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Educação Literária
A (80 pontos)
Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente
bonita e bem-nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira a primeira vez, para amá-
la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o
também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos.
5 Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos,
como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o
mesmo. Enganam-se ambos. O amor aos quinze anos é uma brincadeira; é a última
manifestação do amor às bonecas; é tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do
ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que está da fronde 1 próxima chamando:
10 tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.
Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma exceção no seu amor.
O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivos de litígios, em
que Domingos Botelho lhes deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois
criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria 2 da fonte.
15 É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtemperar 3 e
sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte. E este amor era
singularmente discreto e cauteloso. Viram-se e falaram-se três meses, sem darem rebate à
vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias. O destino que ambos se prometiam
era o mais honesto: ele ia formar-se para poder sustentá-la, se não tivessem outros
20 recursos; ela esperava que seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar, com o
coração, o seu grande património. Espanta discrição tamanha na índole de Simão
Botelho, e na presumível ignorância de Teresa em coisas materiais da vida, como são um
património!
Na véspera da sua ida para Coimbra, estava Simão Botelho despedindo-se da
25 suspirosa menina, quando subitamente ela foi arrancada da janela. O alucinado moço
ouviu gemidos daquela voz que, um momento antes, soluçava comovida por lágrimas de
saudade. Ferveu-lhe o sangue na cabeça; contorceu-se no seu quarto como o tigre contra
as grades inflexíveis da jaula. Teve tentações de se matar, na impotência de socorrê-la.
As restantes horas daquela noite passou-as em raivas e projetos de vingança. Com o
1
folhagem, copa de árvore.
2
briga em que Simão se envolveu, descrita no início da obra.
3
obedecer.
1
PALAVRAS 11
B (20 pontos)
5. A partir da tua experiência de leitura de Amor de Perdição, escreve uma exposição de oitenta a
cento e trinta palavras, em que demonstres que Simão Botelho configura um modelo de herói
romântico.
OU
B (20 pontos)
Leitura | Gramática
Os 150 anos da primeira edição do livro que Camilo escreveu na prisão estão a ser
festejados com pompa e circunstância. A obra até poderá merecer, mas não pelos motivos
que a tornaram mítica.
No prefácio que escreveu, em 1879, para acompanhar a 5.ª edição de Amor de Perdição,
5 Camilo Castelo Branco termina com uma profecia dubitativa: "Se, por virtude da
metempsicose, eu reaparecer na sociedade do século XXI, talvez me regozije de ver outra
vez as lágrimas em moda nos braços da retórica, e esta 5.ª edição do Amor de Perdição
quase esgotada."
Sugerir que a tiragem então acabada de sair levaria mais de um século a esgotar-se era,
10 da parte de Camilo, um óbvio e pouco convincente lance de modéstia, mas o que nem ele,
que nunca se teve propriamente em baixa conta, se atreveria a prever, nesses anos em que
os favores da crítica começavam a inclinar-se para a nova escola realista de Eça de Queirós,
era que essa "sociedade do século XXI" não apenas não esqueceria os amores contrariados
de Simão Botelho e Teresa Albuquerque, como iria mesmo celebrar, e com assinalável
15 pompa e circunstância, os 150 anos da publicação, em 1862, da primeira edição do Amor de
Perdição. (…)
O tributo mais original fica todavia a dever-se à autarquia portuense, que aprovou
recentemente a proposta de se batizar com o nome de Largo do Amor de Perdição a praceta
fronteira à Cadeia da Relação, onde Camilo esteve preso com Ana Plácido, e onde escreveu,
20 ao que parece em apenas 15 dias, a história dos contrariados amores de Simão Botelho e
Teresa Albuquerque. É a primeira vez que a cidade concede a um romance a honra de
figurar na respetiva toponímia.
Por que motivo, entre os tantos livros que o génio compulsivo de Camilo nos deixou,
haveria este romance em particular de conquistar os favores da posteridade e alcançar um
25 estatuto suficientemente icónico para se lhe renderem preitos geralmente reservados aos
autores, e não às obras? O ensaísta e camilianista Abel Barros Baptista acredita que o
próprio escritor, com o já referido prefácio de 1879, possa ter "contribuído para criar a ideia
de que este livro é mais importante do que os outros". Baptista lembra que Camilo, nesse
texto, caracteriza o sucesso editorial da obra como "um êxito fenomenal e extralusitano". À
30 sua escala, o Amor de Perdição foi, de facto, aquilo a que hoje chamaríamos um best-seller:
no primeiro quartel do século XX, já atingira vinte edições. (…)
Entre os elementos que confluíram na lenda gerada em torno da obra conta-se ainda o
suposto paralelismo entre a paixão contrariada dos protagonistas e os amores que tinham
lançado no cárcere o próprio Camilo e Ana Plácido. Uma comparação que Barros Baptista
35 igualmente desmonta, lembrando que a vida do romancista na cadeia portuense não era bem
a que se julga: "Saía de lá para apanhar sol, comprava pantufas para Ana Plácido..." (…)
Barros Baptista acha que o livro é "bastante moderno" e "muito menos linear e
convencional" do que geralmente se pensa, argumentando que "é difícil apontar-se uma
causa única para o que vai acontecendo". A título de exemplo, o ensaísta sugere que, no
40 final, Simão, a caminho do exílio, está já "mais interessado no seu destino do que na ligação
amorosa com Teresa", que definha no convento de Monchique.
