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Principais abordagens do
desenvolvimento humano: a
epistemologia genética

AULA
de Piaget
Marise Bezerra Jurberg

Meta da aula
Apresentar o trabalho de Jean Piaget e
sua importância para a Psicologia e para
a Educação, assim como suas aplicações
nesses dois campos do saber.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você


seja capaz de:
1. conceituar epistemologia genética e identificar suas
interrelações com teorias inatistas e ambientalistas;
2. relacionar os conceitos de assimilação, acomodação e
equilibração;
3. reconhecer os estágios de desenvolvimento do ser humano;
4. discutir a importância da teoria de Piaget para os campos da
Educação e da Psicologia.

Pré-requisito
Para melhor entendimento desta aula, consulte
os conteúdos da Aula 3 sobre Aristóteles e,
na mesma aula, sobre empirismo.
Psicologia e Educação | Principais abordagens do desenvolvimento humano: epistemologia
genética de Piaget

INTRODUÇÃO Você já pensou nas relações que se estabelecem entre o sujeito que conhece
e o mundo que ele tenta conhecer?
Nesta aula você terá contato com uma das mais importantes teorias cogniti-
epistemologia vistas que tentou responder a esta pergunta: a e p i s t e m o l o g i a genética de
Crítica das ciên- Jean Piaget (1896-1980), brevemente apresentada na aula sobre inatismo,
cias, de seu valor,
suas origens, leis de quando sua teoria, embora privilegiasse aspectos genéticos e, portanto,
desenvolvimento,
biológicos, foi considerada interacionista.
alcance e relações
com a experiência A epistemologia em Piaget relaciona-se mais à teoria do conhecimento.
humana; estudo
crítico do conhe- Defende que o sujeito do conhecimento não é o indivíduo ou o “eu” psico-
cimento científico;
termo também uti-
lógico, mas um sujeito epistêmico, ou seja, um sujeito universal, ideal; um
lizado como teoria sujeito que não corresponde, portanto, a nenhum indivíduo em particular.
do conhecimento,
ou gnosiologia, mas Esse sujeito epistêmico sintetiza todas as possibilidades de cada pessoa e,
distingue-se desta,
segundo alguns ao mesmo tempo, pode ser comparado ao sujeito da Biologia, quando esta
autores, por analisar ciência descreve as características de determinada espécie, por exemplo. Pode
os conhecimentos a
posteriori. ser comparado também ao sujeito da Medicina, quando esta descreve, por
exemplo, o aparelho digestivo humano sem especificar nenhuma pessoa. Ao
afirmar que esse aparelho possui uma estrutura determinada, a Medicina não
está tratando de um indivíduo em particular, mas buscando indícios gerais
para aplicar em futuros diagnósticos de uma pessoa que vier a apresentar
diferenças em relação ao padrão.
Só conhecendo o que é universal, comum a todos os seres humanos, será
possível conhecer o que cada indivíduo tem de específico. Além disso, sem
conhecer o que é comum na espécie humana, como determinar o que teria
origem cultural? Na linguagem piagetiana, “sem conhecer a forma, seria
impraticável falar em conteúdo”, do mesmo modo que, sem um continente,
não há um conteúdo (PIAGET, 1996).
Uma vez que não se restringe a explicar o conhecimento de um adulto, Piaget
caracteriza a epistemologia como sendo genética. É preciso que se conheçam
as condições pelas quais passa uma criança até chegar à sua fase adulta (onto-
gênese). Assim, é possível entender como ela apresenta sua capacidade de
conhecer, e analisar seu conhecimento adquirido face às experiências vividas
nas trocas com o meio ambiente.
Suas questões básicas são, portanto, a construção do conhecimento e o
desenvolvimento da inteligência, organizando o desenvolvimento infantil em
uma série de estágios sequenciais, como veremos mais adiante.
Para Piaget, só o funcionamento da mente é inato. Herdamos uma mente
que funciona e cuja capacidade de realizar operações estará limitada à fase

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de desenvolvimento do indivíduo. Tudo o que conhecemos vai se formando

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à proporção que atingimos estágios de maturação biológica mais avançados

AULA
nas relações com o meio. Tudo é construído paulatinamente. Daí, o melhor
termo para classificar a abordagem piagetiana ser construtivismo.
Este termo ficou mais conhecido e difundido nas últimas décadas, sendo
Piaget seu maior expoente. O construtivismo de Jean Piaget fundamenta-se
no evolucionismo bergsoniano e no estruturalismo. Segundo o evolucionis-
mo de Bergson (FIGUEIREDO, 1995), o ser humano evoluiu do reino animal,
possuindo uma força vital desencadeada pelos instintos e pela inteligência.
Do estruturalismo, Piaget baseia sua crença na realidade como sendo um
conjunto de elementos relacionados entre si. Uma interação que implica,
caso se modifique um dos elementos, modificação nos demais.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Piaget

Jean Piaget (1896-1980) nasceu na cidade de  Neuchâtel, na Suíça, e é considerado o maior expoente
do estudo do comportamento infantil, organizando o desenvolvimento cognitivo em uma série de
estágios. Foi um dos mais importantes pesquisadores de Educação e Pedagogia. Mudou-se para Zuri-
que em 1918, onde trabalhou em um laboratório de psicologia e estagiou numa clínica de psiquiatria.
Estudou psicopatologia na universidade de Sorbonne, na França, tendo realizado pesquisas sobre as
características do pensamento infantil com crianças francesas e com deficientes mentais. Na Suíça,
foi diretor do Instituto Jean-Jacques Rousseau e lecionou Psicologia Infantil em Genebra.
Fez seus estudos de Psicologia do desenvolvimento entrevistando milhares de crianças, mas iniciou
observando o crescimento de seus próprios filhos. Publicou seu primeiro livro em 1923, A linguagem
e o pensamento na criança, no qual tratou de egocentrismo versus socialização; nos anos 1920,
publicou mais dois livros: em 1924, O raciocínio da criança, em que discute os traços principais da
lógica infantil e, em 1926, A representação do mundo na criança, no qual caracteriza o método
clínico. Continuou sistematizando sua teoria até 1955, ano em que escreveu Da lógica da criança
à lógica do adolescente e passou a dedicar-se à epistemologia (aspectos estruturais) e à pesquisa
psicológica, coordenada por Bärbel Inhelder, sua colaboradora a partir deste ano.

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Para o construtivismo piagetiano, o ser humano possui uma estrutura com


mecanismos próprios que não se reduzem ao social, uma vez que são deter-
minados principalmente pela maturação biológica. Utilizando o método
estruturalista, ele focaliza sua atenção no sujeito, ao passo que o objeto
representa apenas um elemento potencialmente perturbador da estrutura
cognitiva. Não há trocas recíprocas ou influências equitativas entre os dois
polos da unidade de conhecimento – sujeito e objeto – o que caracteriza
a natureza da abordagem interacionista. Palangana (1994) diz que não se
pode negar que Piaget seja um interacionista, na medida em que defende a
necessidade de interação entre a criança e seu meio ambiente como um dos
fatores responsáveis pela gênese (ou criação) do pensamento.
O conhecimento, portanto, é construído de acordo com os estágios de desen-
volvimento, que são fixos e universais. Só a estrutura é inata, portanto, legada
pela filogênese do ser humano. É ela que vai permitir o desenvolvimento nos
diversos estágios da maturação (PIAGET, 1966).

