Paschoal Lemme
(Rio de Janeiro-RJ, 1904 – Rio de Janeiro-RJ, 1997)
Introdução
N
ão é problema fácil estabelecer-se marcos significativos para delimitar os vários
períodos em que se pretende dividir a história da humanidade. Todas as
divisões adotadas têm provocado controvérsias.
Geralmente, utiliza-se a própria sucessão dos séculos, tendo como ponto de partida o
nascimento de Cristo, considerado o acontecimento mais importante, ao menos para
o chamado mundo ocidental e cristão. Numeram-se, então, os séculos, antes e depois
desse evento.
A história da humanidade é, porém, um processo contínuo e, nem sempre, o início
dos séculos caracteriza-se por acontecimentos decisivos.
Assim, por exemplo, muitos historiadores têm colocado o princípio do século 20 no
* Publicado originalmente na ano de 1904, no qual verificou-se um fato da maior importância que deveria influir
RBEP v. 65, n. 150, p. 255-272,
maio/ago. 1984.
profundamente no curso posterior do processo histórico.
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Nesse ano, a França e a Inglaterra, as da escravidão negra (1888) e, por fim, com a
duas nações mais desenvolvidas da época queda do Império e o advento da República
e tradicionais inimigas, numa reviravolta (1889).
histórica, firmaram um pacto – a Entente A gradativa influência das Forças
cordiale – com o qual, em aliança com o Armadas na vida política do País, as trans-
Império Russo, prepararam-se para enfren- formações econômicas e sociais verificadas
tar a Alemanha de Bismarck, aliada ao no campo e nas cidades, o crescimento da
Império Austro-Húngaro. população, a intensificação do processo de
O mundo vivia então na terceira etapa urbanização e industrialização foram as
do regime capitalista – a fase denominada modificações mais importantes ocorridas
imperialista –, e tratava-se de realizar uma nesse período histórico. E todas essas trans-
nova partilha do mundo conhecido da formações aceleram-se profundamente com
época, em busca de matérias-primas para a ocorrência da Primeira Grande Guerra
alimentar e desenvolver os parques indus- Mundial.
triais daqueles dois países, em grande ex- O Brasil, formalmente independente
pansão, e de mercados para a venda dos desde 1822, era contudo dependente eco-
respectivos produtos, ameaçados pela nomicamente, principalmente da Inglaterra,
concorrência da Alemanha em ascensão. já desde a “abertura dos portos às nações
Como se sabe, o choque produziu-se amigas”, em 1808, na qual esse país rece-
violento entre esses dois blocos, resultan- beu o privilégio de tarifas preferenciais para
do na Primeira Guerra Mundial (1914- nos vender seus produtos. A Inglaterra era,
1918). Ao término desse primeiro grande a esse tempo, o país mais desenvolvido in-
conflito mundial, um novo mapa tinha sido dustrialmente e dele recebíamos quase tudo
traçado para o mundo e o chamado Ancien em troca de nossa produção agrícola, prin-
Régime e a Belle Époque, definitivamente cipalmente do café, de que chegamos a ser o
sepultados. E mais do que isso, a Revolu- maior produtor mundial. (Entre 1900 e 1914
ção Russa de 1917 vinha acenar com no- o Brasil produziu quase 76% de toda a
vos caminhos para a humanidade, com o produção mundial de café.)
surgimento de um novo regime econômi- Conforme diz Peter Evans em seu livro
co, político e social – o chamado socialismo A tríplice aliança – as multinacionais, as
– que se deveria opor ao até então estabele- estatais e o capital nacional – no desenvol-
cido regime capitalista. vimento dependente brasileiro (Rio de
Pela importância desses acontecimen- Janeiro, Zahar, 1982):
tos históricos e por suas conseqüências é
que há historiadores que consideram tam- Em fins do século 19, o Brasil começava a
bém como marcos iniciais do século 20 o fazer sua própria farinha de trigo ou seu
fim da guerra de 1914-1918 ou ainda a toucinho; tudo o que era manufatura vi-
nha, provavelmente, das fábricas da Grã-
vitória da Revolução Russa, em 1917.
