Yê, Mastaba!
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evitados, se seus assassinos, e torturadores, tivessem tido acesso a uma educação sensível
sobre as populações negras, com uma formação crítica sobre os conflitos das relações
étnico-raciais no Brasil, sendo reconhecidas as vulnerabilidades da formação sócio-espacial
das territorialidades negras.
Dessa forma, referenciado na Lei 10.6391, implementada em 2003, que prevê a
obrigatoriedade do ensino de conteúdos referentes às culturas e histórias afro-brasileiras e
africanas nos currículos escolares; referenciado no CNE/CP Resolução 1/20042, que institui a
inclusão de conteúdos referentes ao ensino das relações étnico-raciais nas disciplinas e
atividades curriculares dos cursos de ensino superior; e referenciado na Lei 11.6453,
implementada em 2008, que estende a atuação da Lei 10.639 para o ensino de conteúdos
referentes às culturas e histórias indígenas; orientamos a revisão da proposta para que as
ementas possam abordar de maneira consistente em suas referências e práticas, as relações
étnico-raciais, afropindorâmicas e afrodiaspóricas, de maneira que tais temáticas sejam
incluídas no currículo escolar obrigatório, de maneira a sanar o déficit existente ao longo da
história do curso de arquitetura e urbanismo Brasil e mundo afora.
Para isso, é necessário compreendermos que a trajetória da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da UFRJ é marcada por adversidades. No período de sua origem, enquanto se
fundava a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, em 1816, através da Missão Artística
Francesa liderada pelo arquiteto francês Auguste Grandjean de Montignyo, o Estado
Brasileiro ainda não havia abolido a escravidão, e nem mesmo havia proclamado a
República; ou seja, em 72 dos 204 anos de existência de um ensino sistematizado de
arquitetura, a escravização da população negra no Brasil foi organizada, institucionalizada e
viabilizada por um Estado colonial português.
Ainda que alguns avanços possam ser reconhecidos para a reparação das
desigualdades sociais que acometem a população negra brasileira, são latentes todas as
formas de extermínio, apagamento e invisibilização de sua presença no cenário urbano; pois o
projeto político genocida e epistemicida, iniciado no período colonial, ainda está em curso. O
não reconhecimento da diversidade e dos conflitos étnico-raciais presentes em nossa
sociedade, é o que tem impedido que sejam promovidas verdadeiras análises críticas sobre as
realidades sociais presentes, sendo perpetuadas as tradições coloniais direcionadas para
naturalização do racismo, através da conformação dos papéis sociais que pessoas negras e
pessoas brancas devem exercer. Como nos fala Silvio Almeida (2019):
O racismo constitui todo um complexo imaginário social que a todo momento é
reforçado pelos meios de comunicação, pela indústria cultural e pelo sistema
educacional. Após anos vendo telenovelas brasileiras, um indivíduo vai acabar se
1
Lei 10.639: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm
2
CNE/CP Resolução 1/2004: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf
3
Lei 11.645: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
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convencendo de que mulheres negras têm vocação natural para o trabalho doméstico,
que a personalidade de homens negros oscila invariavelmente entre criminosos e
pessoas profundamente ingênuas, ou que homens brancos têm personalidades
complexas e são líderes natos, meticulosos e racionais em suas ações. E a escola
reforça todas essas percepções ao apresentar um mundo em que negros e negras não
têm muitas contribuições importantes para a história, literatura, ciência e afins,
resumindo-se a comemorar a própria libertação graças à bondade de brancos
conscientes. (ALMEIDA, 2018, pg. 65)
Sendo assim, compreendidos de que as problemáticas sociais da sociedade brasileira
estão atreladas com a problemática do racismo, o esforço para a construção de um ensino
verdadeiramente diverso e inclusivo deve estar primariamente comprometido com o combate
das desigualdades raciais, sendo revelada sua presença, e sua atuação na manutenção das
estruturas coloniais de poder - destacando, em nosso caso, sua presença na produção de
conhecimento científico, e na produção de espaço na cidade. De acordo com Nilma Lino
Gomes (2005):
Quanto mais a sociedade, a escola, e o poder público negam a lamentável existência
do racismo entre nós, mais o racismo existente no Brasil vai se propagando e
invadindo nossas mentalidades, as subjetividades, e as condições sociais dos negros.
O abismo racial entre negros e brancos no Brasil existe de fato. As pesquisas
científicas e as recentes estatísticas oficiais do Estado brasileiro que comparam as
condições de vida, emprego, saúde, escolaridade, entre outros índices de
desenvolvimento humano, vividos por negros e brancos, comprovam a existência de
uma grande desigualdade racial em nosso país. Essa desigualdade é fruto da estrutura
racista, somada a exclusão social e a desigualdade socioeconômica que atingem toda
a população brasileira e, de um modo particular, o povo negro. (GOMES, 2005, pg.