! Segundo Piaget, o desenvolvimento é um processo maturacional, que


ocorre independentemente da aprendizagem.

Até hoje as teorias de aprendizagem são classificadas em duas correntes, que


seguem dois paradigmas excludentes: uma apriorista e uma empirista. Para
os aprioristas, a origem do conhecimento está no próprio sujeito, armazena-
da dentro dele. Já para os empiristas, as bases do conhecimento estão nos
objetos, em sua observação. Nesse último pressuposto baseia-se a maioria
das correntes psicopedagógicas que conhecemos, entre elas o behaviorismo,
que será abordado na Aula 14.
Piaget rompe com esses dois paradigmas, fundindo-os em um único. Ele foi
um dos primeiros estudiosos a pesquisar cientificamente como o conheci-
mento era formado na mente, e seus estudos iniciaram-se com a observação
de bebês. Ele queria verificar como um recém-nascido passava de um estado
em que não conseguia sequer reconhecer sua individualidade, até atingir a
fase em que já adquirira a capacidade de apresentar operações de raciocí-
nio mais complexas. Suas observações, seguindo uma metodologia que ele

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denominou “método clínico”, foram sistematizadas e descritas em um de

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seus livros mais famosos: O nascimento da inteligência na criança, de 1936,

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editado no Brasil em 1982.
A epistemologia genética consiste numa fusão das teorias existentes, pois
Piaget não acreditava que todo o conhecimento fosse, a priori, inerente ao
próprio sujeito, nem que se originasse totalmente das observações do meio
que o cerca (empirismo). Para ele, o conhecimento é gerado através de uma
interação radical do sujeito com seu meio, a partir de estruturas previamente
existentes no sujeito.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 1

1. Leia atentamente o fragmento de texto abaixo:

Cinquenta anos de experiências fizeram-nos saber que não existem conhe-


cimentos resultantes de um registro simples de observações sem uma
estruturação devida às atividades do sujeito, mas também não existem (no
homem) estruturas cognitivas a priori ou inatas: só o funcionamento da inteli-
gência é hereditário, e só engendra estruturas por uma organização de ações
sucessivas exercidas sobre objetos. Daqui resulta que uma epistemologia
conforme com os dados da psicogênese não poderia ser nem empirista nem
pré-formista, mas consistir apenas num construtivismo, com a elaboração
contínua de operações e de estruturas novas (PIAGET, 1995).

Agora, com base no que você leu, argumente por que a abordagem epis-
têmica de Piaget constituiu uma novidade dentro da dimensão inatismo
x ambientalismo.

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Resposta Comentada
Como novidades, a teoria piagetiana trouxe uma visão mais intera-
cionista, o que significa que não era mais importante separar o que
no comportamento humano seria decorrente de tendências inatas
daquilo que teria sido influenciado pelo ambiente. A dicotomia entre
ambientalismo versus inatismo – mais tarde denominada empirismo
versus racionalismo – deixa de ter sentido, uma vez que reconhece
que apenas o funcionamento da inteligência é inato, conforme diz
o texto acima. As estruturas da mente vão sendo criadas a partir
das sucessivas experiências do indivíduo, das suas ações sobre os
objetos. Daí Piaget ser considerado um construtivista, pois defende
“a elaboração contínua de operações e de estruturas novas”.

O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO

Como a aquisição de conhecimentos depende de certas estruturas


cognitivas e da relação do sujeito com o objeto, a esse processo intera-
cional, de mão dupla, Piaget denomina adaptação. A adaptação, por
sua vez, é subdividida em dois tipos ou dois momentos: a assimilação
e a acomodação.

Adaptação

Assimilação Acomodação

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Piaget observou que as crianças não raciocinam como os adultos,

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e só gradualmente vão se inserindo nas regras, valores e símbolos que

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caracterizam a maturidade psicológica. E é nesse processo que entram
a assimilação e acomodação.
A assimilação consiste em incorporar objetos do mundo exterior a
esquemas mentais que já foram formados ou que são preexistentes. Por
exemplo: a criança que já possui uma imagem mental de uma ave como
um animal que voa, põe ovos e possui penas e asas, ao ver um morcego,
tenderá a assimilá-lo a um esquema que, no entanto, não corresponde
totalmente ao que ela já conhece como ave. Ela generaliza, com base em
algumas características comuns entre os dois animais. Já a acomodação
refere-se a modificações dos sistemas de assimilação, por influência do
mundo externo. Após perceber que o morcego não possui penas nem
põe ovos, e que seus filhotes mamam, a criança vai realizar adaptações
em seu conceito “geral” de ave como animal que voa.

• Na assimilação, portanto, as ações do indivíduo são no sentido


de internalizar o objeto, interpretando-o de tal forma que possa encaixá-
lo em suas estruturas cognitivas.’
• Acomodação é o momento em que o sujeito altera suas estruturas
cognitivas para compreender melhor o objeto que o perturba, que lhe
rompeu o equilíbrio.

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Os movimentos de assimilação e acomodação, com doses variáveis


entre um e outro, constituem, então, o processo de adaptação, que signi-
fica que uma criança não pode chegar a conhecer senão aqueles objetos
que ela é capaz de assimilar a esquemas anteriores. Esses esquemas são,
no começo, esquemas de ação elementares, que vão se enriquecendo e
tornando-se mais complexos à medida que o conhecimento prossegue,
proporcionando, assim, novos instrumentos de assimilação.
É através de sucessivas relações entre assimilações e acomodações
que o indivíduo vai desenvolvendo sua adaptação ao meio externo, atra-
vés de um contínuo processo de desenvolvimento cognitivo.

Objeto de
Sujeito Conhecimento

Assimilação

Incorporação ca experiência NOVA a esquemas


PRÉVIOS de ação ou de conhecimento
Figura 11.1: O mecanismo da assimilação (ORTEGA, 2004).

Se você perguntar a alguém o que significa aprendizagem, vai


provavelmente obter respostas do tipo senso comum, as quais consi-
deram-na um processo dirigido de fora, pela ação dos adultos sobre a
criança. Para Piaget, qualquer estímulo para atuar dentro do processo
de aprendizagem deve ser assimilado pelo organismo. A assimilação
designa a incorporação de elementos estranhos ao organismo, vindos
de objetos exteriores, que serão modificados pelas estruturas orgânicas
ligadas à inteligência.

!
Esses processos serão compreendidos quando estudarmos os estágios
(ou estádios, para alguns autores) pelos quais passa o desenvolvimento
humano.

