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Estudos Avançados de Direito de

Família e Sucessões
Volume 1
Dóris Ghilardi
Renata Raupp Gomes

Estudos Avançados de Direito de


Família e Sucessões
Volume 1

Editora Lumen Juris


Rio de Janeiro
2020
Copyright © 2020 by

Dóris Ghilardi
Renata Raupp Gomes

Categoria:

Produção Editorial

Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Diagramação: Rômulo Lentini

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.


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emitidas nesta obra por seu Autor.

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Todos os direitos desta edição reservados à
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
________________________________________
Prefácio

O livro “Estudos Avançados de Direito de Família e Sucessões” é uma


obra coletiva, resultante da coragem e ousadia de duas professoras e pesqui-
sadoras da Universidade Federal de Santa Catarina, Dóris Ghilardi e Renata
Raupp Gomes, que tomaram a si a responsabilidade de liderar a pesquisa e o
debate científico do Direito de Família e Sucessões no estado de Santa Cata-
rina. E agora, compartilham com toda a comunidade acadêmica e jurídica os
frutos das sementes lançadas há dois anos.
Com uma grata surpresa recebi o honroso convite de prefaciar esta obra,
o que me traz dupla alegria; o primeiro motivo é que nutro pelas professoras
Dóris e Renata muito mais do que uma profunda admiração e respeito acadê-
mico – nosso relacionamento há muito transpassou os limites da academia, se
transformando em uma carinhosa amizade, nos permitindo congregar mais
do que ideias, mas também compartilharmos sonhos.
E neste compartilhamento de sonhos acompanhei a formação e cresci-
mento do GFAM na UFSC, admirando a assiduidade dos encontros, a rele-
vância dos temas debatidos e o engajamento dos participantes do grupo. As
coordenadoras desta obra incentivaram com responsabilidade o voo acadê-
mico dos membros do grupo, e com o acuro que lhes é peculiar, orientaram a
pesquisa e produção de artigos que hoje compõem esta obra.
A alegria de ver a concretização desta coletânea também tem uma
segunda razão: é uma obra cuja temática exclusiva é Direito de Família e Su-
cessões , área de trabalho e pesquisa das coordenadoras. Os assuntos trazidos
foram escolhidos com cuidado técnico e científico, e diretamente ligados aos
desafios atuais da área. O zelo na elaboração da pesquisa se reflete na quali-
dade técnica dos textos produzidos, que na sua maioria reúnem o interesse
científico com a atuação profissional especializada na área.
Os temas dos artigos abrangem os grandes eixos do Direito de Família.
Os relacionamentos afetivos e suas consequências jurídicas são trabalhados nas
temáticas da autonomia privada das partes, em especial no contrato de namoro,
união estável e pacto antenupcial. Também as questões relativas aos relaciona-
mentos entre pais e filhos são apresentados ao leitor, em especial nos enfoques
da guarda compartilhada, multiparentalidade, da coparentalidade e da adoção.
Ao lado da autonomia privada, vem a responsabilidade civil dos mem-
bros da família, seja pelo abandono afetivo, seja nos relacionamentos amoro-
sos, ou por atos de membros da família, e até mesmo o debate sobre a apli-
cação do abuso do direito nas relações familiares. A garantia e os limites da
privacidade nas relações familiares também mereceu destaque.
E no Direito Sucessório, o livro nos reúne temas instigantes, como os de-
safios da legítima, a herança digital, o planejamento sucessório e a transmis-
sibilidade do dever de alimentos e os reflexos sucessórios da família afetiva.
Enfim, a presente obra brinda a comunidade jurídica com o resultado da
pesquisa realizada pelo GFAM, enriquecendo o Direito de Família e Sucessões
catarinense, e nacional, de forma que a leitura atenta contribuirá para o apri-
moramento científico e profissional da área.
Florianópolis, outono de 2020.

