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Copyright © 2020 Feh Bellyne

Todos os direitos reservados


1.ª edição – 2020

Capa: Ellen Scorfield


Revisão: Bah Pinheiro
Imagens: Shutterstock
Diagramação: Isabela Gonçalves Designer Editorial

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — Tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98
e punido pelo artigo 184 do código penal.
Ela Me Faz
Prefácio
Prólogo
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Epílogo
Ele Me Tem
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Epílogo
Biografia
Olá, para quem não conhece minha escrita, é um prazer tê-los por aqui.
Esta duologia vai lhe proporcionar muitas emoções, um romance
inesquecível, embalado a uma trama instigante e turbulenta.
Quero ressaltar, que são livros mais diretos. Portanto, proporciona uma
leitura rápida e fluida. A duologia, tem uma pegada erótica, então estejam
prontos para cenas quentes.
Acho que é isso, desde já quero agradecer a oportunidade de apreciarem
a história da Júlia e Ricky.
Sejam bem-vindos!
Impossível falar sobre Ricky e Júlia sem sorrir, com a lembrança
daquele primeiro encontro...
Incrível como o que seria uma simples troca de olhar, teve o poder de
virar de pernas para o ar as vidas da jovem e esforçada universitária, que não
queria amar novamente; e do executivo de sucesso, e sedutor de carteirinha,
que sequer imaginava se apaixonar algum dia.
Enquanto testemunhava as artimanhas do destino para unir esses polos
opostos e perfeitos. E via a química explosiva entre o casal, que rendeu cenas
para lá de calientes, se transformar em amor. Fui me encantando pelan
mulher decidida por trás da estudante aplicada. E me apaixonei pelo homem
que, mesmo vivendo um sentimento inédito, não se acovardou. Ao invés
disso, seguiu o coração e ganhou a garota.
Mas, também senti a adrenalina correr por minhas veias. Em seu
viciante e belamente escrito romance de estreia, narrado em primeira pessoa,
a autora não mesclou apenas romance e erotismo na dose certa. Drama,
suspense e ação me esperavam, quando o passado voltou para assombrar um
dos protagonistas. Passado este que talvez conseguisse o impensável, o
inimaginável: separar dois corações que nasceram para baterem juntos.
Somente um amor muito forte e persistente poderia vencer tantos
contratempos.
Te convido a ler ELA ME FAZ e descobrir se o amor de Ricky e Júlia é
esse tipo de amor.
RICKY FECHA A MINHA PORTA, minhas mãos cobrem meu rosto
e eu não posso conter as lágrimas. Meu corpo começa a tremer
descontroladamente, não consigo mais respirar, meu coração acelera como se
fosse saltar pela boca, e por mais que possa ouvir a voz do Ricky, não
consigo controlar meu corpo, e o ar some... e some, e isso me apavora,
porque me sinto sufocada.
— Júlia, respira, por favor... respira... vou te levar ao médico.
A única coisa que vem à minha mente é o rosto daquele maldito, e um
grito preso na minha garganta estronda dentro de mim, saindo como uma
cólera, começo a bater incessantemente no porta-luvas do carro,
descarregando um pouco do meu desespero, sinto os braços desesperados de
Ricky ao meu redor, cobrindo-me, protegendo-me, e o meu corpo desvairado
acalma-se por um instante, o meu pulmão cansado, esforça-se a receber um
curto fio de ar, fecho os olhos, tentando recuperar a sanidade, tentando
recuperar o fôlego, sinto-me como se eu estivesse sendo pressionada com
força para dentro de uma caixa e eu quero me libertar desesperadamente.
Ricky me encara, segurando o meu rosto com as palmas das mãos.
— Júlia, fala comigo, pelo amor de Deus.
Meus olhos o encaram, mas não consigo falar, somente as lágrimas
desesperadas escorrem dos meus olhos como um dilúvio, e o meu corpo
desmorona em seus braços, ele me segura como uma criança desprotegida e
assustada.
— Calma, estou com você...
Ele me aninha em seus braços, e o calor do corpo de Ricky aquece o
meu, que está gelado, minha mente está confusa, estou dolorida, e o meu
coração, uma dor inexplicável... na verdade, há uma explicação, dói muito
sentir ódio, dói... dói... e esta é a dor que sinto.
A primeira coisa que faço, quando entro no carro da minha
mãe, é ligar o som, o ritmo dançante de Love On Top[1] da Beyoncé, invade
todo ambiente e, assim, nos dirigimos para a W.E Universities, aumento o
volume, liberamos nossas vozes e cantamos, enlouquecidas.
Honey, honey
I can see the stars all the way from here
Can't you see the glow on the window pane?
I can feel the sun whenever you're near
Everytime you touch me I just melt away...

Seu carro percorre as ruas de São Paulo, como se desfilasse com trilha
sonora. Fecho a minha mão, simulando um microfone, e balanço meus
cabelos longos, com o vento veloz que vem de fora, o dia está lindo, um sol
iluminado presenteia o universo, o sorriso da minha mãe, ao me ver feliz, me
entusiasma ainda mais. Apontamos uma para a outra conforme o avanço da
música. E nos divertimos muito, eu preciso relaxar, hoje começo uma vida
nova, ao som de Beyoncé.

... Baby it's you, you're the one I love


You're the one I need
You're the only one I see
Baby baby baby it's you
You're the one that gives your all.
Quando a música termina, jogamos as nossas cabeças para trás e rimos
muito. Hoje inicia-se um novo ciclo para mim, inexplicável esta sensação de
começo me fascina. Mas ao mesmo tempo estou apreensiva e nervosa, o
processo para entrar foi longo.
— Chegamos! — diz, minha mãe com empolgação.
Arregalo os olhos, medindo através da janela do carro o prédio todo
espelhado de azul, do lado de fora, sinto um frio na barriga que se mistura
com uma desconfortável dor de barriga. Esfrego as minhas mãos na calça
jeans, como uma maneira de liberar o meu nervoso.
— Calma, bebê da mamãe... Vai dar tudo certo. — Ela pisca e me puxa
para um abraço encorajador, o calor do corpo da minha mãe me acalma, por
ora.
— Sim, vai...
— Agora, arrume esse cabelo esvoaçante, desça... E arrase...
Volto o meu olhar para o prédio e observo as pessoas entrarem e saírem,
realmente há um grande fluxo. Respiro fundo, muito fundo, tentando aspirar
todo o ar do universo, passo as mãos nos cabelos, olhando no retrovisor
interno. Pego dentro da minha bolsa o meu batom vermelho e retoco, fazendo
um biquinho e finalizando-o com uma piscadinha. Minha mãe sorri e balança
a cabeça, se divertindo.
— Ok, vamos lá. Deseje-me sorte.
— Boa sorte, Júlia. — Ela pisca e sela a minha saída do carro com um
largo sorriso.
Fico um tempo parada na entrada, tentando encaixar na minha cabeça
que aqui será o meu passaporte para uma carreira de sucesso. Eu sei que estão
se perguntando o que estas duas siglas significam: W.E... Para entenderem,
vou explicar de uma maneira didática.
W.E Universities[2] é uma universidade privada, de origem americana.
Fundada em 1999, pelo americano Robert McGuire. Ele casou-se com uma
brasileira, Sara Oliveira, e tiveram dois filhos, Richard e Nicholas McGuire.
Robert tem um lema, ele acredita que a educação pode modificar o mundo.
Com isso, construiu dezoito universidades nos cinco continentes. Aqui no
Brasil temos dois campi em São Paulo, um campus no Rio de Janeiro e no
Rio Grande do Sul.
Digamos que é a melhor universidade na área da comunicação,
ganhadora dos mais importantes prêmios, sendo a número um em
desenvolvimento de profissionais. A cada dois anos abrem vagas para 25
bolsistas, que além de terem uma bolsa de 100% no seu curso de graduação,
também garantem uma vaga de emprego na área escolhida com
oportunidades internacionais e de crescimento profissional. Eu ainda não
acredito que passei em todo esse processo de três meses. Muitas noites em
claro estudando, mas valeu a pena, estou aqui.
Na recepção, recebo orientações e um crachá temporário. No sexto
andar, terei um treinamento de 25 dias.
Quando eu entro na sala de treinamento, há um grande falatório, meus
olhos percorrem o cômodo, como se quisessem colher o máximo de
informações possíveis. Todos estão distraídos em suas conversas. A sala é
ampla, como um auditório.
Foco meu olhar nos grupos, o mais à frente tem três pessoas: um homem
e duas mulheres. Estão bem vestidos, será que são eles que darão o
treinamento?
Outro grupo que me chama atenção, são três pessoas, um rapaz e duas
mulheres, uma negra com um cabelo Black Power estiloso e uma lourinha
com cara de nojo.
— Júlia!
Olho para trás, um rapaz vem na minha direção.
— Oi... — respondo e, com um olhar confuso, tento reconhecê-lo.
Quem é? Pergunto para mim mesma.
— Você não se lembra de mim? Sou eu, Rafael! — Seus olhos verdes
brilhantes me encaram, devo ser muito distraída mesmo, ele parece conhecer-
me com uma certeza, será que apaguei alguma parte da minha vida? — No
dia da entrevista, nos falamos na sala de espera — ele completa, e
atentamente aguarda a minha resposta.
— Claro! — Enquanto tento disfarçar a confusão, me pergunto: quem é
este garoto, afinal? — Como vai?
— Ansioso! Você não? — Posso sentir o calor da sua empolgação. Ele
cola as palmas das mãos e as esfrega, eu estou nervosa, mas esse cara está
uma pilha de nervos.
— Sim, estou muito ansiosa. — Passo as mãos suadas na calça jeans.
Ele me olha. E abre um sorriso largo.
— Senta-se comigo?
— Claro.
Conduz-me até as cadeiras e sentamos. Rafael parece ser gente boa,
educado, simpático, estou mais confortável no ambiente com sua presença.
Discretamente, ele aponta para o trio bem vestido à frente.
— São eles que darão o treinamento para a gente — afirma a minha
desconfiança.
Fico admirando o trio, pessoas importantes, postura excelente, devem
ser gerentes, as mulheres estão absurdamente elegantes. O homem entre elas
dá um passo à frente.
— Sentem-se, por favor — diz ele, colocando ambas mãos em seus
bolsos.
As pessoas acomodam-se, um silêncio invade o local. E um frio na
minha barriga, me desperta para a realidade atual. Júlia, você realizou o seu
sonho.
— Olá, meu nome é Maicon Pontes, vou ser o supervisor de vocês.
Estão ansiosos?
Em um grande coro respondemos: SIM.
— Excelente! Também estamos ansiosos para conhecê-los. Agora,
quero que conheçam a responsável pelo treinamento de vocês nestes 25 dias,
ela está gravidinha... Susan Oliveira.
Destaca-se uma das mulheres do trio, olhando melhor percebo sua
pequena barriga redonda, seu vestido está tão bem acabado em seu corpo, que
não notei.
— Bom dia, sei que estão ansiosos para fazerem parte da Fábrica da
educação mundial W.E Universities. — Todos aplaudem. — Sei que fazer
parte desta empresa é o sonho de vocês, sei também que lutaram muito para
chegarem aqui, então acima de tudo, parabéns a todos.
Neste momento as palavras de Susan umedecem meus olhos. Deus sabe
o quanto lutei para estar entre estes 25, um ano e meio me preparando para
este momento.
— Estar aqui hoje — ela coloca uma das mãos no pé da barriga, suspira
e continua —, garante a vocês o passaporte para a Universidade. Estudar e
trabalhar na área que vocês escolheram. Desejo boa sorte a todos. — Após
mais aplausos, ela continua falando sobre a empresa.
Fico extasiada de estar aqui. Aproveito que todos estão prestando
atenção nela para observar a sala e meus amigos de trabalho. São pessoas
interessantes. Volto meu olhar para frente, Susan continua falando sobre a
empresa.
Sinto um cutucão... É do Rafael.
— Júlia, vai ser incrível, não acha?
— Sim! — sussurro.
— Agora, quero que conheçam Ellen Castiel! — continua Susan, e
estende o braço direito para receber Ellen ao seu lado.
Ellen Castiel é um espetáculo de mulher, meus olhos percorrem seu
corpo, a avaliando com precisão, ela é alta, corpo escultural, seus cabelos
pretos cobrem seus ombros, desenhando seu rosto fino e sexy. Ela desfila até
o meio da sala, porém, à frente, com algumas folhas nas mãos, seus olhos
azuis precisamente delineados nos encaram. Todos os homens da sala ficam
hipnotizados por ela, até os que são gays, pois querem ser ela e os heteros,
porque a desejam.
Acho que até as mulheres estão atraídas por ela.
— Olá, como vocês estão? — Sua voz, com um tom imponente, ressoa
na sala.
As pessoas respondem, aleatórias, que estão bem, porém, um rapaz se
destaca ao responder em voz alta:
— Melhor agora.
O quê?
Ellen franze a testa.
— Ótimo, qual o seu nome?
— Patrick Rios. — Ele fixa os olhos nela.
Ela fica sem jeito. Até eu ficaria, ele foi um pouco abusado. Todos
olham para ele, com curiosidade.
Ellen não perde a pose e continua:
— Seja bem-vindo, Patrick Rios!
— Obrigado, Ellen — com muita segurança, ele responde.
Ela desvia o olhar e se dirige para a sala.
Patrick é um cara atraente, sua camisa branca está bem justa em seu
tórax, exibindo sua musculatura.
Ele é gostosinho.
Ellen prossegue falando as regras da empresa e finaliza, nos dando uma
pausa para um café.
Rafael levanta rapidamente e vai até a mesa do café. Eu permaneço
sentada, só observado, ele volta com dois cafés na mão.
Muito gentil este garoto.
— Toma café? Trouxe para você. — Entrega-me uma xícara.
Pego-a de suas mãos e agradeço.
— Rafael, a Ellen é...?
— Linda! — completa ele.
— Também — sorrio —, mas ela é o quê? Qual o cargo dela? —
pergunto, curiosa. Fiquei tão focada em observá-la, que perdi o início da sua
apresentação.
— Ah? Júlia, você estava com a cabeça onde? — Ele franze a testa.
— Desculpe, perdi essa parte. — Sorrio, um pouco sem graça com a
minha distração.
— Ela também é gerente, porém, da área de Marketing.
— Ah, sim... — Então eu vou trabalhar com ela, será minha chefe
direta.
— Estou muito entusiasmado para começar.
— Você vai cursar o quê? — Dou um gole no meu café.
— Gestão financeira.
— Gostei. Gosta de números, então?
— Apaixonado. E você?
— Publicidade e Marketing.
— Publicitária? Muito bom, comunicação é o carro chefe da W.E. Se
precisar de algo, pode contar comigo.
Ele realmente é gente boa.
— Obrigada pela gentileza.
— Disponha, garota.
Aos poucos, todos vão retornando aos seus lugares e o supervisor
Maicon retoma os ritos do treinamento, passando todas as informações
necessárias para quando estivermos em nossos setores. Ele aparenta ser bem
rígido na maneira que se porta, olhar centrado e superior.
Termina a primeira parte do treinamento, e somos dispensados para o
almoço.
— Júlia, você vai almoçar onde?
— Vou comer um lanche.
— Lanche? Topo. Conheço um lugar ótimo, vamos?
— Beleza.
Saímos da sala, no hall do elevador encontramos o grupo dos estilosos,
estão conversando entre si. Eles nos observam, mas não falam nada. Fico sem
saber se me apresento ou não. Na realidade, preciso de amigos, minhas
amigas se resumem à minha prima Melissa, e como ela me traiu, não somos
mais tão próximas.
Então, resolvo falar:
— Oi, sou a Júlia.
Eles me olham.
— E aí, tudo bem? Sou Guta. — A negra de cabelo Black vem e beija-
me no rosto.
Gostei dela.
— Vocês vão almoçar? — pergunto, demostrando simpatia.
— Vamos comer um lanche...
— No Retrô-Chill, vocês conhecem? — interrompe Rafael.
— Estamos indo para lá, querem vir conosco? — ela sugere, com muita
simpatia.
— Sim, claro. Tudo bem, Rafael? — Preciso fazer amizades e acho este
grupo minha cara.
— Claro! Aliás, prazer, meu nome é Rafael. Mas podem me chamar de
Rael — apresenta-se, estendendo sua mão para cumprimentá-la.
— Prazer! Então, vou apresentar a galera para vocês — adiciona Guta.
— Este aqui é o Johny — diz, com o polegar apontado para ele.
— Oi, gente. — Johny, abre um sorriso enorme. E nos beija no rosto.
— Esta é Dayana — ela apresenta a loirinha com cara de nojo. Que faz
um aceno com as mãos, sem dizer nada. Mas percebo que ela me olha de
cima a baixo. Sinto-me desconfortável com essa garota.
— Então, vamos, o Chill é sempre lotado — fala Guta, e o elevador
chega ao nosso andar.
Saímos na calçada do prédio e começamos a caminhar pelo centro de
São Paulo.
É magnífico, prédios modernos e antigos compõem a paisagem de uma
grande metrópole. Observo como as pessoas correm, tem todo o tipo de
gente, os bem elegantes com suas pastas e ternos, as pessoas normais, os
estudantes... Um misto de pessoas na agitação de São Paulo.
— Júlia! — grita Guta.
— Hein?
— É logo ali, o Retrô-Chill. — Ela aponta para um bar que fica no
centro de uma praça. A praça tem alguns monumentos que contam a história
de São Paulo, com entrada para o metrô.
Chegamos ao bar, SENSACIONAL, um lugar retrô, com bancos
coloridos, mesas de madeira em tom antigo, há discos e fotos nas paredes, de
pessoas abraçadas com um chinês. A decoração é composta com objetos dos
anos 80 e 90.
— Nossa, que bar legal! — falo, admirando o lugar, enquanto nos
acomodamos em uma mesa.
— Vocês já são muito bem-vindos! — fala um baixinho com os olhos
puxados. Ele equilibra uma bandeja redonda em uma das mãos.
— Chill, Chill, vai rolar aquela porção de fritas grátis? — Guta pede,
colocando os braços nos ombros do chinês.
— Já querem falir o Chill aqui, é? — Faz careta. E coloca a bandeja em
cima da nossa mesa, como sinal de protesto.
— Ô chinês miserável! — resmunga Dayana.
— Duda, atende a turminha extorquista aqui — murmura Chill, em um
tom de piada, pegando a sua bandeja, e girando-a em um dedo.
Vem em nossa direção uma moça, alta, loura e muito bonita.
— Olá, Duda! — diz Guta.
Duda cumprimenta a todos com um sorriso largo.
— Pode ir, Chill, eu cuido deles.
Chill sai, girando a bandeja em um dedo.
O chinês é craque nisso.
— Essa mulher é gostosa demais, gente. Se eu gostasse da coisa, te
comeria certamente — insinua Johny, percorrendo-a com os olhos.
Caramba.
Duda faz um olhar sexy.
— Você não ia aguentar. — E se inclina na mesa.
Uau.
Johny bate palmas, rindo com suas palavras.
— Façam os seus pedidos. — Ela sorri.
— Eu... eu quero o combo número quatro, com uma Coca-Cola — Rael
diz, gaguejando um pouco de início, aparentemente nervoso. Duda fica
impressionada com a sua reação, mas demonstra não se importar, anotando
todos os pedidos, e saindo em seguida.
Não entendi por que Rael ficou tão nervoso, será que ele tem alguma
atração pela Duda? A moça é muito atraente, e ele ficou extremante nervoso
com a presença dela.
— Day, coloca uma música. — Guta dá uma piscadela para a Dayana.
— Agora! — Ela vai até o aparelho de som que está no fundo do bar.
É um Jukebox, que incrível! Em poucos segundos, ele nos presenteia
com uma música dançante.
— Isso, garota, música latina — diz Guta, já mexendo os ombros.
— Não basta ouvir, temos que sentir. — Johny levanta-se e começa a
dançar. — Vem, preta! — chama a Guta.
Ela levanta-se em um salto. Day se junta a eles e os três dançam,
mexendo os ombros e as pernas. Olho ao redor, e ninguém está achando
estranho, então, acredito que é normal dançar na hora do almoço no bar do
Chill.
Rael e eu ficamos na mesa, batemos palmas e nos divertimos com a
situação agradável, contudo, estranha para mim, mas normal para eles.
Duda retorna com os nossos lanches e vai colocando na mesa os pedidos
de cada um. Quando ela passa por Johny, ele a pega pelos braços, a gira e
dança com ela sensualmente. Os quatro estão bem entrosados e felizes. Está
na cara que todos já são amigos e frequentam o bar há um tempo.
A música acaba, todos aplaudem.
— Vamos comer, senão vamos chegar atrasados. — Guta joga-se na
cadeira, abanando o seu rosto com as mãos.
— Que lanche maravilhoso! — falo, saboreando o meu hambúrguer.
— O lanche daqui é maravilhoso! — confirma Johny, abocanhando o
seu hambúrguer.
— Mudando de assunto — diz Rael, curioso —, vocês estão ansiosos
para começar?
— Claro, na verdade, estou nervosa — ressalta Day. — Vão cursar o
quê?
— Publicidade e Marketing — respondo, com os olhos por cima do meu
hambúrguer gigante.
— Gestão Financeira, e vocês? — pergunta Rael.
— Jornalismo — responde Day.
— Relações Públicas — Johny responde, prontamente. — Adoro me
relacionar com as pessoas — completa, lançando um olhar sexy para o grupo.
— Sim, não temos dúvidas — Guta fala, com um tom brincalhão.
— E você, Guta, qual o seu curso? — murmuro.
— Marketing também. — Ela pisca para mim e, com um sorriso, sela
sua simpatia.
— No campus da Paulista? — enfatizo.
— Isso! Vamos ser colegas de turma, girl. — Ela inclina-se, estendendo
a mão, eu bato e sorrimos, satisfeitas.
Vamos estudar e trabalhar juntas. Acredito que nos tornaremos amigas,
o olhar da Guta é transparente, suas energias são boas, vamos nos dar muito
bem.
Todos estão comendo e saboreando seus lanches. Se aproxima da gente
o baixinho chinês com uma porção de batata frita nas mãos. Todos aplaudem,
batendo na mesa como um grande tambor.
— Por conta da casa. — Ele sorri e sai.
— Este é o Chill, sempre nos surpreendendo — comenta Guta, após
pegar uma batata.
— Não tem gatinhos interessantes no treinamento — Day muda de
assunto, descontente com o grupo masculino do treinamento.
— Tem, sim, o Patrick é um gato. — Johny revira os olhos.
— Rolou um clima entre ele e a Ellen... Porra, aquela mulher é
covardia, né? — ressalta Guta e todos confirmam.
— Se ela não quiser o Patrick, eu quero — diz Day, enquanto aperta
seus seios fartos.
— Já está molhadinha, piranha? — Johny lança uma batata nela. E Day
mostra a língua para ele como resposta.
Esta turma é entrosada, percebi pelo comportamento divertido deles. A
Guta tem um olhar sincero, Johny é espontâneo e divertido, somente esta
Dayana que me parece uma garota nojenta, agora, com os demais, me
identifiquei.
Preciso fazer amigos.
Percebo que o Rael tem uma queda pela Duda, ele não tira os olhos dela!
Também, ela é uma gata. Observo-o, ele é um cara legal, porte médio, magro,
cabelos castanhos e olhos verdes. Ele é bonito e simpático.
— Pessoal, estamos atrasados, melhor irmos — diz Rael, olhando em
seu relógio de pulso.
Todos, em um sobressalto, levantam-se. Vamos até o balcão e pagamos
a conta, depois nos dirigimos ao prédio.
Quando estamos nos aproximando da entrada, um carro me chama a
atenção, é um Range Rover Evoque branco e vermelho, fico observando o
carro meio hipnotizada por ele. Que carro maravilhoso.
— Vamos, garota, estamos atrasadas! — Guta grita, me empurrando
para a entrada.
— Sim, vamos, claro.
Todos no prédio estão voltando do almoço, mesmo com três elevadores,
o hall está lotado.
Merda.
— Podemos falar que nos atrasamos por conta do elevador. — Tento
nos dar uma justificativa pelo atraso.
Ficamos parados no hall, inquietos e resmungando pela demora do
elevador. Até que, enfim, ele chega, entramos rapidamente. Guta apressa-se
em apertar o botão do andar, mas o elevador não sobe, não desce e não se
move. Isso nos deixa ainda mais angustiados, porque estamos atrasados. Guta
permanece apertando o botão constantemente e nada.
— Será que está quebrado? — Guta resmunga, irritada.
— Aperta de novo, preta, estamos muito atrasados — Johny fala, com
um tom agoniado.
Olho no meu relógio de pulso e temos cinco minutos para chegar ao
nosso andar, quando inclino a cabeça e olho para frente, vejo um par de olhos
cor de mel quentes e curiosos, me observando atentamente. Meu rosto
queima com este olhar, com a intensidade a qual ele me percorre.
Como ele é absurdamente sexy.
A Guta e o Johny permanecem tentando fazer algo referente ao elevador,
enquanto eu flutuo em uma brisa sensual, intensa e deliciosa... Meus olhos
percorrem meios que tímidos toda a obra à minha frente. Céus, que homem!
Volto a encará-lo e percebo um sorriso sugestivo em seus lábios. Não sei
exatamente há quanto tempo estamos nos saboreando, até que somos
interrompidos quando as portas se fecham.
Solto um longo suspiro...
Nossa, o que foi isso?
Estou intrigada com as sensações que fluem no meu corpo, neste
momento é um misto de curiosidade com fascínio — estupidamente
interessante.
— Acho que você arrumou um fã — cochicha Rael, no meu ouvido.
— Como? — sussurro, quase que inaudível.
— Você viu como ele estava te olhando?
— Quem?
— O executivo.
— Não... eu...
— Chegamos — fala Johny, aliviado, e eu permaneço parada na porta,
pensando nas palavras de Rael e desvendando as minhas sensações. — Júlia,
acorda. — Ele cutuca o meu ombro.
— Ah, sim — concordo e saio do elevador.
Todos passam por mim, apressados, e eu permaneço confusa, o rosto
sexy daquele cara não sai da minha cabeça.
— Ele também ganhou uma fã — Rael fala, com um sorrisinho nos
lábios.
— Eu? Claro que não. — Balanço a cabeça, negando, porém, sei que
esse cara acordou algo adormecido em mim.
Movimento-me para dentro da sala, com várias perguntas cercando a
minha mente.
Quem é esse cara?
Qual o nome dele?
Será que ele trabalha na W.E Universities?
Será que vai trabalhar com a gente?
Argh!
São muitas perguntas, preciso das respostas.
Pensando bem... Como eu sou idiota! Este prédio é administrativo, às
vezes ele veio visitar alguém a negócios ou é chefe de alguma outra área. Há
mil e uma possibilidades, agora eu preciso vê-lo novamente, preciso sentir
todas estas sensações maravilhosas outra vez.
— Olá. — O supervisor Maicon chama minha atenção. — What’s your
name?[3]— Ele me encara e cruza os braços.
— Júlia Sales — respondo, em seco.
— It's all right?[4] — pergunta, arqueando uma das sobrancelhas.
Ele está testando o meu inglês?
— Yes... sorry, distracts me[5] — respondo, gaguejando um pouco, pois
estou constrangida com a situação.
Neste momento, todos os olhares estão em mim.
— Não se distraia mais, preciso da sua atenção, ok? — exige, com um
tom sobressalente.
— Desculpe. — Com o rosto queimando igual a uma pimenta, eu fixo o
olhar para frente, superenvergonhada.
Merda.
Comecei bem, chamando atenção negativamente, ainda assim, não
consigo me concentrar mais em nada, fico pensando naquele cara, naqueles
olhos...
Ei, Júlia! Foco, garota.
Pisco três vezes e tento me concentrar.
O treinamento enfim é finalizado, todos vão saindo e se despedindo.
Guardo o meu bloco de anotações, fecho a mochila e saio. Rael está me
esperando no hall do elevador, com um enorme sorriso no rosto.
— Rael, desculpe estava guardando minhas coisas. Você vai para o
metrô?
— Sim, vamos juntos?
Assinto.
Enquanto aguardamos o elevador chegar ao nosso andar, nos divertimos
comentando momentos engraçados do treinamento, percebo que o elevador
está demorando um pouco, deve ser por conta do horário de pico, quando
enfim chega, as portas abrem-se, e como uma miragem, vejo os olhos cor de
mel na minha frente. Nossos olhos se encontram novamente, e eu fico
nervosa, ansiosa, perdida...
Ele coloca o braço entre a porta, para entrarmos, e eu perdida no espaço
entro e tento me posicionar mais próximo a ele possível, então fico ao seu
lado e o Rael na minha frente. Meus olhos curiosos, tentam observá-lo, e há
um sorrisinho em seus lábios. Meu impulso em olhá-lo de frente é maior que
a minha timidez, então viro-me.
— Obrigada... por... ter... — gaguejo, ridiculamente, ao tentar agradecer,
já ficando corada pelo meu embaraço.
Júlia, sua tonta, cala a boca.
— Não foi nada — ele diz, enquanto eu observo, seduzida, a forma
sensual que sua boca pronuncia cada palavra.
Volto meus olhos para os dele, que me observam intensamente, seus
olhos convidativos aquecem o meu corpo e posso sentir algo acontecer entre
as minhas coxas.
Nossa que sensação... intensa.
O elevador chega ao térreo, abrindo suas portas, eu não consigo me
mover.
— Júlia, vamos — Rael me chama, já do lado de fora.
— Sim — respondo para ele, e volto o meu olhar para os olhos cor de
mel. — Com licença. — Saio.
Céus.
Dou alguns passos em direção à saída, tentando controlar a minha
ansiedade, porém, lembro-me do meu crachá e paro para pegá-lo na bolsa,
Rael aguarda ao meu lado, os olhos cor de mel passa por nós, falando ao
celular.
— Sim, é o Ricky... — Interrompo a minha procura, para ouvir a sua
conversa. — Pode falar... Claro... — Com agilidade, ele ultrapassa a
recepção, descendo as escadas para a saída.
Então, o nome dele é Ricky!
Agilizo meu cartão, quero vê-lo de novo. Saio para a recepção às pressas
e o vejo entrar no carro branco e vermelho, aquele que tanto amei. Paraliso na
recepção como uma estátua, observando toda a sua ação como uma boba, até
ele dar partida no carro e voar para a avenida.
— Júlia! Você está bem? — Rael pergunta, com preocupação.
— Sim, eu... euuu... — gaguejo, tentando explicar. Mas não encontro
palavras para descrever minha ação ou falta dela.
O que aconteceu comigo, afinal?
— Você se encantou pelo executivo misterioso, certo? — fala, com tom
sinuoso.
— Não... eu! Não… Claro que não... — Tento disfarçar o meu
desconforto com a sua insinuação. Pego um elástico no bolso da mochila e
prendo meu cabelo no alto da cabeça em um coque bagunçado. Meu corpo
está tenso, sinto-me confusa.
— Claro que sim — diz Rael, brincando.
— Até parece que... Esquece! — falo, saindo do prédio e Rael vem logo
atrás.
— Até parece o quê?
— Será que... Ele... Vamos, Rael, quero descansar.
Melhor eu não falar mais nada, estou confusa e perturbada com todas
estas sensações que senti hoje.
Dirigimo-nos para o metrô e cada um vai para o seu destino. Fico
pensando sobre como um olhar pode me desconcertar deste jeito. Há muito
tempo que não me interesso por ninguém, além dos estudos, que há um ano e
meio, é o meu principal foco.
Chego em casa.
Assim que abro a porta, minha mãe pula em cima de mim, com mil
perguntas, não quero responder agora. Falo que depois do banho, no jantar,
conversamos.
Vou para o meu quarto, me jogo na cama, abraço meu travesseiro e
penso nos olhos cor de mel. Que cara!!!
Melhor eu tomar banho, coloco a cabeça embaixo da água fresca, com
os olhos fechados, meus pensamentos estão nos olhos cor de mel, pensando
bem, agora eles têm nome... Ricky. Só de pensar nele meu corpo esquenta,
começo a me esfregar com a bucha de banho, o frescor do sabonete líquido
excita minha pele, minha mente ainda está em Ricky, imagino as mãos dele
passeando em mim, fico sem fôlego...
— Júliaaa! — minha mãe grita. Batendo à porta e acabando com o meu
momento.
Puta merda.
— Fala, mãe!
— Desliga o chuveirooooo, agora — berra. — Você acha que sou dona
da companhia elétrica, menina?!
— Tudo bem, mãe.
Melhor finalizar meu banho, antes que minha mãe surte.
Os vinte e cinco dias de treinamento passaram voando.
Aprendemos tudo sobre o sistema da empresa, acredito que estou
preparada para o início. O supervisor Maicon pegou um pouco no meu pé,
sempre me fazendo perguntas ou me ignorando algumas vezes. Eu acho que
ele não foi com a minha cara. Teria sido algo que eu disse? Ou fiz?
Sinceramente, eu não consigo entender o motivo.
Hoje é sexta-feira e poderemos aproveitar o final de semana para
descansar, porque segunda-feira é o grande dia na W.E. Ganhei uma grande
amiga, a Guta, ela é alegre e discreta. Almoçamos sempre juntas, o melhor é
que temos os mesmos gostos. Estamos nos dando muito bem e vamos
trabalhar no mesmo setor de Marketing, com a gerência da Ellen Castiel.
Uma mulher no poder no Marketing é invejável.
Então, se eu quero chegar lá, vou tê-la como inspiração.
Todos recebemos as cartas de bolsa da universidade, segunda-feira
temos que efetuar nossas matrículas. Tudo está acontecendo tão rápido e
perfeito, que nem acredito.
Somente uma coisa me incomoda, não encontrei mais o Ricky, meus
olhos cor de mel. Tentei estar nos mesmos horários que nos encontramos pela
primeira vez, mas nada. Nunca mais o vi. Talvez fosse mesmo um executivo
visitante, ou até mesmo um cliente da W.E.
O problema é que ele despertou uma curiosidade imensa, fico excitada
só de pensar nele, vou confidenciar uma coisa, à noite, algumas noites, na
verdade, quando a imagem dele me vem à memória, eu me toco loucamente.
Sei lá o que esse cara despertou em mim, estou fascinada.
Será que nunca mais vou vê-lo?
— Jully, acorda! — esbraveja minha mãe, enquanto entra súbita
no meu quarto.
— Ah... — respondo, sem animação.
— Jully, acorda temos que aproveitar o sábado!
— Ah, mãe...
— Anda, menina. — Posso ouvir o barulho do seu salto percorrer o chão
do meu quarto. — Vamos ao shopping!
Sinto o calor do sol no meu rosto. Minha mãe abre as cortinas para
deixar a luz entrar e dominar o cômodo.
Odeio imensamente quando ela faz isso.
— Eu não vou ao shopping, quero dormir! — reclamo, colocando o
travesseiro em cima da cabeça.
— Júliaaaaa... — ela grita, com uma voz estridente e enlouquecedora.
— Levanta, agora! — Seu corpo toma a forma de uma estátua com braços
cruzados, em frente à minha cama.
— Tá boooooom... — Sento na cama com pernas de índio e espreguiço.
— Hoje é sábado, você não vai trabalhar? — Minha mãe nunca tira um
sábado de folga.
— Hoje, exclusivamente, é dia das meninas. Precisamos de um
momento juntas. — Ela senta-se na cama ao meu lado, pousa as mãos sobre a
minha cabeça, deslizando-as até o início da minha trança improvisada,
delicadamente ela começa destrançar o meu cabelo. — Você inicia uma nova
fase, universidade e trabalho. — Ela gira o meu rosto para que possa me
olhar nos olhos, vejo em seu olhar brilhante, orgulho. Assim como eu tenho
dela.
— Mãe, sabe que sem você nada seria real.
— Meu tesouro, você merece cada conquista. — Seus braços me
cobrem, e o seu calor e perfume, já estão em mim.
— Obrigada, mãe — com vários beijinhos em seu rosto, eu agradeço.
— Então hoje sou sua, pode abusar. — Ela levanta-se da cama e aponta
para a porta do banheiro. — Agora, banho!
— Então é melhor eu levantar.
Pulo na cama, sentada, que me impulsiona a levantar, antes de correr
para o banheiro lhe dou um abraço apertado. Entro no banheiro. Em trinta
minutos estou pronta.
Quando eu entro na sala, minha mãe está sentada no sofá, com uma
xícara de café na mão.
Plena na beleza.
Ela toma um gole de café.
— Temos que fazer compras, você agora é uma universitária e
funcionária da W.E Universities, tem que estar apresentável. — Ela se
aproxima de mim. — Você sabe que é minha vida, certo?
— Sei, mãe.
— Então está na hora de você amadurecer, virar mulher e olhar para o
seu futuro com mais responsabilidade. Não esqueça de usar sempre...
Camisinha — debocha.
— Para! — resmungo. — Vai começar? Pode ficar tranquila, não estou
transando, esqueceu que não tenho namorado?
— Não quero que você estrague sua vida, por causa de um erro.
— Sou um erro, mãe? — retruco.
— Nunca. Não foi isso que eu quis dizer, compreende? — Percebo um
arrependimento em suas palavras.
— Sim, quando eu tiver alguém, será a primeira a saber. Agora... E a
senhorita, precisa se divertir com alguém. Quer dizer transar, com alguém.
Ah, e não se esqueça de usar camisinha — provoco.
Ela arregala os olhos e coloca a xícara no balcão da cozinha.
— Melhor irmos, sábado o shopping é uma loucura. — Pega sua bolsa e
caminha para a porta.
— Mudando de assunto, dona Ana? Vamos conversar sobre sexo, tenho
algumas dúvidas, algumas posições... A senhora pode me ajudar?
Ela me ignora e eu solta uma gargalhada.
O shopping está lotado, famílias inteiras estão aqui. Minha mãe e eu
vamos às compras. Pensando bem, é melhor que eu melhore o meu visual.
Tenho que estar pronta para oportunidades.
Vamos às lojas Marisa, pego calças jeans, camisas, blusinhas modernas,
vestidos e por que não, lingerie! Escolho alguns conjuntos confortáveis e
outros sexy.
— Você renovou seu guarda-roupa. — Ela observa a quantidade de
roupa que vou levar. — Isso porque você não queria vir ao shopping. — Ri,
carinhosa.
Pegamos todas as sacolas e saímos da Marisa parecendo madames.
Contornamos o corredor e descemos um andar. Conheço este caminho, minha
mãe está indo para o seu salão! Danadinha, falou que hoje era sua folga.
— Mãe, não acredito que você vai trabalhar.
— Venha, só vou pegar uma coisinha. — Pisca e entramos.
O salão de beleza da minha mãe é magnífico, todo moderno e elegante.
Ela quando locou uma sala no shopping, se encheu de dívidas, mas queria
que o seu empreendimento crescesse. E aí está, crescendo. O salão está
lotado. Quando ela adentra, todos a cumprimentam com beijos e abraços, ela
é muito querida pelos seus cinco funcionários.
Ela faz um tour pelo salão, falando com cada cliente, as tratando como
únicas. Acho magnífico o modo como minha mãe lida com as pessoas. Ela
sabe ser especial. Já eu, pego o meu celular e me jogo na poltrona.
— Marcos, vem cá. Você pode, por gentileza, dar um trato naquela
menina ali. Por favor? — Ela aponta pra mim.
— Quem eu? — Eles afirmam. — Não... nem pensar. Estou ótima. —
Afundo meu corpo cansado na poltrona.
Vindo ao meu encontro, Marcos, o cabeleireiro mais espetacular que eu
conheço, estende sua mão.
— Vem, vamos hidratar, tingir e cortar estas madeixas. — Ele
permanece com as mãos estendidas, esperando que eu levante. — Vamos,
mocinha?
Derrotada, coloco minha mão na dele, e ele me impulsiona para levantar.
— Marcos, capricha! — minha mãe fala e vai para o escritório.
— Pode deixar. Transformação, este é o nome! — Sorri.
— Como assim, transformação? — Estou muito intrigada. Não pretendia
mudar nada. Gosto dos meus cabelos longos e castanhos. Mas pensando nesta
nova fase, será muito interessante mudar. — Ok, eu topo. Arrasa, Marcos!
Fecho os olhos e deixo-o cuidar dos meus cabelos. Estão nas mãos de
um excelente profissional, ele trabalha com a minha mãe há quinze anos, me
pegou no colo, é uma referência de homem para mim.
— Certo, então vamos cortar e mudar, Jully.
Com muita felicidade, ele começa. Qual o cabeleireiro que não gosta de
cortar cabelo?
Ele gira a cadeira e fico de costas para o espelho. A visão que tenho são
das minhas mechas caírem no chão. Permaneço corajosa e fecho os olhos.
Após minutos eternos se passarem, ele gira a cadeira para frente do espelho e
me assusto com a imagem.
Estou linda, perfeita.
— Marcos, adorei. — Ele bate palminhas de felicidade.
Meu cabelo está na altura dos ombros. Meio repicado, com volume e
muito bem hidratado.
— Ficou perfeito, adorei. Obrigada. — Beijo-o na bochecha. Mas ele me
puxa, para um abraço bem apertado.
— Boa sorte, segunda-feira, minha executiva linda. — Meus olhos
enchem de lágrimas, ele sabe o quanto lutei para entrar na W.E. — Agora,
manicure e pedicure. Essa pele está horrível, uma limpezinha de pele
também.
Realmente acabei fazendo uma transformação, estou lindíssima. Meu
cabelo ficou ótimo. Tiro várias fotos para as redes sociais. Estamos há quase
três horas no salão, e já é hora do almoço.
Minha mãe enfim sai do escritório, me olhando, gloriosa.
— Você está linda! Ótimo trabalho, Marcos.
— Eu sei — ele responde, satisfeito.
— Mãe, almoço, por favor. — Faço biquinho.
— Claro. — Vira-se para Marcos. — Não volto mais hoje. Dia nacional
das meninas.
— Sim, chefa — Marcos bate continência. — Tchau, Jully. — Manda
um beijinho para mim.
— Tchau, Marcos — retribuo. — Agora, vamos, estou morrendo de
fome.
Abraço minha mãe e partimos para a praça de alimentação.
Saímos do salão lindas e felizes. Quando chegamos à praça de
alimentação, vamos a um restaurante de comida caseira maravilhoso,
chamado “Delicius”. Nos servimos com um almoço delicioso, minha mãe
está tão feliz, falando pelos cotovelos. Será que ela arrumou um namorado
novo? Está corada, com carinha de apaixonada. Há anos que não a vejo com
alguém, pois fica focada somente no trabalho e em mim. Gostaria que ela se
interessasse por alguém e esquecesse o fracasso do casamento com meu pai.
Não o conheço pessoalmente, somente por fotos, ele foi preso por assalto e
homicídio quando eu tinha um ano de idade.
Segura essa, Brasil. Meu pai é um assaltante cruel.
Ouço histórias dele a vida toda, meu tio Jorge sempre arruma um jeito
de jogar na cara da minha mãe, que ela foi casada com um bandido. Ele está
preso, sem previsão de sair. Não quero conhecê-lo, ele fez minha mãe sofrer
demais.
Sinto algo diferente, como se alguém estivesse me observando. Olho
para o lado, tem uma família almoçando.
Normal.
Olho para o outro lado e é o RICKY. Ele está olhando para mim com
aqueles olhos cor de mel quentes e intensos. Meu corpo já reage ao seu olhar,
minhas mãos ficam úmidas e inquietas e o meu coração acelera.
Céus. Ele tem um efeito sobre mim.
Hoje ele está bem casual, com uma camisa polo branca.
Como ele consegue ser tão atraente?
Ele está sozinho e isso me alegra.
O celular da minha mãe toca, atraindo a minha atenção, ela atende e
começa a falar.
— Fala, Paula...
Sorrio para ela e viro-me de novo para espiar o Ricky. Ele ainda está me
olhando, agora com um sorrisinho no canto da boca. Sorrio também, sem
jeito, inclino a cabeça, minha franja cai nos meus olhos, tiro-as delicadamente
com as pontas dos dedos e repouso-as atrás da orelha. Ricky olha atentamente
os meus movimentos.
– Ricky...
Alguém o chama e corta a nossa conexão.
Uma mulher chega, ele levanta-se para recebê-la. Cumprimentam-se
com um beijo no rosto, ele a convida para sentar. O fato é que esta mulher é a
Ellen Castiel, gerente de Marketing da W.E, linda e elegante. Tinha que ser.
Se abrisse um buraco agora eu, com certeza, entraria. Fico olhando para os
dois, ficam perfeitos juntos.
Será que estão juntos? São namorados? Mas o beijo no rosto, não é
gesto de namorados. Amigos próximos, talvez?
Puta que pariu.
— Até mais, Paula — minha mãe finaliza e desliga o telefone. — Sua
tia nos convidou para jantarmos em sua casa amanhã. Jully? Jully...?
— Oi? — respondo, ainda distraída.
Eles saem caminhando pelo restaurante com intimidade, conversando e
sorrindo. Perco-os de vista. É provável que sejam amigos ou estejam se
conhecendo melhor, ela é o tipo dele. Mas se eles se conhecem e conversam
com essa intimidade, ele faz parte da W.E, então, em algum momento, vou
vê-lo de novo lá na empresa.
Quem sabe?
— Você vai? — continua minha mãe.
— Hein? Vou!
— Sério? — pergunta, surpresa.
— Sério o quê? — Volto-me para ela.
— Jantar na sua tia Paula?
— Não, nem pensar! Ela é irritante — resmungo.
Não gosto mais de ir à casa do meu tio. Cresci lá, mas odeio a maneira
soberba como ele nos trata, sempre superior, o melhor, tudo dele é melhor.
Os outros são seres desprezíveis. Se você tiver dinheiro, aí sim ele te trata de
igual. Aguentei isso quando eu era criança. Agora não suporto.
— Temos que ir, seu tio vai ficar chateado.
— Problema dele! Não tenho paciência para aquele papo furado.
— Jully?!
— Oi, mãe?! — retruco, nervosa.
— Em que mundo você está? — Ela inclina o corpo para frente e me
encara.
— Já terminou? Vamos embora! Estou cansada.
Nossa, posso até estar irritada com o fato de jantar no meu tio. Mas o
que me angustia de verdade é ter visto o Ricky com a Ellen. Nunca nem nos
falamos, e eu estou aqui... Nervosa. Sou uma tola mesmo. Melhor eu
esquecer.
— Ok — ela responde e franze o cenho.
Levantamo-nos e saímos.
Em casa, guardo minhas roupas novas no meu guarda-roupa, pensando
em Ricky, que ainda é um mistério para mim. Preciso saber algo sólido sobre
ele e sinto uma necessidade de conhecê-lo.
Será que ele tem rede social? Claro que tem! Todo mundo tem. Vou ver
se o encontro no Instagram. E provavelmente saberei um pouco sobre sua
vida.
Pesquisa:
Ricky...
Agora ferrô! Tem mil Ricky aqui...
Desço a barra para ver se tem alguma foto de perfil que pareça com ele.
Não tem, será que Ricky é apelido? Quantos anos ele tem? Será uns 24 ou
25? Tem cara de ser um homem bem responsável, talvez 25. Mas não tem
rede social, fica difícil de conhecê-lo. O pior é que ele não sai da minha
cabeça, o olhar dele no restaurante, sedutor e atraente, me instigou ainda
mais. O que me resta é que o universo sopre a meu favor para que eu o
encontre de novo, de preferência, sem a Ellen.
Domingo, o jantar na casa do meu tio Jorge, é de
embrulhar o estômago. É muita hipocrisia junta. Não frequento mais a casa
do meu tio e falo com eles somente o necessário, por educação, na verdade.
Mas vamos lá, assim que entramos, minha tia vem, com os braços abertos,
nos receber. Ela está com um cardigã e com estes braços abertos parece uma
águia indo atrás da presa.
Sorrio.
Eu não presto.
— Olá, pessoas lindas — diz minha tia Paula, dando um beijo no rosto
da minha mãe.
Eu desvio.
Não quero beijo.
— Oi, tia — digo, indo sentar na poltrona da entrada.
— O que tem ela? — ela pergunta para minha mãe.
Mesmo com a distância, consigo ouvir.
— Hormônios — diz minha mãe, sem graça.
— Falta de educação mesmo — interrompe meu tio Jorge. — Como vai,
minha irmã? — Ele abre os braços para minha mãe.
— Tudo bem. — Abraçam-se como irmãos carinhosos.
— Você tem que ter mais pulso firme com essa menina — explica, com
um tom rígido.
Os três se viram para me olhar.
— Ela está nervosa, são muitas mudanças.
— Falta de educação não é nervosismo — argumenta.
Agora eu sou a pauta da conversa.
Merda.
— Oi, tia — interrompe Melissa.
Entrando lindamente com um vestido frente única rosa e um sapato
delicado com strass. Minha prima é muito bonita, uma ruiva com cabelos
compridos e olhos azuis. Mas observando bem, ela cortou o cabelo, está um
pouco mais comprido que o meu. Engraçado, cortei meu cabelo ontem e ela
fez o mesmo.
— Oi, Mel, como você está linda! — minha mãe a elogia.
— Cortei o cabelo, você gostou? — Ela gira o corpo e seus cabelos
balançam.
— Sim, ficou ótimo. A Jully também cortou o dela.
— É eu vi, ela postou ontem no Instagram. Cortei com Marcos, ontem à
noite, no seu salão. Ele me disse que estava de folga, dia das meninas.
Gostaria de estar junto com vocês. Faz tempo que não saímos.
Coloco a mão na testa e afundo na poltrona. Como ela pode ser tão
cínica? “Gostaria de estar junto com vocês. Faz tempo que não saímos.” Ela
realmente disse isso?
— Vocês postam tudo, as notícias chegam rápido — diz minha mãe.
— Essa juventude é muito avançada — fala o meu tio, com seu copo de
uísque na mão.
— Tia, hoje você vai conhecer o meu namorado — adiciona Melissa,
com um sorriso largo.
Ela sabe que eu estou ouvindo. Agora ela vai ficar esfregando esse
namorado na minha cara.
— Sabe, Ana, o Rubem estuda nos Estados Unidos. É um rapaz de
ótima família, está influenciando a Melissa positivamente — com um tom
superior, fala minha tia Paula.
— Tia, no meio do ano eu vou para a Califórnia. Terei o meu próprio
apartamento e vou cursar a minha graduação.
— Nossa que legal, filha. Parabéns, Jorge — diz minha mãe.
Como a minha mãe pode ser assim tão boba? Eles estão se exibindo.
Mas, como sempre, a dona Ana tem uma educação fora do normal. Minha
prima me magoou muito, ela era minha melhor amiga e confidente, mas não
pensou nisso quando transou com o meu namorado.
Segura essa, Brasil!
Ela transou com o meu namorado Raul. Peguei os dois no apartamento
dele, com a boca na botija. Fiquei muito puta da vida com ele, mas ela... Com
ela, eu morri de desgosto. A considerava como uma irmã. Sempre a mais
linda, podia ficar com qualquer garoto, mas quis meu namorado. Nunca a
perdoei por isso e todos ficaram sabendo na época. Minha tia Paula, pediu
para que eu perdoasse esse deslize da Mel. Porque Raul, um mau-caráter
sedutor, tinha a usado. Todos acharam que a minha reação de odiar a Melissa
era exagero, que a traição dela era coisa de adolescente.
Cala a boca, né?
— Mãe, vamos embora. — Em um sobressalto levanto da poltrona. Indo
até eles.
— Jully, está tão cedo. Vamos ouvir música no meu quarto antes do
jantar? — sugere Melissa.
Arqueio uma sobrancelha.
— Não quero.
— Vai, Jully, não faça desfeita — minha mãe retruca.
— O jantar está quase pronto, vocês duas têm uns 30 minutos.
— Vamos, Jully! Antes do Rubem chegar, ele me mandou mensagem e
vai estar aqui em 20 minutos.
Será que ela tem amnésia ou é cinismo mesmo?
Age como se nada tivesse acontecido. Talvez eu tenha cara de idiota.
— Vamos, Jully, por favor? — pede, relutante.
— Ok.
Ela se surpreende com a minha resposta e abre um sorriso enorme.
Melissa e eu vamos para o andar de cima.
A casa do meu tio é muito bonita, tenho que admitir, moderna e muito
bem decorada. O quarto da Mel é de princesinha, todo decorado em branco
com detalhes em lilás.
— Entra — ela me convida.
— Fala. — Sento-me no pufe branco que está no chão.
— Sabe, Jully, sinto sua falta. — Ela senta-se aos pés da cama na minha
frente.
— Não sente. Você está sempre cercada de amigos. Não precisa de mim
— digo, com repulsa, e desvio o olhar.
— Mas você é minha prima.
— Jura? — Dou uma gargalhada sarcástica e levanto do pufe.
Já estou nervosa.
— Jully, perdão!
Agora ela está arrependida. Ela levanta e fica no meio do quarto, tentado
me acompanhar com os olhos. Eu estou andando de um lado para o outro a
ponto de explodir de ódio.
— Agora chega! Eu cansei disso! — Paro e meu olhar encontra o dela.
— Disso o quê?
— Da gente, aqui. Fingindo que somos amigas e que estamos nos
importando uma com a outra. Não esqueci o que você fez comigo! — Saio do
quarto e empurro a porta violentamente atrás de mim.
Não vou esquecer nunca o que ela fez. Admirava-a por ter a família
perfeita e ela se aproveitou. Minha mãe, sempre humilhada pelo meu tio, por
ser mãe solo e ter um passado sombrio com meu pai.
Estou cansada disso tudo, quero uma vida nova e eu sei que tenho força
para tê-la. Desço as escadas, pisando forte, quando chego à sala de jantar
minha tia está recebendo um rapaz, na sala de estar, na entrada principal. Um
pouco distante de onde eu estou. Não tem como eles me verem.
Observo melhor, o cara é bonito, com certeza é o namorado da Mel.
Outro rapaz entra atrás.
Pausa.
Meu Deus... É o Ricky!
Minhas faculdades mentais estão em colapso. Não acredito que ele está
aqui.
Ele está aqui? Possivelmente! Possível! Quer dizer, impossível! Nossa,
como ele está lindo, vou desmaiar.
Chega, Júlia, se controla, girl. Como diz a Guta. Agora, o que eu faço?
Melhor ir ao banheiro, lá em cima tem um lavabo. Subo novamente as
escadas, correndo. Olho para o quarto da Mel, a porta está entreaberta.
Entro no lavabo e me olho no espelho.
Até que não estou mal.
Mas... E agora? Ele está aqui. Quero muito conhecê-lo, saber mais dele.
Bom, tenho que me manter calma e indiferença na frente dele.
Calma, Júlia!
Este será meu novo mantra.
Calma, Júlia!
Calma, Júlia!
Saio do lavabo e dou de cara com a Melissa.
— Tudo bem? — ela pergunta.
— Sim, tudo ótimo. Por quê?
— Nada. Vamos descer?
— Você primeiro.
— Você é esquisita, Jully.
— E você é uma idiota. — Arqueio uma sobrancelha.
Ela franze o cenho e sai súbita na frente, girando seus cabelos vermelhos
no meu rosto.
Todos estão na sala de estar. Minha tia avista a Melissa e vem em nossa
direção, com as asas de águia, eu permaneço andando atrás da Melissa,
tentando, de alguma forma, encontrar os olhos do Ricky, que neste momento
está conversando com o meu tio.
— Meninas, vocês demoraram muito. Princesa, olha quem chegou...
Ricky vira-se para olhar a namorada do primo, e encontra o meu olhar
admirando cada gesto seu, percebo que ele ficou surpreso com a minha
presença, como estou com a dele. Seu semblante ilumina-se com um sorriso
lindo.
— Oi, gatinho, que saudade — diz Mel, indo na direção do namorado.
— Também estava morrendo de saudade, Mel — responde Rubem. Eles
se abraçam apertado, e permanecem abraçados até que o meu tio pigarreia. —
Ah... Então... Quero que conheçam meu primo, que representa minha família
neste jantar. Richard.
— Olá, tudo bem? Melissa, é um prazer conhecer a namorada desse
cabeça-dura — diz Ricky, cordialmente.
— O prazer é meu! Eu sei que a família do Rubem não está aqui no
Brasil, então agradeço a sua presença.
— Eu que agradeço o convite. — Ele desvia o olhar para mim, que estou
bem atrás da Mel. Ela percebe e resolve me apresentar.
— Ah, desculpe, esta é minha prima, Júlia.
— Olá, Júlia, tudo bem?
Hum... então o nome dele é Richard.
Todos estão olhando para mim, neste momento e eu não sei o que fazer,
a não ser olhar para Ricky... Richard. Seus olhos cor de mel me hipnotizam e
seu rosto perfeito me seduz.
— Jully! — murmura minha mãe.
— Prazer — falo, finalmente.
Ricky se aproxima, nossos olhos permanecem fixos um no outro e nos
cumprimentamos com um aperto de mão casual e simples. Quer dizer, nada
simples. Seu toque quente transmite para o meu corpo ondas elétricas. Ele só
está tocando a minha mão e eu já estou trêmula. Ele realmente me atraiu, não
sei, quero entender o porquê... Bom, ele é lindo, eu sei!
Mas há uma conexão diferente.
— Jully, e este é meu boyfriend.[6]
Melissa interrompe o nosso momento, não sei, na verdade, o tempo que
estamos apertando a mão um do outro, soltamos e ele sorri.
Que sorriso!
Vou virar geleia. Melissa chama-me novamente, estou um pouco
perdida na situação, mas volto o meu olhar para ela.
— Como vai? — digo, meio zonza, cumprimentando Rubem.
— Tudo bem, a Mel fala muito de você — diz ele, com um tom
amigável.
Como assim, ela fala de mim para o namorado?
— Fala, é...?
— Sim, pelo que eu sei, você vai trabalhar e estudar na W.E
Universities, certo? — ele pergunta.
— Sim, vou — respondo, curiosa. Meu olhar volta-se para Ricky, que
coloca as mãos nos bolsos da calça, e me olha com mais intensidade, me
perco neste olhar com facilidade. Mas tento me concentrar no Rubem.
Ele continua:
— Então, essa universidade é da minha família.
— COMO?
Espera...
Morri.
Estou falando com os herdeiros da W.E Universities.
Opa. Richard McGuire... É o Ricky?
Interrompe meu tio Jorge:
— Então, sua família é do ramo da educação?
Tenho que agradecer ao meu tio por essa interrupção, preciso me
recompor do susto.
— Referência, na verdade — ressalta Rubem. — Meu primo veio para o
Brasil cuidar pessoalmente dos campi daqui. Eu somente estudo, estou me
preparando para o futuro.
— Isso é bom — confirma meu tio.
— Então você, Richard, vai ser o chefe da minha prima? — pergunta
Mel.
Ela tem que comentar, eu mato esta vaca.
— Não necessariamente, eu cuido da Publicidade e Marketing da W.E.
Eu optei em trabalhar na minha área, meu pai me deixou escolher, nosso
negócio é de família e todos trabalhamos juntos — ele fala, com uma
segurança, meus olhos pousam em sua boca sexy, que pronuncia cada palavra
com perfeição. Fico imaginando essa boca me... — Júlia você vai trabalhar
em qual área?
— Eu? Então...
Estou meio perdida. O real diagnóstico da situação: estou afim do dono
da empresa que sonhava em entrar. E vou trabalhar no setor que ele é chefe
interino. Então, minha gente, quero ser abduzida desta sala.
ET’s, please?[7]
— Jully? — Minha mãe percebe que estou nervosa. Ela só não sabe o
motivo. — Jully? Querida, tudo bem?
— Sim, bem... Eu... Na verdade, vou trabalhar no setor de Marketing,
então será meu chefe, aliás, já é, por ser dono da universidade. — Pigarreio,
passando as mãos na minha calça jeans.
Jesus. Estou muito nervosa. Não sou assim, a presença do Ricky me
desestabiliza.
— Isso é ótimo — conclui Ricky.
Antes que eu responda, minha tia interrompe:
— Parem de encher o rapaz de perguntas, vamos jantar? Por favor, me
acompanhem. — Nos direciona para sala de jantar.
Merda.
— Isso, vamos, amor — diz Mel, melosa.
Péssimo trocadilho.
Vamos nos dirigindo para a sala de jantar que está lindíssima!
Minha tia tem bom gosto. Enquanto ela acomoda os convidados ilustres,
percebo a razão de sermos convidadas, eles queriam esfregar o namorado da
Mel na minha cara e agora tem o Ricky...
Será que eles sabiam que ele é meu chefe?
— Seu chefe é um gato — minha mãe cochicha no meu ouvido.
Passando por detrás da cadeira e acomodando-se ao meu lado na mesa.
Respiro fundo e tomo um gole de água.
— Mãe, não começa.
Ela sorri e balança a cabeça.
— Então, rapazes, espero que gostem, fiz algo simples, porém, de muito
bom gosto.
O jantar é servido e eu, com uma força sobrenatural, tento disfarçar o
meu apetite pelo meu chefe. Quando todos terminam, meu tio convida os
rapazes a irem ao lado de fora, no jardim. Minha tia, Mel e a minha mãe se
acomodam na sala de estar.
Eu, disfarçadamente, vou para o lugar secreto meu e da Mel, nos fundos
da casa, tem uma horta que minha tia cultiva. Atrás tem um cantinho
aconchegante, onde a Mel e eu costumávamos nos esconder para contar
confidências, quando crianças.
A noite está completamente estrelada, penso em tudo que passei nesta
casa, coisas boas e ruins.
— Júlia.
Viro-me e o vejo.
— Ricky! Quer dizer, Richard.
Ele sorri.
— Prazer, finalmente. — Seus olhos percorrem meu corpo. — Tudo
bem, prefiro Ricky.
— Certo... Ricky — digo, confusa e tensa. Ele me come com os olhos.
— Você é a garota do elevador, certo? — Seu olhar fixa no meu e o seu
corpo sensualmente se aproxima. — Também a do shopping? — Aproxima-
se mais. — Percebi você! — Ele está na minha frente e há pouco espaço entre
nós, uma onda elétrica percorre meu corpo, estou toda arrepiada.
Eu realmente quero que ele me coma... não! Me perceba.
— Percebeu? — digo, umedecendo meus lábios.
Estamos tão próximos que é possível sentir seu hálito de menta. Seus
olhos me penetram. Fico hipnotizada por ele, que rosto perfeito e sua boca...
Que boca. Quero beijá-lo, sentir seu sabor, estou salivando de desejo.
— Você é... Linda! — Seu dedo indicador e o polegar seguram meu
queixo. Fecho os olhos e sinto seus lábios encostarem nos meus.
Isso realmente está acontecendo?
— Júliaaaaaaaa! — minha mãe grita. Com o susto, nos afastamos.
É sério, MÃE?!
— Cadê essa menina?
— Desculpe, melhor eu ir... Chefe! — Pisco para ele.
Ele sorri.
Vou ao encontro da minha mãe.
— Oi, mãe! — Me aproximo dela.
— Onde você estava? — Ela franze o cenho.
Beijando meu chefe. E a senhora cortou o meu barato.
— Na horta, por quê?
— Nada. Vamos embora, estou cansada.
— Tudo bem, vamos. — Olho para trás, Ricky está escondido. —
Vamos nos despedir.
Entramos na casa, Mel está namorando Rubem, vejo sinceridade nos
dois. Pelo menos, da parte dele.
— Júlia, você viu o Richard? — pergunta meu tio.
— Não! — minto.
— Você tem uma bela horta, Paula! — diz Ricky, adentrando na sala de
estar.
— Você gostou? — Minha tia transborda de felicidade com o elogio,
abrindo um sorriso largo.
— Horta? — diz minha mãe baixinho, no meu ouvido.
— Mãe! — Desvio o olhar. — Gente, foi um prazer, mas temos que ir
— digo, me dirigindo para a porta.
— Está cedo — minha tia fala, indo até minha mãe.
— Estava tudo perfeito, Paula. Mel, seu namorado é lindo e foi um
prazer conhecê-lo. Acredito que nós veremos mais vezes, Rubem.
— Claro, o prazer foi meu — diz Rubem.
Minha mãe vira-se para Ricky.
— Richard, acredito que a Jully vai dar o melhor em seu trabalho.
— Tenho certeza. Foi um prazer, Ana — responde Ricky.
Minha mãe sorri, avaliando Ricky. E vira-se para o meu tio.
— Foi um prazer, meu irmão, até mais. — Eles se abraçam, minha mãe
beija e abraça todos.
— Boa noite a todos.
Despeço-me de uma maneira geral. Mas não consigo olhar para Ricky,
estou nervosa, tensa, envergonhada, com tesão... Totalmente maluca.
— Júlia, boa sorte na W.E — Ricky diz, com um sorriso nos lábios.
— Obrigada. — Nos olhamos por alguns segundos. Sinto o toque da
minha mãe no meu ombro.
— Vamos?
— Sim, claro.
Antes de entrar no carro, olho para o céu, como está lindo. Todo
estrelado. A brisa suave da noite toca o meu rosto. Sinto um alívio, uma
felicidade e vontade de gritar.
Nós nos beijamos... Quase! Nem nos meus melhores sonhos, eu iria
imaginar que isso ia acontecer logo hoje. Seu toque e seu perfume me
embriagaram. Não sei se ele sentiu o mesmo.
Mas sei que me notou, como eu o notei.
Hoje, acordei me sentido uma princesa de contos de
fadas, cantarolando e rodopiando pelo meu quarto.
Ontem, com somente um toque, Ricky acendeu meu corpo, não acredito
que quase nos beijamos! Estou parecendo uma adolescente boba, encantada
com o seu primeiro crush, mas não ligo, adoro o novo e isso me excita.
Mas o que me excita mais é saber que o Ricky me notou. Não sei como
será quando nos encontrarmos... Hum, espero que seja logo, odeio passar
vontade.
Não esqueci o fato de ele ser dono da W.E, estou um pouco confusa em
relação a isso. E, ao mesmo tempo, tenho uma atração louca e inexplicável
por ele.
Diagnóstico da situação, Brasil: estou curiosa e excitada pelo meu chefe.
Dou uma gargalhada que me faz cair na cama e imaginar os meus devaneios
sexuais.
Olho para o relógio, estou atrasada.
Bora trabalhar.
Quando chego à W.E, vou direto para o andar do Marketing. Fico
paralisada, é incrível! Todo amplo, com mesas e cadeiras em marfim e azul,
dividido com paredes de vidro; ao fundo tem uma sala de reunião, também
com paredes de vidro.
Dou um passo à frente, olhando tudo, fascinada. Todos trabalhando
focados, há uma grande televisão ao fundo, ela deve ter umas 70 polegadas
pelo tamanho, está ligada e tem um grupinho de pessoas na frente dela.
Aguardam alguma coisa, fico observando-os. Até que um rapaz grita:
— Começou!
Todos olham para a TV.
Está passando um comercial da W.E, todos ficam focados, um silêncio
total. Quando termina o comercial, todos aplaudem. O mesmo rapaz passa
por mim, falando ao telefone.
— Fala para a equipe de telemarketing arrasar! Claro... — E assim ele
desaparece no andar.
Olhando o escritório, todos ali com roupas despojadas, porém, muito
bem vestidos, um ambiente frenético, animado e empolgante. Sei que aqui é
meu lugar, é isso que quero fazer.
— Olá! — Uma voz grave soa atrás de mim.
Viro-me.
Um rapaz muito bonito, por sinal, está me olhando com um sorriso.
— Olá!
— Você quem é? — ele pergunta, educadamente, enquanto escora-se
em uma mesa.
— Sou Júlia Sales, nova por aqui. Você quem é?
— Ah, sim. Sou Eduardo, mas pode me chamar de Edu. — Ele estende a
mão e nos cumprimentamos. — Bem, você vai trabalhar comigo, estava à sua
espera.
— Claro. — Estalo os dedos, apontando para ele. — O Maicon mandou
eu procurar por você. Estou pronta, por onde começamos?
— Primeiro, vou te apresentar o andar. Esta semana ainda não terá mesa,
chegarão na próxima semana, tivemos um atraso. Tudo bem se dividirmos a
mesma mesa?
— Claro, sem problemas.
— Certo, vou te mostrar o andar.
Fazemos um tour por todo o andar. O setor de Publicidade e Marketing é
gigante, e todas as etapas são feitas aqui. O que eu achei sensacional, é que
todos os funcionários estudaram na W.E.
Edu me leva à copa, nos servimos de café. Ele é muito simpático e
atencioso, acredito que vai ser ótimo trabalhar com ele. Quando estamos
saindo da copa, encontramos o supervisor, Maicon.
— Júlia, por favor, preciso que suba para o auditório. — Ele tem um
tom autoritário, que soa arrogância.
— Claro, até mais, Edu — me despeço e acompanho Maicon.
Chegando à sala de treinamento, encontro toda a equipe. Avisto ao canto
Guta, Johny, Rael e a nojenta da Day. Eles acenam e depois de algumas
cadeiras consigo chegar até eles.
Quando iniciam, somos saudados por alguns diretores da empresa, nos
dando boas-vindas. Percebo que Susan e Ellen estão agitadas e ansiosas, tento
entender o porquê, então, me inclino um pouco para olhar para a porta, o
Ricky adentra a sala de treinamento, meus olhos o seguem, impossível
desviar, sua postura sensual, olhar mel intenso e mandíbula tensionada, me
excitam. Ele cumprimenta todos os presentes e se posiciona para falar.
— Boa tarde, para quem não me conhece, sou Richard McGuire, e é
com um imenso prazer que recebo todos vocês na W.E Universities. —
Todos aplaudem.
— Júlia, é o executivo? — pergunta Rael, no meu ouvido.
— Acho que sim — respondo, calma, não quero que ele perceba o meu
desconforto.
Ricky continua:
— Eu acredito que darão o melhor. — Os olhos deles encontram os
meus. Fico corada, seu olhar queima o meu corpo. — E nós faremos tudo que
for possível, para que vocês se desenvolvam como profissionais. — Ele
desvia o olhar para a sala, eu não, meus olhos são dele.
Céus, observo cada movimento sexy, a maneira como seus lábios
pronunciam cada palavra precisamente, o jeito como sua mão passa pelo seu
cabelo, o levando para trás e como esse cabelo preto rebelde retorna para o
seu rosto, meus olhos passeiam pelo seu corpo, imaginando toda esta
musculatura por baixo do terno. Minha imaginação não brinca em serviço e o
espaço entre as minhas coxas está pulsando. Cruzo as pernas para conter
minha empolgação, dou um suspiro inaudível. Rael olha para mim, dou um
sorrisinho para disfarçar o meu desconforto sexual.
Mais aplausos.
— Muito obrigada, Richard — com a mão no ombro dele, Ellen
agradece.
Vaca. Tira esta mão cheia de dedos de cima dele. Espera! Por que estou
nervosa?
Fico observando os dois, será que há alguma coisa entre eles? Ela tem
tanta intimidade com ele, ficam bonitos juntos. Mais uma vez, me pego
fazendo as mesmas perguntas. Chega! Preciso parar de ficar pensando nisso e
me focar em...
Eles saíram?
Merda.
Inclino-me em direção à porta, foram para aonde? Não consigo mais ver.
Susan retoma com algumas apresentações. Quando tudo finaliza, nos
dispensam para irmos embora, foi um dia cheio e todos ainda vão à
universidade para fazer suas matrículas antes do início do semestre.
Será que Ricky foi embora? Gostaria de conversar com ele. Melhor eu
ver se consigo esbarrar com ele sem querer querendo no hall.
Arrumo as minhas anotações para sair.
— Júlia, você vai agora? — pergunta Rael.
— Não, lembrei que deixei minha bolsa no meu andar, vou buscá-la.
— Então, até amanhã, caso não nos encontrarmos na universidade.
— Certo, Rael. — Ele sai da sala e saio em seguida.
Olho ao redor e não vejo o Ricky. Ele realmente já foi embora, me sinto
triste e nervosa por me sentir assim, decepcionada.
Júlia, sua tonta.
Tem muita gente aguardando o elevador. Melhor eu ir de escada, são
somente três andares. Entro na saída de emergência e desço os degraus,
depois de descer alguns, ouço passos de alguém descendo também, porém,
rápido. Espero para ver quem é.
Ninguém aparece.
Deve ter entrado em algum andar. Continuo descendo e volto a ouvir
passos de novo.
Merda.
— Olá, tem alguém aí? — grito, um pouco assustada, minha voz sai
levemente tremida.
Porém ninguém responde.
Melhor eu descer logo. Desço mais um jogo de degraus e os passos
retornam, olho para trás, assustada, e Ricky está lá, parado em um degrau,
com o meio corpo encostado na parede e ambas as mãos no bolso da calça.
— Nossa, você me assustou — digo e coloco a mão no peito, aliviada.
Ele permanece calado, me olhando de cima a baixo, aproxima-se
lentamente. Quando não há mais espaço entre nós, minha respiração fica
ofegante. Minha boca entreaberta pode sentir o seu hálito de menta, através
da sua respiração suave, seus olhos mel queimam como brasa e me fazem
uma pergunta.
Não consigo dizer não.
Não consigo negar, meu corpo já me denunciou.
Ele, em um único movimento, toma a minha boca, com urgência, sua
língua passeia ao encontro da minha e eu, rendida, correspondo ao seu beijo.
Nos saboreamos, como se fôssemos a melhor refeição um do outro, suas
mãos encontram as minhas e ele as conduzem até seus ombros. Em seguida,
suas mãos descem pelas laterais do meu corpo.
Céus...
Estas mãos famintas percorrem minhas curvas, me pressionando ainda
mais na parede, seu corpo quente me excita e me instiga, seus lábios
deliciosos e macios movem-se da minha boca ao meu pescoço, beijando,
mordendo e chupando. Ele quer me provocar, me levar à loucura. Gemo
baixinho e a cada gemido meu, seu desejo cresce. Meus dedos que estão entre
seus cabelos, conduzem sua boca para o encontro da minha novamente.
Estamos loucos um pelo outro, ignoramos a nossa razão e esquecemos onde
estamos, quero que me toque, quero que me possua, estou pronta para ele.
Encharcada para ele.
Porra! Porra! Porra!
Eu quero transar com ele nesta escada.
Eu falei transar?
Ele interrompe o beijo.
Eu estou ofegante.
Ele está ofegante.
Observamo-nos por um momento, seus olhos pairam na minha boca.
Como em câmera lenta, ele acaricia meu rosto com o seu. Fecho os olhos
para apreciar seu toque, enquanto recupero o meu juízo, que desapareceu.
Sinto seu hálito quente na minha orelha.
— Estava ansioso para beijar você. — Sua voz soa em meu ouvido
como uma melodia.
— Eu também — sussurro. — Mas não é certo aqui...
Ele me encara.
— Eu sei. — Se afasta, colocando as palmas das mãos na parede.
Permaneço entre seus braços.
Meu corpo já sente a falta do dele.
— Você... — Aproxima-se novamente. Com a ponta do dedo indicador,
ele leva uma mecha do meu cabelo que está nos meus olhos para atrás da
minha orelha, depois contorna o meu rosto, passando pela minha boca e
pousando no meu queixo, levantando-o um pouquinho para que eu possa
encará-lo. — Esta boca me excita desde a primeira vez que a vi, naquele hall
do prédio.
— Achei que não tinha me notado.
Achei mesmo.
— Como não notar você, Júlia. — O celular dele vibra, acabando com o
nosso momento e ele pega-o no bolso da calça. — Desculpe. — Ele lê a
mensagem, desliga e coloca o celular no bolso novamente. — Precisamos nos
ver, fora da empresa. Você que sair comigo?
Meu Deus... Sair?
— Ah, eu não sei...
— Sério? Está me dispensando?
Fico boquiaberta. Como posso dispensar você, bebê?
— Na verdade, quero, mas...
— Então eu te ligo. — Sem rodeios.
— Mas você não tem meu número.
— Tenho, sim.
— Tem? — Fico confusa.
— Eu te ligo. — Ele me dá um beijo casto e sai.
Porra, o que foi isso?
Depois dos acontecimentos excitantes da escada, vou para a
Universidade totalmente zonza. O sabor do Ricky ainda está na minha boca e
o seu perfume... Posso senti-lo na minha pele.
Céus.
Ok! Ele quer sair comigo e tem o meu número de telefone.
Como ele conseguiu meu número?
Simples, ele é dono da W.E e tem o que quer.
Ahhh! — grito interno de felicidade.
Olhando ao meu redor — depois dos meus devaneios sensuais com o
Ricky — percebo que estou no meio do salão principal da W.E Universities.
Parada igual a uma estátua.
Meu corpo gira a 360° e posso apreciar todo o ambiente. Nossa... É
lindo, que campus perfeito, a decoração é jovem e de muito bom gosto, eles
mantêm o padrão dos campi americanos. Hoje está vazio, pois o semestre
ainda não iniciou, somente alguns estudantes circulam no local.
Vou até a secretaria e sou muito bem atendida, este momento é muito
importante para mim, sonho em estudar aqui, desde sempre. Quando assino a
minha matrícula, fico emocionada, tracei algumas metas e ser uma
universitária é uma delas.
Digo para mim mesma: vou ser uma mulher bem-sucedida.
Eu sei.
Sinto o meu celular vibrar, número desconhecido, será que é ele?
Minhas pernas já estão trêmulas, minha boca seca. Céus, estou doidinha.
Atendo.
— Alô!
— Júlia?
— Sim... Ricky?
— Sou eu. Onde você está? — ele pergunta, sem rodeios.
— E... Eu... Na universidade. — Minha voz falha de início, com a
ansiedade de vê-lo de novamente.
— Eu quero te ver.
Eu também quero. Mas preciso perguntar uma coisa.
— Ricky, não brinca comigo. Você é dono da empresa onde eu trabalho,
acho que...
— Já estou com saudade da sua pele, sua boca, seu cheiro. Quero te ver.
Posso?
Uau.
— Eu...
— Posso ir buscar você?
— Agora?
— Sim, agora, em qual campus você está?
— No prédio 4, campus Paulista. Mas...
— Estou indo, linda. Em dez minutos.
Tu tu tu...
Ele desligou.
Céus, e agora? Vou me encontrar com Ricky, melhor ir ao banheiro.
Retoco a maquiagem e arrumo o cabelo. Estou com os pensamentos a mil.
Desejo Ricky, desde a primeira vez que o vi, mas ele e eu... Será? Minha
razão pede a minha atenção, mas não quero ouvi-la no momento.
Vou curtir este momento e não vou pensar no amanhã.
Meu celular vibra novamente.
— Alô?!
— Linda, estou aqui em frente.
— Estou indo — desligo.
Na saída, o que me aguarda é Ricky encostado Range Rover Evoque,
com as pernas cruzadas e mãos no bolso.
UAU...
Só esta imagem faz meu corpo estremecer. Ele é mais que lindo... É
perfeito.
Aproximo-me dele.
— Oi! — falo, com a voz rouca.
— Oi! — E como um cavalheiro, ele abre a porta do carro para mim. —
Entre, linda.
— Claro. — Entro no carro de forma tímida e ele entra em seguida.
Ele vira-se para mim, observando, seus dedos acariciam o meu rosto.
— Foi uma surpresa saber que é prima da namorada do Rubem e ao
mesmo tempo, foi um prazer conhecê-la — ele diz, enquanto tira a gravata, e
a joga no banco detrás. Depois abre dois botões da camisa justa, o suficiente
para me presentear com o formato do seu peitoral definido.
Ricky é forte. Ele dobra as mangas da camisa, liberando o seu antebraço.
Meus olhos seguem seus movimentos, preciso me abanar, este carro está
ficando quente.
Ele continua:
— Você foi a melhor parte do jantar.
— Jantar de grandes revelações, acredito — digo e desvio o olhar do seu
tórax, minhas faculdades mentais estão abaladas.
— Magníficas revelações... Já comeu?
— Não. Mas...
— Janta comigo?
Se você quiser que eu seja o seu jantar, estamos aí.
— Então... — Minha boca fica seca, meus pensamentos estão me
enlouquecendo. — Eu...
— Por favor? — Ele fixa os olhos mel nos meus.
Este olhar me mata.
— Ok.
— Vamos comer — ele diz, enquanto liga o carro e partimos para a
avenida.
No caminho não falamos nada por alguns segundos, sei que ele me olha
discretamente, eu tento ficar calma, olhando pela janela, e para ele em alguns
momentos. Na verdade, ainda não sei como agir ou o que falar. Tudo está
acontecendo tão rápido, que não sei o que pensar.
Ele liga o som do carro e quebra o silêncio.
— Música?
— Tudo bem!
Música é bom para eu relaxar, uma melodia suave toma conta do carro.
Ele fica ainda mais lindo dirigindo.
Pego o meu celular e envio uma mensagem para minha mãe, não quero
que ela fique preocupada.
Ricky nos leva ao Restaurante La Grill, muito elegante. O maitre
cumprimenta o Ricky com uma certa intimidade, acredito que ele venha
sempre aqui, e gentilmente nos acompanha até um espaço reservado para
termos privacidade. O garçom nos entrega os cardápios.
Ele olha para o cardápio e depois para mim.
— Você quer uma taça de vinho?
Como? Amanhã eu trabalho, bebê.
— Melhor não — digo e olho para o cardápio. — Que tal um suco de
laranja?
Quero estar bem sóbria perto de você, Richard.
— Por favor, dois filés ao molho madeira, acompanhados com arroz e
purê de mandioquinha e... dois sucos de laranja. — Ele me encara. — Tudo
bem?
Assinto.
— Pode ir, obrigado.
O garçom sai. Nos deixando sozinhos.
— Obrigada.
— Tudo bem. Se matriculou hoje?
— Sim. Sou uma universitária agora — digo, empolgada.
— Estou feliz por você. — Ele me olha sedutoramente.
— Obrigada!
O garçom retorna com as nossas bebidas.
— Um brinde à sua carreira! — ele sugere, levantando sua taça.
Brindamos.
O tempo pausa por um momento e Ricky me olha profundamente. Faz
um sinal com os dedos e chama o garçom.
— Não traga os pratos agora, te aviso quando.
O garçom assente e sai.
Hein?
— Venha comigo, quero te mostrar algo — ele diz, enquanto estende
sua mão, eu hesito, mas coloco minha mão sobre a dele. Levantamos e Ricky
me conduz para um corredor.
— O que quer me mostrar? — pergunto, curiosa.
— Fica tranquila, não sou nenhum serial killer. — Ele pisca.
— Espero que não. — Aperto a sua mão e dou um beijinho tímido em
seu ombro.
O corredor é extenso, no final tem uma porta preta com acesso restrito.
Ele pega um cartão, que libera o acesso.
Como? O restaurante é dele?
Assim que entramos em uma sala, a luz acende automaticamente.
Fico surpresa ao ver vários quadros nas paredes, com molduras enormes.
São belíssimos, começo a caminhar em direção a eles. Não entendo de arte,
mas acredito que estes são muito valiosos.
— Você gosta de arte? — ele pergunta.
— Sim! — respondo, deslumbrada. — São pintores famosos?
— Sim, alguns contemporâneos, outros clássicos. Como Tarsila do
Amaral, entre outros.
— Aprecio arte, mas não entendo...
Paramos em frente a um quadro enorme, sua moldura de madeira, toda
esculpida com formatos de rosas, chama a minha atenção.
— Meu pai é um grande colecionador, estes quadros recém-comprados
vão para a casa dele, na Califórnia.
— Incrível. É tudo tão fascinante! — Viro-me para ele. — Este
restaurante é seu?
— Da família, nós temos vários empreendimentos.
— E eu sou apenas uma estudante.
— Linda, por sinal. — Ele se aproxima e pressiona o seu corpo ao meu
na parede. O calor que emana dele aquece a minha pele.
— Ricky... — sussurro seu nome, saboreando cada letra.
Posso ver sua expressão mudar e seu rosto perfeito, de bom moço, agora
se transformar em pura luxúria e sensualidade.
— Eu adoro quando você sussurra meu nome, com estes lábios
saborosos. — Seus lábios encostam nos meus e seus dentes mordem meu
lábio inferior, sinto um ardidinho delicioso quando seus dentes o liberam,
minha língua umedece meus lábios, e os olhos mel intenso de Ricky se
tornam brasas.
— Ricky... Assim?
Ele assente, colocando uma das mãos na minha nuca e me envolvendo
com seus lábios. Sua língua passeia com total liberdade na minha boca, e nos
beijamos com intensidade. Neste momento, meu corpo ou minha alma estão
flutuando. O nosso beijo nos conecta de uma forma que não consigo explicar.
Minhas mãos passeiam pelos seus ombros e costas.
Como ele é forte.
Seu calor.
Seu perfume.
Seu corpo.
E seu beijo... É um conjunto perfeito para minha loucura.
Continuamos nos beijando, quase sem fôlego, nos perdendo um no
outro. Paramos, ofegantes, testa com testa. Ele me encara, nossas bocas
entreabertas. Sinto uma de suas mãos percorrer minha coxa, apalpando minha
carne ainda por cima da minha calça jeans, quando chega até meu joelho, o
levanta, abrindo-me para ele, seu quadril se movimenta entre minhas pernas,
e posso sentir o volume da sua ereção... Lá, beeem lá!
Gemo.
Meu sangue pulsa nas minhas veias. Vou perder o controle.
Ele me faz perder o controle.
Mas eu o quero.
Hoje!
Devo?
Sinto suas mãos passearem pelo meu quadril, passando pela minha
cintura e subindo até meus seios. Ele me olha com uma expressão sensual e
delicadamente envolve meus seios em suas mãos, ainda por cima da minha
camiseta.
— Cabem perfeitamente nas minhas mãos! — sussurra.
E, sem pressa, ele desabotoa os botões da minha camiseta, um a um.
Minha ansiedade faz com que minha respiração acelere ainda mais. Quando
ele termina, a joga no chão. Se afasta e seus olhos percorrem meu colo até
meus seios volumosos, saltados nas taças do meu sutiã.
Estou exposta para ele.
Ele caminha, rodeando-me, seus passos lentos me excitam ainda mais.
Sinto-me como uma peça preciosa sendo desejada, ele para atrás de mim,
seus lábios acariciam meus ombros, meu pescoço e com pequenas
mordidinhas no lóbulo da minha orelha, me deixa louca de desejo. Seus
dedos passeiam pelas minhas costas até o fecho do sutiã, ele abre e as taças
caem no chão, suas mãos encontram meus seios e, com os dedos, aperta meus
mamilos, já enrijecidos, me pressionando ainda mais contra o seu corpo.
Minha bunda pode sentir o volume do desejo dele por mim. Inclino minha
cabeça para trás e gemo de excitação.
Ele sussurra em meu ouvido:
— Você é perfeita, Júlia.
— Ricky...
Viro-me para beijá-lo, preciso de sua boca. Ele levanta-me com os
braços e eu travo as pernas em sua cintura, levando-me até uma mesa vazia
no canto da sala e me coloca delicadamente. Fico com os seios expostos e
não sinto vergonha.
Não com ele.
Ele percorre meu corpo com dois dedos, parando no cós da minha calça.
Abre e a tira, sem pressa.
Com os olhos fixos em mim, seus dedos massageiam minha parte mais
sensível ainda por cima da calcinha.
Céus. Estou pronta, encharcada para ele.
Ele apossa-se do meu corpo.
— Júlia, quero provar você...
Gemo, mordendo meu lábio inferior.
Ele afasta a fenda da minha calcinha nada sexy.
— Você está molhadinha, pronta para mim. Linda!
Os dedos grossos de Ricky me penetram, sabendo exatamente como me
tocar e me fazem flutuar, estou tão excitada, que sinto ondas de desejo e
prazer percorrerem meu corpo. Com os olhos nos meus, ele tira os dedos e
leva-os à boca.
Saboreando-os.
— Deliciosa.
— Ricky... Por favor... — imploro por mais.
Seus lábios abrem-se em um sorriso safado, ele tira a minha calcinha,
estou toda nua. Me sinto sexy, ele me faz sentir sexy, o olhar dele está
carregado de luxúria, sua boca toca minha coxa.
Que boca.
Ele vai descendo delicadamente, saboreando minha pele nua, até minha
entrada.
— Vou chupar você... Vou devorar você...
Rugidos e gemidos saem da minha boca, ansiosa, excitada.
E ele o faz, me fode com boca, sua língua percorre meu clitóris com
necessidade, me explorando, me instigando, me provocando. Meu corpo
incendeia de prazer. A visão dele entre minhas pernas tinha que ser
emoldurada, de tão perfeita. Ele toma posse do meu sexo, me encharcando
ainda mais. Inclino minha cabeça para trás, sinto um calor possuindo o meu
corpo. Nunca me senti assim.
É intenso.
— Ricky... — Seu nome sai com um sussurro.
Céus, sua boca, sua língua e seu dedo, me levam à loucura. Meu corpo
inclina-se no frenesi do momento. O desejo que sinto pelo Ricky faz com que
meu corpo tensione a cada investida, quero o clímax, estou perto, mas não
quero que este momento acabe.
— Goza para mim, Júlia. Goza na minha boca, linda.
Não consigo mais me segurar e o meu corpo responde a sua ordem,
chegando ao clímax. Enquanto eu gozo contra a boca de Ricky, ele lambuza-
se com o meu mel, sugando até o último vestígio. Meu corpo trêmulo e
exausto, desmancha-se na mesa, liberando toda a tensão e necessidade que
tinha dele.