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Esse progresso ocorre de tal forma que são esses primeiros

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esquemas de ação que permitem à criança uma primeira classificação

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do mundo. Os processos elementares de classificação existem desde os
atos mais primitivos, e as propriedades atribuídas aos objetos dependem
somente da ação que o sujeito pode exercer sobre eles, sem que nada
garanta a permanência de suas qualidades fora dessa ação. É ainda nos
primeiros anos de vida que se pode afirmar que os objetos exteriores
continuam existindo, ainda que o sujeito não os veja. A inteligência,
antes de tudo, é adaptação; é a forma de equilíbrio para a qual tendem
todas as estruturas.
É a partir de esquemas motores, ou seja, das ações do ser humano,
que ocorre a troca entre o organismo e o meio, dentro de um processo
de adaptação progressiva, visando constante equilibração. Piaget (1975)
defende que o equilibrio entre assimilação e acomodação é necessário,
pois se um indivíduo só assimilasse, ele só desenvolveria alguns esque-
mas cognitivos muito gerais, o que comprometeria sua capacidade de
diferenciação. Por outro lado, se ele só acomodasse, desenvolveria uma
grande quantidade de esquemas cognitivos bastante específicos, o que
comprometeria sua capacidade de generalização. Objetos e fatos que
pertencem à mesma classe seriam entendidos como diferentes, geran-
do igualmente problemas de aprendizagem, ou melhor, problemas de
“adaptação”, na linguagem piagetiana.
A equilibração cognitiva é também ampliadora, ou seja, os dese-
quilíbrios não conduzem a um retorno à forma anterior de equilíbrio,
mas a uma forma melhor, caracterizada pelo aumento das dependências
mútuas ou das implicações necessárias (PIAGET; CHOMSKY, 1985).
Cada estrutura deve ser concebida como uma forma particular
de equilíbrio. Essas estruturas vão se sucedendo, conforme uma lei de
evolução, determinada de tal forma que, assim que a criança chega a
um determinado nível de desenvolvimento, este garante um equilíbrio
mais amplo e mais estável aos processos seguintes, intervindo naquele
que o precedeu. A inteligência não é mais do que um termo genérico
que designa as formas superiores de organização ou de equilíbrio das
estruturas cognitivas.
Piaget (1966), ao caracterizar a sequência de desenvolvimento da
inteligência em seus quatro estágios, deixa clara a incorporação gradativa
de novas experiências e sua importância para que a criança vá atingindo
os estágios subsequentes.

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• No primeiro estágio, o da inteligência sensório-motora, que


vai do nascimento aos 2 anos de vida, o pensamento é expresso
em ato, em ação.
• No segundo estágio, o da inteligência representativa ou pré-
operatório, a criança já substitui um objeto por uma repre-
sentação simbólica do mesmo. Isso ocorre em crianças entre
2 e 6 anos de idade.
• No terceiro estágio, o das operações concretas, que com-
preende o período dos 7 aos 11 anos, a criança sofre uma
mudança qualitativa: ela pode substituir as relações reais por
ações virtuais, ou seja, a ação pode se dar apenas de forma
interiorizada. O pensamento, que antes se originava somente
na ação real e efetiva, no contato com as coisas, torna-se um
pensamento cuja origem está no interior, mas que não per-
derá sua qualidade de ser, ainda, uma ação. Ela necessita da
presença concreta dos objetos para poder raciocinar.
• No quarto estágio, o das operações formais, a criança conse-
gue desprender-se dos dados imediatos; seu raciocínio pode
basear-se em abstrações, e não mais apenas em dados da
realidade; essa abstração é que lhe permitirá avaliar hipóteses
sobre diversas possibilidades.

A capacidade de abstração, que para Piaget aparece nesse último


estágio, pode ser de dois tipos: empírica, quando implica agir sobre um
objeto, ou reflexiva, de origem mental.

Abstração
Empírica

Ação Descoberta
Figura 11.2: Abstração empírica.

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Ao agir sobre objetos, o sujeito descobre suas propriedades e

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passa a dispor de informações retiradas de suas características físicas.

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A abstração será referente às ações e manipulações exercidas sobre o
objeto. Como exemplo, observemos uma criança que pega, pela primeira
vez, um sorvete tipo picolé, já sem invólucro: ela o segura, percebe que
é gelado, que lhe pinga das mãos, que derrete continuamente (em locais
com vento ele derrete mais rapidamente); começa a chupá-lo pela extre-
midade superior, até que encontra a ponta do palito, que lhe incomoda
o céu da boca; percebe que pode continuar consumindo-o pelas laterais,
observa que às vezes morde um pedaço maior, que lhe parece mais gelado.
Tais descobertas sobre as propriedades físicas do objeto farão parte de
sua abstração empírica.

Abstração
Reflexiva

Coordenações
Invenção
das Ações
Figura 11.3: Abstração reflexiva.

A abstração reflexiva é construída pela mente e vai permitir à


criança construir relacionamentos entre vários objetos, além de coordenar
essas relações. Como exemplo, ela relaciona que sorvete em copinhos
não lhe suja as mãos, nem derrete tão rápido como o picolé; que ele
não sofre tanto a ação do vento como o primeiro, que fica totalmente
exposto. Os mais duros estão mais congelados do que os mais macios;
percebe que há consistências diferentes quanto à maciez, ao sabor, à cor,
fazendo com que os classifique por preferências, deixando alguns de lado;
pode ordenar diversas sobremesas geladas também em função de suas
temperaturas. Enfim, cria classificações e ordenações que se baseiam em
coordenações das ações exercidas com vários objetos.
A abstração reflexiva é o mecanismo através do qual deriva o
conhecimento lógico-matemático; ela ultrapassa o observável e resulta
em reorganização mental. Ela age, portanto, transpondo para um novo
plano aquilo que é retirado do anterior, reconstruindo e recombinando
esse novo plano com o precedente. Como exemplo de abstração reflexiva,
usando o raciocínio analógico, temos: A : B :: C : D.

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A (cachorro) está para B (pelo) assim como C (pássaro) está para


D (penas).
O pensamento formal utiliza, além da abstração reflexiva, racio-
cínios dedutivos e indutivos. Quando o processo envolve raciocínio
hipotético-dedutivo, parte-se do geral para o particular, deduzindo con-
clusões a partir de premissas, que são afirmações que não necessitam de
comprovação. Como exemplo, temos: se A < B e B < C, então A < C.
No caso de o raciocínio partir de hipóteses falsas, mas tidas como
verdadeiras (premissas falsas) chegaremos a conclusões falsas. Como
exemplo, podemos citar a seguinte “anedota”, que mostra de forma
exacerbada o uso de premissas falsas: uma pessoa está trabalhando e
uma mosca vem zumbir em seus ouvidos, perturbando-a. Ela bate pal-
mas e a mosca se afasta, mas volta logo em seguida. Depois de algumas
repetições, ela resolve pegar o inseto e retirar-lhe as asas. Repetindo o
ato de bater palmas e verificando que a mosca não mais se mexe, ela
conclui que a mosca “ouve” pelas asas.

O pensamento também atua com a indução – raciocínio indutivo


– quando parte do particular, do caso específico, para o geral. Este é o
mais frequente processo de que os cientistas lançam mão em experimentos
para testar hipóteses (ou relações possíveis entre dois fatos) e chegar a
generalizações ou a leis sobre determinado fenômeno. Implica a capaci-
dade de pensar, ao mesmo tempo, sobre certo número de variáveis.

