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escamandro

poesia tradução crítica

TRADUÇÃO

3 traduções para o ‘task of the translator’ da


Antigonick de Anne Carson

13/01/2017 | SERGIO MACIEL | ADELAIDE IVÁNOVA, ANNE CARSON, ANTIGONE,


ANTIGONICK, ISMAR TIRELLI NETO, PERFORMANCE, RECEPÇÃO, REESCRITA, RODRIGO
TADEU GONÇALVES, TEATRO | 1 COMENTÁRIO
parece evidente afirmarmos que as fronteiras entre tradução, reescrita, adaptação e performance são de
difícil estabelecimento, parecendo não haver critérios conceitualmente muito sólidos que distingam
essas atividades além de perspectivas um tanto quanto subjetivas que as delimitam; sobretudo quando
tratamos de peças teatrais que parecem figurar no limiar entre meros textos literários, pra nós, e
acontecimentos espetaculares, rituais, jogos (os ludi), pros romanos and gregos, por exemplo.

na história das artes, esse processo de adaptação/tradução/reescrita do imaginário greco-latino sempre


ficou ali colado na gente. os mitos e narrativas literárias que vieram da tal antiguidade clássica figuraram
como uma fonte inesgotável pra a criação artística em todas as épocas. no teatro contemporâneo, por
exemplo, é possível perceber um crescimento, nas últimas décadas, do interesse de dramaturgos e
encenadores pelos mitos e textos gregos e romanos, e diversos estudiosos vêm analisando as relações
entre a cena contemporânea e esse imaginário. esses enredos têm se mostrado um importante elemento
pra criação poética, teatral e política das últimas décadas e alguns dos principais encenadores do
período têm dialogado com esse universo.

no caso específico de anne carson, por exemplo, poeta fortemente influenciada pela literatura grega
antiga e de sua peça antigonick (2012), a irresolução sobre o caráter do texto (tradução? reescrita?
adaptação?) e a performance, centrada no corpo (estático) e na voz (monótona) (clique aqui
(h ps://www.youtube.com/watch?v=BEfJKjOg3ZU&t)), buscam recuperar a dimensão ritual das práticas
teatrais e performáticas. o pathos trágico é recuperado na medida em que a performance evidencia “a
imagem da mulher e mesmo a identidade de ‘gênero’ como uma construção que projeta o olhar
masculino”, como bem disse hans lehmann. ou seja, quando o coro – essa entidade tão problemática – se
manifesta no corpo e na voz de carson, ainda que sem a recuperação dos rituais de canto e dança, é
possível perceber o contínuo drama social feminino, que tem sua fonte direta no incessante conflito das
estruturas sociais.

portanto, é a partir dessa relação dialética mutável em que o presente não cessa de lançar luz sobre o
passado que se funda a tradição e, consequentemente, o mito – e, com isso, a história das reescritas. a
própria poesia romana, com os conceitos de aemulatio, imitatio e contaminatio, já mantinha uma forte
relação dialética com a tradição, e no teatro romano os textos produzidos para os festivais públicos,
chamados ludi scaenici (“jogos cênicos”, literalmente), que vigoraram por volta de 240 a.C. até a morte de
terêncio em 159 a.C., tinham todos como modelo uma ou mais peças gregas.

o ato de verter (a uertit plautina), desse modo, opera um tipo de metamorfose no texto. muda
radicalmente a forma, faz algo que, na aparência, resulta totalmente “outro” em comparação ao que era
antes. essas traduções, portanto, tratam-se na verdade de relações ativas com a exterioridade, de
“adaptações” e “apropriações” da tradição que possuem a capacidade de interferir politicamente no
presente. isso equivale a dizer que as peças apropriadas passam a falar mais sobre quem as verteu ao
bárbaro e ao tempo em que estão sendo encenadas do que sobre os próprios modelos originais. e o riso e
a comiseração sobre o outro tornam-se o riso e a comiseração sobre nós mesmos. sobre os nossos
modelos, sobre o nosso tempo e sobre as nossas falhas.

sem mais, passemos às três apropriações.

