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TRADUÇÃO
no caso específico de anne carson, por exemplo, poeta fortemente influenciada pela literatura grega
antiga e de sua peça antigonick (2012), a irresolução sobre o caráter do texto (tradução? reescrita?
adaptação?) e a performance, centrada no corpo (estático) e na voz (monótona) (clique aqui
(h ps://www.youtube.com/watch?v=BEfJKjOg3ZU&t)), buscam recuperar a dimensão ritual das práticas
teatrais e performáticas. o pathos trágico é recuperado na medida em que a performance evidencia “a
imagem da mulher e mesmo a identidade de ‘gênero’ como uma construção que projeta o olhar
masculino”, como bem disse hans lehmann. ou seja, quando o coro – essa entidade tão problemática – se
manifesta no corpo e na voz de carson, ainda que sem a recuperação dos rituais de canto e dança, é
possível perceber o contínuo drama social feminino, que tem sua fonte direta no incessante conflito das
estruturas sociais.
portanto, é a partir dessa relação dialética mutável em que o presente não cessa de lançar luz sobre o
passado que se funda a tradição e, consequentemente, o mito – e, com isso, a história das reescritas. a
própria poesia romana, com os conceitos de aemulatio, imitatio e contaminatio, já mantinha uma forte
relação dialética com a tradição, e no teatro romano os textos produzidos para os festivais públicos,
chamados ludi scaenici (“jogos cênicos”, literalmente), que vigoraram por volta de 240 a.C. até a morte de
terêncio em 159 a.C., tinham todos como modelo uma ou mais peças gregas.
o ato de verter (a uertit plautina), desse modo, opera um tipo de metamorfose no texto. muda
radicalmente a forma, faz algo que, na aparência, resulta totalmente “outro” em comparação ao que era
antes. essas traduções, portanto, tratam-se na verdade de relações ativas com a exterioridade, de
“adaptações” e “apropriações” da tradição que possuem a capacidade de interferir politicamente no
presente. isso equivale a dizer que as peças apropriadas passam a falar mais sobre quem as verteu ao
bárbaro e ao tempo em que estão sendo encenadas do que sobre os próprios modelos originais. e o riso e
a comiseração sobre o outro tornam-se o riso e a comiseração sobre nós mesmos. sobre os nossos
modelos, sobre o nosso tempo e sobre as nossas falhas.
sergio maciel
***
dear Antigone:
your name in Greek means something like “against birth” or “instead of being born”
what is there instead of being born?
it’s not that we want to understand everything
or even to understand anything
we want to understand something else
who also finds in you “the occasion for a new field of the human”?
then again, “an exemplar of masculine intellect and moral sense”
is George Eliot’s judgment, while to several moderno scholars you
(perhaps predictably)
sound like a terrorist
opening night Paris 1944: I don’t know what color your eyes were
but I can imagine you rolling them now
let’s return to Brecht, maybe he got you best
to carry one’s own door will make a person
clumsy, tired and strange
is to sew yourself into your own shroud using the tiniest of stitches
how to translate this?
I take inspiration from John Cage who, when asked
how he composed 4’33”, answered
“I built it up gradually out of many small pieces of silence”
Antigone, you do not,
antígona, mulher:
em grego teu nome significa algo tipo “contra o nascer” ou “ao contrário de nascer”
mas o que existe ao invés de nascer?
não que a gente queira entender tudo
ou mesmo entender alguma coisa
a gente quer entender uma outra coisa
noite de estreia paris 1944: eu não sei a cor dos teus olhos
mas posso imaginar tu girando eles com tédio
bora voltar pra brecht, talvez ele tenha sido o que melhor te entendeu
carregar a própria porta faz de alguém
um sujeito desastrado, cansado e estranho
com uma organização profundamente própria que se encontra logo abaixo daquilo que a gente vê ou diz
para citar kreon, tu és autônoma
uma palavra feita de autos (o self) e nomos (a lei)
autonomia soa como um tipo de liberdade
teu plano
cara Antígona:
seu nome em grego significa algo como “contra a progenitura” ou “em vez de nascer”
que existirá em vez de nascer?
não que desejemos compreender tudo
ou mesmo compreender alguma coisa
desejamos compreender algo mais
de Anouilh Paris 1944: não sei de que cor eram seus olhos
mas posso imaginá-la revirando-os agora
voltemos a Brecht, talvez ele tenha sido o que melhor a compreendeu
carregar a própria porta tornará uma pessoa
desastrada, cansada e estranha
com uma organização profundamente outra que subjaz ao que vemos ou dizemos, bem no limite
citando Kreonte você é autônoma
palavra composta de autos “eu” e nomos “lei”
autonomia soa como uma espécie de liberdade
mas não é a liberdade que a interessa
seu plano
cara Antígone:
seu nome em grego quer dizer algo como “contra o nascimento” ou “ao invés de ter nascido”
o que existe ao invés de ter nascido?
não é que a gente queira entender tudo
ou mesmo entender alguma coisa
o que a gente quer é entender algo mais
estou sempre voltando ao Brecht
que botou você a peça inteira com uma porta amarrada nas costas
uma porta pode ter sentidos diversos
eu aqui fora da sua porta
engraçado é que você também está fora da sua porta
noite de estreia, Paris 1944: não sei qual era a cor dos seus olhos
mas posso imaginar você rolando eles de tédio agora
vamos voltar pro Brecht então, ele foi quem te fez melhor
carregar a própria porta faz alguém ficar
esquisito, cansado, estranho
com uma organização profundamente outra que subjaz o que vemos e o que falamos
citando Kreon, você é autonomos
palavra composta de autos, “própria”, e nomos, “lei”
autonomia soa como uma certa liberdade
mas você não está interessada em liberdade
seu plano