Bretanha, e era paga com os rendimentos
da agricultura. Não há melhor maneira de
compreender a estrutura da dependência
Panorama do Brasil nesse clássica do que examinando as relações
período entre o Brasil e a Grã-Bretanha antes da
Primeira Guerra Mundial (p. 59).
No último terço do século 19, o Brasil
passou por significativas transformações Nossa agricultura, fonte de quase todos
econômicas, políticas e sociais, resultantes, os nossos recursos era, porém, atrasada, e
principalmente, do impacto produzido pela nossa indústria mal ensaiava os primeiros
Guerra do Paraguai (1865-1870), da abolição passos. A abolição da escravidão negra e a
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substituição gradativa do trabalho escravo por causa do desemprego e da desorganiza-
pela mão-de-obra do imigrante estrangeiro, ção da economia européia. Nessas novas
provindo especialmente do sul da Europa, correntes imigratórias vinham operários de
intensificou nossa produção agrária. Mas a nível profissional e cultural mais elevado,
crise econômica mundial, ocorrida no úl- inclusive partidários de idéias sociais avan-
timo terço do século 19, atingiu-a duramen- çadas, especialmente anarquistas italianos,
te, ocasionando o abandono dos campos que muito influenciaram a formação ideoló-
pelas cidades, ampliando-as e estimulando gica de nossa até então incipiente classe
o processo de industrialização pela transfe- operária.
rência de capitais acumulados na agricul- Segundo dados colhidos no estudo ci-
tura, pela penetração do capital estrangeiro tado por Herci Maria Rebelo Pessamílio (p.
e pelo conseqüente crescimento e melhoria 14), dos anos de 1891 a 1900 entraram no
da rede de transportes, notadamente Brasil 1.129.315 imigrantes; de 1901 a 1910,
ferroviário. 631.000; e de 1911 a 1920, 707.704. E, se-
Conforme escreve Herci Maria Rebelo gundo Edgard Carone (in: A República
Pessamílio, no estudo intitulado “A dinâ- Velha; I. Instituições e classes sociais, p. 13),
mica social do café”, incluído na publica- citado por Herci Maria Rebelo Pessamílio em
ção O café no Brasil (Ministério da Indús- nota de pé de página (p. 14):
tria e do Comércio. Rio de Janeiro: Instituto
Brasileiro do Café, 1978): Os imigrantes são preferencialmente ita-
lianos, portugueses, espanhóis, alemães,
Além do café, foi a indústria a nova voz russos, sírios. A predominância dos italia-
que se ergueu pedindo mão-de-obra mais nos na mão-de-obra agrícola (também no
qualificada, impossível de recrutar entre setor industrial) é total. Calcula-se, em
os escravos de baixo nível cultural que 1908, que 7/10 dos trabalhadores do café
viviam nas lavouras. Os de mais elevado são italianos; o resto distribui-se entre
nível cultural tiveram sua entrada portugueses e espanhóis.
barrada por ocasião da proibição do tráfi-
co nas zonas situadas ao norte do Equa-
dor, pelo acordo entre Portugal e a Ingla- A educação, o ensino
terra, em 1815. Portanto era preciso, com
e a cultura nesse período
urgência, conseguir trabalhadores assa-
lariados, que ofereciam menor risco de
perda que o capital investido no escravo. O Brasil era então um país de analfa-
Para a expansão do processo de industria- betos. Para não repetir estatísticas secas, que
lização, urgia acelerar a libertação dos es- estão à disposição, em publicações oficiais,
cravos e facilitar assim a vinda de imi- para quem as queira utilizar, alinharemos
grantes. Vemos assim um dos pontos em
apenas uma citação colhida no belo trabalho
comum entre o grupo cafeicultor, que ne-
de Nicolau Sevcenko, intitulado: Literatura
cessitava de braços, e o grupo de industri-
ais, que necessitava dinamizar um mer- como missão – tensões sociais e criação
cado interno (p. 15). cultural na Primeira República (São Paulo,
Brasiliense, 1983):
Com a eclosão da guerra de 1914-1918,
todo esse processo acelerou-se ainda mais, Em artigo publicado em 1900, José
pois o País, impedido de receber os produ- Veríssimo exporia abertamente a chaga da
cultura erudita brasileira, respaldando-a
tos estrangeiros manufaturados, foi obriga-
num panorama bem mais amplo e con-
do a expandir e diversificar sua indústria
creto. À parte os problemas políticos, seus
e, portanto, a urbanização. óbices fundamentais repousavam sobre a
Terminada a guerra, passou o Brasil a própria estrutura social da Nação, reper-
receber novos contingentes de imigrantes, cutindo na área da cultura.