Ainda estou ofegante, meu corpo está com sensação de pós-orgasmo. Eu


levanto, me aproximo dele, que está entre minhas pernas. O seguro pela
camisa e nos beijamos insaciavelmente.
Interrompo o beijo e o encaro.
— Foi maravilhoso...
— Adiantei minha sobremesa — ele diz, enquanto seus olhos percorrem
meu corpo nu. — Você é muito gostosa, Júlia. — Eu coro. — E linda. — Ele
acaricia com os dedos meu rosto. — Preciso alimentar você, vamos jantar?
— Mas...
— Vamos ter tempo. Hoje eu quis te dar prazer.
Sorrio.
Mas gostaria de dar prazer para ele, como fez comigo. Foi indescritível
esse momento, uma mistura de... Não sei, estou confusa.
Espera! Ele falou que teremos tempo?
— Vou pegar suas coisas. Aquela porta é um banheiro, se quiser ir lá,
para se recompor, te aguardo aqui.
Ele entrega minhas roupas que estavam jogadas no chão e eu atravesso a
sala, completamente nua, com seus olhos sobre mim. Não sei como eu
consegui fazer algo tão sexy, mas não tenho vergonha de estar nua na frente
dele. Estou me sentido muito... Muito mulher com ele.
Quando voltamos ao grande salão do restaurante, em segundos nossos
pratos estão sobre a mesa. Estou faminta e a comida é divina. Conversamos,
rimos e nos conhecemos. Contamos histórias engraçadas, falamos do passado
e aproveitamos a companhia um do outro.
Incrível como neste momento somos somente...
Júlia e Ricky.

— Ei, gatinha, acorda. — Ricky acaricia meu rosto e eu desperto.


— Chegamos? — pergunto, enquanto bocejo.
— Sim, na rua. Mas qual é sua casa?
— Logo ali na frente, aquele prédio azul.
Ele estaciona na frente do meu prédio.
— A noite foi incrível, obrigada — agradeço e suspiro baixinho.
— Posso ligar para você? — Ele me encara. Colocando o braço sobre o
meu banco e acariciando meu cabelo.
— Ricky, eu...
— Vamos curtir o momento, não tem com que se preocupar. — Seu tom
despreocupado gera em mim uma sensação de vazio.
— Claro que tenho, você é meu chefe — lembro-o, enfática. — E eu...
— E você...?
— Não quero criar expectativas. Porque...
— Então não crie — ele me corta. — Quero curtir você e acredito que
queira o mesmo. Vamos aproveitar o tempo que eu estou aqui no Brasil.
— Você tem planos de ir embora?
— Sim. O meu trabalho exige isso.
Como assim, ele vai embora?
— Ah... — Meu semblante se torna triste, por saber que ele vai embora,
não consigo disfarçar.
— Júlia, o que eu posso oferecer a você são momentos prazerosos. E só.
— Seu tom sincero e frio me paralisam.
Bem-vinda, senhora realidade.
E o que eu podia esperar? Eu sou muito burra. Não acredito que caí
nesta sedução toda. Júlia, sua idiota, ele deve ter várias amantes. E, você,
sentindo-se a especial.
— Momentos prazerosos... Entendo! — repito, para ele e para mim,
minhas mãos ficam úmidas, estou desconfortável com esse vazio que estou
sentindo, fico olhando minhas mãos, tentado cair na real.
— Júlia, olha para mim. — O encaro. — Vejo você como uma mulher
que gosta de curtir momentos, e não os desperdiçar. Não vou mentir para
você, não quero compromisso, quero momentos. Entendeu? Como posso
explicar...
— Entendi, Ricky. — Hesito um pouco, mas continuo: — Não precisa
explicar, você não quer relacionamento, quer sair comigo, transar comigo e
ainda, como eu posso explicar... — Sinto minha voz embargar, respiro fundo.
— Tivemos somente um momento, você não vai me pedir em namoro, e é
claro que eu nem quero, mas você é encrenca, e o lado mais fraco, que sou
eu, sempre sai perdendo. Me chame de tola, se quiser, mas me considero
muito especial para ser lembrada somente como um momento. Preciso ir. —
Abro a porta.
— Júlia, espera. — Ele tenta me impedir, segurando o meu braço.
— Ah, mais uma coisa, obrigada por ter me feito gozar, eu vou me
lembrar deste momento.
Ele arregala os olhos e libera o meu braço.
Saio do carro em um único impulso e bato a porta. Ando sem olhar para
trás, com um nó na garganta e os olhos cheios de lágrimas.
No dia seguinte, acordo me sentindo exausta, dormi muito tarde
e ouvi um sermão da minha mãe, por conta da hora que cheguei. Estou com
olheiras horríveis e nem a maquiagem conseguiu disfarçar minha decepção.
Merda.
Inconsciente, me envolvi com um príncipe encantado, que me
desencantou no primeiro encontro.
Não consigo esquecer o que aconteceu ontem. Eu, o Ricky, nosso beijo,
seu toque... Foi muito intenso, como ele pode ser tão frio ou tão sincero? Não
estava pensando em namoro, não era isso, mas nos conhecermos, sim, isso eu
queria.
Juro que por um segundo pensei em deixar meu ego, para continuar a
ficar com ele e ter os tais momentos, na verdade, encontros, sem
compromissos ou qualquer sentimento.
Mas quando eu o visse com outra mulher... Eu não sou o tipo de garota
que suportaria ser descartada, sou intensa, verdadeira e apaixonada. Sim. Eu
me encantei por ele, desde a primeira vez que encontrei o seu olhar.
Olhos cor de mel intensos...
Ontem, eu tive a prova, os momentos em que passamos juntos, ele fez
meu corpo estremecer. Estou perdida, vê-lo todos os dias, sem poder tocá-lo,
vai ser o meu martírio.
Meu sonho era ter o que tenho agora: emprego e universidade. Ganhei
de brinde uma paixão. Estou perdida com ela dentro de mim, não sei o que
fazer, se ele for embora, como falou, eu vou tentar esquecê-lo, e aí... Ele vai
embora. Sinto um aperto no coração, uma tristeza toma conta de todo o meu
corpo, me deixando ainda mais exausta. Quero parar de pensar nele, mas não
consigo.

No escritório, em todos os momentos, fico ansiosa para ver o Ricky, na


verdade, não quero vê-lo, sinceramente não sei o que quero. Ele e a Ellen
ainda não chegaram.
O Edu cuida do marketing digital da W.E Universities, no Brasil. Ele é
bem atencioso, mostrando-me como funciona tudo, ouço uma gargalhada de
longe, que se torna mais próxima quando Ellen e Ricky entram no escritório.
Ele ainda não me viu, estou no fundo. Afundo um pouco meu corpo na
cadeira, para tentar me esconder, atrás do computador.
— Boa tarde, pessoal — Ellen fala sensualmente para todos, sua voz
preenche o local e todos respondem educadamente a chefa soberana, dou
uma espiadinha, e a filha da mãe está linda como sempre, me abaixo
novamente, não quero chamar a atenção. — Ricky, venha comigo...
Graças a Deus eles saíram, volto a minha postura normal. Merda. Na
verdade, estão vindo para a mesa do Edu. O Ricky já me viu e está olhando
para mim, desvio o olhar. O que ela vem fazer aqui? Nossa, ele está tão lindo
com esse terno azul...
Júlia, chega!
Não posso ficar perto dele, perco meu eixo. Ainda bem que Edu está ao
telefone, com isso ele não percebe meu desconforto.
— Olá, Edu — Ellen diz, sem se importar que ele está ao telefone.
Vaca.
— Ok, nos falamos. — Edu finaliza a ligação, assim que percebe sua
presença. — Olá, Ellen. Como vai, Richard?
— Estou ótima. Eduardo, amanhã teremos uma reunião para acertamos
os conteúdos das mídias, acredito que a sua equipe já tenha criado a
estratégia? — pergunta Ellen para Edu.
— Sim, temos muitas ideias e o orçamento cobre. Os comerciais da
mídia aberta já deram um bom resultado ontem — responde Edu, empolgado.
— Eu sei, parabenizo vocês por isso — diz Ricky.
— Obrigado — Edu agradece, satisfeito.
Ricky desvia olhar de Edu para mim.
— E ela, quem é? — Ricky pergunta, e todas as atenções voltam-se para
mim.
— Claro, desculpe. Esta é a Júlia, da nova equipe — Edu, meio
desconcertado, me apresenta.
Eu arregalo os olhos, com um ódio mortal. A Ellen permanece
indiferente e Ricky me olha com um sorrisinho no rosto. Acredito que está se
divertindo com a situação, depois de um silêncio enlouquecedor, ele fala:
— Como vai, Júlia? Está gostando da W.E?
Estou com o rosto queimando, parecendo uma pimenta, gostaria de ter
permanecido invisível. É muito difícil tê-lo na minha frente como chefe,
depois de ontem, quando ambos estávamos tão entregues... Quer dizer, eu
estava entregue. Ele estava vivendo o maldito momento!
Pisco umas três vezes e olho para Edu, que faz cara de não entender o
motivo de eu não responder.
— Estou bem — enfim, consigo falar. — Estou adorando a... a... W.E.
— Minha voz falha um pouco, por conta do meu nervosismo.
— Ela é ótima, aprende muito rápido — comenta Edu, tentando me
livrar do meu embaraço.
— Ótimo, a quero na reunião, amanhã.
— COMO? — grito, minha boca fica seca e não há ar nos meus
pulmões.
Edu arregala os olhos, surpreso com a minha reação. Ellen vira-se para
olhar Ricky, sua expressão é de curiosidade.
— Quero desenvolver profissionais aqui, tudo bem? — Ricky pergunta
para mim, sua expressão é séria, ele cruza os braços, aguardando minha
resposta. Como se eu tivesse escolha.
— Claro, será ótimo — respondo.
— Obrigada, Edu. Vamos, Ricky, temos muito a fazer — Ellen fala,
conduzindo-o para sua sala.
Eles saem, sem olhar para trás. Estou congelada, sem saber como agir,
minhas mãos estão geladas.
— Muito bom, Júlia.
— Como assim? Estou pronta para uma reunião? — pergunto, aflita.
— Aqui você aprende na prática, aproveita. E, outra coisa, vai ser um
prazer tê-la ao meu lado. — Ele pisca, com ar divertido. — Vou pegar um
café, quer?
— Não, obrigada.
— Ok, volto logo, com licença. — E assim ele vai para a copa.
Concentro-me em olhar para o notebook, mesmo que não tenha noção
do que está na tela. Abro o Word. E começo a digitar “Ricky, te odeio” sem
parar, despejando nas teclas do notebook toda a minha raiva e frustração.
Meus dedos clicam sem parar, e cada vez que digito seu nome, penso em
nossos momentos e sinto mais raiva.
O que Ricky quer comigo? Me torturar? Só pode.
Ficar perto dele é perigoso, me desconcentra, perco o controle, estou
mais envolvida com ele do que posso imaginar, paro de digitar e afundo a
minha cabeça entre meus braços em cima do notebook, ele me atraiu de uma
forma que não consigo explicar, se houvesse um filme para contar meu drama
atual seria “Atração fatal”. Sorrio com a minha piada sem graça. Balanço a
cabeça, preciso afastar Ricky dos meus pensamentos, então respiro fundo,
várias vezes. Apago o arquivo do Word e abro o relatório que preciso revisar.
Tenho que desviar meus pensamentos para o trabalho, penso na reunião,
participar de uma reunião deste nível vai ser ótimo para mim, como o Edu
disse, aqui aprendemos na prática e realmente é verdade. Estou no setor que
eu quero atuar, vou me estruturar na universidade, mas é aqui que eu vou
aprender de verdade.
Então vamos para cima, Júlia.
O dia passa voando, o Ricky fica o resto dia com Ellen na sala de
reunião.
Vaca.
Pego minha bolsa e me preparo para sair, quero chegar cedo em casa e
descansar. Passo na frente da sala de reunião e escuto a voz irritante da Ellen.
Vou para o hall, o elevador chega bem rápido. Em minutos, já estou no metrô
e, em quarenta minutos, estou em casa.
Um banho maravilhoso relaxa meu corpo, coloco meu pijama
confortável de flanela, faço um lanche e pego meu notebook. Lembro que
faltam cinco dias para começar as aulas, não vejo a hora. Com a universidade,
eu vou ter minha mente ocupada, sem ter tempo para pensar em Richard
McGuire.
Entro nas redes sociais da universidade, tem muitos anúncios, pesquiso
um pouco sobre o marketing digital das outras redes, e é aí que a W.E coloca
sua marca. Vejo umas dez vezes os comerciais e campanhas anteriores,
realmente a ideia é: “W.E é a única opção de ensino com qualidade”, então as
propagandas te conduzem para esse raciocínio. Eles sabem fazer a diferença,
pesquiso as reclamações, pois tem que ter algumas insatisfações.
Por mais que não abra a boca na reunião, vou pronta para qualquer
pergunta que possa surgir.
Meu celular vibra, é a Guta me mandando mensagem:

Guta – Fala, girl. Como foi hoje?


Eu – Oi, Guta, ótimo. O Edu é o cara.
Amanhã eu participo de uma reunião.
Guta – Massa, girl, arrasa. Eu vou estar contigo amanhã, terminei
os relatórios de pesquisa com a Celi. Vamos trabalhar juntas e almoçar
no Chill.
Eu – Combinado.
Guta – Beijo, girl.
Eu – Beijo.

Fico um tempo olhando para a tela do celular, a Guta é uma pessoa alto-
astral, dei muita sorte, encontrei pessoas certas para trabalhar comigo.
Meu telefone celular vibra de novo.
É o número do Ricky, sério isso? O que ele quer? Me perturbar mais do
que já estou? Só de pensar nele, meu corpo já esquenta. Ele está me enviando
uma mensagem.
Não vou ler.
Quer saber, vou ler, sim. Vamos ver o que o “senhor momentos” tem a
dizer.

Ricky – Tudo bem, linda?

Não.
Meu subconsciente responde de imediato.
Ele me chamando de linda é covardia. Jogo o celular do outro lado do
sofá e me concentro no computador.
Tento. Mas não consigo.
Ouço novamente o celular vibrar, tão forte que o sofá vibra junto. Pego-
o, não aguento de curiosidade.
Ricky – Linda, fala comigo.

Vou responder, assim acabamos com essa palhaçada de vez.

Eu – Tudo bem?
Ricky – Não, precisamos conversar.
Eu – O que vc quer, Ricky?
Ricky – Estou com saudade.
Eu – Achava que o Senhor Momentos não se apegava a momentos

Pronto, falei.

Ricky – Sei que fui ríspido contigo. Mas sou direto.


Eu – Tudo bem, é vida que segue.
Ricky – Tem certeza? Podemos nos divertir muito. O seu gosto
ainda está na minha boca.

Filho da mãe.
Só de pensar, fico sem ar.
Como ele consegue ser tão sexy?

Eu – Ricky, estou ocupada, nos vemos amanhã, na tal reunião.


Ricky – Vai ser bom para você, é uma grande oportunidade.
Eu – Sim, e como agradecimento, topo ser sua garota de momentos.

Digito tão rápido, que mal penso no contexto. Estou furiosa com ele.

Ricky – Você está entendendo tudo errado, foi mérito seu, você foi
elogiada, eu não seria capaz de... Você não entendeu.

Acho que fui muito dura.

Eu – Desculpe, não foi minha intenção ofender vc.


Ricky – Tudo bem, agora aproveita a oportunidade. Boa noite.

Fico esperando mais alguma mensagem.


Sem sucesso.
Ele não envia. Não sei o que pensar, ele tem o dom de me deixar
perturbada. Se ele soubesse como eu quero ficar com ele, beijá-lo todos os
dias e sentir seu perfume.
Sou uma romântica tola. Como passou pela minha cabeça que teria um
romance com esse homem? Melhor eu desligar meu notebook, estou cansada,
vou ouvir música. Coloco o fone no meu celular e ativo minha playlist. Meus
pensamentos permanecem em Ricky, nos momentos que tivemos ontem. Não
sei quando, mas adormeci com meus pensamentos.
— Girl, você está linda! — Guta admira meu look. — Você
caprichou para a reunião.
— Você acha?
Mas, sim, eu caprichei. Estou usando um vestido preto com um decote
comportado, porém, sensual. Sapatos vermelhos, emprestados da minha mãe,
que particularmente são bem elegantes. Arrumei meus cabelos com cachos
largos e fiz uma maquiagem caprichada.
Tenho que impressionar nesta reunião. A equipe de Marketing é
elegante.
— Você está linda.
— Obrigada, Guta.
O Edu vem ao nosso encontro.
— Guta, hoje você vai auxiliar a Celi. — Olha para mim. — Uau. E
você, senhorita, em dez minutos na sala de reuniões, ok?
— Claro, senhor. — Sorrio.
— O homem já chegou — diz Edu, enquanto arruma os papéis para a
reunião.
— Vou tomar um café, até mais, Guta. Edu, já volto.
Vou até a copa, preciso tomar um café, senão vou surtar. A presença do
Ricky me desestabiliza. Eu tenho que tirar este cara da cabeça.
— Olá! — Viro-me e a Ellen está parada na porta da copa, perfeita,
como sempre. Seus olhos métricos me avaliam.
— Olá, a reunião já vai começar? — procuro saber, com meu cafezinho
nas mãos.
— Já devia estar na sala.
— Sim, claro. — Com um gole, finalizo meu café. — Estou a caminho.
— Ela abre passagem e eu voo para fora da copa.
Vaca.
Respiro e entro na sala de reunião com meu bloco de anotações.
Estão todos conversando em pequenos grupos. A sala é ampla, com uma
mesa oval ocupando o centro e cadeiras confortáveis.
Avisto o Ricky, lindo como sempre, está entretido em uma conversa
com um grupo de homens, vou até Edu, que impaciente revira seus papéis.
— Oi! Tudo certo? — pergunto para o Edu.
— Não, estou nervoso. Tenho várias ideias e quero passá-las de uma
maneira incrível.
— Cara, você é um máximo, relaxa. — Ele me encara com um olhar
carinhoso.
— Obrigado, Júlia.
Ellen entra na sala e todos param. Ela realmente impressiona.
— Bom dia a todos! Vamos nos sentar — Ellen diz, enquanto desfila
pela sala.
Ela se posiciona ao lado de Ricky, em pé, coloca a mão em seu ombro, e
continua:
— Vamos começar, Ricky!
Ele levanta e começa a falar, suas palavras entram e saem pelo meu
ouvido, sem entendimento, estou totalmente hipnotizada pelo seu corpo todo
másculo, sexy, moreno, gostoso... Eu poderia congelar o tempo, me ajoelhar
e pegar seu pau, que ainda não vi, e chupá-lo. Colocá-lo por inteiro na minha
boca e degustá-lo...
Céus! Eu sou uma pervertida.
Sacudo a cabeça para afastar esses pensamentos obscenos da minha
mente.
— Júlia... — Alguém me chama e eu saio do meu devaneio sexual.
— Sim, quem? — pergunto, perdida.
— Aqui!
Meu Deus, é o Ricky. Ele estala os dedos, para chamar a minha atenção.
— Tudo bem? — ele pergunta.
E todos os olhares estão em quem? Em mim!
Merda.
— Tudo ótimo. — Pigarreio. — Continue, por favor.
— Claro, gostaríamos de desenvolver ótimos profissionais, por isso você
está aqui hoje. Vai aprender na prática como funciona a área que está
estudando. Então, aproveite.
Nossa.
Levanto-me e o olhar do Ricky se torna um mel intenso. Ele percorre
meu corpo com os olhos em chamas, mas ninguém percebe, pois estão me
esperando falar.
— Obrigada, vou dar o meu máximo, lembrando que todos da equipe
foram bastante amistosos comigo, estou com muitas expectativas referente à
W.E Universities.
— Certo. — Ele pausa por um momento e retoma: — Ok, agora vamos
falar sobre a ação de marketing nas mídias sociais. Acredito que temos ideias
aqui. Edu, pode começar.
O Eduardo está extremamente nervoso, mas inicia apresentado os
números com a ação atual e o que podemos alcançar, a Ellen intervém em
alguns momentos.
Presto muita atenção e anoto os pontos fortes da reunião. É tudo muito
excitante, o Ricky realmente é o cara quando se fala em comunicação, está
dando uma grande aula gratuita para todos. Começa uma pequena discussão
referente a investimento em mídia e propaganda, a discussão é investir em
alguém famoso ou em alguém da internet para transpor a marcar. Enfim, eles
estão avaliando os influenciadores como uma forma de relacioná-los à marca,
até porque os seguidores são o nosso público.
Todas as estratégias são feitas e a reunião termina, com sucesso, todos
muito satisfeitos.
Minha primeira reunião, sempre adorei comunicação, sabia que esta é
minha área.
— Então, obrigado a todos, vocês foram excelentes — Ricky finaliza.
Todos vão saindo da sala, Ricky permanece conversando com a Ellen.
— Júlia, almoço? — sugere Edu.
— Sim, vou almoçar com a Guta, no Retrô Chill, vamos?
— Lanche, não! Deixa para a próxima.
— OK.
Olho para o Ricky, ainda está com a vaca. Melhor eu encontrar a Guta
para almoçarmos. Levantamos para sair.
— Júlia — olho para trás —, depois que você retornar do almoço, vá
direto para minha sala, tenho algumas tarefas para você — Ellen solicita, com
os braços cruzados e um olhar indecifrável.
— Certo, até mais. — Ando tranquilamente até a porta, com vontade de
correr.
O que ela quer comigo?
Encontro Guta no térreo para almoçarmos no Chill, preciso descontrair,
estou tensa e triste. A Guta é alto-astral e vai me tirar desta fossa pós-foda.
Quando entramos no Chill, a galera está toda por aqui: Johny, Day e
Rael. Como é bom vê-los, não estamos no mesmo setor, com isso, não nos
vemos mais.
— Oi, gente! — falo, com um sorriso gigante no rosto.
— Garota, você está um arraso — comenta Johny, me dando um abraço
apertado.
— Agora eu participo de reuniões, dá licença!
— Como assim? — Day pergunta, seu tom é curioso.
— Hoje participei de uma reunião do marketing, relacionada às mídias
sociais.
— Entendi — diz Day. E revira os olhos.
Qual é a dela?
— Legal, garota. — Recebo um abraço de Rael.
— Como você está, Rael?
— Bem, meu setor de matrículas é bem legal.
— Mudando de assunto. Agora, música. E, Júlia, você dança comigo —
diz Johny, indo até o Jukebox e colocando uma música bem dançante. —
Merengue, vem, Ju — me chama com os braços esticados, remexendo os
ombros.
— Não... Não sei dançar.
— Todos sabem dançar com o Johny. Se entrega, girl — Guta me
encoraja.
— Ok, mas você me ensina?
Seguro sua mão.
— Vem. Passo para lá e para cá. — Johny me ensina alguns passos,
depois pega na minha cintura e me gira, fico leve e deixo-o me conduzir. Ele
é bom, me envolve no ritmo.
— Você está indo bem, Jú — comenta, surpreso com o meu swing.
Quando acabamos, nos juntamos com a galera.
— Fizeram os pedidos? — quero saber.
— Não, o Chill está enrolado e parece que Duda não veio hoje —
responde Rael.
Chill vem até nossa mesa, totalmente sem fôlego.
— Peçam, gente!
— O que houve com a Duda? — Rael pergunta para o Chill.
— O filho dela está muito doente — responde Chill. — Agora façam os
pedidos.
Fazemos e ele sai, com pressa.
— Não sabia que ela tinha filho — indago, surpresa.
— Tem, sim, um menininho de quatro anos — completa Guta.
— Melhor ligamos para ela depois — começa Rael, meio sem jeito —,
para saber como a criança está.
— Com certeza — apoio.
— Jú, temos uma balada para ir, você vem com a gente? — Johny muda
de assunto.
— Isso, vai ser bem legal, é em uma boate aqui no centro — Guta
completa o convite.
— Não é a vibe dela, essas festas — comenta Day, com ar de deboche.
— Você vem? — Johny insiste.
— Não sei...
— Falei — Day interrompe novamente.
Qual é a dela? Essa garota arrogante está me tirando do sério.
— Ok. Eu vou. Quando vai ser?
— Legal! — Johny, bate palminhas, empolgado. — Vai ser neste final
de semana.
— Combinado — aquiesço.
Chill se aproxima com os nossos lanches. Comemos rápido, pois
estamos em cima da hora com o horário do almoço.
Quando voltamos ao prédio, vou direto para a sala da Ellen, ver o que
ela quer me passar.
Será que ela percebeu o clima entre Ricky e eu?
Respiro fundo e bato à porta.
— Pode entrar. — Ouço a voz dela de dentro da sala.
— Com licença.
Entro e a vejo plena, atrás de sua mesa de vidro, com um ar de chefe,
que chega a ser invejável. Ellen é o tipo de mulher poderosa, sabem? Aquela
mulher que inspira, que impõe. Isso, eu tenho que admitir.
— Senta-se, por favor.
Desvio o olhar para a cadeira em frente à sua mesa, vou até ela, minhas
mãos suadas demonstram o meu nervosismo, sento e a encaro.
— Você tem tarefas para mim?
Ela levanta e inclina-se na mesa, levanto um pouco a cabeça para olhá-
la. Eu acho que essa posição foi proposital, ela quer se mostrar superior.
— Sim, tenho, vejo que Ricky é bem generoso com os novos e está
sendo com você.
— Não entendi. Generoso?
Levanto, e olho bem em seus olhos. Agora podemos conversar melhor.
— Você é muito inteligente, sei que vai se dedicar muito para crescer.
— Ela contorna a sua mesa e para na minha frente. — Com isso, quero que
você faça uma grande pesquisa referente às críticas negativas dos nossos
estudantes. O que eles falam sobre nós, e como eles nos veem como
universidade.
Tudo bem, ela me ignorou. E permaneço com a dúvida do termo:
generoso.
— Os veteranos?
— Sim, você consegue? — desafia.
— Claro. Para quando? — respondo, sem hesitar.
— Segunda-feira. Eu quero números e fatos.
— Certo.
— Obrigada, pode ir.
— Ellen, obrigada.
Ela assente e vira-se, voltando para a sua cadeira.
Saio da sala, aliviada.
Pensei que ela me mudaria de setor, no entanto, me delegou uma tarefa.
Só por isso não vou mais chamá-la de vaca. Ainda assim, não gostei da sua
insinuação. Retorno para a mesa do Edu, que me apresenta o sistema do e-
commerce, responsável pelas vendas de produtos com a marca da W.E.
Ele é muito bom no que faz.
O dia termina maravilhosamente e eu inicio a pesquisa solicitada pela
Ellen.
Acabo me empolgando e fico até tarde. Vou até a copa tomar um café,
antes de ir embora. Já saíram quase todos, o setor está praticamente vazio.
Penso na reunião, a primeira de muitas que terei.
Foi incrível.
Melhor eu ir, já está ficando tarde. Saio da copa e me viro para ir à mesa
do Edu.
— Aiiii...
Sou puxada com força para dentro de uma sala, que é rapidamente
trancada por quem? Ricky, que coloca a mão na minha boca, e faz sinal de
silêncio para eu ficar quieta. Com os olhos arregalados, aquiesço.
— O que foi isso? — falo, alto.
— Fala baixo, Júlia. — Ele faz sinal para eu baixar a voz.
— Você gosta de me assustar — reclamo, contrariada.
— Eu gosto mais de te dar prazer. — Ele sorri sugestivamente.
— Não começa, Ricky.
— Você vem para reunião com este vestido, me provocando o dia
inteiro. E sou eu quem está começando? — E, com o olhar intenso, ele me
provoca.
— Não tive esta intenção, desculpe, Sr. McGuire — falo, irônica.
Ele dá um passo na minha direção.
Merda.
— Não paro de pensar em você, Júlia — ele sussurra, meio
desconsolado.
E meu corpo, que perto dele tem vida própria, já reage, eu acho que
todos os pelos do meu corpo estão arrepiados. Parece um ímã. Não consigo
evitar, quero me jogar em seus braços e beijá-lo intensamente.
Mas, não! Preciso sair daqui. Agora!
— Ricky, já conversamos. — Me afasto. — E que sala é esta? —
improviso, olhando ao redor.
— É provável que seja minha.
Hein? Meu coração acelera. Ele vai ficar?
— Como? Se você não vai ficar? — adiciono e cruzo os braços.
— Talvez eu fique um pouco mais. E vou precisar de uma sala. — Ele
escora em sua mesa e cruza os braços definidos. — Você quer que eu fique?
— Sim, a empresa precisa de você. — Desvio o olhar.
— E você?
— E... Eu? — gaguejo, me questionando, ele consegue me deixar
perdida. — Para com isso, Ricky. O que você quer?
Sério? Que pergunta.
— Você.
Fico sem ar, porque é assim que me sinto perto dele, sem ar. Mas eu sei
que para ele eu não passo de mais uma conquista.
Não posso.
— Por que eu? Você pode ter momentos com qualquer mulher, basta
escolher — falo, exausta.
— Você entendeu tudo errado. Não quero usar você. Quero você e você
me quer. Eu sei que me quer. — Ele joga as mãos sobre a cabeça. — E,
acima de tudo, quero tirar este vestido. Sonho com isso desde quando você
entrou na sala de reuniões.
Ele sorri maliciosamente.
— Para com isso, por favor. — Dou um passo para trás, preciso sair
daqui.
— Não entendo você — diz, enquanto inclina-se em sua mesa e bufa,
balançando a cabeça, confuso.
— Imagino que não. É uma pena. Melhor eu ir. — Vou até a porta. Ele
me detém, segurando o meu braço e puxando-me para perto dele. Encosto a
testa em seu peito e inalo o seu perfume.
Céus.
Fecho os olhos, já envolvida pelo seu calor. Como desejo este homem!
Não posso ficar perto dele, sei que perco o controle.
— Olha para mim — sussurra, levantando o meu rosto com as mãos e
me olhando profundamente. — Fica comigo.
Meu corpo derrete, escorrendo em seus braços, seus lábios encontram os
meus, ele me beija, mantenho os olhos fechados e apertados. Saboreando o
beijo mais doce e intenso que já tive. Precisamos um do outro, sinto isso, meu
coração acelera e posso ouvir o dele. Nosso beijo fica com sabor de
necessidade e com uma vontade violenta de ter um ao outro. Estou em
chamas, eu o desejo imediatamente.
Suas mãos me devoram, tocando e apalpando todas as curvas do meu
corpo. Quero senti-lo. Então, começo a tirar sua camisa, desabotoando-a com
pressa, quando termino, acaricio seu peitoral definido, estou faminta, meus
olhos acompanham minhas mãos e eu faço uma rota até o cós da sua calça,
sem demora, abro-a.
Ajoelho-me para poder baixá-la, liberando da sua cueca boxer, seu pau
grande e grosso.
— UAU! — exclamo, em voz alta, e posso ouvir seu gemido misturado
com seu riso, ao me ver tocar e apreciar seu membro.
Penso por alguns segundos no meu devaneio sexual na reunião, e sorrio,
pensamentos podem se tornar realidade.
Minhas mãos percorrem todo o seu comprimento, aplaudindo e
saudando, como é lindo, estou faminta para prová-lo, minha língua degusta
uma gotinha de prazer que está na cabecinha, e posso sentir seu pau pulsar,
depois umedeço os meus lábios, nossos olhos se encontram e eu faço o que
tenho vontade, caio de boca.
— Calma, garota, vem cá, preciso foder você. — Ele me levanta, me
virando de costas. Me apoio na mesa. Ele abre com pressa o zíper do meu
vestido, que fica na parte detrás, e quando a seda cai no chão, ele geme ao ver
meu traseiro com uma lingerie vermelha de renda. — Você me deixa louco!
— E, me pressionando ainda mais na mesa, me deita e arranca minha
calcinha. — Abre as pernas, linda. — Ele me toca delicadamente. — Está
molhadinha para mim. Vou devorar você, como você me devorou!
— Por favor — imploro.
— Ah, vou comer você tão fundo... É o que você quer?
— Sim...
Ouço-o abrir o plástico da camisinha. Estou salivando, para tê-lo e senti-
lo, suas mãos seguram meu quadril e o meu sexo molhado e inchado está
vibrando para recebê-lo, quando ele me penetra devagar, sinto seu calor, sua
grossura.
— Tudo bem, linda?
— Hum...
— Posso ir mais fundo?
— Ahhh... Sim.
Meu corpo se abre para ele.
Ele aumenta o ritmo, com estocadas contínuas, me penetrando cada vez
mais fundo.
Gememos juntos.
Quando ele entra por completo dentro de mim, eu estremeço, meu corpo
vibra, senti-lo tão fundo é o ápice do prazer. Estava esperando por isso,
nossos corpos estão conectados. Ele acelera ainda mais as estocadas,
segurando minha cintura para ter impulso. Um calor inebriante percorre meu
corpo, estou absolutamente entregue para este momento. Na verdade, estou
completamente apaixonada por ele. Meus olhos, já com lágrimas de
felicidade talvez, enxergam a real situação.
— Júlia... — ele grita meu nome e o seu membro pulsa dentro de mim,
sei que está chegando lá.
Nossos corpos, encharcados de prazer, se chocam cada vez mais rápido,
não posso controlar o orgasmo intenso que me atinge, e desabo na mesa, sinto
a pressão do membro do Ricky dentro de mim e o seu corpo cai, em êxtase,
ao meu lado. Ficamos ali, intactos, suados, por alguns segundos, respirando
intensamente, até que eu me viro e o beijo amorosamente. Meu beijo
desesperado o surpreende e ele entende que o quero, não por um momento.
Ele me olha nos olhos e segura o meu rosto com as palmas das mãos.
— Desde quando você saiu do carro, eu não paro de pensar em você.
Observo seu rosto, seu olhar e permaneço calada. Não sei o que dizer.
Pela primeira vez, não sei o que dizer.
— Fala comigo, do que você tem medo?
Meus olhos são intensos.
— Disso, Ricky. De Você. De Mim. De nós. Eu estou sentindo algo, por
você... Que me desestabiliza. Quando estou contigo, eu... Eu perco o eixo, sei
lá.
— Mas isso não é bom? — sussurra, confuso.
— Sim, é. Quer dizer... Não. Você é dono da W.E Universities, e eu,
uma funcionária bolsista. Você quer momentos. Eu, romance. Você vai
embora e eu... Chega. Melhor eu ir.
— Para, vamos viver... Depois é depois.
— Como assim, viver? Eu viveria se esta conexão entre nós não fosse
tão forte.
— Eu sei. — Ele hesita, mas continua: — Sinto isso. Tem algo em você
que me prende, Júlia. Me deixa louco.
Tenho que perguntar.
— A Ellen, vocês dois tiveram ou têm algo? O vi no shopping com ela,
pensei, que...
— Sim, tivemos! Vou ser honesto contigo. Sempre tivemos, somos
amigos e amantes, desde sempre. Mas nunca foi sério. Ela...
— ...Aceita momentos, certo?
Ele hesita novamente. Mas conclui:
— Sim.
— Não, isso não é para mim. Sei que vou me machucar e sabe o que vai
ser pior? Não vou ter dinheiro para ir a Nova Iorque afogar as mágoas, como
a Ellen. — Sorrio, nervosa. — Tenho que ir, foi maravilhoso. Mas é melhor
ficarmos longe.
—Eu não quero ficar longe, estou curtindo você.
— Eu sei... Eu, a Ellen, e quantas mais aí pelo mundo, suas viagens... —
Argh... —Tenho que ir. — Me recomponho. E lembro-me de que estou na
empresa.
— Júlia, eu sei bem o que está pensando de mim. Mas não é assim.
Vamos conversar, por favor — argumenta, derrotado.
— Eu sinto muito. Melhor eu ir. — Destranco a porta. Olho para ele,
minha vontade é ficar. Mas não posso. Estou vulnerável, é melhor eu ir. Ele
me olha intensamente, com os olhos cor de mel que tanto me atraem.
Saio.
Encosto as costas na porta. Olho de um lado para o outro. Não há mais
ninguém no andar. Respiro fundo, há um vazio dentro de mim. Coloco a mão
no peito e abraço-me, meus olhos, já com lágrimas, denunciam-me.
Melhor eu ir.
Aqui não é lugar.
A semana passa voando, eu me dedico inteiramente à tarefa da
Ellen e ignoro a presença de Ricky.
Percebo diversas vezes seu olhar em mim e me perco nele algumas
vezes. Entretanto, é melhor ficarmos longe, sei bem o que sinto por ele. E
tenho medo deste sentimento. Quando penso nele com outras mulheres, em
especial com a Ellen, meu peito dói. Não devia sentir ciúme, mas tenho. Sou
uma tola, como me apaixonei assim?
Como sou inocente.
Nosso encontro não teve um final feliz e, sim, realista.
— Sextouuu, Jú! — diz Guta, animadíssima, no hall do elevador. — É
amanhã, garota, a balada do ano. Tudo certo? Você vai, né?
— Sim. Vou comprar um vestido agora, quer ir?
— Ah, não posso. Vou para academia, tenho que malhar.
— Tudo bem. Vou ao shopping e nos vemos amanhã, na entrada da UP!
— Certo! Girl, vamos arrasar e beijar MUITOOOO. — Sorri.
Penso nisso por alguns segundos.
Seria legal ficar com alguém, conhecer outra pessoa. Nos despedimos,
eu vou ao shopping. Compro um vestido lindo com decote em V, bem
sensual. Ultimamente estou abusando nos looks.
Em casa, passo a sexta assistindo à Netflix, e rindo com a galera no
WhatsApp, fizemos um grupo, então nos divertimos muito.
Sábado, acordo cedo, quero hidratar o cabelo e fazer as unhas. Então
vou ao salão, aproveito e vejo minha mãe, ela trabalha tanto, que esta semana
a vi uma única vez.
— Olá, Marcos — cumprimento, o melhor cabeleireiro do mundo.
— Oi, gatinha, que saudade. — Ele me abraça calorosamente. — Tudo
bem? Estou sentindo tristeza.
— Não, claro que não. — Sorrio, tentando disfarçar. — É cansaço,
mesmo. E minha mãe, onde está?
— Saiu, negócios. Conhece sua mãe, sempre a mil.
— É, eu sei. Gostaria de vê-la.
Preciso do abraço da minha mãe, talvez ela possa aliviar esta angústia no
meu peito.
— Mas o que você quer? — Marcos diz, empolgado. — Ficar mais
bela?
— Sim, balada hoje. Cabelo, unhas e maquiagem. Por favor?
— Claro, gatinha.
O Marcos é sensacional, me deixou incrivelmente linda.
Depois do salão, resolvo almoçar no shopping mesmo, vou ao meu
restaurante preferido, coloco fone de ouvido e aguardo o meu pedido,
tentando relaxar.
Estando sozinha, vendo vários casais aproveitando o sábado. Juntos.
Começo a imaginar, o Ricky e eu. Como seria se... Estou com tanta saudade
dele... Como eu queria estar com ele agora.
Faz exatamente quatro dias que não nos falamos, vê-lo, e não o tocar,
chega a ser torturante. Quando estamos juntos, o fogo que nos consome é
impagável.
Será que não estou sendo muito exigente comigo e com ele?
Meu subconsciente está em transe, vou ligar para ele. Estou com tanta
saudade. Podemos conversar e quem sabe... Olho mais adiante, em uma mesa
ao canto. Ricky está lá, com a... Ellen.
Realmente, não estou preparada. Odeio-a, a vontade que tenho é de ir lá
e tirá-la de perto dele. Mas tenho dignidade. Não me prestarei a isso, eles
conversam com tanta intimidade, é invejável.
Vou embora, hoje à noite vou me divertir, não vou ficar na fossa. Saio
igual a um jato do restaurante.
O garçom enche a minha taça com vinho, e eu o
dispenso, agradecendo. A Ellen não para de falar, mas eu não consigo me
concentrar em suas palavras, a única coisa que tem a minha atenção é a taça
de vinho.
Meus olhos fixam nela, e eu a balanço para lá e para cá. Tentando
encontrar uma resposta para estas dúvidas dentro de mim.
— Vamos, Ricky, sair hoje? — O convite surge, assim como o sorriso
nos lábios de Ellen.
— Não estou a fim, tenho que finalizar vários contratos. No próximo
mês, estou voltando a Washington, e não pretendo voltar para o Brasil tão
cedo — falo, enquanto coloco a taça sobre a mesa.
Minha mente está esgotada, meu corpo está exausto, algo dentro de mim
quebrou e preciso consertar.
— Não entendo, iniciou a reforma de um escritório, agora quer ir. O que
aconteceu?
— Nada, os planos mudam. Você sabe, não é? — Encaro-a, impassível.
Ela desliza a sua mão sobre a mesa e acaricia o meu antebraço.
— Tudo bem. Agora vamos para o meu apartamento, quero relaxar
você. — Seu tom é sugestivo e sedutor.
Engraçado, fico assistindo às investidas de Ellen e não sinto nada. A
única coisa que penso é em ir embora e ficar sozinho. Interrompo seu
carinho, retirando o meu braço. Ela observa a minha reação, seu semblante
entristece.
— Melhor não. Você insistiu para almoçarmos, agora vou para casa.
— Há duas semanas tínhamos combinado de irmos a Angra, o que está
acontecendo? Não quero cobrar você, mas...
— ...Então não cobre. — Minha voz sai grave e a Ellen ergue uma
sobrancelha. Sei que respondi ríspido. Melhor eu me acalmar, estou sendo
grosso com ela. — Desculpe. Estou ocupado, só isso.
— Ocupado? Com quem exatamente?
Seu tom é acusador.
Ela percebeu que estou distante.
Gostaria de estar muito ocupado... com a Júlia. Tocando e saboreando
aquele corpo que me fascinou. Mesmo eu tendo uma agenda de telefone bem
recheada, a desejo. Ela está nos meus pensamentos e o meu corpo quer o
dela.
Estou puto, por admitir isso.
— Ellen, estou cansado — respondo, tentando ser um pouco mais
paciente. — Quero focar no trabalho, você sabe o quanto meu pai é exigente,
vou ser o futuro CEO da empresa. Estou com a cabeça cheia. Desculpe, não
sou a melhor companhia, para você hoje. Agora vamos embora. — Levanto
com pressa, estou cansado de ficar aqui. Nunca achei que me cansaria da
companhia da Ellen.
Deixo-a em casa e vou para o meu apartamento. Me jogo no sofá, quero
ficar sozinho. CEO da W.E Universities, será? Apesar de isso ser um
problema a resolver, não é a minha maior preocupação. Preciso sair do Brasil,
estou pisando em território desconhecido.
A Júlia não sai da minha cabeça, porra, e este é o meu maior problema.
Gostaria de estar com ela agora, inalar o perfume maravilhoso da sua pele.
Nunca uma mulher esteve constantemente na minha mente assim. O que me
tortura é tê-la perto de mim, e não poder tocá-la.
Como ela é linda.
Não sei o que fazer, estou perdido nisso. Aquele olhar penetrante que ela
tem me deixa louco. Agora, o seu beijo, intenso... Essa garota está me
deixando fora de mim. Não sei mais como agir.
Meu celular vibra.
— Alô.
— Fala, cara, como você está?
— César?! Estou bem. E você, senhor investigador, está aqui em São
Paulo?
— Estou, cara, tá foda. Vamos tomar um drink, preciso relaxar, ou você
está com alguma gostosa?
— Não, estou sozinho.
— Sério? Que merda. — Ele ri. — Estou indo buscar você.
— Ok.
Estou na frente da Boate UP e ela é incrível, fico maravilhada
ao ver toda esta movimentação, tem uma fila quilométrica de pessoas
querendo entrar, na lateral da boate.
O prédio da UP foi arquitetado para ser uma grande pirâmide, tem
holofotes azuis ao seu redor. A impressão que temos é de que a pirâmide
flutua no ambiente. Sensacional.
Carros importados param na calçada e os manobristas abrem as portas
dos veículos para convidados ilustres, que desfilam pela calçada até a porta
principal da UP, onde são recebidos por seguranças gigantes. Acho que só
tem milionário aqui. Ainda bem que comprei este vestido, realmente é a
balada do ano.
— Júuuuuuuu — grita Johny, atravessando a rua e vindo ao meu
encontro. — Uau, garota, você está um espetáculo. Nós vamos causar hoje.
— Ele estende a mão e eu bato.
— Você também está ótimo.
— Menina, meu boy está aí hoje. Ele quem conseguiu nossos ingressos
VIP.
— Que bom! Estava preocupada, deve ser muito caro para entrar.
— Sim, é, mas relaxa, hoje você é VIP.
— Oiiiiiiiiiiiii, gentis, vocês estão lindoooos! — diz Guta, chegando
animadíssima.
— E você, preta? Que salto maravilhoso — comenta Johny, admirando
o scarpin amarelo da Guta, que realmente é lindo, tudo a ver com ela.
Cumprimentamo-nos com um abraço.
— Girl, vamos arrasar. Está preparada? — Assinto. — Cadê a Day? —
pergunta Guta, olhando em volta.
— Ela me ligou, está no Uber — responde Johny.
— Vamos esperar, então. — Guta faz uma careta e bufa.
— Uau, patrão na área! — exclama Johny, com os olhos arregalados.
— Hein? — Viro-me.
Ai, meu pai amado.
É o Ricky. Ele está distante, conversando com dois homens. O que ele
faz aqui? Meu coração acelera com sua presença.
Guta coloca a mão no meu ombro, pois percebeu minha mudança de
humor.
— Júlia, você está pálida, tudo bem?
— Tudo bem. Melhor eu ir embora, gente!
— Por causa do patrão? Não... Temos o direito de nos divertir. E fora
que ele é uma paisagem, não acha? — diz Guta, enquanto inclina a cabeça
para ter uma visão melhor do Ricky.
— Ou tem mais alguma coisa? — Johny quis saber, arqueando uma
sobrancelha, seu tom desconfiado me deixa desconfortável, não quero que
ninguém saiba do meu envolvimento com Ricky.
Quer dizer, dos momentos que estive com ele.
— Não, claro que não — respondo, seco.
— Chegueiiiiiiii — Day grita e assusta a todos.
— Demorou, piranha — diz Johny.
— Aquele ali— estreita os olhos —, não é o Richard, nosso chefinho?
— Sim, é — indico, revirando os olhos.
— Meu Deus. Eu o quero — Day o cobiça.
Vaca.
— Melhor você não se meter com ele, o cara é nosso patrão. Viemos
para nos divertir — Guta a repreende.
Ainda assim, ela permanece olhando para ele. Parece tramar algo.
Disfarçadamente olho e ele está se aproximando. Não tenho como fugir.
— Olá, Richard — fala Day, chamando sua atenção e cumprimentando-
o.
— Olá. — Ele se surpreende com Day. — Tudo bem? — Ele
cumprimenta todos, olha para mim e eu desvio o olhar. — Ah, deixa eu
apresentar vocês. César, estes são colaboradores da W.E Universities.
— Prazer, pessoal!
Todos respondem.
Estou quase tendo um piripaque de nervoso, tê-lo na minha frente é tão
difícil. Contudo percebo um certo desconforto em sua voz, e o seu semblante
está um pouco abatido, sem aquele brilho radiante do executivo Richard
McGuire.
— Então, divirtam-se — completa Ricky. — Nos vemos lá dentro.
— Com certeza — insinua Day.
Cacete, ela se oferece em uma bandeja para Ricky. Que aparentemente
não dá bola. Eles saem e o ar volta para os meus pulmões. E agora? Não
quero encontrá-lo lá dentro, e se eu for embora, a galera pode desconfiar.
Merda.
Tentei sair para tirá-lo da cabeça e o encontro.
Universo, assim fica difícil.
— Para de ser oferecida, Dayana — fala Johny, ríspido.
— Quem? Eu? Nunca! — debocha.
— Melhor entrarmos. E, você, se comporte — murmura Guta para Day.
Vamos lá.
Quando entramos, fico mais impressionada, a UP é uma boate descolada
e com dois andares. A área vip fica na parte de cima e a pista embaixo,
rodeada pelo bar, as garçonetes são lindas e sexys.
Johny nos leva a uma mesa, como o namorado é promoter tivemos
prioridade.
— Bebidas? — sugere Day, batucando na mesa.
— Skol Beats — pede Guta.
— O mesmo para mim — digo.
Preciso de uma bebida. A presença do Ricky me deixou tensa.
Onde será que ele está? Claro que é na área VIP. Devo admitir, ele não
estar com nenhuma mulher, aqueceu especialmente o meu coração.
— Skol Beats para todo mundo, certo? — pergunta Johny.
— Sim! — respondemos.
E ele sai em direção ao bar.
— Esta boate é um absurdo, né? — pergunta Guta.
— Sim, nunca frequentei algo assim — respondo.
— Você vai conhecer lugares legais com a gente. — Ela sorri e Day
revira os olhos.
Ela não gosta de mim. Certeza.
— Bebidas! — Johny coloca em cima da mesa um balde transparente
com garrafinhas de Skol Beats. Pego uma, abro e tomo a metade. E todos me
olham, pasmos.
— Vai com calma, girl — fala Guta.
Day pega uma garrafinha.
— Vou dar um giro. Encontrar pessoas. — E sai.
Finalizo minha garrafinha. E pego outra.
— Vamos dançar? — proponho, já com o álcool me encorajando.
Johny e Guta me olham. E brindam com suas garrafinhas.
— Vamos! — aceitam.
Vamos para a pista e nos misturamos, sigo o ritmo. Depois de uma
bebida, consigo relaxar.
A Guta e o Johny dançam muito bem e arrasam na pista. Jogo a cabeça
para cima e curto o som. Dou um gole na outra garrafinha de Skol que
peguei.
O ritmo da música aumenta e todos começam a pular. Adorei esta boate.
Onde será que o Ricky está?
Droga!
Tenho que parar de pensar nele, mas ele está tão lindo, adoro quando se
veste casual. Para, Júlia!
Depois de um tempo que estamos na pista, eu estou bem mais solta e me
divertindo de verdade. Alguém segura minha cintura, viro-me e é um cara
gato. Ele sorri. Sugerindo que dancemos juntos.
Olho para Guta, que faz sinal de “ok”. Vamos nos envolvendo com o
ritmo. Ele vai chegando mais perto e encosta os lábios nos meus. Por um
momento, desejo que seja o Ricky, e o afasto. A música está muito alta,
impossível falar com ele. Pisco para ele e vou saindo da pista, quero ir ao
banheiro.
Entro em um corredor escuro, consigo ver uma placa avisando que o
banheiro feminino é ao lado. Dou um passo e sou puxada pelo braço, viro-me
e sou pressionada na parede. Sem que eu consiga reagir, sua língua já está na
minha boca, me tomando possessivamente.
Aquele beijo.
Aquelas mãos.
Aquele perfume... É o Ricky.
Agarro-o e correspondo ao seu beijo. Meus dedos entrelaçam-se em seus
cabelos. Ah... Como eu preciso dele. Só ele. Que saudade deste beijo, como
sempre delicioso e loucamente descontrolado, suas mãos tocam minha pele,
por dentro do vestido. Meu corpo já está pegando fogo.
Céus.
Estamos no corredor.
— Para, Ricky, para. Alguém pode nos ver.
Respiro fundo, tomando fôlego, porque estar com o Ricky é como um
vulcão em erupção. Preciso de controle, meus amigos estão aqui e não quero
expor esta parte louca da minha vida.
— Não ligo.
Afasto-o.
— Eu ligo. — Encosto a testa no seu peito, posso ouvir seu coração
bater, acelerado.
— Quero você, não fuja de mim, por favor. — Sinto sua voz um pouco
tensa.
— O que você está fazendo aqui? Por que está aqui? — pergunto,
enquanto esfrego a testa em seu peito, em sinal negativo. Eu não consigo
evitar, estar em seus braços é o encontro com a felicidade.
Ele me encara e segura meu rosto com as palmas das mãos. Seu
semblante, que antes estava entristecido, agora irradia luz, assim como o
meu.
— O que você está fazendo aqui? Este vestido... — Ele contrai os lábios.
Sua voz é rouca e grave. — Meu Deus. Quero tirá-lo e beijar cada centímetro
do seu corpo, Júlia. — Ele me beija loucamente de novo. Sussurrando no
meu ouvido: — O que você está fazendo comigo? Não paro de pensar em
você.
— Eu também, só penso em você.
— Então fica comigo.
Meu coração acelera.
— Até quando?
— Até quando nós acharmos que estamos afim um do outro. Só não
quero ficar longe de você.
Há algo diferente nele, seu tom está decidido e caloroso.
— Vamos sair daqui? — ele sugere.
— Mas eu estou com o pessoal. Não posso ir embora assim.
— Então, eu vou te comer aqui — avisa, pressionando ainda mais seu
corpo contra o meu.
Hein?
— Aqui? — Hum, pensando bem é excitante. — Está bem, me encontra
lá fora, vou dar uma desculpa.
— Não demora, senão eu volto e já sabe. — Ele dá uma gargalhada
divertida.
Sorrio.
— Ok. Agora vai. — Ele faz que vai, porém, volta e me beija. Eu o
afasto. — Vai, Ricky.
Ele sai.
Solto um suspiro. O que exatamente estou fazendo?
Pirei de vez!
Volto para a mesa, estão todos presentes, dando gargalhadas com um
cara, que acredito ser o namorado do Johny.
— Olha ela aí. — Johny segura minha mão. — Théo, esta é a Júlia.
Trabalha com a gente.
— Prazer, Théo — cumprimento-o.
— O prazer é meu, baby.
— Obrigada pelo convite, adorei a boate, e...
Day me interrompe.
— E onde você estava?
— No banheiro. — Ela franze a testa. — Então... Minha mãe ligou e ela
não está bem, melhor eu ir...
Johny, Théo e Guta arregalam os olhos, preocupados.
— Putz! Vou contigo — oferece Guta.
— Não, eu pego um Uber. Não vou estragar sua noite. — Pisco para ela.
— Divirtam-se. Segunda nos falamos.
— Tem certeza? Eu posso... — ela insiste.
— Claro. — Nos abraçamos. — Até mais, gente. — Me despeço de
todos e saio.
Quando piso fora da boate, ouço uma buzina de um Mercedes preto.
Nossa, o Ricky trocou de carro?
Ele sai e abre a porta para mim.
Que bonitinho.
— Vamos?
Aquiesço.
Ele fecha a porta, e entra em seguida.
— Trocou de carro?
— É do César, ele vai de táxi. — Ele me encara. — Pronta?
— Para aonde vamos?
— Minha casa! Tudo bem?
— Você mora sozinho?
— Com o Duque. — Franzo o cenho. — Meu cão.
— Você tem um cachorro?
— Brincadeira. — Ele sorri. — Não tenho, mas adoraria ter... Pronta?
— Sim.
— Então, coloca o cinto. — Obedeço.
Ele dá partida e voamos na avenida.
— Entre — convida Ricky, com um sorriso sexy.
Entro na belíssima cobertura de Richard McGuire, meus olhos apreciam
o ambiente composto por uma decoração masculina e moderna. O
apartamento é enorme, acho que cabem uns quatro do meu apartamento aqui.
Estou nervosa, por mais que já tenhamos ficado juntos loucamente, nunca
estivemos assim, em um lugar íntimo, como sua casa.
— Sua casa é linda — falo, quebrando silêncio.
— Este apartamento, eu comprei há um ano. Não gosto de hotel, e a
família da minha mãe mora mais para o interior. — Ele vai até a cozinha. E
volta com duas taças de vinho. — Eu já sou bem grandinho, tenho que ter
minha própria casa. Não acha?
— Sim, é um homenzinho. — Sorrio e saboreio o vinho com um gole.
— Você começou a trabalhar muito cedo? — Acomodo-me no sofá.
— Quando você é filho de alguém importante e bem-sucedido, é
cobrado cedo. Eu e meu irmão, Nicholas, fomos criados para assumir o
império do meu pai. Minha mãe tentou nos dar uma infância sempre que
podia, mas meu pai era muito exigente. E por mais que a família trabalhe
junto, somos os cotados para assumir tudo, quando meu pai quiser parar. —
Ele encara sua taça de vinho, sinto que é um assunto delicado.
— Nossa. Que vida chata você tem, Richard McGuire — digo,
descontraindo.
Surge em seus lábios um lindo sorriso, ele vem ao meu encontro.
— O que você fez comigo? — Ele analisa meu rosto, acariciando-o com
ternura.
Fecho os olhos para sentir seu toque.
Através do celular ele liga o som da sala. Percebo quando uma melodia
suave toma conta do ambiente.
— Quer dançar comigo, linda? — ele pergunta, enquanto levanta-se e
estende o braço para mim.
Aceito, colocando a minha mão sobre a dele, deixando-o me conduzir,
meus braços estão em seus ombros. Suas mãos encaixam-se na minha cintura,
e nos deixamos envolver pela melodia.
— Quando aquele cara dançou com você, na pista da boate, esperei,
pensei que ficaria com ele, mas você o rejeitou, por quê? — ele indaga.
Então, ele estava me observando. Não sei se entrego o meu coração para
o Ricky, eu sou louca por esse homem, os últimos dias foram o inferno sem
ele. Não quero me ferir mais. No entanto, este vulcão dentro de mim, que só
entra em erupção quando ele acende, faz com que eu seja sincera.
Paramos, ele fixa os olhos nos meus, eu hesito, mas entrego:
— Estava pensando em você, queria que ele fosse você.
Ele recebe as minhas palavras e seu semblante ilumina-se ainda mais.
— Preciso que saiba de uma coisa, eu só fui à boate, para esquecer você,
mas estando lá, percebi que é impossível, Júlia.
As palavras do Ricky entram no meu coração, alimentando ainda mais a
chance de tê-lo, eu o quero, não em momento improvável. Quero estar com
ele, quero pertencer a ele, e ele a mim.
— Tem uma coisa... — Preciso saber, temos que colocar todos os pingos
nos is. — O vi hoje com a Ellen no shopping. E agora?
Seus olhos, como chamas, queimam os meus, ele reflete um pouco como
se estivesse procurando as palavras certas para responder.
— Eu quero você.
Fecho os olhos, aliviada. Estas palavras bastam para mim, meus lábios
desesperados buscam os dele. E com a melodia, nos beijamos
apaixonadamente. Segundos, minutos, o tempo pausa para nós.
Interrompo o beijo e o afasto, olho para trás, a sala e o quarto são
divididos por uma porta larga. Vou desfilando lentamente até o quarto e paro
em frente a cama, Ricky permanece parado, me acompanhando com os olhos.
Deslizo as alças do meu vestido, pelos ombros, elas descem pelo meu corpo e
caem no chão.
Descobrindo-me.
Expondo-me.
Minha lingerie é branca, com renda e transparência. Seus olhos
melodicamente deslizam pelas minhas curvas, com desejo.
— Eu também quero você.
E nossos corpos se encontram em um único impulso. Seus lábios
buscam a cada centímetro do meu corpo, como o prometido. Estamos
consumidos de desejo.
Ele entrega-se a mim;
Eu entrego-me a ele;
Juntos somos completos.
Nesta noite nos amamos, incansavelmente.
Não consigo dormir, estou sentado na poltrona ao lado da cama,
não me canso de apreciar sua beleza, como ela é linda. Que visão
privilegiada, a Júlia está deitada de bruços, seu corpo nu está descoberto, sua
respiração suave e seu rosto corado a deixa ainda mais linda. Ela dormindo
assim, como um anjo, tão solene, respondem todas as perguntas que me
martirizava: como fiquei tanto tempo sem tê-la ao meu lado? Ainda não tenho
certeza do que está acontecendo entre nós, mas não quero perder isso. Ela é
realmente importante para mim, como eu sou para ela.
Minha pele está impregnada com o seu perfume, minha boca ainda tem
o seu sabor de mel. Hum... só com os pensamentos, acordei o amigão. Estou
excitado de novo. Preciso de um banho para esfriar este desejo incansável
que tenho por ela.
— Nossa, que visão — Júlia diz, ao me ver completamente nu ao pé da
cama, e de pau duro.
— Não queria acordar você.
— Se eu acordar assim todos os dias, estou no lucro. — Ela espreguiça-
se e desvia o olhar para o meu membro completamente acordado. — No que
estava pensando? — Arqueia uma sobrancelha, sua pergunta tem um tom
sexy, assim como seu corpo, não consigo evitar, meus olhos deslizam até
seus seios volumosos, posso perceber seus mamilos rosados enrijecerem com
o meu olhar.
— Em você.
— Hum... Pensamentos pervertidos, acredito.
— Aham — confirmo.
Ela sorri maliciosamente, enquanto levanta-se, expondo seu corpo
sensual e delicado, porém, severamente sexy. Ela foi esculpida para mim,
tenho certeza. O cheiro de sexo e luxúria que está no meu quarto, me deixa
ainda mais duro. Ela se aproxima, parando na minha frente, sua mão quente
segura o meu pau e começa a masturbá-lo levemente, meus olhos fixam em
sua boca carnuda, que ela umedece com sua língua molhada, desejo
imensamente que ela me chupe, agora. Estou latejando de tão duro.
— Eu estou com fome, você pode me alimentar, Richard? — pergunta
sugestivamente, enquanto sua mão aumenta o ritmo.
— Claro, será um prazer alimentá-la às 7h da manhã.
— Que horas são? — quis saber, tirando suas mãos magníficas do meu
membro, e jogando acima da cabeça, no caso, sua cabeça.
— Sete da manhã — respondo, sem entender.
— O quê? Céus, minha mãe vai me matar. O exército já deve estar atrás
de mim. Minha bolsa, você viu?
Olho ao redor do quarto e avisto sua bolsa ao lado da poltrona, pego-a.
— Aqui, pega.
— Ai... Meu Deus, vinte chamadas perdidas. Melhor eu ligar... Mãe...
Estou com a Guta. Sim... Sim... desculpe... desculpe... bebemos um pouco
demais, pegamos um Uber, eu... desculpe... achei melhor ficar aqui, na casa
dela. Já vou embora... Desculpe, vou desligar... Tá bom... Te amo!
— Tudo bem?
— Ela ficou muito brava. Mas confia em mim. Sabe que jamais eu iria
para a casa de um desconhecido.
Sorrio.
— Gosto da relação que você tem com ela, vocês são bem próximas?
— Sim, ela é meu alicerce. Faço tudo por ela — diz, orgulhosa,
enquanto seus olhos desviam para o meu membro, ainda duro, aguardando
um veredito.
— Certo, agora... Ainda está com fome?
— Faminta — ela responde, jogando o celular sobre a cama, e
preenchendo minha boca com sua língua. O nosso beijo é único. Pego-a no
colo e a levo ao banheiro. Ligo a ducha e mergulhamos, um no outro.
Nem a água fresca é capaz de esfriar nosso fogo, suas mãos percorrem o
meu peitoral, com fome. Deixo-a no controle, sei que gosta de me dar prazer.
Ela se ajoelha e segura meu pau, suas mãos macias percorrem todo o meu
comprimento, que lateja, minha espada está pronta para a guerra.
Quando sinto sua boca ousada abocanhar o meu pênis, engolindo-o até a
garganta, sua língua fazendo movimentos inexplicáveis, meu corpo sai de
órbita e ela me leva ao céu, rujo igual a um animal descontrolado. Suas mãos
auxiliam sua boca, me masturbando continuamente. Ela aumenta o ritmo e eu
impulsiono sua cabeça. Foder sua boca pela manhã é a melhor maneira de
começar o dia. E a visão dela me tomando, ah... entro em êxtase! Não
consigo me segurar mais, ela sabe como me deixar louco.
— Vem cá. — Levanto-a.
Minhas mãos acariciam seu rosto iluminado, meu dedo indicador
percorre seus lábios rosados e inchados. Quero saborear cada parte do seu
corpo, descobrir cada ponto de prazer, para satisfazê-la e levá-la à loucura.
Então minha boca faminta percorre suas curvas, excitando e provocando cada
pedacinho. Seus gemidos e grunhidos, são músicas para os meus ouvidos, sua
boceta em formato de flor, exala um perfume exótico, meus dedos ao tocá-la
encontram seu ponto de prazer, exploro-o até seu corpo se contorcer em
minhas mãos. Viro-a de costas, quero comê-la de quatro, aprecio o seu
traseiro, apertando-o com vontade, ele é lindo.
Como a Júlia é gostosa.
Lembro-me da camisinha. Tenho que pegar na caixinha da pia.
— Um momento, linda.
— Somente um...
Com passos largos, pego a camisinha e a coloco com cuidado. Retorno
para o box.
— Quero você, Ricky.
Seu pedido é uma ordem, minhas mãos seguram sua cintura, e o meu
pênis se encaixa na entrada da Júlia, posso ouvir suas súplicas, vou
penetrando-a devagar, ela é apertadinha e quente, então saboreio este
momento, sempre delicioso.
— Tudo bem? Quer mais rápido?
— Sim, mais rápido.
— Vou foder você, até desmaiar de prazer...
Aumento as estocadas, e eu me perco dentro dela, nossos corpos se
chocam violentamente. Ouço seus gemidos, seu corpo me recebe por
completo, esse entra e sai maravilhoso, nos leva ao céu. Como posso
descrevê-lo? Não tem como, tudo com a Júlia é diferente, um simples sexo de
manhã no chuveiro, se fosse com outra mulher seria um simples sexo no
chuveiro. Mas com a Júlia é especial, as sensações são intensas, como se
atingissem a alma, e isso me fascina.
— Céus... Ricky...
— Minha linda, sou teu.
— Sim... gostosamente meu...
— Vai, linda, goza comigo.
Posso sentir seu corpo trêmulo, sua flor se contrai ao redor do meu pau,
ouvi-la gritar, quando atinge o orgasmo, é o meu sinal, de que posso me
entregar, como se já não estivesse entregue a essa mulher, meu alívio atinge
o meu corpo, me relaxando.
— Você é uma delícia. — Beijo seu pescoço e a cubro com meus
braços.
Ficamos abraçados por alguns segundos, ofegantes com a água fresca
cobrindo os nossos corpos.
Meu coração nunca bateu forte por uma mulher.
Preciso me permitir viver isso.

