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AUTONOMIA E GESTÃO DAS INSTITUIÇÕES DO ENSINO SUPERIOR EM

MOÇAMBIQUE: A EXPERIÊNCIA DA ACADEMIA DE CIÊNCIAS POLICIAIS


(ACIPOL)

Fernando Francisco Tsucana gwedlele@gmail.com


1

Lisboa Augusto Machavane lisboaaaugusto@hotmail.com


2

Resumo

O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior em Moçambique é consagrado


pela Lei n.º 27/2009, de 29 de Setembro (em revisão), que estabelece um modelo de
Organização e Gestão das Instituições de Ensino Superior, introduzindo diversas
mudanças relativamente à primeira Lei sobre o Ensino Superior n.º 1/93, de 24 de
Junho, clarificando e reforçando a margem de autonomia das instituições. No regime
jurídico moçambicano, a autonomia das Instituições do ensino superior é definida como
sendo a capacidade para exercer os poderes e faculdades que lhes assiste na prossecução
das suas respectivas missões, bem como observar os deveres necessários a nível
administrativo, financeiro, patrimonial e científico-pedagógico para que se alcance a
liberdade académica e intelectual, em conformidade com as políticas e planos nacionais
relevantes. O presente artigo analisa a experiência da autonomia e gestão institucional da
Academia de Ciências Policiais (ACIPOL), criada à luz do Decreto nº 24/99, de 18 de
Maio, como uma instituição pública de ensino superior, dotada de personalidade jurídica
e goza de autonomia científico-pedagógica, administrativa e disciplinar.
Metodologicamente trabalhou-se com a pesquisa bibliográfica e documental. Constatou-
se que como instituição de ensino superior pública ligada ao aparelho do Estado, do qual
dependefinanceiramente, é difícildar sentido a uma autonomia com suficiente latitude.

Palavras–chave: ACIPOL, Autonomia, Gestão.

1
Psico-Pedagogo, Doutor em Ciências de Educação: Currículo, Mestre em Ciências de Educação:
Desenvolvimento Curricular e Instrucional, Licenciado em Ensino de Psicologia e Pedagogia, docente e
pesquisador na área de Segurança Pública na Academia de Ciências Policiais de Moçambique (ACIPOL).
2
Mestre em Ciências Políticas e Estudos Africanos, Licenciado em Ensino de História e Geografia,
docente e Pesquisador na área de Segurança Pública na Academia de Ciências Policiais de Moçambique
(ACIPOL).

1
Introdução
A década de 90 constitui-se num momento histórico de significativas transformações em
todo o mundo. Em Moçambique, com o fim da guerra dos 16 anos3 e a adopção da
economia de mercado, as portas se abriram para o mercado internacional,
proporcionando oportunidades de crescimento para o País, a livre concorrência e, por
consequência, a melhoria de processos, produtos e serviços.
O Sistema Nacional de Educação de Moçambique (SNE), aprovado pela Lei nº 6/92, de
6 de Maio, estabelece o princípio da educação como direito e dever de todos os cidadãos
e tem como um dos objectivos a formação dos cidadãos com uma sólida preparação
científica, técnica, cultural e física e uma elevada educação moral, cívica e patriótica.
Para o ensino superior moçambicano, a década de 90 é um grande marco, pois foi a
partir desse momento que foram superadas as barreiras para novas oportunidades no
ambiente educacional: começa a disputa de mercado, e o ensino passa a ser provida
também por actores privados e, por decorrência, considerado um negócio. A Lei nº1/93,
de 24 de Junho – Lei sobre o Ensino Superior – promoveu a ampliação do acesso ao
ensino superior, aumentando a concorrência num mercado até então fechado e carente
de oportunidades. A variedade de instituições, sejam elas Universidades, Escolas
Superiores, Institutos, Academias, sejam Escolas Vocacionais, tornaram o ensino superior
mais acessível em vários sentidos, especialmente no que se refere à variedade de cursos
oferecidos e à localização geográfica.
Em função dessa realidade foi estabelecida a Política Nacional de Educação,
aprovada pela Resolução nº 8/95, de 22 de Agosto que reitera o princípio e os objectivos
do SNE e formula quatro Estratégias ao nível do Ensino Superior com enfoque na
Expansão do Acesso, na melhoria da Qualidade e Relevância, no Financiamento e na
relação entre o Estado e as instituições de ensino superior, em particular as privadas.
No âmbito específico do ensino superior, a Política Nacional da Educação aponta que
deve-se assegurar a formação, a nível mais alto de técnicos e especialistas nos diversos
domínios do conhecimento científico necessários ao desenvolvimento do país,
considerando, por um lado, a necessidade de se procurar atenuar os efeitos
discriminatórios decorrentes de desigualdades económicas e regionais ou de desvantagens
sociais.

