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DIFERENTES LEITURAS DO DISCURSO PUBLICITÁRIO NO CONTEXTO

ESCOLAR
Eliana Vianna Brito

Introdução

Este artigo tem por objetivo discutir as diferentes abordagens e


metodologias no ensino de leitura, a partir do referencial teórico bakhtiniano
acerca dos gêneros discursivos. Conforme preconizam os PCN de Língua
Portuguesa (1998), o atual contexto escolar, em suas diferentes especificidades,
necessita de um trabalho pedagógico cujo enfoque priorize os diferentes gêneros
textuais, em seus diversificados suportes de divulgação. Em outras palavras, “é
preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os
textos que caracterizam os usos públicos da linguagem” (PCN de Língua
Portuguesa, 1998).
Nesse sentido, apresentamos neste trabalho, uma discussão sobre o modo
pelo qual o discurso publicitário, em suas várias vertentes, pode ser utilizado nas
aulas de leitura no Ensino Médio.
Por que priorizamos, neste trabalho, o Ensino Médio? Ora, sabemos que
esse nível de escolaridade foi o que mais se expandiu, considerando como ponto
de partida a década de 80. Segundo dados publicados pelos PCN: ensino médio
(1999), no período de 1988 a 1997 o crescimento da demanda superou 90% das
matrículas até então existentes. Por outro lado, infelizmente o índice de
escolarização líquida neste nível de ensino, se levarmos em conta a população de
15 a 17 anos, não ultrapassa 25%, o que faz com que nosso país figure em uma
situação de desigualdade em relação a muitos países, inclusive da América
Latina.
Especificamente, o objetivo deste trabalho é o de verificar o modo pelo qual
o discurso publicitário, enquanto um gênero discursivo, com múltiplas faces e
interfaces, necessita de um olhar teórico-metodológico por parte dos professores,
a fim de que, nas aulas de leitura, os diferentes efeitos de sentido da linguagem
publicitária possam ser resgatados pelo aluno-leitor, de maneira dialética.
Partimos, pois, do seguinte questionamento: se, obviamente um anúncio se
propõe a vender uma idéia ou um produto – esta é a leitura ingênua, destituída de
maiores pretensões - quais são os efeitos de sentido que podem ser produzidos
pelo leitor crítico?
A investigação acerca desse questionamento nos leva, primeiramente, a
tecer considerações sobre o modo pelo qual o conceito de gêneros discursivos
apresenta alguns desdobramentos que, inevitavelmente, necessitam de um aporte
teórico-metodológico, a fim de que, no contexto escolar, tal conceito possa ser
bem sedimentado.