— Estou com muita fome — ela avisa, enquanto coloca seu vestido,
provocante.
— Está na mesa. — Entrego-lhe uma xícara de café. Ela senta e coloca
geleia na torrada.
— Você me deixa em casa?
— Melhor... vamos sair? Hoje é domingo, pensei em te levar num lugar
especial.
— Mas eu estou sem roupa, e...
— Por mim, você pode ficar sem roupa, não me apego a estas coisas. —
Dou os ombros e ela sorri. — Aonde vamos tem tudo que você precisa.
— Onde é?
— Surpresa! Liga para sua mãe e avisa.
— Vou contar tudo para ela, mas com calma. Até porque não gosto de
mentiras. Fizemos esta promessa, uma para a outra.
— Entendo. — Improviso. — Então a Guta quer que você fique com ela
o resto da tarde. Não é uma mentira, e sim um adiamento da verdade, o que
acha?
Ela analisa.
— Boa, vou mandar mensagem. Preciso de alguns minutos.
— Ok. Preciso dar um telefonema.
Quando estacionamos, estamos em um heliporto.
Aonde ele vai me levar?
Beijando-me de leve nos lábios, Ricky pede para eu esperá-lo e vai ao
encontro de um cara, deve ser o piloto pelas roupas que está usando.
Cumprimentam-se com um abraço, são amigos, com certeza. Eles vão para
dentro de uma grande garagem.
Observo a imensidão da pista, o vento eleva meu vestido e cabelos. Que
sonho estou vivendo. Depois vou sentar e conversar com minha mãe,
contudo, de uma coisa eu tenho certeza: ela vai surtar ou me matar.
Então é melhor eu aproveitar o domingo.
— Júlia! — Ricky chama. — Vamos?!
Vou ao encontro dele.
— Aonde vamos, Richard? — quis saber, estou morrendo de
curiosidade.
— Você já voou?
— Sim, de avião.
— Hoje o dia está lindo, vamos de helicóptero a Angra, temos uma casa
lá.
— Angra? — grito. — Você é louco. — Ele me abraça e beija o meu
cabelo.
Caminhamos para o helicóptero e entramos.
— Antony, a Júlia gosta de emoção. Então, capricha.
— Hein? — Arregalo os olhos e Ricky se diverte. — Pode voar
tranquilo, viu, seu moço chamado Antony.
Ele deve ser maluco, vamos a Angra?
Antony vira-se e me encara.
— Prazer, Júlia, sou Antony, piloto e amigo desse cabeça dura. Tenham
um ótimo voo. — E com um sorriso largo, ele inicia a decolagem.
— Obrigada.
Ricky me ensina todos os procedimentos. Depois que terminamos, a
hélice começa girar, subimos.
Uau. Incrível.
Quando chegamos ao litoral, Antony voa baixo para eu ver a paisagem.
Divirto-me com Ricky contando piadas sem graça para me fazer rir. Eles
são amigos de longa data e Antony é bem engraçado, fiquei muito à vontade.
Quando chegamos, descemos em uma pista particular da família McGuire.
— Obrigada, Antony. O voo foi incrível — agradeço.
— O prazer foi meu, Júlia. Agora, curtam a ilha, venho no final da tarde.
— Obrigado.
Despedem-se com um abraço. Ricky e eu ficamos ali, esperando que o
helicóptero se perca na imensidão do céu.
— Vamos entrar, linda.
Não consigo prestar muita atenção nas palavras de Ricky, estou
totalmente maravilhada com a paisagem ao meu redor. É enorme, a casa ou
mansão deve ter dois andares, com paredes de vidro, linda. O jardim da
entrada tem rosas e flores, muito bem tratadas. Esta propriedade dos
McGuire, como diz a Guta: é um absurdo.
— Estamos em uma ilha particular?
— Sim, este lugar é incrível. Vem, vou te mostrar tudo — ele responde,
colocando seus braços no meu ombro e me conduzindo para dentro.
Quando entramos, não consigo conter a minha admiração, que lugar
aconchegante, a casa é composta por dois andares, a parte de baixo tem cerca
de três salas, que completam outros ambientes, os móveis são modernos e
tem muitas obras de arte e quadros na decoração.
— Ricky, que casa linda. — Atravesso a sala, indo até a parede de vidro,
tenho uma visão incrível do lado de fora, uma paisagem natural que cerca a
casa, com árvores e pinheiros, uma cascata com água cristalina ao redor da
piscina em formato de S. Mais à frente já consigo ver o mar e uma lancha
parada na margem.
Uau. Volto meu olhar para Ricky.
— Que decoração linda, e esta paisagem lá fora, incrível.
— Minha mãe decorou cada cômodo. — Ele atravessa a sala parando ao
meu lado, nossos olhos apreciam a paisagem do lado de fora, se eu pudesse,
ficaria o dia todo sentada aqui, só olhando. — A dona Sara é detalhista e com
um bom gosto invejável. Quero te mostrar a ilha, este lugar é uns dos meus
favoritos, aqui no Brasil.
— Obrigada por me trazer aqui. — Abraço-o.
— Hum... Eu que agradeço sua presença, linda.
Somos interrompidos por um pigarreio. Quando eu olho, é um
senhorzinho muito simpático, parado do outro lado da sala, com os braços
cruzados.
— Richard, meu filho, que bom que veio — diz, alegremente,
atravessando a sala com os braços abertos para Ricky.
Ricky aconchega-se em seus braços, posso ver o carinho entre eles.
Estou surpreendida com esse lado do Ricky, mais carinhoso e sensível.
— Pai, que saudade.
— Meu menino — ele diz, segurando seu rosto com as palmas das mãos
e beija-o em cada bochecha.
Espera, pai?
— Seu irmão, aquele safado. Sei que veio para o Brasil, no mês passado,
e nem veio ver o velho. — Seu semblante entristece. Havia esquecido que
Ricky tem um irmão, mais novo, aliás.
— Sim, mas o Nicholas está em um momento difícil — murmura Ricky.
O senhorzinho bufa, e desvia o olhar para mim, Ricky segura minha
mão.
— Pai, esta é a Júlia.
— Que linda, meu filho.
— Júlia, este é Carlos, o meu pai de consideração, ele e a Célia estão
com minha família há anos.
— Prazer. — Estendo a mão para cumprimentá-lo, ele a pega e me puxa
para um abraço, bem apertado.
— Se você está com o meu menino, é muito bem-vinda.
— Obrigada. — Sorrio.
— Pai, cadê a Célia?
— Foi ao mercado, quando você ligou falando que vinha, sabe como ela
é. Foi comprar tudo que você gosta. Mas antes de sair, deixou tudo que você
pediu em cima da cama.
— Ótimo... Vamos subir, para nos arrumarmos. Vou precisar daquela
cesta, com tudo de mais delicioso, vamos sair de lancha, quero mostrar a ilha
para a Júlia.
— Certo. — Ele sai, apressado.
— Adorei ele.
— Carlos foi meu pai durante a infância. Digamos que meu pai, Robert
McGuire, estava um pouco ocupado, construindo a W.E Universities.
— Pai... Algo complicado para mim também. — Ele me olha. — Não
tenho uma boa relação com o meu pai. Mas, mudando de assunto. — Corro
para a escadaria, linda, por sinal, com detalhes em vidro. — Vem, quero
conhecer os quartos.
Pisco para ele.

— Ricky, que lancha incrível! — exclamo, correndo para dentro da


lancha igual a uma criança em um parque de diversões. — Com certeza, eu
moraria aqui.
Ele sorri, se divertindo com a minha empolgação.
— Pronta?
— Sempre, capitão.
Partimos em alto-mar, minha primeira vez em uma lancha, e com uma
companhia maravilhosa.
Estou muito feliz, não sei qual será o nosso futuro, mas vou aproveitar
este presente, que é estar com ele. Quando ele disse, olhando nos meus olhos,
que queria ficar comigo, ali percebi que não é mais uma conquista de
momentos ou um desafio a ser alcançado, é especial. Aquelas palavras vazias
e frias sumiram, dando espaço para palavras de carinho e entrega.
A Célia foi muito gentil comigo, providenciou um biquíni lindo, uma
saída de praia e algumas outras peças de roupas, caso eu precise, também
preparou uma cesta com delícias para comermos no passeio.
Tudo perfeito.
Ricky está no comando da lancha, meu capitão sexy, vou até a proa, tiro
a saída de praia e fico de biquíni, sentindo o vento tocar minha pele, que
sensação de liberdade. Volto no tempo por alguns segundos, e vem à minha
mente a lembrança da primeira vez que vi o Ricky, no hall do prédio, meu
executivo sensual, quem poderia imaginar que estaríamos juntos.
Sorrio.
Agora eu trabalho na W.E Universities, como sempre sonhei, vou iniciar
a universidade e pego meu chefe.
Posso gritar?
— Está pensando em quê? Linda! — Ricky chega e interrompe meus
pensamentos.
— Na primeira vez que o vi. — Ele me encara. — Te chamei de “O
Executivo misterioso”.
— Executivo misterioso, por quê? — Ele franze o cenho.
— Porque você era um mistério para mim.
— Entendi, bem óbvio.
— É sério — digo, enquanto sento na proa, e ele me acompanha.
— E agora? Ainda sou um mistério para você?
— Hum, não sei. — Faço um biquinho e ar de pensativa. — Eu estou
adorando te conhecer melhor...
— Eu também adorei conhecer cada parte do seu corpo, para mim, já é o
bastante. — Ele sorri maliciosamente.
— Sério? Safado! — Dou um tapa de leve em seu ombro.
— Hum, você gosta?
— Sim, muito. — Dou um selinho nos seus lábios, me preparando para
mais. Ele interrompe, erguendo-se subitamente. Inclino a cabeça e o encaro
com cara de brava, queria um beijo.
— O que foi? — pergunto, frustrada.
— A senhorita sabe nadar?
— Sim, por quê?
— Não sei. — Ele pega-me no colo.
— Não... Ricky — protesto, balançando as pernas para me libertar de
seus braços. — Eu nunca nadei no mar aberto. — Ele me leva até a ponta da
proa.
Meu Deus, eu nunca nadei no mar aberto e se tiver tubarão?
— Vou estar com você. — Ele se diverte com a situação. — Fica
tranquila...
Como? Estou apavorada.
— Não, Ricky, não faz issoooooo. — Ele me joga no mar e meu corpo
mergulha nas águas do oceano. Em seguida, sinto seus braços ao meu redor,
me puxando para cima.
Estou sem fôlego.
— Seu doido! — digo, tossindo um pouco, engoli um pouco de água
quando caí.
— Você é uma garota corajosa, que gosta de desafios.
Sua gargalhada me diverte.
— Sim, gosto muito. — Me inclino e com as mãos afundo a cabeça dele
no mar.
E ficamos assim, curtindo o momento: ele e eu.

— Que lanche maravilhoso!


Célia preparou deliciosos sanduíches de frango.
— A Célia é ótima. Agora vamos, quero te mostrar um pouquinho de
Angra.
— Sim, claro.
Começo a guardar o que sobrou do lanche na cesta.
— Mas antes, tenho alguns brinquedinhos e quero usar com você. —
Seu tom sensual já aquece meu corpo.
Espera... Ele falou brinquedinhos? Sorrio só de pensar.
— Chicotes? Mordaças? Algemas? — Dou opções, já ansiosa com sua
resposta.
Ele analisa.
— Não, mas podemos pensar...
Sim, podemos, sim. Digo para mim mesma, pensando em novas
possibilidades de sexo.
— Certo, o que é?
— Confia em mim?
— Hum, sei não. — Ele faz uma carinha feia, que é linda. — Claro que
confio, bobo.
Ele vai até um compartimento discreto do armário, pega uma caixa azul,
tira de dentro um plug com duas bolas de metal, ergue-as na altura dos olhos,
para que eu possa vê-las melhor, as bolas são... digamos que médias.
— Conhece isso?
— Sim, é um plug.
— Já usou?
— Não, mas... — Ele me interrompe com sinal de silêncio.
— Deite-se, aqui. — Obedeço. Deitando-me no sofá da cozinha gourmet
da lancha, adoro esse lado dominador que ele tem.
— Ok, capitão.
Ricky desliza a parte de baixo do meu biquíni, roçando os dedos na
minha carne, seu toque quente causa-me arrepios, a peça para nos joelhos,
depois ele umedece em sua boca, uma bola de cada vez, para lubrificar.
Só com esse movimento sexy já estou lubrificada.
Seus olhos deslizam para minha vagina e posso vê-los ficarem mais
intensos, ele penetra primeiro uma bola, sua superfície é gelada, por ser de
metal, provocando uma sensação deliciosa, estou ficando úmida, mexo o meu
quadril e o movimento me excita.
— Calma, garota... estou me segurando, pode ter certeza.
Seu sorriso malicioso me derrete, mas ele continua sua missão,
penetrando a outra bola ainda mais fundo, e a segunda empurra a primeira, e
eu, respiro fundo.
Minha vagina úmida foi invadida por bolas de metal geladas, e o meu
corpo está quente e excitado.
Meu pai amado!
— Tudo bem? — ele pergunta, arqueando uma sobrancelha.
Solto um gemido baixinho e mexo o quadril.
— Tudo, eu acho.
— Legal. — Ele levanta o meu biquíni rapidamente e presenteia-me
com um beijo na barriga
— Como assim, LEGAL? — quis saber, enquanto fico de pé, tentando
me acostumar com o plug excitante dentro de mim.
Ele aproxima-se, beija o meu ombro, depois o meu pescoço, sobe para a
minha orelha, seu hálito quente desperta ainda mais meu corpo.
— Isso vai te preparar para mim — sussurra.
— Ahhh, mas... — falo, seduzida. — Vou ficar até...?
— Menina ansiosa... — Ele beija-me na testa e sobe as escadas.
— Oi? Espera, como assim? — Vou atrás dele. Hum, andando fica mais
gostoso. — Aonde vamos, Richard?
Ouço a sua gargalhada.
Realmente Angra é um paraíso, a lancha passa por diversos lugares
lindos, casas magníficas, com famílias ricas aproveitando o domingo.
Jet-skis passam por nós, como foguetes, e eu aprecio o mar, como esse
infinito de águas é precioso.
Paramos em uma praia, andamos um pouco pela areia, compramos um
sorvete e sentamos para olhar o mar. Ficamos quietos por alguns minutos,
observando a imensidão e respirando a brisa. Em um lapso, sinto vontade de
chorar, estou tão feliz com tudo que está acontecendo, fazia muito tempo que
não me sentia assim.
— Como você está se sentindo?
— Feliz, eu acho. — Viro-me para encará-lo. — Você não está
brincando comigo?
— Tudo isso é novo para mim, também. Quero dizer... nós. Não quero e
não vou magoar você. Então me avise se em algum momento eu agir como
um babaca.
Eu tento não parecer insegura, mas depois do nosso primeiro encontro...
a Ellen, fico apreensiva, Ricky está demonstrando de todas as formas que está
comigo, que quer estar comigo. Tenho que me dar esta oportunidade e seguir.
— Tudo bem.
— Agora, seu corpo, como ele está?
— Excitado!
Ele sorri.
— Isso é bom?
— Richard McGuire, você tem que dar um jeito nisso — ordeno.
— Vamos embora.
— Hein?
— Preciso dar um jeito nisso, vamos voltar para a lancha. — Ele pisca e
levanta-se, estendendo sua mão, eu a seguro e levanto.
Corremos de mãos dadas até a lancha.
Chegamos em sua casa, o Carlos está nos esperando na margem, mal
descemos da lancha, Ricky, com pressa, me conduz para dentro da casa. Olho
para trás e percebo que Carlos está com um sorriso no rosto, tenho certeza de
que aquele velho safadinho pensou coisa. Subimos as escadas até o quarto
principal, que é do tamanho da minha casa.
Antes mesmo que eu fale alguma coisa, ele possui minha boca, me
beijando com paixão e desespero, seu corpo conduz o meu até o banheiro, ele
liga a ducha e entramos, ele coloca um pouco de sabonete líquido em uma
bucha macia, e vai massageando meu corpo, enquanto tira o meu biquíni.
Que tortura.
Estou excitadíssima.
Vou explodir.
Depois de me secar rapidamente, leva-me até a cama, eu fico
completamente nua, ali, imersa. Ele, com o celular, liga o som do quarto,
deixando o ambiente sexy com a melodia. Vai até a cômoda e pega um
frasco, acredito que seja um óleo.
O nosso contato visual é permanente.
— Vou aquecer seu corpo, fazê-lo queimar... o massageando, você quer?
— Sim — sussurro.
Ele coloca uma quantidade generosa de óleo nas palmas das mãos,
esfregando-as, e começa tocando meu pescoço. UAU! Um calor abrasador
inflama minha pele, causando uma sensação deliciosa e excitante, suas mãos
macias e viscosas, descem para os meus ombros e escorregam para os meus
seios, ele circula meus mamilos, os provocando, seus dedos os apertam e o
ardor aquecido me faz arquear o corpo. Suas mãos quentes prosseguem com
sua rota, encontrando em seu caminho a minha barriga, e chegando enfim à
minha virilha.
— Você quer gozar, Júlia?
Balanço a cabeça dizendo que sim, o meu corpo está pegando fogo.
—Vou foder você, com força, é isso que quer?
— Sim... Ricky.
Céus. Eu o quero imediatamente, não consigo mais controlar meu corpo
excitado, que se contorce.
Ele passa as mãos na minha virilha, aquecendo-a, seus dedos tomam
posse da minha vagina, com movimento circulares, ele movimenta as bolas lá
dentro, grito com o desespero delicioso que toma conta do meu sexo devasso.
— Ricky....
— Quero ver seu corpo tremer, Júlia.
Sua boca engole meus mamilos, saboreando, mordiscando e lambendo
todo óleo viscoso.
Estou louca de desejo.
Ele para e vai até a cômoda, pega uma camisinha, coloca. Pega as
minhas pernas e levanta-as até seus ombros, com um único impulso, ele tira o
plug e depois me penetra, com força.
— Ahhhhh... — Não posso conter meu grito, quando um orgasmo
avassalador atinge meu corpo, o suspendo com essa primeira onda de prazer,
ele sorri maliciosamente orgulhoso, mas continua, com estocadas fortes, no
vai e vem... Ele me penetra intensamente. Céus, como é maravilhoso tê-lo
dentro de mim, suas mãos seguram meu quadril, meu corpo escorregadio
sacode com o choque entre nós.
Ele fecha os olhos e contrai os lábios, posso senti-lo pulsar na minha
vagina inchada e encharcada, sei que estamos completos, uma nova onda de
calor percorre meu corpo, como um rastro de pólvora aceso, posso ouvi-lo
gritar e suplicar meu nome, arqueio o corpo novamente, apertando e
tensionando seu pau grosso dentro de mim, este é o meu sinal de que estou no
limite, gritamos juntos, enquanto nossos corpos caem exaustos na cama,
fascinados pelo orgasmo.
Ricky me deixou em casa, nosso domingo foi perfeito. Estamos
construindo algo especial entre nós e isso basta para mim, no momento.
Quando entro em casa, minha mãe está no sofá, com uma xícara de café
fumegante nas mãos, vou até a bancada da cozinha e coloco minhas chaves,
ela permanece calada, me seguindo com os olhos.
— Boa noite, mãe.
— Boa noite, tudo bem?
— Tudo sim. — Me aproximo dela. — Quer conversar?
— Sim, quero.
— Não estava com a Guta — conto, soltando o ar dos pulmões, para
relaxar meu corpo tenso.
— Eu sei, ela ligou aqui para saber como eu estava.
— Ligou?
Merda, agora virei uma adolescente mentirosa, que inventa desculpas
para dormir fora de casa.
— E adivinha? Estou bem — ela diz, enquanto coloca sua xícara sobre a
mesa, e cruza os braços, me encurralando.
— Certo... — Olho em seus olhos, ainda tentando encontrar as palavras
certas, meu coração está a mil por hora, sei que ela vai surtar, mas minha mãe
sempre foi minha amiga, então espero que ela entenda e me apoie. — Na
realidade, estava com Ricky, passei a noite com ele.
— Ricky McGuire, seu chefe? — ela pergunta, seus olhos saltam, já
sabendo a resposta.
— Sim.
Ela grita:
— Você é louca? Tem noção do que está fazendo?
— Mãe, não é bem assim, nos conhecemos antes de tudo isso, na
verdade, o vi no prédio e ...
— Um momento... Preciso entender... — Ela balbucia um pouco,
tomando ar, seu semblante enfurecido se concentra nos meus olhos. — Você
está se preparando, há um ano e meio, para entrar na W.E Universities. Um
ano e meio, eu estava pagando cursinho, inglês, parcelando contas, nos
restringimos de sair e viajar. Aí você resolve se envolver com o dono,
sabendo que isso pode te prejudicar. Eu fiz tudo para te dar o melhor, para
que tivesse esta oportunidade de estudar na melhor universidade do país a
nível internacional. Não acredito nisso...
— Sei que fez o seu melhor e todos os dias eu te agradeço, mas... eu e o
Ricky, estamos conhecendo um ao outro — murmuro, chorosa. — Esta é
minha vida, eu que decido.
— Sua vida, entendo. — Ela se aproxima. — E onde você estava?
— Em Angra.
— O quê? Angra! Júlia, pelo amor de Deus.
— A senhora está sendo muito dura comigo.
O que está acontecendo? Minha mãe não é assim, é minha amiga, confia
em mim. Há algo errado.
— E se esse Ricky estiver se divertindo com você? Eu o vi no jantar,
galante e lindo.
Ela está nervosa comigo, eu sei. Mas tem algo a mais, posso ver através
do seu olhar.
— Não está, mãe, eu sei.
— Você sabe o quê? — Ela me encara, seu olhar duro me engole.
— Chega, mãe, o que está acontecendo? Você não é assim. Sempre
confiou em mim. Isso aqui não é sobre mim, é sobre você. O que houve?
— Nada. — Ela desvia o olhar.
— Mãe, o que houve? Me conta, por favor? — suplico, tentado
encontrar seu olhar, que se perde, em meio aos meus questionamentos. Minha
mãe sempre foi muito franca comigo, mesmo em situações em que eu estou
totalmente errada, ela mantinha o espírito maternal educador, não este
descontrole de acusações e gritos.
— Você tem razão, estou nervosa, problemas no trabalho. — Ela me
abraça, posso sentir seu coração acelerado, sei que está aflita. — Consigo ver
o seu semblante, está feliz. Desculpe, meu amor.
Encaro-a, segurando o seu rosto com as mãos.
— Mãe, o que houve?
— Nada. — Ela se afasta, indo até a cozinha e enchendo outra xícara
com café. — Tem certeza de que ele gosta de você? Não quero que se
machuque. No jantar, tive uma ótima impressão dele, muito educado, ainda
assim, é o dono. Cuidado, não quero que prejudique o que você conquistou.
— Mãe... O Ricky é maravilhoso. Estamos nos conhecendo e posso ver
sinceridade nele.
— Tudo bem, se cuida, tá? Eu estou aqui, se precisar. Você é adulta,
sabe que decisão tomar, certo? — Seu olhar é compassivo.
— Certo. — Vou ao seu encontro e me deleito com o seu abraço. —
Obrigada.
Minha mãe sempre esteve ao meu lado.
— Agora, vai para o seu quarto. Quero ficar sozinha. — Ela deita-se no
sofá e se encolhe junto a uma almofada, tem algo sombrio que a está
perturbando. Posso sentir.
— Tudo bem. — Beijo-a no rosto. — Boa noite.
Sei que tem algo errado. E me sinto egoísta por estar tão feliz e vê-la
triste. Não é o trabalho, ela nunca ficou assim, nem mesmo nos diversos
momentos difíceis que já tivemos. Agora tenho que investigar o que está
acontecendo.
Vou para o meu quarto, ainda intrigada com o comportamento da minha
mãe, meu corpo cansado recorda-me das sensações vividas hoje, abraço o
meu travesseiro, ainda estou anestesiada e inchada. Sorrio com os meus
pensamentos libertinos. Realmente aconteceu? Sim, aconteceu... Coloco o
meu rosto sobre o travesseiro e dou um grito histérico, que é abafado pelo
algodão.
Ricky é um homem maravilhoso, estou louca por ele. É a única certeza
que posso ter. Meu celular vibra, o Ricky me mandou uma mensagem:

Hoje foi um dia especial, muito obrigado por me fazer feliz.


Boa noite e até amanhã.
Linda.
R.

Leio e releio a mensagem diversas vezes, até adormecer com o celular


em minhas mãos.
— Está pronta? — pergunta Edu, com um sorriso debochado.
— Não, e para de rir, Eduardo. — Dou um tapa de leve em seu ombro.
— Está tudo certo, lembra que eu revisei. As informações estão corretas
e você ainda adicionou comentários importantes. Relaxa, vai lá e entrega —
diz, enquanto aponta para a porta da sala da Ellen, eu olho para aquela porta,
como se fosse um calabouço torturante, e volto o meu olhar rapidamente para
Edu.
— Ok, eu vou... Agora? — Franzo a testa.
— Sim. Vai, agora! — ele ordena, depois sorri e faz figa para dar sorte.
Dou dois passos, faço o sinal da cruz, olho para o Edu, que dá uma
gargalhada jogando a cabeça para trás, por conta do meu gesto de nervoso,
dou os ombros e me dirijo até a sala da vaca, mais conhecida como Ellen
Castiel, minha chefe direta.
Bato à porta e escuto um “entre”. Então, entro. Ellen está sentada na sua
mesa de vidro, plena na beleza.
— Concluiu? — ela pergunta, assim que eu adentro, ainda olhando para
a tela do seu notebook. Não respondo, esperando a sua atenção, porém,
mesmo com o meu silêncio, ela permanece digitando vacamente. Sorrio
internamente, orgulhosa com a nova expressão que eu inventei para ela. Mas
eu permaneço calada e intacta, depois de alguns segundos infernais, a diaba
para com a digitação e vira-se arrogante, seu olhar métrico percorre meu
rosto.
— Concluiu?
— Sim, na sexta. — Entrego a pasta. — Tem alguns comentários que
fiz, para dar mais vazão à pesquisa e...
— Ellen... você...
Somos interrompidas por Ricky, que entra subitamente sem bater, seus
olhos mel intensos nos encaram, confusos. Ellen e eu ficamos paradas e
hipnotizadas por ele, neste momento, pela primeira vez, estamos na mesma
sintonia, babando como fêmeas no cio por esse homem. Céus, ele é
perfeitamente sedutor, mesmo quando está perdido em uma situação, como
agora. Ele passa a mão em seu cabelo, que faz um movimento vai e vem, e
algumas mechas pretas permanecem em sua testa, sua mandíbula tensionada
e seus lábios entreabertos me sugerem pensamentos devassos, do que fizemos
ontem.
— Está tudo bem? — ele pergunta.
— Está — Ellen e eu respondemos ao mesmo tempo, e nos encaramos
em seguida.
— Desculpem, não queria interromper. — Ele olha para nós, ainda
confuso.
— Você nunca interrompe — Ellen responde, doce igual mel, além de
vaca é bipolar, muda de humor, rápido. — Sente-se, Ricky, a Júlia já
concluiu.
Puta que pariu!
Ela gritou com classe: “SAIA AGORA”, JÚLIA, porém, meu cérebro
está com várias placas de alerta: “ELES VÃO FICAR SOZINHOS, JÚLIA”.
E isso sinceramente me deixa irritada, sei do passado deles, mas ela ainda não
sabe do que estou vivendo com ele.
— Claro... ah... Qualquer dúvida, estou à disposição. Com licença,
Ellen. — Viro-me para sair, olho para o Ricky, com um sorriso leve nos
lábios e o cumprimento. — Como vai, Richard?
— Tudo certo, Júlia.
— Com licença.
Caminho até a porta com as pernas trêmulas, neste momento preciso de
um mantra para acalmar o meu sistema nervoso ciumento, estou com um
grito preso na garganta e não quero que ele me sufoque ou que o meu ciúme
me sufoque.
Liberto-me do calabouço, fechando a porta atrás de mim.
Eu estou com ciúme... muito ciúme.
— Júlia, tudo certo? — Viro-me para ver quem interrompeu o meu
ciúme interno.
— Oi, Guta. — Pisco três vezes, para voltar ao universo.
— Como foi, girl?
— Bem, eu acho — improviso, tentando controlar meus sentimentos,
estou no trabalho e vou ter que aprender a lidar com as minhas inseguranças.
— Você fez um ótimo trabalho, o Edu me falou — ela elogia, enquanto
solta o seu cabelo com os dedos, deixando-os ainda mais volumosos.
— Sim, fiz. — Fixo o meu olhar no seu cabelo, que agora é meu mantra.
— Seu cabelo é incrível, sabia?
— Sabia! — ela exclama, vaidosa.
E eu permaneço olhando para o cabelo dela, estou até mais calma.
— Ótimo. Então, depois do trabalho, vamos para o Chill, comemorar o
início das aulas na quarta, você vem? — Guta pergunta.
— Sim, o Rael vai?
— Vai, sim.
— Combinado, agora vamos trabalhar — digo, mas antes de sair, olho
para a sala da Ellen, e sinto uma angústia, gostaria de arrancar o Ricky de lá.
Não quero que ninguém saiba sobre nós. No entanto, depois do
calabouço, sinto uma necessidade feminina de que todas as mulheres do
planeta fiquem sabendo.
Dirijo-me para a mesa do Edu, que está com os olhos arregalados de
ansiedade.
— Como foi? — ele pergunta, assim que eu sento, descontente, na
minha cadeira.
— Foi normal. — Dou os ombros. — Entreguei e sai, sem
considerações!
— Sei que está tudo certo. — Ele coloca uma de suas mãos no meu
ombro, e me encara por alguns segundos, fico um pouco desconfortável com
o seu olhar, está diferente. Depois sua mão sobe para o meu rosto, levando
para trás da minha orelha uma mecha solta do meu cabelo. — Júlia, você... É
talentosa...
— Obrigada, Edu — agradeço, me movendo na cadeira. Ele percebe o
meu desconforto e se afasta um pouco.
Ele está? Não.
— A Guta me convidou para um drink hoje no Chill, tudo bem eu ir? —
ele pergunta.
— Sim, claro, sem problema.
Ele me analisa por um momento e o seu olhar brilhante responde a
minha pergunta: Sim, ele está flertando comigo. Fico um pouco
envergonhada com seu olhar, e desvio o meu para o computador, abro alguns
arquivos, pensando em uma maneira de tirar qualquer esperança do Edu,
melhor sair daqui e tomar um café.
— Então, posso tomar um café? — pergunto.
— Sim, vamos, quero um também.
Merda.
Ele levanta-se rapidamente, sem me dar oportunidade de recusar a sua
presença. Chegamos à copa e ele se antecipa, me servindo.
— Com açúcar? — pergunta, com gentileza.
— Não, gosto puro.
— Sério? Você realmente é especial — diz, entregando-me a xícara de
café.
— Obrigada, mas...
— Também quero café. — Ricky aparece de súbito na porta, com o
semblante tensionado. Edu e eu arregalamos os olhos com a surpresa.
— Claro. — Edu abre passagem na cozinha para que Ricky entre,
porém, ele permanece na porta. — Quer que eu o sirva, Richard?
— Por favor, puro, igual ao da Júlia — Ricky avisa, com a voz rouca.
— Certo.
Posso ver no semblante do Edu que ele está desconfortável em servi-lo.
Ricky olha para mim, e aqueles olhos mel quentes, tornam-se frios e
congelantes, ele encosta-se no armário entre nós. E ficamos ali,
constrangidos, tomando nossos cafés, até que Edu, graças a Deus, coloca sua
xícara na pia.
— Melhor eu voltar, hoje tem muito trabalho a ser feito. — Antes de
sair, ele vira-se para mim. — Júlia, a aguardo na minha mesa.
— Sim, um segundo.
Edu sai.
— É sério isso? Ele está flertando com você? — Sua voz é grave.
— Não, estávamos tomando café. — Arqueio uma sobrancelha. — E,
você, está com ciúme?
— Preciso estar? — Seu olhar desafiador me retrai.
— Ricky, fala baixo. Combinamos segredo, lembra?
— Mas é muito difícil ver você ao lado daquele bostinha. — Ele encosta
o ombro no meu e aproxima sua boca da minha orelha. — Hoje posso te
levar em casa? Quero beijar você inúmeras vezes, até porque, tenho reunião
no final da tarde.
— Hum, hoje eu vou beber com a galera no Chill, quarta-feira iniciam
as nossas aulas e vamos comemorar.
Ele escora-se no armário, virando-se para me olhar.
— Eu sou bem melhor que o Chill, não acha?
— Sim... — Sorrio, maliciosa. — Mas já marquei. — É claro que prefiro
ficar com o Ricky, mas gosto de estar com os meus novos amigos. — Não
quero que fique chateado.
— Ele vai? — Sua pergunta, tão afiada quanto a uma navalha, deixa-me
temerosa.
— Vai!
Seu rosto torna-se furioso, eu observo, receosa, para ver se não há
ninguém entrando na copa.
— Mas, Ricky, não tem nada a ver — adiciono.
— O cara quer você, é certo.
— Não, não quer.
Ele coloca sua xícara na pia, e fica de costas para mim.
— Amanhã, você me leva, ok? — sussurro, tentando amolecer a pedra.
— Não sei, talvez eu vá para o Rio, amanhã. — A tentativa não deu
certo e o seu tom é ainda mais duro.
— Espera... — Diminuo o meu tom de voz, que alterou um pouco com a
surpresa. — Rio de Janeiro? — Ele vira-se e assente. — E volta quando?
— Na sexta!
— Ah? — Não disfarço a minha insatisfação, misturada com surpresa.
Uma semana sem ver o Ricky.
— Faremos assim, quando você terminar o seu drink, me manda uma
mensagem, se a minha reunião tiver acabado, te pego, senão você vai de táxi
— ordena, ditando as regras, sem intervenções.
— Sim, senhor. — Bato continência. — Agora vou voltar. — Pisco para
ele. — Até mais.
Ele arqueia uma sobrancelha e cruza os braços, seu olhar insatisfeito
deixa-me tensa, não quero magoá-lo. Sopro um beijo discreto de longe e
volto para o escritório, ainda com as palavras RIO DE JANEIRO em
negrito, martelando na minha cabeça, estar com o Ricky todos os dias me fez
esquecer destas viagens.

— Vamos, girl! — diz Guta, em frente à mesa.


— Sim, só um momento, preciso fechar o sistema.
— O Edu vai também, cadê ele? — Ela olha em volta.
— Não sei, melhor esperá-lo — aviso, atarefada em fechar o sistema e
organizar a mesa.
— Olha ali. — Guta aponta com a cabeça para o Ricky e a Ellen, estão
saindo da sala, conversando, e param no hall do elevador. — São lindos
juntos, você não acha?
Não acho.
O que estão fazendo juntos, afinal? Meu olhar está fixo neles e, sendo
bem sincera, estou possessa de ciúme.
— Júlia, Júlia, Júlia....
Guta estrala os dedos.
— Hein? — Desvio o olhar para ela.
— Vamos, garota, e pare de olhar o casal.
— Eles são um casal? — questiono, tão rápido, que meus joelhos
fraquejam com o misto de sentimentos, que começam a me perturbar.
— Provavelmente — diz Edu, que chegou e eu nem percebi com o
transe.
Viro-me para ele.
— Por que provavelmente?
— Dizem que eles iam casar no ano passado, mas terminaram. Eles
mantêm uma espécie de relacionamento aberto, mas, no final, sempre estão
juntos — conclui, falando claramente.
— Relacionamento aberto. Sério?
Já estou com um nó na garganta, sinto o meu estômago revirar. Preciso
sair daqui.
— Júlia, o cara é milionário, a Ellen é bonita, mas ele pode ter a mulher
que quiser, você acha que vai ficar só com uma? — adiciona Guta, a sábia, e
o meu lado inseguro surge, me induzindo para um caminho que,
sinceramente, não gosto de trilhar.
— Melhor vocês irem na frente, encontro vocês lá embaixo, vou de
escadas. — Saio às pressas, sem olhar para trás.
— Doida, espera. — Escuto Guta dizer, antes de eu fechar a porta de
emergência.
Desço as escadas igual a um raio.
Não posso acreditar, ele não faria isso comigo. Depois do final de
semana que tivemos, depois de tudo que falamos um para outro. Impossível
acreditar que o Ricky é um mau-caráter, que ele possa...
Um relacionamento aberto!
E, no final, sempre estão juntos!
Essas frases batucam na minha cabeça como um tambor.
Será que sou mais uma conquista para ele, para variar o cardápio?
Depois ele volta para a vaca da Ellen...
É MENTIRAAAAA... Inconscientemente, já estou chorando, ao mesmo
tempo que acredito, não acredito. Minha cabeça está a mil, paro e sento no
degrau, com a cabeça encostada na parede, choro sem parar. Já estou
sofrendo por algo que acabou de iniciar.
Meu celular vibra, recebo uma mensagem, é da Guta.

Guta – Girl, onde vc está?

Respondo, secando os olhos:

Eu – Estou a caminho, nos encontramos no Chill.


Guta – Ok.

Preciso saber se o Ricky está brincando comigo, não vou me deixar


enganar. Não vou ser o seu passatempo, disse claramente que não me
prestaria a esse papel.
Hoje vamos conversar, tenho que ter calma. Estou apaixonada e isso me
deixa vulnerável. Preciso respirar e me acalmar, não sou uma adolescente tola
que se deixa levar por comentários.
Calma, Júlia.
Calma, Júlia.
Calma.
Melhor eu ir beber para espairecer a cabeça.
Chegando ao Chill, a galera está toda animada, dançando música latina e
bebendo cerveja. Hoje o dia está quente, então uma cervejinha cai bem.
— Jú, minha girl preferida. — Vem ao meu encontro o Johny. — O que
foi? Está com os olhos vermelhos? — quer saber, com preocupação.
— Não foi nada. E você como está? — Dou-lhe um abraço apertado.
— Incrível. Meu setor é ótimo, as pessoas são legais, estou muito feliz.
— Seus olhos brilham de satisfação.
— Ótimo. Agora, cerveja?! — Nos dirigimos até à mesa, cumprimento
todos, e ficamos conversando sobre a empresa, rimos de acontecimentos
engraçados e gozando um do outro.
Viro uma cerveja inteira, preciso relaxar, mas o Ricky e a Ellen não
saem da minha cabeça. Peço outra e vou dançar com Johny, dançamos e
rimos juntos.
Guta, com um talher, bate três vezes em sua garrafinha de cerveja,
chamando a atenção de todos.
— Galera, quero fazer um brinde, a nós, universitários e colaboradores
da...
Todos falamos juntos... W.E Universities.
E aplaudimos!
— Oi, como você está? — pergunto, abraçando o Rael.
— Tudo bem, e você, no Marketing?
— Sabe, Rael, estou feliz, acredito que é Marketing que quero para a
vida. — Com um gole generoso, finalizo outra cerveja.
— Que bom! Você está agitada, tá legal? — Seu olhar é cauteloso.
— Quero mais cerveja. Chill, mais uma. — Levanto minha garrafa.
Chill logo entende, me trazendo outra.
— Calma, você costuma beber muito?
— Não, mas hoje eu preciso... Dançar... Johny — grito. Ele está um
pouco afastado, mas vem ao meu encontro. — Dançar, me leva?
— Claro, gata, vem!!!
Johny e eu dançamos e ele me ensina novos passos. Estou me divertindo
e tentando tirar Ricky da minha cabeça. Sinto uma mão tocar minha cintura,
viro-me é o Edu.
— Oi — digo. Já estou meio bêbada.
— Quer dançar comigo? — pede, sorridente.
— Melhor, não. Na verdade, só sei dançar com o Johny. Encosto meu
braço no ombro do Johny.
— Jú, dança com ele, eu vou tomar uma cerveja. — Ele beija meu rosto
e sai.
Merda.
Edu coloca as mãos na minha cintura.
— Posso?
— Eu estou um pouco bêbada. Acho que não vou saber dançar. — Tiro
suas mãos da minha cintura, e o meu corpo faz um zigue-zague, realmente
estou bem tonta.
— Então vou trocar de música, fique aqui. — Ele vai até o aparelho e
coloca a ficha, a música que toca é bem lenta.
Sério? Ele está flertando comigo, absurdamente.
— Esta música é bem calma, até demais. Melhor não!
— Só uma? — Faz carinha de anjo, juntando as mãos.
— Ok, só uma.
— Certo. — Ele coloca as mãos na minha cintura e eu nos ombros dele.
Começamos a nos mexer. Fico ali ouvindo a música e penso no Ricky, na
Ellen, nos dois.
Puta merda.
Encosto minha cabeça nos ombros de Edu e curto a música, até que ele
dança bem, meu nariz encosta no seu pescoço, seu perfume é maravilhoso,
suas mãos apertam um pouco o meu corpo pequeno, me envolvendo ainda
mais em seus braços. Nossa, o Edu tem pegada, se eu não gostasse do Ricky,
eu... Eu gosto do Ricky, céus eu gosto muito dele, eu gosto dele... E agora?
Sinto suas mãos subirem pelas minhas costas, segurarem minha nuca e
virarem meu rosto, que roça delicadamente na sua barba a fazer, pinicando a
minha pele, um arrepio na coluna, movimenta meu corpo sugestivamente,
esta sensação zonza do álcool deixa-me um pouco indefesa à sua investida.
Quando seu hálito de cerveja fica pairando próximo à minha boca, um lapso
de consciência retoma para a minha mente: ELE VAI ME BEIJAR, não
posso.
— Não! — interrompo. Como me deixei levar? Estou magoada com
Ricky, bebi demais, esse meu descontrole quase causa uma merda, balaço a
cabeça em sinal negativo. — Melhor não.
— Você tem namorado? — ele pergunta, olhando nos meus olhos.
— Não, mas não quero. Estou meio bêbada, melhor eu ir embora. —
Saio subitamente tonta, e vou até a mesa pegar minha bolsa. Edu vem atrás
de mim.
— Calma, Júlia. Desculpe, eu...
— Tudo bem, melhor eu ir.
— Hein? Já vai por quê? — interrompe Guta.
— Bebi demais, melhor eu ir.
— Então vai de Uber — sugere Guta.
— Não, vou de metrô, tô bem, não estou caindo. — Dou um passo e
tropeço com meu salto. Eles arregalam os olhos.
— Eu te levo — oferece Edu, segurando meu braço.
— Não. — Seguro sua mão e libero o meu braço. — Eu vou de Uber,
fiquem calmos.
— Eu levo você, vou para aqueles lados da zona sul mesmo.
— Vai com ele, Júlia. Tenho certeza de que vai ser um bom menino —
fala Guta, piscando para Edu.
Como eu pude beber tanto?
— Só um momento! Preciso mandar uma mensagem. — Melhor eu ver
se Ricky já saiu da reunião, precisamos conversar.

Eu – Estou indo embora. Você já concluiu sua reunião?

Fico esperando-o visualizar, mas nada.


E se eu ligar? Mas se ele estiver em reunião, posso interromper.
Espero mais alguns minutos eternos.
Nada.
Volto o meu olhar para a Guta e o Edu.
— Onde está seu carro?
— No estacionamento da empresa.
— Certo, vamos, tenho que acertar a conta.
— Deixa que eu pago — diz Edu.
Olho para Guta, que franze a testa.
— Não precisa, não quero te dar despesas.
— Vai ser um prazer. — Ele sai e vai até o caixa.
— Ele está muito afim de você, girl. Detalhe, ele é um gato, aproveita.
— Guta me olha com carinha de cupido.
— Não estou na vibe — retruco.
— Tem outro cara, não é? — ela comenta, mas seu olhar eficaz me
mostra que ela já sabe a resposta.
Edu nos interrompe.
— Vamos, tudo certo.
— Valeu, Guta, até amanhã. Queria me despedir do Rael, mas ele está
conversando com a Duda, entusiasmado, não vou interromper. Aliás, e o filho
dela? Não tive tempo de perguntar.
— Uma situação grave, mas amanhã te falo.
— Se despede por mim, beijo. — Abraço-a e saio com o Edu.
Vamos até o estacionamento da empresa e eu realmente estou zonza,
quando chegar em casa, vou me jogar na cama. Nunca bebi tanto.
— Por favor. — Edu abre a porta para mim.
— Obrigada, realmente estou cansada e meio bêbada.
Ele entra no carro, fechando sua porta e fixa os olhos nos meus.
— Certo, estou de olho em você desde que começou, mas hoje não
posso te convidar para sair, talvez amanhã?
Hã.
— Eu... Estou meio enrolada, com um cara. Não estou disponível no
momento. Você entende, né?
— Que pena. — Seu olhar entristece. — Agora, vamos, vou te deixar
em casa. — Ele acelera o carro e partimos rumo a zona sul.
Edu é um cara legal, bonito, mas eu tenho o Ricky que... sei lá...
Meu celular toca. Olho o número, é o do Ricky.
— Alô.
— Onde você está? — Seu tom é grave e urgente.
— Tudo bem? — Minha voz mole denuncia o meu estado.
— Você está bêbada, Júlia?
— Mais ou menos.
Posso ouvir sua respiração alterar.
— Somente agora visualizei sua mensagem, onde você está? Vou te
buscar.
— Não precisa, Ri... — Me contenho, não posso pronunciar o nome do
Ricky aqui, Edu me olha de rabo de olho. — Peguei uma carona, com Edu.
Está tudo certo, já estou perto de casa. Não se preocupe.
— Você está com o bostinha? — Posso sentir a tensão em sua voz.
— Sim, mas está tudo certo. Eu juro. Moramos na mesma região.
Ele fica quieto, consigo ouvir sua respiração.
— Você ainda está aí? — quero saber, apreensiva, porque sei que ele
está furioso.
— Sim, certo. Boa noite.
— Boa noite?
Fico em silêncio. E ele desliga.
O que foi isso?
Fico olhando para a tela do celular, penso em retornar umas três vezes,
mas desisto. O que eu fiz? Sabia que o Ricky ia encanar com a fato de eu
pegar esta carona.
— Tudo bem? — Edu pergunta.
— Não, mas tudo bem. — Meu olhar está na tela do celular, melhor eu
ligar para ele? Percebo que o carro parou. — Onde estamos?
— Na sua rua, agora, onde fica sua casa?
Sorrio, lembrando-me desta pergunta.
— Ali, no prédio azul.
Ele estaciona.
— Obrigada, você foi muito gentil.
— Disponha, quer ajuda?
— Não, estou bem. — Saio do carro, fecho a porta. — Até amanhã.
— Tchau, Júlia.
Olho meu celular, nenhuma ligação nem mensagem do Ricky.
Entro em casa e vou direto para o meu quarto, minha mãe deve estar no
quarto dela, porque a luz está acesa. Vou tomar um banho, preciso relaxar a
bebedeira, tomo um banho caprichado, coloco meu pijama de flanela e seco o
cabelo.
Desabo na minha cama, estou muito cansada e amanhã vou acordar
cedo. Estou confusa em relação ao Ricky, meu coração está apertado.
Eu não sei o que pensar em relação à Ellen. As coisas que foram ditas
sobre eles me intrigam, no entanto, quando estamos juntos, temos algo, eu
sei. Melhor eu mandar uma mensagem para ele, e amanhã nos falamos.

Eu – Não quero que fique magoado, foi somente uma carona, temos
que nos ver amanhã, saudade.
Com carinho.
Júlia.

Pronto, envio.
Espero para ver se ele visualizou, mas nada.
Vou ligar... não! Melhor eu esperar e falar com ele amanhã. Assim
estaremos melhor para conversarmos. Coloco o celular na cômoda e
acomodo-me na minha cama.
Adormeço.
— Bom dia — digo para minha mãe, que não olha para mim. E
permanece mexendo na cafeteira.
— Bom dia. Quer café?
— Sim. — Fico observando seus movimentos, ela move a xícara com
brutalidade. — Está tudo bem?
— Sim — responde, em seco.
— Mãe, olha para mim, ainda está magoada?
Ela vira-se. Está com olheiras profundas e olhos vermelhos. Como se
tivesse chorado a noite inteira, o que é que a tenha deixado neste estado é
grave. Minha mãe não se deixa abater fácil.
— Mãe, desculpe. Vamos conversar...
— Seu pai! — ela revela, como se jogasse uma bomba nas minhas mãos.
Meu pai está preso, certo? Não! Como não pensei nisso, só tem uma pessoa
no mundo que consegue desestabilizar minha mãe, e é o meu pai.
— O que tem ele? — Dou um passo para trás, já temendo a sua resposta.
As lágrimas descem pelos seus olhos inchados. Não consigo me mover,
a palavra pai para mim é uma trava, odeio este homem.
— Me ligou.
— O que ele queria? Fala!
— Ele vai sair... Ele vai sair... — ela diz, com a voz trêmula e
desesperada.
E eu sinto uma pontada no peito e a minha respiração já não é mais leve.
O meu pai preso significa segurança, ele solto significa sofrimento. Minha
mãe mais do que ninguém sabe o quanto ele é violento e mau-caráter.
Quando ele sai da cadeia e se aproxima, algo ruim sempre acontece.
— Como assim, ele vai sair?
— Não sei... Ele vai ficar livre.
Ela joga a xícara, que está em suas mãos no chão, tornando-a farelos de
porcelana, suas mãos cobrem o seu rosto, tentado conter sua angústia.
— Ele já cumpriu a pena?
— Acredito que sim. Na verdade, não sei. Como vai ser? O que vamos
fazer se ele quiser ficar?
Minha mãe é fraca quando o assunto é meu pai. Não entendo, ele
aprontou tanto com ela e, mesmo assim, ela se retrai quando ele está por
perto. Não vou deixar que ele retorne para as nossas vidas, logo agora que
estamos nos reerguendo. Nunca, não vou deixá-lo voltar e conviver com a
gente.
— Aqui ele não fica. Entendeu? — aviso, enquanto sento-me no sofá e
jogo a minha cabeça para trás.
— Claro que não. Mas eu sei. Ele me disse. — Ela hesita, posso ouvi-la
respirar fundo. — Quer conhecer você, se aproximar da única filha. Eu não
vou permitir isso, não posso permitir. — Ela esmurra a parede, vou até ela e a
abraço, contendo sua ação.
— Nós vamos à polícia, pedir proteção.
— Júlia, se o seu pai quiser se aproximar, a polícia não impede. — Seu
tom é de derrota.
— Ele não vai nos fazer mal. Eu prometo. Quando ele sai?
Ela me encara.
— Em uma semana ou duas. Ele não faria nada para machucar você,
mas faria qualquer coisa para me machucar. E pode me usar para se
aproximar de você. Então vamos nos preparar.
Ela retorna para a cozinha, ajoelha-se e começa a recolher os cacos do
chão. Fico por alguns segundos observando minha mãe, e imaginando como
pode ser o rosto deste homem que a fez sofrer.
— Ele não faria nada. Voltaria para a cadeia. Acredito que não queira
isso, certo?
Seu olhar volta-se para mim.
— Júlia, seu pai passou mais tempo preso do que solto. Ele não liga.
Acredite.
Não, agora não. Minha vida está mudando, estou realizando meus
sonhos, não aceito a presença do meu pai em nossas vidas.

Sem perceber, estou chorando, sentada no banco do metrô. Coloco as


mãos no rosto, não consigo me controlar. De uma coisa eu tenho certeza, ele
não fará nada contra minha mãe. Eu viro um leão para defendê-la.
Pego o meu celular, o Ricky visualizou a mensagem, mas não
respondeu, meu coração está transbordando de tristeza. Respiro fundo, me
recomponho e vou para o trabalho. Chego à empresa e vou à copa, tomar
café.
— Bom dia — diz Guta, entrando na copa.
— Bom dia, tudo bem? — falo, com a voz um pouco rouca, meu corpo
exausto está escorado no armário.
— Eu estou ótima. Mas e você, algo errado? — Arqueia uma
sobrancelha.
Não vou contar para Guta, até queria desabafar com uma amiga, mas
não vou despejar meus problemas em cima dela.
— Nada. Ressaca, só isso. — Dou os ombros.
— E você com o Edu? — ela pergunta, enquanto pega o seu café.
— Fala baixo, não tem nada você sabe. Ele está aí?
— Sim, na mesa dele.
— Melhor eu ir.
— Está tudo bem?
— Sim, está. — Saio, sem olhar para trás, e vou até a mesa do Edu.
— Bom dia, Edu.
— Bom dia, Jú, tudo bem?
Jú?
— Tudo, sim. O que temos para hoje? — Sento-me ao lado dele.
— Temos que fazer um relatório e mandar para o Ricky. Ele tem uma
reunião às 14h e está no Rio de Janeiro.
— HOJE, já foi? — pergunto, minha voz altera um pouco com a
surpresa.
Como assim, ele está no Rio de Janeiro?
— Sim, por quê? — Ele fica surpreso com a pergunta.
— Não... Nada! Vamos trabalhar, o que tenho que fazer?
Estou confusa, ele foi viajar e não falou comigo. Não sei o que pensar,
na verdade, ele foi bem seco ao telefone quando falei que estava com o Edu.
Estou apreensiva, não sei como agir.
Melhor ligar para ele, farei isso depois. Minha cabeça está a mil, e ainda
tem a história do meu pai. Meu Deus, estou muito nervosa. Tenho que focar
no trabalho, é a melhor maneira de esquecer por alguns segundos meus
problemas.
Fico a manhã toda trabalhando no relatório para enviar para o Ricky, o
Edu vai para uma reunião com a Ellen.
Vou almoçar e deixo um recado para o Edu, falando que finalizei o
relatório. Combinei de almoçar com Rael, vou encontrá-lo no Chill.
— Oi.
— Que saudade, garota!!! — exclama Rael, me dando um abraço
apertadíssimo.
— Eu também estava com saudade. Ontem, você estava empolgado com
a Duda, não quis me dar atenção.
Sorrio.
— Desculpe. É que... Sabe... Estamos saindo — conta, todo tímido.
Eu sabia.
— Que máximo, Rael. Parabéns! — Bato palminhas, o parabenizando.
— Cadê ela, falando nisso? O Chill que está atendendo.
— Ela está com o filho no hospital, falei com ela hoje cedo.
— Nossa. Mas o que ele tem?
— Ele tem leucemia, Jú.
Nossa.
— Meu Deus, Rael, é muito grave? — Coloco uma mão sobre a minha
boca. Que barra, a criança tem apenas quatro anos.
— Sim, é... — Seu semblante entristece. — Eu gosto dela.
— Você é muito nobre por estar com ela neste momento, muitos caras
não aguentariam esta barra. Vai dar tudo certo. Mas ele tem chances! Vai
fazer quimio, sei lá. Tem que ser feito algo. Não tem?
— Por enquanto, ele vai iniciar a quimioterapia. Depois é depois. — Ele
dá os ombros.
— Bem, não sou amiga da Duda, nos conhecermos há pouco tempo.
Mas adoro você, então o que precisarem, se estiver ao meu alcance, pode
falar!
— Obrigado, Jú.
Chill, todo estabanado, traz os nossos lanches, comemos rápido e
voltamos para a empresa.