3
Guerra civil liderada pelo então Movimento Nacional de Resistência (MNR) e actualmente
Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), maior partido de oposição com assento parlamentar
em Moçambique. A guerra terminou com a assinatura do Acordo Geral da Paz (AGP) entre o governo e a
Renamo, aos 4 de Outubro de 1992, em Roma – Itália.

2
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior em Moçambique é
consagrado pela Lei n.º 27/2009, de 29 de Setembro (em revisão), que estabelece um
modelo de Organização e Gestão das Instituições de Ensino Superior, introduzindo
diversas mudanças relativamente à primeira Lei sobre o Ensino Superior n.º 1/93, de 24
de Junho, clarificando e reforçando a margem de autonomia das instituições.
O presente artigo analisa a experiência da autonomia e gestão institucional da Academia
de Ciências Policiais (ACIPOL), criada à luz do Decreto nº 24/99, de 18 de Maio, como
uma instituição pública de ensino superior, dotada de personalidade jurídica e que goza
de autonomia científico-pedagógica, administrativa e disciplinar. Metodologicamente
trabalhou-se com a pesquisa bibliográfica e documental.

1. Génese e Regulação do Ensino Superior em Moçambique

Com mais de 50 anos de existência formal, o Ensino Superior tem a sua génese em 1962,
a 21 de Agosto, com a abertura dos Estudos Gerais Universitários de Lourenço Marques,
então capital de Moçambique.
A seguir à Independência de Moçambique em 1975 e com a revisão da Constituição em
1990, foi promulgada a primeira Lei sobre o Ensino Superior n.º 1/93, de 24 de Junho,
sob a qual é permitida a criação de instituições de ensino superior privadas e abre-se uma
nova realidade de educação no país. Em resultado da complexidade que se gera na gestão
do Ensino Superior, surge a necessidade de se proceder à alteração da Lei nº 1/ 93 e, em
sua substituição criou-se a Lei nº 5/2003, de 21 de Janeiro, que em matéria de
regulamentação visou, entre outros aspectos, o Controlo da Qualidade.
Em resposta aos constantes desafios pela governabilidade do sector, foi criada a Lei nº
27/ 2009, de 29 de Setembro – Lei do ensino Superior, vigente ainda, porém com
proposta de revisão em curso.
Assim, é de referir que em 40 anos de independência, Moçambique foi capaz de
conceber um conjunto fundamental de instrumentos para a visão e regulamentação do
Ensino Superior e nos últimos 10 anos foram também aprovados e iniciado o processo
da implementação do Sistema Nacional de Avaliação, Acreditação e Garantia de
Qualidade do Ensino Superior, Decreto nº 63/2007, do Regulamento do Quadro
Nacional de Qualificações do Ensino Superior, Decreto nº 30/2010, do Sistema Nacional
de Acumulação e Transferência de Créditos Académicos, Decreto nº 32/2010, o
Regulamento do Conselho Nacional de Ensino Superior, Decreto nº 29/2010, do

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Regulamento de Licenciamento e Funcionamento das Instituições de Ensino Superior,
Decreto nº 48/2010, e o Regulamento de Inspecção às Instituições de Ensino Superior,
Decreto nº 27/2011.
A ilustrar as condições de visão e regulamentação para o desenvolvimento do Ensino
Superior, pode-se constatar que há 40 anos existia apenas uma instituição de ensino
superior (IES), a Universidade Eduardo Mondlane, e actualmente existem 49 IES, das
quais 41 criadas a partir do ano 2000. O quadro 1 ilustra as Instituições de Ensino
Superior, públicas e privadas, criadas em Moçambique até a década 90.

