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Em tempos de pressão sobre o preço dos alimentos e pânico generalizado de que faltará comida para alimentar a população

mundial, o estado de Mato Grosso deveria ter seu desempenho como potência agrícola enaltecido aos olhos do Brasil e do
mundo. De suas imensas fazendas, saem 3 de cada 10 quilos de soja produzidos no país. O estado detém a maior média de
produtividade do Brasil nessa cultura, equivalente ao nível alcançado pelos plantadores de soja americanos, os mais eficientes do
mundo. Uma conjunção de fatores explica a excelência no manejo da soja. “Clima muito favorável, solo que facilita a mecanização,
uso da melhor tecnologia disponível e, sobretudo, uma massa de produtores muitíssimo preparados para fazer uso desse
conhecimento”, afirma André Pessoa, diretor da Agroconsult, especializada em agronegócio.

Mato Grosso também é dono do maior rebanho de gado do país, lidera a produção nacional de algodão e deve assumir neste ano
a segunda posição no cultivo de milho. Suas exportações em produtos agrícolas alcançaram 5 bilhões de dólares em 2007. Esses
números, porém, não impedem que Mato Grosso seja visto não como solução, mas como problema. O estado tornou-se, aos olhos
do mundo, o principal vilão da destruição da floresta Amazônica. Um papel particularmente desconfortável em tempos nos quais a
questão ambiental extrapola ideologias e avança pela política, pela economia e pelos negócios. “Essa situação nos deixa
indignados”, diz Blairo Maggi, governador de Mato Grosso e maior produtor de soja do país. “Não defendo a ilegalidade, a lei do
‘vamos desmatar’. Mas Mato Grosso precisa ser encarado de forma diferente do restante da Amazônia. Somos produtores de
alimentos. E mudar isso não é algo livre de conseqüências.”

Nos últimos meses, o discurso corrente, dentro e fora do Brasil, é que o gigantismo agrícola de Mato Grosso estaria sendo
conquistado à custa da derrubada da floresta. A história não é exatamente nova: em 2005, Maggi ganhou notoriedade mundial ao
ser agraciado pela ONG ambientalista Greenpeace com o prêmio Motosserra de Ouro. Ele retornou com força total à berlinda em
janeiro deste ano, quando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que, depois de anos de calmaria,
as taxas de desmatamento na Amazônia tinham voltado a subir nos seis meses anteriores. E lá estava Mato Grosso liderando o
processo, com mais da metade dos 7 000 quilômetros quadrados derrubados no período e com 19 do total de 36 municípios
listados como campeões do desmatamento na região.

Nos três meses seguintes, a discussão ganhou mais visibilidade à medida que o governador Maggi — talvez o político brasileiro
em atividade mais citado na imprensa mundial depois do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — passou a questionar publicamente
a veracidade das informações. Ele tem alguma razão. É plausível, por exemplo, seu argumento de que estão incluídas nesses
dados áreas que já haviam sido desmatadas em anos anteriores. Números e bate-boca à parte, porém, o que parece que ficou
claro para o governador de Mato Grosso — assim como para deputados, associações de produtores, cientistas, ongueiros e outros
formadores de opinião da região — é que o estado não pode aceitar ou ignorar o estigma de destruidor da Amazônia. “Há cinco
anos eu não diria isso, mas hoje estou convicto de que os produtores locais estão cientes de que sua ascendência como potência
agrícola está ameaçada pelo ‘fator Amazônia’”, afirma o ecologista americano Daniel Nepstad, Ph.D. pela Universidade Yale e um
dos maiores especialistas mundiais em florestas tropicais.

“Eles terão de lidar com isso.” Isso significa que Mato Grosso — com metade do território inserida no bioma amazônico e dono de
uma atividade econômica vital para o Brasil — terá de encontrar uma maneira de conciliar o avanço do agronegócio com respostas
para a pressão ambiental.

Líder sindical seringalista, ativista ambiental brasileiro


CHICO MENDES
15/12/1944, Seringal Porto Rico, Xapuri (AC)
22/12/1988, Xapuri (AC)
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Chico Mendes foi assassinado na porta de sua casa


em Xapuri (AC)

Pobre e iletrado, o pai de Chico Mendes ganhava a vida extraindo látex das seringueiras na floresta amazônica. Aos nove anos, o garoto
Francisco Alves Mendes Filho também entrou para a profissão de seringueiro: era sua única opção, já que lhe foi negada a oportunidade
de estudar. Até 1970, os donos da terra nos seringais não permitiam a existência de escolas. Chico só foi aprender a ler aos 20 anos de
idade.