O resto do dia foi angustiante, estou preocupada com a minha mãe e não
sei o que pensar em relação ao Ricky. Quero mandar uma mensagem ou ligar,
mas não sei o que dizer, estou um pouco magoada com ele.
No fim do expediente, corro para casa igual a um jato, é meu último dia
livre antes das aulas. Quero dormir e relaxar, mas não paro de pensar no
Ricky, estou com muita saudade.
Depois do banho e de colocar meu pijama de flanela, acomodo-me na
minha cama e com o celular acesso minhas redes sociais, que estão
abandonadas, não tenho mais tempo para nada. Na verdade, estou adorando
esta rotina.
Decido ligar para o Ricky, precisamos conversar, ele falou que não me
magoaria, e foi para o Rio, sem me avisar. O telefone chama, mas ele não
atende. Agora é fato, ele não quer falar comigo, será que ele cansou da
menina aqui? Deve ter sido isso, como eu sou idiota.
Espera. Por que estou me culpando? Não fiz nada.
Ouço barulho da porta, deve ser minha mãe. Levanto e vou até a sala.
— Mãe, tudo bem?
— Sim, já está de pijama?
Ela parece um pouco melhor, pelo menos, seus olhos não estão inchados
como antes.
— Hoje é meu último dia livre, quero relaxar.
— Já comeu?
— Não quero... Mãe, vamos conversar?
— Agora não, Jully! Outro momento. Boa noite. — E assim ela sai.
Retorno para o meu quarto e olho o celular.
Nada.
O Ricky não me ligou ou mandou mensagem. Precisava ouvir a voz
dele, que brigássemos como namorados ou que ele me falasse que não me
quer mais. Beleza, seria mais digno. Agora este silêncio é pior que um tapa,
estou com um aperto no peito, um medo de perdê-lo e ao mesmo tempo uma
raiva. Preciso dormir, preciso descansar.
Amanhã é um novo dia.
Hoje o dia passou voando, a cada dia aprendo mais e me
apaixono pelo Marketing. Tenho aula e, como caloura, sei que teremos trotes,
mas só participa quem quiser. Estou ansiosa, mas não completamente feliz
como achei que estaria, está faltando algo, é o Ricky. A Guta já foi para a
universidade, eu tive que finalizar um relatório, a pedido do Edu.
— Está tudo certo? — pergunto, ansiosa, para o Edu, que analisa o
relatório, com muita atenção.
— Sim, está ótimo. Obrigado. — Ele cruza os braços, e me olha
profundamente.
Este olhar profundo do Edu, me deixa tensa e desconfortável. Não quero
que ele ache que tem chances comigo, não vou magoá-lo. Ele é muito gente
boa.
— Ok! — digo, enquanto pego a minha bolsa para sair. — Agora eu já
vou, é o meu primeiro dia e não quero me atrasar.
— Garota estudiosa. — Ele sorri. — Eu vou para lá, quer uma carona?
— Você vai? Por quê?
Curiosa.
— Tenho uma reunião, quer carona?
Estou atrasada, então pegar uma carona não tem nada de mais.
— Tudo bem! Você já vai?
— O tempo de desligar meu PC.
Descemos até a garagem e eu aguardo Edu colocar uma mala no porta-
malas do carro.
— Você está gostando da W.E Universities?
— Claro, sempre sonhei em entrar.
Ele se aproxima, seus olhos fixos nos meus. Não quero ser grosseira
com Edu, trabalhamos juntos, e ele é o meu padrinho no trabalho, eu devia ter
evitado esta carona, ele está perto demais.
— Júlia, eu estou muito interessado em você.
Tá, eu sei.
— Esse seu namorado foi uma desculpa para me dispensar, não é? —
Ele se aproxima mais e eu fico ainda mais tensa.
— Então... Edu, não força a barra, você é muito legal. Mas não me
envolvo com amigos de trabalho.
— Ninguém vai ficar sabendo. Acho você linda... E...
— Mas ela tem namorado!
Viramos e Ricky está vindo na nossa direção, cerrando os punhos, sua
mandíbula está tensionada e o seus olhos furiosamente saltados.
— Ricky? Você... — Estou confusa, e minha voz falha um pouco com a
surpresa em vê-lo. — Não estava no Rio?
— Estava, mas agora estou aqui. — Seus estão olhos fixos no Edu.
Edu franze o cenho, olha para mim, depois para o Ricky, e levanta suas
mãos.
— Vocês estão juntos?
— Não — digo.
— Sim — Ricky diz.
Falamos juntos e nos olhamos em seguida, surpresos com a resposta um
do outro. Ricky desvia o olhar para Edu.
— Sou o namorado dela. Porém quero discrição, acredito que posso
confiar em você. Certo?
Ele disse: namorado? Na verdade, é a segunda vez que ele diz:
NAMORADO.
— Claro, com licença — diz Edu, totalmente desconcertado, indo para o
seu carro, sem olhar para trás.
Meus olhos voltam-se para Ricky, que está furioso.
— Ricky, eu... Você...
E ele vem na minha direção como um raio, segura minha nuca e possui
minha boca.
Ah... Como eu estava com saudade deste beijo, do seu perfume, do seu
corpo.
Ele conduz meu corpo, encostando-me em um carro, nosso beijo tem
gosto de saudade e desejo. Nossos corpos estão colados, suas mãos passeiam
pelas minhas costas, estremecendo todo o meu corpo, essas mãos gulosas,
que sabem como me tocar e conhecem o meu corpo, descem pelas minhas
curvas e param na minha bunda, onde ele pressiona ainda mais, e o espaço
entre minhas coxas, inflama. Não paramos de nos beijar, é um vício. E o
beijo vai ficando mais intenso e descontrolado, até que percebo que estamos
no estacionamento.
Interrompo o beijo.
— Ricky, calma! — digo, ofegante.
Paramos, testa com testa.
E nos abraçamos, um longo e apertado abraço.
Nossos corações estão em um único ritmo, saudade um do outro.
— Estava com saudade — sussurro no seu ouvido.
— Eu também, com muita. — Ele me encara. — Por que você estava
com aquele cara? — Seus olhos ficam cinza.
— Era somente uma carona, até a universidade.
— Ah... — Ele revira os olhos. — Com certeza ele queria te dar uma
carona — ironiza.
— Você está me ignorando há dois dias. E por que você está aqui?
Agora?
Ele viaja, não fala comigo, me ignora e quer ter razão.
Ah, é brincadeira!
— Eu não consigo ficar longe de você, eu tentei, mas não consigo. —
Ele se afasta. — Eu fiquei puto porque você pegou carona com esse cara.
Puto ou com ciúme, chame do que quiser, mas eu... — Ele hesita, passa as
mãos no cabelo, e anda de um lado para o outro. — Adiantei minha viagem
para ficar longe. E não consegui fazer nada, a não ser pensar em você. — Ele
se aproxima e seus olhos agora mel intensos, penetram os meus. — Gosto de
você, Júlia, não sei como lidar com isso, mas quero você na minha vida.
Suas palavras entram em meu coração, aliviando toda a dor, minhas
mãos passeiam no seu peito por cima da camisa até seu rosto, e o acaricio,
seguro-o com as palmas das mãos, levanto as pontas dos pés um pouquinho
para olhar em seus olhos, sei que ele está nervoso.
— Eu também gosto muito de você — exclamo, com todo o meu
coração, depois meus lábios tocam o dele de leve, e um sorriso iluminador
surge em seu rosto.
Ele me levanta, jogando-me nos ombros.
— Vem, vou tirar você daqui.
— Ricky, me coloca no chão.
— Por favor, entre!
— Tivemos momentos especiais aqui — falo, enquanto olho o
apartamento e caminho até a sala, ele segura a minha cintura, girando-me
para ele.
— Eu estava com saudade desta boca. Desta pele. O que fez comigo,
Júlia Sales?!
Eu estou completamente apaixonada. Este executivo misterioso ganhou
meu coração, não me importo o que vamos passar para seguir em frente
juntos, mas pago o preço.
— Fica comigo esta noite? — ele sussurra, acariciando o meu pescoço
com beijinhos.
— Eu tenho aula.
— Quem vai ao primeiro dia de aula? Sei que o nosso ensino é puxado,
mas o primeiro dia não vai te reprovar. Fica, preciso de você. — Seu tom
sedutor soa em meus ouvidos, derretendo todo o meu corpo, rendo-me, não
consigo negar nada.
— Certo, mas temos que conversar.
— Sem roupa? — ele sugere, em tom malicioso.
— Ricky... Sério, temos que conversar... — insisto, pois temos que
ajustar algumas coisas.
Ele sorri, afastando-se lentamente.
— Ok. Vinho?
— Sim. — Acomodo-me no sofá, ele vai até a cozinha e volta, em
poucos segundos, me entregando uma taça de vinho.
— O que quer saber, linda?
— Namorada? Tinha que ter falado comigo primeiro, não acha? Ou foi
somente para espantar o Edu?
— Aquele cara é um idiota, e você não vai mais trabalhar com ele.
— Espera, como assim? Me responde! — pressiono, preciso saber o que
temos.
Ele vem para sentar-se ao meu lado, porém, aponto o seu lugar no sofá
da frente. Ele sorri, mas obedece, apoiando os cotovelos no joelho. Melhor
mantermos distância, porque se ficarmos perto um do outro, não
conseguiremos conversar.
— Quero ter algo contigo, se quiser — diz, sem hesitar ou respirar
fundo, simplesmente fala, meu coração acelera, namorar o Ricky é o que
mais quero.
— Eu... — Pisco três vezes, ainda assimilando o pedido. — Eu quero.
Mas seria complicado namorar meu chefe. Como lidaremos com isso?
— Não sei, nunca lidei, na verdade... — Ele dá os ombros, jogando as
costas para trás.
— Certo, podemos aprender juntos. Agora... — Preciso saber referente à
relação dele com a Ellen, eliminar de vez este fantasma. — Você e a Ellen,
até que ponto vocês foram?
— Noivamos! — responde, sem hesitar.
Então é verdade.
— Vocês tinham uma espécie de relacionamento aberto?
— Sim.
— Ainda tem?
— Não.
Estou muito melhor agora. Obrigada.
— Depois que conheci você... — Ele hesita, mas continua: — Na
realidade, eu e a Ellen nos conhecemos há anos, ela sempre foi muito linda.
Entre idas e vindas, um dia ela quis algo sério e fui pressionado pela família,
mas depois de um tempo, percebi que não queria e terminei tudo. Ela não
aceitou ficar longe, então sempre fez vistas grossas para os casos que eu
tinha. Mas...
— Mas?
— Você mexeu comigo. E não fiquei mais com ela.
Tenho que manter o controle ou posso gritar?
Responde, universo.
Isso quer dizer que ele não ficou com a Ellen.
Meu coração quer saltar do meu peito. Isso é ainda melhor do que ser
pedida em namoro.
— Ela sabe de nós?
— Sabe que há alguém, mas não sabe que é você.
— Entendi.
— Júlia — sua voz fica grave —, não sou um filho da puta. Trabalho
muito, sou pressionado, estou sempre viajando, nunca precisei me preocupar,
me acostumei com isso, com mulheres, mas sempre fui honesto com elas,
como estou sendo com você.
— Acho que posso viver com isso. — Viro a minha taça de uma só vez,
preciso de álcool.
— Não me importo se as pessoas souberem. Quero você, somente —
acrescenta, enquanto levantava-se para sentar ao meu lado.
Chega de distância.
Então, Brasil. Estou mole igual geleia.
— Eu não sei como vou ser vista, vai ser complicado, eu realmente
sonhei com esse emprego e com a bolsa. Eu tenho muito a perder, mas, ao
mesmo tempo, você... vale a pena.
Seus dedos percorrem o contorno do meu rosto e sinto seu toque na
alma. Estou apaixonada pelo Ricky, e viver sem ele não é mais uma opção.
Preciso dele, em todos os momentos e não me importo com as consequências.
— Então, você aceita ser minha namorada?
Céus, que lindo.
— Eu...
— Vem cá... — Nós nos levantamos e suas mãos rodeiam minha
cintura. — Você foi a única mulher que me fez pensar... Parar. Você acredita
em mim?
— Sim.
O homem de momentos realmente não existe mais, saber que a minha
paixão é correspondida, acalenta o meu coração. Quero viver intensamente
este romance, preciso dele, como ele precisa de mim. Meus braços cobrem os
seus ombros e o abraço, apertado. Sentir seu calor e ouvir seu coração são
sensações maravilhosas, não me canso de senti-las.
Interrompo o abraço, para olhar em seus olhos.
— Está faltando uma coisa.
— O quê? — ele pergunta, intrigado.
— Cadê as flores?
Ele franze o cenho.
— Sério?
— Eu aceito. — E nossos lábios se encontram novamente, sua língua
invade perfeitamente minha boca, com paixão. O nosso ritmo é... O nosso
ritmo! Quando ele me beija, o universo grita e tudo se torna pequeno e
invisível.

Estou em um lugar escuro, não consigo ver nada além de ouvir o choro
da minha mãe. Tento entender de onde o som vem, mas é impossível, sem ver
nada.
— Mãe! — grito.
Mas ela não responde. O choro aumenta e agora ela grita, chamando por
socorro.
— Mãe, onde você está?! Mãe!!! — Meu desespero aumenta, então,
mesmo no escuro, ando tentando encontrá-la.
— Mãe, vou te encontrar, espera, estou a caminho.
Agora ouço outra voz, masculina, gritando algo que não entendo, um
medo toma conta de mim.
Um tiro, meu Deus, um tiro.
— Mãe, você está bem?! Mãe!!!
Não ouço mais sua voz, não ouço mais ninguém.
— Mãe, não!
Acordo, em um sobressalto, com os olhos saltados e coração acelerado.
— Júlia, o que houve?
— Onde estou? — Meus olhos, desesperados, percorrem o ambiente em
busca de resposta.
— Na minha casa, o que houve? Está pálida, vem cá. — Ele me
acomoda em seus braços, deitando-me novamente. Acariciando meus
cabelos, Ricky me acalma. — Está melhor?
Minha alma volta ao corpo e passo raciocinar novamente. Mas a
sensação de medo e pânico ainda permanece.
— Sim, tive um sonho. Quer dizer, pesadelo. — Minha respiração ainda
está alterada.
— Ouvi você chamar sua mãe, foi com ela?
— Sim. Mas ouvi a voz do meu pai e um tiro. — Meu coração aperta e
falta ar no meu peito.
— Quer falar sobre isso, quero dizer, sobre o seu pai? — Seu tom é
cauteloso.
— Não, melhor não.
— Certo.
— Prometo que, em outro momento, te conto tudo. Não hoje, nem
agora. Tudo bem?
— Sim, linda.
— Obrigada por estar comigo.
— Boa noite, meu anjo.
Com os pensamentos na minha mãe, eu adormeço nos braços de Ricky.
No caminho para minha casa sinto-me esquisita com o
sonho, a sensação de medo que senti foi intensa. Este sonho me perturbou um
pouco. E ao mesmo tempo estou muito feliz em iniciar um relacionamento
com Ricky, sei que vamos aprender juntos a lidar um com o outro, e
principalmente a fortalecer o nosso namoro. Me entreguei de coração, estar
com Ricky é estar completa. E, acima de tudo, ele é um príncipe devasso,
uma aventura interminável, e quando os nossos corpos se encontram, nos
permitimos prazer extremo.
Em um piscar de olhos, estamos no meu prédio.
— Você me espera? Não vou demorar. — Abro a porta do carro para
sair.
— Eu achei que seria apresentado para sua mãe. — Sua fala inusitada
me surpreende. Realmente ele quer entrar no meu mundo, e conhecer a minha
mãe é um bom começo.
— Sério? Às 7h da manhã? Quer morrer? — o desafio.
— Ela tem que saber que estamos juntos, você passou a noite comigo.
Tenho que me apresentar.
— Tem certeza?
Ele sai do carro.
— Claro, linda. Vamos!
Meu rosto ilumina-se com a atitude linda do meu namorado.
Entramos em casa, aparentemente minha mãe não está, este horário o
aroma do café já está pela casa. E ela pronta e linda para o trabalho.
— Sente-se, por favor. Eu acho que não tem ninguém em casa. Não
entendo, minha mãe já era para estar acordada. Vou ver se ela está no quarto.
Fique à vontade.
Ele sorri, passando as mãos nas calças. Não acredito Ricky está uma
pilha de nervos.
— Na verdade... — Ele hesita. — Estou nervoso.
— Por quê? Você já conhece a minha mãe. Lembra?
— Em outra situação, lembra? — Sua voz soa um pouco tensa e ele
pigarreia.
— Incrível. O executivo Richard McGuire está com medo da dona Ana,
minha mãe. — Não consigo me conter e solto uma gargalhada.
Ele arqueia uma sobrancelha e me encara, sério.
— Certo. — Tento parar de rir. — Vou me trocar, se importa de ficar
aqui um instante?
— Ok. — Ele se acomoda no sofá.
Beijo-o e saio.
Ainda meio anestesiada com tudo que estou vivendo, jogo-me na minha
cama e abraço o meu travesseiro. Ele realmente está na minha sala? Sim! E a
menininha boba e feliz surge, levanto na minha cama e pulo continuamente,
quero gritar para o mundo que Ricky é meu, quero que todos saibam que
estou feliz e... atrasada.
Como já tomei banho, me arrumo rápido, coloco um vestido preto
simples, porém, elegante, minha vontade é colocar um All Star, mas coloco
uma sandália bege nos pés e o All Star na bolsa, para usar na universidade.
Rapidamente passo uma maquiagem leve e penteio os cabelos, fazendo
cachos grandes com o babyliss, brincos e um bracelete. Estou ótima. Troco a
bolsa e volto para sala.
Encontro minha mãe, em pé, na frente do Ricky, com uma xícara de café
nas mãos.
— Mãe, tudo bem?
— Sim, está! — Olho para ela, está com olheiras enormes, cabelos
despenteados e roupas... Que roupas são estas? Minha mãe está um trapo,
estou muito preocupada, aconteceu alguma coisa.
— Mãe, você já conhece o Ricky. Ele veio me trazer, para eu me trocar
e irmos para o trabalho — digo, cautelosa.
— Sim. E eu já conversei com ele. — Seu tom é gentil.
— Sério? Que bom. Tudo certo? — pergunto para o Ricky.
— Sim, tudo, sua mãe é muito... Simpática. — Ele sorri. — Ela me disse
que se eu pisar na bola contigo, ela me mata.
Oi?
Minha mãe sorri.
— Que bom que entendeu... — diz minha mãe, depois pisca para o
Ricky.
— Certo! Que bom que se entenderam. — Encaro minha mãe. — Você
está bem? Estava onde, tão cedo? — pergunto, pois estou muito preocupada.
Preciso saber o que está acontecendo.
— Depois nos falamos, melhor ir trabalhar. Ricky, tenha um bom dia.
— Ela me beija no rosto e sai.
Fico observando sua saída, sem entender. Meu sonho esquisito está me
avisando sobre algo. Tenho que passar mais tempo com a minha mãe, ela está
me escondendo alguma coisa. Eu sinto. Ricky coloca a mão no meu ombro.
— Está pronta?
— Sim, vamos.
E saímos.
No caminho, fico quieta, estou preocupada.
Será que ele saiu e está atormentando-a?
Meu pai sempre esteve metido com as pessoas erradas, até uma parte da
minha vida, eu não sabia de nada e, com nove anos, minha mãe me contou
que meu pai estava preso por ter feito coisas... E eu não podia ter contato com
ele.
Agora foi meu tio Jorge que contou tudo, depois de muita insistência,
disse sem rodeios que meu pai é um bandido perigoso, que costuma
assassinar suas vítimas em assaltos. Comecei a pesquisar seus assaltos e
sequestros, passando, assim, a odiá-lo.
Nunca o vi pessoalmente e não quero. Prefiro a distância, não sei qual
seria a minha reação se um dia ele estivesse na minha frente. Meus olhos já
revelam meus sentimentos, só de pensar no meu pai, meu estômago revira.
— Está tudo bem? — Seu tom é preocupado.
— Sim, está. — Tento disfarçar, olhando pela janela do carro. —
Estamos chegando?
— Sim, quer tomar café antes de entrarmos no prédio?
— Sim, preciso de cafeína. — Sorrio.
Estacionamos em um café bem aconchegante no Centro, sentamos em
uma mesinha no canto, tomamos o nosso café e conversamos. Tento eliminar
da minha mente os acontecimentos com meu pai. Preciso esquecer este lado
sombrio que está me atormentando.
Aproveito a companhia do Ricky, que tenta me fazer rir a qualquer
custo. Dentro do elevador, estamos sozinhos, ele me beija, desejando um
ótimo dia. E descemos no nosso andar.
Eu vou para a mesa do Edu, que está fazendo anotações, sei que ele me
viu chegar, porém, permanece concentrado ou me ignorando.
— Bom dia! — digo, colocando minha bolsa sobre a mesa.
— Bom dia, Júlia. — Ele inclina sua cabeça para me olhar. — Aliás, sua
mesa chegou.
Não tinha percebido, mas há duas novas mesas, uma na lateral da do
Edu, e outra atrás.
— Você vai ficar nesta na lateral e a Guta na detrás.
Resumindo, vou ficar ao lado dele, e isso me deixa tensa e preocupada,
porque sei que Ricky não vai gostar.
— Que incrível — respondo, tentando disfarçar minha preocupação. —
A Guta chegou?
— Sim, está na copa.
Não sei por que, mas sinto vontade de explicar para ele o que está
acontecendo. Ele sempre foi muito gentil comigo.
— Obrigada. Edu... sobre ontem, eu...
— Não esquenta, sei que não sai com colegas de trabalho — diz
simplesmente, saindo em seguida.
POW!
Sinto-me sendo golpeada igual nos quadrinhos.
Permaneço parada, sem reação, depois do soco verbal que acabei de
tomar. Sei bem o que ele quis dizer com isso. Tenho que me preparar, as
coisas serão complicadas daqui para frente.
Preciso de mais café, vou até a copa, a Guta está comendo rosquinha,
sentada e mexendo no celular.
— Bom dia.
— Bom dia, girl. Como você está?
— Bem, e você?
— Bem. Você viu nossas mesas? Que arraso. Agora temos mesa,
notebook e caneta. — Ela brinca.
— Sim, me sinto parte da equipe.
— Jura? — Ela arqueia uma sobrancelha.
Posso ver no rosto da Guta que ela sabe, seu sorrisinho no canto da boca
é revelador. É claro... Edu, sem sombra de dúvidas.
Sabia que ele não iria guardar segredo, o difícil vai ser trabalhar com
ele, com o ar de “Júlia, você sai com o chefe”.
Argh.
—Você conversou com o Edu hoje, Guta?
— Sim, muito, ele...
— Tá, pergunta! — Sei bem o que ela quer saber.
— Você, por acaso, está...?
Antes que ela termine a frase, eu completo:
— Estou! Mas aqui não. Falamos disso na hora do almoço, no Chill, por
minha conta.
Ela pisca e faz sinal de boca fechada, saindo porta afora.
— Você não vem? — Ela retorna de súbito, me assusto com a xícara de
café nas mãos.
— Sim, um momento.
Voltamos para o grande escritório e vou até minha mesa, todos estão
trabalhando. Guta e eu temos vários relatórios para analisar e alguns para
fazer. Estudo delicadamente o processo de planejamento que quer investir em
influenciadores para a W.E Universities aqui no Brasil, quem vai produzir o
conteúdo digital é o setor de publicidade e propaganda, temos todos os
setores de produção, desde o planejamento, desenvolvimento, criação e
relações públicas. Trabalhamos todas as etapas, na própria W.E.
Genial.
Estou focada no trabalho e o Ricky está em reunião a manhã inteira. Eu
não vi a Ellen hoje, será que ela não veio trabalhar?
Vejo um entregador entrando no andar com um buquê de rosas
vermelhas gigante, ele pergunta para a recepcionista alguma coisa e vem na
minha direção.
— Bom dia, você é a Júlia Sales? — o entregador pergunta e eu não
consigo ver o seu rosto, porque o buquê é grande o suficiente para cobri-lo.
Então levanto e tento encontrá-lo.
— Oi...
— Desculpe... posso colocá-lo aqui? — ele pergunta, enquanto apoia o
buquê na beirada da minha mesa.
— Sim... — Acaricio uma rosa, ela está aberta, meus olhos percorrem
todo o buquê, é lindo. — Júlia Sales sou eu.
— Essas rosas são para você.
— São lindas, obrigada.
— Assine aqui, por favor. — Ele me entrega um papel e eu assino. A
Guta fica boquiaberta. Pego o cartão, um lindo envelope dourado.
Abro-o.

As rosas mais lindas.


Para a minha linda namorada.
Seu,
Ricky.

Brasil, segura essa.


Ah, meu Deus, vou enfartar, como ele consegue ser tão
surpreendentemente lindo?
Rosas vermelhas e cartão? O cara de momentos não existe mais. Agora
estou me surpreendendo com um cara romântico e sensível, que me manda
rosas no trabalho, aperto o cartão no peito, emocionada. As pessoas no andar
olham com discrição, mas não falam nada. Pego o meu celular, digito uma
mensagem, quero agradecer.

Obrigada, meu surpreendente namorado.


Sua,
Júlia.

O buquê permanece na beirada da mesa, olho para Guta, ela pisca, mas
não fala nada. Ela sabe que falar sobre isso aqui não é conveniente. Tento me
concentrar no trabalho até a hora do almoço, mas com essas rosas na mesa,
está difícil. O Edu não retornou mais à mesa dele, desde cedo, quando nos
encontramos. Será que aconteceu alguma coisa?

— Girl, vou ao banheiro, para irmos almoçar — avisa Guta, enquanto


sai em direção ao banheiro.
— Ok.
Meu celular vibra, é uma mensagem do Ricky.

Ricky – Quer almoçar comigo?

E agora? Marquei com a Guta e não posso deixá-la na mão, mas também
quero almoçar com Ricky, estou extremamente confusa.

Eu – Ricky, fiquei de almoçar no Chill com a Guta. Achei que


ficaria o dia inteiro em reunião.

Ele demora um pouco para responder e me sinto angustiada, será que ele
ficou chateado? Depois de me enviar rosas vermelhas pela manhã, ele quer
me levar para almoçar e eu recuso, certamente ele ficou chateado.

Ricky – Ela pode vir almoçar conosco, sem problemas.

Acho que seria esquisito para a Guta almoçar com Ricky, eu também
vou ficar desconfortável, a Guta o conhece como chefe, e nós estamos no
início do namoro, sei lá, é estranho, não?

Eu – Melhor não, vai ser esquisito, podemos nos ver antes de eu ir


para a universidade, tudo bem?
Ricky – Ok.

Como assim, ‘’Ok’’? Poderia ser “Tá bom amor, nos vemos à noite”, ele
não deve estar acostumado a receber “não”. O Ricky deve ter tido tudo que
quis a vida inteira. Receber uma resposta negativa, não é aceitável. Mas vou
seguir meus planos, encontro a Guta no hall do elevador e descemos.
Preciso conversar com alguém, uma amiga para dividir tudo isso que
está acontecendo, talvez seus conselhos vão me fortalecer. A Guta é moderna
e tem uma personalidade incrível, nos conhecemos há pouco tempo, mas
temos uma conexão. Acredito que ela vai ser sincera comigo.
Chegamos ao Chill, que está uma loucura de cheio, sentamos em uma
mesa do fundo, para conversamos melhor. O Chill está igual a uma barata
tonta, acredito que a Duda não tenha retornado, por conta do filho.
Fazemos os nossos pedidos e esperamos.
Guta olha para mim, olhos brilhantes e cheios de perguntas.
— Posso? — ela pergunta, empolgada para me metralhar.
Assinto.
— Girl, como, onde e quando? — Ela se inclina, esperando a resposta.
— Calma, Guta.
— Calma? — Ela mal consegue conter a excitação. — Menina, você
está com o dono da porra toda, tem noção?
— Sim. E isso me assusta. — Bato a minha testa na mesa e balanço a
cabeça.
— Sério. O cara é... — Ela fica muda, levanto meu rosto para saber o
porquê, e sigo seus olhos congelados.
O Ricky está vindo na nossa direção, volto-me para a Guta, que continua
congelada.
— Olá! — ele nos cumprimenta, com sorriso lindo.
— Olá! — Guta responde, meio hipnotizada com a presença de Ricky.
— Ricky, você... — Pisco três vezes, tentando entender.
— Você não quis almoçar comigo, então eu vim até você. — Ele passa
uma das mãos nos cabelos, os deixando meios bagunçados, porém, perfeitos,
e eu já estou derretida com seu charme.
Certo, senta aí e me beija.
— Estou feliz por estar aqui. — Pisco para ele, olho para a Guta, que
permanece de boca aberta. — Guta, você já conhece o Ricky.
— Sim, claro. — Ela balança a cabeça, se livrando do transe. — Tudo
bem? Chefe... opa, quer dizer, Ricky.
Ricky e eu rimos com o embaraço da Guta.
— Sim, não se importa de eu almoçar com vocês?
— Claro que não — Guta diz, sem jeito.
— Você gosta de hambúrguer? — pergunto.
— Claro! Inclusive, já vim aqui algumas vezes e conheço o Chill.
— Sério? — Arqueio uma sobrancelha, adoro este lado simples do
Ricky. — Você me surpreende.
— Não mais que você. — Ele senta-se e acaricia meu rosto e nós
olhamos por alguns segundos. Esquecendo que a Guta está ali.
— Oi, gente, tô aqui. — Ela estrala o dedo para chamar a nossa atenção.
— Desculpe, Guta — falo, piscando para ela.
— Chill, traz o duplo, por favor — pede Ricky.
Guta e eu nós olhamos, assustadas, realmente ele está com fome.
Enquanto aguardamos o duplo X-bacon do Ricky chegar, ele nos faz rir
com suas piadas sem graça, adoro vê-lo no seu lado mais leve, conversando
casualmente e se divertindo, sem o peso de chefe. Ele, como sempre, muito
carinhoso, acariciando o meu rosto e me dando beijinhos o tempo todo.
— Quem pediu um duplo? — pergunta Duda, com a bandeja nas mãos.
— Foi eu — revela Ricky, virando-se para receber seu hambúrguer
gigante.
— Richard? — Duda diz, surpresa em vê-lo.
Assisto a cena e percebo que Ricky também se surpreendeu com a
presença da Duda.
— Olá. — Ele, franze a testa. — Como vai?
— Vocês se conhecem? — pergunto, intrigada.
A Duda, enfim, olha para mim, sinto um desconforto no seu olhar, ela se
atrapalha ao colocar a bandeja sobre a mesa, meus olhos fixam nos dela.
— Sim, Richard é um cliente antigo do Chill — ela conta, enquanto
serve o hambúrguer para o Ricky. — Então... tudo certo... — Apressa-se em
sair.
— Duda — Guta, chama.
Ela vira-se, seu olhar agora está impaciente, e eu estou incomodada com
isso.
— Seu filho, como está? — Guta pergunta.
— Filho? — Ricky também pergunta, porém, surpreso.
— Sim, a Duda tem um menino lindo — murmura Guta.
Ricky olha para ela, depois para mim.
— Está melhorando, obrigada por perguntar. — E sai apressada,
desaparecendo no balcão.
— Ela ficou nervosa, né?! — Guta comenta. — Deve ser a preocupação,
o filho dela está doente.
— Estou surpreso em saber que ela tem um filho, conheço a Eduarda há
muito tempo, como disse, vinha sempre aqui, o Nicholas e eu... — Ele, hesita
por um momento e continua: — O que ele tem... o filho dela?
— Algo grave... — resume Guta, com o olhar entristecido, por saber de
fato o que se passa com o menino. — Mas agora — ela olha para o
hambúrguer —, você vai comer tudo isso?
— Não, Ricky, olha o tamanho deste hambúrguer. — Sorrio, tentando
disfarça o meu desconforto, está claro que eles se conhecem e ficaram
surpreendentemente nervosos com a presença um do outro.
— Apostas sobre a mesa? — ele sugere, com o tom divertido.
Como era previsto, Guta e eu, ganhamos a aposta, ele não conseguiu
terminar de comer, deixando menos que a metade do hambúrguer. O nosso
almoço foi tranquilo, com exceção do momento da Duda, mas não posso e
não quero me apegar, já tenho o fantasma da Ellen que me atormenta, então
não vou ser uma namorada ciumenta e desconfiada.
No caminho de volta para o prédio, fico brava, porque ele quis pagar a
conta, tenho o meu dinheiro. É claro que não posso pagar a conta do La Grill,
é o meu salário inteiro, mas um único almoço no Chill, eu posso.
Quando entramos no prédio, observo os olhares para Ricky, as
recepcionistas só faltam dar a calcinha para ele. Ele causa impacto. Minha
vontade é falar que ele é meu, mas me contenho.
Chegamos ao nosso andar, ele pisca e vai para a sala da Ellen, ainda não
estou à vontade com isso, toda vez que ele entra na sala dela, meu alarme de
ciúme apita. Mas no ambiente de trabalho, temos que manter o controle.
Guta e eu vamos para a copa.
— Girl, este cara está louco por você.
— E eu por ele. — Suspiro.
— Menina, temos que conversar, preciso saber como tudo aconteceu.
No final de semana?
Vai ser bom conversar com uma amiga.
— Certo. Agora, evita comentar com as pessoas. Ele não quer se
esconder, mas eu quero discrição.
E quero mesmo, ninguém precisa saber da nossa relação. Podemos
manter o profissionalismo aqui na empresa.
— Você sabe que as pessoas vão apontar você como a namoradinha do
chefe — comenta, e afina voz quando fala a palavra namoradinha.
— Eu sei, só não sei se vou saber lidar com isso. — Escoro no armário.
— Mas eu estou apaixonada, Guta.
— Eu sei. — Ela pausa e nós duas suspiramos, sorrindo em seguida. —
Melhor voltarmos, temos muita coisa para fazer e hoje tem aula.
— Eu sei. Tenho que pegar meu plano de aula, como está o semestre?
— Tranquilo, não teremos aula na segunda e sexta.
— Legal, vamos juntas, o Ricky vai me levar. Tudo bem?
— O quê? Beleza, sem problemas para mim.
Sorrimos e voltamos.
O dia passa rápido, a cada dia eu me apaixono pelo meu trabalho, é
sensacional a área de Marketing e como as possibilidades de se criar e
modificar o mercado me intriga.
O Ricky me deixa na universidade com a Guta, hoje eu tenho que ir para
casa, preciso conversar com a minha mãe. Sei que tem algo acontecendo e
preciso descobrir o que é.
Estou encantada com a universidade, o prédio é moderno com
tecnologia avançada e estudantes milionários, que chegam em seus carros e
malas importadas, com seus motoristas. Parecem que vão viajar, ao invés de
estudar.
Minha sala tem pessoas legais, esnobes, e eu e a Guta. Mas o que eu
podia esperar do nível da W.E?
Final da aula, no metrô, recebo uma mensagem do Ricky.

Ricky – Linda, saudade.


Eu – Eu também, estou indo para casa.
Ricky – Como foi a aula?
Eu – Muito interessante, adorei.
Ricky – Fico feliz, estou em casa, pensando em vc.

Ele consegue ser perfeito.

Ricky – Gostaria que estivesse aqui comigo.


Eu – Eu também, mas minha mãe precisa de mim.
Ricky – Sinto que tenho que saber de algo, mas quando estiver
pronta, me conta, ok?

Sei que tenho que falar para ele do meu pai, quer dizer, do homem que
quer acabar com minha vida e está acabando com a da minha mãe. Mas tenho
que esperar, não quero envolver Ricky nos meus problemas.

Ricky – Sabe que pode confiar em mim?


Eu – Sim, eu sei, mas está tudo bem, ñ se preocupe.
Ricky – Certo, linda. Durma bem.
Eu – Vc também, beijos
Ricky – Muitos.

Ricky é um homem incrível, eu quero conhecê-lo mais a cada dia.


Estamos iniciando algo especial e mágico, na verdade.
Chego em casa, minha mãe não está.
Estou tentando ligar para ela desde quando saí da universidade, mas o
telefone está fora de área. Me preparo para dormir e fico na sala, esperando-a
chegar, precisamos conversar. Hoje ela vai me explicar melhor esta história
do meu... Do homem.
Estou tão cansada, ligo a TV para me distrair, porque o sono já está me
dominando. Nada de interessante passa.
Que merda.
Ligo a Netflix, assisto minha série favorita, Dark, fuço no celular, pinto
as unhas, viro de cabeça para baixo.
Ela não chega.
Já são duas da madrugada, estou começando a ficar preocupada. Liguei
até para o Marcos e ele não sabe dela.
Argh.
Estou muito agoniada, ando de um lado para o outro, levanto e sento
umas mil vezes, até adormecer no sofá.
A claridade do sol alcança meu rosto, me incomodando e me
despertando.
Que horas são?
Levanto em um impulso, pegando meu celular, nossa, seis e meia da
manhã e minha mãe não chegou?!
Chamo por ela, mas ninguém responde. Ela não voltou. Vou a seu
quarto, nada. Vasculho meu apartamento, que mais parece um apertamento,
nada.
Algo aconteceu ou ela está me escondendo alguma coisa, ou... Ele...
Não, está tudo bem com ela, não está? Balanço a cabeça, distanciando os
pensamentos ruins.
Depois de me arrumar para ir trabalhar, preparo um café e tento
novamente ligar para minha mãe. Ouço um barulho no trinco da porta.
Graças a Deus!
Ela entra na sala, com os olhos inchados e cara de quem chorou muito.
Corro até ela.
— Mãe, o que houve? — Seu olhar é de tristeza, medo e angústia.
Sem dizer mais nada, acomodo-a nos meus braços e a conforto.
Ela desaba a chorar, como uma criança desprotegida. Não falo nada.
Deixo-a desabafar, minha mãe é forte, mas fica frágil quando se trata do meu
pai. Levo-a para o sofá, pego um copo com água e ofereço, ela toma um gole
e encosta seu rosto na almofada do sofá, seus olhos perdidos, ainda úmidos
de lágrimas, encontram os meus.
— Mãe, preciso saber o que está acontecendo. Por favor, onde você
estava? — suplico.
— Eu... estava no salão, porque...
— Você dormiu lá, meu Deus... Por quê?
— Ele... Saiu... — ela revela, com dificuldade. — Está solto, livre.
— Ele saiu, então...
Ela assente.
— Mas não vai se aproximar de você, não vou deixar.
E as lágrimas escorrem de seus olhos.
— Mãe, ele não vai se aproximar de nós duas. Acredite. — Pego o meu
celular. – Vou ligar para o Marcos, alguém tem que ficar com você.
Infelizmente tenho que trabalhar e a senhorita não pode ficar sozinha. —
Beijo sua testa.
— Não precisa, fico sozinha, desliga esse celular. — Com as costas das
mãos, ela tenta secar as lágrimas dos olhos. — Ele tem que cuidar do salão na
minha ausência.
— Mãe, você não vai parar a sua vida por causa desse homem,
entendeu? Tudo aqui está normal. — Sei que não está, mas tenho que tentar
tirá-la deste sofrimento que ela se colocou. — Hoje a senhora fica em casa,
para descansar, mas amanhã vai retomar a sua vida. Mandei mensagem para
ele, está a caminho. Agora, um café?
Levo uma xícara com café fumegante, como ela gosta; sentando no sofá,
ela degusta o café devagarinho e depois coloca a xícara na mesinha ao lado.
Marcos adentra subitamente sem bater e tomamos um susto com sua
entrada.
— Desculpem, estava com pressa. — Seus olhos encontram os da minha
mãe. — Meu amor, vou cuidar de você. — Vira-se para mim. — E a
senhorita, ao trabalho, não pode se atrasar.
— Se precisar de qualquer coisa, me liga. Venho igual a um jato,
beleza?
Ela me abraça.
— Estou bem, fica em paz. Agora vá, não quero que se prejudique por
minha causa.
Beijo sua testa, dou um tchauzinho para Marcos e saio.
No elevador, não consigo evitar o choro, que tomou conta de mim. Ver a
minha mãe naquele estado, frágil e com medo, me cortou o coração. Ela é
minha vida e não vou deixar esse homem fazer nada para machucá-la.
— Não acredito que você, Richard McGuire, está tendo um
caso com uma funcionária bolsista. E tem a cara de pau de me falar, assim...
Sinto uma tensão na voz da Ellen, não quero magoá-la, mas não gosto
que ela se refira assim da Júlia, na verdade, não gosto que ela se refira assim
de ninguém, ela tem este ar de superioridade que não me agrada.
— Ellen, primeiro, não é um caso. A Júlia, vê se grava o nome dela,
pode ser uma colaboradora, que tem bolsa, assim como você teve e muitos
outros colaboradores tiveram ao longo do crescimento da W.E. E hoje, como
você, são profissionais de sucesso. Ela é minha namorada e quero que a
respeite.
Uma gargalhada sarcástica surge em seus lábios.
— Respeitar? — Ellen diz, de um modo sarcástico. — Está louco. Já
suportei muito por você, Richard... Você gosta destas mulherzinhas... — Seu
tom esnobe, me enfurece. — Como posso dizer... Garçonetes, bolsistas,
talvez tenha até faxineira e eu não saiba?
— Você está levando esta conversa para um caminho sem volta, Ellen
— indico, enquanto pressiono as palmas das mãos na mesa.
— Jura? E qual é a volta que teremos, como as outras que você iludiu
e... Ah, sim, eu sou a volta, é para mim que você sempre volta.
A Ellen realmente é linda e envolvente, sempre fui atraído por ela.
Tentei me apaixonar, até noivamos, mas infelizmente, não suporto essa
antipatia que ela tem, gosta de diminuir as pessoas, ser sempre superior.
— Ellen, eu estou apaixonado pela Júlia... — As palavras saem da
minha boca naturalmente.
Reflito por alguns segundos. É, estou apaixonado. Eu mesmo me
assustei com a intensidade com a qual as pronunciei, portanto, sei que ao lado
dela meu coração acelera. E os meus pensamentos já estão dominados pela
sua imagem linda e meiga. Não consigo mais ficar longe, seu corpo e seu
perfume estão impregnados no meu. E este desejo imenso de possuí-la e estar
dentro dela, não é mais tesão, é além.
— Apaixonado! — ela repete, seu semblante rígido torna-se
entristecido, ela tenta disfarçar, seus olhos brilham e uma lágrima escorre, ela
passa os dedos rapidamente, para que eu não veja e continua: — Enlouqueceu
de vez, você não se apaixona, nunca. Nós...
— Ellen, não tem nós. Nunca teve. Sim, tivemos uma história e nunca
esquecerei. Mas não estamos juntos faz tempo — falo, enfático, para que ela
entenda.
Ela senta em sua cadeira, girando-a para a janela, seu olhar perdido fixa
na imagem da cidade.
— Certo, Ricky. Eu sabia, tinha alguma coisa nessa garota que me
incomodava, agora eu sei. Tenho dignidade, desta vez chega.
— Desculpe, não quis magoar você. Sabe que é especial para mim.
— Eu sei que fui uma burra. — Sinto sua voz mudar, chorosa, ela
continua: — Por estar este tempo todo ao seu lado. Mas não posso culpá-lo,
eu me coloquei nesta situação. Me prestei a este papel, para ficar perto de
você, mas também estou cansada. Quero mais e sei que você não me daria.
Então, seja feliz.
— Desculpe novamente, eu realmente tenho um carinho enorme por
você.
— Carinho? Sério? Não quero, obrigada.
Ficamos em silêncio por alguns segundos até que ela gira sua cadeira
novamente, parando de frente para mim, seu olhar está indiferente e sua
expressão está fria.
— Você vai ficar aqui no Brasil?
— Acho que sim, pelo menos, por enquanto. Eu estou um pouco
cansado desta instabilidade, quero parar.
Ela se surpreende.
— Ela te fez parar, nossa, ela deve ser realmente incrível. — Seus olhos
desviam e param em um porta-retratos de vidro que está em sua mesa. Nele
tem uma foto nossa, quando estávamos na Califórnia, na casa do meu pai.
— Sim, ela me faz... completo.
— Nossa... completo! — Seus olhos permanecem no porta-retratos, e as
lágrimas presas escorrem pelos seus olhos, sem que ela consiga evitar. —
Você pode me deixar sozinha?
— Ellen, eu...
— Saia agora, Ricky — ela grita.
Olho para ela, tentado pedir desculpa, de alguma forma. Mas não sei
como agir. Então eu saio da sala. Quando fecho a porta, ouço atrás da
madeira o estatelar de vidro no chão.
Fecho os olhos.
Sinto muito... Realmente sinto.
Os dias seguintes foram muito intensos, eu administrava o meu
tempo em ficar com Ricky, com minha mãe, o trabalho e a universidade,
estava exausta.
O Ricky, sempre muito carinhoso, me apresentou um mundo que não
conhecia. Vamos a restaurantes elegantes, boates maravilhosas, viajamos em
dois finais de semana, voltei à casa de Angra, conheci mais a ilha e relaxei.
Ele também me levou para sua casa de campo na Serra Gaúcha, um
espetáculo de lugar, o friozinho gaúcho com a lareira e o corpo desnudo de
Ricky, foi o ápice da felicidade.
Nesse meio tempo, todos na W.E já sabem que estamos juntos, logo o
tratamento mudou, as recepcionistas sorriem para mim o tempo todo. As
pessoas têm curiosidade de saber quem é a namorada de Richard McGuire. O
Edu e a Ellen, me tratam igual — com indiferença.
O Rael ficou muito feliz, o Johny quase infartou e a Day parou de falar
comigo — eu nunca fui com a cara dela. Então, foda-se. Meu trabalho não
mudou e continuo trabalhando igual a uma condenada. Tenho que mostrar
serviço e preciso impressionar para ninguém ter o que falar.
Em casa, minha mãe está melhor e não tivemos notícias do meu pai, que
eu saiba. Minha mãe não falou mais dele e sua aparência mudou, a vida
voltou para ela. Eu estou mais tranquila em relação a ele, passei dias
atormentada, imaginando que a qualquer momento ele apareceria na minha
frente ou machucaria fisicamente minha mãe. Mas ele sumiu, para a nossa
paz, e espero que tenha ido para o inferno, lá é seu lugar.
A Melissa me ligou várias vezes e eu atendi uma única vez, ela ficou
surpresa quando soube através do namorado que eu estou com o Ricky. Me
fez mil perguntas e eu respondi somente as cabíveis. Me convidou para um
programa de casais e eu não aceitei. Não a suporto, quero distância. E é claro
que o Ricky ficou surpreso ao saber que peguei minha prima na cama com
meu ex-namorado.
— Comprei algo para você.
— Sério? Adoro chocolate. — Sorrio.
Ele retira de seu bolso uma embalagem azul-marinho, que mais parece
uma caixinha média de joia.
Céus.
Coloca-a em cima de mesa e a desliza até minha mão. Pego-a e...
Surpresa! Não é chocolate. Abro-a.
O brilho dourado de uma gargantilha com uma pedra azul em formato
de coração enche os meus olhos.
— Ricky, eu...
— Sei que sua cor preferida é azul, gostou?
— Eu... — Minha voz falha, estou tão emocionada com o presente
delicado, que meus olhos não conseguem parar de admirar aquele coração
azul, meu dedo indicador contorna toda a forma em ouro do pingente,
apreciando a pedra magnífica. — Não... Quer dizer, sim. — Meus olhos
encontram os dele. — Obrigada.
— Posso pôr em você? — sugere, seus olhos mel intenso invadem
minha alma.
Ele levanta-se, retira a gargantilha da caixinha. E com delicadeza a
coloca no meu pescoço, posso sentir sua respiração quente no meu ouvido.
— Ficou perfeita em você — sussurra, cada palavra.
— Ricky... — Meu corpo aquece com seu sussurro.
Ele beija-me no pescoço, de leve, e retorna para o seu lugar, fico
observando-o, calada, enquanto um dos meus pés sapeca, já fora do sapato,
alcança sua perna embaixo da mesa, e vai subindo, ele fixa os olhos nos meus
e vejo o desejo percorrendo o seu corpo, meu sorriso safado sugere que
saíamos logo deste restaurante. Quando meu dedinho saliente encontra o que
procura, massageia, provocando.
Ele pigarreia, com um sorriso sensualmente sugestivo.
— Melhor irmos, não acha?
— Garçom, a conta, por favor.

Alguns dias depois...

— Mãe, durma bem, tenho certeza de que o Marcos vai cuidar de você,
fica com Deus. Te amo... Tchau, mãe. — Desligo o celular e volto para o
Ricky, que está lindo, na cozinha, tentando cozinhar macarrão.
— Desde quando você faz isso, quer dizer, cozinhar? — quero saber,
escorando os cotovelos na bancada.
— Eu sou quase um chefe do macarrão instantâneo — ele diz, enquanto
mexe o macarrão na panela, que está fervendo.
— Minha mãe vai dormir no Marcos, assim eu posso ficar com você.
Vou até ele, abraço-o, meu corpo recebe o calor do seu, ele está de
costas para mim, minhas mãos percorrem os botões da sua camisa, os abrindo
com delicadeza.
— Como posso cozinhar assim...
— Você prepara o macarrão, e eu... hum... preparo você. — Meus lábios
saboreiam seu pescoço, mesmo eu sendo menor, fico nas pontas dos pés para
alcançá-lo. — O que acha?
Ele geme.
— Acho ótimo. — Ele gira seu corpo, levando o meu para a bancada à
frente, me pressionando. — Você não quer jantar?
— Sim, quero. — Meu olhar faminto aprecia o seu peitoral definido,
como um banquete a ser servido. — Acredite, meu jantar está bem aqui...
Ele cala-me com um beijo, sua língua macia invade minha boca, como
sempre, excitantemente. Não sei quanto tempo ficamos nos beijando, até ele
me levantar, colocando-me sentada em cima da bancada. Ele posiciona-se
entre as minhas pernas, tiro a minha camiseta e ele tira o meu sutiã. Com o
olhar de fascínio, ele admira os meus seios volumosos, os tocando com as
mãos, meus mamilos já enrijecidos pelo seu toque, recebem sua boca.
Ricky conhece o meu corpo e sabe onde me tocar para me levar à
loucura, suas mãos grandes e macias me apertam, me percorrem. Deito-me na
bancada, ele abre as minhas pernas, ainda mais, eu já estou pronta para ele.
Quando o sinto dentro de mim, grosso e quente, me penetrando intensamente,
não há lugar no mundo que eu queira estar, a não ser ao seu lado. Fazendo
amor...

Não consigo me conter e rio intensamente, até a minha barriga doer.


Quando finalmente o Ricky percebe que o macarrão está “unidos
venceremos” e que passou do ponto, ele, frustrado, porém teimoso, tenta
separar o macarrão um do outro, é hilário. Minhas mãos sobem para a cabeça,
em agradecimento, quando finalmente ele desiste, jogando tudo na lixeira e
ligando para pedir comida.
Durante o jantar, crio coragem e conto tudo sobre o meu pai, toda
história. Ele ouve atentamente, com uma expressão preocupada. Tinha que
contar, estava tensa e ele havia percebido. Mesmo o meu pai não tendo dado
as caras, ele estar solto é uma ameaça, minha mãe e eu sempre estamos
atentas, caso ele resolva aparecer.
— Ele não vai fazer nada com você, muito menos com sua mãe. Posso
contratar uns seguranças, se quiser — sugere, aflito, andando de um lado para
o outro.
— Não, Ricky, está tudo bem. Ele saiu há alguns meses e não veio nos
procurar. Na verdade, acredito que ele sempre manipulou minha mãe. Ele
quer amedrontá-la. — Tento acalmá-lo.
— Não sabemos. — Ele me encara. — Você pode ficar aqui, comigo.
Suas palavras entram em meus ouvidos, mas fico confusa. Ele quer que
eu more com ele?
— Pelo menos, até sabermos o perigo real — adiciona.
— Ricky, calma. Está tudo bem. — Seguro sua mão. Está fria. — Minha
mãe fica apavorada com a presença do meu pai. Ele nunca fez nada contra
mim, sei que é perigoso, mas como eu disse, ele manipula minha mãe. Está
tudo bem, estou te contando porque prometi abrir o jogo. Acredita em mim?
— Não.
— Como não? E tem outra coisa, não vou deixar minha mãe sozinha,
não neste momento. — Ele me olha com olhar desconfiado. — Pare de me
olhar assim.
— Ok, mas se acontecer qualquer coisa, não hesite em me comunicar.
Não sabemos as reais intenções do seu pai. Promete?
— Sim, prometo. Você e a minha mãe estão exagerando. Está tudo bem,
ele está seguindo com a vida dele e nós com a nossa. Acabou.
Ele vai até uma mesa com gavetas e pega um chaveiro.
— Pegue. — Ele coloca na minha mão, fico observando o chaveiro
redondo, escrito Califórnia, com duas chaves. — Esta é a chave do
apartamento, quero que venha para cá, quando precisar.
— Ricky, não sei o que dizer. Tem certeza?
— Sim, nada de mais a minha namorada ter a chave do meu
apartamento, não acha? — Seu sorriso largo me deixa ainda mais apaixonada.
— Disse que queria você na minha vida e não brinquei com as palavras. —
Seus lábios me beijam delicadamente, suas mãos me envolvem e nos
perdemos um no outro.
Acordo, assustada, com um espatifar de vidro no
chão.
Levanto em um impulso e vou para a sala, me assusto ao ver um
homem, que parece ser familiar, pegando os cacos, ele me olha de baixo para
cima e seus olhos encontram os meus, desvio o olhar para as malas que estão
em frente à porta, ainda aberta. Retorno meu olhar para ele, que está com os
olhos fixos em mim, ele tem o olhar do Ricky, me dou conta de que estou
somente de camiseta, que peguei emprestada com o Ricky para dormir, mas
ela deixa minhas pernas expostas. Estou seminua na frente de um estranho.
— Desculpe, te assustei?
— Quem é... — Antes que eu posso terminar a pergunta, sinto os braços
do Ricky em meu ombro. Ele olha para mim e para o cara, que sorri
lindamente.
— Nicholas!
Céus, é o irmão do Ricky.
— Ah... — Tento baixar a camiseta, constrangida. Estar quase pelada na
frente do irmão do Ricky não é a melhor maneira de me apresentar. — Eu
vou... — Baixo mais a camiseta, completamente envergonhada, meu rosto
queima igual a uma pimenta. — Com licença. — Me apresso a sair.
Entro no quarto de Ricky e fecho as portas, me troco apressadamente,
colocando uma calça de pijama do Ricky, e um sutiã, não quero deixar meus
seios perdidos e volumosos debaixo da camiseta, vou ao banheiro e escovo os
dentes. Ajeito o cabelo que está uma muvuca só. Respiro fundo. O que o
irmão do Ricky está fazendo aqui? Me pergunto antes de sair.
Quando retorno, os dois olham para mim, ambos estão recolhendo os
cacos no chão. Ricky para o que está fazendo e vem me receber.
— Nicholas, eu quero que conheça a Júlia.
— Tudo bem? Prazer. — Ele aproxima-se, estendendo sua mão. — Sou
irmão deste cara, assustei você?
— Tudo bem! — digo, cumprimentando-o, ainda um pouco retraída. —
Assustou um pouco, mas tudo bem. — Me sinto deslocada nesta sala, preciso
de café. — Vocês querem café?
Eu quero, desesperadamente.
— Adoraria — diz, Nicholas.
— Eu faço, não se incomode, Júlia.
— Ricky, não me importo, termine de recepcionar seu irmão, que eu
faço o café. — O beijo de leve nos lábios e vou para a cozinha, de lá posso
ouvi-los.
— Não sabia que viria para o Brasil. Por que não ligou?
— Desculpe, não podia imaginar que estaria acompanhado, nunca traz
ninguém aqui — Nicholas responde, um pouco ríspido, ele é muito parecido
com o Ricky fisicamente, porém, seus olhos são verdes, ele é alto, cabelos
pretos e tem o sorriso do irmão. Mas com uma pinta de playboy, diferente do
Ricky, que é executivo, mesmo de jeans. Fiquei um pouco zonza por
conhecê-lo, sei lá por que, mas fiquei.
— A Júlia é minha namorada — diz Ricky, enquanto o vejo pegar os
últimos cacos do chão.
— Uou, perdi muito, então. — Sinto o olhar do Nicholas sobre mim. —
Namorada? — ele pergunta, como se não acreditasse.
— O que veio fazer, afinal?
— Nossa, faz quanto tempo que não nos vemos? Uns oito meses, certo?
E é assim que sou recepcionado, com um interrogatório, me sinto
pressionado.
— Não é isso, você nunca vem de surpresa. Na verdade, nunca vem, por
isso a minha pergunta.
— Estava com saudade, mano.
— De quem, exatamente?
— De você, do Brasil. — Ele joga-se no sofá, apoiando a cabeça com os
braços. — Este país é exótico, sol e praia, preciso disso.
— E você pensa em ficar aqui? — Ricky questiona.
— Sim, penso.
Sinto seu olhar sobre mim novamente, estou começando a ficar
incomodada.
Ele continua:
— Mas agora, meu irmão mais velho resolveu namorar e precisa de
privacidade. — Posso ouvi-lo falar com um tom irônico, como se o fato de o
Ricky estar namorando fosse algo de outro mundo.
— Antes de vir para o Brasil, você estava onde? — Ricky o ignora,
mudando de assunto.
— Em casa, com o pai, a mãe estava em viagem com a turnê de seu
livro, então os vinte dias que fiquei lá, só briguei com o velho.
— Como ele está?
— Está como sempre, trabalhando em seu grande escritório, em casa,
com comodidade, enquanto você faz o papel de bater cartão.
— Gosto do meu trabalho.
Sinto uma certa diferença entre os dois, algo errado, pelo menos da parte
do Ricky. Lembro-me, em Angra, quando o Carlos perguntou sobre o
Nicholas, Ricky logo respondeu que ele estava em uma fase difícil.
Finalizo o preparo do café e retorno para a sala.
— Café prontinho — anuncio, enquanto coloco a bandeja em cima da
mesa de centro e sirvo os dois.
Eles agradecem, eu me sento ao lado de Ricky, que me abraça de
imediato. Nicholas nos observa, como se ainda não acreditasse, em eu estar
ali, ou Ricky e eu estarmos juntos, sei lá, ele meio que me deixa confusa.
— Quais são seus planos agora? — Ricky pergunta, dando um gole em
seu café.
— Não sei, vou ficar aqui no Brasil, um tempo. E você, pretende ficar
aqui? Quer dizer, no Brasil? — Nicholas pergunta para Ricky, mas desvia o
olhar para mim.
— Sim, pretendo
Engasgo com o café.
Depois de ouvi-lo dizer que pretende ficar, meu coração acelera.
Ricky tenta me ajudar, pegando a xícara da minha mão e colocando-a
sobre a mesa.
— Tudo bem? — Ricky pergunta.
— Sim, tudo. Somente um engasgo — digo, tentando disfarçar meu
embaraço.
— Acho que sua gatinha ficou feliz — Nicholas comenta, com um
sorriso no rosto.
Espera, gatinha?
— Então, Júlia — continua —, o que você faz?
Eu olho para Ricky, que está decoroso.
— Trabalho na W.E — respondo, com prudência.
— Trabalha, é? — Ele arqueia uma sobrancelha, olha para Ricky, e
volta-se para mim. — Sensacional, no quê?
— Eu...
Ricky interrompe.
— Ela trabalha na área de marketing e estuda na W.E. E você deve estar
muito cansado da viagem, melhor ir descansar. Pode ficar aqui, nós temos
que ir trabalhar, almoçamos juntos, certo?
Com os olhos fixos em mim, Nicholas assente.
Agora eu estou realmente incomodada com seu olhar.
— Certo! — Ele levanta-se.
— Vou te ajudar com as malas, vamos levá-las para o quarto de
hóspedes — oferece Ricky, enquanto vai até a porta onde estão as malas,
pega uma e sai em direção ao corredor.
Nicholas pega a outra mala e acompanha Ricky.
— Foi um prazer, Júlia, nos vemos depois — Nicholas diz, antes de sair.
— O prazer foi meu, bom descanso.
Os dois saem.
O que foi isso?
O primeiro familiar do Ricky que eu conheço e foi esquisito. Eles têm
algum problema mal resolvido, posso sentir.
O Nicholas tem um olhar sedutor, ele é atraente. Acho que é de família
ser intenso, mas me incomodou a maneira como ele me olhou. O tom com
que falou comigo foi meio desafiador.
Ricky retorna para a sala, beija-me na testa.
— Tudo bem? — ele pergunta, enquanto tenta disfarçar seu olhar
preocupado. Sei que ele ficou incomodado com a presença do irmão.
— Sim, e com você? Parece tenso.
— Não, está tudo bem, são sete da manhã, temos que ir. Se importa de
tomarmos café fora?
— Claro que não.
No caminho para a W.E, Ricky fica pensativo, quase não conversamos.
O mesmo durante o café. O que será que tem de errado entre ele e o irmão?
Melhor eu não me envolver nisso, pelo menos, não agora.
Entramos na empresa e, como sempre, discretos.
Vou para a minha mesa, depois de cumprimentar a todos e abraçar Guta.
Durante a manhã, a equipe do Edu ficou em reunião.
— A reunião foi bem cansativa. Não acha? — Guta senta-se, exausta,
em sua cadeira, apoiando a cabeça em uma das suas mãos.
— Sim. — Minha visão fixa na entrada.
Nicholas está conversando com a recepcionista, com roupa casual, muito
simpático e sorridente. Ele olha por todo o escritório e me vê, fica me
observando durante alguns segundos e vem na minha direção.
— Júlia, quem é? Você o conhece? Que tudo, girl. Está vindo para cá —
Guta me interroga.
— É irmão do Ricky — respondo, rápido.
Sinto-me um pouco desconfortável com sua presença.
— Uau — ela fala, segundos antes de ele escorar as mãos na minha
mesa.
— Como vai, cunhada?
— Tudo bem, Nicholas. Acredito que tenha vindo falar com seu irmão.
— Também, vamos almoçar. — Sua visão percorre o escritório. — Faz
tempo que não venho aqui, Ricky fez um bom trabalho, não acha?
— Sim, claro.
— Nicholas, meu querido...
Ouço a voz insuportável da Ellen próxima de nós. Não só a voz, ela
também desfila pelo escritório.
— Bela Ellen.
Nicholas abre seus braços para recebê-la. Se abraçam como amigos de
infância.
— Nick, que saudade! Vamos até minha sala. — Ela desvia o olhar para
mim. —Tudo bem, Júlia?
— Tudo bem, Ellen.
Nicholas ri, divertindo-se com a situação que ele sabe que é tensa. Até
quem não sabe seria capaz de sentir.
— Ok, vamos, Ellen, temos muito que falar. Até mais, cunhada.
— Até mais.
Eles saem.
— Cunhada? — Guta coloca a mão sobre a boca, somente para silenciar
sua gargalhada. — Júlia, que homem, os irmãos McGuire realmente são
deuses, com todo o respeito. Girl, o cara é lindo — ela comenta, com euforia.
— Sim, ele é.
Meu celular vibra.
Mensagem do Ricky.

Ricky – Vou almoçar com o Nicholas e pretendo passar o resto da


tarde resolvendo alguns problemas. Posso te buscar na universidade?
Eu – Ricky, se quiser, nos veremos amanhã. Assim vc pode dar
atenção para o seu irmão.
Ricky – Te levo em casa e você me dá um beijo de boa noite.
Eu – Certo, amor. Nos vemos à noite.

Digito tão rápido, a ponto de não perceber a palavra, o chamei de amor.

Ricky – Amor! Sou seu amor?


Sorrio. Sua pergunta me intriga, como ele ainda não percebeu que ele é
meu amor?

Eu – Sim, único.

Ele visualiza, mas não responde. Depois de alguns segundos, que


parecem eternos:

Ricky – Agora eu estou mais tranquilo em saber que meu amor é


correspondido.
Nos vemos à noite,
Amor.

Suspiro com a mão no peito.