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Como exemplo, podemos tomar as leis da aprendizagem formula-

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das por Ivan Pavlov (1849-1936), a partir de observações feitas quando

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estudava o processo da digestão. A partir de um fato (a salivação do cão
como reação à comida na boca), ele observou que os animais também
passaram a salivar com a presença do experimentador ou quando aces-
savam o laboratório. Daí, Pavlov estabeleceu uma relação possível entre
esses dois fatos (hipótese) e tentou associar outros estímulos ao alimento.
A partir de casos particulares, portanto, chegou à lei da associação entre
dois estímulos, às leis da extinção, da discriminação e da generalização,
dentre outras. Esse conjunto de leis levou-o à construção da teoria de
aprendizagem por condicionamento, objeto de estudos da Aula 14.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 2

2. Explique o papel da assimilação e da acomodação ao observarmos o


seguinte fato: ao perguntar a crianças, de diversas idades, o que é uma
bicicleta, podemos obter respostas do tipo:
a) não efetuar qualquer ação, demonstrando não ter entendido a pergunta;
b) apontar a bicicleta que está próxima;
c) dizer que “é uma coisa com rodas”.

Resposta Comentada
Quanto aos mecanismos de assimilação e acomodação, observamos
que a resposta (a) demonstra que a criança ainda não deve ter
assimilado o significado da palavra em questão, ou seja, ela ainda
não internalizou o objeto (bicicleta) e, portanto, não pode encaixá-lo
em sua estrutura cognitiva. A criança que respondeu simplesmente
apontando o objeto, já o assimilou, já possui a imagem mental do

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objeto e, portanto, pode identificá-lo, pois a assimilação consiste em


incorporar objetos do mundo exterior a esquemas mentais que já
foram formados ou aqueles preexistentes. A resposta (c) demonstra
que, além da assimilação, já houve um processo de acomodação.
Ela generalizou com base em algumas características comuns
entre os objetos que possuem rodas (velocípede, carro, etc.), uma
vez que a acomodação refere-se a modificações dos sistemas de
assimilação por influência do mundo externo. O equilíbrio entre
assimilações e acomodações permitirá a adaptação às constantes
mudanças do meio ambiente, nem todas percebidas pelas três
crianças, face ao limite imposto pelo nível de maturidade biológica
de cada uma delas.

A GÊNESE DO CONHECIMENTO - COMO CONHECEMOS O


MUNDO?

O conhecimento, para Jean Piaget, significa organizar, estruturar,


explicar a partir da vivência. Conhecer, entretanto, não implica somente
explicar nem somente viver. Vivência e conhecimento não são excluden-
tes: o conhecimento se dá a partir da vivência – da ação sobre o objeto
do conhecimento – mas é necessário que esse objeto seja inserido em um
sistema de relações que permitirá a estruturação do vivido. Os fatos e
os objetos só adquirem significado quando inseridos em uma estrutura
mental, ou seja, quando são assimilados.
A inteligência é o mecanismo de adaptação do organismo a uma
situação nova e implica a construção contínua de novas estruturas. Essa
adaptação refere-se ao mundo exterior, como toda adaptação biológica.
Os indivíduos desenvolvem-se intelectualmente a partir de estímulos
oferecidos pelo meio.
As estruturas mentais que formam a inteligência, em sua teoria,
constituem produtos de construção, inerentes à biologia do ser humano.
Para Piaget, “as estruturas operatórias da inteligência não são inatas”.

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Inteligência

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Definida por dois aspectos interdependentes

Adaptação Organização

Presentes em qualquer forma de conhecimento


invariantes funcionais
Figura 11.4: A dinâmica da inteligência (adaptado de Ortega, 2004).

O desenvolvimento cognitivo na teoria piagetiana é baseado em


três componentes: conteúdo, função e estrutura.
O conteúdo refere-se àquilo que a criança conhece, cuja atividade
intelectual é inferida através da observação de seus comportamentos. A
função refere-se às características da atividade intelectual (no caso, a
assimilação e a acomodação), que são estáveis e contínuas no decorrer
do desenvolvimento cognitivo. A estrutura, por sua vez, refere-se às
propriedades organizacionais inferidas (ou esquemas) que explicam a
ocorrência de comportamentos específicos.
O diagrama a seguir integra os termos piagetianos envolvidos nos
processos de adaptação e organização. Em cada momento particular do
desenvolvimento, o processo de adaptação dá lugar à determinada forma
de organização do conhecimento. A estrutura intelectual é caracterizada
por um conjunto de esquemas, que são estruturas mentais ou cognitivas
através das quais os indivíduos se adaptam e organizam o meio. Nele per-
cebemos como a adaptação está relacionada à função, sendo dependente
dos aspectos do ambiente externo, das vivências, enquanto a organização
liga-se à estrutura, um aspecto interno do organismo.

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Adaptação Organização

Assimilação Acomodação
Estrutura

Função

Aspecto interno

Aspecto externo

Figura 11.5: Relações entre adaptação e organização com função e estrutura.

O processo de aprendizagem piagetiano: como a criança


aprende

Baseando-se no postulado de Piaget (1975) de que todo esque-


ma de assimilação tende a alimentar-se, isto é, a incorporar elementos
que lhe são exteriores e compatíveis com a sua natureza, Wadsworth
(1996) diz que a teoria da equilibração, de uma maneira geral, trata
de um ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, sendo
considerada, portanto, um mecanismo autorregulador necessário para
assegurar uma interação eficiente da criança com o seu meio ambiente.
Se a criança não consegue assimilar um estímulo, ela tenta fazer uma
acomodação, alterando um esquema ou criando um esquema novo.
Quando isso é feito, ocorre a assimilação do estímulo e, nesse momento,
o equilíbrio é alcançado.
Na concepção piagetiana, a aprendizagem só ocorre através da
consolidação das estruturas de pensamento. A aprendizagem sempre se
dá após a consolidação do esquema que a suporta. Da mesma forma, a
passagem de um a outro estágio de desenvolvimento depende da con-
solidação e superação do anterior. Para que ocorra a construção de um
novo conhecimento, é preciso que se estabeleça um desequilíbrio nas
estruturas mentais, isto é, os conceitos já assimilados necessitam passar

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por um processo de desorganização, para que possam novamente, a partir

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do contato com novos conceitos, reorganizar-se, estabelecendo um novo

AULA
conhecimento. Esse mecanismo pode ser denominado de equilibração
das estruturas mentais, ou seja, a transformação de um conhecimento
prévio em um novo (PIAGET; GRÉCO, 1974).

Os estágios do desenvolvimento: os limites da


aprendizagem

Para Piaget (1967), o desenvolvimento humano – sensorial, motor,


intelectual, afetivo e moral – obedece a certos estágios hierárquicos que
decorrem desde antes do nascimento até se consolidarem por volta dos
16 anos. A ordem desses estágios seria invariável e inevitável a todos os
indivíduos. É muito importante que o educador conheça esses estágios para
que possa planejar as atividades que irá desenvolver com seus alunos.

Antes de descrever as características de cada estágio, será necessário que


você compreenda o conceito de reação circular, que será utilizado logo no
primeiro estágio de desenvolvimento. A reação circular consiste no seg-
mento de conduta que o bebê associa a uma consequência que ele tenta
reproduzir repetindo a conduta em questão. O resultado de tal exercício
é o fortalecimento do esquema motor, que tenderá a aperfeiçoar-se.
As reações circulares são de três tipos:
– reações circulares primárias, que são esquemas simples, descobertos
fortuitamente pelo bebê e circunscritas ao seu próprio corpo, como,
por exemplo, chupar os dedos da mão, o que pode ocorrer mesmo
antes de nascer;
– reações circulares secundárias, que não mais se restringem ao próprio
corpo, sendo seus efeitos observados no meio físico e social; consis-
tem em coordenações de esquemas simples cujas consequências são
inicialmente casuais, como, por exemplo, quando um adulto emite
determinado som, como um assovio, após o que o bebê se agita e o
adulto entende que deve repetir o ato;
– reações circulares terciárias, que resultam da coordenação flexível de
esquemas secundários, experimentando novos meios que levam a um
efeito desejado, como quando a criança usa um objeto para movimen-
tar outro.