Luciana Faisca Nahas


Doutora em Direito. Advogada. Professora
Presidente do IBDFAM/SC
Apresentação

Há pouco mais de dois anos assumimos o imenso desafio de congregar


alunos da graduação e da pós-graduação da Universidade Federal de Santa
Catarina - UFSC, bem como egressos do Curso de Direito e profissionais da
área jurídica em torno de um propósito, que é ao mesmo tempo uma paixão:
o estudo do Direito das Famílias e das Sucessões.
Fomos surpreendidas com a pronta aceitação da nossa proposta na co-
munidade acadêmica e jurídica e, assim, reunimos um grupo coeso e consis-
tente de verdadeiros estudiosos do tema.
Contudo, ainda não estávamos plenamente satisfeitas com as pesquisas
e discussões semanais proporcionadas pelo grupo, que logo recebeu a deno-
minação de GFAM. Isso porque concluímos, como coordenadoras dos traba-
lhos, que nossa construção coletiva poderia e deveria transbordar os muros
da UFSC, na medida em que o conhecimento precisa ser compartilhado como
um verdadeiro ato de amor e de generosidade.
Pouca ou nenhuma valia tem a pesquisa ou o conhecimento científico
que não se presta a contribuir concretamente com a emancipação dos gru-
pos sociais e com a concretização dos ideais de igualdade, de dignidade e de
solidariedade, notadamente na ambiência familiar e na seara jusfamiliarista.
Acreditamos, enfim, que a pesquisa, o conhecimento científico em geral, deve
ter pretensões propositivas, ao menos em algum nível.
Dessa angústia, traduzida no fundo como um desejo de contribuir com
a comunidade jurídica, partilhando de nossas preocupações e sinalizando as
possíveis soluções engendradas no grupo e pelo grupo às questões mais polê-
micas das temáticas enfrentadas, nasceu a proposta desta obra coletiva.
Com temáticas variadas, mas que permeiam três eixos principais – con-
jugalidade, parentalidade e sucessões - este livro apresenta uma parcela das
discussões e das pesquisas desenvolvidas pelo GFAM em seu pouco tempo
de existência. De igual forma, a variedade de autores reflete a diversidade dos
membros componentes do grupo, alguns ainda no início de suas caminhadas
acadêmicas, outros já doutores em Direito, alguns sem titulação, mas com
vasta experiência profissional, enfim, todos, a seu modo, contribuindo e pon-
do o melhor de seus esforços em prol deste projeto comum.
Também participam desta obra mestrandos do Programa de Pós Gra-
duação em Direito – PPGD/UFSC - que cursaram a disciplina de Temas Pa-
trimoniais em Direito de Família e Sucessões, além de três professoras con-
vidadas de outras instituições de ensino, a Professora Doutora Daniela Braga
Paiano, da Universidade Estadual de Londrina – UEL; Prof. Dra. Alessandra
Cristina Furlan, da Universidade estadual do Norte do Paraná – UENP; e a
Professora Mestre Larissa Tenfen Silva, da Faculdade Cesusc. A Prof. Dra.
Patrícia Fontanella, representando a Universidade do Sul de Santa Catarina –
UNISUL, além de prestar inestimável colaboração para a presente obra, tam-
bém abrilhantou os debates do nosso grupo na qualidade de membro efetivo.
Importa referir que tomamos a simplicidade na escrita como um ob-
jetivo a ser perseguido pelos autores, primando pela clareza, objetividade e
acessibilidade. Queremos que qualquer pessoa possa tirar proveito da leitura,
independente de sua formação ou mesmo a despeito de não possuir formação
acadêmica. Este livro é para a Sociedade catarinense e brasileira.
Nesse sentido, a obra, mais do que tudo, representa o nosso agradecimento à
Universidade Federal de Santa Catarina, que nos acolheu desde o início, propor-
cionando um lugar físico para as nossas reuniões e um ambiente inspirador para
que os nossos sonhos pudessem ser acalentados e, como hoje acontece, pudessem
se transformar em realidade, quiçá, também, transformando a realidade.
Então, é com muito orgulho que apresentamos a nossa coletânea, a pri-
meira de muitas que, esperamos, se seguirão, pois a dinamicidade do Direito
de Família e das Sucessões nos impõe constante reflexão e vigilância, mas
sobretudo nos desafia a construir soluções jurídicas capazes de pacificar os
conflitos mais primários da vida humana.
Com votos de uma excelente e profícua leitura,

Dóris Ghilardi e Renata Raupp Gomes


Coordenadoras do GFAM
Florianópolis, verão de 2020
Sumário

Existir, Valer, Ser Eficaz: o que a Teoria dos Fatos


Jurídicos diz Sobre o “Contrato de Namoro”?...................................................... 1
Ariani Folharini Bortolatto
Dóris Ghilardi

Conteúdo e Limites do Pacto Antenupcial: Breves Considerações.................. 19


Larissa da Luz

Fundamentos da Reparação de Danos por Rompimento de Noivado:


um Estudo de Direito Comparado entre Brasil e Alemanha............................ 35
Thatiane Cristina Fontão Pires

União Estável no Brasil: Reflexões Sobre o Caminho Percorrido.................... 53


Gabriela Jacinto Barbosa

A Usucapião da Meação Sobre Bem Imóvel por Cônjuge Separado de Fato..... 71


Jorge Nunes da Rosa Filho

A Mediação Familiar como Alternativa ao Processo Judicial: Instrumento


de Eficiência e Satisfação a Partir da Análise Ecônomica do Direito..............89
Janaina Silva Sodré Bortolato

Oficina de Parentalidade, “Conversas De Família” e o


Acesso à Justiça: as Constelações Familiares no Judiciário............................109
Larissa Tenfen Silva
Neide Lara de Souza Broering

Busca Ativa na Adoção.........................................................................................125


Leandro Canavarros

Multiparentalidade: um Direito em Evolução.................................................. 143


Alessandra Cristina Furlan
Daniela Braga Paiano
A Responsabilidade do Pai Biológico em Famílias Multiparentais
sob a Óptica Principiológica Constitucional..................................................... 155
Bernardo de Sá Soares

O Direito à Convivência Familiar como Garantia


do Exercício do Dever de Cuidado dos Pais...................................................... 175
Mariane Bosa de Lins Neves

A Transmissibilidade da Obrigação Alimentar


no Ordenamento Jurídico Brasileiro.................................................................. 191
Mariana Demetruk Marchioro

Responsabilidade Civil e Abandono Afetivo Inverso: uma Análise


Ampla à Luz da Constituição de 1988 e da Jurisprudência............................209
João Eduardo Berti Mariot

Os Desafios da Legítima na Atualidade


Brasileira e os Modelos Estrangeiros..................................................................227
Ana Letícia Cechinel Guidi