Quadro 1: IES criadas até final da década 90


N/O DESIGNAÇÃO CRIAÇÃO NATUREZA
01 Universidade Eduardo Mondlane (UEM) 1962 Pública
02 Universidade Pedagógica (UP) 1985 Pública
03 Universidade Católica de Moçambique (UCM) 1995 Privada
04 Universidade Politécnica (A POLITÉCNICA) 1995 Privada
Instituto Superior de Ciência e Tecnologia de
05 Moçambique (ISCTEM) 1996 Privada
06 Universidade Mussa Bin-Bique (UMB) 1998 Privada
Instituto Superior de Transportes e Comunicações
07 (ISUTC) 1999 Pública
08 Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) 1999 Pública
Fonte: By admin / On Feb.23.2015 / In / Width

Como se pode constatar no quadro acima, a Academia de Ciências Policiais (ACIPOL),


objecto desta reflexão, foi a quarta instituição pública de ensino superior a ser criada em
Moçambique, a terceira depois da independência nacional e a primeira (até agora a
única) de formação superior em Ciências Policiais.

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2. A Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) no processo da reforma da
Polícia

A Academia de Ciências Polícias é uma instituição pública de Ensino Superior,


vocacionada à formação de oficiais de polícia. No quadro dos seus Estatutos, e relativa
à Polícia, goza de autonomia administrativa, científica e financeira. A direcção da
Academia é realizada pelo Reitor, coadjuvado por um Vice-Reitor, ambos nomeados
pelo Presidente da República.
O processo de nomeação é precedido de proposta elaborada pelo Conselho da
Academia que, num processo de eleição interna, apura e recomenda ao Presidente da
República, ouvido o Ministro do Interior, três individualidades a serem consideradas
para o cargo de Reitor e Vice-Reitor (alínea a do nº1 do artigo 12, Decreto nº 24/99 de
18 de Maio). Portanto, segue-se um processo participativo e orientado por princípios
democráticos para a indicação dos gestores da Academia.
O Conselho da Academia é constituído pelo Reitor, que o preside, pelo Vice-
Reitor, pelos directores da ACIPOL, dois representante do corpo discente, quatro
representantes do corpo discente, um director designado pelo Comando Geral da PRM,
um representante do Ministério do Interior e dois representantes do corpo técnico e
administrativo.
Constitui, ainda, competência do Conselho da Academia, pronunciar-se sobre os
planos de desenvolvimento e dar parecer sobre as questões fundamentais da vida da
ACIPOL.
Na organização do seu funcionamento, a ACIPOL é constituído por órgãos e
estruturas, ou unidades orgânicas, conforme se pode visualizar no quadro 2 que se segue.

Quadro 2: Órgãos e Estruturas da ACIPOL


ÓRGÃOS DA ACIPOL UNIDADES ORGÂNICAS
O Reitor Direcção Pedagógica
O Conselho da Academia Direcção de Investigação e Extensão
O Conselho Científico-Pedagógico Direcção de Logística e Finanças
O Conselho Directivo Direcção de Pessoal

Ao nível do topo existem três órgãos colegiais: o Conselho da Academia, o


Conselho Científico - Pedagógico e o Conselho Directivo.