Fico lendo e relendo toda a conversa, umas cem vezes, com um sorriso
no rosto e o coração quase saindo pela boca. Eu estou completamente
entregue ao Ricky, não consigo me ver mais sem ele. Eu o amo intensamente.
Pode parecer clichê, mas é assim que me sinto. Nunca pensei que fosse
suspirar por um homem. Nunca pensei que desejaria um homem deste jeito.
Aconteceu, agora... Segura, Brasil.
O dia passa tranquilamente, Guta e eu sempre com muito trabalho, vou
para a universidade com a Guta, que me diverte o tempo todo, me chamando
de cunhada. A aula foi incrível, mas muito cansativa. Estudar e trabalhar não
é brincadeira. O Ricky vem me buscar, então o espero em frente à
universidade.
Sinto um calafrio estranho.
Nunca tive isso, uma impressão de alguém me observando, olho de um
lado para o outro, procurando alguém, mas não há ninguém. Vou até uma
bancada que tem na frente da universidade e sento. O Ricky está demorando
um pouco, coloco a cabeça entre as pernas, por um momento, estou com a
nuca tensa.
— Júlia. — Ouço uma voz masculina, que não reconheço. Mas que traz
uma sensação fria, um arrepio na espinha. Algo ruim, muito ruim. — Júlia.
Levanto o rosto, uma figura estranha está na minha frente, me
encarando, seu olhar percorre meu corpo com curiosidade. O homem é
magro, grisalho e com uma barba rala, usa roupas simples e um colar
prateado no pescoço.
— Sim, quem é você?
— Como você é linda! — ele elogia, me avaliando.
Estou ficando assustada, será um maníaco psicopata? Olho para os lados
e vejo as pessoas que estão perto. Olho para frente e nada do Ricky, vou ligar
para ele.
— Obrigada, mas você pode me dar licença? — Levanto, me
distanciando e abrindo a bolsa para pegar o celular e ligar para o Ricky.
— Sou o Hélio, seu pai.
Paro de costas, tentando assimilar a informação.
Porra.
Minha respiração fica alterada, minha cabeça começa a girar, igual a um
pião, sinto minhas pernas fraquejarem. Preciso virar e olhar em seus olhos,
tenho tanto a dizer, mas meu nojo e repulsa é maior. E dou um passo para
frente, preciso sair daqui.
— Filha...
Filha?
Viro-me, furiosa.
— Não me chame de filha, quem você pensa que é? — O encaro, com
ódio.
— Seu pai, não sei o que sua mãe...
— Não fale da minha mãe. — Sinto minha voz alterar. — O que você
quer? O que faz aqui?
— Queria conhecer você, como ficou linda. — Ele coloca as mãos na
cintura. — Estou orgulhoso por estar na universidade.
Não consigo me conter, dou uma gargalhada acima do normal.
O que esse homem disse? Orgulhoso? Foi isso?
— As coisas não são da forma que contaram para você, precisamos
conversar. — Ele se aproxima.
— Não se aproxime... Não quero ouvir nada que tenha a dizer. Nunca
tive pai e você não tem uma filha, esta é a real. Entende?
Ele franze o cenho.
— Você não entende, não tem escolha...
— Ah, eu tenho, sim. E escolho deletar da minha vida a parte podre que
é você... Seu...
Sinto os braços do Ricky me abraçarem.
— Júlia... — Ele encara Hélio. — Quem é você?
— Sou o pai dela.
— Não, não é... Você é um ninguém... Agora vamos, por favor — peço,
com a voz embargada.
Ricky avalia Hélio, com repúdio.
— Fique longe delas, entendeu? — Ricky exige para Hélio, com a voz
tensa.
— Vamos, Ricky, por favor.
Ricky o encara, com desconfiança, e, ainda abraçando-me, me direciona
para o carro. Olho para trás antes de entrar no carro. Hélio permanece parado,
com um olhar obscuro, estou tão furiosa que minha cabeça lateja.
Ricky fecha a minha porta, minhas mãos cobrem meu rosto e eu não
consigo conter as lágrimas. Meu corpo começa a tremer descontroladamente
e não consigo mais respirar, meu coração acelera, como se fosse saltar pela
boca, e por mais que possa ouvir a voz do Ricky, não consigo controlar meu
corpo, o ar some... e some, e isso me apavora, porque me sinto sufocada.
— Júlia... respira, por favor... respira... vou te levar ao médico.
A única coisa que vem à minha mente é o rosto daquele maldito, e um
grito preso na minha garganta estronda dentro do meu corpo, saindo como
uma cólera, começo a bater incessantemente no porta-luvas, descarregando
um pouco do meu desespero. Sinto os braços desesperados do Ricky ao meu
redor, cobrindo-me, protegendo-me, e o meu corpo desvairado acalma-se por
um instante, o meu pulmão cansado, esforça-se a receber um curto fio de ar,
fecho os olhos, tentando recuperar a sanidade, tentando recuperar o fôlego,
sinto-me como se meu corpo estivesse sendo pressionado com força para
dentro de uma caixa e eu quero me libertar desesperadamente.
Ricky me encara, segurando o meu rosto com as palmas das mãos.
— Júlia, fala comigo, pelo amor de Deus.
Meus olhos os encaram, mas não consigo falar, somente as lágrimas
desesperadas escorrem dos meus olhos, como a um dilúvio, e o meu corpo
desmorona em seus braços, ele me segura como uma criança desprotegida e
assustada.
— Calma, estou com você...
Ele me aninha em seus braços e o calor do corpo do Ricky aquece o meu
corpo gelado, minha mente está confusa, meu corpo dolorido e em meu
coração, uma dor inexplicável... na verdade, há uma explicação, dói muito
sentir ódio, dói... dói... e esta é a dor que sinto.
— Eu...
— Graças a Deus... — Ricky solta o ar, sentindo-se aliviado ao ouvir
minha voz. — Melhor eu te levar ao médico, você estava em choque.
— Não...
— Ele te fez alguma coisa? — pergunta, com cautela. — Preciso saber,
eu acabo com ele.
— Não — murmuro, ainda com lágrimas cobrindo meus olhos. — Ele
simplesmente falou comigo, foi o suficiente.
— Vamos embora, preciso cuidar de você.
— Posso ir para sua casa? Não quero que minha mãe me veja assim.
— Claro, meu amor.
Suas palavras entram na minha alma, aliviando toda a tensão, como uma
cura, encosto minha cabeça em seu ombro, tentando apagar a imagem
daquele homem da minha mente. Ter o Ricky ao meu lado me fortalece, não
sei o que faria se ele não estivesse aqui, por mais que soubesse que esse dia
aconteceria, cedo ou tarde. Nunca estive preparada para encará-lo, sou fraca,
e estou tão decepcionada por chegar a esta conclusão.
Chegamos em sua casa.
Ricky me acomoda no sofá e vai até a cozinha, deito-me encostando a
cabeça no encosto do sofá. Fico olhando para o teto, as lágrimas ainda
escorrem dos meus olhos.
Estou com um ódio mortal por ter encontrado aquele homem que tanto
fez minha mãe sofrer. Ricky senta-se na mesa de centro e me entrega uma
taça de vinho.
— Vinho e meus beijos curam qualquer coisa. — Seu tom é carinhoso.
— Ou você prefere um Advil?
— Obrigada, vinho está ótimo. — Viro a taça de uma vez.
— Ok. — Ele franze a testa. — Agora me explica, o que aconteceu?
— Eu estava esperando você, ele apareceu e falou que era meu pai. Fim
da história. — Volto o meu olhar para o teto.
— Você acha que ele é perigoso? — indaga.
— Ele não vai fazer nada comigo. — Tento acalmá-lo. Então, Levanto e
me ajoelho na sua frente. — Agora você pode fazer o que quiser...
— Quer mudar de assunto?
Eu assinto, sorrindo maliciosamente.
— Mas não vamos, estou preocupado.
— Não quero falar mais...
— Júlia, eu vi o seu estado no carro, eu... — Ele me encara, seus olhos
mel tornam-se escuros e angustiados. — Como assim, não quer falar mais?
— Estou com ódio, muito ódio desse homem... Não me force a reviver
aquela cena, por favor. — Levanto, já inquieta com a conversa.
— Não é isso, eu só não gostei de vê-la naquele estado. Eu fiquei
desesperado e... — Ele joga os braços sobre a cabeça.
— Desculpe.
— Vou tomar alguma providência... Ele pode tentar falar com você
novamente e eu não suportaria se acontecesse alguma coisa.
— Calma, Ricky, não vai acontecer nada. Me abraça, por favor.
Ele se aproxima, e nos abraçamos com a tensão desse encontro maldito.
— Não gostei de vê-la daquele jeito.
— Eu também não gostei, nunca tinha sentido ou estado daquela forma.
Foi novo e desesperador.
— Não vou deixar que isso aconteça novamente, nunca mais.
Seus braços me apertam, como se quisesse me guardar dentro deles,
enquanto o seu coração acelerado faz com que eu relembre aquela face,
aquela angústia.
Quando eu acordo, vou para a sala encontrar o Ricky, mas quem
eu vejo na bancada é Nicholas. Pelo menos estou vestida com o roupão
gigante, ele está tomando café e lendo o jornal.
Ele não tem cara de quem lê jornal.
— Bom dia! — exclamo.
Ele vira-se.
— Bom dia.
— Cadê o Ricky?
— No escritório — responde, olhando por cima do jornal. — Café? —
oferece, enquanto coloca o jornal sobre a bancada e caminha tranquilamente
até a cozinha.
— Sim, obrigada. — Acomodo-me no sofá.
Entregando-me a xícara, sentado ao meu lado em seguida. Fico um
pouco desconfortável, pois ele está próximo demais para o meu gosto.
— Júlia. Há quanto tempo vocês estão juntos?
— Não muito. — Dou um gole no meu café e permaneço com a borda
da xícara entre a minha boca.
— E você encantou meu irmão de ferro, assim, em tão pouco tempo. —
Ele franze o cenho. — Deve ser muito especial.
Ele está sugerindo o que exatamente? Pois estou confusa.
— Acredito que seja especial para ele, o quanto ele é para mim.
— Bom dia. — Ricky entra. Nicholas levanta, retornando para a
bancada. Ricky senta-se ao meu lado.
— Tudo bem? — Beija a minha testa.
— Sim, dormi muito bem.
— Eu sei. — Ele pisca. — Temos que ir.
— Claro, vou me arrumar. — Vou até a cozinha para levar minha
xícara.
— Nicholas, a Dora, minha faxineira, vem hoje. Avisei para ela desfazer
sua bagagem, ela odeia gente em casa no dia da faxina, então arrume algo
para fazer.
Nicholas arqueia uma sobrancelha.
Pego um cacho de uvas e as saboreio encostada na pia. Na verdade,
observo Ricky que já está perfeitamente lindo logo cedo.
Ricky continua:
— Ela também vai receber às compras, o armário está quase vazio. Eu
vou contratar alguém para cuidar deste apartamento, agora que pretendo ficar
no Brasil.
— Então você vai ficar mesmo? — acrescento, caminhando até ele.
— A senhorita não vai mais se livrar de mim.
Meu sorriso largo ilumina meu rosto, não posso conter a minha
felicidade, jogo os meus abraços ao redor do seu pescoço, dou-lhe um beijo
de leve.
— Te agradeço por isso.
Como o Nicholas está presente, não posso fazer o que desejo, então dou
outro beijinho em seus lábios e me dirijo para o quarto.
— Vou me arrumar, cinco minutos.
Ouço, ao entrar no quarto:
— Ela parece ser especial.
— Sim, é. Vamos ao escritório, preciso falar com você.
As vozes somem.
Meu corpo estremece só de pensar que ele vai ficar no Brasil e comigo.
Giro igual a um pião desgovernado pelo quarto e caio sobre a cama.
Estou em um romance com um príncipe devasso, como podia imaginar
tamanha felicidade?
— Mãe, eu não vou. Não adianta.
Ela grita do outro lado da linha e eu observo o envelope dourado e ao
seu redor uma delicada fita branca de cetim.
Aniversário da Melissa de 19 anos.
Eu não vou à esta festa. Quero evitar a presença da Melissa.
— Jully, esquece o que aconteceu. Família é sempre família. Ela vai
ficar quatro anos fora, a festa é a despedida dela.
— Mãe, eu não vou.
— Pensa bem, depois conversamos.
Ela desliga.
Observo novamente o envelope.
Por um momento, as recordações da minha infância voltam e me lembro
dos momentos em que a Mel e eu éramos amigas, confidentes e irmãs.
Quando crianças, éramos as princesas da família, com laços grandes no
cabelo e vestidos bufantes. Na adolescência, éramos muito paqueradas,
principalmente no colégio.
Sempre juntas, descobrimos a vida juntas, não entendo por que ela jogou
tudo para o alto, por causa de um garoto idiota. Minhas lágrimas escorrem
pelos meus olhos, não consigo conter a decepção e tristeza me dominando
novamente.
Não posso perdoá-la.
— Júlia, reunião em dez minutos — Edu avisa, correndo para a sala de
reunião, com diversas pastas na mão.
Enxugo as lágrimas, e liberto-me da tristeza.
— Ok. Estou a caminho — respondo.
E sigo para a reunião.
Depois de praticamente uma hora, minha mãe e o Ricky
me convenceram a ir à festa.
O Ricky foi intimado pelo meu tio e vai representar a família do Rubem,
quando ele disse que não seria apropriado comparecer sem a namorada, eu
derreti como manteiga e resolvi aparecer na bendita festa.
É claro que eu imaginei a quantidade de amigas da Melissa babando por
ele. Melhor eu estar presente, linda e fina ao seu lado.
O Nicholas recusou o convite, disse não ter saco para este tipo de
evento. Ele permanece hospedado no apartamento de Ricky, não sei por que,
mas o que parece é que o Ricky prefere tê-lo por perto. Não consigo ver
carinho entre eles, sempre bem secos um com o outro, parecem estranhos,
não irmãos.
No dia da festa, o salão da minha mãe está uma loucura. A maioria dos
convidados foi cuidar dos cabelos e unhas lá e é claro que a aniversariante
também. Como eu não quero encontrar a Mel, preferi me arrumar em casa.
Minha mãe me ensinou vários macetes. Ela sempre diz: um bom coque,
sempre é elegante. Foi o que eu fiz, um coque e uma make de blogueira. Meu
vestido rosé tem um decote sensual e seu comprimento vai até um pouco
abaixo do joelho e ele é bem justo, marcando bem minhas curvas. Eu fiz
questão de comprar um vestido novo, já que vou à festa com o Ricky, nada
mais justo do que causar.
Ricky ficou de me buscar, já que minha mãe vai um pouco mais tarde
por conta do salão. Como sempre, ele é pontual, me mandou uma mensagem
avisando que está me esperando na entrada do meu prédio.
Quando desço a escadaria do prédio, Ricky está encostado em seu carro,
lindo, com um terno azul, camisa sem gravata e o cabelo meio bagunçado em
um penteado perfeito, que somente ele sabe fazer, ele ainda não me viu
porque está digitando no celular.
Quando o porteiro abre o portão, automaticamente com o barulho do
trinco ele olha para frente e seus olhos encontram os meus.
Não posso conter o meu corpo, que já reage ao seu olhar, este olhar cor
de mel, que sensualmente percorre meu corpo, me avaliando, sua boca
entreaberta já o denuncia, ele está de queixo caído.
Ricky estende a mão para me receber, eu coloco a minha sob a dele, e
com muita delicadeza, ele a beija, me impulsionando para perto.
— Calma, vai amassar meu vestido, Richard — resmungo.
— Eu quero tirar este vestido, como quero.
— Por que tanta pressa? — digo, me livrando dos seus braços, que já
estão na minha cintura, vou me dirigindo para o carro. — Vamos para a festa,
por favor. — Paro ao lado da porta, sugerindo que ele a abra.
Ele sorri maliciosamente e abre a porta.
— Madame, por favor.
Sorrio e entro, arrumando o vestido para que não amasse.
Ricky entra no carro e sem demora me beija. Um beijo doce e malicioso,
meu coração acelera, como sempre, como se fosse o primeiro beijo, e eu
adoro esta sensação. Interrompo o beijo, porque meu corpo está convencendo
meu cérebro a subir em cima dele e cavalgar até estarmos suados e exaustos.
— Precisava do meu combustível diário — ele diz, me dando um último
beijinho. — Você está linda. Só queria ressaltar.
— Obrigada, você também.
— Agora, por mais que você esteja perfeita com este vestido, saiba que
quando tudo acabar, eu vou deixá-la somente com essa sandália prata em
minha cama. — Seu olhar mel intenso faz com que minha corrente sanguínea
acelere.
— Pode deixar, sou uma garota obediente.
Sorrimos e partimos.
Respiro fundo antes de entrar na casa da Melissa. A entrada está toda
iluminada e somos recepcionados por um rapaz que verifica os nossos nomes.
Assim que adentramos na sala principal da casa, que está sem móveis e muito
bem decorada, já somos recebidos pela minha tia Paula, com suas asas de
águia.
— Richard, é um prazer revê-lo. — Ela observa nossas mãos, estamos
de mãos dadas, e depois me olha nos olhos. — Olá, minha sobrinha querida,
que vestido lindo.
Estou com vontade de vomitar, com tanta falsidade.
— Olá, tia Paula. Obrigada — digo, simpaticamente entediada.
— A Mel vai ficar maravilhada com a sua presença — comenta, como
se estivesse representando em uma peça de teatro, com movimentos grandes
e exagerados.
Jura?
— Imagino — aquiesço, com um sorriso nervoso nos lábios.
— Ela ainda não desceu, mas já está quase na hora. — Volta-se para
Ricky. — Aliás, conheci seu irmão, Richard, o Nicholas, que rapaz adorável.
— O Nicholas está aqui? — diz Ricky, surpreso.
— Sim, deixe-me ver. — Ela olha ao redor do salão. — Olha ele ali. —
Ela nos mostra Nicholas conversando com o meu tio Jorge. — Bem ali, com
o Jorge. Agora, fiquem à vontade.
Minha tia sai, toda estabanada, chamando um garçom.
Meu olhar volta para o Nicholas, que está muito elegante, na verdade,
está lindo e conversando com o meu tio com muita intimidade.
Ele mudou de ideia e veio à festa, não entendo, mas o que sei sobre ele?
Seu olhar encontra o meu e, com um sorriso lindo, ele levanta sua taça de
espumante para nós, nos cumprimentando, mas sinto que Ricky fica um
pouco irritado.
— Tudo bem, amor? — pergunto para Ricky.
— Sim, agora vamos cumprimentar o seu tio e o meu irmão.
Nós andamos até eles, um garçom com uma bandeja com taças de
espumantes passa por nós, eu pego uma taça bem rápido e agradeço, dou um
gole antes de me juntar a eles.
— Boa noite, Jorge — Ricky cumprimenta meu tio, com aperto de mão.
— Boa noite, Richard. — Vira-se para mim. — Minha sobrinha, você
está linda — meu tio diz, depois de beijar minha testa.
— Obrigada, tio.
— Cunhada, você está um espetáculo, depois faço questão de dançar
com você — exclama Nicholas, medindo-me, sem discrição, seu olhar volta-
se para Ricky. — Se o meu irmão não se importar, é claro.
— Se a Júlia quiser, não tem o porquê eu me impor.
— Estou muito feliz em receber os irmãos McGuire em minha casa.
Garçom, por favor. — Meu tio estica os braços, abraçando um de cada lado.
— Uísque, rapazes?
— Ótimo — diz Nicholas, colocando sua taça na bandeja do garçom e
pegando um copo com uísque.
Ricky também pega seu copo. Vejo que este momento é somente de
homens, melhor eu dar o fora.
— Ricky, vou dar uma volta.
— Quer que...
— Não, fique aqui. Já Volto.
Com um beijo em seus lábios, eu me despeço e vou para o jardim. A
casa está realmente linda, cumprimento meus parentes e converso um pouco
com minhas primas que moram distantes. Algumas amigas da época da
escola, curiosas em querer saber detalhes sobre o Ricky e seu irmão Nicholas.
Encontro um ex-namorado, Caio, do colegial, ele não para de olhar para
o meu decote enquanto conversamos. Garoto de papo chato, que se sente o
melhor. Ainda não acredito que um dia namorei com ele, na verdade, depois
do Ricky, qualquer homem é sem graça.
Sinto uma mão no meu ombro e me viro, achando que é o Ricky para
me tirar de perto deste cara idiota, mas é o Nicholas.
— Oi — digo, desanimada. — Cadê o Ricky?
— Está te esperando, e você, quem é? — Nicholas pergunta para Caio.
— Prazer, sou amigo da Júlia, da época do colegial. — Caio estende a
mão para cumprimentar Nicholas, que corresponde.
— Prazer, sou cunhado da Júlia, você nos dá licença? — Seu tom de
“VAI EMBORRA AGORA” espanta o garoto.
— Claro. — Caio arregala os olhos. — Até mais, Jully. — E sai,
acelerado.
— Jully? — Ele faz um biquinho, quando pronuncia meu apelido. —
Acho que meu irmão não vai gostar de saber que esta lombriga tem
intimidade contigo.
— Lombriga? — Minha gargalhada sai mais alto do que eu esperava. —
Pelo amor de Deus, ele era amigo do colégio. Mas obrigada por me salvar...
do lombriga.
— Amigo do colégio que estava devorando seu decote. — Seus olhos
pousam no meu decote, fico desconfortável e ajusto o meu vestido.
— Ok, agora cadê seu irmão? — pergunto, porque fico totalmente
desconfortável perto do Nicholas, melhor eu ir atrás do Ricky.
— Está com seu tio, ele fez questão de mostrar sua adega. E meu irmão,
com sua educação fora do normal, está apreciando — ele fala, com um
sorriso sarcástico. E depois dá um gole em seu copo com uísque.
— Então vou salvá-lo, com licença.
Saio sem olhar para trás, mas sinto o seu olhar sobre mim. Na verdade,
não gosto do seu olhar, não sei bem quais são suas intenções, mas sinto algo
esquisito quando estou sozinha com ele.
A adega do meu tio fica perto da cozinha, nos fundos da casa. Melhor eu
ir resgatar o Ricky, meu tio fala muito.
Estou atravessando a sala, quando um garçom esbarra em mim. A
bandeja que estava em suas mãos com várias taças cai no chão, com o
barulho todos olham para nós. O rapaz, apavorado, começa a recolher tudo e
eu, sem ação, olho para o meu vestido para ver se sujou, mas graças a Deus
não.
— Desculpe, moça. Seu vestido sujou? — ele pergunta, olhando para
mim e recolhendo os cacos do chão.
— Tudo bem, cuidado para não se cortar, cara. Meu vestido está ótimo.
Quer ajuda?
— De jeito nenhum, moça. Já estou quase terminando.
— Olá, Júlia — surge Rubem.
— Oi, tudo bem, Rubem? — digo, mas a minha atenção permanece no
garçom, que está recolhendo os cacos do chão.
— Cadê meu primo? — ele pergunta, olhando ao redor.
— Estava indo ao encontro dele antes do acidente. Ele deve estar com o
meu tio, na adega.
— Certo, você pode fazer um favor?
— Claro, o que houve?
— A Mel quer falar contigo.
Ah, não! A Melissa arrumaria um jeito de falar comigo. E começar o
blá-blá-blá, falar com ela é como reviver a cena, trazer de volta para o meu
peito aquele sentimento de traição, o qual eu tento esquecer, desde que ela me
apunhalou pelas costas.
— Então... Eu...
— Júlia, eu sei o que houve, ela me contou.
— Sério? — Franzo o cenho. — Ela teve coragem?
Ele assente.
Estou surpreendida com a coragem da Melissa, falar para o atual
namorado a traição que fez comigo, ela é realmente ousada. O Rubem
realmente gosta dela, para entender e aceitar.
— Sim, teve, e agora ela quer falar contigo, antes de descer.
— Por que comigo? — Meu olhar volta para o garçom, que sai todo
estabanado com a bandeja cheia de cacos, o chão ficou com uma poça de
bebida.
— Ela só desce se falar contigo antes.
— Então ela vai ficar lá em cima, que criancice da parte dela, não acha?
O garçom retorna com panos para secar a poça de bebida que ficou no
chão.
— Por favor, Júlia.
— Eu tenho que encontrar o Ricky que, a meu ver, já está demorando
demais para o meu gosto.
— Por favor, Júlia, eu prometi que levaria você.
Ele me encara e seus olhos, suplicantes, me encurralam, assim acabo
cedendo. Nos dirigimos para a escadaria da sala, eu dou uma olhada para ver
se vejo o Ricky.
Estou muito tempo longe dele.
Quando chego ao quarto da Melissa, ela está em pé em frente ao
espelho, Rubem sai e fecha a porta atrás de si.
— Me perdoa, Jully — ela pede, me olhando pelo espelho.
— Sério que você me chamou aqui para começar com essa palhaçada?
Ela se vira, está linda com um vestido azul longo. A observo, seus
cabelos ruivos com cachos e uma maquiagem incrível que com certeza foi
feita pelo Marcos. Seus olhos estão vermelhos, como se tivesse chorado
muito.
— Jully, só me escuta, por favor.
— Estou aqui, certo? Então fala, cacete. — Cruzo os braços,
evidenciando a minha impaciência.
— Jully, eu sei que errei, sinto muito por isso, na época me iludi com
aquele garoto tolo, ele me ligava e falava coisas bonitas, mas sei que eu errei.
— Ainda bem que você sabe. Ele era somente um garoto qualquer —
aponto para ela —, mas você era minha irmã, como pôde?
— Eu quero seu perdão, preciso dele. Por favor, Jully...
— Melissa, sinceramente... — hesito —... eu não consigo...
— Jully, eu errei — ela grita. — Eu errei, mas puta que pariu, mereço
seu perdão. Quero voltar a ser sua irmã. Sinto sua falta, sinto muito sua
falta... Jully.
Ela se aproxima com a maquiagem borrada e os olhos cheios de
lágrimas. Eu posso ver sinceridade em seus olhos, como Melissa e eu
chegamos a esse ponto? Meu celular vibra na minha bolsa carteira de mão.
— Só um momento, Melissa. Deve ser o Ricky. — Pego o meu celular e
realmente é o número do Ricky. — É o Ricky, só um momento.
Atendo ao celular.
— Oi, amor. Onde você está? — Ouço um chiado do outro lado da
linha, mas o Ricky não responde. — Ricky, está tudo bem?
— Olá, Júlia — uma voz rouca e assustadoramente estranha responde.
— Olá, quem fala?
— Júlia, um amigo.
— Amigo de quem? — Sinto um frio na espinha. — Por que está com o
celular do Ricky? — Minha boca fica seca.
— Júlia, presta atenção, você não vai fazer nenhum tipo de escândalo,
até porque não vai querer acabar com a festa da sua prima. Você vai chamar o
irmão do seu namoradinho e irão para um lugar reservado, para que eu possa
dar os próximos passos.
— Espera, que merda é essa, cadê o Ricky?
— Ele está conosco, como convidado, para ele voltar para a casa, terão
que pagar um valor bem alto. Mas isso, eu te passo daqui a vinte minutos,
quando você e seu cunhado estiverem em um lugar tranquilo.
— Seu louco, você acha que vou cair nessa?
Só escuto o tu tu tu no celular.
— Jully, o que houve? — murmura Mel.
Sinto um aperto no peito, mas com certeza isso é uma brincadeira de
mau gosto, o Ricky deve ter perdido o celular em algum lugar e algum
engraçadinho está fazendo uma brincadeira idiota.
— Nada — respondo, ainda confusa com a ligação. — Melissa, fazemos
assim, se recompõe para descer e prometo que depois conversamos sobre isso
com calma. Agora não posso, tenho que encontrar o Ricky.
— Promete?
— Sim, prometo. — Viro para sair, volto meu olhar para ela, eu
realmente vou conversar com ela, mas depois.
Saio do quarto e entro no lavabo. Tento ligar para o celular do Ricky,
mas só chama.
Começo a relembrar as palavras da voz, e isso me apavora. Não... Não
pode ser. Ele está na festa e isso é uma brincadeira.
Mas, de qualquer forma, não gosto de sentir frio na espinha, sendo
brincadeira ou não o pânico começa a crescer dentro de mim, melhor ir atrás
dele. Desço as escadas com pressa, quase tropeço, estou com um salto agulha
e um vestido justo, não são adequados para correr.
Olho na sala, que está cheia de convidados, não vejo o Ricky, vou para a
cozinha, que está uma loucura por conta do buffet e garçons, um entra e sai
insuportável.
— Senhorita, deseja alguma coisa? — pergunta uma das funcionárias do
buffet.
— Na verdade, você viu o meu tio Jorge, anfitrião da festa?
— Sim, ele acabou de sair da adega e foi para o jardim.
— Ele estava acompanhado com um rapaz? Um homem alto e bonito?
— Não, estava sozinho. — Arregalo os olhos e minha boca fica seca. —
Por que, aconteceu algo? — Ela segura minha mão. — Você está gelada.
— É, estou, vou procurá-lo. Obrigada — digo, enquanto minhas mãos
cobrem o meu peito, sinto o meu coração começar a acelerar, e faltar ar nos
meus pulmões. Céus estou ficando apavorada, tenho que encontrar o Ricky,
senão vou enfartar.
Vou para o jardim, olho ao redor, minha tia está com alguns convidados.
O meu tio está com o Nicholas, e o Ricky não está em lugar nenhum. Meu
Deus, minhas pernas estão trêmulas, vou até eles, tenho que me acalmar.
— Olá, desculpe interromper, mas, tio, cadê o Ricky?
— Sobrinha, você não interrompe. O Ricky estava comigo na adega e
recebeu uma ligação, como o sinal lá embaixo é ruim, ele saiu pela parte de
trás da cozinha.
Recebeu uma ligação?
— Mas esta... tal ligação... — Engasgo com as palavras. — Quer dizer,
mas depois, você o viu?
— Não, como ele não voltou, achei que tinha voltado para a festa. —
Seu olhar está preocupado. — Aconteceu alguma coisa?
Minha cabeça começa a girar e não sei mais o que pensar, quero gritar o
nome do Ricky, como se ele pudesse me escutar e vir até mim. Mas não
posso, a festa... muita gente.
— Não, nada. — Saio desgovernada para a parte de trás da casa, que
tem acesso à cozinha.
— Júlia... Júlia... — Ouço a voz de Nicholas atrás de mim. — Júlia,
espera. — Ele me detém, segurando meus braços, meus olhos já estão com
lágrimas.
— Seu irmão... — Não consigo olhar para ele, meus olhos estão
perdidos entre os convidados. — Temos que encontrá-lo. — Fico o
procurando entre as pessoas da festa, para ver se o Ricky não está
conversando com alguém. — Me ajuda a encontrá-lo...
— Júlia... — Ele segura os meus braços e me encara. — Por quê? O que
houve?
— Ligação... recebi uma ligação... — Minhas pernas estão trêmulas. —
Vem, vamos sair daqui. — Tenho que sair do meio das pessoas, estou ficando
descontrolada e não posso expor a situação.
Nicholas e eu vamos para a parte de trás da casa com entrada pela
cozinha, é um jardim menor com área de serviço.
— Ricky, Ricky, Ricky! — chamo, desesperada. — Cadê ele... Temos
que encontrá-lo. É uma brincadeira, uma grande brincadeira idiota —
murmuro, colocando as mãos sobre a cabeça.
— Júlia, você pode me falar o que está acontecendo? — Nicholas exige,
com a voz rouca e urgente.
Ando desesperada pelo lugar e grito o nome do Ricky de novo. Mas não
há ninguém ali, coloco as mãos sobre o rosto e começo a chorar.
Nicholas me segura pelos braços.
— Me fala o que está acontecendo. — Seu tom aflito deixa-me ainda
mais nervosa.
— Eu recebi uma ligação, de alguém que está com o celular do Ricky...
— Hesito, minha voz falha com o choro. — Ele me disse que está com o seu
irmão e que eu não posso fazer escândalo.
— Como assim, estão com o Ricky? — Ele franze o cenho.
— Não sei, eu não o encontro em lugar algum, desde quando você disse
que ele estava com meu tio, na adega. O número que me ligou é o do Ricky,
ele disse que era para eu encontrar você e aguardar o contato deles — digo,
com a voz rouca, minha cabeça começa a latejar e a minha visão está
embaçada, por conta das lágrimas contínuas que caem dos meus olhos.
— Deve ser algum idiota. — Nicholas lança os braços no ar. — Ricky
deve ter perdido o celular. É trote.
— Eu também achei, mas cadê ele? Não consigo encontrá-lo em
nenhum lugar.
Meu celular vibra e eu, desesperada, o tiro da bolsinha.
— Deixa que eu atendo. — Nicholas tira o celular da minha mão.
— Coloca na viva-voz.
— Ok. — Ele atende. — Alô, quem fala?
— Olá, cunhado.
Essa voz causa arrepios pavorosos no meu corpo.
— Cunhado? Que porra é esta? Que brincadeira idiota.
— Por favor, sem palavras de baixo calão, nós somos bandidos, mas
temos educação. — Seu tom é sarcástico e debochado.
— Bandidos? Cala boca, seu idiota. Cadê meu irmão? — Ele me olha.
— Se é que vocês estão com ele mesmo.
— Ah, estamos, com certeza — ouvimos um bocejo —, desculpem,
estou com sono, muito tempo sem dormir. Acredito que a Júlia já o procurou
pela casa, certo? E nada deste bonitão aqui.
— Seus idiotas. — Não consigo me conter. — Cadê o Ricky?
— Menina brava. Ok... Esperem. Vocês precisam de uma garantia,
certo?
Nicholas e eu ficamos atentos aos sons do outro lado da linha.
— Então, meus caros, em dois minutos receberão a prova.
— Seu filho da puta, para com essa merda! — Nicholas esbraveja.
Tu Tu Tu Tu Tu e fim da ligação.
— Nicholas... — murmuro, porque não tenho mais forças.
— Não pode ser, Júlia. O Ricky é forte, como o pegariam, sem ninguém
ver? — Ele me encara. — Impossível, tem algo errado.
Bip.
Olhamos para o celular.
Recebi uma mensagem no WhatsApp.
— É um vídeo, Júlia — ele avisa, enquanto toca em cima da tela.
Olho apreensiva para o Nicholas, como se ele pudesse me dar respostas.
Esperamos por alguns segundos o download. Quando o vídeo é reproduzido,
coloco a mão sobre a minha boca, tentando abafar o meu desespero. O Ricky
está sendo espancado por dois homens, em um local sujo. Eles esmurram e
chutam o Ricky, que está com amarras nos pés e nas mãos. Os caras são
cruéis, batem sem misericórdia e o Ricky não tem defesa. Quando terminam
o espancamento, eles filmam o rosto do Ricky para que tenhamos certeza de
que é ele. Está todo ensanguentado, com cortes no rosto e inconsciente. O
Nicholas me abraça, forte, consigo ouvir o seu coração acelerado.
— Eles vão matá-lo, Nicholas. O que vamos fazer? — Minha voz sai
abafada em seu peito.
— Não sei... não sei. — Seu rosto está tensionado e seus olhos,
assustados. — Sente-se aqui. — Ele me conduz até uma cadeira. — Chamar a
polícia, talvez? — Ele joga os braços sobre a cabeça.
Eu assinto, e ele continua:
— A polícia vai saber o que fazer.
O telefone vibra novamente, ele está nas mãos do Nicholas, eu levanto
da cadeira em um impulso, é uma ligação. Nicholas respira fundo e atende,
suas mãos, trêmulas, não conseguem deixar o telefone parado.
— Viva-voz, por favor — suplico.
— Se vocês matarem meu irmão, eu vou encontrar cada um de vocês e
matar com as minhas próprias mãos, seus bostas.
— Calma, cunhado, vamos cuidar do galã aqui. Isso foi só para que ele e
vocês tenham certeza do que somos capazes de fazer.
— Deixa eu falar com ele? — Minha voz trêmula não disfarça o meu
desespero. — Por favor!
— Não, Julinha, você não vai falar com ele. — Seu tom debochado
ferve o meu sangue.
— O que você quer? Dinheiro, é claro.
— Talvez. — Ele dá uma gargalhada. — Sim, queremos dinheiro, muito
dinheiro. Nós sabemos que a família do Ricky tem muito dinheiro, então,
quanto a vida dele vale para vocês, cunhado?
— Seu bosta, pare de me chamar de cunhado. Meu nome é Nicholas.
Quanto vocês querem?
— Amanhã cedo entro em contato novamente, com o valor e como
vamos fazer isso. Hoje, vocês vão sair à francesa desta festa, ir para o
apartamento do galã e esperarem meu contato. Ah, não estraguem a festa,
está linda.
Ele desliga.
— Meu Deus, eles estavam aqui, Nicholas, nos monitorando. Talvez
ainda tenha alguém nos vigiando, para saber qual será o nosso próximo
passo. Meu Deus...
Não consigo conter o meu desespero, um medo toma meu corpo, temor
em perder o Ricky, tento ficar calma, mas as minhas pernas não têm mais
forças, meu corpo está trêmulo e a minha visão ficando escura.
PI PI PI
Esse barulho idiota do despertador, me sinto muito cansada. Acho
melhor eu não ir trabalhar hoje. Mas esse pi pi pi não para! Nossa, minhas
pálpebras estão pesadas, mal consigo abri-las.
Que lugar é este? Todo branco. Ai... Meu braço está dolorido.
— Mãe... — Tento falar em um sussurro.
— Júlia, você acordou, graças a Deus! — Ela salta do sofá e vem ao
meu lado.
— O que aconteceu? — Minha visão está um pouco turva, forço-a para
enxergar ao meu redor. — Por que estou aqui? — Tento me situar.
— Filha, você desmaiou, estava com a pulsação muito baixa por causa
da notícia, teve um colapso nervoso e veio para o hospital. — Suas mãos
acariciam meu cabelo.
— Hospital? Notícia? — Minha mente, confusa, procura respostas. —
Por que eu desmaiei?
— Você não lembra? — Ela enruga a testa.
— Não... — Levanto a cabeça e tento sentar na cama.
— Então é melhor você descansar, depois falamos sobre isso.
— Não, fala agora quero saber. — Olho ao redor do quarto. — E cadê o
Ricky?
— Ele...
Como um estalo, tudo passa na minha cabeça, minha boca fica seca.
Meu Deus. Melissa estava falando comigo, recebi um telefonema, fui
atrás do Ricky, não o encontrei, tinha que falar com Nicholas, o Ricky
sumiu... O vídeo. Ricky muito machucado, o sequestro.
— Mãe, cadê o Nicholas? Já entraram em contato de novo? Tenho que
sair daqui, agora. — Jogo os lençóis que me cobrem no chão, colocando
minhas pernas para fora da cama.
— Júlia, calma. — Ela tenta conter minhas ações. — O Nicholas está no
apartamento do Ricky, estão cuidando de tudo. Se acalma, porque você
passou muito mal.
— Eu tenho que ir para lá. — Olho para a janela, está claro.
Amanheceu, quando eu estava com o Nicholas era umas 21h. Céus! Faz
quanto tempo que eu estou desacordada?
— Mãe, quanto tempo eu estou aqui?
— Umas oito horas, mais ou menos.
— Tenho que sair, preciso saber notícias sobre Ricky. Cadê a
campainha? — Vasculho a lateral da cama, tentando achar algum botão ou
cabo com um botão. — Quero falar com o médico.
— Calma, eu falo com ele. Você fica aqui, é uma ordem. — Ela sobe
minhas pernas para cama novamente e acomoda as minhas costas no
travesseiro.
Reviro os olhos e ela sai.
Até parece que vou ficar aqui, sem notícias do Ricky.
Preciso ir até lá. Como passei mal, em um momento como este? Júlia,
sua fraca. Meu amor em perigo e eu aqui, em uma cama de hospital. Como
tira este troço...? Ai! Dói.
Vou me trocar, cadê meu vestido? Tem uma pequena mala no sofá, deve
ser minhas coisas... Melhor eu descer da cama devagar, pois me sinto um
pouco fraca. Opa, em pé é pior. Melhor eu me segurar na cama.
Calma, Júlia, vai com calma.
— Menina, o que está fazendo em pé? — Minha mãe vem ao meu
encontro.
— Eu estou bem. Cadê minhas roupas?
— Bom dia, Júlia.
Viro para a porta, um senhor, que com certeza é o médico, está escorado
no batente, com os braços cruzados e com um sorriso nos lábios.
— Bom dia, estou bem. Posso ir? — quero saber, nada simpática.
— Calma, menina — minha mãe me repreende e vira-se para o médico.
— Doutor, desculpe a falta de educação. Essa aqui, é assim mesmo.
— Tudo bem, sente-se, Júlia, temos que conversar.
Minha mãe me ajuda a sentar na cama novamente. O doutor vem e para
na minha frente. Olha bem nos meus olhos.
— Você teve um colapso nervoso, para sua idade isto não é normal.
Então, tente ficar mais calma, sem emoções fortes no momento.
— Ah, doutor, vou tentar.
Se ele souber o que está acontecendo, mas melhor não contar.
— Sua mãe falou que você está com excesso de trabalho e ainda tem a
universidade. Mas tem que tomar cuidado. Hoje, os índices de jovens que
estão enfartando por conta do estilo de vida estão grandes. Excesso de álcool,
narguilé ou cigarros e por aí vai. Não sei se é seu caso, até porque no seu
exame de sangue não constou nada. Mas já sabe, tem que se cuidar. — Ele
segura o meu queixo com as pontas dos dedos, e aperta um pouquinho.
— Realmente, não é meu caso, doutor. Mas obrigada, vou me cuidar,
agora estou de alta?
— Sim, está. Vai para casa e fique em repouso, vou pedir para uma
enfermeira cuidar deste acesso — falando isso, ele sai.
— Mãe, na mala tem roupas para mim?
— Sim, Júlia, por favor, se acalme.
— Mãe, eu não sou o foco agora. O Ricky é, por favor, se eu não tiver
notícias dele, vou ter um enfarto. Então me ajuda, preciso me trocar e ir ao
apartamento.
— Ok. Menina teimosa.

Quando entro no apartamento de Ricky, me assusto com a quantidade de


pessoas. Meu tio Jorge, minha tia Paula, Rubens, Melissa ... E um homem
que me lembro de tê-lo visto em algum lugar. Só não sei onde.
— Jully! — Minha prima Mel vem ao meu encontro, com os braços
abertos, abraçando-me com carinho. Não consigo negar sua aproximação,
acho que preciso deste abraço. — Você está bem? Estávamos preocupados
contigo.
— Eu estou bem. Cadê o Nicholas? — pergunto, porque não o vejo na
sala.
— Foi tomar banho. O coitado precisava esfriar a cabeça — diz meu tio,
levantando do sofá e vindo até mim, pois eu permaneço intacta na porta. —
Jully, este é o César. Ele é amigo da família McGuire e investigador civil —
apresenta, abrindo o caminho para que César, me cumprimente.
— Olá, Júlia, está melhor? — César pergunta.
— Sim, mas preciso saber o que está acontecendo.
— Claro, melhor sentar.
Pelo seu tom, as notícias não são boas.
— Sim. — Vou até o sofá, cumprimento minha tia e o Rubem. Me
acomodo, minha mãe senta-se ao meu lado. — Certo, agora fale.
— Eu assisti ao vídeo, eles são muito violentos e profissionais.
Minhas lágrimas já caem dos meus olhos, só de pensar naquele vídeo
maldito.
Ele continua:
— Ligaram hoje cedo. Pediram cinco milhões de dólares.
— Como? Meu Deus, e como eles querem receber isso?
— Eles... Deram mais ou menos quatro dias para entregar o dinheiro e
devolver o Ricky. A polícia já foi acionada, não ligaram mais do celular do
Ricky, óbvio. Não vão arriscar serem rastreados.
— Certo e agora? Cadê a polícia?
— Tem peritos no local do sequestro, verificando possíveis provas.
Estamos verificando as imagens das câmeras da casa e da região. Também
vamos interrogar os funcionários do buffet e os convidados.
— Nossa... E nós ficamos aqui? Quer dizer... parados? — Sinto que
preciso me mover, fazer algo. — E agora?
— E agora a família McGuire está vindo para cá — diz Nicholas,
entrando na sala. Ele vem ao meu encontro, se ajoelha na minha frente, não
consigo conter o choro e abraçá-lo. — Calma, você está melhor? — Suas
mãos acariciam meu rosto e tentam suavizar as lágrimas contínuas que caem
dos meus olhos.
— Eu, estou... Agora, o seu irmão. O Ricky estava tão machucado. Eles
mandaram outro vídeo? Alguma foto?
— Não. — Ele senta-se ao meu lado. — Eu não podia deixar a família
fora disso, eles querem uma fortuna, Júlia. Meu pai está a caminho, como eu
vou retirar este dinheiro, sem a autorização dele?
— Nós vamos investigar. Eles podem ser profissionais, mas sempre tem
uma brecha. Seu tio tem câmeras, vamos ver as imagens, já estamos vendo
muitas imagens neste momento, estou em contato direto com a equipe.
Digamos que, pagar o resgate, seja a última opção — César fala, com uma
firmeza, que acalma um pouco o meu coração.
— Sei, mas eles falaram para eu não fazer escândalo, para eu falar
somente com o Nicholas. E se o machucarem mais, por conta do
envolvimento da polícia?
— Não vão, eles querem o Ricky vivo para receber o resgate. — Ele
olha a hora em seu relógio de pulso. — Agora, tenho que sair. Júlia, seu
celular está confiscado, estão ligando para ele e dando as pistas, até o
momento concordamos com o valor do resgate e falamos que íamos
providenciar o dinheiro, para ganharmos tempo até achar algo.
O celular do César toca, ele de imediato atende.
— César, quem fala? Sim, mas ela não tem condições... Tem certeza, e
se... Ok. Vou levá-la. — Ele me encara. — Júlia, os sequestradores querem
falar contigo, vão falar somente com você e o Nicholas. Se mais alguém
atender ao celular, fim de acordo.
— Ok. Eu falo. — Em um sobressalto, estou de pé.
— Não, senhora. — Minha mãe me força a sentar-se novamente. —
César, desculpe, mas a Júlia não tem condições mentais para isso. Você não
vai.
— Vou, sim. Estou mais calma, ontem foram muitas emoções.
— Tem certeza? — murmura Nicholas.
— Claro, não vou conseguir ficar aqui, parada, com o Ricky em perigo,
vou ajudar.
— Acorda, seu bosta... Acorda, seu bostinha.
Minha cabeça está latejando, uma dor insuportável.
Não consigo pensar nem abrir os olhos, este gosto de sangue em minha
boca faz com que meu estômago lateje.
— Você precisa tomar água, porque desidratado e morto não tem
serventia nenhuma. Acorda... Seu bosta!
Sinto o meu corpo mover-se de um lado para o outro, mas não tenho
forças para reagir. Quero matar estes porras, vou matar todos eles.
Tenho que me recuperar e arrumar um jeito de sair, preciso saber onde
estou, minha boca está seca, tenho que beber está água, pois este gosto de
sangue está acabando comigo, mas o gosto de vômito está ainda pior.
— Espera... — peço, em um sussurro, ainda com os olhos fechados. —
Me... Ajuda... Preciso... Sentar.
— Como um cara forte, como você, não tem forças?
Ouço uma gargalhada.
— Os medicamentos tiraram sua força, super-homem ou posso dizer
superbosta? — Uma gargalhada sarcástica toma todo a ambiente, entrando
em meus ouvidos como uma bomba. Franzo o cenho, sentindo muita dor em
todos os músculos do rosto, minha cabeça lateja, a cada chute que recebo.
— Ô, seu bosta, acredito que a sua estadia conosco seja curta, sua
família concordou em pagar o resgate. — O filho da puta brinca com a minha
cabeça, como uma criança descobrindo como chutar a bola de futebol, ele
pressiona um pé em cima do meu olho, que não consigo abrir, porque deve
estar todo inchado, depois esse mesmo pé suspende a minha cabeça por
baixo. — Ei, galã! Olha para mim, agora! — ordena.
Forço um olho, preciso vê-lo, ele abre, semicerrado, minha visão
completamente turva, não consegue assimilar a imagem à minha frente.
— Vou ajudar você a sentar, mas não acostuma. — Ele me ajuda a
sentar, encostando minhas costas na parede como se eu fosse um saco de
bosta. — Agora, tome a água, que o chefe quer te ver, ele está ansioso para
falar com você. — Com dificuldade e com as mãos trêmulas, consigo pegar a
garrafa de água que está com um canudo e tomar um gole.
— Chefe... Quem ele é? — Pronuncio, com dificuldade, pois minha
boca está doendo pra caralho, por conta de um corte.
— Ele vai falar com você... agora tome a porra desta água.
Consigo aspirar um gole maior de água, que desce pela minha garganta
como ácido, queimando, e sobe instantaneamente, minha cabeça fica
suspensa e minha boca jorra um líquido amarelo.
— Você está mal, vomitou de novo...
Não consigo responder.
— Porra...Vamos ver se você consegue comer.
Ouço a porta fechar.
Estamos todos na casa do meu tio Jorge, o pai e a mãe de
Ricky e Nicholas chegaram.
Robert e Sara McGuire estão extremamente abalados com o sequestro,
então recebi somente um abraço de ambos e, sinceramente, mesmo que sejam
os pais de Ricky, estou tão assustada, que não consigo ficar ao menos tensa
com a presença deles. Eles falam com a polícia sobre todas as possibilidades
e possíveis desconfianças, se inteirando dos fatos. A Sara é uma mulher com
gestos simples, já o Robert, um homem troncudo e rígido em suas ações.
Impressionante é a ação da polícia, parece coisa de filme. Quando se tem
dinheiro, as coisas funcionam. Querem que fique tudo em sigilo, para que a
imprensa não saiba e assim não fazerem uma grande feira em torno do
assunto.
— Júlia, olhe estas fotos, são dos funcionários do buffet. Alguém é
familiar? Talvez tenha visto em algum lugar, em sua rotina ou do Ricky? —
pergunta o investigador César.
— Deixe-me ver.
Folheio as fotos, não me lembro de nenhum deles, em nenhum lugar por
onde Ricky e eu frequentávamos.
Mas folheando pela segunda vez, sinto falta de um rosto. O garçom que
esbarrou e derrubou a bandeja, não o vejo nas fotos. Folheio pela terceira e
quarta vez, e não vejo ninguém que se pareça com ele.
— Alguém? — ele pergunta, intrigado.
— Na realidade, falta alguém. Um garçom que esbarrou em mim, com
uma bandeja cheia de taças. Lembro-me bem do rosto dele, por conta do
acidente. Ele não está aqui — respondo, sem hesitar, devolvendo as fotos.
— Estranho... estão todos aqui. Você pode descrevê-lo?
— Sim, ele era magro, mais ou menos do seu tamanho, cabelos pretos e
olhos assustados. Olhos grandes, sabe? A pele de era clara, acredito que seja
isso. Ele ficou bem apavorado com o incidente.
— Será que ele faz parte...? — perguntou Nicholas, cerrando os dentes.
— Não podemos descartar nenhuma possibilidade e ninguém, neste
momento — afirma César.
— Gente, olha isso. — Rubens se aproxima extremamente nervoso. E
nos mostra a tela do seu Iphone. — Caiu na web, os principais sites de
notícias estão noticiando o sequestro do Ricky.
“Richard McGuire, filho de Robert McGuire, dono da W.E Universities.
Foi sequestrado nessa noite de sábado, ainda não conseguimos falar com a
família e a assessoria de imprensa da W.E ainda não se pronunciou.’’
— Como? Não pedimos discrição para todos? — adiciona Nicholas,
impaciente.
— Talvez algum funcionário do buffet possa ter vendido esta
informação, ou algum convidado da festa? — Rubem pergunta para César.
— Pode ser. — César joga os braços sobre a cabeça.
— Que porra! — Nicholas esmurra uma parede, mostrando o seu
descontrole.
A mãe do Ricky não consegue sair do celular, por conta de os familiares
estarem querendo saber notícias, alguns querem vir para o Brasil.
Agora o pai do Ricky, Robert, é um senhor muito sério e centrado com
as informações vindas da polícia e da equipe particular montada pelo
investigador César. Vejo que Nicholas está ao celular com a Ellen, que, ao
que me parece pela sua expressão, está desesperada.
O meu celular toca e todos neste momento voltam a atenção para o
aparelho.
— Ellen, nos falamos depois. — Nicholas desliga o celular, com os
olhos inchados. — Atende com calma, Júlia.
— Júlia... — César me entrega o aparelho.
A mãe do Ricky, Sara, olha para mim, com os olhos vermelhos e
suplicantes.
— Tenta manter a calma, eles vão testar você — César avisa, com
cautela.
Pego o aparelho, com as mãos trêmulas, e atendo.
— Alô...
— Olá, Júlia. Como você está? Melhor?
Esta voz, rouca e de filme de terror, me apavora.
— Sim, estou... — Minha voz trêmula denuncia o meu nervosismo.
— Estava preocupado...
Vai para o inferno, seu merda. É isso que eu quero falar para esse bosta,
mas tenho que manter a calma.
— Como está o Ricky, posso falar com ele?
— Acho que não...
— Por que você acha?
— Então, ele não está muito bem...
Neste momento, a mãe do Ricky solta um grito e em seguida coloca as
mãos sobre a boca, para abafar seu choro.
Eu tenho que ser forte, tentar manter o controle. Coisa que não tenho
quando o assunto é o Ricky.
— O que vocês fizeram com ele? Já sabemos o que são capazes de fazer
e vamos pagar o resgate, então não tem por que machucá-lo mais. Por favor.
— Você o ama muito, certo?
— Sim, o amo mais que tudo... — Balanço a cabeça com lágrimas
contínuas nos olhos.
— Então, por qual motivo... — há uma pausa e posso ouvir a respiração
dele acelerar —... a mídia está noticiando o sequestro de Richard McGuire,
você... Consegue... ME EXPLICAR?
Ele está nervoso, muito nervoso.
— Não sabemos como vazou, eu juro, pode ter sido alguém... Mas não
sabemos quem... — Um medo toma conta do meu corpo, fazendo-me chorar
descontroladamente. — Por favor, não o machuque, por favor...
Nicholas puxa o celular das minhas mãos.
— Seu bosta dos infernos, se vocês fizeram mais alguma coisa com o
meu irmão, eu...
Tu Tu Tu Tu é o que podemos ouvir na linha.
— Filhos da puta... Filhos da puta... — xinga Nicholas, enquanto anda
de um lado para o outro.
Ouvimos o bip de recebimento de mensagens, vindo do celular.
Nicholas olha e abaixa a cabeça.
— O que foi, Nicholas, fala? — pergunto, em pânico.
— É outro vídeo...
— Deixa eu ver. — César pega o celular com o Nicholas e o acessa.
Podemos ouvir o som dos gemidos de Ricky. A Sara corre até César,
pegando o celular, quando vê as imagens, ela grita com o desespero e
desmaia em seguida.
— Sara, por favor... Chamem um paramédico. — Com um português
arrastado, o Robert vai ao encontro da mulher para socorrê-la. Nicholas a
coloca no sofá, minha mãe pega algo para abaná-la.
Estamos todos desesperados. Eles estão nos torturando, sabem o quanto
ficamos frágeis com o primeiro vídeo, então estão mexendo com o nosso
psicológico. Não sei o que farei, se acontecer algo com Ricky. O amo tanto,
que é impossível viver sem ele.
Um policial chama o investigador, que tenta disfarçar, afastando-se com
discrição. Estamos todos tentando acordar a Sara ou levá-la para o hospital,
temos um impasse referente a isso, entre o Robert e meu tio Jorge.
Vou atrás do César, quero saber o que está acontecendo. Vejo os dois
conversarem e César olhar atentamente para alguns papéis, virando-os em
vários ângulos. Depois, ele os coloca na mesa onde estão as outras fotos e
analisam com cuidado. Eu vou mais perto, talvez possa reconhecer alguém.
— César, algo errado?
— Sim, na verdade, temos alguns rostos que apareceram na câmera de
um comércio em frente ao prédio do Ricky, este mesmo rosto, apareceu mais
duas vezes, e um segundo rosto bate com a descrição do garçom fantasma.
Você pode ver?
Ele me entrega algumas folhas de papel, eu olho atentamente, porque as
imagens estão embaçadas, mas reconheço o homem alto, é o garçom. Em
uma foto, ele está parado com caixas, na sequência, ele coloca as caixas no
chão e, na outra, ele amarra os cadarços.
— Sim, é ele, o garçom que derrubou a bandeja.
Eles arregalam os olhos, o outro policial ao lado faz anotações. Eu
folheio mais duas folhas e vejo um outro rosto familiar, olho mais de perto.
Não é possível. Olho outras fotos com o mesmo rosto. Não pode ser. Não.
Não. Nãooooo. Solto as folhas, que se espalham no chão.
— Mãe! — grito. — Mãe...
Falta-me ar nos pulmões, já não consigo mais me mover. Minha mãe
olha a minha aflição ao chamá-la, e vem, às pressas.
César e o policial não entendem, o policial tenta recolher as folhas do
chão e o César, com olhar impassível, coloca as mãos no meu ombro.
— Júlia, você está pálida. O que houve?
— Júlia, filha, pelo amor de Deus, o que foi? — Minha mãe,
desesperada, tenta me acalmar.
— Você conhece o homem das fotos? — indaga César.
Eu coloco as mãos no rosto, a fim de afundar meu pânico.
— Sim, é meu pai.
Hélio ergue a minha cabeça, segurando meu queixo, seu olhar
calmo, porém, irônico, demonstra a sua frieza, seus olhos vermelhos e seu
hálito de cigarro barato, me fazem sentir ainda mais repulsa por este cara, ele
vira o meu rosto de um lado para o outro, avaliando a destruição feita, e sorri,
como um sádico.
— Não olhei bem nos seus olhos quando você estava com a minha filha,
agora posso olhar você melhor. — Ele inclina seu rosto, ficando bem à frente
do meu, seu olhar intensifica o quanto ele gosta deste cenário a qual ele me
colocou, noto uma fascinação em seu rosto.
— O que você quer? — Meus olhos, fodidos, demonstram a minha ira,
se eu me soltasse agora desta cadeira maldita, eu mataria esse filho da puta.
— Além de vê-lo assim, todo fodido? Dinheiro! — Ele levanta-se,
pegando em seu bolso uma cigarreira, abre-a, pega um cigarro, coloca em sua
boca, e o acende com o isqueiro, depois da primeira tragada, pressionando os
olhos, soltando a fumaça bem devagar pelo nariz.
— Mas por que eu? Você sabe que sua filha não vai te perdoar por isso.
— Minha filha... Aquela idiota, parecida com a mãe dela. — Traga mais
uma vez o cigarro e solta a fumaça pela boca, enquanto fala. — Eu tentei me
aproximar, falar com ela. Mas qual foi a resposta? Menina insolente, me
humilhou. — Ele me encara. — Bom discurso, não acha? — O fio da sua
boca escura abre-se para um sorriso irônico. — Eu não estou nem aí para
aquela garota, meu interesse nela era você.
Ele pigarreia e depois começa a tossir sem controle. Quando ele para,
sinto que está desconfortável, coloca a mão no peito, joga o cigarro no chão e
pisa em cima, para apagá-lo. Depois pega uma cadeira e senta-se na minha
frente.
— Este sequestro é uma vingança? — Cuspo o sangue parado na minha
boca.
— Não, isso é dinheiro, meu caro, você é minha mina de ouro. — Ele
aponta um dedo na minha testa. — Aquela idiota da minha filha, só teve o
prazer de unir nós dois.
Abrem a porta atrás de mim.
— Chefe, tudo certo, vamos?
Ouço a voz do primeiro porra com que falei quando vim parar neste
cativeiro maldito, mas não tenho forças para nenhuma reação, estou muito
fraco e enjoado. Estas drogas que eles estão aplicando em mim estão
acabando comigo, mal consigo pensar direito.
O único rosto que está claro na minha mente é o da Júlia, imagino como
ela está sofrendo, provavelmente vai se sentir culpada quando souber que é
seu pai por trás do sequestro. E a minha mãe, dona Sara, deve estar destruída
com tudo isso.
Não sei se vou sair vivo desta porra, pelo o que eles conversam, a ideia
é o dinheiro. Eles não fizeram questão de se esconderem, não usam máscaras,
o pai da Júlia fez questão de apresentar-se. Se não há receio que saiba quem
são os meus sequestradores, não terão receio em pegar o dinheiro e acabar
comigo, sem deixar vestígios.
— Richard McGuire, vamos sair um pouco, para terminar com esta
bosta de sequestro, preciso do mar, não saia daí. — Seu tom sarcástico faz
meu sangre ferver. — Magro, vê se ele toma um pouco de água antes de
sairmos, ele não pode morrer... Ainda.
— Certo, chefe, vou buscar.
— Até mais, meu genro — diz, dando dois tapas leves no meu rosto, e
virando de costas em direção à porta, mas ele não a fecha, sei, porque um
vento leve e contínuo passa pelos meus pés descalços.
O primeiro porra volta, senta-se na minha frente, com um copo com
água e coloca o canudo no canto da minha boca, meus olhos fodidos encaram
o dele, que debocha com um sorriso, aspiro um pouco de água, que
instantaneamente hidrata minha boca seca e com gosto de sangue.
Sugo mais um pouco de água, desta vez consigo tomar mais. Quando
vou tomar um pouco mais, ele puxa o canudo da minha boca. E logo em
seguida chuta a minha cadeira, eu caio amarrado, batendo cabeça
violentamente no chão, meu rosto espreme-se com a dor latejante, até o preto
dominar por completo minha mente e eu perder os sentidos.
— O sequestrador do meu irmão é seu pai?
Como uma grande explosão, a voz do Nicholas ecoa, abatendo
violentamente a minha consciência, com passos largos, ele atravessa a sala,
parando na minha frente, seu corpo transmite fúria e seus olhos, ao me
encarar, me esmagam, com a pergunta acusatória.
— Eu... — minha boca seca tenta responder, mas é impossível, eu me
faço a mesma pergunta, e meu coração esmagado com a imagem do meu pai
e do Ricky espancado, aparecem na minha mente, como slides repetitivos.
— Eu quero ver essas fotos. — Minha mãe vai até o policial que
recolheu as folhas do chão, pega-as com brutalidade e começa a folheá-las.
— Não pode ser, maldito. Vocês têm certeza de que ele está envolvido?
— Não sabemos — César diz, surpreso. — Ele aparece em vários locais
aonde o Ricky e a Júlia costumavam ir. — Ele vira-se para mim. — Você tem
contato com seu pai? Por que ele sequestraria o Ricky?
Minha mãe se apressa a responder:
— Porque ele é um bandido maldito. O Hélio estava preso, acredito que
faz mais ou menos dois meses que saiu da prisão. Ele foi condenado por
sequestro e outros delitos que vocês vão descobrir.
— Preciso do nome dele — exige César, enquanto pega um bloco de
anotações.
— Hélio Mauro. — Minha mãe abaixa a cabeça, balançando, como se
quisesse apagar esse tormento, depois subitamente a levanta e fixa os olhos
nos meus. — Ele veio atrás de você? Responde, como o reconheceu, se faz
anos?
— Ele... — Fecho os olhos por alguns segundos, tomando fôlego. —
Ele veio atrás de mim, na universidade, mas eu o ignorei e depois nunca mais
o vi.
— Eu sabia, este silêncio dele, maldito! — minha mãe grita. — Você
não podia ter me escondido isso, Júlia!
— O que queria que eu fizesse? Preocupá-la? Você já estava uma pilha
por saber que ele sairia da prisão, imagine se soubesse que ele veio atrás de
mim.
— Temos um suspeito, Hélio Mauro, quero tudo sobre ele, agora —
César fala para o policial que recolheu as folhas de papel com as fotos, ele
assente e sai. — Agora vamos montar este quebra-cabeça e achar o
Ricky.
Nicholas se afasta, em silêncio, observando tudo. Neste momento, só
estão na sala minha mãe, César, Nicholas e eu. Os demais foram para o
hospital, acompanhar a Sara, por conta do desmaio.
— E se vocês fazem parte disto? — indaga Nicholas, com sua voz rouca
e amarga.
— Nós o quê? — pergunto, incrédula, sem acreditar em suas palavras.
— Vocês fazem parte desta quadrilha, tudo isso é muito estranho.
— Calma, Nicholas, não acredito que a Júlia... — argumenta César.
— Ela enfeitiçou meu irmão. — Ele aponta para mim, como se estivesse
em um tribunal, condenando um assassino. — Para o pai dela fazer essa
merda.
Coloco a mão sobre a minha boca, para abafar meu choro, não posso
acreditar no que estou escutando. Como ele pode pensar que eu possa fazer
tamanha crueldade? Ele não conhece a minha história com Ricky e não me
conhece, para deduzir algo tão horrendo. Quero sair correndo, sumir, não
consigo pensar em tal acusação.
— Menino, você tem consciência do que está falando? — Sua voz
embargada, demonstra que a minha mãe está contrariada com a acusação. —
Minha filha não tem contato com este bandido desde um ano de idade. Não
fala assim com ela, você não está vendo o seu desespero?
— Não tenho certeza de mais nada, meu irmão pode morrer na mão
desses bostas. Detalhe, que a família de um dos bostas está aqui. — Ele
esmurra a parede.
César vai até ele.
— Calma, Nicholas. Agora temos um nome, vamos encontrá-lo. A
entrega do resgate é amanhã. Vamos pedir mais um dia para a liberação do
dinheiro, assim teremos 48 horas para caçar estes porras.
Nicholas vira-se para mim e minha mãe.
— Eu quero estas duas fora daqui! — ele ordena, com as mãos sobre a
cabeça.
— Não! Eu não posso ficar longe, Nicholas, não posso. — Meus olhos
imploram, não posso me distanciar.
— Não confio mais em você, Júlia.
— Nicholas, por favor. — Seguro seu rosto com as palmas das mãos. —
Não faça isso — suplico. — Eles querem falar somente comigo.
— Estranho isso também, não acha? — Suas mãos seguram os meus
pulsos e, com um movimento brusco, ele libera seu rosto e afasta-se.
— Nicholas, pelo amor de Deus... — insisto, na tentativa de convencê-
lo.
Ele vira-se para César.
— César, eu posso autorizar a saída delas. Certo?
— Nicholas, calma... — César tenta acalmá-lo.
— Posso, porra?
— Sim, pode.
— Então, está autorizado.
— Não, eu não vou sair daqui. Não consigo ficar longe. Por favor,
César?
— Júlia, desculpe, mas ele... É familiar. Melhor você ir para a casa, e
damos notícias.
— Você não acredita nessa merda que ele falou? Acredita?
Ele coloca as mãos nos meus ombros.
— Júlia, eu sou policial. Então desconfiamos de tudo, mas fica tranquila,
e vai com sua mãe para casa.
— Vem, Júlia, vamos.
— Mãe...
— Por favor, me obedeça.
Eu olho para eles.
Nicholas vira-se de costas e senta-se no sofá. César está com o ar de
profissional, deixando as emoções de fora. Minha mãe me cobre com os
braços e saímos, do lado de fora alguns repórteres tentam nos abordar com
especulações, mas eu ignoro e entramos no carro.

Em casa, vou direto para o meu quarto, arrastando o meu corpo como
um fardo, jogo-me na cama, como se estivesse me jogando no abismo, minha
mãe coloca o edredom sobre meu corpo encolhido e tenta conversar, mas eu
fecho os olhos, carregados de tristeza.
Ela entende, me deixando sozinha, abraço o meu travesseiro, como se
pudesse dividir com ele a minha dor e choro como nunca.
Ele não podia desconfiar de mim.
Como pôde me expulsar daquela forma?
Vou morrer sem notícias do Ricky. Meu corpo inteiro está doendo,
como se estivesse em colapso. Como meu pai, quer dizer, esse homem, foi
capaz de fazer isso, por quê? Pelo dinheiro, é claro, mas no caso do Ricky, é
para me ferir, certamente. Por não ter conversado com ele, quando tentou se
aproximar.
Maldito! Maldito! Maldito!
O ódio que tenho por ele aumenta, fazendo meu coração, já ferido,
sangrar ainda mais. Não basta o que ele fez com a minha mãe, a ferindo
mentalmente e fisicamente, agora ele quer acabar com a minha vida.
Olho para minha mesinha de cabeceira e pego o porta-retratos, tem uma
foto minha e do Ricky, quando fomos para o Sul, na Serra, Ricky e eu
abraçados no pôr do sol, coloco-a em cima do meu peito, as lembranças me
vem à cabeça. Nestes últimos meses vivemos um romance intenso, nos vimos
quase todos os dias e nos entregamos ao nosso amor.
Impossível reconhecer o Ricky que conheci, totalmente pragmático para
o meu namorado amoroso e apaixonado. Não sei viver sem ele e preciso
encontrar uma forma de voltar para a casa do meu tio e ficar por dentro da
investigação.
Horas passam e não consigo dormir, olho pela janela e já amanheceu,
vou até a cozinha e bebo um copo de água, volto para o meu quarto e deito-
me novamente, minha mãe, de hora em hora, me espia no quarto, onde eu
vegeto o dia inteiro.
A noite chega e o meu dia foi andar pela a casa e deitar na cama. Não
consegui comer, nem tomar banho e minha cabeça está no Ricky.
Ligo a televisão para ver as notícias. A Ellen dá uma entrevista rápida ao
entrar na casa do meu tio, agora ela está lá e não eu.
Merda.
Ouço vozes na sala e corro para ver quem é, vejo minha prima Mel, que
olha o meu estado lamentável e vem ao meu encontro, com os braços abertos.
Me aconchego em seus braços e choro.
Minha irmã voltou para mim, eu precisava dela, de alguma forma,
independente do que aconteceu, eu ainda a amo.
— Jully, chora, desabafa. Eu estou aqui — ela diz, acariciando meu
cabelo.
Minha mãe nos deixa sozinhas.
— Eu sei, preciso de você.
— Senti sua falta.
— Eu também. — Sentamos no sofá. — Mas me diga, o que está
acontecendo lá?
— Nicholas está surtado, achando que temos algo com o sequestro,
minha família está em um hotel, e a casa, por enquanto, está sob o uso da
polícia, pelo menos até amanhã.
— O que vai acontecer amanhã? Vão pagar o resgate? — pergunto,
temerosa.
— Provável. Mas eles querem pegar os sequestradores.
— Os pais do Ricky acreditaram nas desconfianças do Nicholas? —
Levanto e começo a andar de um lado para o outro, com a minha
impaciência. — Eles acham que faço parte desta merda toda?
— A Sara ainda está no hospital... não sei, o Rubem não me disse nada.
O Nicholas está transtornado.
— Eu sei.
— Mas o César é muito competente e amigo do Ricky. Tudo será
descoberto, você vai ver — completa, com um tom confiante, que acalma
meu coração, por ora.
— Espero... Não sei viver mais sem o Ricky, meu coração está em
pedaços só de pensar no que meu pai, aquele maldito, pode fazer com ele.
— Ainda não temos certeza se o seu pai é o mandante pelo sequestro.
— Deve ser, eu sinto. Tem alguma coisa nesta história que me intriga.
Ele deve estar envolvido. Não consigo ficar aqui parada, preciso ajudar, de
alguma forma.
— Mas o Nicholas não quer que nos aproximemos. — Ela levanta-se e
segura minhas mãos. — Então, tenta descansar.
— Olha o que eu trouxe. — Entra minha mãe com uma bandeja. —
Júlia, você precisa comer para ficar forte. Quando o Ricky for libertado, você
tem que estar linda para recebê-lo.
— O Nicholas não vai deixar eu chegar perto dele — resmungo,
derrotada.
— Não temos nada a ver com este sequestro, todos vão saber. — Minha
mãe coloca a bandeja na mesa de centro e senta-se ao meu lado. — Você vai
se acertar com a família do Ricky, só tem que manter a calma. — Acaricia
meu rosto. — Agora, coma, por favor. Eu vou aproveitar que a Mel está com
você e vou dar uma passada rápida no salão. Já volto. — Ela beija a minha
testa com carinho, pega sua bolsa e sai.
— Jully, eu sei que agora não é o momento, mas preciso te dizer algo
importante — diz, com o semblante entristecido.
— Mel, estou com a cabeça a mil. Acredito que agora não é a hora certa
para acertarmos as nossas diferenças ou mágoas.
— Mas eu preciso...
— Agora não...
— Só me escuta, por favor... — Seus olhos refletem os meus, quando
suplicava uma oportunidade de me explicar para o Nicholas.
Assinto.
— Preciso te pedir perdão, fui uma tola, idiota. Como pude cair na lábia
daquele... Idiota... Escroto! Juro que não vou colocar a culpa na minha
imaturidade, mas fui relapsa em deixar me envolver. A culpa é minha, não
dele. Eu sinto muito sua falta, não imaginava que sentiria tanto. Você me
perdoa?
Fico por uns segundos olhando para ela e me lembrando da cena, de
chegar toda feliz no apartamento do meu namorado e vê-lo em cima da minha
prima, nua, na cama. Estas imagens ficaram na minha cabeça durante um ano,
depois, conforme não os via mais, elas foram se apagando. Agora, com ela na
minha frente, tudo retorna. Mas chega, preciso virar esta página. Tudo
mudou, eu mudei e não quero mais sentir ódio.
— Eu... — Hesito, encontrando o ar que me falta. — Foi muito dolorido
ver você aquele dia, na cama daquele idiota. Mas hoje, avaliando tudo, o
nosso passado vale mais que aquele momento. A ferida está quase
cicatrizada. Vamos recomeçar... Ok?
Com um abraço e o choro engasgado, nos perdoamos, de certa forma.
Melissa sempre foi muito importante para mim, por isso que a traição dela
me feriu tanto. Mas chegou a hora de perdoá-la. Quem sou eu para julgá-la?
Somos humanas e erramos. Chega de ódio.
Melissa dormiu em casa, conversamos a noite toda, sobre tudo,
principalmente sobre sexo, trocamos experiências sobre os homens McGuire.
Engraçado, somos duas bobas e apaixonadas.
Ela me contou sobre a viagem, o apartamento e o curso que ela quer
fazer. Tudo estava perfeito, até o Ricky ser sequestrado pelo meu pai.
Convenço-a a ligar para o Rubem, para saber notícias, mas está tudo sigiloso,
nada até o momento. Dormimos de conchinha, como quando éramos
crianças. Não consegui parar de pensar no Ricky, mas pelo menos parei de
chorar o tempo todo.
Desperto cedo e ligo a TV, para ver as notícias, já que Rubem não me
informou nada.
Mel e eu tomamos café, eu somente café mesmo, não consigo comer. E
ela vai embora logo em seguida.
As notícias, tanto na TV como na internet, são vagas. Passo o dia
andando igual a uma barata tonta pela casa.
Toda vez que as imagens do Ricky sendo espancado vêm à minha
mente, quebro alguma coisa, estou quase sem xícaras, a maioria está em
cacos no chão.
Meu interfone toca e o porteiro anuncia dois amigos, Guta e Rael. Eu
acabei me esquecendo da W.E, deve estar uma loucura por lá, como eu estou
sem celular, não falei com ninguém nesses últimos três dias.
— Girl, meu Deus, como você está? — Com os braços abertos, a Guta
entra em minha sala.
Minhas lágrimas retornam para os meus olhos e não consigo me conter.
Rael, com um olhar triste, me abraça. Eu tento explicar o que aconteceu,
porém, os meus soluços me impedem. Eles me ouvem e são muito carinhosos
comigo, fiz ótimos amigos, em tão pouco tempo.
— Como o irmão dele pode pensar uma coisa dessa de você? Ele é
louco? — indigna-se Rael.
— Tentamos te ligar, mas você não atendia, assim que vimos a notícia
na TV, viemos aqui, mas não tinha ninguém.
— Meu celular está com eles, é a fonte de comunicação com os
sequestradores. Agora, eu não tenho mais notícias... — Lanço os braços no
ar. — Estou aqui, trancada, sem saber o que está acontecendo.
— A Ellen não foi hoje e estão todos estranhos na W.E com a notícia.
Mas agora me fale, com franqueza, seu pai pode estar envolvido, conforme
você disse? — pergunta Guta.
— Sim... Pior que sim. Maldito, como ele pôde? — falo, já dominada
por um sentimento de fúria, em um impulso, lanço a xícara de café em
minhas mãos na parede.
Guta e Rael se assustam.
Coloco a mãos no rosto e as lágrimas surgem novamente.
— Calma, girl, você precisa ficar calma, já foi parar no hospital, quer ter
outro piripaque? — Guta tenta me acalmar.
— Não entendo como isso pôde acontecer, a culpa é minha, por ser filha
deste monstro.
Rael recolhe os cacos do chão, mas inclina-se para olhar nos meus
olhos.
— Não se culpe, é uma fatalidade. E, outra coisa, você não tem culpa de
ter um pai assim, e ainda não sabemos se foi ele — murmura Rael, com seu
tom cauteloso.
— Gente, vocês não podem contar para ninguém, pelo amor de Deus,
são informações sigilosas. Se a mídia souber, eu não terei mais sossego.
Entenderam?
— Claro, girl. Endoidou? Jamais abriríamos a boca! — exclama Guta.
— Fica tranquila, agora tenta descansar. E se você precisar de qualquer
coisa, me liga. Se pudesse, ficaria mais, mas tenho que ir para a universidade
— diz Rael, jogando os cacos na lixeira.
— Não sei o que fazer, não tenho cabeça para nada.
— Mas é claro que não... — Guta passa as mãos nos meus cabelos. —
Vai dar tudo certo, vão pegar estes bandidos e o Ricky vai ficar bem —
adiciona Guta, transparecendo positividade.
Hoje eles têm aula, assim como eu, mas não tenho cabeça para o
trabalho nem para a universidade. Até que o Ricky esteja a salvo, minha vida
estacionou.
Desperto com água fria em meu rosto, meus olhos inchados
forçam-se para abrir, esforço negado, não consigo, meu corpo pesado tortura-
se a cada respiração, dói tanto respirar; meu estômago, constantemente
dolorido, contorce com uma ânsia permanente.
Ouço vozes, talvez umas três pessoas circulam pelo cômodo, um
cômodo mais amplo, pois sinto uma corrente de ar constante cruzar meu
corpo.
Tenho que abrir os olhos, para tentar identificar o lugar.
Eles estão agitados, os passos estão fortes e contínuos. Pelo o que
percebo, estão se preparando para algo, sinto uma respiração no meu ouvido.
— Ô, senhor bosta, não abra a boca, entendeu? — Um murro na minha
nuca, faz com que minha cabeça latejante balance, suspensa, em meu
pescoço. — Agora, liga, chefe. Vou ficar do lado dele.
— Não abra a boca, meu genro. — Sua mão segura meu rosto, o virando
de um lado para o outro. — Você não é mais tão galã como antes, seu rosto
encontra-se um pouco desconfigurado, desculpe.
Ouço risos e deboches no local, em direções diversas, quantas pessoas
estão envolvidas nesta merda?
— Liga, chefe, o nosso tempo está apertado.
— Fim do jogo, cadê o fone?
— Aqui, chefe.
Esta voz é nova, bem mais grave que as demais.
— Está chamando... vou deixar no viva-voz para o meu genro ouvir.
Minha filha deve estar nervosa para atender. — O cheiro da fumaça do
cigarro barato atravessa o meu rosto, aspiro este cheiro contra vontade, e um
enjoo imediato ocupa meu estômago. — Será que ainda está no hospital?
Menina fraca, não puxou ao pai.
Vou ouvir a voz da Júlia, isso me concede um fio de vida... Espere, ele
falou hospital? Não suportarei, se acontecer algo com a Julia, eu...
— Alô...
É a voz do meu irmão.
— Como vai, cunhado?
— Não muito bem e você?
Nicholas, sempre sarcástico.
— Eu? Estou ótimo! Quero falar com a Júlia.
— Como eu te disse, a Júlia está internada por conta do colapso nervoso,
vamos finalizar isso. Como está meu irmão, gostaria de falar com ele, posso?
Minha linda está internada.
— Você não está mentindo, referente à Júlia, está?
Percebo que o seu tom é duvidoso, por que motivos o Nicholas
mentiria?
— Os vídeos que vocês mandaram, acredito que seja o suficiente para
ela estar no hospital.
Vídeos? Eles filmaram quando me batiam? Meu Deus, meu amor deve
estar sofrendo muito. Eu preciso sair daqui. Preciso sair vivo daqui.
— Posso falar com o meu irmão? Por favor!
— Ele ficou educado. — Todos os presentes riem, um riso debochado,
só não sei quantas pessoas estão na sala, meus olhos não abrem. — Certo,
cunhado, fale, ele está te escutando.
— Meu irmão está aí?
— Sim, está!
— Mano, Ricky.... — Ouço a voz rouca de Nicholas ficar embargada.
— Vamos pagar para eles, e você vai ser libertado. Estamos todos esperando
você, mano.
Há uma pausa, Nicholas está nervoso.
— Estamos esperando você, Ricky. Por que ele não fala? Vocês o
doparam?
— Fica calmo, cunhado. Talvez só não queremos que ele fale. Mas o
cara está bem, está até corado. Agora, até mais, ligo em uma hora.
Tu tu tu tu...
— Quase, passou da hora, quer que eles nos rastreiem, chefe?
— Não farão, o Brigadeiro tem tudo sob controle, ou... — Um silêncio
toma conta do cômodo. — O cunhado estava calmo demais, eles devem ter
algo, por mais que o plano seja perfeito, sei que tem, merda. — Ouço o
barulho de alguma coisa quebrar com sua queda, deve ser uma cadeira. —
Então, vamos aos detalhes finais, leva ele e injeta um duplo.
Como? Mais drogas, meu corpo inútil não consegue reagir às palavras
deste filho da puta.
— Chefe, tem certeza? Talvez ele não volte mais.
— Foda-se, faça agora.
Meu corpo move-se e as minhas pernas, inválidas, percorrem o solo, um
impulso violento ergue o meu corpo, que sente o impacto doloroso da queda
no chão. Alguma coisa pressiona meu tórax, e alguém estica o meu braço. A
violência das ações vindas de diversos ângulos, faz com que meu corpo se
contorça com uma dor que já não sei mais descrever. O ardido de um líquido
extremamente quente percorre minhas veias, deixando-as pulsantes e ávidas,
permite rapidamente uma sensação anestésica, porém, flutuante e, ao mesmo
tempo, atordoante. Tira-me a dor por alguns segundos, meu corpo torna-se
leve e minha mente trabalha a mil.