Indignado com as condições de vida dos trabalhadores e dos moradores da região amazônica, tornou-se um líder do movimento de
resistência pacífica. Defensor da floresta e dos direitos dos seringueiros, ele organizou os trabalhadores para protegerem o ambiente,
suas casas e famílias contra a violência e a destruição dos fazendeiros, ganhando apoio internacional.

Fundou o movimento sindical no Acre em 1975, com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia. Participando ativamente das lutas
dos seringueiros para impedir desmatamentos, montou o Conselho Nacional de Seringueiros, uma organização não-governamental criada
para defender as condições de vida e trabalho das comunidades que dependem da floresta.

Chico Mendes também atuou na luta pela posse da terra contra os grandes proprietários, algo impossível de se pensar na região
amazônica até os dias de hoje. Dessa forma, entrou em conflito com os donos de madeireiras, de seringais e de fazendas de gado.

Participou da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, em 1977, e foi eleito vereador para a Câmara Municipal local,
pelo MDB, único partido de oposição permitido pela ditadura militar que governava o país (1964-1985). Nessa época, Chico sofreu as
primeiras ameaças de morte por parte dos fazendeiros. Ao mesmo tempo, começou a enfrentar vários problemas com seu próprio
partido: o MDB não era solidário às suas lutas.

Em 1979, o vereador Chico Mendes lotou a Câmara Municipal com debates entre lideranças sindicais, populares e religiosas. Lembre-se:
era tempo de ditadura militar. Foi acusado de subversão e passou por interrogatórios nada suaves. Foi torturado secretamente e, como
estava sozinho nessa luta, não podia denunciar o fato, ou seria morto.

Foi assim, em busca de sustentação política, que decidiu ajudar a criar o Partido dos Trabalhadores (PT), tornando-se seu dirigente no
Acre. Um ano depois de ser torturado, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, acusado de ter participado da morte de um
fazendeiro na região que assassinara o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Brasiléia.

Em 1982, tornou-se presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Xapuri e foi acusado de incitar posseiros à violência, mas foi absolvido
por falta de provas.

Quando liderou o Encontro Nacional dos Seringueiros, em 1985, a luta dos seringueiros começou a ganhar repercussão nacional e
internacional. Sua proposta de "União dos Povos da Floresta", apresentada na ocasião, pretendia unir os interesses de índios e
seringueiros em defesa da floresta amazônica. Seu projeto incluía a criação de reservas extrativistas para preservar as áreas indígenas e
a floresta, e a garantia de reforma agrária para beneficiar os seringueiros.

Transformado em símbolo da luta para defender a Amazônia e os povos da floresta, Chico Mendes recebeu a visita de membros da Unep
(órgão do meio ambiente ligado à "Organização das Nações Unidas), em Xapuri, em 1987. Lá, os inspetores viram a devastação da
floresta e a expulsão dos seringueiros, tudo feito com dinheiro de projetos financiados por bancos internacionais.

Logo em seguida, o ambientalista e líder sindical foi convidado a fazer essas denúncias no Congresso norte-americano. O resultado dessa
viagem a Washington foi imediato: em um mês, os financiamentos aos projetos de destruição da floresta foram suspensos. Chico foi
acusado na imprensa por fazendeiros e políticos de prejudicar o "progresso do Estado do Acre".

Em contrapartida, recebeu vários prêmios e homenagens no Brasil e no mundo, como uma das pessoas de mais destaque na defesa da
ecologia.

Casado com Ilzamar e pai de Sandino e Elenira, Chico realizaria alguns de seus sonhos, ao assistir à criação das primeiras reservas
extrativistas no Acre. Também conseguiu a desapropriação do Seringal Cachoeira, de Darly Alves da Silva, em Xapuri. Foi quando as
ameaças de morte se tornaram mais frequentes: Chico denunciou o fato às autoridades, deu nomes e pediu proteção policial. Nada
conseguiu.

Pouco mais de um ano após sua ida ao Senado dos Estados Unidos, o ativista acabava de completar 44 anos quando foi assassinado na
porta de sua casa. Em 1990, o fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho, Derli, foram julgados e condenados a 19 anos de prisão, pela
morte de Chico Mendes.

Em dezembro de 2008, vinte anos depois de sua morte, por decisão do Ministério da Justiça, publicada no Diário Oficial da União de 11 de
fevereiro de 2009, Chico Mendes foi anistiado em todos os processos de subversão que corriam contra ele, e sua viúva Ilzamar Mendes
teve direito a indenização. Na ocasião, o ministro da Justiça, Tarso Genro, declarou: "Chico Mendes era um homem à frente de seu
tempo, um homem que construiu um amplo processo civilizatório. Hoje, o estado está pedindo desculpas pelo que fez com ele. Chico
Mendes foi importante para o Acre e para o Brasil."

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