quanto num humor mais
inocente, ou mesmo físico, algo mais inspirado em comediantes clássicos do ci-
nema, como a dupla O Gordo e o O Magro, Buster Keaton, Irmãos Marx e Charles
Chaplin. Dessa variedade de opções, a TV brasileira foi encontrando seu próprio
28 jeito de fazer um público imenso e heterogêneo rir ao mesmo tempo.
Logo vieram os comediantes de destaque, muitos deles iniciados também no
rádio, no circo ou nas comédias da Atlântida dos anos 1940 e 1950, grande labo-
ratório de roteiristas, atores e atrizes que se tornaram populares da maior parte do
público brasileiro por meio da TV. Puxados pelo carisma da imbatível dupla Oscarito
e Grande Otelo, outros rostos estrearam naquela época, para, nas décadas seguintes,
virarem referência no novo meio. Em certa escala, as chanchadas da telona migra-
ram para a telinha, com outros recursos e armas.
da TV no BRASIL Os programas de humor ganharam mais vigor na TV brasileira nos anos 1960,
sobretudo na Record e na Excelsior. Nelas, Ronald Golias aprontava confusões na
Família Trapo e Moacyr Franco mostrava seus múltiplos talentos de ator, cantor e
comediante em Moacyr Franco Show. É
quando a Globo, inaugurada em 1965,
entra nessa disputa, primeiro com Balança,
Mas Não Cai, em 1968, e depois com Faça
Humor, Não Faça Guerra. Por trás dessas
produções, havia nomes como Carlos
Manga e Max Nunes, roteiristas e diretores
provindos do cinema e do rádio.
Um dos expoentes daquela nova fase dos humorísticos que cutucavam nas
feridas do País foi Chico Anysio, que estreou seu Chico City na Globo em 1973, por
O quadro Primo onde desfilavam personagens que tinham a língua ferina e o comportamento
Rico, Primo Pobre desprezível, incluindo aí coronéis autoritários e políticos corruptos. Nos programas
foi um dos grandes que faria depois, Chico Anysio acrescentaria a essa galeria um líder religioso pilantra,
sucessos da TV gente que dava carteiradas para conquistar privilégios, moralistas que tinham vidas
secretas para lá de animadas. Um quadro comple-
to do Brasil, enfim.
Os Mestres da Alegria
Por muitos anos, Chico Anysio e Jô Soares, na Rede Globo, e Carlos Alberto
de Nóbrega, titular no SBT há mais de 30 anos do banco da Praça É Nossa,
herdado de seu pai, Manuel de Nóbrega, foram portos-seguros para comediantes
veteranos que ajudaram a construir o humor na TV brasileira. Em seus programas,
verdadeiras entidades da área, como José Vasconcellos, Zezé Macedo, Walter
D’Ávila, Lúcio Mauro, Costinha, Antônio Carlos Pires, Moacyr Franco, Zilda
Cardoso, Grande Otelo e Brandão Filho, continuaram no dia-a-dia do público.
José Vasconcelos
Ao mesmo tempo, essas atrações também revelaram novos nomes do humor,
como Tom Cavalcante, Cláudia Jimenez, Fafy Siqueira, Heloísa Perissé, Ingrid
Guimarães, Marcius Melhem, Leandro Hassum e o próprio filho de Chico Anysio,
Bruno Mazzeo. Além disso, popularizaram tipos que se tornaram sinônimos
de certas situações brasileiras, gravando bordões em nossa memória. Dona
Bela, Catifunda, Rolando Lero, a Velha Surda, Bronco, Baltazar da Rocha e João
Canabrava viraram “pessoas” e não apenas personagens.
