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O tema Estudo de Caso me leva, imediatamente, a visualizar uma imagem que poderia ser descrita como a de
uma convergência de informações, de vivências e de trocas de experiências que, partindo da percepção de
cada participante desta atividade, nos levaria à compreensão mais clara da natureza e da dinâmica de um
fenômeno que seria o foco de nossa observação. No nosso caso, esse fenômeno se refere ao comportamento
de um “organismo humano”.
Por sua própria natureza, um Estudo de Caso provoca, em quem participa dele, um processo de reciclagem
pessoal, de descobertas pessoais. Todos aqueles que estão envolvidos num estudo desse tipo acabam, de
certo modo, vivenciando uma experiência de auto descoberta.
No presente trabalho, tentarei escrever um pouco sobre a minha prática nesse tipo de atividade que considero
uma das mais ricas tanto na educação como também na clínica.
Um Estudo de Caso significa , para mim, uma tarefa que tem como objetivo a tentativa de aprofundar o nível
de compreensão de um momento que está sendo vivido por um “organismo humano ( pessoa, grupo, etc. ).
O propósito é se ter uma consciência mais clara de alguns fatores que possam estar contribuindo para a
construção do seu modo de ser e de atuar naquele seu momento histórico. Através disso, se facilitaria o
surgimento de condições favoráveis para uma reorganização da percepção do comportamento e do contexto
no qual ele ocorre.
Como resultado desse processo, espera-se que surja uma aprendizagem significativa a ser experimentada por
todos aqueles que dele participarem. Em outras palavras, espera-se que, por meio dessas aprendizagens, se
crie novas ações direcionadas ao aperfeiçoamento, melhoria, crescimento de TODOS os envolvidos nesse
processo.
O modo como conceituei acima um Estudo de Caso, parece deixar claro que o objetivo dessa tarefa é, por um
lado, pretensioso e, por outro, bastante modesto.
É pretensioso quando busca compreender como a pessoa, ou um grupo, chegou a construir sua maneira de
ser, de atuar. Isso implicaria em conhecer um número imensamente grande de fatos históricos que
contribuíram na formação de valores, de modos de percepção, deles, hoje. Isso seria teoricamente impossível.
Num Estudo de Caso a ser realizado numa escola, como é o nosso tema, seria , pois, pretensão minha , por
exemplo, conhecer todos os possíveis fatores que interferem na conduta de um aluno. Por isso pretendo,
simplesmente, levantar o maior número possível de dados, de fatos, de situações referentes àquela pessoa,
que possam nos servir de referenciais e que nos ajudem a compreender ( e não a explicar ) um pouco mais o
seu comportamento.
Na primeira versão desse meu artigo, ao buscar o significado da palavra CASO em nosso idioma, tomei como
referência o Dicionário Escolar MEC- 1979 e lá encontrei:
“Caso : Acontecimento, fatos , hipóteses, circunstância, dificuldade, apreço, estimação, importância,
manifestação individual de doença... história, contos.”
Chamei atenção, naquele momento, para um dos significados dessa palavra que era: “manifestação individual
de doença”. Esse significado se prestava perfeitamente ao que técnica e vulgarmente se identificava como um
“caso que merecia estudo”, ou seja, aquele que se apresenta como uma “manifestação individual de doença”.
Essa questão me intrigava principalmente por ser uma distorção comum daquilo que , a meu ver, seria um
Estudo de Caso.
Um estudo de caso na escola é, quase sempre, proposto quando o aluno apresenta problemas a serem
resolvidos. Quanto maior o problema e a dificuldade para resolvê-lo, mais se faz necessário tal estudo. Nunca
se propõe essa tarefa quando a situação é inversa. Por que ?
Sou de opinião que essa questão deveria ser repensada e que passássemos também a nos determos no
ESTUDO DE ALUNOS, apresentem eles problemas ou não.