sergio maciel

***

the task of the translator of antigone

dear Antigone:
your name in Greek means something like “against birth” or “instead of being born”
what is there instead of being born?
it’s not that we want to understand everything
or even to understand anything
we want to understand something else

I keep returning to Brecht


who made you do the whole play with a door strapped to your back
a door can have diverse meanings
I stand outside your door
the odd thing is, you stand outside your door too

that door has no inside


or if it has an inside, you are the one person who cannot enter it
for the family who lives there, things have gone irretrievably wrong
to have a father who is also your brother
means having a mother who is your grandmother
a sister who is both your nice and your aunt
and another brother you love so much you want to lie down with him
“thigh to thigh in the grave”
or so you say glancingly early in the play
but no one mentions it again afterwards

oh you always exaggerate! my father use to tell me


and let’s footnote here Hegel calling Woman “the eternal irony of the community”
how seriouly can we take you?
are you “Antigone between two deaths” as Lacan puts it
or a parody of Kreon’s law and Kreon’s language – so Judith Butler

who also finds in you “the occasion for a new field of the human”?
then again, “an exemplar of masculine intellect and moral sense”
is George Eliot’s judgment, while to several moderno scholars you
(perhaps predictably)
sound like a terrorist

and Žižek compares you triumphantly with Tito


the leader of Yugoslavia saying NO! to Stalin in 1942
speaking of the ’40s, you made a good impression on the Nazi high command
and simultaneously on the leaders of the French Resistance
when they all sat in the audience
of Jean Anouilh’s Antigone

opening night Paris 1944: I don’t know what color your eyes were
but I can imagine you rolling them now
let’s return to Brecht, maybe he got you best
to carry one’s own door will make a person
clumsy, tired and strange

on the other hand, it may come in useful


if you go places that don’t have an obvious way in, like normality
or an obvious way out, like the classic double bind
well that’s your problem
my problem is to get you and your problem
across into English from ancient Greek
all that lies hidden in these people, your people
crimes and horror and years together, a family, what we call a family
“one of my earliest memories,” wrote John Ashbery in New York magazine 1980,
“is trying to peel off the wallpaper in my room,
not out of animosity
but because it seemed there must be something fascinating

behind its galleons and globes and telecospes”


this reminds me of Samuel Becke who described in a le er
his own aspirations toward the language
“to bore hole after hole in it until what cowers behind it seeps through”
dear Antigone: you also are someone keeping faith
with a deeply other organization that lies just beneath what we see or what we say
to quote Kreon you are autonomos
a word made up of autos “self” and nomos “law”
autonomy sounds like a kind of freedom
but you aren’t interested in freedom
your plan

is to sew yourself into your own shroud using the tiniest of stitches
how to translate this?
I take inspiration from John Cage who, when asked
how he composed 4’33”, answered
“I built it up gradually out of many small pieces of silence”
Antigone, you do not,

any more than John Cage, aspire to a condition of silence


you want us to listen to the sound of what happens
when everything normal/ musical/ careful/ conventional or pious is taken away
oh sister and daughter of Oidipous,
who can be innocent in dealing with you
there was never a blank slate

we were always already anxious about you


perhaps you know that Ingeborg Bachmann poem
from the last years of her life that begins
“I lose my screams”
dear Antigone,
I take it as the task of the translator
to forbid that you should ever lose your screams

a tarefa do tradutor de antígona (tradução buana)

antígona, mulher:
em grego teu nome significa algo tipo “contra o nascer” ou “ao contrário de nascer”
mas o que existe ao invés de nascer?
não que a gente queira entender tudo
ou mesmo entender alguma coisa
a gente quer entender uma outra coisa

eu fico voltando pra brecht


que te fez passar a peça toda com uma porta colada nas costas
uma porta tem vários significados
eu fico parada diante dessa porta
e o estranho é, tu fica do lado de fora da tua porta também

a porta não tem parte de dentro


ou se tiver, tu és a pessoa que não pode entrar
porque pra família que vive lá, as coisas deram bem errado
ter um pai que é também teu irmão
significa ter uma mãe que é tua avó