As Repercussões Sucessórias na Parentalidade Socioafetiva


e Questões de Autonomia Privada......................................................................241
Marco Aurélio Waterkemper Ozol

Herança Digital: Pontos Controvertidos e Planejamento Sucessório............261


Ana Luiza de Oliveira Alphonse

Planejamento Sucessório: Estruturas de Governança como Instrumentos


para um Processo de Sucessão Exitoso na Empresa Familiar........................277
Rafael Király

O Rol Taxativo das Causas Legais de Deserdação e Indignidade sob a


Perspectiva do Abuso do Direito: uma Abordagem Propositiva do Tema....... 291
Patricia Fontanella
Renata Raupp Gomes
Busca Ativa na Adoção

Leandro Canavarros

Advogado e Professor. Mestrando em Direito pela UFSC. MBA


pela FGV/Rio de Janeiro, graduado pela UFSC. Membro de co-
missões da OAB/SC, vice-presidente de Grupo de Apoio à Ado-
ção, assessor jurídico da ANGAAD.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. SURGIMENTO E DEFINIÇAO DA


BUSCA ATIVA NA ADOÇÃO 3. FUNDAMENTO LEGAL E FINA-
LIDADE DA BUSCA ATIVA NA ADOÇÃO 4. A BUSCA ATIVA NA
PRÁTICA: EXEMPLOS DE PROJETOS E POLÍTICAS IMPLEMEN-
TADAS POR TRIBUNAIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS E POR GAAS
– GRUPOS DE APOIO À ADOÇÃO 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. Introdução
A Busca Ativa na adoção ainda é tema praticamente inexistente nas ma-
nifestações científicas e escritos acadêmicos, em que pese estar historicamente
no dia a dia do universo adotivo; presente em inúmeros trabalhos, eventos e
encontros relacionados aos GAAs – grupos de estudos e apoio à adoção espa-
lhados pelo Brasil; e também presente em projetos desenvolvidos pelos Tribu-
nais de Justiça estaduais do país.
Tais grupos, os GAAs, que geralmente são compostos por profissionais
do direito, assistentes sociais, psicólogos e famílias pretendentes ou forma-
das por adoção, há muito alertam para a necessidade em se dar visibilidade
segura para o público infanto-adolescente que se encontra nas casas lares e
instituições de acolhimento país afora, os quais aguardam ansiosamente pela
oportunidade de retornar ao seio familiar.
Já nos Tribunais de Justiça, a Busca Ativa é implementada de forma bas-
tante distinta entre um e outro estado. Com nuances práticas, alguns Tribunais
investem em campanhas desta política com o objetivo de sensibilizar pessoas

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Renata Raupp Gomes

acerca da necessidade da recolocação dos acolhidos em famílias temporárias ou


em instituições (antigos abrigos) à imediata convivência familiar e comunitária.
A Busca Ativa possui relação direta com a pergunta que todos os meios
de comunicação realizam quando o assunto é adoção: se o número de pre-
tendentes à adoção cadastrados é cerca de cinco vezes superior ao número
de crianças e adolescentes disponíveis à adoção, por qual motivo há grande
público infanto-adolescente nas casas de acolhimento?
Em resumo, os meios de comunicação questionam: “por que essa conta
não fecha?”.
O cenário atual da adoção demonstra que a esmagadora maioria dos pre-
tendentes opta pela adoção de crianças de 0 a 6 anos de idade1, fazendo com
que os perfis das crianças e adolescentes que permanecem em acolhimento ins-
titucional sejam, basicamente, os seguintes: os maiores de 7 anos de idade; os
grupos de irmãos e os que apresentam alguma necessidade especial de saúde.
Para agravar a situação desses jovens, verifica-se constantemente a no-
tícia de que adolescentes, ao completarem 18 anos de idade, mudam-se do
acolhimento sem qualquer vínculo familiar formado ou referência social es-
tável e perene, capazes de ampará-los até que se equilibrem material e psico-
logicamente, isto é, até que alcance uma atividade laboral que traga sustento e
dignidade mínima necessária à vida.
Dar visibilidade segura às crianças e adolescentes que estão nos acolhi-
mentos, com perfil de difícil colocação em famílias, visa contribuir para o
rompimento do ciclo vicioso da omissão estatal em prover dignidade a estas
pessoas. Todavia, é preciso conciliar a visibilidade desses jovens com os dita-
mes da Doutrina da Proteção Integral para que não se acabe, mesmo que com
boas intenções, por dar à criança e ao adolescente o enfoque da exposição
como se objetos fossem.
A diretriz constitucional é de que a criança e o adolescente são sujeitos de
direitos, protagonistas da adoção, e não o seu objeto, motivo pelo qual é im-
prescindível que as políticas e programas com base na Busca Ativa na Adoção
se guiem por estes princípios.

1 Dados atualmente indisponíveis em razão da migração do CNA para o SNA, todavia, tendo por base
as estatísticas disponíveis até o ano de 2019 (CNA), cerca de 90% dos pretendentes à adoção desejam
crianças com o perfil de 0 a 6 anos de idade.

