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Resenha do livro: ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de.

Jorge Amado: Política e Literatura –


um estudo sobre a trajetória intelectual de Jorge Amado. Rio de Janeiro: Campus, 1979.

Por Priscila Chiappetta Ribeiro Bastos

O autor inicia seu trabalho nos colocando à parte dos objetivos e dos pressupostos teóricos,
bem como sua metodologia de pesquisa e apresentação do conteúdo. Deste modo, Almeida procura
analisar a trajetória intelectual do escritor baiano Jorge Amado, pensando segundo uma relação
entre as posições que este produtor literário ocupa na estrutura do campo intelectual (sendo este
compreendido por seus pares, intérpretes e ainda os distintos públicos que consomem a sua
produção) e as formulações que compreendem as teorias esboçadas pelo produtor e seus intérpretes
a respeito da produção intelectual e seus condicionantes.

Através da articulação dessas duas perspectivas, Almeida procura mapear o lugar que este
produtor literário (simultaneamente pensado como autor e ator) ocupa no campo simbólico, bem
como supor a influência das instituições sobre as teorias esboçadas por ele e como estas, por sua
vez, concorrem para redefinir o seu projeto literário, redefinindo também a sua própria trajetória.

Utilizando a teoria do campo formulada por Bourdie, Almeida nos mostra a existência de um
complexo de relações sociais externas que se atualizam no âmbito do campo intelectual, ou seja, a
partir do pertencimento de seus produtores a diversas instituições (Igreja, partido político,
associações culturais, Estado, etc) pode-se perceber a influência dessas premissas nas posições
tomadas dentro do campo. Assim, a análise da trajetória de um autor consagrado pelo público e
pela crítica e vinculado a diversas instituições políticas e culturais como Jorge Amado é importante
para “(...) pensar as relações entre um campo intelectual e diversos outros campos.” (ALMEIDA,
1979, p.20) .

A partir disto, o autor inscreve a sua metodologia de pesquisa, que procurou mostrar através
da trajetória literária (desde a infância, passando por seu livro de estreia e suas obras primas) de
Amado,seguindo uma cronológica de sua produção, mas buscando um diálogo entre as obras e os
seus intérpretes (tanto contemporâneos de seus lançamentos quanto os ulteriores a eles). Assim,
procurou seguir uma ordem cronológica do que foi produzido pelo autor e das transformações
registradas em seu projeto literário. Para Almeida foi tomado como mais relevante o
posicionamento do autor e a rede de relações sociais que a caracterizam as suas obras,
classificando-o e/ou acolhendo-o e em relação a qual ele se situa auto-avaliando-se, não sendo,
dessa forma, tão necessária a leitura de toda a sua produção.

Para tanto, Almeida trabalhou a partir do exame das apreciações críticas que sucederam a
cada lançamento dos trabalhos de Amado, das próprias declarações do autor, entrevistas e
pronunciamentos a elas referentes, privilegiando-se aquelas concedidas contemporaneamente ao
lançamento de cada novo livro.

Os capítulos deste livro foram elaborados seguindo uma lógica de duas partes. A primeira
corresponde a uma descrição do processo de obtenção dos dados e de uma apresentação das fontes
bibliográficas, relatando a coleta de títulos em diversas bibliotecas, procurando estabelecer um
diálogo com os trabalhos anteriores sobre Amado (propondo uma atualização das informações). Já a
segunda parte procura fazer uma distinção da produção do autor analisado seguindo as
classificações ou gêneros com que ela foi rotulada concomitantemente ao seu lançamento. É nesta
parte também que Almeida procura estabelecer uma articulação entre as transformações ocorridas
no projeto literário do autor e sua relação com as diversas instituições a que ele se vincula no
tempo.