Piaget impulsionou a Teoria Cognitiva, chegando à proposição destes


quatro estágios de desenvolvimento cognitivo, que serão analisados com
mais detalhes, incluindo seus subestágios (PIAGET; INHELDER, 1982).

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1. Estágio sensório-motor – estende-se do nascimento aos 2 anos


de idade.

Segundo Macedo (2008:47), esse período “caracteriza-se pela


construção de esquemas de ação que possibilitam à criança assimilar
objetos e pessoas”. Outras características são: construção prática das
noções de objeto, espaço, causalidade e tempo, necessárias à acomoda-
ção (ajustamento) desses esquemas aos objetos e pessoas com os quais
interage. Para o autor, “tem-se um processo de adaptação funcional pelo
qual a criança regula suas ações em função das demandas de interação,
compensando progressivamente, sempre no plano das sensações e da
motricidade, as perturbações produzidas pela insuficiência dos esquemas
no processo de interação”.
Dessa forma, ao desenvolver um conjunto de “esquemas de ação”
sobre o objeto, a criança vai construindo um conhecimento físico da
realidade. Nesta etapa, ela desenvolve o conceito de permanência do
objeto, constrói esquemas sensório-motores e é capaz de fazer imitações,
construindo representações mentais cada vez mais complexas.
Sua linguagem vai da ecolalia (repetição de sons simples, ou de
sílabas) à palavra-frase (“água” para dizer que quer beber água). Sua
conduta social é de isolamento e indiferenciação (o mundo é ele).
Face às pronunciadas diferenças entre um recém-nascido e uma
criança de 1 ou 2 anos, este período foi dividido em seis níveis.

Subestágios

1.1. Adaptações inatas – exercício dos reflexos (0 – 1 mês).


O bebê apresenta os reflexos básicos de sucção, de agarrar, de
chorar, além dos movimentos constantes de braços e pernas,
tronco e cabeça. A conduta é basicamente reflexa, inata, ou seja, é
desencadeada de forma automática, quando ocorre a estimulação
específica de determinado ato reflexo.

1.2. Primeiras adaptações adquiridas (1 a 4 meses).


Fase caracterizada por reações circulares primárias, que envol-
vem somente o próprio corpo. O bebê apresenta coordenações
mão-boca, além de coordenação entre visão e audição; apresenta
reações circulares, através das quais os resultados obtidos ao acaso
passam a ser conservados por repetição.

24 CEDERJ
1.3. Reprodução de eventos interessantes (4 a 8 meses).

11
O bebê começa a apresentar reações circulares secundárias, que

AULA
envolvem o meio externo:
– a criança já apresenta coordenação visão-preensão; esta
constitui uma fase de transição (fase pré-intencional) entre
a adaptação elementar e a adaptação intencional, que
caracterizará o próximo estágio; começa a apresentar um
comportamento dirigido a um fim; os fins, no entanto, são
estabelecidos somente depois de o comportamento ter sido
efetuado;
– inicia-se a noção de objeto permanente, ou seja, a criança
acompanha a trajetória do objeto em movimento e antecipa as
posições pelas quais ele irá passar, e também procura objetos
parcialmente escondidos.

1.4. Coordenação de esquemas secundários e sua aplicação a novas


situações (8 a 12 meses).
– nesta fase é estabelecida a adaptação intencional e a criança
entende a relação entre meio e fim. O fim é estabelecido desde
o início e os meios são usados com a finalidade de alcançá-
los; meios e fins constituem dois esquemas, coordenados em
uma ação;
– o comportamento inteligente, nesta fase, consiste na utili-
zação dos meios que já são conhecidos pela criança;
– a noção de permanência do objeto já é uma realidade, pois
a criança busca, ativamente, objetos totalmente escondidos,
o que indica que ela compreende que os objetos não deixam
de existir quando estão fora de seu campo perceptivo; a
criança não leva em consideração os deslocamentos sequen-
ciais visíveis e procura os objetos onde eles em geral teriam
desaparecido.

1.5. Descoberta de novos meios por experimentação (12 a 18


meses).
– nesta fase aparece a reação circular terciária, que consiste
em uma atitude de experimentação no meio ambiente em
busca de novidades; o comportamento inteligente implica o
desenvolvimento de novos meios para alcançar os fins;

C E D E R J 25
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genética de Piaget

– há predomínio da acomodação; a criança começa a formar


novos esquemas para resolver novos problemas.

1.6. Invenção de novos meios por combinação mental (18 a 24


meses).
– inicia-se a fase de representação, com a interiorização e a
simbolização;
– o comportamento intencional inclui a elaboração de sequência
de ações no nível das representações (do pensamento), antes da
experimentação ativa do ambiente;
– constitui uma fase de transição para o próximo estágio.

2. Estágio pré-operatório – estende-se dos 2 aos 6 anos de idade

– A criança inicia a construção da relação causa e efeito, bem


como das simbolizações. É a chamada “idade dos porquês” e
do “faz de conta”. O pensamento neste período caracteriza-se
por uma instabilidade da qual resultam julgamentos oscilantes
e contraditórios. O pensamento pré-operatório caracteriza-se
por sua rigidez, considerando apenas os estados e não suas
transformações; constitui, portanto, um pensamento estático.
– Há um desenvolvimento marcante da função simbólica ou
semiótica, o que, por sua vez, assegura a passagem de uma
inteligência essencialmente prática para uma inteligência
representativa. O desenvolvimento desta função dá à criança
a capacidade de evocar um significado – como um objeto, um
fato, ou um animal – por meio de um significante, isto é, pela
imagem que representa o objeto, o fato ou o animal. Esta função
depende da capacidade de representação de objetos e eventos,
desenvolvida no último subestágio sensório-motor, e assegura
a passagem de uma inteligência prática para uma inteligência
representativa.
– A criança pode criar imagens mentais na ausência do objeto ou
da ação; é o período da fantasia, do “faz de conta”, do jogo
simbólico. Com a capacidade de formar imagens mentais, a
criança pode transformar um objeto em outro que lhe dê prazer
(uma caixa de fósforos em carrinho, por exemplo). É também o
período em que o indivíduo “dá alma” (animismo) aos objetos,