Como uma memória, meu corpo viajante é capaz ver a Júlia ao meu
lado.
— Obrigada, as flores são lindas. — Seus olhos percorrendo meu tórax,
me excitando ainda mais.
— Você disse que queria flores...
— Rosas vermelhas, significa amor eterno.
— É isso que eu quero com você, linda.
— Jura? Não está brincando comigo?
— Não brincaria com você!
Nunca seria capaz de brincar com ela, o que tenho ao lado da Júlia é
VIDA, não sabia o que era viver até conhecê-la, seu corpo completamente nu
me vem à memória...
— Chocolate e você são os melhores sabores que já provei — digo,
enquanto engulo o mamilo pontudo de Júlia.
— Ainda prefiro ganhar do chocolate, mesmo sabendo que é difícil.
— Eu estou apaixonado.
— Por mim ou pelo chocolate? — Posso ver um sorriso pretencioso
aparecer na sua face perfeita.
— Por você, garota. Nunca fui tão feliz como sou quando estou com
você, seu beijo, sua boca e seu corpo me pertencem.
— Meu coração também é só seu.
Meus olhos doloridos são capazes de avaliar o quanto ela me ama. Posso
ver através dos seus gestos carinhosos e sua entrega.
A sensação flutuante está sumindo, dando espaço a um peso, e, meio que
repentino, um fervor percorre meu corpo, como se o queimasse a cada
respiração, não quero mais respirar, não quero mais pertencer a este corpo
inútil, minha cabeça... minha cabeça, uma dor abatida com o pavor de sentir...
Não quero mais sentir, me tornei um fraco, eu sou um fraco, sim, sou um
bosta fraco.
Gemidos gritantes saem da minha boca, junto com a minha respiração
cuspida.
Como pude ser um idiota e deixar que eles me pegassem? Como não
desconfiei do olhar daquele filho da puta, na frente da universidade. Meu
corpo... meu corpo, não quero mais meu corpo, ele está queimando....
Ei... O que esse idiota está tentando fazer com a Júlia?
— Ninguém vai ficar sabendo. Acho você linda... E...
— Mas ela tem namorado!
Eu vou matar esse cara.
— Ricky? Você... — ela diz, confusa, me olhando com os olhos
arregalados, a Júlia está muito nervosa, suas palavras não saem com clareza.
— Não estava no Rio?
— Estava, agora estou aqui.
Sai de perto dela, seu bosta, minha fúria vai acabar com esse seu rosto.
Edu franze o cenho, olha para Júlia, depois para mim, e levanta suas
mãos.
— Vocês estão juntos? — Sua pergunta óbvia me irrita ainda mais.
— Não — diz Júlia.
— Sim — apresso-me a responder.
Não?
— Sou o namorado dela. Porém quero discrição, acredito que posso
confiar em você. Certo?
Babaca.
Ela disse não, como assim? Dei todos os sinais possíveis para que ela
tivesse esta certeza.
— Claro, com licença.
O idiota sai correndo.
E apresso-me a beijá-la, não sei como conseguir ficar um dia sem sentir
seus lábios no meus, seu gosto envolve a minha boca e sou capaz de
esquecer, por alguns segundos, o desespero dolorido e queimante que se
apossou do meu corpo. Pensar na Júlia me traz paz, paz, paz...
Preciso me livrar... me livrar de que exatamente? Não consigo conter um
nó duplo que está sendo produzido no meu estômago, e o líquido queimante
percorre meu corpo novamente, em direção à minha garganta.
— Boa noite, senhor. Deseja alguma coisa?
Viro-me, um rapaz, funcionário do buffet, está me encarando.
— Não, somente atender ao meu celular. Na Adega não tem sinal.
Melhor eu ir para o jardim e sair da cozinha, com licença... — Atravesso a
cozinha até o jardim. — Acredito que aqui consiga atender...
— Richard McGuire?
Viro-me novamente, outro rapaz funcionário do buffet, com olhos
grandes e expressivamente atentos, me chama.
— Sim, sou eu!
— A sua namorada, Júlia, está esperando você em seu carro. Ela estava
muito nervosa, pediu para eu avisá-lo.
— Como? Sabe o que houve?
— Ao que me parece, uma discussão com a aniversariante, ela estava
chorando muito, senhor.
— Certo, obrigado. Vou encontrá-la.
Eu preciso encontrá-la, meu ar.... Cadê ela... Júliaaaaaa. Minha voz sai
cuspida, assim como a minha respiração sai jorrada, líquida, dando espaço
para que eu respire. Por que tem passos ao meu redor? Muitos passos, parem
de andar, parem de andar, porra, meu corpo move-se de baixo para cima,
sinto um toque, vários toques, toques desesperados, toques e gotas, algumas
gotas atingem meu rosto, que é sacudido, gotas... gotas e uma voz, posso
ouvir uma voz entrar pelos meus ouvidos confusos, uma voz, não consigo
assimilar as palavras pronunciadas, e estas gotas que caem no meu rosto,
agora são muitas...
— Ricky... Ricky... Ricky... reaja, irmão.
Irmão, meu irmão... esforço-me para entender, raciocinar... irmão.
— César, o que fizeram com ele? Ele está morto!
A porta abre-se com uma certa violência, minha mãe, com a
respiração ofegante e a pele pálida, olha para mim.
— Mãe, o que houve? — Levanto, em um sobressalto.
— Acharam ele.
— Acharam o Ricky! — grito, com empolgação, meu corpo, dominado
pela emoção da notícia, dá sinal de vida.
Graças a Deus.
— Onde ele está? — Lágrimas aparecem em meus olhos cansados. —
Preciso vê-lo — digo, enquanto abro o guarda-roupa, preciso trocar o pijama,
por uma roupa decente. Meu Deus, obrigada. Preciso ir até ele, estou
tremendo de ansiedade. — Mãe, ele foi para hospital? — Olho para minha
mãe, que não sei por qual motivo está intacta na porta, seu olhar atribulado,
deixa-me angustiada. — Aconteceu alguma coisa com o Ricky?
Ela caminha na minha direção, parando na minha frente, e contém as
minhas ações.
— Júlia, presta atenção — ela diz, seu tom é cauteloso.
Apavoro-me.
— Aconteceu alguma coisa com o Ricky? — grito, desesperada, meus
olhos que continham lágrimas alegres, agora mostram a minha angústia. —
Fala, mãe.
— A Mel falou que o Ricky foi para o hospital, ele está muito
debilitado.
— Meu Deus... debilitado, é grave, mas... — Ele está vivo, repito para
mim mesma, acreditando no melhor, ele está vivo. — Eu vou até lá. — Viro-
me para sair, vou de pijama mesmo, não há tempo para eu trocar de roupa.
— Seu pai, Júlia.
Permaneço de costas.
— Então, foi ele?
— Sim. — Minha mãe solta um longo suspiro.
— Desgraçado. — Viro-me. — Ele voltou para a prisão?
— Não.
— Conseguiu fugir? Merda.
— Júlia... Ele... Ele... o mataram.
— Como?
— Com o confronto, morreram dois dos sequestradores, e três estão
presos. Júlia, seu pai está morto, entendeu?
O tempo pausa para mim e não sei qual o sentimento que sobressai neste
momento, meu amor pelo Ricky ou meu desprezo pelo meu pai. Não tive
contato com esse homem, apesar de qualquer coisa, ele só me trouxe dor. E
agora está morto, me pergunto o que devia sentir neste momento, porque o
ódio, permanece. E a imagem dele na minha cabeça nada mais é como uma
sombra negra.
— Em qual hospital o Ricky está?
— Júlia...
— Não... Não... Em qual hospital o Ricky está?
— Certo, eu levo você.

Chego à recepção, desesperada, quase não consigo entrar com a


quantidade de repórteres que têm na entrada. Os caras sabem de tudo muito
rápido e sempre estão prontos, impressionante.
Olho ao redor e não vejo ninguém conhecido, vou até a recepção,
preciso perguntar.
— Boa tarde, onde estão os familiares de Richard McGuire?
— Jully...
Viro-me, é a Melissa vindo na minha direção.
— Mel, onde está o Ricky, preciso vê-lo? — Seguro seus braços,
minhas mãos suadas, demonstram o meu nervosismo.
— Jully, não sei bem. — Ela olha de um lado para o outro, como se
procurasse alguém.
Seguro seu rosto e fixo meu olhar no dela.
— Qual andar ele está? — Meu tom urgente assusta a Melissa, que
segura os meus punhos, afastando delicadamente as minhas mãos do seu
rosto.
— Jully, ninguém pode se aproximar... Cadê sua mãe?
— Está estacionando o carro. Eles precisam saber que eu não tenho nada
a ver com isso, preciso ver o Ricky, Mel.
Ela tapa a minha boca com uma das mãos, enquanto me arrasta para um
canto discreto do hospital.
— Jully, não fala nada sobre isso aqui, o caso do Ricky é complicado,
você sabe por quê? — sussurra.
— Eu preciso vê-lo, Mel — peço, com a voz embargada.
Ela me olha por alguns segundos, coloca uma das mãos sobre a testa,
balançando-a como se não tivesse escolha, segura o meu braço, me
arrastando para o elevador, antes que eu, descontrolada, fale demais.
Subimos, caladas, meu corpo está tremendo, preciso saber como Ricky está.
Quando saímos do elevador, saio desesperada, entrando na primeira sala
à frente, lá eu vejo a mãe e o pai do Ricky, muito abatidos, sentados no sofá.
A Sara está com a cabeça baixa, escorada nos ombros de Robert, que, com
carinhos suaves, a consola. Há mais algumas pessoas que não conheço, olho
um pouco mais distante, vejo a Ellen, com o Nicholas e o César.
A Ellen, com os olhos vermelhos, percebe a minha presença, colocando
uma das mãos no ombro do Nicholas, que se vira em seguida. Ele me fuzila
com os olhos, vindo como um raio na minha direção, César vem atrás dele,
tentando contê-lo.
Todos os olhares voltam-se para mim.
— O que você está fazendo aqui?
— Nicholas, pelo amor de Deus, preciso vê-lo.
— Ah, você quer vê-lo? — ironiza.
— Calma, Nicholas — diz César.
— Calma um caralho, você viu o que seu pai maldito fez com o meu
irmão? — Ele aponta para mim, seus olhos furiosos me condenam.
— O que ele fez? — Coloco as mãos sobre a boca, temendo a resposta.
— Se nós não tivéssemos encontrado o Ricky... — Ele hesita. — É
provável que agora ele estivesse morto.
— Não... Mas eu não tenho culpa, eu juro.
— Como não? — Ele se aproxima ainda mais de mim, seu corpo grande,
transbordando ódio, cobre-me, como se quisesse me esmagar. — Você trouxe
esse homem para a vida do meu irmão... Que agora está em coma.
— Em coma — sussurro, meu corpo dolorido se encolhe, ele realmente
está me esmagando, não aguento mais tudo isso, estou exausta, preciso ver o
Ricky, olhar para ele, ver se ele está respirando.
— Calma, Nicholas. — Mel toma a minha frente. — Minha prima não
tem nada a ver com isso, ela está sofrendo.
— Cala a boca — ele responde, grosseiramente.
— Nicholas, não fala assim com ela — diz Rubem, dando um passo à
frente. — Estamos todos nervosos, mas calma.
— Vai embora, você não vai ver o meu irmão. — Ele aponta para o
elevador, me expulsando.
Meus olhos acompanham o seu braço, e voltam-se grosseiramente para
ele, o encaro, como se pudesse exterminá-lo da minha frente.
— Eu não tenho nada a ver com isso, seu insolente, não tenho contato
com meu pai há anos. — Minha respiração está acelerada, posso sentir meu
rosto queimar. — Por que você está com tanto ódio de mim?
— Eu sabia que você tinha algo diferente, quando a vi com meu irmão.
— Seu olhar duvidoso me enfurece ainda mais.
— Eu...
César segura o meu braço e tira-me do círculo de horror.
— Júlia... — Seu olhar compassivo me detém. — O Ricky está muito
debilitado, por conta dos espancamentos sofridos e algumas drogas que
aplicaram nele.
— Eu sei, só quero vê-lo...
— Estão todos nervosos hoje, acredito que não seja possível, mas tudo
será esclarecido e, aí sim, você vai poder vê-lo — conclui César.
— Agora, saia daqui... — Nicholas grita, ao fundo, grosseiramente.
— Chega! Não suporto mais você me tratando como se eu fosse uma
criminosa ou um lixo, eu estou sofrendo. Amo o Ricky.
— Calma, Júlia, é melhor você ir — diz Ellen, com ar de superioridade.
Ah, não.
— Agora, está tudo certo. — A dona Ellen abriu a boca. — Sei o que
quer.
— Eu quero respeito no hospital, e não há neste momento. — Suas mãos
posam nos ombros do Nicholas, pedindo calma.
Vaca dos infernos.
— Você não vai ver meu irmão... César, restrinja o acesso ao andar
somente para familiares — Nicholas ordena, seu tom de desprezo me faz
perder o ar.
Ele não pode fazer isso.
— Calma, Nicholas — interrompe Sara, enquanto caminha na minha
direção. — Júlia, infelizmente não fomos apresentadas antes, somente neste
momento lamentável, está tudo muito confuso. No entanto tudo será
esclarecido, porém, agora a prioridade é o bem-estar do meu filho, Ricky.
Então, Júlia, o César vai te acompanhar e daremos notícias. Por favor.
Com um tom calmo, porém ríspido, a mãe do Ricky, me convida a sair.
E neste momento, eu sinto um vazio e um sentimento de estar sozinha, apesar
de a Melissa estar ali. Tenho noção de que, eu ser filha do homem que quase
matou seu filho por dinheiro, é o suficiente para eles não desejarem a minha
presença, por mais que eu explique, eles não compreendem.
— Certo... — aceito, tentando recuperar o que restou de energia tirada
de mim quando entrei neste hospital, meu corpo está dolorido com tantos
golpes injustos, meu coração destroçado com o fato de não poder sequer
olhar o meu amor. — Desculpe!
Viro-me para sair, com todos os olhares na minha direção, como se eu
fosse uma criminosa.
— Júlia...
Meu olhar encontra o do Nicholas.
— Não sentimos pelo seu pai, só queria que soubesse.
Melissa me cobre com seus braços, me levando para a saída.
Descemos para o térreo e encontro a minha mãe, seus braços acomodam
meu corpo cansado e derrotado, e o meu choro é maior que a razão. Despeço-
me da Mel e vou com minha mãe para o carro, não consigo falar nem
raciocinar. A angústia de não poder ver o Ricky vai ser a minha tormenta.
Em casa, entro no meu quarto e tranco a porta, com uma dor no peito
que me sufoca, vou desmontando o meu corpo até ele estar totalmente no
chão, as lágrimas contínuas me consomem, e já não consigo mais pensar.
Uma tristeza profunda toma conta de mim, e a culpa de ser filha do homem
que quase matou o meu único amor é o abismo.
Sinto que vou enlouquecer...
Meu corpo atribulado me leva para fora e começo a andar sem destino, a
imagem do sorriso do Ricky vem na minha cabeça. Como eu o amo! Sou
atormentada com a imagem do meu pai, no dia em que me abordou na porta
da universidade.
Céus.
Meu pai sequestrou o meu namorado — que está em coma no hospital.
Meu pai foi morto pela polícia. A família do Ricky me culpa por tudo. Minha
cabeça começa a girar e já não sinto mais as minhas pernas.
— Moça, tudo bem?
Tenho um estalo de consciência e percebo que estou ajoelhada no chão,
tem um garoto com uniforme escolar ao meu lado. Olho ao meu redor. Como
vim parar aqui? Pisco os olhos umas três vezes para eliminar as lágrimas que
o deixam embaçados.
— Tudo bem...
— Precisa de algo... Moça? — ele pergunta, com os olhos angelicais.
— Me ajude a levantar, por favor.
— Tudo bem.
Ele me apoia com a mãos, me ajudando a ficar de pé. Eu agradeço e vou
para o lugar em que posso ficar... ao menos, bêbada.
Chegando ao Retrô-Chill, olho para o bar, não há ninguém conhecido,
posso ficar em paz, Chill me abraça, falando que sente muito pelo Ricky.
Peço uma Skol Beats e tento relaxar, estou uma pilha de nervos e
perdida nesta situação, não sei como agir, nem mais o que pensar.
Em um minuto, já estou na segunda garrafinha.
— Girl, o que você faz aqui?
Viro-me a Guta está atrás de mim, com o Johny, eles me observam, com
um ar de preocupação. E eu nem estou bêbada ainda ou estou?
— Chill, mais uma. — Levanto a garrafa para ele.
— Júlia, sei que não está tudo bem, vamos te levar para casa —
murmura Johny.
— Guta, ele está em coma, no hospital. Sabia? — digo, debruçada no
balcão, girando com um dedo a minha garrafinha, desordenadamente.
— Sabemos... — Ela tira a garrafinha do meu comando, e a coloca
dentro do balcão. — Por isso que você tem que ir para casa, precisa
descansar.
— Eles não me deixam vê-lo, sabiam Johny? — grito. — Chill, minha
bebida, cadê? — Bato com a mão no balcão.
— Jú, você tem que manter a calma — diz Johny, colocando sua mão
sobre a minha. — Agora, nós vamos te levar para a casa.
— Eu não vou embora — grito. — Chill, minha bebida, vocês deviam ir
para a W.E... Tchauuuu... Vão.
— Não temos aula hoje, vou chamar um Uber para você, vem! — Guta
coloca o braço no meu ombro.
— Eu não vou embora... — falo, meu tom áspero a impressiona, tiro seu
braço do meu ombro.
Chill me entrega a minha garrafa e aponta para a TV, aumentando o
som.
— Olhem, notícias do Ricky — diz o chinês.
Meu olhar volta-se para a TV.
É uma repórter passando informações sobre o estado de saúde do Ricky,
ela está na frente do hospital.

“O executivo, Richard McGuire, acabou de sair de uma cirurgia e,


segundo a relações-públicas da W.E, seu estado é estável. Ele foi sequestrado
no último sábado, ficando quatro dias sob o domínio da quadrilha,
comandada pelo ex-presidiário, Hélio Mauro. Segundo as informações, Hélio
é pai de Júlia Sales, a namorada de Richard. Júlia é funcionária e estudante da
W.E Universities e, de acordo com a polícia, até o momento, não está ligada
ao sequestro, mas está sendo investigada. Hélio Mauro e mais um integrante
da quadrilha morreram no confronto com a polícia, que através de uma
investigação sigilosa chegaram ao sítio onde estava sendo mantido o
executivo em condições precárias. Voltamos logo mais, com mais
informações.”

Estou paralisada, olhando para a TV, não consigo assimilar o que acabei
de ouvir, agora estou na televisão, meu rosto e minha imagem estão
associados ao meu pai, estou sendo investigada pela polícia e fico sabendo
disso num bar, no Centro da cidade, com milhares de pessoas ao meu redor.
Uma sensação de medo e angústia dominam meu corpo e não consigo
me mexer, falta ar nos meus pulmões.
— Júlia... Júlia...
— Guta, ela vai surtar... Vamos tirá-la daqui.
— Vou ligar para a mãe dela.
— Jú, vem, vou te tirar daqui, vem comigo, amore.
Ouço-os falarem, porém, não enxergo mais ninguém, meu corpo se
move como uma marionete e vozes zumbem em meu ouvido.
E o preto domina minha mente.
20 dias depois

Nicholas levemente apoia uma das mãos nos meus ombros e o


seu toque me conforta, olho pela janela, tentando expelir de mim toda a
angústia.
— Como você está? — Seu tom preocupado me faz virar para encará-lo.
— Bem, eu acho — sussurro, tentando disfarçar a dor física, mas
principalmente a incessante dor no meu coração, com a ausência da Júlia.
— Sai desta janela e descansa, amanhã você tem alta.
— Eu sei. — Sento-me na poltrona, jogando minha cabeça para trás.
Começo a observar o teto, como se pudesse encontrar alguma resposta. —
Cadê ela, Nicholas?
Ele bufa, mas responde:
— Não sabemos, sumiu depois do depoimento.
Encaro-o.
— Como você pode achar que ela teria algo a ver com isso?
— Não sabíamos, você conhecia a garota há dois ou três meses, como
podíamos ter certeza?
Nicholas pega o celular do bolso e começa a mexer, indiferente.
— Tendo certeza... preciso falar com ela.
Eu preciso ver a Júlia, saber como ela está. Abraçá-la e dizer que não me
importo com nada e quero ficar com ela.
— Esquece-a, mano, olha o que o pai dela fez com você.
— Foi o maldito do pai dela, que aliás, está morto. Ela não tem nada a
ver com isso — me exalto e levanto bruscamente da poltrona. Sinto um
latejar nas costas, franzo todo o rosto e retorno lentamente para a poltrona.
— O que foi? — Nicholas apressa-se a me ajudar.
— Nada, levantei rápido demais.
— Você não é o Superman...
Toc Toc.
— Olá...
— Ah, é você, como vai, Ellen? — digo, jogando a cabeça novamente
para trás, entediado, não é surpresa a presença da Ellen, pois ela me visita
todos os dias.
— Eu estou bem, mas você, o que houve? — ela questiona, franzindo o
cenho.
— O que você acha... Júlia — Nicholas fala, sarcástico, e se joga na
minha cama, apoiando a cabeça com os braços.
— Ela não apareceu na empresa também? — pergunto para a Ellen.
Ela olha para o Nicholas, como se pedisse permissão para responder.
— Mesmo se ela aparecesse, teria seu afastamento, por conta do
escândalo, Ricky. — Ellen vai até a cômoda e coloca no vaso as flores que
estão em suas mãos.
— Como vocês deixaram vazar esta informação? Isso pode acabar com
a vida da Júlia — pergunto, meu olhar oscila entre os dois.
Seus olhares fogem do meu, o que, portanto, me faz desconfiar que estão
me escondendo alguma coisa.
— Não sabemos como, mas vazou. — Ela joga os cabelos para o lado e
esfrega as mãos.
— Ela foi investigada, que porra. Você devia a ter protegido, Nicholas.
— Ricky, você não tem noção de como as coisas ficaram complicadas?
— Sério? Eu quase morri, lembra? Isso não te dava o direito de fazer o
que você fez. — Não hesito em lembrá-lo.
— Ok. Mas cadê ela agora? Podia estar aqui, mas cadê? Não me culpe
por tudo — ele retruca.
— Ela vai aparecer... Ricky — Ellen diz, meio a contragosto pelo seu
tom de voz.
— Eu vou atrás dela amanhã, assim que sair daqui. Já que o telefone
dela ninguém tem ou não querem me passar.
— Você não é criança, faça o que quiser. — Nicholas levanta-se da
cama e sai do quarto, batendo a porta.
— Pare de culpá-lo, ele só quis te proteger.
— Chega a ser hilário, eu que sempre o protegia.
— Ricky, agora descanse. Precisa de alguma coisa?
— Não, obrigado, Ellen.
— Ok. Eu vou embora, o sequestro e tudo mais abalou a W.E. Tenho
que apagar o fogo até o seu retorno, chefe.
Com uma piscadinha, ela se despede, me deixando sozinho no quarto,
minha mãe ficou comigo o tempo todo. Pela primeira vez, a W.E não é a
minha prioridade, não estou preocupado com o que a empresa está passando e
não tenho o menor interesse de voltar ao trabalho. Meus pensamentos vagam
pela a minha vida e o que pretendo fazer com ela, ao lado da Júlia.
— Certo, Mel... Eu entendi... ah, mas... ok. Eu vou estar aí
amanhã, esqueceu? Tchau, Mel. — Desligo o celular. — A Melissa é maluca,
Marcos. O que vai ser de mim, morando com ela, nos Estados Unidos? Me
diz?
— Minha menina vai para os Estados Unidos, que orgulho! — Seus
olhos estão cheios de lágrimas.
— Não chore, sabe que não estou feliz. — Me jogo no sofá.
Minha mãe adentra a sala.
— Vai ser melhor, Júlia.
Assinto e encolho os ombros.
A família do Ricky não quer que eu tenha contato com ele, me
expulsaram duas vezes do hospital. Meu emprego, ah... a universidade, perdi
tudo. Mas não me importo com nada, somente com o Ricky. Que, graças a
Deus, está bem, se recuperou e vai receber alta amanhã. Gostaria de me
despedir dele, antes de viajar, saber o que se passa em sua cabeça, e pedir
desculpas pelo horror que o meu falecido pai o fez passar.
— Quer ser humilhada, de novo? Chega, eu sabia que ia sofrer... — Ela
balança a cabeça, inconformada. — Eles acusaram você.
— Mãe, o Ricky estava em coma, não sabe de nada disso — sussurro,
entristecendo. — Ou será que sabe? Não acredito que ele não queira me ver,
como / o Nicholas, o cara é maluco.
— Júlia, presta atenção. Faz mais ou menos três semanas que o seu rosto
está na televisão, você começou a comer há dois dias. Seus olhos
desincharam ontem, você ficou sete dias no seu quarto, no escuro, acho que
basta.
— Mãe, eu...
— Você o quê? — ela continua. — Eu vendi o meu carro e raspei a
minha conta, para você recomeçar. Não posso e não vou te ver sofrer.
— Jú, segue sua vida... — Marcos contorna meu rosto com o polegar. —
O Ricky devia ter entrado em contato com você, ele está consciente há dias.
— Não sei... — murmuro, confusa, não sei mesmo.
Minha vida virou uma grande novela, parecem querer separar o Ricky e
eu, a qualquer custo. Portanto, eu sei que toda essa dor nos separou, se
houvesse uma forma mágica de apagar tudo... Eu o faria. Sigo perturbada
com isso há semanas, desde quando saí arrastada do Retrô-Chill com a Guta e
o Johny. Fiquei em choque com a reportagem na TV.
— Jully... Segue sua vida, meu amor, se um dia você e o Ricky se
encontrarem, vocês conversam. — Marcos me olha carinhosamente.
— Não sei, sinto que preciso ouvir dele... qualquer coisa. Desde que seja
dele, sem advogados e intervenções. Entendem?
— Não, prefiro não entender! — exclama minha mãe. — Agora, vai se
arrumar, seus amigos estão te esperando.
— Não sei, estou cansada, amanhã meu voo é cedo. E a galera é bem
animada e cachaceira, não vou sair cedo do Chill. — Me aninho no sofá,
estou com muita preguiça para sair de casa.
A Guta, aquela linda, organizou uma despedida no Chill. Todos estarão
lá, até mesmo minha mãe e o Marcos. Como eu vou ficar um ano nos Estados
Unidos, estudando, eles querem se despedir.
— Vamos, Jú, eu faço a sua make e o cabelo. — Com um biquinho nos
lábios, Marcos me chama com um dedinho.
Estou um horror mesmo.
— Sem excessos, por favor — digo para ele, desconfiada. Sei que ele
exagera quando quer me paparicar.
— Tudo bem, amore, sem exageros. — Seu olhar é de quem vai
aprontar.
No Chill, recebo o abraço da galera, estão todos aqui: Guta, Johny, Rael,
Duda e a Day. Não sei por que ela veio, esse seu olhar desafiador, me irrita.
Argh. Quando sentamos, meu olhar pousa na mesa onde almocei com Ricky
e Guta, em um dia descontraído. Ele estava tão lindo... Balanço a cabeça,
para tentar interromper os meus pensamentos no Ricky, como se fosse
possível, ele dominou minha mente e tomou posse do meu coração.
Engraçado, se fosse no ano passado, jamais acreditaria ser possível eu
me apaixonar assim, era toda empoderada e independente, sem amarras. Mas
quando os olhos do Ricky cruzaram os meus, naquele hall do elevador, na
W.E, seus olhos cor de mel, como um ímã, me uniram a ele com uma força
inexplicável.
E agora, universo?
— Amore, Júuuuu. — Johny estica os braços, me chamando para dançar.
— Vem, baby.
— Não... não posso, estou sem ritmo. — Cravo o meu corpo na cadeira.
Não quero dançar.
— Vai Jú, só um pouquinho, gata — ele insiste, fazendo um biquinho e
remexendo os ombros.
— Vai, girl, se distrai um pouco. — Guta pisca, levanta-se, erguendo
sua garrafinha de cerveja. — Bola para frente, você vai, garota... — anuncia
—... para os Estados Unidos.
Todos levantam suas garrafinhas em comemoração à minha partida. Que
estranho, meses atrás estávamos comemorando o meu início na W.E.
Agora...
Levanto-me e Johny, com agilidade, pega minha mão e gira meu corpo
como um pião, começamos a dançar música latina e, aos poucos, começo a
me soltar. Remexendo e girando pelo bar. Johny é um ótimo dançarino, me
conduz muito bem e me passa segurança. Depois de dançar duas músicas
inteiras, pego uma bebida e sento-me no bar com Rael.
— Estou feliz por você, Jú, Estados Unidos... garota. Sensacional. —
Ele sempre educado e animado.
— Não fique, minha ida é como se fosse uma fuga, porque aqui sou
marcada e apontada. — Não hesito em lembrar.
Minha mãe se juntou com meu tio para eu sair do país, com medo de eu
ficar doente ou algo assim. Depois das barbaridades que falaram na TV,
emissoras querendo audiência, inventando histórias.
Foi torturante.
— Não fale assim, pense que tudo tem o seu ponto positivo, agora você
não vê, mas lá na frente verás. — Seu sorriso largo me cativa. Rael é
inevitavelmente a pessoa mais positiva que conheço. Ele consegue te passar
boas vibrações e sua energia é contagiante.
— E você, com a Duda? — pergunto, com olhar conspiratório.
— Estamos caminhando... digo, se conhecendo. — Ele dá um gole em
sua bebida, e vira-se para olhar a Duda.
Ela está atendendo a outras mesas, o bar do Chill é sempre bem
movimentado, por ser muito popular no Centro. E fora que este ambiente
retrô é aconchegante.
— Ela é linda. — Seus olhos verdes brilhantes reluzem paixão.
Suspiro.
— Sim. — E dou um toquinho em seu ombro.
— Sua boba. — Ele fica sério. — E o Ricky?
Meu semblante entristece de imediato.
— Não sei, não me deixam chegar perto dele. — Dou um gole na minha
bebida.
— Como não? Ele tem que te ouvir. — Balança a cabeça em negativa,
contrariado.
— As duas vezes que fui ao hospital, ouvi mais do que posso suportar.
— Lembro-me das palavras duras ditas pelo Nicholas, meu olhar se perde por
um instante, depois volto-me para Real. — Ele recebe alta amanhã, sabia?
— E você viaja amanhã! — Ele balança a cabeça, ainda contrariado.
— Minha mãe planejou esta viagem, não eu — digo, derrotada.
— Girl, sem tristeza, vem vamos nos juntar com a galera. Sua mãe é
maravilhosa com as piadas. — Guta fuzila o Rael com o olhar. Pega a minha
mão, me conduzindo para o nosso grupo.
Todos estão rindo, parece que o Marcos contou algo engraçado, está
divertindo o pessoal, e isso ele faz muito bem. E em segundos minha vida
passa pela minha cabeça, vou embora, deixar todos que amo aqui e tentar
recomeçar.
Eu, que sempre tive sonhos e objetivos, hoje me vejo remando com a
maré, e não contra ela, sem saber o que fazer e como fazer. Estou
praticamente sem identidade no momento, minha mãe projeta minha vida,
porque, em um golpe de segundos, tudo que eu planejei em ter, foi tirado de
mim. Minha cabeça começa a latejar novamente, é melhor ir ao banheiro,
jogar uma água no rosto. Encaminho-me para o banheiro, com os olhares
seguindo minhas ações, entro e fecho a porta, como se aqui não tivesse que
fingir que estou feliz, porque não estou.
Quero gritar, gritar, gritar....
Mas somente as lágrimas me consolam no momento, encosto a testa no
espelho, esfregando-a como se pudesse esquecer tudo, e principalmente
esquecer o meu amor pelo Ricky.
Preciso esquecer, esquecer, esquecer...
— Girl... Júlia, está tudo bem? — Guta bate à porta e move a maçaneta,
que tranquei, assim que entrei.
— Sim, está.
— Abre a porta, por favor... — ela fala, impaciente, movendo a
maçaneta.
— Eu já volto... preciso de um minuto. — Minha voz chorosa me
denuncia.
— Jú, abre...
Minhas mãos trêmulas abrem a porta e meus olhos vermelhos e
carregados de tristeza encaram a Guta que, com seus braços, cobre meu
corpo. Meu soluço invade o ambiente, meu choro desesperado e
descontrolado, faz com que meu corpo perca a força.
— Calma, Júlia. — Ela senta no chão, escorando minha cabeça em suas
pernas, suas mãos acariciam meus cabelos.
— Eu não quero ir embora, Guta. Eu quero o Ricky, o que eu vou fazer
com todo esse amor aqui no meu peito? — Minha mão fechada bate no meu
peito e o meu corpo vibra igual a um tambor. — Me fala?
— Júlia, você tem que sair do Brasil, precisa respirar novos ares,
infelizmente eu concordo com a sua mãe.
— Eu estou fugindo...
— Fugindo, não — ela me corrige. — Dando um tempo, para retomar
sua vida.
— E o Ricky, e se ele achar que estou fugindo?
— Foi provado, Júlia. Você não teve relação com o sequestro. Ele tem
que acreditar nisso, mas... a família dele não quer... você perto. O Nicholas
até falou que o Ricky não queria te ver.
— Sei que ele mentiu... o Ricky ainda estava inconsciente. Sei que ele
me odeia, só não sei o porquê, ele sempre me olhou estranho, desconfiado,
sei lá.
— Júlia, olha para mim... — Inclino o meu rosto, seus olhos fixam nos
meus. — Você precisa ir, sei que dói, mas você é forte, uma mulher
guerreira... Caminhos são destinados para quem tem pés firmes para segui-
los, muitos caem no meio do caminho, e não conseguem percorrer. Só
sabemos o que tem no final da estrada quando chegamos lá. O que você vai
fazer, chegar lá ou desistir na primeira queda?
Penso nas palavras da Guta por alguns minutos, enquanto ela acaricia o
meu cabelo, como uma irmã mais velha, faço-me a pergunta, e o meu coração
dolorido conclui a resposta.
Depois de um tempo, retornamos para o bar, a atração da noite é o
Marcos, ele é magnífico, ensinando o Johny a dançar samba-rock, quem
chegou foi o Theo, namorado do Johny, supercarinhoso, conversamos
bastante, principalmente sobre a viagem, ele já morou nos Estados Unidos,
então me deu altas dicas. Despeço-me de todos, com beijos e muitos abraços,
estamos todos meios bêbados, rindo à toa, até minha mãe está altinha com a
bebida. Meu último olhar para meus amigos queridos, que conquistei na W.E.
Eu vou, mas eu volto.
Esta é a sensação.
O carro faz o trajeto para a casa da Júlia, eu preciso vê-la e
saber como ela está. Preciso entender o que está acontecendo, meu irmão
tinha o dever de ter cuidado dela, mas não o fez.
— Qual o número, patrão? — meu motorista me pergunta.
— No prédio azul, logo ali à frente.
Lembro-me da primeira vez que a trouxe aqui, tivemos uma noite
maravilhosa, e eu a magoei com a minha atitude babaca, no entanto, ela me
surpreendeu quando virou as costas, me deixando sozinho no carro, naquele
momento, ela modificou algo em mim.
A Júlia entrou na minha vida transformando o meu interior, me
permitindo amá-la.
— Ricky, é sério? Você vai atrás desta garota? — diz Nicholas,
enquanto balança a cabeça em sinal negativo.
— Não pedi para você vir comigo, certo? — respondo, saindo do carro e
ele sai em seguida.
— A frente do hospital estava repleta de repórteres, se eu não viesse,
nossa mãe me deserdava.
— Ok. Agora, pode ir — murmuro, indo falar com o porteiro. — Por
favor, gostaria de falar com a Júlia, pode interfonar para ela, sou Ricky.
O porteiro, confirma com um ok e, sem demora, ele abre o portão
automático, meu olhar volta-se para Nicholas que, arrastando o corpo, me
acompanha. Não vejo a hora de ver o sorriso da Júlia. Quando bato à porta,
para a minha surpresa quem atende é a Ana.
Ela arqueia as sobrancelhas e estreita o pescoço para olhar para o
Nicholas, que está atrás de mim, encostado na parede.
— Vou te esperar no carro. — Nicholas vira-se grosseiramente e aperta
o botão do elevador, que para de imediato.
— Ricky, que bom que melhorou! — Seu olhar impassível me calcula.
— Boa tarde, Ana. — Sorrio. — Sim, estou bem.
— Graças a Deus, não tive a oportunidade... de pedir desculpas, pela
calamidade causada. Sei o que passou e lamento. Também sofremos muito, o
importante é que você está bem, se acontecesse alguma coisa contigo, não me
perdoaria.
— Sei disso... — Hesito, pensando em como dizer. — Eu não posso...
dizer que sinto... quero dizer, a perda. — Minha boca fica seca. — Como
posso dizer... — Minha voz, inconsistente, procura uma maneira coerente de
dizer algo.
Eu não sinto pela a morte do pai da Júlia, infelizmente não sinto.
— Ricky, não diga. Ele não era uma boa pessoa.
Tocar neste assunto a deixou angustiada.
— Certo, desculpe. — Tento olhar dentro do apartamento, por cima da
Ana, e há um silêncio preocupante, será que a Júlia não está? — Ana, preciso
falar com a Júlia, ela está?
— Não... A Júlia viajou — ela responde, rápido.
— Como? — Dou um passo para trás, surpreso. — Viajou para aonde?
— Prefiro não falar...
— Como assim? Eu esperei por ela no hospital. — Franzo o cenho. —
Ana, por que ela viajou?
Ela me encara, pressionando os lábios.
— Ricky, entre... — Ela abre espaço para que eu possa entrar. — Sente-
se, por favor... — Ela cruza os braços e me olha nos olhos. — Ricky, a Júlia
foi até o hospital, mas foi impedida de vê-lo.
— Como assim? Eu... — Fico desnorteado por alguns segundos.
— Seu irmão e seus pais não permitiram a presença dela. Mesmo depois
que ficou comprovado que nós não tínhamos nada a ver com o sequestro. Ela
foi até o hospital mais de duas vezes e não pôde entrar.
— Não pode ser... — Levanto, pois estou irado demais para permanecer
sentado. — Eu tinha certeza de que tinha algo errado.
— Ela sofreu muito, Ricky, minha filha quase entrou em depressão, por
sentir culpa, e pelas as barbaridades ditas pela imprensa. Perder o emprego e
a bolsa, não a afetaram tanto, quantos as ofensas.
Espera, perder?
— Perder? Como assim...
— Sim, a Ellen a demitiu.
Porra.
Agora eu entendo os olhares dos dois, a falta de informação, a vigilância
constante de ambos. Eles sabiam que eu encontraria uma maneira de entrar
em contato.
— Ana, eu não sabia, desculpe — digo, tentando me desculpar. — Ela
terá tudo de volta, eu prometo.
— Ricky, você e a Júlia... — Ela balança a cabeça, em sinal de negativa.
— Melhor ficar longe dela.
— Não. Eu a amo. — Balanço a cabeça diversas vezes, negando, não
posso ficar longe. — Não me importo com nada mais sobre este sequestro
maldito.
— Não depois de tudo. Ela vai recomeçar.
— Onde ela está? — Meus olhos suplicam, preciso falar com a Júlia.
Tudo isso pode ficar para trás, sei que pode. Ana desvia o olhar. — Permita
que eu fale com ela?
— Não, ela já sofreu demais. Sei que estou protegendo-a, mas a sua
família protegeu você. É isso que fazemos, protegemos os filhos.
— Não, nos amamos. — Jogo os braços sobre a cabeça. — Ela deve
estar me odiando, achando que eu sabia de tudo. — Meu olhar aflito encontra
o da Ana. — Preciso falar com ela. Por favor, diga-me, onde ela está?
— Eu sinto muito, mas preciso trabalhar. — Ela abre a porta. — Se não
se importa...
— Claro... Desculpe.
Despeço-me dela e saio, com um ódio incontrolável, dou um soco na
parede. Como eles fizeram isso com ela? Aperto o botão do elevador, como
se ele fosse meu último alimento na terra. Desço, solicito que o porteiro abra
o portão e saio igual a um raio. A imagem do Nicholas dentro do carro,
mexendo em seu celular, me deixa mais irado. Abro a porta, o puxando para
fora.
— Foi você! Como pôde? — o acuso, empurrando o seu peito com as
mãos.
— Eu, o quê?
Seu cinismo me emputece ainda mais.
Minhas mãos agarram a gola de sua camiseta, o deixando suspenso.
— Não permitiu a entrada dela no hospital. Porra, vocês a despediram.
— Calma, mano, vamos conversar...
— Conversar o caralho, sabia que a W.E era o sonho dela. Como pôde
impedir sua entrada? Como pôde, seu merda...
Empurro-o, minha vontade de esmurrar meu irmão é maior que minha
consciência. Estou com um ódio e vou liberá-lo.
— Para, porra, você acabou de receber alta do hospital, não podemos
brigar, mano.
Encaro-o, furioso.
— Por que fez isso?
— Eu não fiz nada... — Ele ajeita a sua camiseta, evitando o meu olhar.
— Foi por causa da Eduarda?
Nicholas move a cabeça lentamente, como se quisesse saborear a sua
resposta.
— Talvez?
Minha mão se fecha tão rápido, que não posso conter o impulso de socar
o rosto do meu irmão, o fazendo cair, meu corpo inteiro sente este soco,
como se tivesse atingido a mim também, ele não reage, permanece caído,
colocando as mãos sobre a boca sangrando, olho ao redor e pessoas curiosas
nos cercam.
— Não quero você perto de mim... Não quero.
Entro no carro, cego de ódio. Nicholas permanece intacto na calçada,
quando peço para o motorista seguir, ele solta um palavrão e coloca as mãos
sobre a cabeça.
"Júlia sua gostosa" é o que está escrito na plaquinha nas mãos da
Mel, assim que entro no aeroporto, dando início a uma nova vida. Não estou
feliz em deixar tudo para trás, sinto-me roubada, meu coração partido ainda
sangra, com a falta do Ricky. Mas tenho que seguir em frente, percorrer a
minha estrada.
Minha prima está com um sorriso gigantesco em seu rosto, dando
pulinhos de felicidade com a minha chegada. Ela me abraça e quase me vira
de cabeça para baixo. Solto um suspiro e percebo que estou nos Estados
Unidos e vou estudar na Califórnia.
— Jully, vamos, tem consciência... EUA... Califórnia — ela reforça a
minha localidade.
— Sim, tenho — digo baixinho, quase inaudível.
— Jully, nada de tristeza, vamos, o apartamento é lindo, e aqui teremos
uma nova vida. — Seus braços descansam no meu ombro e ela me conduz
para fora do aeroporto.
Ok. Entendi.
Mel e eu pegamos um táxi, e começo a colocar meu inglês em prática, o
táxi passeia pelo trânsito da Califórnia, com agilidade e, mesmo triste,
observo a cidade, com curiosidade. Bem, vida nova, Júlia, esse é o plano. Às
vezes traçamos metas para a nossa vida, e aí o universo vem e, com uma
rasteira, tudo muda.
Universo danadinho.
A W.E sempre foi o meu sonho desde que entrei no ensino médio,
queria estudar na melhor e ser a melhor profissional na área de Marketing do
país. Sei que pode parecer precoce, uma jovem estudante traçar assim seu
futuro, mas eu não conhecia vírgulas e, sim, metas, minha mãe sempre foi
assim objetiva e determinada.
Eis que o Ricky foi a minha vírgula. Ele me fez conhecer-me melhor,
com ele era como se o meu limite não existisse, o intenso e o amor se
fundiram. E, sem ele, a vida ficou sem graça.
— Ei... — Mel me cutuca, franzindo a testa. — Tudo bem?
— Acho que sim. — Meu olhar permanece distante, seguindo a
paisagem magnífica da Califórnia.
— Chegamos.
O táxi estaciona em frente a um prédio muito bem localizado em Los
Angeles, minha mãe quase vendeu a alma para eu estar aqui, e é claro que
meu tio está ajudando. O prédio é muito bonito por fora, deve ter uns seis
andares, pelo tamanho. Meu corpo gira na calçada e olho ao meu redor.
Ainda não consigo acreditar nas mudanças rápidas que estou tendo nesses
últimos meses. A Mel coloca seus braços ao redor do meu pescoço, e
entramos no prédio, muito charmoso, a decoração é bem moderna e com tons
de praia.
Entramos enfim no apartamento, que ainda tem caixas no chão, bem
parecido com uma quitinete, a sala e a cozinha são divididas por um balcão e
temos dois quartos. Observo tudo calada e sento no sofá. A Mel coloca minha
mala no meu quarto e senta-se ao meu lado, ficamos quietas por alguns
segundos, até ela virar-se para mim, com o seu olhar doce.
— Olha, eu sei que está sendo difícil, mas eu estou aqui. Vamos superar
isso juntas — diz, com um olhar amoroso.
— Gostaria que este fosse o momento mais feliz da minha vida, mas não
é.
— Quando éramos adolescentes, víamos as séries americanas, com os
protagonistas em Los Angeles, lembra?
— Nós sonhávamos em estar aqui — completo.
— E agora estamos, Jully. Esta é a sua oportunidade de dar a volta por
cima.
— Eu sei. — Dou um longo suspiro. — Vou dar, isso tudo vai passar.
— Sim, vai...
Jogamos nossas cabeças para trás e olhamos para o teto, caladas.
— Está com fome?
— Hummm...
— Pizza?
— Essa vai ser a nossa vida? — Sorrio.
Nenhuma de nós duas cozinha. Como vamos viver?
— Estou pegando altas receitas na internet, vamos comer comida ou
tentar, pelo menos. — Rimos e ela vai até a cozinha. — Agora, vai conhecer
o seu quarto.
— Ok, banho e pizza. Tudo certo. Posso viver com isso. — Me levanto,
praticamente arrastando meu corpo para o meu futuro quarto.
Depois do banho e reconhecimento do espaço, Mel e eu comemos pizza,
diferente da pizza do Brasil, elas têm mais massa e recheio e é imensa.
Minha mãe me liga e conversamos bastante, trezentas recomendações.
Depois de ouvi-la chorar de saudade por eu estar um dia longe, nos
despedimos.
Mel e eu conversamos até eu dormir de cansaço no sofá.
No dia seguinte, os raios de sol invadem a sala e pousam no meu rosto,
meus olhos se abrem com dificuldade e a única coisa que eu penso: Café!
Corro para a cozinha para reconhecer o território. A Mel, bocejando, sai do
seu quarto e se joga no sofá.
— Bom dia! — saúdo, tomando conta da área. Quando se trata de café,
eu me arranjo logo.
— Sabia que seria a sua primeira ação na cozinha, fazer café — ela diz,
com um sorriso preguiçoso nos lábios.
— Café, sem ele, a vida é sem graça — digo, como se estivesse
anunciando uma marca.
— Profissional de Marketing, sempre criando. — Ela revira os olhos. —
Vou me arrumar, tenho que finalizar a minha matrícula. Segunda-feira,
começamos. Você pode ir lá somente amanhã, mas se quiser ir hoje, para
conhecer...?
— Eu vou, preciso sair, quero conhecer tudo.
Se eu ficar aqui, vou ficar deprimida, melhor sair.
— Podemos fazer compras? — Mel pisca, sugerindo. — Temos que ser
as mulheres mais lindas da universidade.
— Tudo bem, compras. — Dou um gole no meu café e reviro os olhos.
Ouço batidas contínuas na porta, quem será? Ellen ou
Nicholas? Não pretendo saber, não vou abrir.
Não quero falar com esses dois, quero ficar aqui ouvindo minha música
e tomando meu vinho, olho para a bancada da cozinha e vejo duas garrafas
vazias e eu estou esvaziando a terceira. Meu celular está vibrando no sofá,
não importa quem seja, não vou atender.
Mas e se for a Júlia? Melhor eu ver. Pego-o com agilidade para olhar
quem é, e para a minha decepção é a Ellen, jogo-o novamente no sofá e
continuo com o meu vinho.
A porta se abre e a figura da Ellen aparece porta adentro, ela me observa
e eu reviro os olhos.
— O que você quer?
— Comida! — diz, enquanto levantava na altura dos olhos duas sacolas.
— Você precisa se alimentar. — Ela vai para a cozinha.
— Não estou com fome — rosno, jogando a cabeça para trás. — E como
conseguiu a chave?
— Seu irmão... — responde, ainda na cozinha. — Mas bati e liguei antes
de invadir o espaço. — Ela ri. — Ricky, você precisa voltar a trabalhar, tem
que retomar sua vida.
— Eu trabalho desde sempre, nunca tive vida — retruco. — Meus pais
mandaram você vir aqui ou foi aquele idiota do Nicholas?
— Ninguém mandou nada. — Ela se aproxima com um prato, o cheiro
de comida me enjoa. — Coma, por favor. — Me entrega o prato.
Pego-o e o coloco em cima da mesa de centro. Não tenho fome, na
verdade, não me alimento direito desde o sequestro maldito. Também não
durmo, tenho insônia e pesadelos com aqueles porras.
— Você tem que comer, diga-me, tem algo que possa fazer? — ela
pergunta, angustiada ou fingida, não sei mais.
— Não há nada a ser feito. Eu falei com o meu pai, ontem, vou concluir
meus compromissos agendados e volto para a Califórnia, sendo assim, pare
de se preocupar, não preciso de babá.
Ela hesita um pouco, mas acaba dizendo:
— Não sou a sua babá, só estou cuidado de você.
— Eu sei, confirmando todos os meus compromissos para fora do
Brasil, se o seu intuito é me tirar do país, pode comemorar. — Rio,
sarcástico. — Agora, se não é pedir demais, quero ficar sozinho.
Ela me encara por alguns segundos e pega sua bolsa para sair, porém,
antes vem e beija-me na testa, a afasto com um gesto brusco, ela se assusta e
resmunga, batendo a porta para anunciar a sua partida.
Não quero contato com ela e, muito menos, com o meu irmão, vou ter
que deixar o Brasil e voltar para a Califórnia, tenho algumas palestras para
dar em nome da W.E, as quais a Ellen fez questão de confirmar. Não aceitei
viajar, a princípio, estou em busca da Júlia há dias, estou enlouquecendo,
preciso ajustar as ideias na minha cabeça, então viajar talvez me faça bem.
Meus olhos percorrem o apartamento, pela milésima vez, as recordações
dos momentos em que Júlia e eu vivemos aqui, refletem na minha cabeça,
incessantemente. Está muito difícil viver sem ela... muito difícil.
A semana passa rápido, com as burocracias da universidade,
consigo manter minha cabeça ocupada. Aproveito para conhecer um
pouquinho de Los Angeles, e posso dizer que meu inglês é péssimo, estou
passando cada saia justa.
O meu curso tem duração de doze meses, em Marketing digital, na
University Communication Training, o nível de ensino deles é excelente,
incrível, mas não atingem o nível da W.E, passam perto. A Mel vai cursar
Publicidade na mesma universidade, está sendo o máximo, minha
empolgação por começos voltou, estou dedicada a me encaixar.
— Jully, vamos comer? Tenho aula em dez minutos. — Mel diz,
passando em passos largos por mim no corredor.
— Vamos. — Apresso-me para alcançá-la.
Saímos para a lanchonete, na praça de alimentação da universidade,
onde os estudantes têm um momento de descanso. Pegamos os nossos
hambúrgueres e sentamos.
— Eu estou perdida na matéria de Economia — ela comenta, enquanto
mastiga seu hambúrguer.
— Podemos estudar hoje, vou ter Economia também. O que acha?
— Hoje, nós vamos beber, precisamos de um momento de descanso,
senão vamos pirar. — Ela bufa, mexendo o pescoço de um lado para o outro.
— Mel, sem relaxo...
— Não é relaxo, é sobrevivência.

Avisto, do outro lado da rua, meu melhor amigo, César.


O que seria de mim, se não fosse este cara, ele não poupou esforços para
encontrar aquele cativeiro maldito, com um abraço apertado, nos
cumprimentamos.
— Como vai, irmão? — ele pergunta, com um sorriso satisfeito no rosto.
— Bem, vou bem.
Ele me avalia um pouco.
— Sim, você está bem, muito bem.
Coloco as mãos em seus ombros.
— Graças a você, sabe disso.
Ele me abraça novamente.
— Vamos nos sentar, não quero chorar, cara. — Rimos.
— Cerveja? — ofereço, com a satisfação de reencontrar meu irmão.
— Claro, sempre.
Com um sinal, peço para o garçom, que está distante, duas cervejas.
— Estou sabendo que vai viajar. Califórnia?
— Tenho que finalizar alguns compromissos pagos, não queria, mas
tenho que ir, hoje à noite eu embarco.
— Queria ter ajudado mais... sobre a Júlia, quero dizer, desculpe — diz,
insatisfeito.
— Sei que fez o possível, mas ela não merecia o que fizeram... — digo,
pegando nossas cervejas da bandeja do garçom. — Obrigado — agradeço, e
ele nos deixa sozinhos.
— Ela foi ao hospital várias vezes, mas esse envolvimento com o pai,
ficou complicado. — Ele balança a cabeça, em sinal negativo.
— Ela não tinha nada a ver com o pai.
— Sim, agora sabemos. Mas, no momento, tudo tinha que ser
investigado, eles sempre deixam uma ponta solta, e aí pegamos esses filhos
da puta. — Ele dá um gole na sua cerveja.
— Não tivemos a oportunidade de conversar sobre a investigação, como
você encontrou o cativeiro, afinal?
— Irmão, meu meio é podre. — Ele dá um grande e longo gole na sua
cerveja. — Felizmente, a cabeça do pai da Júlia foi o seu resgate.
— Como assim? — Franzo o cenho, confuso.
— Ele estava devendo muito dinheiro, grana alta mesmo. Por isso, ele
planejou este resgaste, assim que o viu com a Júlia. Ele fez muitos inimigos
na prisão e fora dela, queriam a cabeça dele. Então, eu fiz um acordo, o
entregaria, assim que o prendesse, em troca da localidade do cativeiro.
Teríamos matéria para a mídia, conclusão de caso para a polícia e mais um
verme morto, tudo resolvido.
— A morte dele não foi no confronto, então?
— Não, cara. — Ele inclina-se, apoiando os cotovelos na mesa e
sussurra para que ninguém ouça: — Sua vida, pela dele. Então, foda-se ele.
Pensando em tudo que passei no cativeiro, não me importo com a morte
daquele filho da puta, mesmo sendo o pai da Júlia.
— Ricky, eu não tive opção, eles iam matar você.
— Eu sei...
Não consigo controlar, meu ódio já transparece no meu rosto, me
deixando tenso.
— Mas quem? Quem te entregou o cativeiro?
— Nós, policiais, estamos em todos os lugares, assim como os vermes.
E só o que posso falar, no momento.

— Que bar adorável, Júlia.


— É, sim, vamos sentar...
Um garçom nos atende, nos direcionando para uma mesa.
— Thanks — responde minha prima, que aproveita e faz os nossos
pedidos, falando inglês facilmente.
— Seu inglês está ótimo! — elogio.
— Até parece, estamos padecendo, mas nos acostumamos.
Ela sorri.
Neste momento, o Retrô-Chill me vem à cabeça, lembro-me da primeira
vez que entrei lá, música latina, cerveja, Guta, Johny, Rael, Chill, Duda...
Minha mãe não para de falar ao telefone.
— Sim, mãe, estou embarcando, acredito que esteja nos Estados Unidos
amanhã. — Minha mãe, como sempre, preocupada. — Mas eu vou para Nova
York primeiro, tenho alguns compromissos, depois vou para a Califórnia.
— Esta sua agenda, está muito lotada. Vou falar com a Ellen.
— Mãe, eu tenho secretária, a Ellen não tem nada a ver com isso.
Ela bufa, irritada.
— Depois você vem para a nossa casa?
— Não, vou para o hotel, tenho vários compromissos e não vale a pena
ir para ter que voltar.
— Certo, filho, te amo. E o Nicholas?
— Tchau, mãe.
— Você não pode ficar sem falar com o seu irmão, principalmente por
causa dessa mulher.
— Até mais, mãe.
Desligo.

Depois de bebermos horrores, vamos para o nosso


apartamento, rindo à toa, e escoradas uma na outra. Quando entramos, caímos
no chão e rimos intensamente disso.
Arrastamo-nos até o sofá, inclinando nossas cabeças, ficamos olhando
para o teto e ainda rindo, sem saber do quê.
— Estou morrendo de saudade do Rubem! — exclama Mel.
— E eu, do Ricky — grito. — Richard McGuire, cadê você?
— Quando eu bebo, fico excitada, se o Rubem estivesse aqui, faríamos
amor até amanhecer.
— E eu não ia conseguir dormir com o barulho.
Mais gargalhadas.
— Seu gemido deve ser assim... Ah... Ahhhhh... Ahhhhhhhh — simulo o
gemido da Mel.
Mais gargalhadas.
— E o seu, deve ser assim, aiiiiii... Aiiiii... Aiiiiiii... — Ela simula meus
gemidos, se contorcendo no sofá.
— Eu estou gemendo ou sentindo dor?
Olhamos uma para outra e rimos intensamente...
— Vou ligar, ele disse que vai vir me visitar... Na semana que vem.
— E você vai fazer o que, sexo por telefone? — sugiro.
— Boa ideia.
Arqueio a sobrancelha.
— Vou ligar... Cadê o meu celular, bolsa idiota... — Ela revira a bolsa.
— Achei, deixa eu ver... amorzinho, está chamando...
— O nome do Rubem, no seu celular, é amorzinho?
— Sim, sim, ele é... Atendeu! — Ela chacoalha uma das mãos, quando
ouve a voz do Rubem. — Oi, amor...?
— Coloca na viva-voz — falo baixinho.
— Oi, Mel... O que houve? — ele pergunta, preocupado.
— Nada, saudade... E estou excitada!
Rimos com a mão na boca.
— E bêbada... Você está bêbada? — quer saber, com sorriso na voz.
— Eu e a Júlia. Mas isso você já sabe, né?
— Sim... já sei. Como vai, Júlia? Sei que está no viva-voz.
— Estou bem e você?
— Era para você cuidar da Mel, não ficar louca com ela.
— Ei, senhor namorado. Eu e a Mel temos quase a mesma idade, então
somos bem grandinhas.
— Rubem, para de ser chato e faz amor comigo? — Mel interrompe.
— Como? Agora? — ele indaga, surpreso.
— Sim, pelo telefone, será uma experiência incrível... Vamos, amor.
Vou para o meu quarto, tchau, Jully... — Ela tenta levantar, mas cai sentada
no sofá.
— Quer ajuda? — Ofereço meus braços, tão zonza quanto ela.
Ela me olha e morde o canto dos lábios.
— Rubem, e o Ricky, como está?
— Mel... Eu... — Ele hesita em falar.
— Responde, a Jully quer saber, sabia? — ela insiste.
Ele hesita, soltando um longo suspiro.
— Ele está bem, acredito que voltou ao trabalho.
Um sorriso largo instala-se nos meus lábios, fico feliz em saber que ele
está bem, trabalhando e seguindo. É como um alívio, sabe?! E, ao mesmo
tempo, sinto-me triste, ele está seguindo sua vida, e eu não estou ao seu lado,
um misto de sentimentos despertam no coração.
— Obrigada — agradeço baixinho.
Ela pisca e sai cambaleando.

Chego ao hotel, exausto e de saco cheio, a viagem foi cansativa


e eu tenho que ir ao campus da W.E, em Nova York, para conversar com
alguns estudantes de Publicidade e tirar algumas fotos.
Agora são sete da noite e tenho que estar na W.E às 21h. Acho que o
meu retorno ao trabalho voltou ao seu curso normal. Melhor assim, com a
cabeça ocupada, meu coração fica mais calmo.
Um banho e um jantar são o meu combustível para prosseguir, rumo ao
compromisso.

Esta manhã coloco os meus tênis esporte e saio para correr.


Ao o som de Rihanna – We found love[8], eu corro pelas calçadas de
Los Angeles, aprecio a paisagem, cumprimento pessoas e conheço um
pouquinho do bairro. Pretendo correr todos os dias para liberar a adrenalina.
Em um barzinho, bem aconchegante, dou uma pausa para beber um
suco, depois volto para o apartamento, pois tenho aula, hoje inicia na parte da
tarde e vai até às 22h, bem puxado.
Em casa, preparo um arroz com legumes e frango.
— Hummmm... Ficou bom! — falo, provando.
— Mais ou menos... — Mel comenta, colocando uma garfada generosa
na boca.
— Hã... Tá de brincadeira, sou quase uma chef — me gabo.
— Claro que está bom, chega de hambúrguer e cenoura.
— Vou escovar os dentes, partimos em seguida.
— Certo, chef! — Ela coloca duas garfadas, uma em seguida da outra,
na boca, mastigando rápido, eu a olho, surpresa, ela realmente está com fome.
— Mas pode comer com calma, Melissa.
— É que estou com fome. — Ela sorri, com a boca cheia.
Vou para o meu quarto e termino de me arrumar, faz dias que não
capricho no visual, mas hoje acordei diferente, depois da maratona cedo,
hidratei os cabelos, me depilei, esfoliei a pele, coloquei uma roupa bem
bonita e me maquiei. Há meses somente passando hidratante facial, hoje eu
resolvi dar um UP e tentar voltar a ser a Júlia.
Mel e eu chegamos em cima da hora para a aula, ela também quis
caprichar em seu visual para me acompanhar, aí nos atrasamos.
Na aula sobre mídias, lembro-me da W.E, na reunião de conteúdo
digitais, uma experiência maravilhosa, onde me senti uma profissional. Mas
como os nossos pensamentos nos encurralam, lembro-me depois da reunião
na suposta sala do Ricky... Essas lembranças aquecem o meu corpo. Ai...
Ricky, como sinto sua falta. Não estou suportando viver sem você, mas
vamos em frente.

Logo cedo, parto para Los Angeles, tenho uma conversa


aberta com estudantes de Publicidade em uma universidade parceira.
Depois de um almoço de negócios — um compromisso chato, até
porque tudo é chato agora —, estou sem paciência e sem humor. Meu
motorista me leva para a University Communication Training, tenho uma
conversa sobre mídias e entretenimento, depois vou para a casa dos meus
pais, pois meus compromissos serão na W.E.
Saio do carro e sou recepcionado pelo reitor da universidade, Dalton
Riggi. Vamos até sua sala, sua secretária nos traz café e algumas pastas que
preciso avaliar, e iniciamos uma reunião, para o meu lamento.
Depois de mais ou menos quarenta minutos, vamos para um espaço
reservado, aonde foi montado um palco, vou conversar e responder
perguntas, olhando por cima, eles capricharam na recepção e tem mais
estudantes do eu esperava.
— Thank you, Ricky, for accepting the invitation[9] — Dalton agradece,
com um aperto de mão.
— I thank you for the invitation, let's start. [10]
Ele entra no palco e pronuncia algumas palavras, logo após anuncia a
minha entrada.
— Let's welcome Richard McGuire, from W.E Universities.[11]
Ao entrar, recebo os aplausos de estudantes com olhos brilhantes.