Carlos Alberto de
Nóbrega (direita) em
um dos quadros de
sucesso do A Praça é
Nossa: a velha surda
O seriado
mexicano Chaves
ficou no ar no Os enlatados de sucesso
SBT por mais
de 35 anos Se foi sem querer querendo, não sei, mas que o sucesso veio com tudo e para ficar,
ininterruptos já não resta dúvidas. O sucesso tão longevo e insuspeito como o do seriado Chaves,
que ficou no ar no SBT por mais de 35 anos ininterruptamente – ainda
mais em se tratando de um produto produzido no México ainda nos
anos 1970 –, é um fenômeno cuja explicação talvez nem mesmo seja
mais necessária. Em termos de programa de humor, com a famosa
claque (a risada artificial inserida na cena), nenhum enlatado conquistou
tantos fãs no Brasil quanto este.
da TV no BRASIL
Seleção campeã
do mundo em
1958, na Suécia
Q
uando a TV brasileira foi inaugurada, em setembro de 1950, o Brasil vivia
Olimpíadas, um de seus maiores traumas esportivos, um luto que se abatera sobre
o País dois meses antes. Em 16 de julho daquele ano, cerca de 200 mil
Fórmula 1 e até pessoas no Maracanã viram a Seleção Brasileira de futebol perder a final da
campeonato primeira Copa do Mundo disputada no Brasil, levando 2 x 1 do Uruguai, no que
ficou conhecido como Maracanazo. O Brasil nunca havia sido campeão e ainda
de sinuca. A TV esperaria 8 anos para ter este sonho realizado. A TV nasceu por aqui num ano
brasileira, em esportivamente fatídico.
seus 70 anos, O esporte foi uma das armas do novo veículo para conquistar público, ainda
alimentou a que houvesse pouquíssimos aparelhos de TV disponíveis para receber essas ima-
gens pioneiras. Em um estudo apresentado na USP sobre as transmissões espor-
paixão por todos tivas na televisão brasileira, Henrique Gasparino resgata a informação de que a TV
os esportes Tupi, primeira emissora do País, colocou no ar, ainda em seu início, o programa
Vídeo Esportivo, apresentado por Aurélio Campos. O primeiro jogo transmitido
e produziu foi um Palmeiras x São Paulo, no Estádio do Pacaembu, em outubro de 1950.
instantes
Nos anos seguintes, questões estruturais permaneceram sendo obstáculos
memoráveis difíceis de superar para uma maior popularização das transmissões esportivas
pela TV. O rádio continuou a ser o modo preferido do público para acompanhar
os grandes clássicos e até a Copa do Mundo, uma vez que quando se falava em
esporte, todo mundo logo pensava em futebol, claro. Os fãs de esportes olím-
picos aguardariam ainda mais para conseguir ver na TV as modalidades serem
disputadas. A primeira transmissão de Olimpíadas no Brasil foi em 1972, direto da
34 Alemanha.
Seleção Brasileira
masculina de vôlei,
medalha de ouro nos
Jogos Olímpicos de
Barcelona, em 1992
da TV no BRASIL
Entrou para a história o desafio de vôlei internacional que a emissora e Luciano pro-
gramaram para o Maracanã em 1983, um embate entre Brasil e a União Soviética. Uma
quadra foi montada no gramado do estádio e quase 96 mil pessoas (o que ainda é um
recorde de público absoluto na modalidade) foram até lá para ver aquele time que,
um ano depois, chegaria à final olímpica dos Jogos de Los Angeles. Aquele evento foi
fundamental para a popularização do esporte no Brasil, que passou a ser o segundo
mais apreciado por aqui, só atrás do futebol.