1. Fundamentação teórica

Sabemos que toda atividade comunicativa verbal só pode ser realizada por
intermédio de um gênero; da mesma forma, é impossível a comunicação se
efetivar sem a presença de um texto. Assim, a comunicação verbal só é possível
pela utilização de algum gênero textual (Marcuschi, 2002).
Muitos teóricos, ao se apoiarem nas idéias de Bakhtin (2000) e Bronckart
(1999), consideram a língua, em seus aspectos discursivos e enunciativos, como
uma atividade social, histórica e cognitiva, cuja natureza é de ordem funcional e
interativa, e não simplesmente formal e estrutural. A língua apresenta-se, portanto,
como “uma forma de ação social e histórica que, ao dizer, também constitui a
realidade sem, contudo, cair num subjetivismo ou idealismo ingênuo” (Marcuschi,
2002: 22). É no interior desse caráter sócio-interativo da língua que se insere o
conceito de gêneros discursivos que nada mais são do que ações sócio-
discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum
modo.
Marcuschi (2002) considera que os gêneros textuais são realizações
lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas. Sua
nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações
concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função.
Em outras palavras, pode-se dizer que os gêneros são formas textuais
estabilizadas, histórica e socialmente situadas; e, além disso, ou talvez, por isso
mesmo, sua definição não é necessariamente lingüística, mas de natureza sócio-
comunicativa, cujos parâmetros são fundamentalmente pragmáticos e discursivos
(Marcuschi, 2001).
Já os tipos textuais são constructos teóricos definidos por propriedades
lingüísticas intrínsecas; são constituídos por seqüências lingüísticas ou seqüência
de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos.
O referido autor salienta também o conceito de domínio discursivo. Essa
expressão é usada para designar uma esfera ou instância de produção discursiva
ou de atividade humana. Nesse sentido, encontramos o discurso jurídico, o
jornalístico, o religioso, entre outros, cujas atividades específicas não abrangem
um gênero em particular, mas dão origem a vários deles.
Por outro lado, ao tratarmos do conceito de gênero no contexto escolar,
temos, segundo Schneuwly (1998), uma outra categorização: o gênero escolar
propriamente dito é construído pela própria escola quando são utilizados
instrumentos como mediadores entre professor, aluno e conteúdo. Então, escrever
no quadro, mostrar objetos, perguntar sobre o conteúdo, reformular e/ou
esclarecer seriam gêneros discursivos tipicamente escolares.
Existem ainda, segundo o mesmo autor, os gêneros que são ensinados na
escola, transpostos da cultura social para o currículo, progressivamente, com
objetivos didáticos, isto é, são objetos de ensino (Dolz e Schneuly, 1996) em que
são levadas em conta as capacidades de linguagem dominantes dos indivíduos
tais como narrar, relatar, argumentar, expor, descrever entre outras.
Finalmente, são os gêneros não escolares – textos autênticos que circulam
fora da escola – produzidos em contextos sociais reais que entram na escola
numa transposição curricular e se transformam em objetos didáticos de
ensino/aprendizagem. “A escola tenta, portanto, ensinar os gêneros não escolares
– presentes na cultura dos alunos –como exercícios de produção de textos
preparatórios para a vida, para o mundo” (Costa, 2002). No entanto, tal conceito é
discutível, pois essa produção de texto caracteriza-se por ser um exercício escolar
de escrita e/ou leitura. Em outras palavras, se uma reportagem é elaborada em
sala de aula, não necessariamente será publicada em um jornal da cidade ou em
qualquer outro lugar. A carta que se escreve no contexto escolar, muitas vezes,
apresenta destinatários fictícios, ou então, nem sequer é enviada a um
destinatário real.
Logo, pode-se afirmar que a escola

“faz uma transposição didática dos gêneros existentes na


sociedade a partir de um corpus textual ou de um modelo de texto,
Assim o artigo de jornal, que é próprio do jornal, vira um artigo de
jornal na escola. É importante, então, que se quebre a fronteira
entre a escola e a sociedade para que o gênero cumpra sua função
na transposição didática e na seqüenciação curricular, não
linearmente, mas em espiral, que deve ter como carro-chefe as
capacidades de linguagem dominantes” (Costa, 2002).

Em se tratando da leitura de diferentes gêneros discursivos, sabemos da


necessidade de o aluno leitor reconhecer que um mesmo gênero pode se
apresentar com diversos tipos de textos. É o caso, por exemplo, do anúncio
publicitário, conforme veremos no item seguinte.

2. Anúncio publicitário: gênero discursivo e tipologia textual

Sabemos que o anúncio publicitário atua hoje não só vendendo produtos e


serviços, mas também idéias e ideais, podendo colaborar com questões de caráter
social, cultural, educacional e até mesmo ético.
Nesse sentido, o contexto escolar, ao trabalhar com esse gênero discursivo,
muitas vezes não considera a existência de diferentes tipologias textuais que
perpassam tal gênero.
Vejamos, por exemplo, um anúncio veiculado na Folha de S. Paulo, no dia
11 de setembro de 2002, um ano após os atentados terroristas ao World Trade
Center, em Nova York:

Você já estava achando o mundo muito complicado. E era só


10 de setembro.
Era 10 de setembro de 2001, e você tinha motivos de sobra para achar
que a vida estava difícil. Você reclamava da crise no setor energético,
que tinha obrigado você a passar o inverno inteiro economizando
energia elétrica. Você reclamava do dólar, que havia chegado a 2,6
reais, da crise da Argentina e do FMI. E você reclamava muito do
futebol brasileiro. Além dos vexames da seleção (lembra da derrota
para Honduras?), ainda havia todas aquelas acusações contra a
administração da CBF. Você também estava inconformado com a
situação do Oriente Médio: palestinos atacando judeus e judeus
atacando palestinos. Você realmente ficava triste com aquela crise,
mas, lá no fundo, se sentia aliviado por ela estar acontecendo num
lugar tão distante. Em 10 de setembro, você estava reclamando da
instalação de novos pedágios nas rodovias, do aumento do número de
radares na cidade e do aparecimento de mais buracos nas ruas. E você
também estava criticando o presidente, o governador, o prefeito e
qualquer outra pessoa que estivesse ocupando um cargo público
(talvez você não se lembra por que, mas com certeza, estava falando
mal deles). Não faltavam razões pra você se lamentar. Como todo
brasileiro, você estava indignado com o resultado do Festival de
Cinema de Veneza. Afinal, aquele filme brasileiro (que você ainda não
tinha visto, mas devia ser brilhante) havia perdido o grande prêmio para
aquele filme indiano (que você também não tinha visto, mas não devia
ser muito bom). E não bastassem tantos problemas, você ainda tinha
que se conformar em viver num país mais pobre, mais triste e menos
colorido. É que tínhamos acabado de perder Jorge Amado. Mas você
não era a única pessoa no universo a ter motivos para estar pessimista.
Os norte-americanos tinham dúvidas sobre a capacidade intelectual do
seu presidente. Os trabalhadores franceses estavam vendo seus
salários serem reduzidos. E o mundo todo vivia preocupado com os
rumos da ciência: naquela época, um grupo de pesquisadores estava
anunciando que, em breve, começaria a produção do primeiro clone
humano. Era 10 de setembro de 2001, dia de pagamento. E, como não
poderia deixar de ser, você passou o dia inteiro reclamando do seu
salário, do seu chefe, do seu emprego. Definitivamente, foi um dia
difícil. Aí, você foi dormir na esperança de que o dia seguinte fosse um
pouco melhor.
Leo Burnett Publicidade (Folha de S. Paulo, 11.set.2002)

Em linhas gerais, pode-se dizer que o processo de atribuição de sentidos


na leitura desse texto envolve não só o reconhecimento de que se trata de uma
disseminação de valores humanos e éticos, como também a identificação do leitor,
que se coloca no lugar de quem, até então, sempre encontrou motivos para
reclamar acerca de algo. Tal estratégia discursiva é produzida pelo locutor do
texto, por intermédio de um relato – tipo de texto em que ocorre uma seqüência de
ações lineares.
Especificamente, se detivermos o olhar para o caráter dialógico e, portanto,
polifônico desse texto, perceberemos alguns aspectos que fazem com que esse
gênero discursivo adquira peculiaridades no seu processo de produção.
Ao afirmar sobre a natureza social de todo enunciado, Bakhtin(2000)
referiu-se ao fato de os gêneros se construírem nas diferentes esferas da vida
social, com suas condições e finalidades. Nesse sentido, o gênero é, obviamente,
atravessado de história (Amorim, 2001) e, por isso, o modo pelo qual as vozes
estão intercaladas e administradas num gênero não é apenas um mero efeito
estrutural, até porque a dimensão social de um texto não pode ser identificada
simplesmente por análises literais ou lineares.
Ora, todo enunciado é um acontecimento e, no caso específico do texto em
questão, tal acontecimento é singular, pois é incomum encontrarmos anúncios
publicitários, com o espaço de página inteira de um jornal de grande circulação,
veiculando não a venda de um produto ou serviço, mas sim a necessidade de uma
reflexão sobre os destinos da humanidade e, por conseguinte, de cada um de nós.
Podemos afirmar, portanto, que se trata de um gênero híbrido uma vez que traz
enunciados que recuperam fatos históricos que, certamente, causaram
aborrecimentos para o interlocutor.
No início do texto, a utilização do verbo ser no pretérito imperfeito já nos dá
o indício de que há uma tentativa de aproximação com o futuro leitor, pois o
enunciado o remete a um tempo passado, mas que ainda traz seus vestígios nos
dias atuais. Cria-se, assim, a partir do título, um clima de cumplicidade, mantida e
reforçada ao longo de todo o texto, em cujo desenvolvimento o interlocutor
participa ativamente do processo de formação do sentido.
Todos os fatos históricos mencionados ao longo do texto, que funcionam
como pano de fundo para a consecução dos objetivos do locutor, fazem com que
o leitor realize uma retrospectiva de sua vida e, aos poucos, a construção do
sentido vai se efetivando de modo crescente. Tem-se, portanto, no processo de
leitura, a necessidade de uma retomada dos conhecimentos prévios do leitor
acerca de tais acontecimentos, sem os quais o texto perderia sua função
dialógica, polifônica. E é exatamente nesse ponto que reside o aspecto criativo
desse texto. Retomando as palavras de Amorim (2001, p.133),