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[...] aprimorada, elementar, profissional, e mes-
O número de analfabetos no Brasil, em mo de nível secundário, passou a pressio-
1890, segundo a estatística oficial, era,
nar nossa precária estrutura de ensino, no
em uma população de 14.333.915 habi-
tantes, de 12.213.356, isto é, sabiam ler
sentido de sua melhoria. De outro lado, as
apenas 16 ou 17 em 100 brasileiros ou relações sociais propiciadas pela intensifi-
habitantes do Brasil. Difícil será, entre os cação da urbanização e a criação de novas
países presumidos de civilizados, encon- categorias de empregados, no comércio, de
trar tão alta proporção de iletrados. As- escritório e de funcionários públicos, agi-
sentado esse fato, verifica-se logo que à
ram no mesmo sentido da exigência de um
literatura aqui falta a condição da cultu-
ra geral, ainda rudimentar e, igualmente,
ensino mais eficiente, não somente em rela-
o leitor e consumidor dos seus produtos ção ao 1º grau, mas também no tocante ao 2º
(p. 88). grau, de caráter geral e profissional.
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as normas gerais estabelecidos na é essencial, de elaborar e criar a ciência,
Constituição e, em leis ordinárias pela transmiti-la e vulgarizá-la, e sirvam, por-
União, a que competem a educação na tanto, na variedade de seus institutos:
capital do País, uma ação supletiva
onde quer que haja deficiência de a) à pesquisa científica e à cultura livre e
meios e a ação fiscalizadora, coorde- desinteressada;
nada e estimulada pelo Ministério da b) à formação do professorado para as es-
Educação; colas primárias, secundárias, profissi-
c) o sistema escolar deve ser estabelecido onais e superiores (unidade na prepa-
nas bases de uma educação integral; em ração do pessoal do ensino);
comum para os alunos de um e outro c) à formação de profissionais em todas
sexo e de acordo com suas aptidões na- as profissões de base científica;
turais; única para todos e leiga, sendo a d) à vulgarização ou popularização cientí-
educação primária gratuita e obrigató- fica, literária e artística, por todos os
ria; o ensino deve tender gradativamente meios de extensão universitária.
à obrigatoriedade até 18 anos e à
gratuidade em todos os graus. 6. Criação de fundos escolares ou especiais
(autonomia econômica) destinados à ma-
2. Organização da escola secundária (de nutenção e desenvolvimento da educação,
6 anos) em tipo flexível, de nítida finali- em todos os graus, e constituídos, além de
dade social, como escola para o povo, não outras rendas e recursos especiais, de uma
proposta a preservar e a transmitir as cul- porcentagem das rendas arrecadadas pela
turas clássicas, mas destinada, pela sua União, pelos Estados e pelos Municípios.
estrutura democrática, a ser acessível e
proporcionar as mesmas oportunidades 7. Fiscalização de todas as instituições
para todos, tendo, sobre a base de uma particulares de ensino, que cooperarão
cultura geral comum, as seções de com o Estado na obra de educação e cultu-
especialização para as atividades de ra, já como função supletiva, em qualquer
preferência intelectual (humanidades e dos graus de ensino, de acordo com as nor-
ciências), ou de preponderância manual mas básicas estabelecidas em leis ordiná-
e mecânica (cursos de caráter técnico). rias, já como campos de ensaios e experi-
mentação pedagógica.