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Estudos Avançados de Direito de Família e Sucessões

No decorrer do presente estudo, de forma objetiva, pretende-se apresen-


tar a Busca Ativa na Adoção, seu surgimento e moldes atuais, seu fundamento
legal e finalidade. Também serão apontados, para exemplificar, alguns traba-
lhos e projetos que acontecem hoje no Brasil, especialmente para conhecimen-
to e reflexão por parte do leitor/pesquisador do tema.
Os métodos para a pesquisa proposta foram o exploratório e o docu-
mental, tendo em vista a falta de proximidade da comunidade científica com
o assunto abordado. Além da consulta a diversos sites, redes sociais, projetos
em andamento, também buscou-se ouvir pessoas com décadas de experiência
no movimento adotivo para que fosse possível elucidar alguns pontos acerca
do surgimento, objetivos e finalidades da Busca Ativa na Adoção.

2. Surgimento e definição da busca ativa na adoção


A Busca Ativa na adoção é o nome dado ao ato de buscar famílias regu-
larmente aptas a adotarem para as crianças e os adolescentes institucionaliza-
dos e aptos a serem adotados.
Em outras palavras, é a busca de famílias legalmente habilitadas dispo-
níveis para o público infanto-adolescente que não se encontra dentro do perfil
comumente optado pelos pretendentes à adoção, definição esta que se encon-
tra nas páginas da internet e documentos explorados, não havendo divergên-
cias aparentes a respeito.2
Isso é, na Busca Ativa o foco está especialmente nas adoções denomina-
das “necessárias”, as quais são prioritárias (art. 50, §15, ECA), que envolvem
principalmente crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos – também conheci-
das como adoções tardias3 -, grupos de irmãos e crianças ou adolescentes com
alguma necessidade especial. Crianças de 0 a 6 anos de idade, sem doenças ou
com doenças tratáveis, regra geral, dispensam a necessidade de Busca Ativa, já
que tal perfil se encontra dentro do padrão comumente aceito e buscado pelos
pretendentes à adoção.

2 São cerca de seis mil crianças e adolescentes aptos à adoção no Brasil. Estatísticas com base nos
dados até o ano de 2019, antes da migração do CNA para o SNA.
3 Este articulista prefere não utilizar a expressão tardia, tendo em vista acreditar que sempre é tempo
para o acolhimento afetivo parental da adoção.

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Renata Raupp Gomes

Consideram-se aptas à adoção as famílias ou pessoas que se encontram


juridicamente habilitadas, com o sucessivo cadastro no SNA – Sistema Nacio-
nal da Adoção e Acolhimento (antigo CNA – Cadastro Nacional da Adoção),
ferramenta esta que congrega pretendentes à adoção habilitados e disponíveis,
assim como crianças e adolescentes aptos a serem adotados (art. 197-E, ECA).
Por sua vez, são habilitados à adoção os pretendentes que cumpriram com
os critérios objetivos documentais exigidos pelo ECA (art. 197-A); que passaram
por pelo menos um breve curso oferecido pelo judiciário contendo instruções,
informações, realidades e consequências jurídicas a respeito da adoção (art. 197-
C, §1º, ECA); e que, por fim, se submeteram ao estudo psicossocial da VIJ – Vara
da Infância e Juventude da Comarca onde residem (art. 197-C, ECA).
O sistema nacional da adoção foi desenvolvido e elaborado pelo Conse-
lho Nacional de Justiça - CNJ, com objetivo de monitorar políticas judiciárias
e compilar informações de crianças e adolescentes acolhidas em todo o terri-
tório nacional (CNJ, 2018), com o fim de atender a imposição legal prevista no
Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual determina a criação de cadastros
de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas, assim como de
pessoas habilitadas à adoção (art. 50, §5º, ECA).
Nesse contexto, a Busca Ativa consolida-se como um movimento priorita-
riamente realizado pelos membros dos GAAs em parcerias com as VIJ, os quais
há muito investem esforços na expectativa de dar visibilidade segura às crianças
e adolescentes que são acolhidos e lá permanecem invisíveis por inúmeros mo-
tivos, de modo a oportunizar “adoções lícitas, seguras e para sempre”4.
Em que pese a “ferramenta” Busca Ativa há muito existir - não com este
nome e sistemática atual - com a nova ordem constitucional (familiar) em
1988, o instituto rompeu paradigmas e se fortaleceu, especialmente no início
dos anos 2000, capitaneada por pessoas engajadas na causa adotiva, as quais
atualmente possuem mais de 3 décadas de dedicação5.

4 Slogan utilizado pela Angaad e GAAs para enfatizar as adoções regulares, em atenção aos ditames
legais e à primazia do melhor interesse da criança e do adolescente.
5 A exemplo: o psicólogo e escritor Luiz Schettini Filho, a advogada Silvana do Monte Moreira, a
psicóloga Suzana Schettini, o engenheiro Paulo Sérgio Pereira dos Santos, a assistente social Maria
Sueli Lima dos Santos, o procurador de justiça Sávio Renato Bittencourt, dentre outros vários
nomes e lideranças.