uma irmã que é ao mermo tempo tua sobrinha e tua tia


e um outro irmão que tu ama tanto que tu quer pegar ele
“coxa com coxa na cova”
ou ao menos você diz que quer, bem no comecinho da peça
mas ninguém fala disso de novo, depois

e como tu sempre exagera! meu pai me dizia


e aqui bora enfiar uma nota de hegel chamando a mulher de “a eterna piada da comunidade”
quão a sério a gente pode te levar?
tu és “antígona entre duas mortes” como lacan diz
ou uma paródia da lei e da língua de kreon — tão judith butler

que inclusive encontra em você “a ocasião para um novo campo do humano”?


e mermo assim, “um exemplo de intelecto masculino e senso moral”
é o julgamento de george eliot, enquanto que para vários estudiosos você
(talvez previsivelmente)
soa como uma terrorista

e zizek te compara afetadamente com tito


o líder iuguslavo que disse não! pra stálin em 1942
falando nisso, tu causasse uma boa impressão no alto comando nazista
e ao mesmo tempo entre os líderes da resistência francesa
quando eles todos se sentaram na plateia
da antígona de jean anouilh

noite de estreia paris 1944: eu não sei a cor dos teus olhos
mas posso imaginar tu girando eles com tédio
bora voltar pra brecht, talvez ele tenha sido o que melhor te entendeu
carregar a própria porta faz de alguém
um sujeito desastrado, cansado e estranho

por outro lado, pode ser proveitoso


se tu for para lugares que não têm uma entrada óbvia, tipo a normalidade
ou uma saída óbvia, tipo síndrome de estocolmo
bom problema teu
meu problema é entender tu e teu problema
cruzando do grego antigo para o inglês
tudo que se mantém escondido nesse povo, teu povo
crimes e horrores e anos tudo misturado, uma família, ou o que chamamos de família
“uma das minhas primeiras memórias”, escreveu john ashbery na new york magazine em 1980,
“é eu tentando descascar o papel de parede do meu quarto,
não porque tivesse irritado
mas porque parecia haver algo fascinante

atrás daqueles navios e planetas e telescópios”


isso me lembra samuel becke que mais tarde descreveu
suas aspirações em relação à língua
“cavar um buraco atrás do outro, até que aquilo que se esconde escorra pelo furo”
antígona, mulher: tu também és alguém de fé

com uma organização profundamente própria que se encontra logo abaixo daquilo que a gente vê ou diz
para citar kreon, tu és autônoma
uma palavra feita de autos (o self) e nomos (a lei)
autonomia soa como um tipo de liberdade
teu plano

“é costurar tu mesma na tua própria mortalha usando a linha mais fina”


como traduzir isso?
eu me inspiro em john cage que, quando perguntado
como ele compôs 4’33”, disse
“eu fiz gradualmente juntando muitos pedacinhos de silêncio”
antígona, tu não aspira,

mais do que john cage, a uma condição de silêncio


tu queres é que a gente escute o som dos acontecimentos
quando tudo que for normal/musical/cauteloso/convencional ou piedoso nos for tirado
ai, irmã e filha de édipo
quem é que pode ser inocente ao dar rolê contigo?
nunca houve uma tábula rasa

a gente sempre ficou passado com a senhora


talvez tu conheça aquele poema de ingeborg bachmann
dos fim da vida dela que começa
“perdi meus gritos”
antígona, mulher,
eu tomo como a tarefa do tradutor a seguinte:
fazer com que tu nunca perca teus gritos