3. Desenvolvimento da educação técnico-
profissional de nível secundário e superi- 8. Desenvolvimento das instituições de
or, como base da economia nacional, com educação e de assistência física e psíqui-
a necessária variedade de tipos de escolas: ca à criança na idade pré-escolar (creches,
escolas maternais e jardins de infância) e
a) de agricultura, de minas e de pesca de todas as instituições complementares
(extração de matérias-primas); pré-escolares e pós-escolares:
b) industriais e profissionais (elabo-
radores de matérias-primas); a) para a defesa da saúde dos escolares,
c) de transportes e comércio (distribui- como serviços médico e dentário esco-
ção de produtos elaborados); e segun- lares (com função preventiva, educativa
do métodos e diretrizes que possam ou formadora de hábitos sanitários e
formar técnicos e operários capazes em clínica, pelas clínicas escolares, colô-
todos os graus da hierarquia industrial. nias de férias e escolas para crianças
débeis) e para a prática de educação
4. Organização de medidas e instituições física (praças de jogos para crianças,
de psicotécnica e orientação profissional praças de esporte, piscinas e estádios);
para o estudo prático do problema da ori- b) para a criação de um meio escolar na-
entação e seleção profissional e adaptação tural e social e o desenvolvimento do
científica do trabalho às aptidões naturais. espírito de solidariedade e cooperação
social (como as caixas escolares,
5. Criação de universidades de tal ma- cooperativas escolares, etc.);
neira organizadas e aparelhadas que c) para articulação da escola com o meio
possam exercer a tríplice função que lhes social (círculos de pais e professores,
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conselhos escolares) e intercâmbio in- educacional brasileiro, até hoje, não
terestadual e internacional de alunos puderam ser levados à prática.
e professores;
Mas, não somente os preceitos inscri-
d) para a intensificação e extensão da obra
de educação e cultura (bibliotecas es-
tos nele, como também todas as outras me-
colares, fixas ou circulantes, museus didas de caráter democrático que têm sido
escolares, rádio e cinema educativo). propostas até hoje.
Assim aconteceu com as disposições do
9. Reorganização da administração esco- capítulo sobre educação e cultura adotadas
lar e dos serviços técnicos de ensino, em
pela Constituição de 16 de julho de 1934,
todos os departamentos, de tal maneira
que todos esses serviços possam ser:
que foi derrogado com a implantação de
nossa primeira experiência declarada de
a) executados com rapidez e eficiência, governo autoritário, o chamado “Estado
tendo em vista o máximo de resultado Novo”, de 10 de novembro de 1937.
com o mínimo de despesa; Também as memoráveis realizações de
b) estudados, analisados e medidos cien-
Anísio Teixeira, em sua administração no
tificamente, e, portanto, rigorosamen-
te controlados nos seus resultados;
antigo Distrito Federal (1931-1935), na qual
c) constantemente estimulados e revistos, o grande educador procurou levar à prática
renovados e aperfeiçoados por um cor- os princípios inscritos no Manifesto e que
po técnico de analistas e investigado- deve ser considerado como o ponto mais
res pedagógicos e sociais, por meio de alto a que atingiu, no Brasil, a procura de
pesquisas, inquéritos, estatísticas e
soluções para o nosso problema educacional.
experiências.
Como se sabe, a tentativa do nosso “esta-
10. Reconstrução do sistema educacional dista da educação” sossobrou golpeada pela
em bases que possam contribuir para a reação que se desencadeou no País, após os
interpretação das classes sociais e a for- levantes armados, dirigidos pela insensatez
mação de uma sociedade humana mais de alguns jovens militares, naqueles trági-
justa e que tenha por objeto a organização
cos dias de novembro de 1935. Desse
da escola unificada, desde o jardim de in-
fância à universidade, “em vista da sele-
episódio dramático restou, para a história
ção dos melhores”, e, portanto, o máximo da educação brasileira, a carta, edificante e
desenvolvimento dos normais (escola co- corajosa, com que Anísio Teixeira demitiu-
mum), como o tratamento especial de se do cargo de Secretário de Educação e
anormais, subnormais e supernormais Cultura do antigo Distrito Federal.
(classes diferenciais e escolas especiais).