Nas últimas três décadas, com coberturas mais grandiosas, novas tecnologias de
captação de imagens e de som, uso de computação gráfica e estruturas gigantescas
de transmissão, o esporte ganhou mais visibilidade ainda. Veio a TV a cabo, com canais
exclusivos para as competições, como SporTV, ESPN, Fox Sports. Campeonatos do ex-
terior, como a NBA e a NFL, dos Estados Unidos, conquistaram fãs e audiência. E o Brasil
descobriu, via TV, ídolos na ginástica, na natação, na canoagem, no judô, nos games,
35 no salto em vara, no surf, no MMA...
da TV no BRASIL
Pelé
comemora
gol durante
a Copa do
Mundo de
1970, no
México
As Copas na TV
Estima-se que na Copa do Mundo de 1954, a primeira a ser realizada após a intro-
dução da televisão no Brasil, não havia nem 40 mil aparelhos de TV no Brasil e quase
nenhum tinha tecnologia para captar os jogos, já que as transmissões por satélite
ainda não estavam disponíveis. Viagens internacionais eram caríssimas, mas mesmo
assim, emissoras como Tupi e TV Rio investiam pesado e improvisavam no que po-
diam. E tudo dependia dos canais do exterior, nem sempre em condições melhores
para oferecer imagens e som dos mundiais.
Esse quadro melhorou, mas não mudou substancialmente nos anos seguintes. O
brasileiro não pôde ver ao vivo pela TV os dois primeiros títulos mundiais do Brasil.
Em 1958, a transmissão da Copa da Suécia ficou na mão de um pool de emissoras
da Europa, a Eurovisão, mas a Tupi colocou no ar, no ano anterior, um programa
especial, o Panair na Copa do Mundo, em que Oduvaldo Cozzi, narrador de jogos
na TV e no rádio, entrevistava personalidades da bola. Uma equipe da emissora foi
enviada a Estocolmo para produzir reportagens.
Isso não quer dizer que o público ficava totalmente órfão dos jogos do Brasil na
Copa. Trechos das partidas e os confrontos contra França (semifinal) e Suécia (final)
foram gravados em filmes de 16 milímetros, chamados de kinescópios, e transporta-
dos para cá por aviões. Esse material era exibido na Tupi do Rio de Janeiro e de São
Paulo e na TV Itacolomi, de Belo Horizonte, com o acréscimo de comentários. Tudo
só pôde ser visto alguns dias depois da realização dos jogos. No rádio, era possível
acompanhar a partida no momento da disputa.
xima de nós, os jogos foram exibidos um dia depois de sua realização. Foi estudada
uma forma de se transmitir os sinais do país sul-americano para as antenas das emis-
soras, mas havia uma Cordilheira dos Andes no meio do caminho, o que impediu a
operação. Vinte emissoras de TV no Brasil conseguiram exibir os jogos, com mesmas
imagens e narrações. Era um prenúncio.
Nos insucessos de 1974 e 1978, a conotação política já não foi tão forte e em 1982,
o Brasil assistiu, extasiado, ao jogo bonito de um time que parecia mágico. Mas a
mágica perdeu para o pragmatismo italiano e mais derrotas vieram em 1986 e 1990.
Só em 1994, o Brasil voltou a comemorar uma nova conquista da Copa, com a cena
final de um Galvão Bueno descontrolado gritando, abraçado a Pelé: “É tetra! É tetra!”.
O narrador também seria a voz mais emblemática da conquista de 2002 e até do 7x1
37 que levamos da Alemanha, em nosso vexame em casa.
Momentos
inesquecíveis
AS VITÓRIAS NAS PISTAS – As manhãs e ma-
drugadas de domingo ganharam uma trilha sonora.
A primeira vez que se pôde ouvir o chamado Tema
da TV no BRASIL da Vitória foi em um êxito de Nelson Piquet, mas foi a
Ayrton Senna que ele ficou associado. A TV mostrou
os três títulos de ambos, além do bicampeonato de
Emerson Fittipaldi, além de sua vitória nas 500 milhas
de Indianápolis.
da TV no BRASIL
a diferentes Chacrinha pertence àquele grupo de personalidades que não só deixaram marcas
gerações que registradas em seus programas, mas redesenharam os contornos do próprio veículo
de comunicação. O sofá de Hebe Camargo tornou-se sinônimo de entrevistas das
acompanharam quais poderiam sair revelações inusitadas e que era um espaço de encontros inima-
os 70 anos da gináveis. O imenso microfone pendurado no colarinho e a voz e a risada inconfun-
díveis de Sílvio Santos viraram a senha não só de seus programas dominicais, mas a
história da TV referência para os animadores de auditório que vieram depois.