3
PALAVRAS 11
4. A oração “como iria mesmo celebrar (…) os 150 anos da publicação, em 1862, da
primeira edição do Amor de Perdição” (ll.14-16) classifica-se como
4
PALAVRAS 11
Escrita
Para fundamentares o teu ponto de vista, de forma clara e pertinente, recorre a dois
argumentos, ilustrando cada um deles com um exemplo concreto e significativo.
Bom trabalho!
5
PALAVRAS 11
PROPOSTA DE CORREÇÃO
GRUPO I
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A
1. Teresa aparece amplamente caracterizada no texto.
Assim, é caracterizada como uma jovem, ainda adolescente (“menina de quinze
anos” – l. 1), “vizinha” (l. 1) de Simão, e que por ele se apaixona. Esta menina pertence
a um estatuto socioeconómico elevado, pois apresenta-se como uma (“rica herdeira”,
“bem-nascida”), possuindo uma aparência medianamente bela (“regularmente bonita”).
Para a sua idade, Teresa é uma adolescente singularmente madura, que ama com uma
seriedade invulgar (“o amor de Teresa (…) era verdadeiro e forte”). Outra característica
sua é a determinação, já que, por amor, desafia o dever de obediência filial quando se
vê, pela força, impedida de se relacionar com o seu apaixonado.
Concluindo, Teresa é uma heroína romântica, vítima da sociedade do seu tempo.
2. As imagens presentes na afirmação transcrita têm, entre outros, os seguintes valores:
– evidenciar a fragilidade e a imaturidade na adolescência;
– sublinhar a vontade de experimentação da autonomia, própria da
adolescência;
– salientar o receio e a insegurança que caracterizam a atitude amorosa;
– evidenciar a fragilidade e a imaturidade na adolescência;
– sublinhar a vontade de experimentação da autonomia, própria da
adolescência;
– salientar o receio e a insegurança que caracterizam a atitude amorosa na adolescência;
– acentuar que a busca de autonomia na adolescência é muito relativa, pois decorre sob
a proteção maternal;
3. A metáfora “ferida que fizera no coração do vizinho” salienta o sofrimento amoroso
provocado por Teresa, mas do qual ela também não ficara a salvo.
4. O excerto transcrito dá destaque aos dois protagonistas de Amor de Perdição.
Situado no início da ação central, enuncia as linhas de força da intriga da novela,
nomeadamente: o amor – valor supremo que operou uma transformação nos
protagonistas; o ódio entre as famílias, que se desenvolverá na oposição feroz de ambas
ao amor de Teresa e Simão; a determinação de Teresa e Simão em viver o seu amor
contra a oposição dos pais.
Em suma, estes elementos serão determinantes para o evoluir da ação futura.
B
5. Simão Botelho apresenta muitas características de um herói romântico.
Primeiramente, Simão transforma-se no decorrer da ação: antes de amar
Teresa, é rebelde, marginal e violento; depois, revela-se um amante fidelíssimo e
obstinado na defesa da sua honra e dos seus ideais. Por vontade própria, bate-se por
valores elevados, por ideais inalcançáveis naquela sociedade conservadora e decadente,
nos quais ele acredita, como o Amor, a Justiça, a liberdade de escolha, a honra. A tensão
entre destino e livre-arbítrio está bem patente nesta personagem, constituindo um bom
exemplo da construção do herói romântico.
Tal como o herói romântico, Simão termina em desgraça: morre, a caminho do
degredo, depois de saber da morte da sua amada.
Concluindo, Simão é uma personagem de grande vitalidade, força interior e elevação
de caráter.
(128 palavras)
OU
B
6
PALAVRAS 11
GRUPO II
GRAMÁTICA
Item
1. (C)
2. (A)
3. (B)
4. (B)
5. (D)
a) Empréstimo.
6. b) Derivada por sufixação.
7. a) Oração subordinada adjetiva relativa explicativa.
b) Oração subordinada substantiva completiva.
8. “a vida”
Grupo III
ESCRITA
Tópicos sugeridos
Criar e educar um filho não é tarefa fácil; desde o nascimento, há sempre muitas
decisões importantes a tomar, vindo estas acompanhadas de incertezas, medos e
angústias;
à medida que os filhos vão crescendo, a cada dia, tornam-se mais autónomos nas suas
atitudes e decisões;
a autonomia dos filhos vem também acompanhada de dúvidas e incertezas e, muitas
vezes, de decisões irreverentes e controversas aos olhos dos seus pais;
quando os filhos não fizerem o correto, aos olhos dos seus pais, estes devem questioná-
los, aconselhá-los e alertá-los para as possíveis consequências negativas destas opções;
mesmo que não concordem com estas decisões, os pais devem manter-se sempre ao
lado dos seus filhos, ainda que se venha a provar que aqueles tinham razão;
…