Poderíamos nos enriquecer muito, como pessoas e profissionais, se nos detivéssemos também nos estudos
dos outros ACONTECIMENTOS, CIRCUNSTÂNCIAS, HISTÓRIAS, etc., que não carregam no seu interior
somente as tragédias, as angústias, os medos , mas também aqueles onde existem alegrias, realizações,
crescimentos...
Somos meio prisioneiros de um preconceito que nos leva a “compreender a saúde através da doença” .
Esquecemos de prevenir a doença através de um contato mais pleno com a vida saudável.
Esse modo de pensar é também muito freqüente nas escolas. Enquanto o aluno estiver rendendo bem, feliz,
não apresentando problemas, seu nome não será cogitado para um Estudo de Caso. Com isso deixamos de
apreender os mecanismos de saúde e nos detemos nos opostos a eles.
Como estou escrevendo de novo esse trabalho, por curiosidade, me dirigi ao Novo Dicionário Aurélio-2a.
Edição-Revisada- de 1993 e procurei o significado da palavra CASO: [ Do lat. Casu.] S.m. 1. Acontecimento,
fato, sucesso, ocorrência. 2. Eventualidade, conjuntura, hipótese. 3. Acaso, circunstância, causalidade.
Para surpresa minha, nesse dicionário, “caso” é conceituada de maneira bem mais próxima daquilo que julgo
ser adequado :
“Estudo de Caso seria um estudo dos acontecimentos, dos fatos ocorridos, das eventualidades, dos contextos
e conjunturas, das hipóteses, das circunstâncias e prováveis causas.”
Fiquei mais contente com essa descrição pois ela contém uma visão bem mais compreensiva do que
explicativa da realidade, portanto mais adequada ao que acredito ser o objetivo desse Estudo.
Faz-me pensar também que, passados mais de 10 anos, alguma coisa mudou em nossas cabeças.
Bem, você poderia me dizer : e a palavra Estudo ? Você não a viu no Dicionário!
OK! Vamos lá!
Aurélio (mesma edição citada acima)..... ESTUDO : [ Do lat. studiu , ‘aplicação zelosa, ardor’.] S.m. 1. Ato de
estudar. 2. Aplicação do espirito para aprender. 3. Conhecimentos adquiridos à custa dessa aplicação. 4.
Trabalhos que precedem a execução de um projeto. 5. Trabalho literário ou científico acerca de um dado
assunto. 6. Exame , análise. 7. Fig. Atenção ou cuidado especial 8. ....
Interessante observar que utilizamos as palavras e nem sempre tomamos consciência de todos os
significados dela. Achamos que sabemos tudo sobre ela. Mas veja só, no caso de Estudo, mais uma vez os
significados associados a essa palavra nos ajudam a formar uma sentença bem apropriada ao que venho
tentando propor neste documento.
Poderia falar assim : “quando com ardor aplicamos, zelosamente, nosso espírito para aprender, adquirimos
conhecimento à custa dessa aplicação. Quando estudamos um caso estamos nos preparando para algo , um
projeto , que surgirá a partir desse estudo. Esse projeto será científico e consistirá num exame e uma análise
dos fatos os quais serão registrados de forma especialmente atenta e cuidadosa.”
Um aluno, uma turma, um grupo de professores, de funcionários, a instituição escola como um todo, tudo isso
junto ou isoladamente, será no presente trabalho considerado como um “organismo”.
Assim, apenas para fins teóricos, no presente documento chamarei de “organismos menores” aqueles que
estão inseridos num contexto mais abrangente. Por exemplo, a instituição escola, no seu todo, seria um
“organismo maior” . Um aluno, um professor, etc. , seria um “organismo menor”.
Como falei linhas atrás, quase sempre um Estudo de Caso é solicitado a partir do surgimento de um “mau
funcionamento” de um desses organismos.
Na escola, por via de regra, “ o aluno que não está funcionando adequadamente é aquele que dispara a
necessidade de um Estudo”.
Quase sempre esse “organismo” que funciona mal está atrapalhando outros “organismos menores” que
existem ao seu redor e/ou atrapalhando o “organismo maior”.