o objeto de que se fala já foi falado antes. A palavra com que se fala
já foi utilizada antes. E, de acordo com Bakhtin, ambos, trazem
sempre com eles suas respectivas memórias. A pluralidade de
contextos de enunciação habita assim cada texto e suas vozes
serão tanto mais audíveis quanto o permita a memória discursiva do
leitor.

Logo, corroborando o dizer de Amorim (2001), o locutor não repetiu


simplesmente os fatos históricos ocorridos; seu trabalho criador consistiu
precisamente na luta com outras situações enunciativas para poder inscrever sua
própria voz que, nesse gênero discursivo, adquiriu uma função discursiva
diferenciada, qual seja, a de levar o leitor a repensar seus valores. Parece-nos que
a identificação do leitor com os enunciados se torna inevitável diante das inúmeras
situações descritas nos enunciados.
Cabe-nos salientar ainda que a agência Leo Burnett, responsável pelo
enunciado, completou, no ano de 2000, 65 anos de existência. Em 1935, no meio
da Depressão, um senhor chamado Leo Burnett fundou a Empresa Leo Burnett.
Inicialmente com sede numa suíte de hotel, oito empregados e uma lista de
apenas três clientes, poucos acreditavam que a agência durasse mais de um ano.
Ao contrário das expectativas, a agência foi-se desenvolvendo e em 1950 tornou-
se a maior agência de publicidade de Chicago.
Atualmente, a Leo Burnett Worldwide, Inc. possui mais de 200 unidades
operacionais, em 81 mercados, incluindo 92 Agências de Publicidade que prestam
a totalidade de serviços e uma variedade de serviços de marketing especializados
incluindo o marketing direto, o interativo e a base de dados, a promoção de
vendas e a consultoria de marcas.A agência trabalha com sete das 25 marcas
mais valorizadas no mundo, quais sejam: McDonald's, Coca-cola, Walt Disney,
Malboro, Kellogg's, Tampax e Nintendo, todas elas de origem norte-americana.
Esses dados nos auxiliam a responder acerca do motivo pelo qual uma
agência de publicidade se interessaria em divulgar um anúncio com esse teor de
informações. Obviamente, a origem da empresa, a história pessoal de seu criador,
os clientes da agência estão, subrepticiamente, inseridos nas entrelinhas do texto
e, portanto, são elementos constitutivos do processo de criação do anúncio
publicitário.
Cabe-nos ressaltar ainda o uso evidente da manipulação – compreendida
não como algo negativo, mas parte da dinâmica de aconselhamento, da atitude
legítima do locutor em convencer o interlocutor. Conforme preconiza Fiorin(1989),
vamos encontrar nos textos narrativos os seguintes tipos de manipulação: a
tentação: em que o locutor propõe uma recompensa para que o outro faça alguma
coisa; a intimidação, em que ocorre a tentativa de persuasão do interlocutor por
meio de uma ameaça; a sedução, em que há uma evocação das qualidades do
interlocutor a fim de convencê-lo acerca de algo e, finalmente, a provocação, em
que o locutor julga negativamente a competência do interlocutor.
Em se tratando do discurso publicitário em questão, tem-se a provocação
como estratégia de manipulação discursiva privilegiada, pois, inegavelmente, o
interlocutor, encontra-se, ao longo do texto, em constante julgamento pela sua
atitude individualista.
Conseqüentemente, o discurso publicitário, enquanto um gênero discursivo,
não se limita à adoção de um formato único. Se os gêneros são tipos
relativamente estáveis de enunciados elaborados pelas diversas esferas da
atividade humana, conforme afirma-nos Bakhtin (2000), então, a prática de leitura
desse gênero no contexto escolar requer, por parte de professores e alunos, um
olhar mais atento, mais crítico, mais detalhista, a fim de que os efeitos de sentido
possam ser compartilhados socialmente e discutidos em profundidade.
Por outro lado, vejamos um outro anúncio, veiculado também pela Folha de
S. Paulo, na mesma data, envolvendo o mesmo tema:

Pela primeira vez, 11 de setembro mostrado pelo lado de


dentro.
Documentário 11 de setembro: imagens nunca antes
mostradas no Brasil, e que estão causando polêmica nos
EUA. Você vai ver, em exibição única, o especial filmado por
cinegrafistas que entraram nas Torres Gêmeas do World
Trade Center com os primeiros bombeiros e acompanharam
todo o drama e o caos que se seguiram aos atentados. O
mundo nunca vai esquecer, você nunca vai esquecer. GNT -
dia 11, às 22h. TV Globo - depois do Programa do Jô, na
madrugada do dia 11 para o dia 12. Globo News - na
madrugada do sábado, dia 14, para domingo, às 24h04.
(Folha de S. Paulo, 11.set.2002)

A leitura desse segundo anúncio permite ao leitor observar que, embora a


temática seja a mesma - tragédia no Word Trade Center - , existe uma outra
intenção, qual seja, a de levar o interlocutor a assistir à programação televisiva.
Tem-se, portanto, uma seqüência tipológica injuntiva, em que há o predomínio de
enunciados imperativos.
Quanto ao jogo de manipulação, encontramos a intimidação como uma
estratégia discursiva, uma vez que existe uma ameaça, ainda que velada, de que
o interlocutor terá apenas uma oportunidade para assistir ao programa, em razão
de sua exibição única.
Cabe-nos ressaltar que a própria disposição gráfica de ambos os anúncios
nas páginas do jornal também não foi aleatória. À página direita, em toda sua
extensão, deparamo-nos com o texto da agência Leo Burnett; e à esquerda, o
anúncio com a chamada televisiva. Tem-se, pois, a impressão de que os anúncios
se complementam, instauram sentidos em conjunto, fato esse que o leitor não
pode negligenciar.
Maingueneau (2001) considera que

Compreender um enunciado não é somente referir-se a uma


gramática e a um dicionário, é mobilizar saberes muito diversos,
fazer hipóteses, raciocinar, construindo um contexto que não é um
dado preestabelecido e estável. A própria idéia de um enunciado
que possua um sentido fixo fora de contexto torna-se insustentável
(2001, p.20).