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Estudos Avançados de Direito de Família e Sucessões

Tal política, antes da existência das redes sociais, teve início no estado
do Rio de Janeiro e era realizada via grupos de pessoas. As informações das
crianças e adolescentes eram disponibilizadas pela página da respectiva VIJ
na capital. Além disso, as informações que seguiam sendo transmitidas via
“boca a boca”, com o GAA Quintal de Ana (Rio de Janeiro) um dos precur-
sores da parceira com a VIJ, até futuramente adentrar páginas da extinta rede
social Orkut, consoante informa a este articulista a advogada que possui uma
vida dedicada à causa da infância e juventude, Silvana do Monte Moreira.
A Busca Ativa começa a ganhar corpo nos moldes atuais após o Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito à Convivência Familiar
e Comunitária, que fez expressa menção a esta política, documento publi-
cado no ano de 2006, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, órgão
do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, cujo teor foi
protagonizado pelo Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente; e pelo Cnas – Conselho Nacional de Assistência Social, com
efetiva participação da sociedade civil e também da Angaad – Associação Na-
cional de Grupos de Apoio à Adoção, conforme relata a este articulista PAU-
LO SERGIO PEREIRA DOS SANTOS, um dos fundadores e ex-presidente da
ANGAAD, gestão 2001/2003.
Com o fim de sedimentar parâmetros para a Busca Ativa desenvolvi-
da em todo o Brasil pelos GAAs, bem como de trazer maior segurança aos
atores envolvidos nessa política em busca de visibilidade infanto-adolescente,
em setembro de 2017, a Angaad formulou Regulamento de Busca Ativa desta
associação nacional, no qual aduz em seu art. 2º, §4º que:
Para fins deste regulamento considera-se Busca Ativa conforme descrito
no PNCFC (Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária – Co-
nanda/CNAS – julho 2006) ‘... o ato de buscar famílias para crianças e ado-
lescentes em condições legais de adoção, visando garantir-lhes o direito de
integração à uma nova família, quando esgotadas as possibilidades de retorno
ao convívio familiar de origem’ e formalizado pelos Eixos 2, item 10.2 e Eixo
4, itens 1.4 e 1.5 do mesmo.
A Abramininj – Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da
Juventude, ciente dos inúmeros projetos desenvolvidos por juízes e Tribunais;
preocupada em formatar diretrizes seguras à Busca Ativa, em novembro de
2018 publicou documento intitulado “Diretrizes para os Procedimentos de

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Dóris Ghilardi
Renata Raupp Gomes

Busca Ativa nas Varas de Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do


Brasil”, afirmando que a Busca Ativa consiste:
Na atuação positiva do Poder Judiciário de forma a promover o direito
constitucional de convivência familiar e comunitária, identificando inte-
ressados para adoção de crianças, inseridas em programas de acolhimento
familiar ou institucional, para as quais não foram encontrados pretenden-
tes nos cadastros nacional ou internacional de habilitados. Fl.06
Nesse contexto, importante ressaltar que a Busca Ativa não visa e não
busca analisar perfis de jovens e pretendentes à adoção, nem mesmo viabili-
zar, à mingua do procedimento legal, alguma adoção, a qual deve seguir os
trâmites dentro do judiciário, com a imprescindível intermediação de equipe
técnica multidisciplinar e do Ministério Público – conforme salienta a este
articulista o também ex-presidente da Angaad e Procurador de Justiça do Mi-
nistério Público do Rio de Janeiro, Sávio Bittencourt.
Portanto, a Busca Ativa na Adoção deve ser vista como um meio, uma
ferramenta à visibilidade segura de crianças e adolescentes que estão em
busca de famílias.

3. Fundamento legal e finalidade da busca ativa na adoção


Antes do advento da Constituição Federal de 1988, que inaugurou a cha-
mada Doutrina da Proteção Integral das crianças e adolescentes, vigorava do
Brasil a Doutrina da Situação Irregular.
Naquela época, estava em vigor no Brasil o chamado Código de Meno-
res, no qual as crianças e adolescentes somente eram alvo do olhar Estatal
caso se encontrassem em situação irregular, isto é, fossem abandonados por
suas famílias ou cometessem algum tipo de ato infracional – em razão do que
a expressão “menores” ficou estigmatizada.
Nos termos da Doutrina da Situação Irregular, a tutela da criança e do
adolescente não tinha cunho protetivo, pelo contrário, o Estado atuava de modo
a controlar as crianças e adolescentes, os quais eram vistos como meros objetos.
A Constituição Federal de 1988 rompeu com tal sistemática e introduziu
no Brasil a Doutrina da Proteção Integral, a qual garante às crianças e adoles-

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Estudos Avançados de Direito de Família e Sucessões

centes todos os direitos voltados aos adultos, acrescidos daqueles decorrentes


da condição de pessoa em desenvolvimento.
As crianças e adolescentes, então, deixaram de ser objetos controlados
pelo Estado e passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, os quais
devem ser garantidos não só pela família, mas também pela sociedade e pelo
Estado (art. 227, CRFB/88).
A Constituição Federal, em seu art. 227, caput, assim prevê:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cul-
tura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária”, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
E vale ressaltar, por oportuno, que além de todo o sistema protetivo cons-
titucional às crianças e adolescentes, com o advento da Constituição Federal
de 1988, as famílias também foram refirmadas como sendo a base da socieda-
de, devendo ter, obrigatoriamente, especial atenção do Estado, independente
de sua formação, se por vínculos biológicos ou afetivos (art. 226, CRFB/88).
Na sequência, cerca de dois anos após o advento da Constituição Federal
de 1988, adentrou ao ordenamento jurídico brasileiro o Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei n. 8.069/90), o qual pormenorizou os direitos assegurados
constitucionalmente, reforçando, portanto, a Doutrina da Proteção Integral.
O Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma a imprescindibilidade da
convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente (art. 4º, caput),
também estabelece, em seu art. 19, caput, e §2º, que é direito da criança e do ado-
lescente ser criado e educado no seio familiar e que eventual colocação destes
em instituição de acolhimento possui caráter transitório e excepcional. Veja-se:
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no
seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegu-
rada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta
seu desenvolvimento integral.