No decorrer do texto o autor nos apresenta a dinâmica da trajetória intelectual de Amado à


luz das relações sociais com os demais agentes no campo e com os públicos que consomem a sua
produção. Este itinerário se inicia com a posição boêmia adotada por este autor, reconhecida
abertamente como boêmia, e seu pertencimento à Academia dos Rebeldes (1928) e a publicação de
Lenita (1929) com a parceria de outros dois autores. Aqui estaria representada uma ideologia de
livre criação artística, em que o autor contribuiu irregularmente para revistas literárias,
questionando as instituições de consagração oficiais e as denunciando como subservientes ao campo
político.

Esta primeira posição, tida como marginal perante as estruturas legitimadoras do campo
intelectual será superada pela frequência de Amado ao grupo de “pensadores católicos”, o “grupo
do primo” (em referência a um primo de Amado que possibilitou conexões dentro do campo
literário), resultando na publicação do que seria chamado de seu “livro de estreia” em 1931 (O País
do Carnaval). Nesta fase, ele estabelece uma relação entre a desarmonia do mundo e a desordem
intelectual, realizando uma auto-crítica da sua condição anterior de boêmio, e “(...) concebe o
vínculo com o ideário dos 'pensadores católicos' como importante para a consecução de uma
produção intelectual sistemática. ” (op. p.272)

Todavia, a partir de 1933, Amado passa a participar em movimentos políticos não


necessariamente reconhecidos legalmente (como a ANL e o PCB), abandonando as influências
anteriores. A sua participação ativa na vida política-partidária irá refletir também na forma e
conteúdo de suas obras (romance proletário), fase que será questionada por seus intérpretes e pares
dentro do campo, pois nesse momento, o cerne da formulação do autor é de que o produtor
intelectual deve ser simultaneamente um homem de ação empenhado diretamente na destruição da
sociedade capitalista (expressando claramente sua influência marxista).
Em outro momento, Amado volta a ser aclamado pela crítica pelo lançamento da que seria
chamada sua obra-prima: “Terras do Sem Fim” (1942). Segundo seus intérpretes, esta representou
uma reconciliação entre a posição intelectual do autor com a literatura enquanto forma poética,
distante das amarras da ideologia partidária. As obras que se seguem seriam classificadas como
“romance de tese” e voltariam a ser questionadas pelos críticos literários pelo retorno do
pensamento político na criação do texto.

Entretanto, como uma espécie de reconciliação, Amado se tornará membro da Academia


Brasileira de Letras, e desponta como acadêmico. É a fase do romance picaresco, em que se destaca
a obra “Gabriela, Cravo e Canela” (1958). O autor vincula-se ao Estado através dos denominados
conselhos de cultura, e seu papel como homem de ação é minimizado, pois predomina a ideia de
que os conflitos por si só vão transformando a sociedade. Segundo Almeida, “é um tempo de
premiações e glória, em que o autor encarna aparentemente um produtor autônomo, distante de
quaisquer instituições alheias ao campo.” (op. p.272). Amado assumiria, então, um posicionamento
conservador e tradicionalista, pois como figura consagrada dentro da estrutura do campo, abandona
de vez as disputas pela sua hegemonia.

Nesse sentido, a tese de Almeida é de que a dinâmica da trajetória de Amado ou as várias


posições que assumiu no campo intelectual foi condicionada ao estabelecimento ou à ruptura de
vínculos que o autor mantém, em diferentes momentos, com instituições diversas. Dessa forma, a
constituição dessas posições – como o boêmio, o produtor literário profissional, o produtor literário
militante em movimentos políticos e religiosos, o acadêmico – e as suas relações parecem ser
coextensivas na formação de um campo intelectual relativamente autônomo.

Na parte em anexo, Almeida irá nos trazer a sua metodologia de pesquisa documental, nos
mostrando suas dificuldades e as opções que teve que tomar para realizar o seu trabalho. Assim, ele
inicia colocando o seu itinerário de investigação nas bibliotecas, que pode ser divididos em dois
momentos. Primeiramente, ele examinou o catálogo da Seção de Referência da Biblioteca Nacional
(Sala Rodolfo Garcia), pois seu acervo era um dos mais completos do país, principalmente no que
diz respeito à coletâneas de periódicos raros. As obras bibliográficas encontradas foram lidas e
depois fichadas. Também nesta etapa, pesquisou no catálogo da Biblioteca da Academia Brasileira
de Letras, pois além do pesquisador possuir uma familiaridade com as normas de classificação
deste acervo, também é fato que Jorge Amado era membro e esta possui diversos títulos
concernentes aos seus integrantes por eles próprios doados.