26 CEDERJ
quando, por exemplo, diz que “o carro do papai vai ‘dormir’

11
na rua”. Quando em companhia de outras crianças da mesma

AULA
idade, observa-se que elas falam enquanto brincam, mas é um
monólogo coletivo, em que todas falam ao mesmo tempo sem
que haja verdadeiramente um diálogo.
– Desenvolvimento da capacidade de usar símbolos, que possuem,
nesta fase, significados diferenciados de seus significantes e
são individuais (ex: qualquer coisa pode simbolizar qualquer
coisa); os símbolos guardam alguma semelhança com o que
eles representam, como acontece nos desenhos infantis desta
fase; capacidade de usar signos, que constituem significados que
também são diferenciados de seus significantes, sendo conven-
cionais, posto que sua origem é social (PIAGET, 1971).
– As formas pelas quais as representações de objetos e eventos
podem ser efetuadas pelas crianças são várias: através da imita-
ção diferida, do jogo simbólico, do desenho, da imagem mental
e do uso da linguagem oral. A imitação diferida vai marcar
a passagem do nível sensório-motor para o nível simbólico;
nela, não há modelo a seguir, a ser imitado; constitui a forma
de representação sobre a qual se sustentam as demais, predo-
minando, portanto, a acomodação. O jogo simbólico (jogo de
faz de conta) constitui uma forma de expressão espontânea da
criança que permite que ela possa vivenciar diversos papéis
à medida que tenta dramatizar necessidades, quer sejam elas
intelectuais ou afetivas, e nele predomina a assimilação. O
desenho (ou imagem gráfica) pode ser visto como algo inter-
mediário entre o jogo e a imagem mental, e costuma aparecer
entre 2 e 2 anos e meio de idade. De início, são rabiscos, depois
aparecem figuras que começam a se fechar, até que a criança
consegue fechá-las em forma de círculos. Ao tentar representar
a figura humana, a criança limita-a a dois ou três elementos
(rosto, tronco e pernas, por exemplo); figura esta que vai se
aprimorando, com o acréscimo gradual de novos elementos, à
proporção que a criança se desenvolve.
Como o estágio anterior, este apresenta subestágios, uma vez que
uma criança de 2 ou 3 anos possui um nível bem diferente de outra de
6 anos de idade.

C E D E R J 27
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genética de Piaget

Subestágios

2.1. Subestágio simbólico (2 a 4 anos).


– a criança ainda não é capaz de pensar em categorias gerais,
atendo-se apenas ao particular, daí ainda pensar com base
em pré-conceitos;
– seu pensamento é do tipo transdutivo, ou seja, aquele que vai
do particular para o particular; dessa forma, ela transpõe para
outra situação um elemento que lhe chamou a atenção em
determinada situação, chegando a conclusões ilegítimas.

2.2. Subestágio intuitivo global ou simples (4 a 5 anos).


– o raciocínio é totalmente deformado pela percepção; a
criança apresenta percepções globais, não sendo ainda capaz
de diferenciar as relações entre os elementos;
– o pensamento intuitivo global é conservador, porque a
capacidade de reversibilidade, ou seja, a capacidade de pen-
sar simultaneamente uma operação com sua inversa, está
ausente.

2.3. Subestágio intuitivo articulado (5 a 7 anos).


– neste período já se observa um desejo de explicação dos
fenômenos. É a “idade dos porquês”, a criança faz perguntas
o tempo todo. Distingue a fantasia do real, podendo drama-
tizar a fantasia sem que acredite nela (PIAGET; CHOMSKY,
1985). Seu pensamento continua centrado no seu próprio
ponto de vista. Quanto à linguagem, não mantém uma con-
versação longa, mas é capaz de adaptar suas respostas às
demandas dos outros;
– egocentrismo: inferido através de algumas características
intelectuais e comportamentais, tais como: o pensamento da
criança é centrado em seu próprio ponto de vista, indiferente
a pontos de vista de outros; os monólogos, mesmo quando
há outras pessoas, ou quando está sozinha; a incapacidade
de coordenar diferentes pontos de vista;
– fenomenismo: em geral, acha que tudo que acontece tem
alguma relação com ela própria: ela estabelece relações de
causa e efeito entre fenômenos que vivencia, a partir de seus
anseios e experiências pessoais;

28 CEDERJ
– finalismo: a criança acredita que tudo à sua volta tem uma

11
função, a qual justifica a sua existência;

AULA
– artificialismo: acredita que tudo que há no meio ambiente
foi, de alguma forma, construído pelo homem;
– animismo: acredita que tanto os objetos como os animais
são dotados de pensamento e de intenções;
– anomia: a criança, até 5 a 6 anos, apresenta anomia, isto é,
ela é indiferente às regras coletivas, interessando-se muito
mais pelo exercício motor, pelas fantasias simbólicas e, até
mesmo, pela companhia de outras crianças, do que pela
participação em uma atividade coletiva com regras.

3. Estágio operatório concreto – estende-se dos 7 aos 11 anos.

– a criança constrói conceitos através de estruturas lógicas,


consolida a conservação de quantidade, e constrói os concei-
tos de número, peso, substância e volume. Seu pensamento,
apesar de lógico, ainda está preso aos conceitos concretos;
– a criança é capaz de ordenar elementos por seu tamanho
(grandeza), organizar conjuntos, operando no mundo de
forma lógica ou operatória; sua organização social inclui
a formação de grupinhos ou de um bando maior, podendo
chefiá-los ou aceitar a chefia de outra criança; compreendem
as regras, obedecendo-as, e estabelecem compromissos;
– a conversação, o diálogo, torna-se possível; é uma linguagem
socializada, mas ao discutirem diferentes pontos de vista,
não chegam a um consenso;
– heteronomia: uma das características deste nível de desen-
volvimento é o aparecimento da heteronomia (entre 6 e
9/10 anos), já no final do estágio pré-operatório; as crianças
passam a demonstrar um grande interesse por atividades
coletivas com regras, demonstrando compreensão das mes-
mas; para elas, as regras passam a constituir algo imutável,
próximo do sagrado;

C E D E R J 29
Psicologia e Educação | Principais abordagens do desenvolvimento humano: epistemologia
genética de Piaget

– observa-se a entrada da criança no universo moral, sendo


este baseado no respeito à autoridade e na obediência uni-
lateral, ou seja, pela submissão; se há coação, ela apresenta
sentimentos de amor e medo;
– quanto ao conceito de justiça, até 8/9 anos as crianças esti-
mam que a ordem de um adulto é justa e, portanto, deve
ser obedecida. Depois, passam por uma fase intermediária,
na qual, apesar de conceberem a ordem do adulto injusta,
preconizam ainda a obediência como correta; a partir de
8/9 anos, a desobediência já pode ser vista como correta,
como ato legítimo, no caso de o castigo ser flagrantemente
injusto;
– quanto à autonomia, a maioria das crianças a partir de 10
anos começa a compreender que as regras já existem ou
podem ser feitas pelo grupo, podendo, assim, ser modifica-
das, na medida em que houver consenso.

4. Estágio operatório formal – dos 11 aos 14 anos

– Neste estágio há o ápice do desenvolvimento da inteligência


e corresponde ao nível de pensamento hipotético-dedutivo
ou lógico-matemático. O indivíduo está apto para calcular
probabilidades, libertando-se do concreto e orientando-se
para projetos futuros (INHELDER; PIAGET, 1976).
– É a “abertura para todos os possíveis”, para as diversas
possibilidades, o que lhe permite a dialética, permite dis-
cussões que levem a uma conclusão. Organizam-se em
grupo, podendo estabelecer relações de cooperação e de
reciprocidade.
– Constitui a fase em que o adolescente constrói o pensamento
abstrato, conceitual, conseguindo ter em conta as hipóteses
possíveis, os diferentes pontos de vista, e sendo capaz de
pensar cientificamente. Na descrição deste estágio, serão
analisados os aspectos cognitivos (PIAGET, 1994).