(...)

§2º A permanência da criança e do adolescente em programa de aco-


lhimento institucional não se prolongará por mais de 18 (dezoito me-

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Dóris Ghilardi
Renata Raupp Gomes

ses), salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interes-


se, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.
Isso é, além da prioridade absoluta à convivência familiar e comunitária, a
aplicação do princípio da proteção integral se estende também ao prazo de per-
manência da criança e do adolescente em programa de acolhimento familiar ou
institucional, visto que não deve se prolongar por mais de 18 meses, consideran-
do se tratarem de pessoas em desenvolvimento, sendo imprescindível o retorno
destas ao seio familiar para que se desenvolvam de forma saudável.
Como se vê, o imediato retorno à família é imposição legal, todavia
quando não se revele possível e adequado o retorno ao lar de origem, é neces-
sário integrar as crianças e adolescentes em novos arranjos familiares.
O questionamento que surge, então, é o seguinte: como promover tal
integração se as pessoas aptas a recebe-los não sabem onde, como e quem são
essas crianças e adolescentes?
A invisibilidade é incompatível com a proteção integral e a necessidade de
retorno à convivência familiar e comunitária, pois, como bem afirma a psicóloga
Suzana Schettini, “quem não é visto, não pode ser amado” (SCHETTINI, 2017).
Sobre esse contexto, do PNCFC - Plano Nacional de Promoção, Proteção
e Defesa do Direito à Convivência Familiar e Comunitária de 2006, fl. 43,
extrai-se que:
Pereira e Costa (2004) afirmam que o prolongamento da permanência
nas instituições de abrigo diminui substancialmente as possibilidades
de retorno à família de origem ou encaminhamento para adoção, den-
tre outros aspectos, em virtude do enfraquecimento dos vínculos com
a família de origem e a dificuldade de se realizar as adoções de crianças
maiores e de adolescentes no Brasil.
E mais, também do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comuni-
tária 2006, fls. 43/44, frisa-se que:
Apenas o intenso investimento na reintegração familiar e o acompanha-
mento conjunto, caso a caso, por uma equipe interdisciplinar, envolven-
do os profissionais do abrigo e da Justiça da Infância e da Juventude,
poderão fornecer elementos suficientes para o estudo psicossocial, que
deve subsidiar a autoridade judiciária e o Ministério Público nos casos de
destituição do poder familiar e encaminhamento para adoção.

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Estudos Avançados de Direito de Família e Sucessões

Veja-se que há muito os especialistas de diversas áreas ligadas à infância


e juventude destacam a importância e imprescindibilidade de que crianças e
adolescentes estejam inseridas no meio familiar, com o devido aparato material,
psicológico, social e afetivo, necessários às pessoas em desenvolvimento (ECA).
Portanto, resta claro que a Busca Ativa na Adoção visa combater a exces-
siva permanência das crianças e adolescentes em instituições de acolhimento,
promovendo a visibilidade segura especialmente àqueles de difícil colocação
em famílias em razão do perfil etário, de saúde ou da estrutura familiar (gru-
po de irmãos), concedendo-lhes a oportunidade de serem vistos, lembrados,
devolvendo-lhes o nome e a identidade, para que possam ser reais e verdadei-
ramente conhecidos.

4. A busca ativa na prática: exemplos de projetos e


políticas implementadas por tribunais de justiça
estaduais e por gaas – grupos de apoio à adoção
Dentro dos limites inerentes ao presente artigo, sem qualquer pretensão
de esgotar o assunto e pormenorizar alguns dos programas atualmente exis-
tentes, apresenta-se, para conhecimento e reflexão, exemplos práticos atual-
mente implementados da Busca Ativa na adoção.

4.1 Projeto Encontro – Grupo de Apoio


Adoção Consciente
O Projeto Encontro é protagonizado e executado pelo GAACO - Grupo
de Apoio Adoção Consciente, em parceria com as Varas da Infância e Juven-
tude do Estado do Paraná, inspirado em Projeto semelhante realizado na ci-
dade de João Pessoa, na Paraíba.
Trata-se de evento, com uma série de regras e compromissos que visam
resguardar e proteger o melhor interesse da criança/adolescente ao reuni-los
com os pretendentes formalmente habilitados à adoção.
O Projeto Encontro envolve jovens com idade acima de 7 anos, possui
autorização do poder judiciário e conta com o apoio de outras entidades. Está