no Brasil
Desde que entrou no ar em setembro de 1950, a TV brasileira produziu nomes e
tipos que guiaram seus destinos e criaram familiaridade com o público já na emissora
pioneira, a Tupi. Pouco tempo depois de entrar no ar, seus executivos perceberam que
programas de auditório eram um nicho a ser explorado. Uma receita que já vinha do
rádio, mas que precisava passar por algumas adaptações. As atrações necessitavam
ser mais coloridas, com algumas boas doses de sensacionalismo, com bastante
música e certos toques de suspense fabricado.
Essa linha de shows ganhou o horário nobre e ajudou a conquistar público mais
extenso para a TV, o que também havia ocorrido nos EUA. Um dos primeiros a palmi-
lhar esse terreno foi J. Silvestre, que estreou na Tupi em 1955, com o famoso O Céu é
o Limite. Um de seus feitos foi ter alcançado a incrível marca de 84 pontos no Ibope.
Uma febre nacional. Em 1956, o Almoço com as Estrelas, comandado pelo casal
Hairton e Lolita Rodrigues, estreou no canal, ocupando as tardes de sábado. Mais uma
40 ideia importada do rádio que deu certo.
Ao lado das novelas e dos telejornais, assistir TV significava também ficar ligado
nesses apresentadores em ação. Isso desde o início. Hebe Camargo gostava de
repetir a história de que só não participou da primeira transmissão da Tupi, em 18 de
setembro de 1950, porque “estava namorando”. Mas seu lugar estava reservado. Sua
estreia foi na TV Record, em 1966, com breves passagens por uma Tupi já nos seus
últimos suspiros e pela Bandeirantes, antes de se consagrar no SBT. Quem a con-
da TV no BRASIL tratou sabia da força de tais grifes televisivas. Na TV Paulista, em 1962, Sílvio Santos
surgiu na frente das câmeras pela primeira vez, em um game show, algo que saberia
explorar como ninguém. O ex-camelô sabia vender produtos e a si próprio. Seu
horário era comprado no canal e essa relação continuou quando a Globo adquiriu a
Paulista. Sim, Sílvio Santos, por dez anos, foi o rei dos domingos na Globo, antes de
fundar seu próprio canal, a TVS, depois rebatizado de SBT.
Entre as mulheres, Xuxa, jovem atriz lançada como apresentadora para o públi-
co infantil na TV Manchete, tornou-se, nos anos 1980, a Rainha dos Baixinhos nas
manhãs da Globo. Em sua esteira vieram Angélica e Eliana. Em outro segmento,
Ana Maria Braga, que fez sucesso na Record antes de ir para a Globo, investiu numa
mistura que ia dos fogões de Ofélia, a rainha das receitas, e a extinta TV Mulher, que
debatia comportamento e entrevistava celebridades. Uma TV em evolução conta-
da por seus personagens.
41
da TV no BRASIL
Programa J.
Silvestre chegou
a alcançar 84
pontos no Ibope
Os 40 anos do fim
Em 18 de julho de 1980, funcionários do governo federal entraram nas sedes da
TV Tupi em São Paulo e no Rio de Janeiro para tirar a primeira emissora do Brasil e da
América Latina do ar. Sua concessão não foi renovada pelo governo militar de João
Figueiredo. Naquele dia, também eram interrompidas as atividades de mais cinco
emissoras ligadas à Tupi: A TV Itacolomi, de Belo Horizonte; a TV Rádio Clube, de
Fortaleza; a TV Rádio Clube Pernambuco, do Recife; a TV Marajoara, em Belém; e a TV
Piratini, em Porto Alegre.