— Como foi a sua aula? — pergunto para a Mel, encontrando-


a no corredor.
— Cansativa, tenho quinze minutos. Vamos sentar no gramado? — Ela
estica os braços para trás para alongar as costas.
— Tudo bem, estou cansada também.
Caminhamos rumo ao gramado, um espaço aberto como um grande
campo com árvores e mesas. As universidades dos Estados Unidos são bem
amplas, com alojamentos, enfim, lindas. Quando estamos chegando perto do
saguão, para atravessar para o campo, vejo muitos estudantes sentados,
assistindo a algo, como está distante, não vejo bem o que é.
— Mel, o que é aquilo?
Inclino-me nas pontas dos pés para ver por trás da plateia, há pessoas
sentadas e outras em pé, ao redor das que estão sentadas. A visão para o palco
está muito ruim.
— Provavelmente uma palestra — ela responde.
— Palestra? Será?
Nós nos viramos para sair.
— As a Marketing Professional...[12]
— Ouviu isso? — Ela me olha, confusa. — Esta voz do microfone,
conheço esta voz.
— Conhece? — Ela franze a testa.
— Sim, está um pouco abafada, mas é familiar. Não acha?
— Não acho, agora vamos para o gramado, estou cansada.
— Certo.
Estou com tanta saudade do Ricky, que achei que fosse... Deixa para lá,
estou escutando coisa.
Melissa e eu caminhamos tranquilamente até o gramado, estou muito
cansada, esta nossa rotina está tirando o nosso couro. Quando chegamos,
estendo a minha echarpe no gramado e deito-me, olhando para o céu, a Mel
deita-se ao meu lado, colocando sua cabeça na minha barriga.
Novamente vem na minha cabeça a voz, tenho certeza de que é familiar.
Parecia dele. No entanto, impossível ser, a cada dia que passa me conformo
mais em estar longe do Ricky, ainda mais agora, que sei que ele voltou ao
trabalho, e que está seguindo em frente. Talvez com ódio mortal de mim, e
com a Ellen ao seu lado.
Pensar na Ellen desperta uma força sobrenatural, uma vontade de
esmagá-la. O seu olhar de vitória, no momento da demissão, os olhares
acusatórios de todos quando recolhi minhas coisas e saí. Dando as costas para
o meu sonho. Lágrimas brotam nos meus olhos, lágrimas de frustração.
Como posso seguir, com tantos assuntos não resolvidos?
— Jully, tudo bem? — Melissa inclina a cabeça para olhar-me, por
sentir minha respiração oscilar um pouco.
— Sim, só estou pensando...
Ela levanta-se para olhar nos meus olhos.
— Pare de sofrer, não aguento mais vê-la assim, Jully.
— Melissa, é que eu não me conformo em como as coisas aconteceram,
tudo tão improvável, sem rumo, por mais que eu tente entender. Não
consigo... — Balanço a cabeça, em sinal negativo.
— Eu sei... talvez, se você e o Ricky tivessem conversado e terminado,
se fosse o caso, seria um real ponto final, mas este buraco que ficou,
atormenta você, não é?
A Melissa sempre me entendeu, ela soube sempre exatamente o que
dizer e como dizer, impressionante. É assim que me sinto, no meio de um
grande buraco, falta um ponto final nesta história, preciso saber o que se
passa na cabeça do Ricky, mesmo que não fiquemos juntos, mas eu preciso
saber.
— Sim, é assim que me sinto. — Fecho os olhos e as lágrimas que
brotaram escorrem no meu rosto. — Agora, ele, já colocou ponto final, está
seguindo em frente.
— O Rubem falou que ele voltou ao trabalho, só isso.
— Duvido muito, com a vaca da Ellen, se esfregando nele o tempo todo
— resmungo, só de pensar no rosto daquela diaba dos infernos.
— Vamos conseguir o telefone dele, aí você liga, tudo bem?
— Como? Já tentamos, lembra? Falamos com o seu amado namorado,
que se nega, falando não ter. Porque o Ricky mudou de número. Mas eu
tenho certeza de que deve ser o Nicholas, que não permitiu.
— Hoje, no meu próximo intervalo, vou falar com o Rubem. Ah... ele
vai me ouvir, deixa comigo.
Assinto, dando os ombros. Não tenho mais esperança.
Ela olha em seu relógio de pulso.
— Agora, vamos, já estamos atrasadas.
— Estamos... Merda!
Levantamos e corremos para a nossa próxima aula, quando chegamos ao
saguão há uma grande concentração de estudantes, acredito que a palestra já
tenha acabado. Estão um pouco eufóricos. Tento não esbarrar em ninguém,
mas estou com tanta pressa, que pedir licença não está sendo o suficiente.
— Vamos, Júlia... — Melissa grita, já distante.
— Calma... estou tentando. — Realmente, havia muita gente nessa
palestra, meus passos largos não conseguem acompanhar os da Melissa, que
já está bem lá na frente.
Meu corpo está tão cansado, que decido somente andar, já estou atrasada
mesmo. Um grupo de garotas está bem na frente do corredor.
Merda.
— Excuse, me please.[13]— Tento passar no meio delas, que
permanecem conversando, sem ao menos me dar atenção.
— The lecture was great, don’t you think...[14] — uma delas diz.
— Girl, leave I have to enter...[15] — digo, com impaciência.
Elas abrem passagem, meio a contragosto, e eu vou entrando no
corredor. Me dirijo até a sala de aula, meu professor, com uma cara
bravamente irritada, me deixa entrar.
— Sorry, teacher, the lobby was crazy, impossible to pass.[16]
Ele assente.
— Ok — digo, me desculpando.
Sigo para o hotel, após um dia cheio, estou muito cansado
e estressado com esta rotina. Amanhã, pela manhã, vou para a casa dos meus
pais, tenho somente mais dois compromissos aqui em Los Angeles, e depois
não sei se fico ou retorno para o Brasil.
Encontro-me em um grande deserto, vazio, perdido, e esta saudade
incessante que se apossou do meu peito. Por mais que eu tente seguir em
frente, quando a imagem da Júlia reflete nos meus pensamentos, volto para
trás. Tem que haver uma maneira de eu encontrá-la, temos que conversar.
Preciso me desculpar por tudo que o meu irmão e a Ellen fizeram com
ela, esta culpa me consome. Meu celular vibra, é o Rubem, meu primo.
Porra, estou sem saco para atender qualquer pessoa hoje, até mesmo ele.
— Alô... fala, Rubem — digo, impaciente, que é como me sinto, de saco
cheio.
— Oi, primo. Tudo bem?
— Sim, o que houve? Estou a caminho do hotel — respondo, sem
rodeios.
Ele hesita um pouco, meu tom ríspido o retrai e isso deixa-me mais puto,
o que esse garoto quer?
— Liguei para a tia Sara hoje, ela falou que você está em Los Angeles.
— Sim, tenho alguns compromissos por aqui, mas pretendo, em dois
dias, voltar para o Brasil. Tenho coisas pendentes por aí.
Meus olhos perdem-se na paisagem da bela Los Angeles, enquanto o
meu motorista faz curvas pelo trânsito da cidade.
— Então, eu não quis me envolver... — Percebo sua voz tomar fôlego.
— Sabe como é nossa família, né?
— Sei, mas se envolver em que, exatamente?
— Entre você e a Júlia. Fui proibido de falar sobre isso, e eu e a Melissa
quase terminamos por conta disso, e eu...
O que o Rubem quer me dizer, afinal? Eu sei que foi feito um grande
mutirão familiar, para que a Júlia sequer encostasse em mim.
— A Melissa me ligou hoje e conversamos, com franqueza. Eu
sinceramente entendi tudo, e...
— Certo, só um instante. John, estacione, por favor. — Dou o comando
para o meu motorista, preciso ter estabilidade para prosseguir com esta
conversa, volto a minha atenção para o celular. — Mas o que houve? Como
ela está? Você sabe onde ela está?
Faço todas as perguntas possíveis, ansioso pela resposta. Surge no meu
peito uma esperança, que se mistura com a empolgação de vê-la novamente.
Percebo que o Rubem respira fundo e oscila um pouco, antes de falar:
— Ela está bem... e, sim, eu sei onde ela está.
Mesmo com um tom preocupado, como se estivesse contando um
segredo e se sentindo culpado, ele desperta em mim, a vida. Encontrar a Júlia
é o que mais quero, sentir a sua pele na minha, me faz querer respirar.
— Onde ela está?
— Ela está em Los Angeles.
— Como? Aqui? — Um riso esplêndido surge nos meus lábios, ela está
aqui.
— Primo, ela está estudando na University Communication Training. E
morando com a Melissa.
— Mas eu estava nessa universidade agora há pouco, acabei de sair de
lá.
Ouço o Rubem rir, igual a uma criança.
— Sério? E não a viu? Que destino, Ricky.
— Eu quero o número dela, preciso ligar.
— Certo, desculpe... Eu... Espero que vocês se entendam e sejam felizes.
Respiro, aliviado, o vazio que preenchia a minha vida, está sendo
ocupado pelo o amor que tenho pela Júlia.
— Vou ser, com o número.
Rimos e eu apresso-me em pegar algo para anotar.
Estou a caminho de casa, não consegui assistir às duas últimas
aulas, estou com o corpo cansado e exausto. Acordei tão disposta hoje, mas
no início da tarde pensamentos tristes dominaram minha mente.
A Melissa ficou na universidade, para assistir às suas últimas aulas.
Escoro a minha cabeça no vidro da porta do táxi, vendo passar por mim
as sombras dos prédios de Los Angeles, meus pensamentos incertos e
confusos, batucam na minha cabeça, infelizmente ainda está difícil seguir em
frente.
O táxi estaciona no início da rua.
— There, in the yellowed building. — Pago o taxista e desço. —
Thanks.[17]
Caminhando em direção à entrada do prédio, sinto uma brisa suave e
fresca elevar os meus cabelos, fico arrepiada com o toque leve do vento.
Então, paro por um instante, para sentir esta sensação tão simples, porém,
necessária para acalmar o meu interior, no momento. Às vezes esquecemos
de apreciar pequenas sensações que o universo nos permite.
Sou interrompida pelo vibrar do meu celular.
— Alô.
— Linda...
Fico em silêncio, permitindo-me saborear o que acabei de escutar.
— Júlia, você está aí?
— Ricky?
— Sim, sou eu...
Ficamos em silêncio, ouvindo a respiração tensa um do outro.
— Tudo bem? — ele pergunta, finalmente.
— Sim. — Minhas mãos, assim como o meu corpo, estão trêmulas, com
a surpresa de ouvi-lo. — E você, como está?
— Agora... — ouço um longo suspiro —... estou bem.
Não percebo em sua voz raiva ou mágoa, e sim, suavidade. Isso já alivia
o meu coração. Ele não me odeia. Há tanto o que falar, não sei ao certo por
onde começar.
— Eu...
— Onde você está?
Respiro fundo, olhando ao meu redor, já insatisfeita com a distância
entre nós.
— Longe, muito longe... — digo e minha voz reflete frustração.
— Me explique, o que seria longe, para você?
Estou intrigada com sua pergunta.
— Estou em Los Angeles...
— Eu sei...
— Sabe? Como você sabe?
— O Rubem me falou hoje, agora, na verdade.
— O Rubem? E por que ele finalmente fez isso?
— Talvez ele queira corrigir um erro.
— Um erro? Ou muitos erros?
Ele hesita em responder, sua respiração já não está mais tão suave.
— Sim, muitos erros.
Novamente o silêncio instala-se entre nós. E todos os malditos erros me
vêm à cabeça e minha boca fica seca. Como posso iniciar esta conversa com
o Ricky? Como podemos conversar sobre todo este tormento entre nós? Eu
não sei. Esperei por este momento, agora me retraio diante dele.
— Qual o endereço?
— Ricky... — Ele respira fundo, quando eu pronuncio o seu nome, e eu
não posso deixar de abrir meus lábios de leve, saboreando o seu gesto. — Eu
estou nos Estados Unidos, bem longe de você.
— Acho que consigo chegar, ainda hoje, se você me passar o endereço.
Rio, alto. Ele conseguiu tirar de mim um fio de humor. Mas temos que
iniciar este assunto. Tenho que me desculpar, de alguma forma.
— Ricky, eu... — Tomo um gole de coragem. — Precisamos conversar
sobre...
— Júlia, fale o seu endereço, por favor.
Minha cabeça começa a raciocinar novamente, será que ele está aqui, em
Los Angeles? Mas como? Impossível. Ou possível? Meu corpo já aquece,
com a esperança de vê-lo na minha frente.
— Ricky — minha voz embarga um pouco, só de pensar na
possibilidade —, você está aqui, em Los Angeles?
— Sim, estou.
Suas palavras, como o fogo, consomem o meu corpo.
— Você quer me ver? — ele pergunta, com um certo desconforto na
voz, como se tivesse dúvidas.
Fecho os olhos, apertando o celular, com a ansiedade que me consome,
um suspiro, de alívio e expectativa, sai levemente do meu peito.
— Sim, quero muito.
Passo o meu endereço para o Ricky e o aguardo na entrada do meu
prédio, um turbilhão de sentimentos passam pelo meu corpo, mas o que
permanece com a espera, é a saudade. Meses sem vê-lo, sem tocá-lo ou falar
com ele, deixou a minha vida com um vazio enlouquecedor. O que sinto pelo
Ricky, este amor leve — porém feroz — trouxe para o meu interior, uma
felicidade que não conhecia. Ele me fez conhecer, ele me apresentou tal ápice
de sentimento, e agora, como vivo sem isso? Como vivo sem ele?
Um Mercedes-Benz preto para na porta do prédio, e eu o vejo sair do
carro, seus olhos encontram os meus, mesmo com a distância que estamos,
somos capazes de sentir a saudade em nosso olhar. Ao avaliá-lo por
completo, percebo como está diferente, mais magro e com uma expressão
tensa em seu rosto, acho que eu devo estar assim também.
Ele vem calmamente ao meu encontro, com os olhos fixos nos meus,
mas eu não consigo me mexer, o impacto da sua presença me deixa
estagnada. Tento racionar ou, ao menos, respirar, mas não consigo. A cada
passo que ele dá, uma lágrima de emoção brota nos meus olhos. Vê-lo bem,
inteiro, depois dos vídeos, causa-me um estado de agradecimento divino.
— Oi... — ele diz, com as mãos nos bolsos da calça. — Tudo bem?
Aquiesço, já não conseguindo mais segurar as lágrimas que embaçam os
meus olhos.
— Oh, linda... — E o seus braços cobrem o meu corpo pequeno e
trêmulo, para um longo e quente abraço. Nos conectamos com o som do
nosso coração, que não se contenta, e bate cada vez mais rápido. Nosso
corpo, nossa alma, misturam-se novamente. Minhas lágrimas caem, aliviadas,
e volto ao passado tirado de mim. Estou o recebendo, meses atrás, o
abraçando, após o resgaste, chorando em seus braços ao saber que ele estava
vivo. Não me canso de agradecer aos céus por isso, minhas lágrimas caem
por gratidão, em ter este abraço, agora — como se fosse antes.
Depois de não sei quanto tempo, nos afastamos lentamente, meu rosto
caído é erguido pelas suas mãos, e nos olhamos, nos perdemos em nosso
olhar.
— Vamos dar uma volta?
Enxugo minhas lágrimas com as costas das mãos e vejo o preto do rímel
se espalhar na minha pele. E respondo afirmativamente. Ele me conduz com
os braços até seu carro, onde seu motorista abre a porta para que possamos
entrar. No carro, permanecemos calados, suas mãos seguram as minhas, e o
meu rosto apoia-se em seu ombro. O carro passeia tranquilamente pelas as
ruas de Los Angeles, e quando nos aproximamos do mar, posso ver as folhas
grandes dos coqueiros balançarem com a brisa.
— Podemos ir à praia? — Inclino meu rosto para vê-lo.
— Sim... — Seus olhos mel intensos, brilham para os meus. —
Estacione, John — diz, ao seu motorista.
John estaciona e caminhamos em direção à areia da praia, ainda sem
rumo. Ricky me acompanha, paramos em frente ao mar, um do lado do outro,
e observamos a imensidão, ambos olhando para frente, apreciando o quão é
magnífico o infinito, me sinto mais tranquila e acredito que ele também. Pego
a minha echarpe e estendo-a na areia, sentamos, seus braços me cobrem
novamente e minha cabeça descansa em seu ombro.
— Perdão — murmuramos juntos e viramos para nos encarar.
— Ricky, eu...
Ele cala-me, quando um dedo seu levemente encosta na minha boca.
— Me escute, por favor. — Eu concordo, lentamente. — Só tem uma
coisa que eu quero que você saiba. — Ele se aproxima e acaricia o meu rosto
ternamente, meu semblante ilumina-se com a emoção de reviver seu toque.
— O quê? — murmuro.
— Tudo que aconteceu... de tudo que aconteceu... — Seus olhos
fecham-se e o seu semblante enruga-se com os seus pensamentos. — Perder
você — ele fala, ainda com os olhos fechados, e posso ver algumas lágrimas
tímidas escorrerem dos seus olhos, e, ao abri-los, um brilho diferente aparece
neles. — Perder você foi o mais difícil — ele sussurra e eu fecho meus os
olhos, apertando-os, enquanto meu coração libera-se da angústia, que o
esmagava há meses.
Suas mãos escorrem para atrás dos meus cabelos, entrelaçando-os entre
os seus dedos, com força, seus olhos mel tornam-se intensos e penetrantes,
fazendo meu corpo vibrar, sua boca, já bem próxima à minha, abre-se para
um sorriso, um glorioso e satisfeito sorriso.
— Eu te amo, Júlia Sales... — ele declara, lentamente... — Eu te amo
intensamente.
Estou deitada no peito largo do Ricky, e ele
carinhosamente acaricia meu cabelo, posso ouvir seu coração, batidas calmas,
meus dedos brincam com o botão da sua camisa e sou presenteada com o seu
perfume amadeirado.
Estamos assim não sei há quanto tempo, depois de nos beijarmos
incansavelmente, ficamos quietos, nos curtindo, calados.
— Quer casar comigo?
Como?
— Ricky... Eu... Como? — gaguejo, ridiculamente surpresa com seu
pedido.
Eu, casar com o Ricky?
Céus, por que tenho dúvida para responder?
— Quer casar comigo? — repete, com o tom ainda mais grave.
Levanta-se, me tirando do aconchego do seu peito perfumado, e encara-
me com uma seriedade absurdamente efusiva. Não consigo desviar o olhar,
porém, não consigo responder.
Ele está falando sério!
— Ricky, eu... — Fico desnorteada por alguns segundos, com este
pedido inesperado.
Este ano, passamos por poucas e boas, e o nosso amor sobreviveu a tudo
e mais um pouco, posso, assim dizer, que somos sobreviventes dos acasos da
vida. Agora, casamento é algo que ainda não tinha pensado.
— Ricky, ainda estou estudando, talvez...
— Talvez depois da formatura?
— Eu...
Desvio o olhar e pressiono o lábio inferior, tentado entender-me neste
momento, por que estou apreensiva com o fato de me casar. O pior, é que o
noivo é o cara que amo mais que tudo neste mundo, minha paixão inacabada,
meu amor eterno e, assim, vai as frases do papel de carta. Este devia ser um
momento romântico e emotivo, e eu o transformei em algo esquisito. O Ricky
deve estar com várias interrogações na cabeça, seu olhar inconsistente me
deixa ainda mais agoniada.
— Certo, sei que te peguei de surpresa. — Ele sorri, porém, posso ver
no seu olhar que ficou descontente com a minha dúvida. — Não precisa me
responder agora, pense.
Aquiesci, pensativa e inconformada, por não ter resposta a uma pergunta
tão simples e amavelmente esperada por qualquer mulher.
O homem dos meus sonhos me pediu em casamento e eu não aceitei,
pode isso?
— Agora... — Suas mãos seguram o meu braço, me girando e deitando-
me no sofá, seu corpo cobre o meu e sua boca entreaberta, faz com que seu
hálito de vinho me excite.
— Ricky, eu te amo... — sussurro, incansavelmente, declarando-me,
reforçando o meu sentimento por ele, não quero que fique magoado com a
minha incerteza.
— Como se sente, hoje?
Ele percebe o meu desconforto e quer mudar de assunto, o agradeço por
isso.
— Muito bem! — Mordo o seu queixo. — Quero você... Estava
enfartando de saudade.
— Estava, é?
Faço que sim com a cabeça e o seguro pelo colarinho, mordendo de leve
seu lábio inferior, ele me olha, já com más intenções com estes olhos mel,
que se tornam chamas em segundos, como um vulcão em erupção.
Zizi...
Para o nosso lamento, somos interrompidos por um barulho irritante.
Ricky olha para o seu celular e o ignora, mas o danado permanece tocando,
eu jogo a cabeça para trás, o xingando internamente.
— Vou desligar... — Ele escora uma perna no sofá, para alcançar o
aparelho, que está na beirada da mesa de centro. — Só um momento, é do
Brasil.
Franzo a testa, se é do Brasil, pode ser importante.
— Então, é melhor atender.
— Não conheço este número...
— Atende, pode ser importante.
— Certo. — Ele atende. — Alô... — Seu semblante fica rígido, assim
que ouve a voz do outro lado da linha. — Sim, é ele... — Seu olhar volta-se
para mim. — Olá, Eduarda, como vai?
— Quem? — pergunto, num impulso.
Ele tapa o celular com a mão e posso ver a tensão surgir no seu corpo,
que a essa altura está em pé na minha frente.
— É a Duda, Júlia.
— A Duda do Chill?
Ele assente.
Estou confusa...
— Júlia, um instante... — Ele se afasta.
Eu começo a sentir comichões no corpo inteiro, por que a Duda está
ligando para o Ricky? Ele encontra-se distante, com isso não consigo escutar
conversa. Portanto, meu cérebro produz diversas perguntas que confundem a
minha racionalidade.
Enfim, ele retorna, com o rosto pálido e olhar caído.
— Ricky, o que houve? — Levanto e paro na sua frente, já com o corpo
aflito pela sua expressão.
— Eu... não sei como dizer. — Ele olha para mim lentamente, posso vê-
lo atormentado e perdido.
O que a Duda falou, para causar tamanha tormenta em Ricky?
— Aconteceu algo? Com alguém?
— Sim, o filho da Eduarda está muito doente e...
— Isso eu sei, mas por que ela te ligou? O menino piorou?
— Júlia, temos que voltar para o Brasil...
— Temos, por quê?
— Ele precisa de um transplante e eu...
— Céus...
Por mais que me solidarize pela situação do menino, considero-me
egoísta em querer saber o porquê desta ligação diretamente para ele. Algo
esquecido me vem à cabeça, o incidente no Chill, quando almoçamos juntos
com a Guta, onde Ricky e Duda ficaram nervosos com a presença um do
outro.
— Ricky, não entendo, por que ela te ligou?
Ele anda de um lado para o outro, como se procurasse respostas às
perguntas que ele mesmo fazia, observo Ricky e essa expressão que tomou
posse dele é nova para mim. É um misto de tristeza e tortura que me
angustiam, coloco a mão sobre seu ombro, e meus olhos pedem uma resposta.
— Ele é meu filho.

Sabe aquele momento da vida em que você tem absoluta certeza
de que alcançou o céu, pois é assim que me sinto ao reencontrar Ricky, o
grande muro de mal-entendidos que nos separou, foi derrubado pela alma
inocente do Rubem. Mesmo afastados esse tempo, nada mudou, nos amamos
com a mesma intensidade. Portanto, a sombra triste que cercava a minha
vida, foi minada por luz e novamente posso respirar seu perfume e tocar sua
pele. Embora sinta uma necessidade imensa de retirar suas roupas, pois este
homem me leva à loucura com seu beijo doce e molhado.
Confesso, permaneço uma pervertida quando o assunto é o Ricky!
— Senhor... senhor!
Em poucos segundos nossos corpos estão rolando na areia da praia, a
saudade entre nós é evidente, estamos desesperados para provar um ao outro.
— Senhor... senhor!
Paramos sem fôlego e olhamos, procurando quem aflito tenta chamar
nossa atenção.
— Senhor, aqui...
Encontramos, enfim, o motorista do Ricky nos acenando.
— Senhor, melhor levá-los para o hotel — sussurra John, com um
sorriso no canto da boca.
Ricky sorri naturalmente, enquanto eu cubro meu rosto com as mãos —
envergonhada. Céus, nos empolgamos um pouco. Seguimos para o hotel e
posso dizer que o calor entre nós é insuportável.
— Entre — Ricky diz, puxando-me para seus braços.
Ah..., como lamentei a ausência destes braços fortes ao meu redor.
— Estava com muita saudade — falo, seduzida.
— Eu também, nem sabe o quanto.
Seus olhos me avaliam por alguns segundos, e sei que consegue
enxergar minha alma, há algo novo entre nós. Acredito ser acima da
felicidade que já tínhamos quando estávamos juntos, não sei ao certo
distinguir o sentimento, mas é uma verdade absoluta.
— Vinho?
— Sim, claro.
Meus olhos o seguem até a cozinha.
Ainda estou extasiada com o nosso reencontro. É real, não é um sonho?
Dias de alento sem esperança de que ficaríamos juntos novamente. Recebo
de sua mão uma taça com vinho, degusto, admirando-o beber a dele, sempre
com aquele sorrisinho malicioso no canto da boca.
Aquele que faz molhar a calcinha.
Sabe!
— Te amo tanto, Júlia.
Eis, que estou com o coração incendiado e, claro, a calcinha molhada.
E não há mais espaço entre nós, seus braços já cercam minha cintura e,
sua boca degusta o meu pescoço.
— Ama! — Saboreio estas palavras como música, a mais linda e bela
melodia. — Eu te amo também, sabe disso, né?
Ele apossa-se das taças, as colocando sobre a mesa tão rápido, que meu
corpo não percebe sua ausência, suas mãos deslizam pelas minhas curvas e
param na minha bunda, onde ele a aperta, me pressionando contra si, para
que eu possa sentir algo que cresce e cresce... a cada aproximação.
— Tenho um pouco de dúvidas, ainda está com roupa — ele sussurra no
meu ouvido.
— Você continua safado, Richard.
Safadeza esta que adoro.
— E você permanece linda, quer dizer... mais linda. — Seus olhos
valorizam o meu rosto, e eu fico hipnotizada por ele.
— Eu te amo, Richard McGuire, com todo o meu coração.
Seus olhos fecham-se desfrutando das minhas palavras, enquanto eu
começo a desabotoar sua camisa, roçando as pontas dos dedos no seu
peitoral. Ricky pausa para sentir o meu toque, e eu aprecio seus músculos,
deslizando meus dedos em cada contorno definido.
Caramba!
Ricky emagreceu, porém, permanece gostosamente forte. Seu corpo
impulsiona o meu contra a parede, rápido, sem que pudesse prever sua ação,
suas mãos me percorrem, levando com elas meus braços, ele os ergue no alto
da minha cabeça, enquanto sua boca se perde no meu pescoço.
— Como eu estava com saudade desta pele, deste cheiro, desta boca. —
Seus olhos encontram os meus. — Nunca mais vou deixá-la se afastar,
ouviu?
Concordo, perdida com sua boca gulosa.
Ele pega-me no colo e eu pouso o rosto no seu ombro, podendo assim,
inalar o seu perfume amadeirado. Colocando-me na cama, acomodo-me
olhando para ele, o observando, seu rosto tensionado e sua cara de safado, me
excita. Ele se aproxima lentamente, cobrindo meu corpo com seu.
— Eu pensei que tinha perdido você — murmuro.
— Você nunca me perdeu, linda.
— Ricky, eu...
Seu dedo cessa minha voz.
— Não vamos falar nisso agora, talvez em outro momento, não agora...
Concordo, abrindo as pernas para recebê-lo. Ele sorri com más
intenções, e algo delirante nos cerca, uma excitação ferve ao nosso redor,
como se estivéssemos rodeados de amor e volúpia.
— Consegue sentir este calor ao nosso redor? — pergunto, maravilhada
com que sinto.
— É o meu amor e desejo por você...
Ah..., lembra quando disse que alcancei o céu? Ultrapassei ele agora.
Suas mãos estão no cós da minha calça, que ele desabotoa com
movimentos lentos, deslizando-a até jogá-la no chão. Sensualmente ergue
minha perna no alto da sua boca, enquanto seus lábios macios traçam um
caminho extraordinário com beijos e mordidas excitantes até minha entrada
úmida, seus dedos mágicos acariciam a renda da minha calcinha em círculos,
este toque pervertido, me faz viajar em terras prometidas.
Pressiono os lábios, ansiando por mais.
Ele percebe a minha excitação e, com um movimento brusco, arranca
minha calcinha, me surpreendo.
— Nossa. — Ricky umedece os lábios, admirando minha vagina. —
Linda, estou faminto por essa flor rosada e sedutora.
Uau, suas palavras me fazem estremecer.
— Hum... é sua alimente-se.
Posso vê-lo salivar e o fervor ao nosso redor nos consumir de uma
forma, que nada, absolutamente nada é capaz de nos separar. Ele coloca dois
dos seus dedos na minha boca, chupo-os, umedecendo-os, depois desliza-os
até minha vagina molhada, penetrando-os. Sussurro, excitada, seus dedos me
exploram, friccionando o meu clitóris, me contorço em sua mão.
— Ricky... — imploro.
Ele retira os dedos, os saboreando, suas mãos me abrem mais. Exposta e
molhada, sinto um calor correr pelo meu corpo e imploro para ser fodida por
sua boca.
Agora!
— Ah, meu Deus, Ricky — grito, quando ele desliza a sua língua na
minha vagina escorregadia.
Agarro seus cabelos, pressionando ainda mais seu rosto. Ricky se
deleita, me chupando, me sugando, faminto e possuído. Minha boca abre-se e
uma vontade de preenchê-la me impulsiona a interrompê-lo por um instante.
— Quero provar você — sugiro.
— Então faremos juntos, o que acha?
— Hummm, deliciosa ideia...
Ele livra-se de sua calça rapidamente.
Liberto seu pau grande e grosso do algodão da sua cueca boxer. Seguro-
o em minhas mãos, e perco a concentração ao ver todo esse comprimento
gostoso diante de mim, estou babando, lambo os lábios ao vê-lo tão rígido e
pulsante.
Ricky vira meu quadril, deixando meu traseiro empinado no seu rosto.
— Ah, eu adoro esta bunda — ele geme, apalpando-a.
Em seguida, perco o fôlego, sua língua percorre meu clitóris, sugando
minha entrada devassa e ensopada, gemo alto, me esfregando ainda mais em
sua boca.
Oh... Céus, que boca!
Tento me concentrar no paraíso à minha frente, que implora atenção,
como é grande, não escondo o meu fascínio, pois a primeira vez que o vi
achei que não conseguiria engoli-lo, mas, foi feito para mim, meu número.
Umedeço os lábios para devorá-lo por inteiro até a garganta, o encharcando
com a minha baba.
Posso ouvir o Ricky gemer e parar por um instante, seu quadril ergue-se
para afundar ainda mais o seu pau na minha boca, que faminta o devora
possessivamente.
— Júlia... que delícia...
Estou com tanta fome do Ricky, que chego a engasgar com seu sabor,
conforme eu o lambo e o engulo, Ricky se lambuza na minha vagina, como
se estivesse possuído, não sei descrever o que é ser comida e comê-lo ao
mesmo tempo. Estamos loucos um pelo outro, a distância entre nós é a
pimenta necessária para nos darmos prazer.
Gememos e rugimos juntos, quando gozamos um contra a boca do outro.

Minhas pálpebras abrem-se lentamente, e a imagem que vejo é o rosto


lindo do Ricky, respirando suave. Movo-me devagar para não o acordar.
Porém, novamente volto a olhá-lo, meu vício, como eu sou apaixonada por
esse homem, inexplicável este sentimento que me consome, meus dedos
atrevidos acariciam seu rosto e levanto uma mecha solta dos seus cabelos
negros, passando delicadamente pela sua sobrancelha grossa. Seus lábios
abrem-se com o meu toque.
— Humm, que saudade de acordar com seu toque — diz, abrindo seus
olhos cor de mel.
— Jura? — Fico olhando para ele, encantada e uma felicidade
transborda dentro de mim.
— Juro! — Ele me aninha em seus braços. — Vamos tomar café, quero
ficar o dia inteiro beijando e comendo você, o que acha?
Inclino a minha cabeça para olhá-lo.
Ricky é um pervertido delicioso.
— Eu vou para a universidade, esqueceu?
— Esqueci — ele afirma, insatisfeito.
— Vim para estudar e ficar longe de você — comento, repudiando o
destino imposto para nós.
— Opção um, ok. Opção dois, fora de cogitação. — Ele levanta,
escorando a cabeça em sua mão. — Não conseguiram nos afastar, tentaram,
mas não conseguiram.
— Tudo que aconteceu, foi...
— Sei o que a Ellen fez... a demissão, eu digo, e vou reparar isso. Se
quiser voltar para o Brasil e retomar tudo.
Levanto da cama, pegando o roupão à minha frente, ando até a sala com
o olhar do Ricky sobre mim. E neste instante penso no que ele acabou de
dizer, voltar para o Brasil?
Volto-me para ele.
— Ricky, não posso, minha mãe se esforçou muito para que eu tivesse
esta chance, nem sei como falar sobre nós para ela.
— Mas você pode retomar o seu sonho no Brasil, voltar para a W.E, não
foi certo o que eles fizeram.
— Não posso largar tudo e simplesmente voltar, não sei...
— Então pretende ficar?
— Não sei, ainda estou confusa...
Ele levanta-se, e o seu corpo desnudo elimina a rápida confusão que
estava na minha mente.
— Eu não vou deixá-la. — Seus braços já estão ao meu redor. — Seja lá
o que decidir, eu estou com você.
Céus, como tudo muda depressa, não posso voltar e deixar todo o
esforço da minha mãe para trás, mas ao mesmo tempo sinto uma vontade de
ter minha vida de volta no Brasil, meus amigos, a W.E e sei lá... estou
confusa.
E excitada com o Ricky, todo assim, delicioso e nu na minha frente.
— Se eu ficar, como vai ser?
— Eu... fico aqui em Los Angeles com você — ele responde, sem
hesitar.
— Mas, e o seu trabalho?
— Júlia, eu sempre trabalhei muito, quando estávamos no Brasil, já
tinha decidido parar um pouco, então vou ficar aqui, se quiser.
— Ah, claro que quero.
— Temos uma W.E aqui na California, pode transferir sua bolsa.
— Mas como? Eu a perdi.
— Eu sou o dono, acho que posso te dar uma bolsa, se eu quiser.
— Não é bem assim... Ricky, e a sua família, ainda não falamos dela.
Ela não me aceita por causa do meu pai.
— Eu sei... Quero te pedir desculpas, sei o que o Nicholas fez.
— Ele realmente me magoou muito. — Tem uma pergunta entalada na
minha garganta. — Mas não entendo por que tanto ódio, é por mim ou por
você?
Ricky me encara e posso ver a dúvida ao falar do assunto, sempre
desconfiei que houvesse algo errado entre os dois, porém, nunca fiquei
confortável para perguntar. Sei que o Nicholas descontou em mim suas
indiferenças com seu irmão.
— O Nicholas é imaturo e irresponsável, sempre tivemos algumas
indiferenças pelas responsabilidades que nos foi passada, ele sempre quis
estar à frente de tudo, no entanto, meu pai nunca valorizou.
— Ele tem ciúme de você?
— Pode ser... — Ele desvia o olhar. — Café?
Percebo a mudança de assunto, e que tem algo a mais nesta história,
porém, agora não é hora de pressioná-lo e sim curti-lo, tenho uma saudade
insaciável no meu peito e no meio das pernas e preciso cessá-las a cada
minuto.
— Sim, adoraria.
— Ok, vou pedir e depois lhe dar um banho, o que acha?
— Acho ótimo.
Entramos no meu apartamento e encontramos a Melissa brigando
com a cafeteira, ela arregala os olhos ao ver Ricky e eu, sei que ela quer gritar
e pular em cima de mim, exigindo todos os detalhes do reencontro. Porém,
mantém-se fina e nos cumprimenta com um sorriso.
— Bom dia, Mel... Já conhece o Ricky — falo, piscando para ela.
— Não, é seu novo namorado? — ela diz, enquanto toma um gole de
café, e escora no armário da cozinha.
Ricky arqueia a sobrancelha.
— Novo? Como assim? — ele pergunta, com um tom grave na voz.
Rimos juntas e eu vou até a cozinha para abraçá-la.
— Acho que deixei um namorado no Brasil.
— Acha é...? Termina com ele, pois estou no comando agora. — Ricky
caminha até a cozinha e cumprimenta a Melissa com um beijo no rosto. —
Como você está, Melissa?
— Bem melhor agora, depois de vê-los juntos. — Ela me entrega uma
xícara com café.
— O seu namorado tem algo a ver com isso — diz Ricky, acomodando-
se no sofá.
— Eu sei, ameacei ele de morte — afirma Mel.
— Preciso agradecer ao Rubem. Se não fosse ele, não teríamos nos
encontrado — digo, tomando o meu café.
Como eu amo café.
— Ele tinha um monte de minhocas na cabeça, estava confuso por causa
do idiota do Nicholas — Melissa cospe as palavras e quando se dá conta, tapa
a boca. — Ops... Desculpe Ricky.
— Não precisa se desculpar, meu irmão exagerou. E, sim, ele é um
idiota — ele concorda, balançando a cabeça.
— MUITO, não sei se a Júlia te contou, mas...
— Chega, Melissa — interrompo, antes que ela fale merda. — Eu e o
Ricky vamos conversar com calma, sobre tudo.
— Eu sei de tudo que aconteceu, e eu cortei relações com meu irmão,
não nos falamos mais, infelizmente.
— Não! — me surpreendo.
Embora ache o Nicholas um idiota, imbecil e cretino. Me preocupo com
esta briga entre eles, isso pode de algum jeito interferir na minha relação com
a família do Ricky.
Quer dizer, a relação que pretendo ter com essa família.
— Não! E não sei por aonde ele anda.
— Sinto muito. — Sento ao seu lado, e com um beijo leve em seus
lábios, demonstro o meu desconforto com a situação.
— Não é culpa sua... O culpado morreu, e... — Seus olhos fixam nos
meus, com uma pergunta evidente.
Se há algum problema no fato de o meu pai estar morto.
Infelizmente não, durmo mais tranquila quando lembro que ele não vai
perturbar a minha mãe. Nunca mais. A verdade é que tenho vergonha de ser
filha daquele bandido dos infernos. O quanto ele nos fez sofrer, as pessoas
mais importantes da minha vida, foram as que ele magoou e machucou sem
piedade. Eu ainda odeio esse homem, infelizmente tenho este ódio dentro de
mim.
— Não vamos falar nisso agora... eu... desculpe — diz Ricky,
desconcertado.
— Casal — Melissa estala os dedos para ter a nossa atenção —, eu
tenho aula e você também, querida Júlia.
— Não... não quero ficar sem o Ricky. — Me aninho no seu colo, o
abraçando apertado, ele corresponde.
— Ah, muita inveja eu estou, viu?! Meu Rubem só chega daqui a dois
dias. — Ela sai em direção ao seu quarto, balançando a cabeça em sinal
negativo.
— Eu tenho que ir estudar...
— Não! Fica comigo, ainda não matei toda a saudade. — Sua boca
encosta na minha orelha. — Tem partes do seu corpo que ainda não beijei —
sussurra.
Estas palavras estremecem todo o meu corpo, e um calor estala-se entre
minhas coxas. Ricky sabe como me excitar, até mesmo com as palavras.
— Eu não posso faltar, tenho prova na próxima semana, e o meu inglês
não é tão bom assim como achei que fosse — digo, molenga, me movendo
em seu colo, pois ele me enche de beijinhos.
— Está certo. — Ele bufa. — Posso levar vocês?
— Sim, vou me trocar. — Dou um beijo leve em seus lábios, mas ele me
puxa novamente, tomando a minha boca com um beijo quente e molhado.
Ouvimos um pigarreio, que nos interrompe, paramos ofegantes e
olhamos para a Melissa, que está com os braços cruzados e a testa enrugada.
— Estou agora com muita inveja, quero que saibam.
Rimos.
— Desculpe, Mel, saudade acumulada. — Caminho em direção ao meu
quarto. — Ricky quer nos levar, você espera eu me trocar?
— Não posso, tenho que passar no shopping para trocar o presente do
Rubem, nos vemos na universidade. — Ela pisca e eu retribuo. — Até mais,
Ricky, e cuida da minha prima.
— Pode deixar, Melissa.
Ela sai, nos fitando com olhar suspeito.
Entro no quarto e bato a porta. Abrindo-a em seguida, Ricky permanece
no sofá, com seu charme.
— Richard, quer conhecer o meu quarto? — pergunto, escorada no
batente da porta.
— Hum, adoro arquitetura. — Ele, como um raio, me alcança e o seu
corpo já está sobre o meu na minha cama. — Bonito seu quarto. — Ele
move-se sobre o meu corpo, pressionando-o na cama. — Macia esta cama,
gostei.
— Jura, estava preocupada com isso.
Ele fecha os olhos.
— O que foi?
— Estou lembrando quais são as partes do seu corpo que eu ainda não
beijei.
— Sério, e quais são? — pergunto, já aquecida com suas mãos
percorrendo o meu corpo, e sua boca mordiscando a minha barriga. Seus
dedos ágeis abrem o cós da minha calça, deslizando-a entre as minhas pernas.
— Esta calça estava me incomodando, se eu fosse você, usaria somente
saia, é mais confortável, não acha?
Sorrio, excitada.
Entro no meu quarto de hotel, ainda com o perfume da Júlia
impregnado na minha pele e com uma saudade gostosa no peito, mesmo não
querendo que o seu cheiro saia do meu corpo, preciso de um banho. Entro na
ducha para aliviar a emoção que o amigão está sentindo, só de pensar na
minha deliciosa garota.
Após o banho, pego uma taça de vinho, preciso pensar, será que é
melhor comprar um apartamento? Estou confuso, a Júlia e eu temos que
conversar sobre nossa vida aqui em Los Angeles. Ouço alguém bater à porta,
estranho, não espero ninguém. Através do olho mágico vejo a imagem em
pessoa, de quem? Ellen Castiel.
O que ela faz aqui?
Fecho os olhos, escorando a testa na madeira, respiro fundo, tenho que
controlar a tensão quando estou com a Ellen, sei que ela não é uma pessoa
ruim, meu irmão a influenciou muito, não posso esquecer que tive uma
história com ela.
Abro a porta.
— Vai ficar me olhando com esta cara de espanto e não vai me convidar
para entrar?
— Ok. — Abro espaço para que ela desfile para dentro. — É que acabei
de sair do banho e...
— Já o vi de toalha várias vezes, Ricky, e sem também. — Ela arqueia
uma sobrancelha, sugestiva, com uma voz sensual, típica da Ellen, enquanto
seus olhos azuis percorrem meu corpo.
Melhor eu me vestir, seja lá o que faz aqui, prefiro estar com roupa.
— Ellen, um instante — digo, indo em direção ao quarto. — Sente-se.
— Fecho a porta e visto-me com agilidade.
Mesmo com tudo que a Ellen aprontou, ainda assim, não consigo odiá-
la. Ela foi nos últimos anos uma amiga amante, que me apoio e cuidou de
mim em muitos momentos. Num período da nossa relação maluca, eu tentei
amá-la, dar valor ao sentimento que demonstrava ter, no entanto, nunca me
prendia ou fazia com que eu sentisse falta.
Retorno para sala.
— Ellen o que faz aqui? — pergunto, confuso, enquanto seco o cabelo
com a toalha. — Você deixou tudo lá no Brasil e veio por quê?
Penso um pouco, ela que organizou a viagem, então, não!
— Ricky, tudo bem? Como foram os compromissos aqui em Los
Angeles e em Nova Iorque? — Seu tom formal me irrita.
— Não disfarça, Ellen, você planejou vir, logo após? Responde!
Ela bufa.
— Não, eu tenho uns assuntos para resolver na sede da Califórnia,
assuntos esses solicitados pelo seu pai. Depois vou visitar sua mãe e volto
para o Brasil. — Ela solta o ar. — Satisfeito ou quer mais alguma informação
da minha agenda? — ironiza.
— E o que faz aqui? — ordeno uma resposta mais precisa.
Estou exausto destes joguinhos imbecis.
— Precisava ver você, saudade. — Ela levanta-se, parando na minha
frente, sua boca rosada para bem próxima à minha, observo sua ação, sei
como funciona a sua sedução. Eu preciso colocar um ponto final, em
qualquer que seja esta maldita esperança que ela ainda tem sobre nós dois.
— Para com isso, parece até um pesadelo. — Me afasto.
— Ricky, fomos felizes, eu sei que fomos... Podemos tentar de novo, eu
sei que posso te fazer feliz.
— Ellen, como assim? Já tínhamos finalizado isso, quer voltar a esse
assunto de novo? — digo, emputecido com a sua insistência.
Pela sua expressão, não finalizamos.
Não sei o que tenho que fazer para que entenda, pois, vou ser um filho
da puta se a tratar mal ou colocá-la para fora.
Porém não vejo uma alternativa.
— Eu amo você, Ricky. Sempre amei, não consigo ficar longe, tentei, eu
juro como tentei... No entanto, não consigo. — Ela aproxima-se. — Vamos
nos dar mais uma chance?
— Eu tenho namorada...
Posso sentir seu rosto carinhoso, endurecer. Seus olhos caírem,
procurando no chão respostas para o meu anúncio.
— Como assim? Tão rápido, até ontem você estava sofrendo por causa
da filha do bandido?
— Sim, estava.
— Quem é essa, Richard?
— A filha do bandido, que, aliás, tem nome, Júlia.
Ela coloca as mãos sobre a cabeça, sem entender ou entendendo muito
bem, e solta um longo suspiro de frustração, tenta falar, contudo, suas
palavras saem picadas.
Fico encarando-a com braços cruzados.
— A Júlia está morando aqui em Los Angeles com a prima, Melissa,
como podíamos imaginar, não é? — Não queria ser sarcástico, mas meu
senso de justiça fala mais alto. — Aliás, quero agradecer a você por
confirmar todos os meus compromissos internacionais. Assim consegui
encontrá-la.
— E vocês reataram, depois de tudo que o pai dela fez com você? —
Sua voz está embargada.
— Foi o maldito do pai dela, ela não teve nada a ver com isso, já falei.
— Minha voz fica alterada. — Foi cruel o que você fez, demitiu, tirou a bolsa
dela. Nós já tínhamos conversado e tínhamos rompido, fui honesto com você.
— Você já foi cruel, assim como eu uma vez, lembra?
Ela me encurrala com um passado que me recuso a lembrar.
— Não acredito que vai justificar a sua atitude, em cima da minha, são
coisas diferentes.
— Muito diferente, pare de ser hipócrita, Richard.
— Porra, Ellen — digo, exaltado. — O que mais tenho que fazer? Diga-
me, pois não sei mais.
— Ela já veio aqui. — Ela olha ao redor.
— Ela dormiu aqui, estou com ela. E vou protegê-la de você.
— E você vai fazer o quê? Dar a bolsa para ela de novo, para a pobre
Júlia, filha de presidiário? — Seu tom debochado mistura-se com o seu
nervoso.
— Ellen, presta atenção, quero você longe da Júlia, entendeu? Agora
saia daqui!
Ela se assusta com o meu grito. Encolhendo-se, demonstrando
fragilidade. Não me convence, a conheço bem, a Ellen não é frágil.
— Ok, entendi. — Ela seca os olhos com as costas das mãos, pegando
sua bolsa no sofá. Sua mão segura a maçaneta, mas não gira, fica intacta
frente à porta. — Por quê? — Ela vira-se. — Por que você nunca me amou?
— Ellen... não.
— Me responde? O que tem de errado comigo... por quê? — Sua bolsa
escorrega de suas mãos, e posso ver o sofrimento em seu rosto.
— Ellen... — Me aproximo dela e a cubro com meus braços. — Não há
nada de errado contigo, o que tivemos foi especial, eu te amei quando
estávamos juntos, só que agora acabou, precisa seguir, assim como eu estou
seguindo.
Encaro-a. Demonstrando o respeito que tenho por ela.
— Eu sei, mas no fundo, achei que seria como sempre. — Ela acaricia
meu rosto e depois se afasta. — Eu amo você desde quando estávamos na
faculdade, sempre sonhei que nos casaríamos, teríamos filhos. Eu fazia
Administração, lembra? — Ela sorri com a lembrança. — Mudei de curso por
sua causa, Ricky. Me formei em Marketing para estar com você. Talvez, se
eu não tivesse te amado tanto, todos estes anos, seria feliz hoje.
— Desculpe, por não ter dado valor a isso.
Ela suspira ao colocar a mão no meu peito.
— Eu sempre quis seu coração... nunca consegui. — Balança a cabeça
em sinal negativo. — Invejo a Júlia, por ter encontrado a chave.
— Quero que seja feliz e que possamos um dia ser amigos.
— Como fomos todos esses anos, amigos de cama.
Rimos juntos e nos abraçamos.
Não posso negar, a Ellen é muito especial, independente de tudo, sempre
esteve comigo.
Quero a sua felicidade.
— Quero a sua felicidade, sei que o homem que conseguir o seu amor,
será feliz. Agora te peço, temos que seguir.
Ela confirma com seus olhos azuis safira, sem jogos e sem armas,
abaixa-se para pegar sua bolsa, saindo em seguida sem olhar para trás.
Quando saio da universidade, a imagem que vejo é o Ricky,
encostado em seu carro, com óculos escuros e cabelos ao vento. Ele atraiu
todos os olhares femininos, as universitárias americanas querem dar a
calcinha para ele. Por incrível que pareça, não estou com ciúme, quero beijá-
lo e mostrar para todas que ele é meu. Ele coloca o dedo no aro dos óculos, o
abaixando um pouco para me olhar, suspiro, e sinto um friozinho na barriga
maravilhoso, estar apaixonada é admirar cada detalhe e suspirar nas ações
mais simples.
Acreditem, estou suspirando!
Caminho até ele, seduzida, abraçando alguns livros, aprecio sua camisa
polo azul, adoro quando ele se veste casual, tira o peso de executivo, para ser
somente meu namorado.
Simples e amoroso.
— Oi! — ele diz, beijando meus lábios de leve.
Olho para ele, frustrada, por querer O BEIJO.
— Como assim? — O seguro pela camiseta, puxando-o para perto, e
tomo posse dos seus lábios saborosos e quentes.
Sei que estamos em público e neste momento todos olham para nós,
porém, Ricky me permite ser intensa nas minhas ações. Após nos beijarmos,
sem nos importar com as pessoas nos admirando como um casal, apaixonado
e abusado, ele me conduz para o seu carro.
— Ok. — Ele solta o ar. — Também senti saudade.
— Eu sei — digo, entrando no carro.
Ele entra em seguida, passando os comandos para o motorista, John.
— Vou te levar para um passeio especial.
— Aonde vamos?
— Surpresa!
— Você e estas surpresas.
Como sempre, Ricky me surpreende e comprova que ter dinheiro faz
diferença. Após passarmos no meu apartamento, para eu fazer uma mala
pequena, pegamos um jato particular e partimos para Nova Iorque.
Quase infartei. NOVA IORQUE!
Quando pousamos, à nossa espera, há um motorista para nós levarmos
ao hotel. Ficamos hospedados no Russell`s, um hotel perfeito e muito
luxuoso, nossa suíte belíssima decorada com rosas vermelhas, nos presenteia
com uma vista panorâmica de toda Nova Iorque.
Ricky fala pelos cotovelos, animado e feliz. Acho que nunca o vi assim,
tão solto e jovem. Não menciona trabalho e desligou o celular corporativo,
dedicando-se somente a me agradar, às vezes o pego me olhando, com seus
olhos mel brilhando como o sol.
— Ah, Ricky que sonho estar aqui...
— Aproveitando que estamos no Estados Unidos, vou ter o prazer de te
mostrar Nova Iorque. — Ele sorri, como sempre me encantado.
— Nós vamos à Broadway?
— Sim, se você quiser.
— Eu sempre sonhei em assistir a um grande musical da Broadway.
Céus, eu vou à Broadway.
— Fico feliz por realizar este sonho — ele diz, enquanto me entrega
uma taça de vinho. — Pretendo realizar todos os seus sonhos.
— Acho que estar com você, já é o bastante para mim. — Meus olhos
perdem-se com algumas lembranças. — Depois de tudo, você basta, nada
mais importa. — Não consigo conter as lágrimas que brotam nos meus olhos
com as recordações dos vídeos.
Como posso pensar nisso agora.
Nunca estive em um buraco fundo, sem vida e esperança. Nunca soube o
que era sofrer e sangrar a alma, até quase perder o Ricky, não consigo evitar e
as lembranças me vêm à cabeça, como maldição. Será que essas imagens não
vão sumir da minha mente, e este sentimento de culpa não desaparecerá do
meu coração. Embora meu pai não esteja entre nós, ele deixou o seu legado
de tortura. As cicatrizes da sua maldade sem limites permanecem.
— Não quero que lembre, passou. — Ricky cessa minhas lágrimas com
as mãos, e seus braços acalmam meu corpo aflito.
— Ricky, perdão pelo que meu pai fez com você...
— Júlia, não...
— Deixa eu falar? — Ele assente. — Eu sei que não devemos falar
sobre isso, logo agora e aqui. Mas, sinto uma necessidade de pedir desculpas
por tudo que aquele desgraçado fez a você.
— Você não teve culpa e, outra coisa, todos saímos machucados desta
maldita história. Agora estamos juntos e tudo ficou para trás.
— Sim, ficou...
É verdade, eu tenho que virar esta página e seguir com o Ricky na minha
vida. Apesar de ainda ter um grande muro de concreto para nós quebrarmos:
nossas famílias.
— Eu te amo...
Estas palavras mágicas ditas no meu ouvido, curam qualquer ferida, sei
que ainda temos muito para consertar, muitas perguntas precisam de resposta.
Mas o tempo vai nos ajudar a colocar tudo no seu lugar.
Juntos.

A primeira coisa que fazemos é irmos às compras, Ricky quer me encher


de casacos que têm umas dez camadas de algodão, não reclamei, achava que
Nova Iorque era frio, mas caí do cavalo, aqui é um gelo. Depois de irmos às
mais badaladas boutiques e comprarmos roupas para vestir a África, vamos a
um restaurante aconchegante e jantamos. Realmente, pareço uma turista
deslumbrada com as luzes e tudo de maravilhoso de Nova Iorque.
Após o jantar, voltamos para o hotel e, não demoramos muito, até
estarmos pelados e entrelaçados.

Logo cedo uma bela cesta de piquenique está à nossa espera na sala da
suíte, preparada especialmente pelo chef do hotel. Muito luxo para a minha
simplicidade que já adora ser da realeza. Nossa programação é o Central
Park, andar descalças e fazer um piquenique.
Só que não!
Primeiro, alugamos bicicletas, pois o parque é enorme, e precisamos de
um meio de locomoção. Primeira parada: Bow Bridge, uma linda ponte
sobreposta ao lago, sabem aquelas comédias românticas onde os
protagonistas reencontram-se numa linda ponte? Sim, cá estou eu, de mãos
dadas com o Ricky, escorada nos arcos esculpidos em estilo vitoriano,
apreciando a longa vista do lago.
— Esta ponte foi construída mais ou menos no século 19 — Ricky diz,
atravessando o piso de ypê.
— Incrível, Outono em Nova Iorque foi filmado aqui — sussurro. —
Amo este filme.
Ricky sorri, pensativo.
— O que foi, alguma recordação? — pergunto, curiosa com seus
pensamentos.
— Minha mãe é fã do Richard Gere, por isso...?
— Seu nome! — deduzo. — Então, agora somos Charlotte e Will, em
Outono em Nova Iorque, o que acha? — Enlaço o seu pescoço.
— Prefiro Ricky e Júlia, em Primavera em Nova Iorque.
Meu Richard, tão lindo como o Sr. Gere, gira o meu corpo, segurando-
me em seus braços para finalizarmos nossa cena, o nosso momento, com um
beijo.

Segunda parada: o Bethesda Terrace, um terraço que nos proporciona


uma vista linda, mas antes quis conhecer a parte de baixo, percorremos os
muros, fiquei maravilhada com as esculturas ornamentais nos grandes muros
de concreto, cada detalhe destaca uma estação do ano, belíssimo.
— Júlia, aqui é o Minton Tile. — Ele aponta para o teto. — Vê os
azulejos coloridos?
— Sim. — Observo os azulejos.
— Olhe com atenção...
— Nossa. — Percebo que eles formam imagens iluminadas. — Um
lindo mosaico, perfeito! — exclamo, admirada.
— Espere... — Ricky hesita. — Ouve?
Um som de violino suave nos presenteia com uma divina melodia.
— Venha, pela limpeza da acústica, estão tocando ao vivo. — Ele
segura a minha mão, me conduzindo um pouco à frente.
Procuramos o som e percebemos que vem de cima.
Subimos as escadas ladeadas com arcos, até a parte superior do Terrace,
lá encontramos uma banda de homens vestidos iguais aos Beatles, porém, um
dos integrantes toca violino, sensacional, o arranjo leve da canção Yesterday
(Ontem) romantiza o ambiente, cercado por muros esculpidos. Volto o meu
olhar para o Ricky que, com seus olhos mel brilhantes, admira a canção.
Dou um passo à frente.
— Quer dançar, Sr. Richard McGuire? — solicito, com minha mão
estendida para ele.
Ele me fita por um instante.
Movendo seus lábios para um sorriso no canto da boca, segura a minha
mão, me rodopiando ao seu redor, posso ouvir o violino solar, para que
possamos deslizar lentamente no terraço. Descanso minha cabeça em seu
ombro, enlaçada com seus braços.
E tudo ao nosso redor pausa por um instante, para que juntos possamos
curtir o nosso amor, às vezes perdemos a oportunidade de nos esquivar de
todos à nossa volta, e olhar somente para o que importa. Portanto, o que
importa neste momento é a paz que o amor do Ricky me traz, pois entreguei a
ele o meu coração e ninguém pode mudar isso.

Nossas bicicletas correm pelas ruas estreitas, parando em alguns pontos,


para o meu guia sexy apresentar o Central Park.
Fico totalmente empolgada com um parque de diversões montado na
área de patinação, corro em direção ao carrossel igual a uma criança de cinco
anos. Puxo o Ricky para subir no cavalo, enquanto eu vou direto para um
grande unicórnio. Ele recusa, resmungando não gostar, até um rapaz bem
simpático ocupar o lugar, seus olhos arregalam, indignado, no mesmo
momento ele engole o orgulho e sobe no cavalo. Giramos e rimos, não nesta
mesma ordem, mas ver o sorriso do Ricky sem limitações ou privação não
tem preço.
Após o carrossel, esticamos uma toalha enorme no gramado, abrimos a
cesta que contém pães, frutas, suco e alguns patês deliciosos. Comemos
calmante, enquanto compartilho com ele minhas experiências neste período
que estou em Los Angeles, a rotina da universidade, minha nova amizade
com Melissa e os meus planos de carreira.
Está tudo perfeitamente tranquilo, até que voltamos ao dilema W.E.
Ricky insiste para que eu volte, embora o ensino da minha universidade atual
seja inferior ao da W.E, me recuso a voltar, tracei metas e não vou voltar
atrás.
Ele resmunga, indignado, com que chama de injustiça, e quando o nome
da Ellen é citado, fico brava, na verdade, irada e muito puta da vida. Não
gosto nem de pensar no cabelo dela, pois ela causa-me um nervoso
incontrolável, ainda assim, não quero matá-la pelo que fez comigo, porém, se
pudesse raspar a cabeça dela, faria.
Quando Ricky percebeu que eu estou estressada, cala-me com um beijo,
longo e quente.
Digno de cinema.

— Meu Deus, Ricky — digo, admirada, quando saio do carro e meus


olhos brilham com os esplêndidos teatros da Broadway, os grandes outdoors
anunciando os mais famosos musicais me prendem a atenção. Tudo tão
mágico, que chego a me emocionar, mesmo com um frio congelante, aprecio
cada detalhe da grande avenida.
Entramos no Ambassador Theatre, uma longa escadaria com corrimões
dourados e um impecável tapete vermelho recebem os nossos passos,
subimos e, após o Ricky falar com um funcionário, somos direcionados a um
corredor e recebidos por uma moça muito educada, vestida com um elegante
terno azul, e no alto da cabeça um coque tão perfeito que mesmo com um
vendaval aquele círculo de cabelos caramelos não desmanchariam.
Fiquei impressionada com a perfeição deste penteado, minha mãe ia
morrer de inveja.
Ela sorri lindamente, percebendo minha admiração ,e nos acomoda num
camarote.
Céus, estou num camarote da Broadway.
Cadeiras confortáveis e uma vista para o palco privilegiada é o que
temos, vou até a beirada, me escorando na sacada, e mal consigo conter a
emoção do que vejo. O Theatre é belíssimo, me sinto como nos tempos da
realeza, quando os reis eram convidados ilustres e as companhias teatrais se
apresentavam exclusivamente para eles.
É assim que me sinto, uma rainha ao lado do meu rei Richard.
— Magnífico! — exclama Ricky, tão encantado quanto eu.
— Sim, olha este lustre.
No teto do Theatre há um grande lustre com gotas de cristais caídas,
rodeado por rosas douradas. Desvio o meu olhar para a plateia, além de
imensa, encontra-se lotada, todos empolgados para o começo do show.
Sou completamente apaixonada por musicais. No colégio, produzi Cats,
pois era muito tímida para representar, então optei pela produção. Enquanto a
Melissa saltou como uma verdadeira gata, quando ganhou o papel da
Cassandra.
— Espero que goste, Chicago é uns dos meus musicais preferidos.
— Como não gostar, é Broadway.
— Com licença — a moça do coque, nos interrompe, falando em inglês
e nos serve duas taças de champagne.
— Deixe a garrafa, por favor — solicita Ricky.
— Claro, senhor — ela concorda, saindo em seguida.
— Júlia, seu casaco, deixe-me pendurá-lo.
Ricky auxilia-me com o casaco. Me acomodo na cadeira, que de tão
confortável, é possível dormir nela. Dou um gole na champagne e é como se
estivesse tendo um orgasmo de sabor.
— Céus, que delicioso — digo, após dar outro gole bem longo.
— É uma belíssima Champagne Moet Chandon Rose.
— Certo — afirmo, confusa. — Eu não sei o que significa, mas ficaria
em uma banheira coberta disso.
Ricky cerra os olhos, com o semblante devasso.
— Eu ia adorar deixá-la marinando numa banheira de Moet Chandon,
para depois comê-la profundamente — propõe, com uma voz absurdamente
sexy.
Engasgo com os pensamentos pecaminosos de Ricky, que me puxa para
um beijo aromatizado de Moet Chandon. O ambiente escurece, ficando ainda
mais difícil resistir à combinação: sabor e perdição.
Céus! A bichinha está pulsando entre minhas pernas.
Combato o desejo de montar nele, pois estou sedenta de vontade. E o
afasto, não sei como conseguimos nos levar ao limite com uma frase. As
luzes do palco acendem e o locutor dá início aos recados.
— Ricky, espetáculo, vamos assistir ao espetáculo — ordeno, tirando
suas mãos da minha perna.
— Eu não fiz nada. — Ele sorri e beija a minha testa.
As cortinas vermelhas abrem-se, anunciando uma orquestra ao fundo do
palco, eles tocam uma prévia com trechos de algumas músicas do espetáculo,
até as luzes apagarem novamente. Um foco de luz é aceso, iluminando uma
atriz.
— Sejam bem-vindos, senhoras e senhores. O que vocês verão aqui esta
noite é uma história de crime, ambição, corrupção, violência, abuso, adultério
e traição. Todas essas coisas que adoramos, Obrigada — diz atriz, colocando
sobre a cabeça um chapéu preto e saindo em seguida, para que a orquestra
inicie o som suave de All That Jazz (Tudo é Jazz), bailarinos vestidos com
roupas pretas e muito sexys, compõe o palco numa coreografia sensual e
magnífica.
Não consigo desviar o olhar do palco, estou maravilhada e hipnotizada
pela magia do musical, as vozes afiadíssimas das atrizes que interpretaram
Roxie e Velma Kelly me levam ao delírio e todo corpo do elenco com
movimentos e expressões deslumbrantes me sensibilizam.
Foram dois atos de puro sex appeal.
— Ricky, nunca assisti a algo assim.
— Sabia que ia gostar. — Sua barba rala roça meu rosto levemente,
incitando minha pele. — Chicago é assim, excitante como você.
Seu tom sedutor me sugere safadeza.
— Você acha?
— Com certeza — ele afirma, com um beijo leve nos meus lábios. —
Vamos jantar?
Meus olhos desviam para sua boca.
— Sim, estou com fome. — Não consigo evitar, deslizo a língua no seu
lábio inferior com gosto de Moet Chandon, depois o mordo, puxando-o um
pouquinho para frente. — Hum, meu alimento está bem aqui.
— Júlia, não brinca comigo. — Ricky sorri e seus olhos tornam-se
obscenos. — Você não imagina o que faria com você neste teatro — ele
sussurra, com uma voz rouca, me atiçando para o pecado.
Cerro os olhos, demostrando curiosidade, depois meus dedinhos
salientes andam pelas coxas de Ricky, o estimulando com minha unha, que
escorrega sobre sua calça, encontrando o meu presente — ainda embrulhado
— seguro, apalpo, movo em minha mão, o fazendo altear. Ele fecha os olhos,
apreciando em gemidos minha audácia.
— Me mostra! — sussurro em seu rosto.
— Ah, garota. — Ele levanta-se subitamente. — Espere. — Pega a
garrafa de Moet Chandon do balde de gelo e me arrasta para fora.
Sorrio, imaginando como vamos finalizar essa garrafa.
Seguimos para o final do corredor, algumas pessoas passam por nós em
direção contrária, entramos numa ala com diversos quadros com imagens das
cenas de alguns musicais estreados no Theatre, atravessamos uma longa
cortina, até Ricky entrar num banheiro e travar a porta.
Olho ao redor e não há ninguém.
— Nossa, você conhece bem aqui — afirmo, fitando seu olhar.
Ricky coloca a garrafa de Moet Chandon sobre o lavabo e se aproxima.
— Sem perguntas, garota. — Ele segura a minha cintura para erguer o
meu corpo, me acomodando sentada no lavabo. — Gosto de cumprir com as
minhas promessas.
— Que bom, fiquei preocupada.
— Portanto... — Seus dedos puxam camadas do tecido do meu vestido
tubinho, que sobe ao seu comando, parando na minha cintura. — Vou fazer
você gozar gostoso.
Anseio com sua promessa.
— Senhor, por favor — imploro sua atenção, mexendo o quadril para
frente, lhe proporcionando uma visão privilegiada.
Sinto-me uma pervertida, ansiando pela sua boca, mas gosto, me
permito ser neste momento. O seduzo, o cobiço, o estimulo, me abrindo ainda
mais, e vejo suas pupilas dilatarem com a visão perversa do desejo.
Seus olhos pairam na minha entrada.
— Sou fascinado por estas calcinhas minúsculas de renda que usa. —
Seus dedos deslocam a renda da minha calcinha, tirando-a sem demora, ele
observa a peça e a pendura num gancho ao lado.
— Durante o espetáculo, a única coisa que pensei, foi em beber como se
deve este Moet Chandon. — Ele pega a garrafa, colocando-a na minha boca
para que eu possa tomar um gole. — Agora, posso realizar o meu sonho.
Ricky despeja o líquido divino da garrafa na minha entrada, arqueio as
costas, com o misto de temperatura, o calor, mistura-se com o gelado da
bebida.
Emito um sussurro longo...
Em seguida, recebo a boca quente e a língua mágica de Ricky. Que suga
o meu clitóris como um devorador de sexo, sua língua lambe o líquido, me
proporcionando uma viagem afrodisíaca. Tapo a boca para não gritar com o
tesão incontrolável que possuiu meu corpo. Meu quadril desnorteado rebola
como uma dançarina de axé no rosto do Ricky, que puta que pariu, fode meu
sexo temperado com Moet Chandon numa fúria. Arqueio a espinha com calor
queimando o meu corpo.
Gozo, em dois minutos, desmanchando-me na boca do Ricky.
— É assim que se aprecia uma champagne. — Sorri, pretencioso. —
Ainda não terminei com você. — Ele me desce do lavabo.
Enquanto me recupero do clímax, olho no espelho — ofegante e
iluminada. Ainda trêmula, desvio o olhar para Ricky, que abaixa sua calça e
libera seu pênis.
— Olha o que faz comigo — ele diz, se masturbando levemente.
— Hum, que delícia — digo, desfrutando da imagem. — Minha missão
na terra é fazer o bem.
— Que garota do bem gostosa eu tenho, olha como estou. — Suas mãos
deslizam pelo seu membro, me provocando.
Já estou com água na boca.
— Mãos no lavabo — ele ordena.
Obedeço, colocando minhas mãos sobre o mármore frio, olhando-o
através do espelho.
— Eu sei que gosta de emoção. — Ele beija o meu pescoço. — Abra as
pernas.
Atendo ao seu comando, sem conseguir dizer nada, estou embebedada
de desejo novamente.
— Empina a bunda para mim.
— Assim...?
— Sim, não desvie o olhar do espelho. Quero que veja eu te fodendo, e
como seu rosto fica lindo quando goza.
Contemplo o nosso reflexo, somos perfeitos juntos. Ele acaricia o meu
cabelo, enquanto encaixa seu membro pulsante no meu sexo, que lateja de
tesão, crava suas mãos na minha coxa e mergulha dentro de mim.
Completo.
Inteiro.
— Nossa, Júlia. — Ele geme no meu ouvido. — Estar dentro de você é
glorioso, minha linda.
Ele me come, me devora, me consome, metendo continuamente,
estamos hipnotizados por nossa imagem indecente, pois somos viciados um
no outro, gememos juntos com o tesão apaixonante que nos envolve. Ricky
aperta minhas coxas e eu jogo o meu corpo contra seu peito.
Gritamos, juntos, quando somos atingidos pelo orgasmo

— Saímos do banheiro, parecendo suspeitos de cometer um crime.


Quando chegamos ao corredor, a moça de coque vem ao nosso encontro,
com um sorriso no rosto.
— Com licença, desejam mais alguma coisa, senhor.
— Não, obrigado. Vamos retirar nossos pertences.
— Nós agradecemos. — Ela desvia o olhar para mim. — Senhorita. —
E com um gesto de cabeça se despede.
— Nossa, gostei dela. — Ergo o rosto para Ricky. — Ela sabe que
fizemos amor no banheiro, não é?
Ricky sorri.
— Seu rosto rosado e satisfeito, delata que acabou de ser comida — ele
sussurra, e entra no camarote.
— Sério? — Fico paralisada. — Meu Deus.