133
Dóris Ghilardi
Renata Raupp Gomes

na 9ª edição (primeiro semestre 2020) e, até o momento, realizou com êxito 52


adoções e viabilizou a aproximação de famílias em outros 15 casos, os quais se
encontram em análise ou em estágio de convivência à adoção. Tais dados são
disponibilizados de forma atualizada pela Vanessa Cristina Macedo, coorde-
nadora do Projeto, a todas as comarcas e juízos participantes e foi fornecido a
este articulista via e-mail em março de 2020.
Em cada edição, o Projeto Encontro se subdivide em três dias de ativida-
des, com inscrição prévia dos interessados, mediante comprovação acerca de
habilitação à adoção judicialmente perfectibilizada. A presença em todos os
dias é obrigatória sob pena de não participação nas demais atividades. No pri-
meiro dia ocorre a capacitação dos pretendentes, instruindo-os das regras e de
como se comportar no dia do encontro com as crianças e adolescentes, além
de abordarem a complexidade das adoções com esse perfil, a fim de tornar os
pretendentes mais conscientes, ocasião em que firmam o termo de compro-
misso em seguir com as diretrizes do projeto.
No segundo dia da edição ocorre o encontro propriamente dito, momento
em que as crianças e adolescentes interagem com os pretendentes à adoção e, nes-
ta ocasião, são realizadas gincanas, atividades lúdicas e um grande lanche. Frisa-
-se que, em tal momento, fica expressamente vedado falar a respeito de adoção. As
interações ocorrem sempre em grupo, sob o monitoramento das equipes multi-
disciplinares da Unibrasil, dos acolhimentos e da coordenação do Projeto.
Por fim, no terceiro dia do Projeto Encontro, é realizado o fechamento
da edição, com a reflexão acerca do evento, compartilhamento de percepções
e experiências, e principalmente fazer com que os pretendentes reflitam sobre
a responsabilidade e desafios da adoção neste perfil, sobre a necessidade de
frequência em grupos de pós-adoção e acompanhamento profissional, bem
como eventuais encaminhamentos para o judiciário.
Durante toda a edição do Programa, busca-se assegurar os direitos fun-
damentais das crianças e adolescentes, evitando-se qualquer exposição nega-
tiva e com a oportunidade ao retorno à convivência familiar e comunitária, de
modo a preservar as diretrizes da Doutrina da Proteção Integral, conceden-
do-lhes visibilidade segura e sensibilizando os pretendentes à adoção.

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Estudos Avançados de Direito de Família e Sucessões

4.2 TJPE – Projeto Família


Trata-se de projeto desenvolvido pela CEIJ – Coordenadoria Estadual
da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Pernambuco – que tem por
base o monitoramento real da situação em que se encontram as crianças e
adolescentes em acolhimentos no estado de Pernambuco.
Tem por objetivo:
(...)divulgar, através de relatórios, dossiês específicos e imagens (fotos e ví-
deos), informações sobre crianças/adolescentes inseridos no CNA sem pre-
tendentes, a fim de viabilizar a inserção dos mesmos em família substituta.
Serve, portanto, como, política implementada para o controle de infor-
mações sobre o público infanto-adolescente acolhido no estado de Pernambu-
co e, em paralelo, oportuniza-se que habilitados à adoção - mediante assina-
tura de termo de responsabilidade com relação as informações que terão aces-
so – possam melhor conhecer quem são as crianças e adolescentes acolhidos.
Estão disponíveis no site do TJPE de forma aberta ao público, apenas
informações simples e objetivas dos jovens, tais como primeiro nome sem a
adição dos sobrenomes, idade, sexo, cor e se possui ou não doenças ou defici-
ências, não ocorrendo maiores exposições que coloquem em risco a criança ou
o adolescente, visando respeitar e garantir, portanto, a privacidade e intimida-
de das crianças e adolescentes que estão em situação de acolhimento.
Trata-se de uma excelente iniciativa do respectivo tribunal de justiça que
pode e deve ser abraçada pela sociedade civil, em especial pelos GAAs, para
maior engajamento e efetividade da medida que visa tirar da invisibilidade as
crianças e adolescentes.

4.3 TJRS – Adote um Pequeno Torcedor, Tchê!


Tal projeto de Busca Ativa atua por meio de imagens e vídeos de crianças
e adolescentes que são apresentados nos estádios de futebol, durante o intervalo
dos jogos, ao longo das competições oficiais no estado do Rio Grande do Sul.
Apesar de polêmico em razão da suposta exposição excessiva das crian-
ças/adolescentes, o projeto guarda muitas críticas positivas e reflexivas a res-
peito. A iniciativa foi lançada em março de 2019 pela Coordenadoria da In-

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Dóris Ghilardi
Renata Raupp Gomes

fância e Juventude Estadual do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pela


Federação Gaúcha de Futebol, além dos times do Grêmio e do Internacional,
com inspiração em projeto similar já desenvolvido pelo Sport Clube de Recife
e o judiciário local, no intuito de trazer visibilidade, para fins de adoção, a
jovens torcedores em situação de acolhimento institucional.
Segundo informações do projeto, a iniciativa conta com o aval e concor-
dância de todos os jovens participantes da campanha, os quais são acompa-
nhados por equipe psicossocial. Apesar disso, o ponto polêmico gira em tor-
no da suposta exposição permanente a que estariam suscetíveis estes jovens,
na medida em que, uma vez divulgados nos telões dos estádios, os vídeos e
imagens, poderão repercutir indefinidamente, algo que atingiria muito além
do que mera visibilidade segura, podendo impactar sobremaneira no agrava-
mento da estigmatização desse público infanto-adolescente, com reflexo nos
direitos fundamentais da personalidade, como a honra, a imagem, dentre ou-
tros de ordem psíquica.
Correntes de opiniões acerca dos projetos, ainda não catalogadas em
livros e artigos acadêmicos, mas tão somente em entrevistas, dando conta
que neste caso há aparente conflito entre o direito a preservação da imagem
e integridade psíquica, em contraposição ao direito a convivência familiar e
comunitária, ponto este que foi recentemente enfrentado pela acadêmica de
graduação da UFRRJ Mariana Lamassa da Fonseca, cujo levantamento está
disponível em sua monografia de conclusão de curso.