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Abaixo, na vertical e respondendo directamente ao Reitor, estão os Directores
das quatro áreas funcionais, também designadas unidades orgânicas (Pedagógica,
Investigação e Extensão, Logística e Finanças e Pessoal). Por estatuto, os cargos de
Direcção são ocupados por oficiais superiores da Polícia da República de Moçambique
(PRM), de modo a garantir uma ligação natural com o principal stakeholder (parte
interessada) – a PRM.
À Academia de Ciências Policiais, no quadro das suas atribuições, compete,
dentre outras actividades, organizar e ministrar cursos superiores em ciências policiais;
organizar e ministrar cursos de aperfeiçoamento e estágios para oficiais da Polícia;
realizar e ministrar outros cursos de formação, de aperfeiçoamento e estágios; apoiar
pedagógica e metodologicamente outras instituições de ensino policial moçambicanas;
desenvolver nos formandos a consciência deontológica e o brio profissional; contribuir
permanentemente na introdução de inovações na doutrina, técnica e táctica policiais
(Decreto nº 24/99 de 19 de Maio, art.6). A sua Visão e Missão constam do quadro 3.

Quadro 3: Visão e Missão da ACIPOL


VISÃO MISSÃO

Realizar, de forma integrada, a formação,


instrução paramilitar, investigação científica e
Ser uma instituição moderna, de extensão visando a disseminação do ensino
qualidade reconhecida no país, na
superior de qualidade, o desenvolvimento das
região e no mundo na formação e
ciências policiais e a formação de quadros com
investigação em ciências policiais.
visão técnica, científica e humanística, de forma a
responder às exigências e dinâmica da sociedade
na área de Ordem e Segurança Públicas.

Fonte: Plano Estratégico da ACIPOL, 2007, Volume IV, p.6

No início do seu funcionamento em 1999, a ACIPOL ministrava cursos


superiores em ciências policiais a dois níveis académicos, nomeadamente bacharelato4 e
licenciatura. Mais recentemente, em 2012, introduziu o Mestrado em Ciências Policiais.
Cada curso tem um currículo autónomo embora a estrutura seja similar em termos de
áreas científicas. O curso de licenciatura é destinado a formar oficiais subalternos da

4
O nível acadêmico de Bacharelato foi extinto do sistema de Ensino Superior de Moçambique pela
Lei 27/2009, de 29 de Setembro (Lei de reforma do Ensino Superior).

6
Polícia que, concluindo a formação com êxito, ingressam na escala profissional superior
da Polícia com a patente de sub-inspector da Polícia.
Deste modo, a ACIPOL prossegue, de entre outros, os seguintes objectivos estatutários e
programáticos: Preparar oficiais de Polícia, mediante adequada formação científica,
profissional e deontológica; Formar oficiais de Polícia que possuam a necessária
competência científica e técnica, destinada a satisfazer a qualificação profissional
indispensável à prossecução dos processos policiais basilares (manutenção da ordem e
segurança pública, prevenção e combate à criminalidade. Foi nesse contexto que a
ACIPOL, no âmbito da sua autonomia pedagógica, criou um curso específico para
oficiais da Polícia que desempenham funções de comando, direcção e chefia sem
formação académica adequada.

3. Cursos Executivos: o foco na Missão e no capital humano da PRM

A partir do ano académico de 2002/03, introduziu-se o nível de bacharelato em


ciências policiais de três anos de duração, tendo-se, desde essa altura, iniciado a
perspectivar o desenho e introdução de cursos à Distância de formação em ciências
policiais que viriam a ser introduzidos em 2005, destinados, numa primeira fase e de
forma exclusiva, aos oficiais da Polícia que desenvolviam funções de comando, direcção e
chefia a diferentes níveis funcionais da PRM – como principal grupo-alvo.
De facto, analisando a situação dos membros da Polícia em geral, e de muitos
oficiais da corporação na altura em exercício de funções de comando, direcção e chefia
nas diferentes áreas onde a Polícia cumpre as suas obrigações, concluiu-se que, por
razões históricas e outras decorrentes da natureza profissional, muitos deles não tiveram
oportunidade de se beneficiar de uma formação académica adequada às exigências da
função que exerciam, pese embora a vasta experiência profissional que acumularam ao
longo do tempo de serviço prestado ao Estado e à sociedade. O gráfico 1 ilustra o nível
de escolaridade dos membros da PRM em 2005.