Primeiramente, há que se considerarem as semelhanças e dife-


renças quanto ao tipo de pensamento da criança; nas fases anteriores,
predominava o pensamento concreto; esta fase caracteriza-se pelo pen-
samento formal.

30 CEDERJ
– no pensamento concreto, o possível está subordinado ao real, enquanto

11
no pensamento formal, o real está subordinado ao possível;

AULA
– o pensamento concreto está limitado à solução de problemas concre-
tos, palpáveis; ele está preso às experiências acessíveis, ao conteúdo;
o pensamento formal pode lidar com todas as classes de problemas,
podendo operar com a lógica de um argumento, independente de seu
conteúdo;
– o pensamento concreto lida com cada problema isoladamente (as ope-
rações não são coordenadas); o pensamento formal consegue aplicar
várias operações de forma simultânea e sistemática, na solução de
problemas; assim, o pensamento concreto não integra suas soluções por
meio de teorias gerais, enquanto o pensamento formal possui a capa-
cidade de empregar teorias e hipóteses na solução de problemas.

ATIVIDADE

Atende ao Objetivo 3

3. Execute a tarefa a seguir:


Observe duas ou três crianças em diferentes estágios de desenvolvimento e
descreva os comportamentos segundo as suas características, nomeando-
os segundo a teoria piagetiana. Você pode escolher dois ou três desenhos
realizados por elas, e tentar compará-los. Outra opção seria solicitar-lhes
que digam o que entendem por algum objeto (colher, por exemplo) e
comparar as respostas em termos de generalizações progressivas.

ComentÁRIO
Caso você tenha escolhido desenhos, tente compará-los quanto ao
número de elementos desenhados, lembrando que uma criança de
3 anos desenharia a figura humana com três elementos (cabeça,
pernas e olhos); antes dos 2 anos, ela faz apenas rabiscos (garatu-
jas) e, aos 2 anos, ela está tentando fechar um círculo, que poderá
ser qualquer coisa.

C E D E R J 31
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genética de Piaget

Caso tenha escolhido perguntar o que ela entende por colher, por
exemplo, verifique se a resposta limita-se a descrever o objeto, ou
falar sobre sua utilidade (comer, por exemplo), ou se já generaliza,
o que demonstra abstrações mais complexas (talher, por exemplo,
ou peça do faqueiro).
Discuta suas observações com a tutora presencial, em seu próximo
encontro.

A abordagem piagetiana e a educação

O principal objetivo da educação é criar indivíduos capazes de


fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras
gerações fizeram (PIAGET, 1975).

As ideias de Piaget estão presentes em diversos colégios, em quase


todos os países ocidentais. Suas teorias buscam implantar nos espaços
de aprendizagem uma metodologia inovadora, para que se formem
cidadãos criativos e críticos. Uma escola nova, em que o professor não
deva apenas ensinar, mas sim – e antes de tudo – orientar os educandos
no caminho da aprendizagem autônoma.
A escola piagetiana tem como papel principal provocar situações
desequilibrantes para o aluno, respeitando cada etapa do seu desen-
volvimento. Deve ensinar a criança a observar, investigar e estabelecer
relações de cooperação. O professor deve agir como um orientador,
propondo situações-problema, sem ensinar as soluções, e respeitando
as características próprias da fase evolutiva de seus alunos.
Segundo sua epistemologia genética, a escola, a família e a socieda-
de devem levar em consideração que o indivíduo passa por várias etapas
de desenvolvimento ao longo da sua vida e a aprendizagem é um processo
que começa no nascimento e acaba na morte. O desenvolvimento duran-
te todo esse período de existência ocorre através do equilíbrio entre a
assimilação e a acomodação, resultando em adaptação do indivíduo. O
ser humano assimila os dados que obtém do exterior e, como já possui
uma estrutura mental que não está “vazia”, precisa adaptar esses dados
à estrutura mental já existente. À proporção que vivencia coisas e fatos,

32 CEDERJ
os dados são adaptados a si próprio, ocorrendo a acomodação. Segundo

11
o esquema piagetiano, nenhum conhecimento nos chega do exterior sem

AULA
que sofra alguma alteração de nossa parte. Tudo o que aprendemos é
influenciado por aquilo que já tínhamos aprendido.
Na perspectiva piagetiana, a educação forma um todo indissociá-
vel, não sendo possível que se busque formar pessoas autônomas no
domínio moral se elas forem submetidas a um aprendizado passivo,
sem que tentem descobrir, por si mesmas, a verdade (PIAGET, 1982). A
passividade intelectual impede o caminho para a liberdade moral. Reci-
procamente, se a moral de uma criança consiste somente em submissão
à vontade adulta, se as únicas relações sociais envolvidas no processo de
aprendizagem escolar são aquelas que ligam cada aluno a um professor,
que detém todo o poder, a criança tampouco será intelectualmente ativa.
Piaget afirma ainda que...

adquirida a linguagem, a socialização do pensamento manifesta-


se pela elaboração de conceitos e relações e pela constituição de
regras. É justamente na medida, até, que o pensamento verbo-
conceitual é transformado pela sua natureza coletiva que ele se
torna capaz de comprovar e investigar a verdade, em contraste
com os atos práticos dos atos da inteligência sensório-motora e à
sua busca de êxito ou satisfação (PIAGET, 1975, p. 115).

Outro conceito essencial da epistemologia genética é o egocentris-


mo, que explica o caráter mágico e pré-lógico do raciocínio infantil. A
maturação do pensamento em direção ao domínio da lógica adulta consiste
no gradativo abandono do egocentrismo. Assim, ela adquire a noção de
responsabilidade individual, indispensável para sua autonomia moral.

Considerações finais: críticas à teoria de Piaget

Embora Piaget tenha postulado que o desenvolvimento pleno da


personalidade, em termos intelectuais, fosse indissociável do conjunto das
relações afetivas, sociais e morais que constituem a vida da instituição
educacional, muitas críticas lhe têm sido feitas.
Uma delas é que ele teria mascarado as distinções sociais ao enten-
der o ser humano dotado de raciocínio universal e conceber a infância
e o desenvolvimento como noções naturais não ligadas a condições
históricas e sociais. A aprendizagem não se dá em um campo natural e
neutro, uma vez que é influenciada por condições materiais e históricas

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Psicologia e Educação | Principais abordagens do desenvolvimento humano: epistemologia
genética de Piaget

que definem cada cultura. A perspectiva de Piaget reduziria o aparato


social e político da educação a explicações que se limitam aos níveis
dos comportamentos individuais e interpessoais. Seu interacionismo
limitar-se-ia a uma parte do ambiente, contribuindo para a conservação
do status quo sociocultural.
Outra crítica é realizada por Silva (1993), ao ressaltar que o
construtivismo piagetiano reforça o retorno da psicologia ao estudo do
pensamento e à prática educacional, com a pretensão de apresentar-se
como substituto de uma teoria social da educação. Mesmo com tal
pretensão, o construtivismo não pode substituir uma teoria social da
educação, por desconsiderar que as interações que ocorrem em salas de
aula refletem as relações econômicas e políticas mais amplas.
A influência de Piaget na Pedagogia é notável ainda hoje, princi-
palmente através da obra de Emília Ferreiro, sobre a alfabetização. No
Brasil, suas ideias começaram a ser difundidas na época do movimento
da Escola Nova, principalmente por Lauro de Oliveira Lima, e continuam
a ser pesquisadas em diferentes núcleos de universidades importantes
em nosso país, além de serem aplicadas em diversas escolas. A frase
“o professor não ensina, ajuda o aluno a aprender”, do Método Psico-
genético criado por Lauro de Oliveira Lima, tem suas bases na teoria
epistemológica piagetiana.