Seja como for, o que se percebe comumente é que sempre precisa haver um mau funcionamento para que se
pense em realizar um Estudo de Caso.
Essa postura parece indicar que ainda o que prevalece é o tradicional modelo médico, o modelo que objetiva
“curar a doença” .
Embora não queira aqui discutir a pertinência ou não de tal modelo, desejo apenas questionar se, na própria
medicina, tal modelo é o único ou o mais valorizado em nossos dias.
Na prática da “saúde”, cada vez mais, a ação preventiva tem merecido espaços maiores.
Na prática da “educação”, ainda, continuamos privilegiando mais as ações curativas.
Como falei anteriormente, o que se observa com maior freqüência são os Estudos de Caso disparados pelos
“organismos” em desajuste, que não estão funcionando em conformidade com as regras do contexto no qual
está inserido, os que estão atrapalhando os outros “organismos” do seu meio ( um aluno atrapalhando a
dinâmica da turma, não conseguindo render, ou rendendo e dificultando o aprendizado dos colegas; um aluno
com dificuldades de relacionamento; etc.).
Por ser mais freqüente, focalizarei neste trabalho principalmente este aspecto: o estudo de caso onde há um
“desajuste”. Todavia insisto em lembrar que ver o Estudo de Caso apenas por este ângulo é limitar muito seu
potencial como instrumento de aprendizagem de todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem.
Há aproximadamente 15 anos, estou envolvido num trabalho clínico que se caracteriza pelo estudo da história
do cliente. Por isso, hoje, para mim, mais do que no momento em que escrevi a primeira versão deste artigo,
os dados históricos de um “organismo” ganharam uma importância imensamente maior.
A compreensão do que está ocorrendo com um aluno envolve um levantamento de informações bastante
grande e variado.
Seria uma grande ilusão de nossa parte acreditar que, através de uma simples observação do comportamento
do aluno , de seu rendimento escolar, do que ele é capaz de verbalizar sobre seu modo de ser e de agir, se
poderia entender o que se passa com ele e os elementos que , conjugados, acabam por empurrá-lo na direção
de uma “conduta inadequada”, ou seja, de um mau funcionamento seu.
Num Estudo de Caso, seja ele por desajuste ou não, deveríamos tentar , o máximo possível, entender o
“contexto” no qual esses comportamentos ocorrem. Conhecendo tal contexto estaremos a meio-caminho de
conseguir uma compreensão da realidade sobre a qual nos debruçarmos em nosso Estudo.
Em termos práticos, diria que para se conhecer um contexto determinante de uma conduta de um aluno seria
desejável que conhecêssemos :
- sua versão da sua história atual;
- opiniões dos vários professores que lidam com ele;
- opiniões de professores que já lidaram com ele;
- opiniões dos seus colegas e amigos;
-opiniões de outras pessoas que o conhecem dentro da escola;
-informações através dos pais e/ou familiares;
-informações de profissionais: psicólogos, médicos, professores fonoaudiólogos,... que já o atenderam em
algum momento atrás, ou que o atendam atualmente.
-Outras informações.
É evidente que, para chegarmos a uma compreensão mais profunda do momento vivido por qualquer
organismo, deveremos contar com a colaboração e informações dos outros organismos que interagem com
ele.
O que quero destacar nessa proposta é a necessidade de contextualização do “desajuste”, pois, só assim,
poderemos compreendê-lo.
Só compreendendo num nível máximo possível, é que teremos possibilidade de atuar, reorganizar,
solucionar...
A “compreensão extensa” nos permite uma ação mais eficaz por eliminar uma série de suposições falsas sobre
os fatos e, conseqüentemente, diminuir a possibilidade de propostas de ações inadequadas para a superação
da dificuldade apresentada pelo aluno em estudo.
A-IDENTIFICAÇÃO DO CASO
Neste item podemos listar um número bastante comum de informações gerais que nos ajudem a identificar
com clareza e precisão sobre que ou quem se está focalizando tal Estudo. No caso de ser um aluno
poderíamos buscar as seguintes:
Nome, Sexo, Idade, Data de Nascimento, Filiação, Naturalidade, Nacionalidade, etc..
