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A ALEGRIA NA ESCOLA GEORGES SNYDERS EDITORA MANOLE LTDA 1988 Introducdo Este livro gostaria de se fundamentar em irés vermias. G primeiro € naturalmente uma ambigdo de renovar a escola; nossa es- cola tem wma terrivel necessidade de ser (ransformada. Esta renovagaa, quero afirmar que $6 pode se realizar a partir de uma renovagdo de que ha de esseneial na escola, especifico na tarefa da escola: a cultura, cujo acess ¢ parlicipagdo sao permitides aos jovens pela ccola. Dai minha preacupagiu canstante: renavar a escola a partir de uma transformarie dos conteidos culturais. A pedagogia age fundamentalmente sabre os contetidos: a inovaydo inicialmente o questionamente des conteddus; o que sera moderno-é a abar- dagem dos problemas do mundo moderna. Trata-se de transforttiar aexcula reformulando os conretides — portanto, com a ajuda dos especialistas; obra imensa onde pusso esperar melhorar apenas a antevisdo de algumas di- repdes. No amago, tada escola detine-se pelos contetidas que seleciona, pra- poe, privilegia — os que ela silencia, e é dai que decorrem as abordagers corespondentes, porque ¢0 que define o tipo do homem que se espera ver sair da escola. ‘O segundo tema ¢ o seguinte: Em todos os paises e desde muito tempa, acscola preenche duas fungdes bem distintas: a primeira ¢ a de preparar us jovens para o futuro; para a vida de adulios, em particular, para uma pro- fissiio. Esse é um papel essencial, inicialmente por cazGes ccondmicas ¢ tée- nicas evidentes, ¢ também porque assim uma resposta 6 dada ao desejo de 12 A alegrig na eso erescer, de ser iniciade no mundy dos adultos, de penetrar nos searedos que os adultos detém; a crianga sente que se prepara pare inserir-se ¢ agir entre 03 “grandes”; tem consciéneia de que o que se passa iia escola é valorizade Fela sociedade — ¢ nag é considerado como wma brineadeira, Dai a escola ser vista come Ingar constante de incitagdes a pensar no futuro: “se vood nao estudar bastante, nado passara Para a série seguinte, na “melhor’ tunna, no conseguira o Certifivado de Anptidaa Profissional (CAP}*, a diploma do 22 graw ete,?! Esse tipo de exigéncia é, uliés, profundamente intesiorizada pelos alu- nos. Quando perguniava para erianges de cerca de dez anos: “A escola & le gal?, por que e cseola é legal?"', de dex Tesposlas nove comeyavam por wn “mais tarde": ‘mais tarde, se esludurmos bastante na escola, teremas um. boa situagao”, ou, ao contraria, “seo aluno estudar pouco, sera varredor de ruas ou mtendigo’. E eu tentava retrucar: “mais tarde, sim ¢ verdade, mas POr enquanto, agora o que ¢ que a cscola lhe oferece?™ ¢ essa pergunta freqitentemente deixava a crianga atrapaltiada, Porque 9 risco € contudo que a escola aparega wos alunos como um medicamento amargo que é precise ser engolide por eles agora, mm de ga- rantir para mais tarde um mais tarde bem indeterminada, prazeres prometi- dos, sendo asseguradas. E ento, # cscola cuiriy na resignayao de um pre- sente vazio, até enfadenho, como condigio de sucesso social muitos anos depais. E enty que quero lembrar a outra funcdo da escola: do maternal a universidede, ela ocups cerea dt vinte anos da vida para os mais favorecidns socialment¢; UM PoucG menos para os Outros, mas eles ai Passam contudo a Maior, a mais bela parte da sua juventude. Num pustulsdo que entende inuito arbitrarig, talver escandalose em relagdo a necessidade premente, hoje, de preparar os jovens pare o no de- semprego, gostaria no entanta de deslacar o segunda aspecio e comsugrar este livro unicamente a esse segundo aspecto: pensar a escola ¢ 0 aluno no presente, O que isto pode oferecer aos jovens, na sua vide de jovens, duran- te sua vida de jovens, passar tantos ¢ Lantos dias na escola’? Que enriqueci- mente? —, ¢ quem justifica tamlos anos passados, tantas coagdes safridas? Ea palavra chave chega bem naturalinente que satisfagao poderia, deveria dat uma tao longa escolaridade a essa massa de alunos? Fo terreno da satis- fagdo escolar presente, e nde retardada inuefinidamente, que eu queria ten- tar explorar; nao ouso dizer que esti para ser criada. Em todos os casos ele ndo tem uma existéncia evidente: quando entrei NT. * CAP — Certifteado de Aptidia