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Gráfico 1: ilustra os níveis de escolaridade dos efectivos policiais em 2005

Nível de Escolaridade
Superior Médio Básico Elementar

Elementar 29,20%

Básico 44,10%

Médio 19,80%

Superior 6,90%

Fonte: DPF/CGPRM/07
Fonte: Direcção de Pessoal e Fformação do Comando Geral da PRM, 2007- (adaptado)

Estrategicamente decidiu-se que para esse grupo de oficiais: Devia ser desenhado um
curso específico designado por Curso Executivo, que permitisse a obtenção do grau de
bacharel em ciências policiais, tendo como base a sistematização e actualização das
experiências profissionais acumuladas;
O curso devia ser modular com carácter de terminalidade, para permitir que os
conhecimentos de cada módulo fossem imediatamente aplicados na prática profissional;
O curso devia ser oferecido em regime misto - uma percentagem mínima de tempo
lectivo presencial e a maior percentagem do fundo de tempo à distância - para permitir
que os participantes não se ausentassem por longos períodos dos seus postos de trabalho.
Esta visão estratégica não só do Comando Geral da Polícia da República de
Moçambique, mas principalmente da Academia de Ciências Policiais como instrumento
de trabalho do Comando da PRM na qualificação técnico-profissional e científica dos
recursos humanos ao nível superior, mostra claramente o mérito desta instituição no
assumir da responsabilidade sobre os fins (políticos e técnicos) da sua criação, enfocando-
se na missão fundamental: Não só formar novos efectivos, mas também (re) qualificar e
actualizar os efectivos já existentes, quer para melhorar a qualidade dos serviços da PRM
em geral, quer para reduzir o impacto do (provável) conflito entre a antiga5 e a nova

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Consideramos, de forma livre, “antiga geração” de oficiais da Polícia àqueles que dirigem a PRM a
diferentes níveis funcionais desde a Independência Nacional (geralmente sem formação académica de
nível superior) até ao início da formação superior de oficiais da PRM.

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geração de oficiais da Polícia, propiciando um diálogo profícuo nessa inter-relação
profissional.

3.1.O Impacto do Curso Executivo

Em primeiro lugar, o impacto imediato dos Cursos Executivos foi a elevação do


nível académico e técnico-profissional de oficiais da Polícia que exercem cargos de
comando, direcção e chefia nos diferentes níveis de hierarquia da Polícia, em especial os
níveis central e provincial. Por exemplo, o nível de escolaridade na base: Unidades e
Subunidades (Província, distrito e esquadra, incluindo os chefes das operações dos
mesmos níveis- DOSP) em 2007 era conforme o quadro 4.

Quadro 4: Nível de escolaridade na base, em percentagens (%), até 2007.


Função Superior Médio Básico Elementar Total
Comandante Provincial 0.7% 1.9% 00 00 2.7%
DOSP Provincial 00 1.7% 0.7% 0.2% 2.7%
Cdte Dist/Esquadras 1.9% 11.1% 26.2% 10.6% 50%
Chefe das Operações 4.2% 4.9% 17.1% 18.3% 44.5%
Total 6.9% 19.8% 44.1% 29.2% 100%
Fonte: Direcção de Pessoal e Formação do Comando Geral da PRM, 2007- (adaptado)

Em segundo lugar, a percepção de que a Academia de Ciências Policiais é uma


instituição pública, aberta para todo o sistema de Segurança Pública, mas ao mesmo
tempo, está ao serviço direccionado dos membros da PRM em exercício;
Em terceiro, a oportunidade de frequentar um curso superior sem os habituais
constrangimentos e receios de perder o posto ou cargo que ocupa;
Em quarto, a aplicação prática dos conhecimentos teórico-práticos do curso,
enquanto estudante, no seu ambiente quotidiano de trabalho;
Finalmente, a grande aderência dos oficiais da Polícia ao Curso Executivo, que
pode ser interpretada como demonstração de que os mesmos têm consciência da
necessidade de aumentar o seu nível académico, para responder de forma adequada às
exigências cada vez mais crescentes e complexas da sua função, por um lado e, por outro,
para garantir a progressão na carreira ou, no mínimo, a sua manutenção nos cargos que
ocupam.