OS CASAIS QUE
ENCANTARAM – Muitas
novelas foram escaladas
para que o público
seguisse na ficção casais
que realmente existiam
na vida real. Tarcísio
Meira e Glória Menezes
e Yoná Magalhães e
O PIOR DOS CARRASCOS – Novela brasileira
Carlos Alberto foram
mais vendida no exterior em toda a história, o su-
pares românticos em
cesso no Brasil e em dezenas de países também se
várias tramas. Eva Wilma
deveu ao seu vilão com jeito de galã, encarnado
e John Herbert tiveram
por Rubens de Falco. Seu personagem, o senhor de
um seriado. Paulo Goulart
escravos Leôncio, provocou no público sentimentos
e Nicette Bruno também
contraditórios, indo da repulsa à sedução. Fórmula
marcaram época.
43 perfeita para atrair audiência.
da TV no BRASIL
da TV no BRASIL
Q
uanto tempo demorou para o público goiano chegar à era da TV, instalada
que ajudam a no Brasil em setembro de 1950? Cerca de uma década, segundo o livro
contar a história Imprensa Goiana – Depoimentos para a História, publicação da Associação
Goiana de Imprensa. A primeira emissora a ser implantada no Estado foi a TV Rádio
do mais popular Clube, em 1961. O canal fazia parte do império dos Diários Associados, conglomerado
veículo de de mídia do magnata Assis Chateaubriand, responsável por trazer a televisão para o
País, dando prosseguimento a uma história de pioneirismo.
comunicação do
País em Goiás A Rádio Clube foi a primeira emissora radiofônica inaugurada em Goiânia,
durante o Batismo Cultural da nova capital, em 1942. Quase 20 anos depois,
coube a essa mesma empresa trazer a nova tecnologia, ainda que de forma
experimental. Os sinais já estavam sendo transmitidos com mais regularidade
e os aparelhos receptores começavam a ser mais acessíveis e passavam a
conquistar público. Claro que era um mercado que despertava interesse. Antes
da Rádio Clube, experiências no final dos anos 1950 já eram feitas nesse sentido
por aqui.
Cena de
A Família
Brodie, novela
escrita por
Cici Pinheiro
“Ela foi a primeira a escrever uma radionovela em Goiás, chamada Era Uma
Senhora Mais Brilhante que o Sol, em homenagem à vinda da imagem de Nossa
Senhora de Fátima a Goiânia, em 1951. Teve a duração de três semanas e foi
apresentada na Rádio Brasil Central”, destaca Antenor. Depois ela foi para São Paulo,
onde passou em um concurso para integrar o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC).
Passagem pelos palcos e estúdios paulistas que lhe valeu a amizade de nomes
como Cacilda Becker, Paulo Autran, Dina Sfat, Sérgio Cardoso e Raul Cortez. O nome
de Ceci Pinheiro se confunde com a teledramaturgia feita em Goiás.
48
Espaço para os talentos
A Juventude Comanda e Frutos da Terra. Dois programas musicais com estilos
diferentes, mas que têm algo em comum: em suas respectivas épocas, ajudaram
a valorizar os talentos goianos, abrindo espaço na TV aos artistas locais. “A gente
adaptou o que eu fazia no rádio para a televisão. Na Rádio Brasil Central e depois
na Rádio Anhanguera, eu apresentei o programa A Juventude Comanda. Era
da TV no BRASIL um programa de rock, de música jovem. De 1964 a 1969, eu apresentei na TV
Anhanguera esse programa”, recorda o jornalista Arthur Rezende.
O Festival Comunica-Som
foi realizado entre 1971 e 1985,
com as semifinais e finais sendo
transmitidas pela TV Anhanguera,
no melhor estilo dos festivais
de música nacionais, como os
da Record. “Era uma festa e teve
muito sucesso, porque a cada ano
a gente aumentava o número
de participantes. Na semifinal
e final, tínhamos a presença de
grandes nomes da música popular
brasileira, jornalistas da cena
nacional, diretores de gravadoras
e editoras.” Paulinho Tapajós e Ivan
Lins, por exemplo, estiveram no
júri de algumas edições.