(trad. adelaide ivánova)

a tarefa de quem traduz antígona

cara Antígona:
seu nome em grego significa algo como “contra a progenitura” ou “em vez de nascer”
que existirá em vez de nascer?
não que desejemos compreender tudo
ou mesmo compreender alguma coisa
desejamos compreender algo mais

torno sempre ao Brecht


que fez você atravessar a peça inteira com uma porta amarrada às costas
uma porta pode comportar diversos significados
posto-me do lado de fora de sua porta
o estranho é que você também se acha postada do lado de fora de sua porta
a porta não tem um lado de dentro
ou, caso o tenha, é você a única pessoa que não pode adentrá-lo
para a família que reside lá as coisas resultaram irrevogavelmente más
ter um pai que é também seu irmão
significa ter uma mãe que é também sua avó

uma irmã tão sobrinha quanto tia


e um outro irmão que você ama a ponto de querer deitar-se com ele
“na cova coxa contra coxa”
pelo menos é o que diz de relance no início da peça
mas ninguém o menciona depois

ora você sempre exagerando! costumava dizer o meu pai


e aqui convocamos Hegel em nota de rodapé chamando a Mulher de “eterna ironia da comunidade”
até que ponto devemos levá-la a sério?
será você “Antígona entre duas mortes” tal como o quis Lacan
ou uma paródia da lei de Kreonte e da linguagem de Kreonte – conforme Judith Butler

que também lhe descobre “ocasião para um novo campo do humano”?


no entretanto, “um exemplo de intelecto masculino e senso moral”
é o juízo de George Eliot, ao passo que para diversos acadêmicos contemporâneos você
(previsivelmente, talvez)
soa como uma terrorista

e Zizek a compara triunfantemente a Tito


líder da Iugoslávia dizendo NÃO! a Stalin em 1942
falando dos anos 1940, que boa impressão causou você junto ao alto comando nazi
e simultaneamente aos líderes da Resistência Francesa
quando sentaram-se todos na plateia
aquando da estreia da Antígona

de Anouilh Paris 1944: não sei de que cor eram seus olhos
mas posso imaginá-la revirando-os agora
voltemos a Brecht, talvez ele tenha sido o que melhor a compreendeu
carregar a própria porta tornará uma pessoa
desastrada, cansada e estranha

por outro lado, pode resultar útil


se se vai a lugares que não têm entrada óbvia, como a normalidade
ou uma saída óbvia, como o clássico impasse
bom eis aí o seu problema
o meu problema é transportar a você e a seu problema
até o Inglês do Grego Antigo
tudo o que jaz oculto nestas pessoas, os seus
crimes horror anos conjuntos, uma família, aquilo a que nomeamos família
“uma das minhas primeiras memórias”, escreveu John Asbhery 1980 na revista New York
“é de tentar arrancar o papel de parede do meu quarto
não por animosidade
mas porque me parecia que devia haver algo fascinante
atrás de seus galeões e globos e telescópios”
isto me lembra o Samuel Becke que descreveu em uma carta
sua própria aspiração no que concerne a linguagem
“abrir nela sucessivos buracos até que aquilo que se acovardava por detrás escorra para fora”
cara Antígona: você é também alguém que mantém a fé

com uma organização profundamente outra que subjaz ao que vemos ou dizemos, bem no limite
citando Kreonte você é autônoma
palavra composta de autos “eu” e nomos “lei”
autonomia soa como uma espécie de liberdade
mas não é a liberdade que a interessa
seu plano

é costurar a si em sua própria mortalha usando o menor dos pontos


como traduzi-lo?
extraio inspiração de John Cage, o qual, quando lhe perguntaram
como havia composto o 4’33”, respondeu
“Eu o construí gradualmente usando muitos pequenos pedaços de silêncio”
Antígona, você não,

não mais que John Cage, aspira a uma condição de silêncio


você quer que escutemos o som do que se passa
quando tudo que é normal/musical/cuidadoso/convencional ou piedoso é eliminado
ó irmã e filha de Édipo
quem poderá ser inocente no trato consigo
nunca houve tábula rasa

sempre estivemos ansiosos de antemão a seu respeito


talvez conheça aquele poema de Ingeborg Bachmann
de seus últimos anos de vida que começa com
“Eu perco meus gritos”
cara Antígona
tomo como a tarefa de quem traduz
impedir que jamais perca os seus gritos