B- MOTIVO DO ESTUDO
b-1- Descrição do comportamento inadequado;
b-2 Justificativa para o presente estudo : avaliação do SOE da escola, conselho de classe, sugestão de algum
professor do aluno, solicitação da família, etc. .
C - DADOS RECOLHIDOS
c-1- Entrevistas realizadas : com o próprio aluno, com seus professores, colegas, família, profissionais que
atendem ou atenderam o aluno, etc.
c-2 - Outros documentos : - materiais produzidos pelo aluno na escola considerados significativos para a
Um caso em estudo deverá ter um coordenador. Alguém que fique como responsável pela dinâmica dessa
atividade.
Não precisará ser, forçosamente, um profissional técnico como , por exemplo, um psicólogo, um Orientador,
um médico.... Ainda que, se for possível se contar com uma dessas pessoas, talvez o trabalho flua mais por
ela ser alguém que já lida, no dia-a-dia, com esse tipo de “material”.
O papel do coordenador é muito importante pois a ele caberá promover a aproximação dos dados e das
pessoas que os dispõem com o objetivo de organizar as informações e com isso contextualizar o “problema”.
Ele também coordenará as reuniões nas quais estarão presentes “todas” as pessoas qualificadas para a
apreciação dos dados obtidos.
Nessas reuniões de estudo, todo o grupo terá possibilidade de opinar sobre o que pensa do caso em estudo,
poderá sugerir material teórico para leitura, utilizar seus conhecimentos e sua sensibilidade na busca de uma
compreensão mais abrangente dos fatos em discussão.
Essas reuniões poderão se estender por algum tempo, ou seja , o número delas poderá ser uma, duas , três...
quantas forem necessárias até que se tenha clareza suficiente para propor alternativas, soluções,
encaminhamentos...
Num Estudo de Caso bem sucedido espera-se que não só o “organismo com mau funcionamento” seja
beneficiado mas que TODOS os participantes desse estudo se beneficiem dele.
Cada um a seu modo poderá sentir que cresceu ao discutir sobre o problema estudado.
Dessa forma, os professores, os colegas, a família, a escola, todos se enriquecerão a partir do momento em
que possam parar para compreender o que estava acontecendo e , através disso, entender qual o papel de
cada um naquela situação.
Falar sobre o outro é também falar da gente.
Compreender o que acontece com um outro é compreender o que acontece também conosco.
Muitas vezes a Escola “acusa” a família do aluno, ou o professor, ou o próprio aluno e , quando ela se
envolve num Estudo de Caso , pode acabar percebendo que ela própria pode estar sendo uma das molas
propulsoras para a ocorrência daquele "mau funcionamento do aluno".
Ninguém está “de fora” quando se fala de um Estudo de Caso pois nós todos pertencemos ao “organismo
maior” no qual todos os fenômenos que atingem os “organismos menores” ocorrem.
Um Estudo de Caso bem sucedido implica num “assumir um compromisso” junto a todos aqueles que dele
participaram pois não basta se levantar hipóteses, colecionar dados, concluir sobre o que está acontecendo
com o aluno naquele momento de sua vida... É preciso que isso tudo sirva como um ponto de partida .
Muitas vezes teremos que reconsiderar algumas das sugestões propostas pela equipe que participou do
Estudo.
Teremos que admitir que - muitas vezes - estamos indo pelo caminho errado... E, se não tivermos essa
postura, provavelmente ficaremos atados e ,conseqüentemente, todo o nosso trabalho ficará limitado e
comprometido.
Uma atitude de flexibilidade, de não rigidez, de não preconceito, de abertura para a experiência , um
reconhecimento da igual importância que cada colaborador tem nesse processo , tudo isso é importante que
exista no Grupo , e imprescindível naquela pessoa que estiver liderando essa tarefa tão complexa , e tão rica,
como é o Estudo de Caso.