4. Sobre a Autonomia

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O conceito de autonomia no ensino superior possui uma visão externa e uma interna. A
visão externa corresponde à autonomia “atribuída” pelo Estado às instituições de ensino
superior como uma componente das políticas educacionais e de gestão, ao passo que a
visão interna se caracteriza pelo desafio que as instituições enfrentam para desenvolverem
as suas actividades em interacção com a comunidade, mas de uma forma autónoma e
sem uma participação forte do Estado. Portanto, de um lado temos uma abordagem
externa, vinculada à regulação, e que se desenvolve com base no gerencialismo; do outro
lado, uma abordagem interna, ligada à emancipação, e direccionada para uma reflexão
interna da instituição como parte de um processo dinâmico de desenvolvimento
institucional (POLIDORI, 2011).
As quatro dimensões6 normalmente utilizadas para analisar o grau de autonomia das
instituições - autonomia organizacional, autonomia financeira, autonomia académica e
autonomia de gestão de recursos humanos – são materializadas por referência a
enquadramentos e práticas como: leis e regulamentações existentes; modo de
financiamento do ensino e investigação; definição dos programas de estudo, de cursos e
atribuição de graus; contratação de pessoal docente e não docente; prestação de contas; e
relacionamento administrativo e político com o poder executivo.
Analisando a legislação que regula o ensino superior em Moçambique, as
reformas realizadas no enquadramento jurídico das Instituições de Ensino Superior
conferiu-lhes maior capacidade de auto governo e liberdade de acção, normalmente
regulados por instrumentos de acompanhamento que relacionam o desempenho das
instituições com o financiamento que lhes é atribuído.
O Decreto nº 24/99 de 18 de Maio (Cria e estabelece os Estatutos da ACIPOL), que
entrou em vigor em 1999, atribuiu à ACIPOL o estatuto jurídico de pessoa colectiva de
direito público, gozando de plena autonomia e possibilidade de acesso a diferentes fontes
de financiamento e dispor do seu próprio património, observada a legislação aplicável. A
autonomia de que a ACIPOL goza destina-se, também, a oferecer formação para
profissões específicas na área da ordem e segurança pública e os programas que ministra
são previamente acreditados pelo Conselho que centraliza a avaliação e acreditação de
toda a formação que as instituições de ensino superior podem oferecer.

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EUA’s Lisbon Declaration, 2007

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É nesse contexto que a ACIPOL tem vindo a desenhar e oferecer cursos específicos a
outros organismos que actuam no âmbito do sistema de segurança pública moçambicano,
tais como:
 SENAMI: Serviço Nacional de Migração – nível de pós-graduação;
 SERNAP: Serviço Nacional Penitenciário – níveis de aperfeiçoamento,
graduação e pós-graduação;
 Polícia Municipal – nível de aperfeiçoamento.
A questão da autonomia encontra-se estreitamente ligada à pesquisa e à extensão,
que não cabe aqui detalhar por não ser objecto desta reflexão, em que há a assinalar a
participação dos docentes e investigadores da ACIPOL em projectos de pesquisa,
algumas das quais já publicadas.
Contudo, sendo uma instituição que actua especificamente na área da ordem e segurança
pública, financiada fundamentalmente pelo Estado, a sua autonomia não tem a suficiente
lateralidade.

5. Sobre a Gestão

Uma das componentes essenciais do funcionamento e credibilidade das IES prende-se