(trad. ismar tirelli neto)

a tarefa da tradutora de antígone

cara Antígone:
seu nome em grego quer dizer algo como “contra o nascimento” ou “ao invés de ter nascido”
o que existe ao invés de ter nascido?
não é que a gente queira entender tudo
ou mesmo entender alguma coisa
o que a gente quer é entender algo mais
estou sempre voltando ao Brecht
que botou você a peça inteira com uma porta amarrada nas costas
uma porta pode ter sentidos diversos
eu aqui fora da sua porta
engraçado é que você também está fora da sua porta

essa porta não tem lado de dentro


ou se tem um lado de dentro, você é a única que não pode entrar
pra família que mora ali, as coisas deram irremediavelmente mal
ter um pai que é seu irmão
é ter uma mãe que é sua avó

uma irmã que é sua sobrinha e é sua tia


e outro irmão que você ama tanto que você quer deitar com ele
“coxa com coxa na cova”
você que diz de relance lá no começo da peça
mas ninguém toca no assunto depois

ai você é uma exagerada! meu pai sempre me dizia


citemos Hegel em nota aqui chamando a Mulher de “eterna ironia da comunidade”
dá pra te levar a sério?
você é a “Antígone entre duas mortes”, como diz Lacan
ou uma paródia da lei de Kreon e da linguagem de Kreon – ouJudith Butler,

que também te encontra na “ocasião para um novo campo do humano”?


ou então “um exemplar do intelecto masculino e sentido moral”
é o julgamento de George Eliot, enquanto pra vários críticos contemporâneos você (meio
previsivelmente)
soa meio terrorista

e o Žižek triunfante compara você com Tito


o líder iugoslavo dizendo NÃO! pro Stalin em 1942
falando nos anos 40, você causou boa impressão no alto escalão nazista
e ao mesmo tempo nos líderes da resistência francesa
quando eles sentaram juntos pra assistir
a Antigone de Jean Anouilh

noite de estreia, Paris 1944: não sei qual era a cor dos seus olhos
mas posso imaginar você rolando eles de tédio agora
vamos voltar pro Brecht então, ele foi quem te fez melhor
carregar a própria porta faz alguém ficar
esquisito, cansado, estranho

por outro lado, pode ser que seja útil


se você frequenta lugares sem uma entrada óbvia, como a normalidade
ou uma saída óbvia, como o clássico double bind
bom, isso é problema seu
o meu problema é trazer você e o seu problema
pro inglês do grego antigo
tudo que se esconde nesse povo, o seu povo
horror e crimes e tantos anos juntos, uma família, o que nós chamamos de família
“uma de minhas memórias mais remotas”, escreveu John Ashbery na revista New York em 1980,
“é a de tentar descascar o papel de parede no meu quarto,
não por animosidade
mas porque parecia que devia ter alguma coisa fascinante
atrás dos globos, galeões e telescópios”
isso me lembra Samuel Becke que descreveu numa carta
suas próprias aspirações quanto à linguagem
“gastar lacuna após lacuna até que vaze tudo aquilo que estiver acuado detrás dela”
cara Antígone: você também é alguém que mantém a fé

com uma organização profundamente outra que subjaz o que vemos e o que falamos
citando Kreon, você é autonomos
palavra composta de autos, “própria”, e nomos, “lei”
autonomia soa como uma certa liberdade
mas você não está interessada em liberdade
seu plano

é se costurar em sua própria mortalha com os pontos mais diminutos


como traduzir isso?
eu me inspiro em John Cage que, quando perguntado
sobre como ele compôs 4’33”, respondeu
“Eu construí essa música com muitos pedacinhos de silêncio”
Antígone, você não

não mais que John Cage, aspira a uma condição de silêncio


você quer que escutemos o som do que acontece
quando tudo que é normal/musical/cuidadoso/convencional ou pio é levado embora
ó irmã e filha de Oidipous,
quem pode ser inocente ao lidar com você
nunca houve uma tabula rasa

nós sempre estivemos ansiosos por causa de você


talvez você conheça aquele poema de Ingeborg Bachmann
dos últimos anos da vida dela que começa
“perdi meus gritos”
cara Antígone,
considero a tarefa do tradutor
não deixar você jamais perder seus gritos

(trad. rodrigo tadeu gonçalves)

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translator’ da Antigonick de Anne Carson”
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