Profisaivnal que dé agsae a prafisain de operdria qualificedo. etroducde 13 nas classes ¢ expliquei aos alunos que minha pesquisa era sabre a alegria na csoola, sempre encontre’ alguns que omemurarain: “isto nao me passa pela cabepa"', vu vutra farmula da mesmo género. Aescala da aos jovens uma alegria que legitima as esfargas que ela re- cluma? Na verdade esta pergunta contém umaoutra — ¢ que é a verdadein come fodcmas transformar a escola para que... Dez aos obrigatérios de eseula: sto dee anos Ceitos para a satisfagde cultural, Que a escola se apode- Te deste provérkia inglés: “o objetive ¢ ser feliz; a momento para ser feliz & agora: © lugar para ser feliz & aqui’. Naéo que o conjunte dos alunes seja infeliz au revoltado: nia estartios nals em 68, Para a imerus maioria a escola aparece como uma nevessidade que nico se discute, da qual cles nda csperam nem drama nem satistagao. “Ohanda & precise ira escola, precisa ir", dida-e wma boa aluna da BP nie, recomando alias © titule de um filme da momento. Dy fate, menu problema ¢ woir og dais temas que acubo de exper para, dr alegria aus alumes, coloco minha esperanca na renovagtio des eontendos sulturais. 4 fonie de aleatia dos alunos, néo a procure inivialente do lade dos jogos, nem dos métodas agradaveis, nem do lado das celagdes simpati- cas entre professores ¢ alunos, nem mesmo na regia da auronamia eda es colha: ip renuncio a mentum destes valores, may conto Teencontra-los co- mo conseqiéncias ¢ nde cama causas primeiras. Quero encontrar a alegria oa escola no que ela ofereve de particular, de insubstituivel ¢ um tipa de alegria que a escola ¢ a dinica au pela menos @ mais bem situada para propor: que seria uma escola gue tivesse realmente a audicia de apostar tudo na satisfacao da cultura elaborada, das exigéncias culturais mais elevadas, de uma eatrema ambigde cultural? Beterminande logo que hd, que sc trata de resgarar, aré mesma de erat un conjumte cultural que se possa propor a cada idade: o conjunc cultural para uma crianca de oite anos é a claboragao de suas experiéncias, de suas surpresas, de seus Queslionamentos — bem como sua linguagem, eo cultural estende-se a todos os dominios da atividade quando cla atingeo bri- Tha do sucesso; ¢ entao cada individualidade, cada classe social pode ai en- contrar seu praveita, Minha escola: uma alegria que brota de um encontro corn as obras de arte, desde os grandes poemas de amor até as realizagées cientificas ¢ tecni- tas, de uma tensio em diregio aos mais realizades sucessos humanos, de uma participarda, de wn cerlo moda de participagde nos movimentos orga izadus pelo que os homens se estorgaram para progredir em seus estilos de vide. Gostar de um leato, compreender come Cunciona um motor, apreen- der u que é cupitalismo, o socialismo, o Terceiro Mundo... comegar pelo menos a apreendéo, na aproaimagio, mas amber as sementes da realida- de que cada idade ¢ cada aquisi¢io anterior permite; agir a partir desis 4 A alegriy ne escola aquisigoées fortificando-as pela ag&o, enraizando-as na acéo. Alunos. que vi- vem no nivel dos ideais, dos valores. ‘Qusar proclamar a escola, o que eu ousaria chamar, 48 veves, de “'mi- niha”’ escola, como lugar de satisfagao, a escola partindo paras oonquista a sutisfacao. ‘“Vocts vero, vacés compreenderdéo quando forem grandes, isto Ihes servira quande voces crescerem™. Provavelmente é verdade, mas quero que os jovens tenham satisfagzo imediatamente, ma sua vida de jo vens, Um lugar onde teremes 2 ousadia de visar & grandeza, aposiar na grandeza. Cuja primeira condigao seja talvez que se abandone us compro- tissos, as meia-medidas, a “‘inércia’’, e que se chegue até as grandes verda- des, ds conviegdes fortes; nao obrazinhas. A salisfaydo que minha escole procura é uma satisfagdo capaz de TWwanslornur os alunos; no ouso falar de iluminacdo nem de inspiragao; e, no entanto, ir em diregdo a uma grande obra, uma exceléncia, € bem uma iniciagio — ¢ precisa-se de uma iniciegda. A primeira reforme da formagaa dos professores seria para mim que cles atingissem um entusiasme cultural, a confianga de que # cultura que eles ensinam pode dar satisfagao a seus alunos; num certo sentido, ela esta destinada a dar satisfago; ensina-se para dar