com a sua qualidade de gestão. Isto é, a forma como são planificadas, organizadas,
dirigidas e monitoradas as actividades e os processos na instituição, tendo em atenção a
sua eficiência e a eficácia.
Pela sua natureza, pública ou privada, as IES apresentam perfis e dinâmicas de gestão
diferenciadas. A ACIPOL, como Instituição de Ensino Superior Pública, depende
essencialmente dos financiamentos providenciados pelo Estado, o que (teoricamente)
permite maior disponibilidade de recursos humanos, financeiros, materiais e infra-
estruturas e, consequentemente, maior estabilidade e segurança. Não se socorre de
propinas pagas pelos estudantes ou de empréstimos bancários aliás, todos os estudantes
da ACIPOL têm direito à bolsa de estudo, que se materializa através da garantia de
alojamento, alimentação e um subsídio mensal para cobrir as despesas do material
didáctico durante todo o curso. O que tem desafiado este projecto é a redução cada vez
mais acentuada dos valores de financiamento aprovados pelo governo, facto que obriga a
instituição a ter uma gestão mais auto fiscalizada, sob risco de inviabilização do seu
próprio projecto.

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Outro grande desafio que se coloca à ACIPOL, em termos de gestão global da
instituição, é o de conseguir uma maior articulação e equilíbrio entre a componente
pedagógico-científica e a componente técnico-administrativo. São recorrentes as situações
em que o desfasamento entre estas duas componentes é acentuado, facto que não só
afecta seriamente o ambiente interno como também pode pôr em causa os objectivos e a
credibilidade institucionais. Uma planificação e uma organização conjuntas são sempre
um bom ponto de partida para uma gestão bem-sucedida.
No entanto, devido às contínuas transformações, dentro e fora do país, em particular, à
conjuntura internacional do ponto de vista socioeconómico, todas as IES, seja elas
públicas ou privadas, são colocadas perante a necessidade de adoptar princípios e
métodos para uma gestão mais rigorosa, descentralizada, criteriosa, participada,
inovadora, eficiente e eficaz e, sobretudo, mais consentânea com a vocação e os
objectivos do ensino superior, sempre em prol do alargamento e aprofundamento do
conhecimento, do desenvolvimento e do bem-estar da humanidade (PEES, 2012, pp.41-
42) .
Um dos mecanismos cruciais para a ACIPOL cumprir com a missão por ela definida,
bem como o de assegurar a elevação e a credibilização dos níveis de gestão interna tem a
ver com a realização periódica de auto-avaliação e de se submeter regularmente à
avaliação externa. Para esse fim, foi criada uma comissão interna de avaliação de
qualidade, que funciona de forma autónoma e tem ligação directa com o Sistema
Nacional de Avaliação, Acreditação e Garantia de Qualidade do Ensino Superior.
Adicionalmente, os órgãos de gestão institucional procuram funcionar autonomamente
entre si.
Por último, o grande desafio que ainda se coloca à Gestão da ACIPOL é a consolidação
da transparência de processos, a garantia da independência intelectual, da liberdade
académica, da criatividade científica e da qualidade e variedade da oferta, princípios e
práticas efectivas, sistemáticas e consequentes.
Portanto, a prioridade deve recair ainda sobre o Reconhecimento da autonomia e
da descentralização institucional como um princípio fundamental no âmbito da
governação do Ensino Superior.

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6. Sobre o Acesso

De acordo com os dados do Plano Estratégico do Ensino Superior de Moçambique


2010-2020, uma das constatações mais recorrentes sempre que se analisa a educação, em
geral, e a situação do ensino superior, em Moçambique, tem a ver com os assinaláveis
desequilíbrios internos no que se refere ao número de estudantes que ingressam nas
instituições de ensino superior, à distribuição regional destas mesmas instituições e à
representação do género.
Na lógica do acesso, um dos grandes desafios que se tem colocado à corporação policial
moçambicana, em geral, é o do desnível no que toca ao género, nas mais variadas áreas
de funções policiais, com especial destaque, nos que exigem formação superior. Pelas
mais variadas razões, sejam elas históricas, culturais e socioeconómicas, apesar de tender
a reduzir-se e, em alguns casos, a apresentar resultados bastante animadores, este é um
desequilíbrio que continua muito vincado e de forma transversal, na Polícia da República
de Moçambique, reflectindo-se, consequentemente, no desnível numérico entre homens
e mulheres que desempenham cargos de comando, direcção e chefia. De acordo com
dados de ingresso à Academia nos últimos cinco anos, é possível perceber o crescimento
da presença feminina proveniente quer da própria corporação, quer directamente da
sociedade civil, onde a percentagem dos candidatos do sexo feminino, tem sido de 30%
sobre o númerusclausus dos ingressos anuais.
Relativamente aos critérios de ingresso, na ACIPOL observa-se o estsbelecido no artigo 4
da Lei nº 27/97, de 29 de Setembro, Lei do Ensino Superior, conjugado com o artigo 1
do Diploma Ministerial nº 86/90, de 26 de Setembro, que institui os exames de admissão
às Instituições de Ensino Superior. Adicionalmente, são estabelecidos critérios
específicos tais como a nacionalidade moçambicana originária em conformidade com os
artigos 23 a 25 da Constituição da República; o limite de idade; a altura mínima para
candidatos do sexo masculino e do sexo feminino; a sanidade mental e aptidão física,
dentre outros requisitos.