Arthur Rezende
esteve à frente de João Caetano, Marcelo Barra e Bororó foram revelados nesses festivais. “Falar
A Juventude no sobre a criatividade da televisão daquela época é interessante porque tivemos
Comando que fazer das tripas, coração. As câmeras eram enormes, davam uma dificuldade
danada para locomover. Tivemos muita dificuldade para fazer o registro daquele
período”, admite Arthur. Parte desses registros, sobretudo de A Juventude
Comanda, se perdeu no incêndio da TV Anhanguera de 1967, mas ficaram
lembranças. “Trazíamos grandes nomes, como Roberto Carlos e Jerry Adriani.”
49
da TV no BRASIL
Hamilton
Carneiro criou
o programa
Frutos da
Terra
50
Uma história
da TV no BRASIL
resgatada
Uma outra emissora histórica em Goiás é a TV
Brasil Central, hoje ligada à Agência Brasil Central.
Canal estatal do governo estadual, entrou no ar
em 1975 e fez, em todo esse período, a cobertura
dos principais fatos que mudaram os destinos dos
goianos. “A TBC e as outras emissoras fazem parte
da memória do Estado”, avalia o jornalista Enzo de
Lisita, que liderou uma equipe na produção de uma
série documental sobre a trajetória do canal e que
acaba de estrear. “E quantos fatos
marcantes há. Por isso é importante
construir esse acervo.”
Apresentador de programas
na TBC e professor de jornalismo
na PUC Goiás, Enzo trabalhou em
outras empresas, como a TV Serra
Dourada. Essa experiência na área
lhe deu bagagem para conduzir
22 entrevistas com profissionais
que têm a TV Brasil Central em sua
trajetória. “A gente vai descobrindo
coisas curiosas, reportagens que
você não lembrava mais, entrevistas
Enzo de Lisita: “A TBC interessantes”, destaca. Seu trabalho
e as outras emissoras contou com a colaboração do arquivo depositado
fazem parte da no Museu da Imagem e do Som (MIS), com materiais
memória” jornalísticos da emissora.
51
A TV EM NOSSAS VIDAS
da TV no BRASIL
transformou A cena, descrita no livro Chatô, O Rei do Brasil, de Fernando Morais, se passou em
nossa trajetória fevereiro de 1949, um ano e meio antes de a primeira emissora de TV da América La-
tina e a quarta no mundo entrar em funcionamento. Forster, que seria um dos mais
e nossa poderosos executivos do meio de comunicação que estava nascendo, perguntou a
mentalidade Assis naquele momento: “O senhor está pretendendo acabar com o nosso campi-
nho de peteca?” E a resposta veio no melhor estilo Chatô: “Vocês vão jogar peteca
no diabo que o carregue; aqui vão ser os estúdios da TV Tupi.”
Fernanda
Montenegro e Paulo
Autran em cena
famosa da novela
Guerra dos Sexos,
da Globo
54
Uma fórmula de sucesso
A Globo, que também começou sua trajetória na teledramaturgia fazendo
adaptações de histórias do rádio e de romances do século 19, mudou essa chave,
sobretudo, a partir de O Bem Amado, de 1973, novela que ainda teve a honra de
inaugurar a cor na emissora e virou febre. O imaginário de Jorge Amado entrou
na sala dos brasileiros com Gabriela em 1975. “Existe um esforço em abranger os
da TV no BRASIL vários brasis na programação”, comenta Nilson Xavier, mesmo ressalvando o que
chama de “pequenos vícios” em que incorreram as novelas.