A partir disso, o autor iniciou um processo de seleção da bibliografia levantada com base no
próprio objeto da pesquisa, procurando utilizar as indicações que fornecessem material de análise
para investigar a recepção social de Jorge Amado e sua obra pelos demais agentes do campo
intelectual, inclusive o público virtual consumidor, em distintos momentos de tempo. Também
houveram exclusões devido à escassez de recursos para a pesquisa ou pela deficiência de alguns
catálogos.

Assim, nesta primeira etapa da pesquisa, resultaram a montagem dos denominados “dados
biográficos” (um conjunto de informações básicas sobre o autor) e uma lista inicial de títulos
extraídos das leituras consideradas fundamentais.

Já a segunda etapa da pesquisa foi caracterizada por um retorno às bibliotecas para dar
prosseguimento à coleta de títulos, retomando os resultados da etapa anterior. Ela constitui-se num
exame das revistas e jornais que haviam sido mencionados nos “dados biográficos”. O autor
comenta que esta procura acabou por ampliar a atualização do espaço do trabalho de campo, pois
assim outras seções da Biblioteca Nacional tiveram de ser consultadas: a Seção de Periódicos, a de
Obras Raras e o catálogo geral. Neste sentido, a vida política de Amado e a sua produção literária
foram influências para a consulta, por exemplo, dos Anais da Câmara dos Deputados (1946-1947)
e de periódicos como a Voz Operária. Ao lado desta atividade, ele também verificou se nos
catálogos das bibliotecas havia aqueles títulos detectados nas bibliografias consideradas básicas.

Dessa forma, os textos que foram encontrados nestas duas direções conduziram-no a novos
textos, considerados referências de referências, seguindo sempre uma ordem cronológica
decrescente, o que acarretou à uma convergência, cessando as distinções anteriores.

Além disso, outras bibliotecas também se impuseram por apresentarem títulos que não
foram localizados nas anteriormente consultadas, bem como por algumas apresentarem maior
facilidade no manejo das obras, por não apresentarem mediações entre estas e o consulente. Assim,
ele expõe que a ordem da coleta de material também obedeceu a uma estratégia de pesquisa, de
forma que a Biblioteca Nacional, devido à qualidade e extensão de seu acervo foi tomada como
local privilegiado de consulta, mas a partir do material encontrado, pesquisas específicas foram
realizadas em outros locais listados pelo autor: Biblioteca da Academia Brasileira de Letras,
Biblioteca Euclides da Cunha (ou Biblioteca do MEC), Real Gabinete Português de Leitura,
Biblioteca do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação e a biblioteca do Arquivo
Nacional e do Museu Nacional.

Almeida descreve também a especificidade do material consultado em cada biblioteca, a


saber: recortes de jornais, cartas de apresentação de livros (manuscritas), periódicos e revistas raras
ou exclusivos à certas instituições, teses que haviam sido produzidas sobre Amado no país, dados
sobre o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e a política do Estado Novo com relação à
intelectualidade e ainda contribuições do autor em congressos.
Entretanto, houveram situações em que os dados indicados nas fontes consideradas
elementares não puderam ser coletados, seja por não terem sido encontradas, por ter sido
eventualmente negada a sua consulta ou mesmo por falta de recursos do pesquisador. Almeida
deixa claro que esta deficiência não o impossibilitou de realizar a sua análise, mas se por ventura
forem encontradas podem vir à complementá-la.