O “Estado Novo” (1937-1945) talvez
tenha adotado uma orientação mais “realista”
em matéria de educação, pois considerou o
Conclusões ensino profissional, para formação de mão-
de-obra, como o dever básico do Estado; e,
Do que ficou exposto, conclui-se facil- mais tarde, reformou o ensino de 2º grau,
mente que o Manifesto dos Pioneiros da dividindo-o em compartimentos estangues,
Educação Nova pressupunha a existência de cada um para atender, separadamente,
uma sociedade homogênea e democrática, às necessidades de formação de nossa
regida pelo princípio fundamental da juventude, de acordo com a divisão em
igualdade de oportunidade para todos. classes realmente existente na sociedade
Entretanto, esta não é, infelizmente, a brasileira (ensino secundário, normal,
realidade no tocante à sociedade brasileira, industrial, comercial e agrícola).
desde seus primórdios até os dias atuais. Depois, veio a hecatombe da Segunda
Por isso mesmo é que as indicações con- Guerra Mundial e com a vitória das chama-
tidas no Manifesto, para resolver o problema das “potências democráticas”, em coalizão
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com a União Soviética, sobre o nazi-facismo, brasileiras – a maioria delas não tem futu-
tivemos aqui, como repercussão, a recons- ro algum. De acordo com o exaustivo qua-
dro sobre a educação no País, traçado pelo
titucionalização do País, e a promulgação
PNAD-82, conclui-se que, em cada grupo
da Constituição de 18 de setembro de 1946. de 100 brasileiros, apenas 74 terão algum
Nela, reapareceriam, com algumas amplia- contato com a escola – 26 já devem ser
ções, os dispositivos sobre educação e en- descartados liminarmente e permanece-
sino constantes da Constituição de 1934, rão analfabetos a vida inteira. Dos 74, um
e, além disso, dispunha, como novidade grosso contigente de 62 pessoas terá aces-
so somente ao 1º grau do ensino, onde se
maior a elaboração de uma Lei de Diretri-
dá a formação básica, e ficarão por aí. So-
zes e Bases da Educação Nacional. Essa lei brarão não mais de 12, a quem se oferece-
complementar somente 15 anos mais tarde rá o privilégio de cursar o 2º grau. E des-
foi promulgada (Lei nº 4.024, de 20 de de- ses 12 apenas 4, solitários vencedores su-
zembro de 1961). Porém, passados 10 anos, premos no pelotão inicial de 100, terão
já no segundo regime autoritário de gover- acesso à Universidade.
no, instalado a 19 de abril de 1964, foi mo-
dificada, na parte relativa aos ensinos de E adiante:
1º e 2º graus, pela Lei nº 5.692, de 11 de
Há no País, segundo o levantamento, 26
agosto de 1971. O ensino superior, univer-
milhões de pessoas acima dos 7 anos que
sitário ou de 3º grau já tinha sido reformado, não sabem ler nem escrever – um número
mediante a Lei nº 5.540 de 1968. equivalente à soma das populações de Mi-
Mas, apesar de todas essas reformas, a nas Gerais e do Rio de Janeiro e que, pro-
insatisfação e as críticas veementes continua- porcionalmente, ao todo, representa 26%
ram a ser dirigidas contra toda a nossa orga- da população, coloca o Brasil, em termos
internacionais, numa taxa de analfabetis-
nização de educação e ensino, em todos os
mo idêntica à do Paraguai.
seus aspectos. E a expressão que mais se ouve,
em todos os setores de nossa sociedade, é
E em seguida:
que a educação e o ensino estão mergulha-
dos numa crise profunda e não se vislumbra Pior ainda, no entanto, é que, ao contrá-
meios nem modos de tirá-la dessa situação. rio do que transparecia em levantamen-
As pessoas interessadas nessas questões, tos anteriores, o número de analfabetos
e que são muitas, pois que se trata de proble- vem crescendo. Se de 1970 a 1976 o País
mas que dizem respeito, praticamente, a todo registrou um progresso significativo ao
fazer cair a taxa de analfabetismo de 34%
o povo brasileiro, perguntam-se perplexas:
para 25%, de 1976 a 1982 a taxa voltou
por que têm fracassado todas essas medidas a subir, situando-se nos atuais 26% (Re-
democráticas ou democratizantes que têm vista Veja, n. 763, de 16/11/1983, p. 86-
sido propostas, ao longo de todos esses anos, 87).
para tentar resolver as deficiências desse setor
básico da vida nacional? Assim, passados exatamente 50 anos do
Por que chegamos ao ano de 1982 com lançamento do Manifesto dos Pioneiros da
a revelação dessas cifras estarrecedoras, apu- Educação Nova (1932-1982), a situação em
radas pela Pesquisa Nacional de Amostras relação aos problemas básicos da educação
de Domicílios, realizada pelo Instituto Bra- e do ensino agravaram-se, chegando-se a
sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esses deploráveis aspectos, revelados pela
referentes à educação e ao ensino? referida pesquisa oficial.