47)
Assim, a formação humanista do arquiteto e urbanista - expressa no Art.5o. da
Resolução CNE/CES nº 24 e a compreensão de sua missão social sobre as questões éticas,
estéticas, e culturais, socioambientais e construtivas, destinada à construção de uma
sociedade e cidade, mais igualitária e justa, só é capaz de se tornar efetiva se sua formação
profissional for capaz de produzir verdadeiras análises críticas sobre os conflitos das relações
étnico-raciais presentes, estando comprometida, integralmente, com o combate do racismo
estrutural de nossa sociedade. Do contrário, como temos visto, uma formação de arquitetura
4
Art.5o. da Resolução CNE/CES nº 2:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=5651-rces002-10&Itemid=30
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hegemônica que nega a presença do racismo entre nós e oculta os conflitos étnico-raciais, a
partir da sobreposição de outras questões sociais, é o que tem contribuído para que as
desigualdades sociais presentes sejam perpetuadas, fornecendo instrumentos metodológicos
incapazes de realizar as transformações sociais necessárias.
Outra questão importante a ser compreendida é sobre a política de Ações Afirmativas
- implementada em 2011 pela Universidade Federal do Rio Janeiro, segundo Moehlecke
(2002: 203) como “uma ação reparatória/compensatória e/ou preventiva, que busca corrigir
uma situação de discriminação e desigualdade infringida a certos grupos no passado, presente
ou futuro, através da valorização social, econômica, política e/ou cultural desses grupos,
durante um período limitado”. Fundamentando-se na concepção de ação afirmativa enquanto
estratégia de reparação frente a uma situação de desigualdade estrutural, como o é a
desigualdade racial no Brasil, entendemos que a mesma deve proporcionar patamares
mínimos de inclusão sem, contudo, limitar o acesso de grupos marginalizados a espaços de
poder, ferramentas que possibilitem o ensino em patamar de igualdade para o ingresso e
concomitante revisão dos seus fundamentos referenciais teóricos e metodológicos a fim de
ampliação no debate e nas práticas que tangem todos os grupos distintos.
Dito isto e partindo da concepção das Leis aqui inscritas enquanto estratégias de
reparação frente a uma situação de ausência de referencial no que tangem os currículos de
ensino em Arquitetura e Urbanismo, entendemos que a mesmo deve proporcionar: i)
ferramentas que possibilitem uma ementa disciplinar referenciada na arquitetura
étnico-racial; ii) buscar ampliação das narrativas e práticas que posicionem a racialidade
como ponto-chave para se pensar espaços menos desiguais e mais antirracistas; iii)
articulação com ensino-pesquisa-extensão no que tange compartilhar saberes com grupos
externos à universidade. Considerando essas questões e os outros pontos qualitativos e
quantitativos expostos no presente texto, foram feitas as seguintes proposições:
1. Criar uma Comissão de Acompanhamento da construção da proposta da Reforma
Curricular, apoiada pelo corpo discente desta instituição com contribuições externas que
mutuamente estão dispostas a estarem na produção desta construção coletiva, dispondo de
arcabouço no referido tema para auxiliarem no que for necessário;
2. Assumir e considerar os modos de morar e habitar as cidades, entendendo a lógica
dos povos originários;
3. Refletir a partir da produção de territórios quilombolas, indígenas, dos povos
étnicos como ciganos, caiçaras, povos originários, espaços de resistências e técnicas
construtivas advindas do continente africano e diaspórico;
4. Debater a respeito das influências e referências existentes e resistentes, fazendo
com que haja uma revisão bibliográfica na ementa de todas as disciplinas;
5. Racializar o currículo de Arquitetura e Urbanismo em todas as suas esferas
disciplinares, como projeto, tecnologias da construção, história e teoria e e ademais.
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Atenciosamente,
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS:
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NOGUERA, Renato. O ensino da filosofia e a lei 10.639. Rio de Janeiro: Pallas,
2014.
PEREIRA, Gabriela Leandro. Corpo, discurso e território: a cidade em disputa
nas dobras da narrativa de Carolina Maria de Jesus. 1º ed. - São Paulo: ANPUR e
PPGAU-UFBA, 2019
SILVA, Stéfany dos Santos. Memória do invisível: interpretando territorialidades
negras na zona portuária do Rio de Janeiro. 139 f. Monografia (Bacharelado em
arquitetura e urbanismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018.
TRINDADE, Azoilda Loretto da (org.). Africanidades brasileiras e educação: salto
para o futuro. Rio de janeiro: TV escola /MEC, 2013.
VIEIRA, Vanessa dos Santos. Territorializando um quilombo urbano: a
espacialização quilombola no Grotão em Niterói. 122 f. Monografia (Bacharelado em
arquitetura e urbanismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019.