Aceitar o ponto de vista de Piaget, portanto, provocará turbulenta


revolução no processo escolar (o professor transforma-se numa
espécie de ‘técnico do time de futebol’, perdendo seu ar de ator
no palco). (...) Quem quiser segui-lo tem de modificar, fundamen-
talmente, comportamentos consagrados milenarmente (aliás, é
assim que age a ciência, e a pedagogia começa a tornar-se uma
arte apoiada, estritamente, nas ciências biológicas, psicológicas e
sociológicas). Onde houver um professor ‘ensinando’... aí não está
havendo uma escola piagetiana! (LIMA, 1980, p. 131).

Finalizamos o estudo da obra de Piaget com uma de suas frases,


para que você reflita sobre esta ideia:

Cada vez que se ensina prematuramente a uma criança alguma


coisa que ela poderia descobrir sozinha, impede-se que ela invente
aquela coisa e, em consequência, que a entenda completamente.
(PIAGET, 1970, p. 28-29).

34 CEDERJ
ATIVIDADE

11
Atende ao Objetivo 4

AULA
4. Leia o texto abaixo e depois responda à questão proposta no final.

Se levarmos em consideração o processo de aprendizagem pós-piagetiano,


encontramos as contribuições de Sara Paín (1989), que descreve as moda-
lidades de aprendizagem sintomática, baseada nos postulados piagetianos.
Ela identifica como a assimilação e a acomodação atuam no modo pelo
qual o sujeito aprende. Como o sujeito está em constante estado de busca
de equilibração, as dificuldades de aprendizagem podem estar relacionadas
a uma hiperatuação de uma dessas formas, somada a uma hipoatuação da
outra, gerando as duas modalidades de aprendizagem a seguir:

A) Hiperassimilação: sendo a assimilação o movimento do processo de


adaptação pelo qual os elementos do meio são alterados para serem incor-
porados pelo sujeito, em um aprendizado pode ocorrer uma exacerbação
desse movimento. Quando há o predomínio da assimilação, as dificuldades
de aprendizagem são da ordem da não resignação, o que leva o sujeito a
interpretar os objetos de modo subjetivo, não internalizando as caracte-
rísticas próprias do objeto. Há predomínio dos aspectos subjetivos sobre
os objetivos. Esta vem acompanhada da hipoacomodação.
Hipoacomodação: a acomodação consiste em adaptar-se para que ocorra
a internalização. A sintomatização da acomodação pode dar-se pela resis-
tência em acomodar, ou seja, pela dificuldade de internalizar os objetos.

B) Hiperacomodação: acomodar-se é abrir-se para a internalização, mas o


exagero disso pode levar a uma pobreza de contato com a subjetividade,
levando à submissão e à obediência acrítica. Quando a acomodação pre-
domina, o sujeito não empresta sentido subjetivo aos objetos e resigna-se
sem criticidade. Essa sintomatização está associada à hipoassimilação.
Hipoassimilação: ocorre uma assimilação pobre, o que resulta na pobreza
no contato com o objeto, de modo a não transformá-lo, não assimilá-lo
de todo, apenas acomodá-lo.

Questão a ser respondida:


Se um aluno apresenta uma sintomatização do tipo hiperacomodativa/
hipoassimilativa, o que faz com que ele consiga reproduzir com precisão
os modelos impostos, pode ele ser percebido como não tendo “problemas
de aprendizagem”? Por quê?

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Psicologia e Educação | Principais abordagens do desenvolvimento humano: epistemologia
genética de Piaget

Resposta Comentada
O sistema educativo pode produzir sujeitos muito acomodativos, que
valorizem mais a reprodução dos padrões do que o desenvolvimento
da autonomia e da criatividadade. Um aluno com hiperacomodação
vai obedecer cegamente às regras, sem questioná-las. Não apre-
sentando pensamento crítico, acaba submetendo-de às regras da
escola, de seu grupo de colegas, ou outras quaisquer, aparentando-
se submisso ou como um aluno muito “bem disciplinado”.
A pobreza de seus contatos com os objetos confere-lhe também
pobreza de subjetividade e, consequentemente, do pensamento críti-
co e da sua capacidade criativa. Enfim, um aluno hiperacomodado,
que não dá problemas de disciplina, mas que assimila mal.

R esumo

Piaget revolucionou a teoria do desenvolvimento intelectual. Em seu trabalho,


a criança é vista como um “sujeito epistêmico” e não um sujeito individual. Ele
separou suas discussões das questões filosóficas e constituiu o que designou epis-
temologia genética.
Desenvolveu uma teoria psicobiológica que se baseia em um processo que inclui
assimilação de elementos do meio numa estrutura prévia do sujeito. Após a assimila-
ção, há um movimento de acomodação, em que os processos mentais se modificam
em função das experiências. A seguir, ocorre uma adaptação, que consiste numa
regulação interior entre o organismo e o meio. Sendo a equilibração uma constante
do organismo, qualquer nova aprendizagem desequilibra-o. O estado de reequilí-
brio ocorre após cada processo descrito acima. A equilibração se expressa como um
mecanismo autorregulador, que permitirá uma nova desestabilização.
O desenvolvimento do indivíduo inicia-se no período intrauterino, e vai até os 15
ou 16 anos de idade. A embriologia humana evolui após o nascimento, criando
estruturas cada vez mais complexas. A construção da inteligência é um processo
que transcorre em etapas sucessivas, de complexidade crescente. A esse processo
ele denominou “construtivismo sequencial”.

36 CEDERJ
11
AULA
O desenvolvimento das funções motora, verbal e mental foi dividido em quatro
estágios:
• estágio sensório-motor (dos 0 aos 18/24 meses): aquisição da capacidade de admi-
nistrar seus reflexos básicos para gerar ações prazerosas ou vantajosas; período
anterior à linguagem, no qual o bebê desenvolve a percepção de si mesmo e
dos objetos à sua volta;
• estágio pré-operatório (dos 2 aos 7 anos): surgimento da capacidade de dominar
a linguagem e a representação do mundo por meio de símbolos; a criança é
egocêntrica e não é capaz de se colocar no lugar de outra pessoa;
• estágio das operações concretas (dos 7 aos 11/12 anos): aquisição da noção de
reversibilidade das ações; lógica nos processos mentais e habilidade de discri-
minar os objetos por similaridades e diferenças;
• estágio das operações formais (dos 11/12 anos aos 15/16 anos): entrada na idade
adulta, em termos cognitivos; o adolescente passa a ter o domínio do pensa-
mento lógico e dedutivo, o que o habilita à experimentação mental, a relacionar
conceitos abstratos e raciocinar sobre hipóteses.

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