7. Considerações finais

Academia de Ciências Policiais (ACIPOL), criada à luz do Decreto nº 24/99, de


18 de Maio, como uma instituição pública de ensino superior, dotada de personalidade
jurídica e goza de autonomia científico-pedagógica, administrativa e disciplinar. Foi a

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quarta instituição pública de ensino superior a ser criada em Moçambique, a terceira
depois da independência nacional e a primeira (até agora a única) de formação superior
em Ciências Policiais.
A autonomia não é de facto um conceito puro, algo que exista e aceite por todos de
forma pacífica. É uma construção histórica que está sujeita a tensões complexas e, como
tal, é importante que seja sujeita a reflexões e debates constantes e permanentes. A noção
e dimensões da autonomia na ACIPOL passa, efectivamente, pela forma como a
instituição a considera – a representação que têm da autonomia, a forma como a usa,
como a gere e como se organiza.
No regime jurídico moçambicano, a autonomia das Instituições do ensino superior é
definida como sendo a capacidade para exercer os poderes e faculdades que lhes assiste
na prossecução das suas respectivas missões, bem como observar os deveres necessários a
nível administrativo, financeiro, patrimonial e científico-pedagógico para que se alcance a
liberdade académica e intelectual, em conformidade com as políticas e planos nacionais
relevantes.
A confiança no Ensino Superior pressupõe a responsabilização e autonomia das
instituições. Sem este posicionamento não há iniciativa, eficiência, capacidade de resposta
e mudança. Porém, a lógica que tem vigorado é mais a do controlo regulamentador do
que a da accountability, numa desejável e exigente cultura de prestação de contas ao
governo e à sociedade. O peso dos papéis, a atrofia imposta pela regulamentação
burocrática em todos os sectores da vida das instituições cresce, limitando o tempo para
pensar, planear e transformar (Conselho Nacional de Educação, 2012, pp.191).
A ACIPOL, como Instituição de Ensino Superior Pública, depende essencialmente dos
financiamentos providenciados pelo Estado, o que (teoricamente) permite maior
disponibilidade de recursos humanos, financeiros, materiais e infraestruturais e,
consequentemente, maior estabilidade e segurança. Não se socorre de propinas pagas
pelos estudantes ou de empréstimos bancários aliás, todos os estudantes da ACIPOL têm
direito à bolsa de estudo. O grande desafio que se coloca à ACIPOL, em termos de
gestão global da instituição, é o de conseguir uma maior articulação e equilíbrio entre a
componente pedagógico-científica e a componente técnico-administrativo. Este facto não
só afecta seriamente o ambiente interno como também pode pôr em causa os objectivos
e a credibilidade institucionais. Em termos de perspectivas, a prioridade deve recair ainda
sobre o Reconhecimento da autonomia e da descentralização institucional como um
princípio fundamental no âmbito da governação do Ensino Superior.

14
Referências
Conselho Nacional de Educação. Autonomia e Governança das Instituições Públicas de
Ensino Superior [Auditório do Conselho Nacional de Educação, 28 de Setembro de
2012], Lisboa. Disponível em Sítio: www.cnedu.pt

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(ACIPOL)

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