São 70 anos que mostram a variedade que esse meio de comunicação apre-
senta. Das primeiras experiências na Tupi ao streaming do GloboPlay, a TV agre-
gou linguagens, produziu clássicos e ícones, reconfigurou valores, lidou com
diferentes contextos políticos, invadiu o imaginário nacional. Certamente você
tem alguma lembrança – ou muitas delas – ligada à TV: uma notícia bombástica,
um programa da infância, uma novela inesquecível, um bordão engraçado. Oni-
presença em casas, bares, hotéis, hospitais. Uma presença em nossas vidas.
55
da TV no BRASIL
CRÔNICA
Dona Raimunda, telespectadora
Rogério Borges
E
m 1950, quando a TV chegou ao Brasil, uma família de retirantes deixava o
interior do Ceará em busca de uma vida melhor no sul. Saindo do sertão do
Cariri, um casal e seus 6 filhos pequenos (a mais velha tinha 11 anos de idade),
iniciaram, num pau-de-arara, uma aventura temerária, mas movida pela esperança.
Por 10 dias, eles atravessaram estradas rudimentares na carroceria de um caminhão,
sentados em tábuas duras ou sobre as próprias bagagens, passando as noites em
alojamentos simples ou mesmo dormindo debaixo do veículo.
O objetivo era o Paraná, mas a doença da filha caçula, um bebê de nove meses,
os fez parar no interior de São Paulo. A criança, vítima de difteria, não resistiu. Eles
conseguiram emprego em uma fazenda e energia elétrica era um luxo apenas de
algumas casas “da cidade”. Os anos se passaram, mais filhos vieram, eles começaram
a morar de aluguel na pequena Icém, na divisa de São Paulo e Minas Gerais, e por lá
uma novidade começou a aparecer. Uma luz diferente saía de determinadas janelas
à noite, criando aglomerações de olhos espantados.
Raimunda, a matriarca desta família nordestina, foi conferir com os filhos o que
era aquela mágica. E por ela encantou-se para sempre. Todas as noites passou a ser
convidada a assistir TV na casa de comadres, vizinhas, de patrões dela e dos filhos.
As imagens ainda eram em preto e branco e as primeiras novelas da Tupi e Excelsior
eram as atrações preferidas. Era o início de uma cumplicidade que duraria a vida
toda. Ela ainda não tinha dinheiro para ter o próprio aparelho de TV, mas a televisão
56 integrava seu cotidiano. Religiosamente.
Os anos se passaram, os filhos cresceram, o casamento acabou e Raimunda dei-
xou o interior paulista e veio para Goiás, onde muitos de seus filhos já viviam. E aqui
teve o prazer, no início dos anos 1970, de ter em sua sala aquela janela para mundo.
Assim, pôde acompanhar as aventuras dos Irmãos Coragem, pôde elogiar a beleza
do galã Carlos Zara na primeira versão de Mulheres de Areia, testemunhou as prese-
padas do prefeito Odorico Paraguaçu em O Bem Amado, a sensualidade trigueira de
Sônia Braga, em Gabriela.
da TV no BRASIL Raimunda também morou em Brasília, onde, já nos anos 1980, abria a casa para
os netos em férias. Eu era um deles e a wTV ocupava um lugar de destaque na sala.
Mas a imagem não era boa. A antena interna vivia enfeitada com bombril para tentar
pegar imagens mais nítidas. Lembro-me de minha avó praguejar por não conseguir
ver direito as imagens do velório da cantora Elis Regina, que passavam no jornal. Ao
retornar a Goiânia, pouco tempo depois, ela foi presenteada pelos filhos com uma TV
a cores. E seu encantamento aumentou.
57
da TV no BRASIL
COORDENAÇÃO
Silvana Bittencourt
Fabrício Cardoso
EDIÇÃO
Rodrigo Alves
REPORTAGEM
Rogério Borges
EDIÇÃO DE FOTOS
Weimer Carvalho
ARTE
Luiz Antena
FOTOS
Central Globo de Produções
Acervo Rede Globo
Acervo TV Tupi
Acervo Manchete
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Wildes Barbosa
Ricardo Rafael
Hélio Nunes
REUTERS/Zoubeir Souissi