Eis algumas dessas cifras: E, volta-se a perguntar: por que isso
aconteceu, apesar dos inegáveis esforços de
Como uma cruel cartomante, o sistema muitas autoridades e de grande número de
de ensino já traçou o futuro das crianças educadores honestos, e ainda o indiscutível
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e extraordinário desenvolvimento material Segundo Jessé Montelo, presidente do
do País nesse meio século? IBGE, em 1982, a população economica-
mente ativa com 15 anos ou mais era de
É que essa situação decorre, fundamen-
46 milhões 928 mil e 800 pessoas.
talmente, do fato da estrutura da sociedade
brasileira continuar a ser profundamente – Somos um País pobre. A população é
antidemocrática. E isto é facilmente pobre mesmo – conceituou o presidente
comprovável em face dos dados oficiais so- do IBGE, após apresentar os dados relati-
bre a concentração da renda no País, espe- vos à evolução dos rendimentos das dife-
rentes faixas de renda entre 1970 e 1982.
cialmente nos últimos anos, pelos quais se
verifica que uma minoria de brasileiros vem
E, para completar esse quadro sombrio,
se tornando cada vez mais rica, enquanto a
acrescente-se as seguintes informações
maioria do povo empobreceu grada-
colhidas ainda na mesma fonte:
tivamente. E comprova-se ainda mais pelos
resultados da mesma pesquisa realizada pelo
O Brasil chegou ao fim de 1983 com uma
IBGE, e que são os seguintes: dívida externa de 100 bilhões de dólares,
com uma inflação de 212% e uma queda
O número de brasileiros com rendimen- de produção, comandada pelo setor indus-
tos mensais de até dois salários mínimos trial, estimada em 5%, em relação a 1982.
subiu de 28 milhões 36 mil para 32 mi- Números iguais a esses não foram vistos
lhões 62 mil, apresentando um cresci- nem na famosa crise de 1929 que marcou
mento de 24, entre 1980 a 1982. A pes- o fim da República Velha (Jornal do Bra-
quisa, baseada em levantamentos feitos sil, Retrospectiva 83, sábado, 31 de de-
entre outubro e dezembro de 1982, reve- zembro de 1983, p. 1).
la também que 10 milhões 86 mil e 492
brasileiros recebem mensalmente até
E ainda mais:
meio salário mínimo. Outros 11 milhões
776 mil e 83 recebem entre meio e um
salário mínimo, o que significa que um O Brasil terminou 1983 com mais de 10
total de 21 milhões 625 mil 575 brasilei- milhões de desocupados, o que significa
22% de desempregados e subocupados na
ros vivem com até um salário mínimo.
população economicamente ativa de 45
Na faixa compreendida entre um e dois
milhões de pessoas. Um estudo do Institu-
salários mínimos estão 12 milhões 884
to de Planejamento da Seplan garante que,
mil 388 pessoas.
se o Governo não criar programas
emergenciais, o Brasil chegará a 1986 com,
A Pesquisa Nacional por Amostra de Do-
aproximadamente, 14,5 milhões de deso-
micílio (PNAD) –1982 mostra também
cupados, sem contar com os chamados de-
que 4 milhões 945 mil 20 pessoas não
salentados, aqueles que se acomodaram e
apresentavam remuneração, embora tra-
nem procuram mais trabalho [...].