Ademais, o autor traz listadas as principais fontes consultadas, expondo a forma como
realizou o inventário das obras e a sua posterior seleção. Inicialmente, procurou destacar os estudos
bibliográficos sobre literatura brasileira por serem estes pouco numerosos, procurando aquelas que
se referem a conjuntos de obras e autores. Ao lado destas, foram alinhadas outras que representam
trabalhos bibliográficos específicos referentes apenas a Jorge Amado. Nestas bibliografias
destacam-se editores, críticos literários, escritores, resenhadores, comentaristas e demais agentes do
campo intelectual que, nos mais variados momentos se pronunciaram sobre o autor estudado como
também informações biográficas e declarações do próprio autor, em entrevistas e discursos.

Dito isto, Almeida seguirá com a classificação da bibliografia, compreendendo 595 títulos,
dos quais 216 dizem respeito à produção intelectual do autor, 26 são entrevistas e depoimentos
concedidos por ele e os 353 restantes concernem à produção intelectual a respeito do autor.

Na parte classificada como a produção intelectual do autor, encontram-se enumerados os


livros publicados, bem como textos que produziu nas várias funções que preencheu na estruturação
do campo intelectual (como autor, crítico, prefaciador e acadêmico), quer seja com as instâncias
próprias do campo ou em relação às instâncias do campo político. Neste sentido, Almeida procede
com subdivisões, dispondo o material respeitando certos agrupamentos homogêneos: livros
publicados, críticas literárias, prefácios, cartas, apresentações de livros para a biblioteca da
Academia Brasileira de Letras, discursos proferidos nesta, conferências, trabalhos apresentados em
congressos, contos, poemas, textos em trabalhos iconográficos, trabalhos tendo como tema aspectos
do mercado literário e artístico e textos e pronunciamentos político-partidários. Por serem bens
simbólicos distintos, estas publicações forneceram ao pesquisador subsídios para analisar “(…)
como Jorge Amado representa os seus pares e suas obras, expressando, de maneira pública e
reconhecida como legítima, seus pontos de vista sobre eles.” (op. p.283)

Na segunda parte da classificação da bibliografia figuram pronunciamentos de Jorge Amado


em distintas décadas, estendendo-se de 19434-1975. Aqui estão compreendidas entrevistas
concedidas a jornalistas para fins de publicação e também depoimentos concedidos a outros agentes
do campo intelectual com o objetivo de registrar um testemunho para integrar os arquivos de
museus e instituições congêneres. Estas enquetes foram realizadas exclusivamente com o autor,
indagando seu itinerário intelectual, pedindo explicações sobre algumas passagens de sua vida
particular e ainda pediam opiniões sobre alguns assuntos. Já os inquéritos que seriam uma coleta de
pontos de vista de inúmeros autores, num determinado instante de tempo, acerca de uma questão
particular. Almeida também coloca nesta parte as declarações, que representariam opiniões do autor
que foram reproduzidas pela imprensa, seja sobre assuntos da atualidade ou sobre suas obras.

Na terceira e última parte da classificação estão pormenorizadas as referências de


interpretações sobre Jorge Amado (em várias décadas): estudos bibliográficos, coletâneas, críticas
literárias, ensaios, histórias da literatura, teses, anuários, dicionários literários, conferências, cartas,
reclames, colunas sociais e inquéritos. Este seria, segundo Almeida, o material necessário para “(...)
se construir a representação social vigente de Jorge Amado e a sua aceitação social junto a
diferentes públicos; em última análise, a explicitação das relações sociais segundo veículos de
comunicação intrínsecos ao campo intelectual.” (op.p.295)

Em suma, pode-se perceber que a este exaustivo trabalho de pesquisa e classificação de


fontes aplica-se uma metodologia fundamentada na discussão teórica proposta pelo autor, qual seja
compreender como os diferentes posicionamentos de Jorge Amado dentro de um campo intelectual
podem ser relacionados aos diversos vínculos que este estabeleceu durante a sua trajetória
profissional e pessoal, o que, por sua vez, torna possível pensar, em maior escala, as relações
complexas entre os distintos campos de atuação dos agentes da sociedade.

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