4.4 TJSP – Adote um Boa Noite


O Adote um Boa Noite, talvez o projeto de Busca Ativa mais conhecido
nacionalmente, é uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado de São Pau-
lo, que foi reconhecido e agraciado pelo Prêmio Innovare em sua 15ª Edição,
premiação que tem como objetivo identificar, divulgar e difundir práticas que
contribuam para o aprimoramento da justiça no Brasil. Além disso, foi divul-
gado em vários programas televisivos com elevada audiência, ampliando a
dimensão dos envolvidos.
A iniciativa do Adote um Boa Noite consiste em divulgar, por meio de uma
foto, do primeiro nome, da idade e de algumas breves observações, as crianças
e adolescentes aptos à adoção, bem como desenvolver campanhas que deem vi-

136
Estudos Avançados de Direito de Família e Sucessões

sibilidade ao público infanto-adolescente, como por exemplo, a entrada desses


jovens junto aos jogadores do Corinthians nos estádios de futebol.
O site é o <www.adoteumboanoite.com.br>, todavia não há disponibili-
zação para consulta do inteiro teor do projeto, aferição de abrangência e limi-
tação, nem mesmo maiores detalhes de campanhas que são abarcadas, sendo
que até o fechamento deste artigo não se obteve resposta acerca da estatística
de reinserção familiar decorrente do Adote um Boa Noite.

4.5 Busca Ativa Angaad – Grupo de Whatsapp


Método utilizado pela Angaad por meio de regras específicas disponíveis
em seu site, a Busca Ativa via whatsapp é simples, acessível e direto para reali-
zar a convergência de pretendentes devidamente habilitados, com as crianças
e adolescentes juridicamente aptas à adoção.
Frisa-se que antes do ingresso dos pretendentes nos grupos é necessária a
comprovação da sentença judicial de habilitação transitada em julgado, assim
como as crianças e adolescentes participantes deverão estar com situação jurí-
dica que expressamente as possibilite o encaminhamento à adoção.
Poderão participar do grupo membros do Ministério Público, da Magis-
tratura, equipes técnicas das varas da infância e juventude e dos acolhimen-
tos, além de cinco membros da diretoria da Angaad ou pessoas que por elas
foram delegadas, as quais administram o grupo.
O referido regulamento estabelece uma série de regras voltadas a respeitar
toda a lógica do sistema/cadastro nacional da adoção, como por exemplo: as crian-
ças e adolescentes somente poderão ser encaminhadas à Busca Ativa caso não haja
pretendentes devidamente habilitados nesse perfil na respectiva comarca.
O regulamento também deixa claro que a finalidade da Busca Ativa é
meramente o intuito de aproximar famílias de crianças e adolescentes, demais
confirmações e formalidades, caso haja a intenção em se dar prosseguimento,
deverá obrigatoriamente correr pela via do judiciário, sua equipe técnica, com
a obrigatória participação do Ministério Público.
Por fim, após questionário aplicado pela Angaad a membros de grupos
de Busca Ativa, obteve-se o retorno de que nos últimos 12 meses retroativos a
fevereiro de 2019 ocorreram pelo menos 43 inserções de crianças/adolescentes

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Dóris Ghilardi
Renata Raupp Gomes

em famílias6. Portanto, apesar de índice não expressivo, trata-se de importan-


te e imensurável conquista, visto que não fosse tal política, muito provavel-
mente essas crianças/adolescentes ainda se encontrariam nos acolhimentos.

Considerações finais
A Busca Ativa na Adoção é uma política pelas adoções necessárias que
se implementa para encontrar pretendes legalmente habilitados para crianças
e adolescentes que necessitam de uma família.
Como visto, desde que atendidos os ditames da Doutrina da Proteção In-
tegral, o objetivo principal é atender o direito constitucional e fundamental da
convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente, por meio da
visibilidade segura, tão imprescindível ao crescimento físico e psíquico saudá-
vel, fator essencial à evolução destas pessoas em desenvolvimento.
As estatísticas acerca do público infanto-adolescente que permanecem nos
acolhimentos até completar 18 anos de idade são alarmantes. Trata-se de uma
legião de crianças e adolescentes, órfãos de pai e mãe, que demandam atenção
do Estado e da sociedade, com a necessidade de inclusão em novas famílias.
O local de toda criança e adolescente é em família, portanto, se em de-
corrência de cada projeto de Busca Ativa pelo menos uma criança ou adoles-
cente for reinserida no seio familiar, a presente política estará cumprindo com
a sua finalidade.

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6 Dados fornecidos pela diretoria da Angaad, os quais não representam exatamente o número de
inserção familiar ocorridas no período apontado, visto que se tratou de pesquisa na qual nem todos
os participantes da busca ativa responderam o questionário.

138
Estudos Avançados de Direito de Família e Sucessões

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