balhassem períodos de 39 a 49 horas ou
mais mensalmente. A maior parte dos não
remunerados se encontram vinculados às E adiante:
atividades agrícolas, representando um
total de 4 milhões 340 mil 825 pessoas. Não devemos esquecer que o estilo, a con-
dução e os objetivos da política econômi-
A população residente no País está esti- ca no contexto atual têm provocado efei-
mada em 122.507.125 e a população eco- tos exatamente diversos daqueles que
nomicamente ativa em 49 milhões 884 nos parecem socialmente mais justos, re-
mil 736 (pessoas ocupadas mais as de- clamam os técnicos, e alertam para os
sempregadas, ou seja, aquelas com 15 drásticos efeitos que o aumento do de-
anos ou mais que continuam procurando semprego, conseqüência imediata dessa
emprego). A PNAD trabalha com o con- política, já está causando à população. Em
ceito de pessoas economicamente ativas, primeiro lugar, a queda da qualidade de
abrangendo as com 10 anos ou mais. vida, sobretudo no setor de baixa renda.
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Em segundo, o aumento excessivo da inteiramente distorcido que temos tido, des-
mortalidade infantil e das doenças de a nossa constituição como Nação. Politi-
transmissíveis, as quais o Governo terá
camente independentes, desde 1822 conti-
que remediar com recursos tão elevados
nuamos, entretanto, a ser extremamente de-
quanto os que utilizaria numa política de
empregos. (Jornal do Brasil, domingo, 8/ pendentes dos recursos estrangeiros, em
1/84, 1º cad., p. 15). capitais e tecnologia, para a exploração de
nossas riquezas, e, portanto, completamen-
Daí, a grave crise social em que mergu- te vulneráveis à pressão dos interesses das
lhamos, com essas taxas inéditas de desem- nações do chamado mundo desenvolvido.
prego; aumento da pobreza, em geral; aumen- E, além disso, o próprio desenvolvimento
to da criminalidade juvenil e até infantil; au- material que alcançamos vem beneficiando
mento das taxas de mortalidade infantil, etc. apenas uma minoria do povo brasileiro, com
Toda essa terrível situação teria, evi- a exclusão da maioria dos benefícios desse
dentemente, de levar às drásticas repercus- inegável progresso material que conse-
sões, apontadas anteriormente, sobre o setor guimos. Logramos assim um falso desenvol-
de educação e ensino. vimento ao mesmo tempo dependente e
E nesse ponto das considerações que excludente da maioria dos brasileiros. E essa
venho alinhando, mais uma vez acode-me circunstância só poderia gerar a situação
à memória aquela dramática advertência de dramática em que nos encontramos nos dias
Benito Juarez, a grande figura da revolução de hoje.
mexicana, que certo dia encontrei, por mero Daí decorrem forçosamente as frustra-
acaso, mas sintomaticamente, no n. 89, de ções e as desilusões dos educadores que,
maio/jun. de 1948, à página 28, da Revista em sua boa-fé, insistem em imaginar que a
do Clube Militar do Rio de Janeiro, e que educação e o ensino escolares são os fatores
dizia o seguinte: fundamentais para modificar essa situação...
Ao contrário, porém, somente quando
Ainda que se multipliquem as escolas e alcançarmos um regime verdadeiramente
os professores sejam bem pagos, sempre democrático é que se criarão as condições
haverá escassez de alunos enquanto exis- para que possa florescer uma educação de-
tir a causa que impede a assistência à mocrática, na qual prevaleça o preceito fun-
escola... Essa causa... e a miséria geral... damental da democracia que é a igualdade
O homem que não pode dar alimento à
de oportunidades para todos.
família, vê a educação dos filhos como
obstáculo à luta diária pela subsistência.
Assim, o problema fundamental do Bra-
Elimine-se a pobreza... e a educação sil é a democratização de sua sociedade para
seguirá em forma natural... que possa haver a participação eqüitativa do
povo brasileiro nos resultados do trabalho
Tudo isso que vem acontecendo em de todos. E somente assim será possível
nosso País, apesar de suas potencialidades realizar os ideais dos educadores que, certo
em riquezas naturais e das qualidades ex- dia, lançaram Ao Povo e ao Governo o Mani-
cepcionais de seu povo é, sem dúvida, festo dos Pioneiros da Educação Nova, para
o resultado do desenvolvimento econômico a Reconstrução Educacional no Brasil.
178 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 163-178, jan./abr. 2005.