Nesse sentido, o discurso publicitário no contexto escolar demanda, por


parte dos interlocutores – alunos leitores, uma mobilização de saberes múltiplos
por intermédio dos quais a leitura se tornará mais produtiva, mais enriquecida,
mais dialógica.
Se, conforme preconiza Bakhtin (2000, p.404), “o texto vive unicamente se
está em contato com outro texto (contexto)”, a leitura é, a nosso ver, um desses
pontos de contato a partir da qual “surge a luz que ilumina para trás e para frente,
fazendo o texto participar de um diálogo” (Bakhtin, 2000, p.404).
Conseqüentemente, ao focalizarmos, a título de exemplificação, a leitura de
dois anúncios com temáticas semelhantes, mas com objetivos diversificados,
procuramos evidenciar o fato de que a leitura de um complementa-se não só com
a leitura do outro, mas também, e principalmente, com a história de leituras de
cada interlocutor, cujo resgate de outros textos constitutivos de sua experiência
pessoal estabelece uma relação dialógica que transforma, essencialmente, o ato
de ler numa atividade de construção de sentidos.

Considerações Finais
Quando se articula, no contexto escolar, um ensino de leitura com a
utilização de diferentes gêneros discursivos, faz-se necessário um aporte teórico-
metodológico consistente, de modo que os alunos possam analisar eventos
lingüísticos conforme suas especificidades tais como: o contexto de produção, a
função social, os interlocutores e sua intencionalidade. Além disso, a percepção
de que os gêneros podem apresentar uma diversidade de tipos de texto leva o
leitor a ampliar a concepção de leitura e, conseqüentemente, de linguagem
enquanto fenômeno sócio- discursivo.
Se, conforme salientam Schneuwly e Dolz (1999, p. 11), “toda introdução
do gênero na escola faz dele, necessariamente, um gênero escolar, uma variação
do gênero de origem” , então é necessário que a escola elabore as seqüências
didáticas, organize adequadamente a progressão, a fim de que seja possível um
aprofundamento maior da compreensão do gênero em estudo.
Nas aulas de leitura, é fundamental que o aluno seja considerado como
produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que
o constituem como ser humano. Por isso, a leitura no contexto escolar “deve
basear-se em propostas interativas de língua/linguagem consideradas em um
processo discursivo de construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada
aluno em particular e da sociedade em geral” (PCN: ensino médio, 1999, p. 139).
Nesse sentido,

o trabalho com gêneros textuais será uma forma de dar conta do


ensino dentro de um dos vetores da proposta oficial dos Parâmetros
Curriculares Nacionais que insistem nesta perspectiva. Tem-se a
oportunidade de observar tanto a oralidade como a escrita em seus
usos culturais mais autênticos sem forçar a criação de gêneros que
circulam apenas no universo escolar (MARCUSCHI, 2002, p.36).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, M. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. São
Paulo: Musa, 2001.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 3ª ed. Trad. a partir do francês por Maria
Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1979/2000.
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino
Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1998.
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília, Ministério da
Educação, 1999.
BRONCKART, J.P. Atividades de linguagem textos e discursos. São Paulo:
EDUC, 1999.
COSTA, S. R. A apropriação de “gêneros discursivos” na escola: contribuição ao
ensino/aprendizado de língua materna. Disponível na internet:
http://www.sw.npd.ufc.br/abralin/anais_con2nac Acesso em 17 mai 2002.
DOLZ, J. & SCHENEUWLY, B. Genres et progression en expression orale et
écrite. Élements de réflexions à propos d´une experience romande. Enjeux,
1996:31-49.
FIORIN, J.L. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1989.
MARCUSCHI, L.A. Letramento e oralidade no contexto das práticas sociais e
eventos comunicativos. In: SIGNORINI, I. (org.), Investigando a relação
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_______________. Gêneros textuais: definição e textualidade. In: DIONÍSIO,
A.P., MACHADO, A.R. E BEZERRA, M.A.(orgs.), Gêneros textuais & Ensino. Rio
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MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001.
SCHNEUWLY, B. Le langage écrit chez l´enfant: la production des textes
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______________ e DOLZ, J. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem
aos objetos de ensino. In: Revista Brasileira de Educação, 11, 1999:5 -16.

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