satisfagio; aa mesmo tempo hi que se estuda matemuilica, alunos ¢ professores juntos devern se questio- nar, sobre @ satisfagdo que se pode ter em fazé-Io. Uma espécie de propa- ganda a partir da satisfagZo: “voce no estuda na escola, nia pode imagi- nar de que salisfagdo esté se privando”, Ser professor é ter-se aproximado dos grandes sucessos — ¢ ¢star a seu servign, querer comunicar a alegria que dai decorre, exortar os alunos a reclamar da escola essa satisfagio que lhes é devida pela escola. Nao € suficiente que os alunos evitem 9 aborrecimento ¢ o descomten- tamenta, nem que eles “interessem-se por..." pais o simplesmente interes- sane, 0 nilo enfadonha naa basiam para compensar tantos esforgus — een- buntra-se esforgos em lugares de acessa 140 mais faveis que a escola. ‘Na escola, trata-se de conhecer alegrias diferentes que as da vida dia- tla; coisas que sacodem, interpelam, a partir do que os alunos mudarao algo em sua vida, dardo um novo sentido a ela, dardio um sentido a sua vida. Se é preciso entrar na classe, & porque, no patio, voces n&o alingem o grau mais elevado de liberdade, nem de alegria © terceiro tema, ¢ que tudo isso parece aa mesmo tempo por utépioo¢ terrivelmente elitista: é facil replicar-se que me dirijo ao aluno ideal, hiper- favorecido cm todos os puntos de vista. Creio ser exatamente o contririv: a cultura que estimo e que me dé satisfapdo inscreve-se ern continuidede com o que ja existe de grandiose, de Entrodugde: is apelo 4 grandeza da vida ¢ aos desejos dos homens — por issu ¢ talvez prin- cipalmente aqueles cuja vida @ a mais rude — em continuidade com suas Jutas, ¢ contra a matéria ¢ contra aqueles que os rebainam, A ruptura que a escola vai introduzir consiste, talvez, simplesmente em chamé-los do que eles sdo, até o que eles podem ser. "Woo8 ndo me procuraria se nao tivesse me eticontrado”': por que nie retomaé-lo por nossa conte?, ¢ 580 05 despro- vides que procuram mais intensamente, © que 68 introdugiu de mais real, foi provavelmente a exigéncia da satisfaydo em tados os dominios da vida — e, portante, também na esool: E até sustentar que logica ¢ normalmente escola deveria ser lu- gar de satisfagao, de satisfagko cultural. B alids sua definigdo etmoloyica, ‘Como compreender que deste moda ¢ aproximagaa dos grandes sucessos hhucnanos nao dé satisfayao?, ¢ come ¢ que qualquer distragdo, por exem- plo, ter um “clic” aparece para tantos alunos come promissora de mais sa- lisfagSo do que a abordagem, na escola, digamos de Victor Hugo’ Na reali- dade, o que apresenta problema ¢ pede explicacdo é a falta de salisfagdo, a “nio-salisfaydo"' na escola. Trata-se entao, na verdade, de desorganizar a escola, a partir de novos contcides. Por que existe um tal abismo entre o que a escola paderia ser, 0 que os alunos poderiam viver — ¢ 0 que cles vivem na realidade? Por que o cultural nao lhes da satisfayao? Por que o cultural escolar Lhes dd (do pouca satisfagao? Para tentar responder ¢ estas perguntas, ¢ inicialmente a propria cul- ura que quero sondar, a cultura escolar, elaborada na sua relagdo com a cultura imediata, primeira ¢ antes de tudo a cultura, a cultura dos jovens E somente em seguida, nas segunda e lerceira partes que me voltarel para a escola, A pedagogia, uma reflexao em conjunto sobre a pedagogia, a renove- gio da pedagogia, isto nic diz respeito somente aos alunos mais jovens ou aos mais rebeldes ou ags mais ‘‘desfavorecides”’. Diz-se frequentemente que a pedagogia ndo tem muita ovisa a fazer com os alunos maiores nem com 9s bons alunos: cles sair-se-Zo bem praticemente de qualquer maneira, basta que o professor conheya bem sua matéria ¢ a exponha de modo clare. E, segunda minha opinido, passar completamente ao lade do proble- ma real: os alunos que nao se chocam contra as dificuldades dizimadoras chegardo a ultrapassar as exigéncias da bos nota ¢ mesmo do sucesso no exame, alcangardo eles a satisfagZo cultural escolar? Quero definir a pedagogia come o que se esforga para conduzir os alu- nos, todos os alunos, para a satisfagio cultural escolar, para transformar a escola a fim de que els coloque a satisfagdo cultural escolar no primeire pla- no de suas preocupagies,

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