Ricky dispensa o motorista para que possamos caminhar pelas ruas


iluminadas da Broadway, eu, como sempre, turista, fico encantada com todos
os detalhes. Embora Ricky tenha feito reserva num restaurante cheio de
fluflu, simpatizo assim que passamos em frente, num restaurante de comida
italiana, Carmine’s, o cheiro do molho atiça o meu paladar, me fazendo
flutuar e entrar. O lugar é simples, porém, aconchegante. Como não fizemos
reserva, esperamos no bar.
— Júlia, um instante, vou falar com o maitre.
— Tudo bem.
Ricky se afasta, após beijar-me nos lábios, enquanto eu escoro no balcão
para aguardá-lo.
— Júlia.
Viro-me quando ouço o meu nome.
— Davis, tudo bem?
— Passeando em Nova Iorque? — ele pergunta, falando em inglês. Seus
olhos percorrem o meu corpo, me medindo como uma fita métrica.
— Sim, estou e você? — Tento desviar o assunto dos seus olhos de
trena.
— Meus pais têm um apartamento aqui, então venho descansar da rotina
universitária, sabe como é?
— Sim, sei bem, estou aqui pelo mesmo propósito — digo, me
afastando, porque ele se aproximou um pouco.
Demais, até.
— Sozinha em Nova Iorque?
— Eu...
— Não, ela está com o namorado. — Ouço Ricky respondê-lo atrás de
mim.
Davis desvia o olhar para Ricky, enrugando a testa.
Ele é uns dos garotos mais fúteis da universidade, metido a garanhão,
pensa que pode tudo por ser homem e rico. Falo com ele somente o
necessário, no entanto, sempre que pode quer puxar conversar.
— E você, quem é? — Ricky pergunta para Davis, com um tom grave.
— Ricky — interrompo. — Este é Davis, colega de classe da
Universidade. Davis, este é Richard, meu namorado.
Ricky ergue as sobrancelhas, como se perguntasse para Davis: “O que
ainda faz aqui?”. Davis desvia o olhar para mim, com um sorriso desdenhoso.
— Até mais, Júlia. — Volta-se para Ricky. — Aproveite Nova Iorque.
— Saindo em seguida.
Solto o ar dos pulmões e me pergunto: O que foi isso?
— Abusado este Davis — diz Ricky, enquanto seus olhos seguem seu
destino no restaurante. — Ele perturbou você?
— Não, amor — digo, doce como mel, para amansar a fera ciumenta. —
Ele somente trocou um oi, antes da sua chegada.
— Sei, entendi. — Seus olhos observam Davis, que sentou do outro lado
do restaurante, com um grupo de pessoas.
— Senhor, por favor — o maitre nos interrompe. — Me acompanhem.
— Claro — diz Ricky, ainda incomodado. — Vamos, Júlia.
Ele coloca a mão nas minhas costas, e seguimos o maitre.
Seu semblante sério me intriga, não acredito que ficou chateado com o
fato de eu estar falando com o Davis.
— Ricky, não pira com o Davis, ele é um idiota.
— Não sei. — Ele puxa a cadeira para eu sentar, contorna a mesa,
sentando-se em seguida. — Me incomodou vê-la conversando com ele.
— Na verdade, tudo relacionado à University Communication Training,
te incomoda — digo, observando a nossa mesa, estamos afastados do grande
salão, e temos um garçom um pouco afastado, mas de prontidão, aguardando
o nosso chamado.
— Não estou misturando as coisas, só fico imaginando o que aquele cara
faz quando não estou perto.
— Por que está perdendo o seu tempo, imaginando isso?
— Acha que estou perdendo tempo pensando em você?
— Não foi isso que quis dizer. — O encaro, e respiro fundo. — Eu não
fico imaginando quantas mulheres querem te dar a calcinha, porque querem,
quando não estou perto.
Ele me encara, sério, e percebo sua mandíbula tensionar.
— Ele perturba você na universidade?
Reviro os olhos, tentando entender o ciúme desnecessário do Ricky, o
Davis tem um ar desagradável, chegou uns centímetros perto de mim, ainda
assim, não tem necessidade de tanto.
— Responde, Júlia — ele diz, com um tom alterado e grave.
Assusto-me com a sua rispidez, o Ricky nunca falou comigo neste tom.
Ele percebe que não gostei da grosseria, ainda assim, seus olhos
autoritários me encaram, suas mãos deslizam sobre a mesa para tocar minha,
quando sinto seu toque, retiro-as num impulso, e cruzo os braços,
inconformada. Ele se afasta com a minha reação, chamando o garçom num
levantar de dedos.
Ignoro-o, estou muito irritada.
O garçom nos entrega os cardápios, e eu coloco o meu em cima da
mesa, sem olhá-lo. Ricky observa o meu desdém e volta-se para o seu
cardápio.
— Não estou com fome, não peça para mim. — Levanto e saio do
restaurante, ouvindo Ricky me chamar antes de eu abrir a porta.
Caminho na calçada, abraçada ao meu casaco, coloco o capuz para
conter o frio nas orelhas, e ando sem destino, porém, prossigo furiosa com a
sua atitude. Não vou permitir que fale assim comigo, não fiz nada que o
fizesse agir desta forma. No momento que vou atravessar a rua, sou
interrompida pelos braços de Ricky, que me puxam para o seu corpo.
— Desculpa, desculpa, desculpa — pede, me abraçando apertado. — Eu
fico louco só de pensar nesses caras perto de você. — Ele se afasta,
segurando meu rosto com as mãos. — Fale comigo!
Libero meu rosto lentamente.
— Não gostei da maneira que falou comigo.
— Desculpe, eu sei que às vezes...
— Às vezes é um babaca?
Ele sorri, porém, concorda.
— Sim, sou um babaca!
— Um babaca ciumento, por sinal.
— Nunca mais falarei assim com você. — Ele me abraça novamente,
encostando sua boca gelada no meu ouvido. — Eu te amo tanto, que às vezes
não sei lidar com isso.
Afasto-me, pego sua mão e coloco sobre o meu peito.
— Ouça o meu coração, ele bate por você. — Acaricio seus lábios
gelados com os meus, apertando os olhos para receber o seu amor.
— Sou o homem mais feliz por isso.
Posso ver no rosto do Ricky, que às vezes o amor nos enlouquece um
pouco. Vamos ter que aprender a lidar com isso.
— Um desejo?
— Peça o que quiser.
— Não sou a Frozen, me tira daqui.
Ele sorri.
Retornamos para o restaurante, saciamos a nossa fome com uma bela
massa e um delicioso vinho. Exaustos do dia maravilhoso que tivemos,
preferimos voltar ao hotel, após tomarmos um banho quente juntos, nos
aninhamos na cama, e claro, conversamos sobre o que aconteceu, quero ter
uma relação com o Ricky leve e com confiança. Não vou admitir que ele
decida com quem falo ou o que faço quando não estou ao seu lado.
Gosto de independência, fui criada por uma mulher que sofreu tanto
com os desmandos de um bandido, que batalhou para que eu fosse dona de
mim. E acima de tudo, me ensinou que um homem para merecer o meu amor,
tem que valorizar as minhas decisões. Embora, às vezes sendo frágeis, pois
somos mulheres e agimos com o coração, não significa que temos que aceitar
ordens ou se curvar a esmolas sentimentais. Sou grata a minha mãe por me
ensinar a ser a mulher que sou hoje.
Portanto, combinamos nos controlar com o ciúme, confiar um no outro,
e aniquilar de vez o meu retorno para a W.E.
No dia seguinte, o meu guia sexy me levou para alguns pontos turísticos
de Nova Iorque, passeamos como apaixonados pela movimentada Quinta
Avenida. Vamos ao The Museum of Modern Art (Museu de Arte Moderna)
uns dos museus mais prestigiados do mundo, deliro com as artes apresentadas
e claro, ganho uma aula particular com Ricky, sua inteligência me
impressiona, ele tem uma educação admirável, sabe falar sobre tudo, com
classe e sofisticação.
No início da tarde, quando não aguentamos o calor sufocar os nossos
corpos, mesmo querendo conhecer um pouco mais de Nova Iorque, não
resisto e me rendo ao desejo, entregando-me ao se corpo.
Retomarmos de Nova Iorque na segunda-feira de manhã,
exaustos do final de semana intenso que tivemos. Dormi praticamente a
viagem inteira nos braços de Ricky, que com seu carinho e atenção, me
proporcionou um final de semana inesquecível. Com os olhos fechados,
inalando o seu perfume, lembranças das loucuras que fizemos me vem à
cabeça, suspiro com os meus pensamentos.
Ele consegue ser gentil e devasso na mesma medida, eu o amo
duplamente por isso.
— Acorda, preguiçosa!
— Já chegamos?
— Sim, vamos. — Saímos do carro e o seu motorista se encarrega de
pegar as minhas malas, que ao partir era única, agora são quatro.
Não sei realmente o que farei com tanta roupa, é claro que a Melissa vai
se deleitar com os lindos casacos que ganhei, já estou escutando seus gritos,
assim que ver estas roupas de grife.
— Nossa, realmente compramos coisas, quer dizer, roupas — comento,
no elevador.
— Aqui em Los Angeles não é tão frio. Mas você vai precisar quando
formos para a Europa.
Ergo a cabeça para encará-lo, assim que escuto a palavra EUROPA.
— Nós vamos para a Europa? — Não consigo conter a minha
empolgação.
— Sim, se você quiser.
Dou um salto de emoção, com a felicidade em conhecer a Europa.
Imagina, euzinha em Paris, a cidade dos namorados, ao lado do Ricky!
Céus, é perfeito.
— Vai ser incrível, Ricky. — Enlaçada ao seu pescoço, agradeço com
um beijo.
— Adoro fazer você feliz — ele diz, auxiliando o motorista com as
malas. — John, obrigado, eu as levo para dentro.
— Certo, senhor, tenha um ótimo dia, Júlia — John se despede, falando
em inglês.
— Para você também, John.
Ele sorri, entrando no elevador e descendo para aguardar Ricky.
Deslizamos as malas até a porta, e eu me perco com a procura da chave, sou
péssima com chaves e bolsa.
— Achei — digo, quando acho meu chaveiro.
— Olhe o que vejo aqui — Ricky diz, pegando o punhado de chaves nas
mãos, e observando um chaveiro entre os três que estão pendurados. —
Ainda tem o chaveiro e a chave?
Ricky se refere ao chaveiro de madeira escrito Califórnia, que ele me
deu junto com a chave do seu apartamento, assim que soube da existência do
meu pai. Fiquei encantada com sua atitude e compromisso comigo aquele dia.
— Claro que tenho, ele me fez companhia em momentos difíceis.
Ele sela os meus lábios com um beijo doce, pois sabemos o que cada um
sofreu com a ausência do outro.
— Malditos momentos — ele conclui.
— Mas, não temos que pensar no Yesterday (Ontem). — Pisco para ele,
com a lembrança de dançar Beatles, no Terrace.
Entramos no apartamento e paralisamos, ao nos deparamos com a
Melissa e o Rubem quase sem roupas, no maior amasso. Eu giro o corpo de
Ricky e arregalo os olhos, envergonhada em atrapalhar o casal. Ricky,
sorrindo com a situação constrangedora, permanece de costas.
— Júlia... — Melissa grita, levantando-se apavorada e cobrindo-se com
uma almofada.
— Oi, desculpe, Mel, nós não sabíamos que...
— Eu... — começa Ricky, desconfortável.
— Permaneça de costas, Richard — Mel o interrompe, enquanto coloca
sua camiseta.
— Desculpe, Melissa — Ricky diz.
Rubem coloca sua camiseta, que, graças a Deus, era a única peça que
faltava em seu corpo e, eu intacta na porta com Ricky, acho graça da Melissa
toda desconcertada.
— Tudo bem, Júlia? — Rubem me cumprimenta com um beijo no rosto.
— Pode virar, primo, Melissa já está vestida. Como vai, cara?
Ricky vira-se e cumprimenta Rubem com um abraço, os dois vão para a
sala.
— Estou bem e você, chegou quando? — pergunta Ricky, acomodando-
se no sofá com Rubem.
Enquanto eu vou para a cozinha, acompanhada da Melissa, que cobre o
rosto para conter a vergonha.
— Vocês querem café, rapazes? — grito.
Eles assentem e eu começo a preparar o meu líquido preferido.
— Júlia, por que não me avisou por mensagem que estava chegando? —
diz Mel, cochichando.
— Eu jamais imaginaria que estaria em casa agora, às segundas-feiras
suas aulas são de manhã, garota.
— Meu docinho chegou, aí faltei...
— Imagino que vocês estejam com muita saudade acumulada, acho que
vou ficar dias sem dormir. — Sorrio, imaginado como serão as noites desse
casal. Já que eu e o Ricky ainda não fomos capazes de cessar toda a nossa
sede um pelo outro.
— Acredite, você vai pagar por interromper nossa saudade. — Ela faz o
sinal de aspas com os dedos.
— Sei que vou...
— Como foi em Nova Iorque, princesa?
— Intenso... digamos que aproveitamos ao máximo. — Desvio o olhar
para os rapazes na sala, que conversam entusiasmados. — O Ricky vai ficar
em Los Angeles.
— Vai?! — ela exclama, surpresa. — Júlia, têm alguém que você
precisa ligar, ela sabe de vocês?
— Mandei uma mensagem para ela no final de semana, se ligasse, ela
perceberia pela minha voz algo diferente. — Degusto meu café. — Vou ligar
hoje e contar tudo, sinceramente estou com medo da sua reação.
— Eu sei, se ela pudesse vir de jato até aqui, para te dar umas palmadas
dolorosas, ela o faria — Mel conclui, bebendo seu café.
Tenho que me preparar para a grande batalha — uma conversa franca
com a minha mãe. Dona Ana não vai concordar com esse romance, quando
houve oportunidade de me retirar do país, para me afastar de tudo, ela
prontamente agilizou a viagem, mesmo eu não querendo vir para os Estados
Unidos, me encurralou e, com sua autoridade suprema, determinou.
— Eu sei, não vou me afastar de Ricky... nunca!
— Jully, acredite, sua mãe não é o maior problema. — Voltamos os
olhares para Ricky e Rubem. — A família deles é o seu maior problema.
— Melissa, não me apavora. — Sinto um aperto no peito, já temendo o
encontro, pois, sei que este dia vai chegar, cedo ou tarde.
— Não estou te apavorando, é a realidade. Um pouco antes de
chegarem, nós...
Ergo uma sobrancelha, sabendo exatamente o que eles iam fazer e como
os pegaria, se chegássemos cinco minutos depois.
— Não, fora isso. — Ela ri. — Conversei com o Rubem sobre vocês. —
Seu sorriso some e seu rosto, preocupado, me alarma. — Eles não te aceitam,
Jully, a mãe do Ricky não quer você perto dele.
Eu compreendo, eles jamais vão aceitar a filha do homem que quase
matou seu filho prodígio. Entretanto, temos que nos fortalecer, caso tenhamos
nossa família contra nós.
— Não sei, Mel, ainda não pensei neste assunto — digo, com meus
pensamentos me atormentando.
— Júlia, tudo bem? — Ricky se aproxima, escorando-se na bancada.
— Sim, tudo ótimo. — Tendo disfarça meu desconforto. — Café?
— Sim — Ricky responde, ainda incomodado.
Sirvo-o, calada.
— Vamos jantar hoje? Nós quatro? — ele pergunta, preenchendo o
silêncio entre nós.
— Eu topo — Rubem concorda, se juntando a nós.
— Podemos comer aqui? — falo, indo para a sala e jogando-me no sofá.
— Certo, me encarrego da comida. — Ricky senta-se ao meu lado e me
encara. — Realmente, está tudo bem?
— Sim, amor, por que não estaria? — Dou um beijo leve em seus lábios.
Ele percebeu a mudança de humor, como sempre, tenho dificuldade em
esconder as minhas angústias. — Você não está pensando em cozinhar, né?
— Desvio o assunto, não quero deixar o Ricky preocupado.
— Adoraria ver o Richard McGuire cozinhando — diz Rubem, rindo e
escorando-se na bancada.
— Melhor não, a última vez que tentei, não foi tão legal. Vou comprar
comida, tenho um compromisso à tarde e logo após estou livre, às 19h, o que
acham?
— Perfeito. — Sento no seu colo e logo minha boca apressada o envolve
com um beijo.
— Perfeitíssimo — ele diz, sem fôlego. — Até à noite.
— Até à noite, agora vai. — Me aproximo do seu ouvido. — Senão vou
te arrastar para o meu quarto e garanto que não sairá — falo baixinho, com os
olhos atentos de Mel e Rubem sobre nós.
— Hum, após o jantar, prenda-me onde quiser. — Ele acaricia meus
lábios com o seu e levanta-se.
Deixa-lo ir embora é pior do que eu imaginava. Após se despedir do
casal, ele sai, fechando a porta. Deito no sofá e abraço uma almofada.
— Calma, Júlia, ele volta logo — fala Mel, com os braços ao redor do
namorado.
— Eu sei. — Encaro Rubem. — Obrigada, tenho que te agradecer...
— Júlia, não tinha muita consciência da história, era tudo muito
confuso. No entanto, hoje posso ver amor de vocês.
— Sim, o amo muito. — Levanto e caminho até o meu quarto. —
Obrigada, você foi o responsável pelo nosso reencontro. Agora, vou
descansar, e vocês não precisam ter juízo. — Pisco para eles, que sorriem
com caras de que vão aprontar.
Fecho a porta, os deixando sozinhos.
Penso no que tenho que fazer, tomar banho e ligar para a dona Ana.
Pensando bem, melhor eu tomar banho antes e me preparar para os gritos,
talvez a água fresca me encoraje.

— Mãe, por favor pare de gritar... — Para não ficar surda, tirei o celular
do ouvido, o colocando no viva-voz — Calma, dona Ana.
— Júlia, como ele te encontrou? — Sua respiração está alterada.
— Mãe, eu amo o Ricky, estou feliz.
— Júlia, vocês não fazem bem um para outro, veja o que seu pai, aquele
desgraçado, fez com ele e, por conta disso, a família dele acabou com seu
sonho, não foi o suficiente para vocês enxergarem?
— Passamos por tudo e ainda nos amamos.
— A família dele já sabe?
— Não, somente o Rubem!
— Meu Deus, Júlia. — Ela respira fundo. — E o Nicholas?
— Ricky cortou relações com o irmão.
O silêncio instala-se na ligação, só ouço a sua respiração e passos. Sei
que minha mãe está uma fera comigo, e com medo do meu foco nos estudos
desaparecer com a presença do Ricky. No entanto, eu consigo ter os dois, ela
precisa acreditar, tenho que passar esta confiança a ela, não quero deixá-la
preocupada, enquanto eu vivo meu romance feliz.
— Mãe, eu não vou desfocar dos estudos. Acredite, eu quero mais do
que tudo uma grande carreira. Porém, eu amo o Ricky, com uma força
inexplicável e...
— Eu sei, é isso que me preocupa. — Ela respira fundo novamente. —
Ele veio aqui, assim que recebeu alta do hospital. Queria conversar com
você.
Como?
— Como? Por que não me disse? — Ela compartilhou do meu
sofrimento. — A senhora sabia que precisava falar com ele, por que não disse
nada?
— Simplesmente, porque se contasse onde estava, ele iria atrás de você
e...
— E ficaríamos juntos, como estamos agora?
— Sim!
Solto ar de indignação, pela confissão absurda da minha mãe. Não
acredito que, mesmo sabendo que estava sofrendo aqui em Los Angeles,
calou-se.
— Eu quero a sua felicidade, filha, acredite.
— Minha felicidade é estar com o Ricky, confie em mim.
— Certo, Jully, você está apaixonada. Nada que eu disser vai convencê-
la. Agora, prometa que vai se cuidar e jamais vai permitir que pisem em
você.
— Prometo!
— Eu vou desligar. — Posso sentir tristeza em sua voz. — Fica com
Deus, meu amor.
— Te amo, mãe.
Jogo o celular na cama e reflito nas palavras da minha mãe. — Não
permita que pisem em você. Será que a família do Ricky pode me esmagar?
Estou com medo e apreensiva. Não estou nem um pouco ansiosa para este
encontro, espero que demore.

Estou impressionada como o Rubem é realmente um McGuire legítimo,


suas piadas sem graça e sem sentido, assim como as do Ricky, fazem minha
barriga e a da Mel doer de tanto rir. Somos duas garotas apaixonadas e bobas,
babando pelos namorados. Conforme prometeu, Ricky não cozinhou, nos
trouxe comida mexicana e um bom vinho — sua especialidade.
— Bati — digo, após completar a ponta do jogo de dominó com a peça
dois.
Sempre adorei jogos de tabuleiro, era praticamente campeã no colégio.
Rubem joga os braços sobre a cabeça, após não acreditar na minha quinta
vitória seguida.
— De novo, não, como você consegue, Júlia? — pergunta Rubem.
— Sou muito boa neste jogo.
— A Jully, no colegial, era a campeã dos jogos, ninguém ganhava dela
— comenta Mel, estendo a mão para eu bater e comemorar a minha vitória.
— Rubem, aceita ela é boa — Ricky diz, enquanto enche nossas taças
com vinho.
— Ok. — Rubem levanta-se. — Casal, vamos tomar esta taça no quarto,
estamos exaustos.
— E vamos dormir — completa Melissa.
— Ah, sim. Boa noite.
Eles entram no quarto, com cara de suspeitos e sem sono nenhum. É
visível o amor entre eles, Rubem é muito carinhoso e dedicado em fazê-la
sorrir. Melissa suspira em cada ação do seu amado, resumindo, são lindos
juntos.
Deito no colo de Ricky e seus dedos acariciam o meu cabelo, ficamos
quietos por um momento.
— Tenho que te contar uma coisa.
Ergo a cabeça para encará-lo, pois sua voz ficou grave.
— Aconteceu alguma coisa?
— Na verdade, lhe fazer um convite.
Não deve ser para viajar, seu tom apreensivo me intriga.
— Diga...
— Vamos tomar um ar... caminhar um pouco.
Hum, não estou gostando disso.
— Claro, vou pegar uma echarpe.

Andamos abraçados pelas ruas movimentadas de Los Angeles, a noite


estrelada e a brisa suave, proporciona aos namorados um cenário romântico.
Percebo algo indispor Ricky, e não parece ser simples, de duas uma: ou ele
quis espaço para conversarmos, ou teme minha reação ao convite em questão.
— Ricky. — Paro na sua frente, não consigo conter minha ansiedade. —
O que houve?
— Então, minha mãe marcou um jantar amanhã...
— Ah?
Ai, meu Deus do céu, da terra, do infinito e além.
— Conversamos, meus pais querem conhecê-la.
— Querem? — Agora estou com vontade de vomitar, a comida
mexicana embrulhou o meu estômago. — Mas assim, quer dizer amanhã?
Amanhã, minha gente!
— Sim, amanhã. Sei que é rápido, mas ela insistiu...
— Eles me aceitaram? — quero saber, pois estou apavorada com o fato.
— Júlia, eu não preciso de autorização, se a quero, é o suficiente.
— Mas, Ricky... — Procuro um lugar para sentar, minhas pernas estão
trêmulas.
— Fica calma, entendo que após tudo, você sinta-se insegura ou com
receio. Mas eu vou estar ao seu lado.
— O Nicholas, ele...?
— Não, ele não vai estar. Serão somente eu, você e os meus pais.
Não consigo evitar as recordações do hospital, das vezes em que
supliquei para ver o Ricky, a ignorância da qual fui tratada e acusada de ser
cúmplice do maldito sequestro, me entristecem. Infelizmente, não sei se
quero ser aceita e nem jantar com eles.
— Ricky, não tenho certeza...
— Se achar melhor adiar, tudo bem.
Lembro-me novamente das palavras da minha mãe, e não posso fugir da
nossa realidade. Portanto, se vou encará-los algum dia, então que seja logo —
no caso, amanhã.
— Tudo bem, eu aceito.
— Tem certeza?
— Sim, tenho aula de manhã e depois estou livre para jantar com a
família McGuire. — Sorrio, nervosa, tentando demonstrar que aceito. Mas a
real é que tenho uma mágoa entalada na garganta e um certo receio em vê-
los.
E um ódio mortal do Nicholas, devo ressaltar.
— Então, às 16h, venho buscar você.
— Combinado — concordo e o abraço.
— Vai dar tudo certo.
— Sim, vai — afirmo, já pedindo uma benção divina. Pois sei que vou
precisar.
Admito, experimentei praticamente todas as peças do meu
closet, e não encontrei nada que julgasse adequada para o jantar. Estou
aborrecida com tanta indecisão, até, enfim, optar por um vestido preto básico
— preto é sempre elegante. Completando o look com botas longas e um
casaco vinho belíssimo, que ganhei do Ricky em Nova Iorque. Fiz lindos
cachos no meu cabelo e uma maquiagem leve.
Ricky, como sempre pontual, está me aguardando em frente ao meu
prédio. Vamos para um heliponto e partimos de helicóptero para Berkeley,
interior da Califórnia e, também cidade sede da W.E. Estou muito nervosa,
no entanto, tento disfarçar, não quero que o Ricky se sinta desconfortável
com a minha insegurança. Consigo ver do alto a extensão do lugar, com
grandes gramados, jardins, cercas, árvores, lagos e uma mansão branca.
Nossa, toda branca.
Pousamos e um Buggy, carro de campo, está à nossa espera, somos
conduzidos à imensa mansão branca. Ricky faz questão de me mostrar no
caminho, um pouco da propriedade, linda... quer dizer, magnífica. Estou
encantada e ainda mais insegura.
Céus, o que me aguarda lá dentro?
Assim que chegamos, Ricky segura minha mão e me direciona não para
a porta de entrada e, sim, para um canto ainda fora a casa, mais reservado.
— Como você está? — ele pergunta.
— Bem... — Respiro fundo. — Quer dizer... nervosa, apavorada, em
pânico.
Ele ergue as sobrancelhas.
— Calma, eu estou aqui. — Ricky me envolve em seus braços. O som
do seu coração torna-se meu mantra. — Se em algum momento estiver
desconfortável, por favor, não hesite em falar.
Balanço a cabeça, concordando.
— Vamos?
— Ok. — Aperto a sua mão tão forte, que com certeza ela se fundiu a
minha.
Dentro da casa, tudo extremante elegante e lindo. Passamos por três
salas mais ou menos, até chegarmos a uma ampla de estar, onde encontramos
Sara, mãe do Ricky, sua imagem leve e simples, traz aconchego a este grande
palácio.
— Filho. — Ela o abraça com carinho e, depois, com as palmas das
mãos, segura seu rosto para depositar nele vários beijinhos amáveis.
— Calma, mãe...
— Estou com saudade do meu menino grande. — Ela desvia o seu olhar
para mim. — Júlia, como vai?
— Olá, Sara. — Cumprimento-a com um beijo tímido no rosto.
— Estou bem, melhor agora com a presença de vocês.
Seu tom leve consegue me acalmar no momento, e os pensamentos em
sair correndo, desaparecem. Dando espaço a um sentimento de recomeço,
talvez fosse o medo de perda, que a deixou naquela ocasião do hospital tão
ríspida e indiferente.
— Júlia, deixe eu guardar seu casaco.
— Ah, claro. — Tiro o meu casaco elegante e o entrego para Ricky. —
Obrigada.
— Um instante. — Ele sai com o casaco.
Aonde ele pensa que vai?
— Sente-se, Júlia. — Sara me convida. — Como foi a viagem?
— Tranquila. — E eu não consigo falar mais nada.
Sara me observa com um olhar intrigante e avaliativo, como numa
entrevista de emprego. Odeio me sentir testada ou encurralada, fico
angustiada e acabo falando ou fazendo alguma merda.
— Sua casa é linda — digo, rompendo o silêncio.
— Esta casa é especial — ela diz, com um tom amável. — Os meninos
cresceram aqui. Corriam por esses gramados como foguetes acesos.
— Tiveram uma infância linda, acredito.
— Sim, tiveram. Mas também passaram boa parte no Brasil,
principalmente em Angra. — Ela me encara, séria. — Sei que esteve lá!
— Sim, uns dos lugares mais lindos do mundo.
— Sim, é. — Ela pausa sua fala, se acomodando no encosto do sofá. —
Júlia, você sabe que não me agrado com este namoro.
POW.
Acabou o tom amável e partimos para a realidade.
— Entendo, mas eu...
Ela me interrompe, erguendo um dedo.
— Sofremos muito com tudo, com todo aquele tormento no Brasil. E
vou ser bem sincera, olhar para você é o mesmo que reviver aquela desgraça.
— Ela balança a cabeça em sinal negativo, e volta-se com os olhos
entristecidos. — Meus filhos não se falam, e eu não sei qual o paradeiro do
Nicholas, na verdade, nunca sei.
Espero que ele esteja bem longe, não consigo desejar outra coisa.
E cadê o Ricky?
— Sara, antes de tudo, quero me desculpar. Sei que minhas desculpas
não são o bastante em torno de tudo que aconteceu — digo tão rápido, que
dou uma pausa para respirar. — Mas, amo o seu filho e não vou deixá-lo, não
tenho culpa de ser filha daquele homem e, sinceramente, me atormento com
esta realidade.
Ele pisca os olhos, surpresa, com minhas palavras.
— Admiro a sua coragem, eu tentei ir contra o desejo do Ricky. No
entanto, pela primeira vez, consigo ver nos seus olhos um brilho, e quando
ele fala de você, sua voz torna-se algodão. Não vou mentir, ainda estou
receosa, mas vamos...
— Desculpe, demorei...
Ah, imagina, Richard. Vou me lembrar de te matar depois.
— Filho, foi bom, precisava conversar com a Júlia.
Ele me encara, como se perguntasse: “está tudo bem?”. O respondo com
um leve sorriso.
— Boa tarde ou já é noite?
Adentra na sala o pai de Ricky, Robert McGuire, ele caminha
lentamente ao nosso encontro, com movimentos bruscos. Sua voz grave, com
o inglês arrastando o português, demonstram seu jeito autoritário ao fazer
uma simples pergunta. Ele me olha e não sorri, apenas abre um pouco seus
lábios finos para me cumprimentar.
— Júlia, como vai?
Estende sua mão.
— Estou bem!
— Que bom que veio, temos que acertar algumas coisas.
Céus, não consigo deixar de me sentir a filha do criminoso.
— Pai, já está tudo conversado. Não vamos voltar a esse assunto
desagradável.
— Não queremos voltar, somente entender, Richard.
— Entender o quê? — indaga Ricky, um pouco exaltado. — Não a
trouxe aqui para fazê-la sentir-se como se estivesse num julgamento. Chega!
Não quero falar mais sobre isso.
— Calma, Ricky. — Coloco mão no seu ombro para acalmá-lo.
Não pretendo ser uma confusão na família de Ricky, apesar de ter
mágoa, tudo que eles sentiram, todo aquele sofrimento causado pelo meu pai,
é um motivo para que eles me rejeitem. Os entendo, apesar de tudo.
Aproximo-me de Robert, após tomar uma dose de coragem herdada de minha
mãe, e falo, num tom incisivo:
— Eu peço perdão por todo o sofrimento causado pelo meu pai, eu não
fui criada por ele e, sim, pela minha mãe, a quem admiro acima de tudo.
Hélio sempre foi um bandido e passou a maior parte da sua vida preso. Às
vezes em que esteve em liberdade, a usou para atormentar minha mãe,
machucando-a mental e fisicamente. Portanto, depois de tudo, estamos todos
livres dele.
Despejo toda a parte infeliz da minha vida, para aqueles que me
julgaram e me fizeram sofrer com a culpa. Sinto-me leve e liberta, não há
mais nada que possa fazer para ser aceita. Robert e Sara me ouvem, ele não
esboça nenhum sentimento, enquanto ela tem um olhar compassivo.
— Oh, linda, tudo bem. — Ricky me abraça e o calor do seu corpo me
acalma. — Este assunto está encerrado.
— OK, que bom que veio jantar conosco — diz Robert, seu tom
educado não revela seus sentimentos.
Este homem é uma rocha.
— Obrigada.
— Você é muito bem-vinda. — Sara estende os braços para que eu a
abrace, me surpreendo com o carinho e avanço.
Ouvimos palmas, na verdade, uma salva de palmas, seguida de um riso
sarcástico. Viramos num único ritmo e, para surpresa de todos, quem nos
prestigia de camarote é o Nicholas.
— Chegou quem faltava para o jantar...
Parece que estou vendo o diabo na minha frente, meu sangue
ferve e tenho certeza de que estou com o rosto pegando fogo, não consigo
evitar as lembranças, os desaforos ditos por ele surgem na minha cabeça,
como filme de terror. Nem nos piores pesadelos imaginei encontrar o
Nicholas. Ricky o encara, furioso, e posso ver no rosto da Sara, ela prevê
discussão.
O ar no ambiente torna-se cortante e tenso.
— O que faz aqui? — Ricky pergunta, dando um passo à frente.
— Eu moro aqui. — Nicholas joga-se numa poltrona azul à sua direta.
— Eu que pergunto, o que fazem aqui?
— Nicholas, contenha-se — diz Robert, indo até ele. — Ricky e Júlia
vieram a convite de sua mãe, para jantar.
— Você a encontrou mesmo, maninho, é muito amor. — Ele cerra os
olhos. — Talvez uma versão clássica de amor bandido. — Sua gargalhada
ecoa no ambiente.
Puta que pariu, este sarcasmo me enfurece.
— Mãe, obrigado pelo o convite. Mas nós vamos embora — diz Ricky,
enquanto me puxa pela mão para a saída.
— Não! — Sara grita. — Não admito esta indiferença entre vocês, são
irmãos. Desde aquilo... — Ela me olha por um instante e desvia o seu olhar
para eles. — Eu não consigo reuni-los para que possamos conversar, como
família.
Desde aquilo?
O que ela quis dizer, não entendo ao certo do que se refere, ainda
estamos falando sobre o sequestro, ou há um assunto mal resolvido aqui?
Estou perdida e confusa.
— Eu e o Ricky não temos nada para conversar, mãe. — Ele desvia seu
olhar carregado de acusações para mim. — Ele preferiu ficar com está aí, a
filha do bandido.
— Chega, Nicholas.
As palavras de Ricky foram tão rápidas quanto sua reação de socar o
rosto do seu irmão, mesmo eu tentando segurá-lo pelo braço e sua mãe
implorar para eles pararem. Não ouvem, estão cegos, e um esmurra o outro,
como se desabafassem suas indiferenças e raivas nos golpes. Robert, com sua
voz grossa e onipotente, grita um BASTA, e dois homens, que apareceram na
sala, conseguem separá-los. Porém, permanecem como cães raivosos,
esperando uma brecha para avançar um no outro.
Aproximo-me de Ricky, com lágrimas nos olhos, toco de leve seu rosto,
que está sangrando, olho para o Nicholas, que também está ferido. Me
pergunto com o coração apertado, que merda aconteceu agora, que ódio há
entre eles, sou EU? Meu PAI?
— Júlia, leve o Ricky para cima — Sara exige, apontando para a grande
escadaria. — Para seu quarto, por favor.
— Não, eu vou embora — Ricky diz, enquanto solta o seu braço do
homem que o segura. — Vamos embora, Júlia. AGORA!
— Sim, vamos, no entanto, preciso cuidar do seu rosto. — Seguro sua
mão e subimos as escadas, meio que a contragosto. Do alto, posso ver Robert
conversando com Nicholas, que, sentado no sofá, nos fuzila com os olhos.
Entramos no seu quarto, ele logo senta-se na cama e eu vou ao banheiro
com entrada pelo closet, pego uma toalha e procuro nas gavetas algo como
um curativo, mas encontro somente algodão.
— Desculpe, Júlia — ele diz, com a cabeça baixa.
Seguro seu rosto, o erguendo para olhá-lo nos olhos.
— Não quero que brigue com seu irmão por minha causa — digo,
encostando o algodão umedecido com água na sua sobrancelha.
— Ele não pode falar com você desta forma. — Ele espreme o rosto,
quando encosto o algodão no corte da sua boca.
— Sim, eu sei. — Sento ao seu lado. — Porém, agora tudo vem à tona
novamente, já tínhamos pulado a parte das lembranças desagradáveis.
— Ele não devia estar aqui. — Ele levanta, balançando a cabeça
negativamente. — A Ellen deve ter avisado.
— A Ellen, como ela sabe de nós?
— Ela foi ao hotel...
— Ela foi ao seu quarto de hotel? — pergunto, em pé, na frente dele.
A vaca está em Los Angeles e só soube agora.
— Há alguns dias, ela foi ao hotel, achando que eu estaria sozinho. —
Ele hesita, pensando em como vai me dizer. — Ela tinha esperança de
reatarmos, é isso.
Ela tinha esperança de reatarmos.
Repito a frase para mim, tentando não surtar.
— Por que não me contou? Por que não disse que ela estava em Los
Angeles? Ricky! — exclamo, brava, muito brava.
— Porque não importa. — Ele desvia o olhar e senta-se na cama.
— Como assim, não importa? — Solto ar preso no peito, para não ter
um piripaque.
— Júlia, não queria que ficasse assim, como está agora.
Não consigo disfarçar o ciúme em saber que a Ellen esteve no quarto do
Ricky, a víbora veio atrás dele, em Los Angeles, para dar o bote.
Vou até ele, parando na sua frente.
— Ela voltou para o Brasil?
— Acredito que sim.
— Porém antes contou para o Nicholas sobre nós, e ele...
Estou confusa, esta história está muito mal contada. Como o Nicholas
aparece, como uma assombração, logo hoje?
— Eu me descontrolei com o meu irmão, desculpa pela cena na sala.
— O Nicholas me odeia, isso, eu sei. Agora seus pais não mereciam o
descontrole de vocês.
Ele encosta sua cabeça na minha barriga e eu acaricio o seu cabelo.
— Eu sei — ele diz, com um tom cansado.
— E agora? — pergunto, perdida.
— Vamos embora, não consigo permanecer no mesmo ambiente que o
meu irmão.
Não sei o que dizer, esta situação está muito desagradável; me sinto, por
um lado, responsável; por outro, não. A melhor coisa é irmos embora, antes
que algo pior aconteça. Não sei quanto tempo ficamos no quarto, quando
percebo que o Ricky está mais calmo, descemos.
Na sala, Ricky pede para que eu o aguarde, e segue em direção a um
grande corredor largo. Observo agora com mais detalhe a grande sala de
estar, com muitos quadros e obras de artes. Sara realmente tem um bom
gosto, conseguiu deixar este ambiente imenso, aconchegante.
Meu corpo inquieto não consegue permanecer sentado, então começo a
caminhar em direção à saída, preciso de ar puro. Quando meu corpo pequeno
é atingido por um vento fresco do campo, chego a flutuar, estava
definitivamente precisando de ar. Dou alguns passos para a frente, em direção
a uma varanda, com cadeiras de madeira esculpidas de flores e uma mesa
linda de centro, meus olhos correm o local e encontram Nicholas, encostado
na parede com uma garrafa de cerveja.
Num impulso, me aproximo.
— Por que tanto ódio?
— Não odeio você — para a minha surpresa, ele fala, calmo. E seus
olhos não estão incendiados, prontos para me atacar.
— Não?
— Não!
— Então, por que tantos ataques, acusações, se você sabe que não tive
culpa no sequestro, que não era envolvida com o meu pai? — Paro na sua
frente, para olhar nos seus olhos. — Qual é o real problema?
— Ele não merece...
— Como assim?
Tem algo a mais, eu sabia.
— Júlia — Ricky grita, já próximo de nós.
— Calma, Ricky, estou conversando com ele.
— Não tem nada para ser conversado, principalmente entre vocês.
Volto para o Nicholas, que dá um gole na cerveja, com um sorriso nos
lábios.
— Não contou a ela, irmão?
— Nicholas, não começa...
— Contou o quê? — pergunto, olhando para ambos.
— Júlia, vamos embora.
Nicholas solta uma gargalhada.
— Esperem, o íntegro Richard McGuire, está com medo de contar a
verdade para sua namorada bandida, Júlia — ele fala, como se estivesse
anunciando um produto e agora inclui as provocações.
Ricky balança a cabeça, não há conversa. Melhor irmos embora ou vão
brigar de novo. Entretanto, tem um segredo e eu não vou conseguir viver sem
saber, não estou curiosa, estou angustiada.
— Vamos, Júlia. — Ele segura meu braço.
— Ricky, me conta, quero ouvir de você...
— Não tem nada para ser dito, Júlia.
— Ah, como assim? — Nicholas lança sua garrafa de cerveja no
gramado. — Quer saber, Júlia, eu também tinha uma namorada linda, que eu
amei e me dediquei, igual o Ricky, meu maninho, faz com você. Porém, um
dia, peguei os dois pelados no sofá...
Alguns anos antes.

Com a conclusão da minha pós-graduação, optei em assumir as


universidades da América Latina. Primeiro, porque as mulheres latinas são
belíssimas e quentes. Segundo, porque é um mercado interessante, iniciei
pelo Brasil, país ao qual sou apaixonado, pois passei uma parte da minha
infância correndo pelas praias brasileiras. O Nicholas vai finalizar o seu
último semestre em Administração em São Paulo. Embora seja um saco
morar com ele, vamos dividir um apartamento, pela insistência da minha
mãe.
Somente uma coisa me incomoda no Brasil, ficar muito próximo da
Ellen, não nego, adoro transar com ela, além de linda, é gostosa. Porém,
muito grude me aborrece. Ellen é afilhada da minha mãe, crescemos juntos,
estudamos juntos, e ficamos juntos sempre que eu quero. Temos um
relacionamento que eu chamo “sempre que posso”, não gosto de
compromissos, então a única coisa que ofereço são momentos de prazer.
Estando no Brasil, ela não vai perder a oportunidade de ficar em cima de
mim, claro que gosto dela cavalgando intensamente, mas porra, vai ser foda
tê-la no meu pé.
Faz exatamente seis meses que estamos no Brasil e meu irmão está
muito calmo, sem festas ou trios de orgias no apartamento, estou até
incomodado de não discutir com ele.
— E aí, mano. — Nick entra no nosso apartamento, acompanhado de
uma linda loira. — Quero te apresentar uma pessoa.
Observo-o desfilar com a bela moça pela sala, posso ver o sorriso em
seu rosto, e a garota cora ao me ver.
— Mano, está aqui é a Eduarda.
— Como vai, Eduarda? — Observo seus olhos azuis safira, que não
nego, particularmente, apreciar. — É a namorada desta cara aí? Sou Ricky,
tudo bem?
— É um prazer conhecê-lo, o Nick fala muito de você — Eduarda
ressalta, com os olhos brilhantes. — Sou sua namorada? — Vira-se para
encarar meu irmão.
— Claro que é, garota. — Ele a beija carinhosamente.
Estou feliz em ver meu irmão entusiasmado com uma mulher, há tempos
ele não se interessa por ninguém. Agora entendo a tranquilidade, de qualquer
forma, é melhor estar namorando a caindo na farra, sem controle.
— Mano, vamos almoçar juntos? Liga para Ellen, quero lhe apresentar a
Eduarda.
— Sério? Já saí com a Ellen ontem...
Ele esmurra meu ombro de leve.
— Almoço de casal, vai, cara?
— A Ellen é sua namorada, Ricky? — Eduarda me pergunta, com seus
olhos azuis grandes.
E eu balanço a cabeça, negando.
— Não, a Ellen é uma amiga. — Jogo-me no sofá, escorando a cabeça
nos meus braços.
— Ah, Ricky, você e a Ellen são mais que amigos faz tempo, vai, relaxa.
— Nicholas solta uma gargalhada, tentado me provocar.
— Acho interessante almoçarmos — comenta Eduarda, abraçando o
meu irmão e o beijando nos lábios, observo a conexão dos dois, ela parece
uma garota legal para ele.
— Vamos, mano, liga para Ellen — diz, jogando o celular, para que eu
pegue.
Desvio o olhar, colocando o aparelho sobre a mesa.
— Porra, Ricky, você é chato. — Ele joga uma almofada na minha cara,
após levantar e pegar o celular. Com agilidade, disca o número, colocando-o
no ouvido.
— Ellen, como vai... — Ele se afasta.
Bufo, quando percebo que ele mesmo fará o convite.
— Porra, Nicholas — resmungo baixo, para que Ellen não escute.
— Ok, vamos te buscar. — Retorna, concluindo a ligação. — Está
marcado, maninho. — Sorri com deboche. — E não se atrase, vou tomar um
banho. — Seus olhos desviam para a Eduarda, que prontamente o acompanha
para o quarto.
Fico observando meu irmão, com a cara de revolta, não queria sair e
muito menos almoçar com a Ellen.
Cassete.
— Ricky, não se atrase — ele diz, fechando a porta, para não levar uma
almofadada na cara.

Vamos a um restaurante bem aconchegante no centro. Após pedirmos


nossa bebida e a nossa refeição, começamos a falar sobre os Estados Unidos,
quer dizer, a Ellen e o Nicholas. A Eduarda observa a conversa, confusa e
tímida. Eu bebo meu vinho, deixando a Ellen vangloriar-se por conhecer
culturas diferentes. Ela percebeu que a Eduarda é uma garota humilde, e quer
montar em cima, fico puto com isso, no entanto, não perco o meu tempo.
— Eduarda, nos conte, já viajou para fora do Brasil? — Ellen pergunta,
com seu tom arrogante, incluindo Eduarda na conversa.
— Não... — Eduarda ri, surpresa. — Nunca tinha nem saído da minha
cidadezinha do interior, eu vim para São Paulo, que já é um avanço, para
estudar na W.E, e minha família já está limitada a isso.
— Ah, entendemos... — Ellen desvia o olhar.
— Ela está na minha sala de Economia. E sabe onde ela trabalha, Ricky?
— Onde? — Franzo a testa, pedindo a resposta.
— No Chill...
— A lanchonete do Chinês? — pergunto para ela.
— Sim, o Chill é como um pai, conhece minha mãe e está me
auxiliando, enquanto estudo — ela completa, satisfeita.
Concluo que a Eduarda não é deslumbrada, valoriza as suas origens e
não quer se igualar a Ellen.
— Entendi, a garotinha do interior no meio dos herdeiros da W.E. —
Ellen vira a metade da sua bebida e encara Eduarda.
Suas palavras insinuantes retraem a garota, que nos olha, tentando se
explicar.
— Estou aqui para estudar, sempre sonhei com esta bolsa e...
— E tudo bem — Nicholas a acalma, acariciando seu rosto. — Quando
conheci você, sabia quem era e não me importo. — Meu irmão beija sua
boca, lhe passando confiança.
Dou um gole no meu vinho, agradecendo sua atitude.
— Obrigada — Eduarda murmura.
— O que está falando, Ellen, você também está com um dos herdeiros
da W.E. — Nicholas joga para Ellen suas próprias insinuações.
— Porém não sou do interior. — Ela arqueia uma sobrancelha,
desdenhosa.
— Eu tenho muito orgulho de onde vim — Eduarda balbucia.
— Imagino.
— Ok. — Coloco a taça sobre a mesa, como protesto, pois a conversa
segue para um caminho perigoso. — Eu e o Nicholas também somos
bolsistas, não pagamos para estudar — digo, com um sorriso para Nicholas,
que entende as minhas palavras.
Acalmamos os ânimos, por ora, posso ver a tensão entre as garotas. A
Eduarda disfarça a sua repulsa pela Ellen, que a provoca com comentários
desnecessários. Após o almoço, vamos para o nosso apartamento e comemos
as nossas sobremesas, confesso que adoro estar com a Ellen na cama.
Meu irmão, apaixonado por sua garota, está responsável e centrado nos
estudos, realmente a Eduarda faz bem para ele.
Completamos um ano no Brasil, e estou empenhado em modificar várias
coisas, uma delas são como os estágios acontecem, quero implantar um
programa que inclui bolsa e estágio. É um desperdício não aproveitarmos os
profissionais que formamos, pensando na namorada do meu irmão, ela estuda
e trabalha numa lanchonete, nada contra, porém, poderia estar se
concentrando, aplicando sua energia universitária, trabalhando na sua área.
Não perco tempo e logo desenvolvo o projeto, o enviando para o meu pai.
— Ei, cara! — Meu irmão entra na minha sala. — Preciso te mostrar
algo. — Desvio os olhos do computador para ele.
— O que foi?
— Olha isso. — Ele desvenda das suas mãos uma caixa de joia.
— O que é isso?
Ele desliza a caixa até minha mão, sinalizando com a cabeça que é algo
importante. Embora já saiba do que se trata e o que tem dentro da caixa, o
espero falar.
— Abre, porra — ele exige, entusiasmado.
Abro a caixa, o brilho da pedra ofusca os meus olhos. Observo a joia,
aturdido.
— Vou pedir a Eduarda em casamento.
— Vai?
— Sim — confirma.
— Mas não é muito cedo? — pergunto, incomodado, ela está estudando,
meu irmão finaliza o último semestre, é tudo muito conciso.
— Eu a amo, a quero ao meu lado.
— Mas, então... não sei.
— Está decidido, no final de semana vou levá-la para Angra e lá faço o
pedido. — Ele pega a caixa da minha mão e guarda no bolso.
— Nick, eu... acho...
Eu acho que ele é um maluco, como assim, casar? Um passo muito
largo. Estar apaixonado, namorar, enlouquecer um pouco, eu concordo.
Agora, casamento, fora de cogitação.
Ele sai da minha sala com o entusiasmo estampado em seu rosto, não
quero ser o irmão negativo, e ao mesmo tempo preciso abrir seus olhos, na
verdade, não sei o que fazer.

— Oi — digo, surpreso ao ver Eduarda parada na porta. — O Nicholas


não está.
— Eu sei, ele pediu para o esperar aqui, vamos estudar, preciso de ajuda
com Economia — ela diz, após erguer os livros na altura dos olhos.
— Certo. — Abro passagem. — Entre e fique à vontade.
— Pode continuar o que estava fazendo, eu não vou atrapalhar.
— Na verdade, estava bebendo vinho, servida?
— Estou, sim. — Ela coloca os livros sobre a mesa, tirando sua jaqueta
e a jogando no sofá.
— Se preferir, pode esperar meu irmão no quarto dele? — Lhe entrego
uma taça com vinho. — Assim, fica mais à vontade.
— Estou à vontade agora. — Ela fixa os olhos nos meus.
— Tudo bem... — Melhor eu ir para a cozinha, tem pouco ar nesta sala.
— Vou comer algo, tá com fome?
— Hum, estou, sim. O que tem por aí? — Ela levanta-se e me
acompanha.
— Quando a dona Sara não está, sanduíche. — Sorrio.
— Posso preparar? — pergunta, com entusiasmo. — Sei fazer lanches
deliciosos, o que tem nessa geladeira?
Abro a geladeira, avaliando o que temos.
— Diversos frios, alface, maionese, frango e alguns molhos, tem
certeza? Eu posso...
— Sim, sai daí...
— Ok, a cozinha é sua.
Ela toma posse da cozinha, como uma chef. Enquanto eu degusto o meu
vinho, não demora muito para nos servir um delicioso sanduíche de frango.
Comemos, enquanto conversamos e rimos de assuntos diversos, admiro sua
simplicidade e inteligência. Ao contrário de Ellen, que tem posse o tempo
todo, ela é coerente, sem muita etiqueta.
Debruçada no balcão da cozinha, com maionese no canto da boca, ela
me entretém, com seu jeito ingênuo, agora entendo por que meu irmão se
apaixonou por ela.
— Limpe aqui. — Aponto para o canto da sua boca, sugerindo que
limpe. — Maionese...
— Ah, sim. — Ela ri, limpando sua boca com o guardanapo. — Este
vinho é ótimo, tem mais?
Enrugo a testa, porque já tomamos uma garrafa, à espera do meu irmão,
particularmente estou preocupado com sua demora.
— Não, é melhor ligar para o Nicholas — proponho.
— Ah, claro.
Ela se afasta, enquanto eu abro outro vinho e sento-me, após encher
nossas taças. Uma dúvida me vem à cabeça, estranho meu irmão deixá-la
esperando tanto tempo. Eduarda retorna, pegando sua taça e sentado ao meu
lado.
— O carro dele quebrou, no entanto, o problema está quase resolvido.
— Ele está bem?
— Vai demorar um pouco, porém, quer que eu o aguarde, vou ficar, se
não se importa.
— Não... Tudo bem. — Me afasto. — Tenho uma novidade — digo,
empolgado.
— Fale, deve ser algo bom.
— Ontem foi aprovado um projeto que desenvolvi para os bolsistas da
W.E.
— Projeto? Do que se trata? — Ela me olha atentamente, colocando sua
taça sobre a mesa.
— Vou abrir um programa para os vinte e cinco bolsistas, além de vocês
ganharem a bolsa, também terão direito a estagiar na empresa.
— Meu Deus! — exclama. — Isso é ótimo.
— Sim, me incomodei no fato de você trabalhar numa lanchonete,
quando pode focar na prática tudo que lhe é oferecido.
— Ricky, você é sensacional — Ela salta do sofá para os meus braços,
seu abraço apertado me incomoda um pouco, então disfarço, me afastando.
— Que bom que gostou. — Pego a garrafa de vinho e encho minha taça.
— Farei alguma prova? Neste primeiro período?
— Não, vou testar o programa com a turma iniciante — digo, colocando
a minha taça novamente sobre a mesa, e andando até a cozinha. — Continuo
com fome, vou devorar outro dos seus sanduíches.
— Estou muito feliz com esta oportunidade — ela diz, com um sorriso
nos lábios, sentada no sofá.
Enquanto aguardamos o meu irmão, bebemos mais duas garrafas de
vinho e estamos praticamente bêbados e rindo sem motivo. A Eduarda é
muito engraçada e eu estou me divertindo muito — estranho toda a diversão
entre nós. Neste momento, ao lado dela, me esqueço de tudo, o álcool a
deixou muito solta, e eu me sinto zonzo em alguns momentos.
Embora não entenda o porquê, me sinto esquisito, minha mente apaga e
acende igual a uma lâmpada em curto.
Eu estou...
Flutuando...
Uma excitação proibida percorre o meu corpo, com a Eduarda
cavalgando em cima de mim com muita vontade, não podemos, nós... em qual
momento a beijei ou ela me beijou? Como eu não resisti...
— Não posso...
— Eu quero você...
Em cada investida, um tesão ilícito atinge o meu corpo, sua bunda, que
bate contra minhas bolas, me pressiona no estofado. É um prazer
incontrolável e fora do normal...
Eu não estou normal.
— Não...
— Sabia que seria assim...
Entretanto, é inevitável, não conseguimos nos controlar e trepamos
como animais, loucos e famintos. Até ambos jogar suas cabeças para trás e
cair em um orgasmo imoral... e escuro.

— Seu filho da puta!


Um estrondo me desperta e não consigo mover a cabeça, logo após algo
pesado acertar meu rosto com força, e já não consigo raciocinar. Com os
dedos, posso sentir o sangue quente escorrer da minha boca.
— Sua vagabunda dos infernos...
— Chega, Nicholas.
Os gritos desesperados de Eduarda ressoam trêmulos no ambiente,
minhas pálpebras abrem-se, com dificuldade, estou com a visão turva e
completamente desorientado, uma dor atinge meu estômago e uma ânsia sobe
pela garganta. Forço os olhos para recuperar a visão e consigo um pouco de
nitidez, localizo Eduarda, que permanece implorando, calma. Ela encontra-se
em pé na frente do meu irmão, que lança sobre o seu rosto a palma da mão, a
fazendo cair, seu corpo desnudo encolhe-se à procura de fuga. Me atenho à
cena violenta, confuso.
— Calma, Nicholas — grito, me apoiando nas mãos para levantar.
— Porra, Ricky. Como você pôde fazer isso? — Nicholas me acusa,
com a voz amarga, seu corpo decepcionado movimenta-se no apartamento.
— Eu... não sei.
— Não sabe? Pego o meu irmão, com o pau dentro desta vagabunda, e
não sabe o que houve?
Olho para a Eduarda, perdido, e posso ver o medo em seu rosto, ela
encolhe-se num canto da sala.
Que merda eu fiz?
— Nicholas, perdão, o que aconteceu?
Ele não responde, simplesmente conta as garrafas de vinho no balcão da
cozinha, e lança todas ao chão, fazendo com que o barulho me acorde para
alguns flashes.
Não!
— Sem desculpas, Ricky, não estava contente com a minha felicidade?
Logo resolveu estragar tudo? — Ele encara a Eduarda, sua fúria é capaz de
esmagá-la. — Apesar que devo te agradecer, por me livrar desta puta.
Nicholas vai até a Eduarda, a pegando pelos cabelos, não posso admitir
tanta violência, levanto com dificuldade, dando um passo até ele.
— Nicholas, solte-a — ordeno, completamente zonzo.
— Espera. — Ele a empurra. — Me respondam. Isso aconteceu antes?
Procuro os olhos da Eduarda, que fogem de mim.
— Vista-se, Eduarda — ordeno para ela, que chorando procura sua
roupa. Volto-me para o Nicholas. — Não encoste mais nela, não vou
permitir.
— Não?
— Não sei o que aconteceu, bebemos e... tudo permanece confuso na
minha cabeça.
Ele ri novamente, amargo.
— Seu porra, como pôde...
Eu realmente não sei qual foi o momento que perdi o controle e me
deixei envolver por esta merda.
— Vagabunda, sai daqui. Antes que eu mate você — ele exige para a
Eduarda.
Ela não diz nada, somente lágrimas escorrem de seus os olhos azuis
avermelhados, seu rosto fecha-se, enquanto meus olhos caem, pois não
consigo falar ou fazer algo, procuro uma razão ou um porquê. Não entendo
como fomos capazes de fazer uma porra desta. Volto-me para ela, que se
apressa, vestindo-se tão rápido que não consigo acompanhar a sua partida.
— Nicholas, eu...
— Não, Ricky.
— Eu estava bêbado, fora de mim...
— Ricky, eu quero esmurrá-lo, tirar sangue desse seu rosto maldito. Mas
não consigo, não agora, há uma dor aqui no peito. — Ele me encara, com
seus olhos feridos. — Eu amava aquela filha da puta, amava como nunca
amei outra mulher e você sabia disso, como pôde?
— Perdão, por favor, não estava no meu juízo...
— Seu pau estava dentro dela, cara, a porra do seu pau...
Aproximo-me, e ele estende o braço, pedindo para eu me afastar.
— Não, quero matar você, então não se aproxime. — Nicholas olha ao
redor, pega suas chaves no chão. — Desejo realmente matá-lo. — Seus olhos
verdes escurecem como trevas
Suas palavras odiosas me afogam numa culpa infinita.
Não consigo impedi-lo de sair.

Nos dias seguintes não tive mais notícias da Eduarda, e o meu irmão
desapareceu, minha consciência pesada que não para de me encurralar, o
procura desesperadamente. No entanto, sem notícias, sigo os dias sem
conseguir fazer nada de fato, as desculpas cessaram e não sei o que dizer para
minha mãe. Estou evitando a presença da Ellen, que me perturba, querendo
saber o que houve.
O que fiz com o meu irmão não tem perdão e mereço esse desprezo.
Uma mulher não pode ficar entre nós, procuro uma saída para resolver este
estrago. Nesse meio tempo, recebo uma ligação do Carlos, o nosso caseiro da
casa de Angra, vou de helicóptero até lá. Ao chegar, posso ver a ruína, muita
bebida, drogas e três mulheres dormindo no sofá, observo tudo e meus olhos
encontram os de Carlos.
— O que é isso?
— Ele está aqui há dois dias, Ricky. — Ele começa a recolher garrafas
de vinho que estão pelo chão. — Ontem, foi bem pior, estas ainda estão com
roupa, as anteriores corriam pela casa, peladas e drogadas, um inferno.
— Como? Onde ele está?
— Na sauna. — Carlos, com o olhar entristecido, volta a recolher as
garrafas.
Percebo que tem algo errado, além do bordel.
— Fora isso, tem mais alguma coisa?
Ele balança a cabeça em negativa.
No entanto, sei que há alguma coisa que o entristeceu profundamente.
— Pai, o que houve? — pergunto, com a mão em seu ombro.
— Quando falei que ia ligar para a Sara, o Nick nos humilhou, magoou
a Célia, que passou mal... Como ele pôde falar assim conosco? Logo a gente,
vocês dois são como filhos.
Posso ver algumas lágrimas caírem dos seus olhos e escorrerem no seu
rosto enrugado.
— Pai, a culpa é minha, magoei o Nicholas e ele está revoltado. Peço
desculpas por isso. Cadê a Célia?
— Foi ao mercado!
— Ok, quando ela retornar, diga para vir falar comigo, por favor.
Ele assente com os ombros caídos e retorna a recolher a bagunça
esparramada na sala. Eu me dirijo à sauna, para encontrar o rosto enfurecido
do meu irmão. Através da porta na abertura de vidro, posso vê-lo, escorado
com a cabeça jogada para trás. Bato na porta, três vezes, e o ouço xingar,
então volto a bater, ele abre a porta estupidamente, saindo em seguida. E nos
encaramos, depois de dias.
— O que faz aqui? — Indiferente, pega uma toalha e entrelaça na
cintura.
— O Carlos me ligou, disse que estava sem controle...
— Eu estou sem controle. — Ri, encarando-me. — Dar confiança aos
empregados, dá nisso. Estou na minha casa, acredito que possa trazer quem
quiser aqui...
— Não um monte de vadias, Nicholas.
— Gostamos de vadias, Ricky!
Suas palavras frias e acusatórias me engessam, porra, não sei o que
fazer.
— Nicholas, perdão, realmente não quis fazer aquilo...
— Fiquei imaginando, se sua namorada tivesse aquele rabo da vadia da
Eduarda, também não teria aguentado...
— Nicholas, não é assim... eu...
— Não esquenta, mano, tem três lá na sala, compartilho com você —
diz, após colocar a sua bermuda e sair.
Fico parado um momento, tentando encontrar respostas, o que fazer? O
Nicholas não vai me perdoar e eu também não. Retorno para a sala e me
deparo com a luxúria instalada na casa, meu irmão está sentado, uma das
garotas chupando seu pau, enquanto ele vira uma garrafa de vinho. Ele me
olha e seu riso mistura-se com gemidos.
— Vem, Ricky, escolhe uma, mano... — ele grita, com a cabeça jogada
para trás.
Meus olhos correm pela sala, para ver se a Célia ou o Carlos não estão
próximos, seria lamentável eles virem tal cena.
— Chega, Nicholas, saiam... por favor, saiam...
— Chega um caralho, Ricky. Não se envolve...
— Chega, Nicholas, você passou dos limites...
— Quem, eu? Seu porra... não se intromete...
Tiro a garota de cima dele, e ele me empurra, pedindo briga, tento contê-
lo, não quero brigar, mas é inevitável, sou atingido por golpes e socos, pois a
fúria do Nicholas é imensa. Então o agrido com um soco que o faz cair, cego-
me por alguns segundos, até ouvir o grito apavorado da Célia, que com
desespero nos faz parar. Ficamos nos olhando, minutos desmensuráveis, até
eu desviar os olhos, envergonhado com as cenas que passam pela minha
cabeça.
— Parem com isso... — Os gritos da Célia ecoam na sala. — Vocês são
irmãos, o que está acontecendo aqui?
— Não tenho irmão — Nicholas cospe as palavras, com desprezo. — O
que temos aqui é um traidor, com pau de ouro.
— Nick, me respeita, filho, como pode, você não é assim...
— Não começa, Célia, não me enche...
— Fala direito com ela, Nicholas — digo, com a voz ofegante.
— Cala a boca, seu porra. — Erguendo-se, ele sai desgovernado em
direção à escadaria, subindo-a sem olhar para trás.
— Ricky, o que houve entre vocês? — pergunta Carlos.
Enquanto Célia, resmungando, organiza a sala.
— Um incidente nada agradável... — Minha voz exala tristeza, pisei na
bola feio, e agora não sei o que fazer. — Desculpem, vou lá em cima falar
com ele. Carlos, por favor, retire estas mulheres daqui.

Permaneço parado em frente à porta do quarto do meu irmão, como um


covarde arrependido, preciso resolver esta situação que criei entre nós, antes
que nos sufoque. Bato à porta e não tenho resposta, então resolvo entrar.
Nicholas está em frente à janela, olhando a imensidão da vista privilegiada do
mar.
— Nicholas...
— Saia, Ricky, não quero olhar na sua cara. — Posso sentir sua voz com
uma tristeza que nunca havia visto antes.
— Eu sei que sou um fodido, não mereço perdão, o que fiz é podre e
sujo. Não posso culpar o álcool por este deslize, porém, não sei o que houve
comigo, quando me dei conta, estava sendo socado por você.
— Você estava de olho nela? — ele diz, após virar-se para me encarar.
— Diga?
— Nãoooo — Minha voz alonga em arrependimento. — Nunca a olhei
de outra forma, não sei como isso aconteceu... — Pauso um pouco, pois
posso ver no seu olhar, que ele tenta acreditar. — Mil vezes perdão, não
posso magoá-lo, e sei o quanto ela era especial...
— Vagabunda, você quer dizer.
— Nicholas... eu, não sei.
O que houve comigo e a Eduarda? Acredito que fomos inconsequentes,
nos deixamos levar pelo o calor que o álcool nos proporcionou no momento.
Só pode ser isso! Justifico, tentando encontrar respostas.
— Quando ela me ligou, informei que chegaria tarde, meu carro não ia
ficar pronto rápido, demoraria horas para o mecânico arrumar. Ela sabia.
Vocês aproveitaram a minha ausência.
A Eduarda não me inteirou deste fato. Será que ela armou a situação?
Meus pensamentos trabalham e agora não tenho certeza de nada.
— Nicholas, a última coisa que lembro foi quando ela falou que
chegaria logo e ficamos empolgados com o vinho.
— Puta dos infernos...
— Nicholas, eu juro, irmão, não quis...
— Não sei, Ricky. Não sei... — Suas últimas palavras antes de entrar no
banheiro e fechar a porta.

Nos dias seguintes, falamos o necessário, ele não retornou ao nosso


apartamento, e nunca mais a porta do nosso relacionamento como irmãos foi
aberta. Embora tentei diversas vezes consertar o que fiz, nosso convívio era
impossível, estar no mesmo ambiente que o Nicholas era sufocante. E, com o
passar dos anos, um sentimento de repulsa, instalou-se entre nós.
Nicholas finalizou seu curso e outras formações, seguindo seu próprio
caminho, empreendeu no ramo de casas noturnas e ficou rico com seus
investimentos. Enquanto eu me destaquei como principal executivo da W.E e
braço direito do nosso pai. Durante um tempo, consegui esconder dos meus
pais o que houve, até um dia ser pressionado a contar tudo, eles não me
culparam, depositaram toda a culpa na Eduarda para a decepção do meu
irmão.
Em contrapartida, tentei incansáveis vezes encontrar Eduarda, para
esclarecemos o acontecimento tórrido, não consegui, ela desapareceu do
mapa. Nem o Chill tinha notícias do seu paradeiro, também estava
preocupado, pois era responsável por ela.
Uma pergunta me martirizou nesses meses: será que ela premeditou tal
situação? A resposta veio, quando recebi seu telefonema.
— Júlia... não foi assim... — Os olhos de Ricky entristecem ao
perceber minha decepção.
Eu não consigo dizer nada, fico intacta, tentado entender ou acreditar no
que foi revelado. Ricky transou com a namorada do irmão? Meu Ricky!
Impossível, tem algo errado. Tem que ter.
— Não foi assim. Então, como foi? — Nicholas cruza os braços, com os
olhos cerrados para o irmão.
— Não lembro o que houve.
— Eu me lembro de ter encontrado vocês dois, pelados, na sala do nosso
apartamento, as imagens estão claras para mim...
— Amor. — Ricky segura meus braços, fixa os olhos nos meus, porém,
abaixo a cabeça, não consigo encará-lo. — Júlia... — Suas mãos erguem meu
rosto e os meus olhos, perdidos em dúvidas, os encaram.
— Ricky, eu...
— Não foi assim, posso explicar...
— Com certeza pode, posso participar desta explicação, irmão? —
Nicholas pergunta, sarcástico.
— Chega, Nicholas. — Ricky vira-se para ele. — Já conseguiu o que
queria, agora me deixe sozinho com a Júlia.
Nicholas sorri, satisfeito, me olha balançando a cabeça e sai. Eu vou até
uma cadeira para sentar, estou tão decepcionada com que acabei de saber, que
não sei como agir, será verdade? Eu sei o que senti quando peguei a Melissa
com o meu ex-namorado, Raul, na cama. A dor no peito, a descrença na
amizade. Então entendo o Nicholas e sei o porquê de tanta revolta.
— Posso explicar — Ricky diz, ajoelhando-se no chão à minha frente.
— Então, explica.
— Eu não lembro o que aconteceu, estávamos esperando o Nicholas
chegar, tomávamos vinho, logo depois tudo ficou confuso, e acordei com um
soco do Nicholas no rosto.
— Ricky, eu sei bem a dor que é ver... — Engasgo com o repúdio de
pronunciar o ato de traição. — Eu sabia que havia algo errado, desde quando
conheci o Nicholas, e convivi poucos dias com vocês no apartamento. Só não
imaginava que fosse...
— Eu não lembro. — Ele levanta, exaltado. — Você tem que acreditar
em mim, não é justo isso ficar entre nós.
— Mas, entre você e seu irmão, pode?
— Eu já tentei me desculpar de todas as formas, ele não acredita.
— Você acha que é fácil acreditar?
— Júlia, eu sei que passou por algo parecido e...
— Algo parecido? — interrompo. — Uma traição, Ricky, a Melissa
sempre foi uma irmã, doeu muito. Impossível você não achar que é difícil
para o seu irmão aceitar, assim, ainda vindo de você.
— Eu entendo.
— Entende? Pense ao contrário. Se fosse ele e eu.
Seus olhos mel tornam-se escuros como noite. E posso ver seu rosto se
enfurecer com a ideia.
— Não consigo nem pensar...
— Sim, é difícil. — Balanço a cabeça em sinal negativo. — Quero ir
embora, vou me despedir dos seus pais, com licença.
— Júlia... — Ouço-o chamar, antes de eu entrar, porém, ignoro.
Retorno para a sala principal, onde estão a Sara e Robert, me desculpo,
ainda assim, pedem para ficarmos, digo que ir embora é o mais sensato no
momento. Deixo em aberto uma nova data para um futuro jantar, quem sabe.
Voltamos para Los Angeles, no caminho não falo uma palavra, o
silêncio fica entre nós.
Após chegarmos ao meu prédio, não permito que o Ricky suba, preciso
ficar sozinha e digerir esses acontecimentos. Ele aceita, mas seus olhos mel
não têm mais brilho. Ainda bem que Melissa e Rubem não estão em casa,
vou direto para o meu quarto e me aninho na minha coberta, e as lágrimas
presas desde que eu revivi algo bem familiar, escorrem dos meus olhos.
Não posso acreditar que o Ricky foi capaz de algo tão horrível, mesmo
pela bebida ou qualquer outra circunstância, é revoltante. E assim que me
lembro dos olhos do Nicholas, a tristeza neles quando me contou, sinto
novamente aquela decepção.
Ouço batidas na porta e não me movo, cubro a cabeça com a coberta, e
tento abafar o som. Porém elas ficam cada vez mais fortes. Talvez seja a
Melissa, ou o aviso de um tsunami, quem sabe! Me arrasto para a sala em
direção à porta.
— Já vai — grito, antes que derrubem de tanto bater.
Ao abri-la, sou envolvida pelos braços desesperados do Ricky, que
aperta meu corpo, beija meu rosto, tento encontrar seus olhos.
— Ricky, calma...
— Não vou perder você de novo. — Ele fixa seus olhos angustiados nos
meus. — Não posso ficar sem você, Júlia.
— Ricky, eu não deixei você. Não conseguiria, mesmo se quisesse, eu te
amo.
— Júlia, eu também te amo, não consigo ficar longe...
— Eu só precisava ficar sozinha, para entender tudo isso. — Me afasto
um pouco.
— Não há o que entender, não me lembro do que aconteceu e ponto.
Balanço a cabeça, e vou para a cozinha, preciso de algo para beber.
— O álcool bloqueou a sua memória, quando estava transando com a
namorada do seu irmão — o acuso, assim como acusei Melissa.
— Tem certeza de que é assim que vamos prosseguir?
— Estou tentando entender, Ricky! — Pego uma cerveja, preciso me
acalmar. Antes que faça merda.
— Talvez, tenha bloqueado. — Ele respira fundo. — Só me lembro de
estar bebendo vinho e, depois, acordar, pelado.
Pisco tão rápido, que meus olhos doem.
— Uau — murmuro.
— Vamos esquecer isso, Júlia. — Ele vem ao meu encontro. — Não
merecemos brigar por algo que não é nosso.
Sim, não é nosso. Mas, entristece em saber que o Ricky tenha feito algo
tão filho da puta com seu irmão. Assim como Melissa fez comigo.
Fico em silêncio.
— Tudo bem, melhor eu ir. — Ele beija a minha testa. — Amanhã nos
falamos, acredito que se continuarmos esta conversar, vamos falar palavras
desnecessárias e ferir um ao outro — ele conclui e vai embora.
É melhor, se continuarmos, não vou ponderar a indignação e vamos nos
magoar. Coloco as mãos sobre o rosto, querendo arrancar da memória esta
descoberta.
Logo pela manhã recebo a ligação da minha mãe que, com razão,
encontra-se preocupada e decepcionada com nosso comportamento em sua
casa. Realmente temos que resolver as diferenças entre nós. Após a longa
conversa, desligo o celular e o lanço no sofá, estou tão puto que soco o ar,
com fúria.
Não posso acreditar que isso veio à tona, e novamente brigamos por este
percalço. Ainda não entendo como pude perder o controle aquele dia, como
deixei me envolver pela Eduarda. E agora, por conta disso, estou perdendo a
minha garota.
Fecho os olhos e uma imagem me perturba: a decepção nos olhos da
Júlia.
Porra.
Meu telefone toca, olho na tela é a minha secretária do Brasil, resmungo
antes de atender, não estou com saco para trabalho.
— Alô, Valéria, pode falar...
— Richard, temos alguns problemas.
Bufo, mais problemas.
— Quais?
— Estamos tendo problemas na Alemanha, referente a uma acusação de
assédio entre um professor e uma aluna...
— Como?
— Sim, a W.E está sendo processada, por conta de uma suspeita de
assédio. Portanto, as ações estão em queda, o jurídico sendo pressionado e a
mídia faz uma grande feira em torno do assunto. Precisamos que embarque
ainda hoje para a Alemanha.
— Alemanha? Hoje?
— Richard, seu voo particular está marcado para às 19h, posso
proceder com os preparativos?
— Claro, me envia tudo que preciso saber.
— Ok, desculpe o incômodo.
— Tudo bem, Valéria, até mais.
Balanço a cabeça, negando o meu dia, vou embarcar para Alemanha
hoje, com assuntos indefinidos com a Júlia, preciso de algo forte, muito forte
para beber.

Melissa abre a porta, o suficiente para eu ver seu rosto.


— Olá, Melissa, preciso falar com a Júlia.
— Oi, entre, Ricky. — Ela abre espaço. — Ela tá no quarto!
— Com licença, o Rubem voltou para o Brasil?
— Não, vai ficar mais uma semana me namorando. — Ela aponta para o
quarto. — Quer que eu a chame ou você...?
— Eu vou lá. Obrigado, Melissa.
Abro a porta, devagar, e a bela imagem da Júlia dormindo agarrada a um
travesseiro me paralisa. Namoro por um instante minha garota com esses
cabelos castanhos ondulados espalhados sobre a cama, ela movimenta o nariz
fino e pequeno, como se algo a incomodasse. Não satisfeita, passa a mão
sobre o rosto, retirando alguns fios brilhantes perdidos, para em seguida
acalentar em seu sono novamente.
Aproximo-me, sento na beirada da cama, meus dedos com carinho
tocam sua bochecha rosada, e um sorriso preguiçoso me recebe.
— Boa tarde, dorminhoca.
Ela boceja, virando-se de costas e dando a beirada da cama para que eu
deite ao seu lado. Acomodo-me. Ao abraçá-la, meu nariz roça o seu cabelo,
podendo assim sentir o perfume de frutas vermelhas, inalo, deliciando-me.
Enquanto seu corpo quente me aquece, me permitindo sentir um alívio de que
tudo pode se resolver.
— Estava com saudade — sussurro no seu ouvido.
— Eu também — ela responde, com um tom preguiçoso e, ainda de
olhos fechados.
— Acordou muito cedo?
— Sim — murmura. — Fica assim comigo, preciso do seu carinho.
— Júlia, eu queria. — Beijo o seu cabelo. — Porém, temos que
conversar...
— Não quero conversar, preciso dormir com você ao meu lado.
— Eu vou ter que ir para a Alemanha.
Ela vira-se tão rápido, que desiquilibro e caio da cama, seu rosto aparece
na beirada, olhando seriamente.
— Alemanha?
— Precisava me jogar no chão? — digo, enquanto levanto. — Sim,
Alemanha — afirmo.
— E quando você volta?
— Não sei...
Ela ergue uma sobrancelha.
— Como, não sabe?
— Temos problemas graves lá e, realmente, não sei quando volto.
Posso ver seu semblante cair, entristecido, com a notícia, e sinto o meu
coração ferir em deixá-la.
— Olha para mim. — Ergo o seu rosto.
— Quando você vai?
— Hoje, em duas horas.
— Ricky, eu...
— Não queria ir, sei que temos que conversar.
— Eu sei que fui dura, porém, me conhece, não agiria diferente.
— Eu sei, estou errado e vou resolver quando voltar este assunto com
meu irmão e tentar fazê-lo entender o quanto estou arrependido.
— Qual o nome dela?
— É... — Me engasgo com as palavras, e sinceramente fico perdido com
a resposta. — Amanda.
— Amanda!
Não sei por que menti. No entanto, faltou-me coragem para expor a
Eduarda. Ela a conhece através do Retrô-Chill, e sei que uma série de
perguntas me sufocarão, estou farto. Preciso eliminar de uma vez esta
história.
— Júlia, promete que estamos bem e que posso viajar com o coração
leve?
— Ricky, eu não sei viver sem você.
— Eu também não, minha linda. — Vou em busca do seu corpo, preciso
senti-lo.
— Me prometa que vai consertar tudo e voltar a ter a admiração do seu
irmão. Assim como hoje tenho pela Melissa.
— Eu vou em busca disso, prometo!
— Obrigada, te amo.
Ouvi-la se declarar faz com que toda tempestade passe e o ar fique
calmo. Estamos aprendendo a lidar com os nossos problemas, sei que uma
relação é construída com sinceridade. A Júlia sempre exigiu isso de mim, no
entanto, o tempo que achei que a tinha perdido, foi o suficiente para saber o
que é o inferno.
Não quero viver isso novamente.
Nunca mais.
Este amor intenso que sinto pelo Ricky, consegue me
desestabilizar, embora queira me concentrar, sem ele fico um pouco perdida.
Nestes cinco dias que viajou, não consigo focar nos estudos, fico esperando
sua ligação e não há graça em nada.
Estou uma chata!
Em Los Angeles, não tenho amigos, somente colegas de sala, sendo
assim, somos apenas Melissa e eu. Nossa rotina de estudos não é mais no
mesmo período, portanto, há dias que só nos esbarramos. Aliás, Rubem
retornou para o Brasil e pretende, em dois meses, vir definitivamente para os
Estados Unidos, para iniciar uma pós-graduação.
— Jully, estou morta! — diz Mel, entrando e jogando-se no sofá.
— Eu também, faz uma hora que cheguei...
Ela ergue a cabeça para me olhar.
— Você ainda tem aula hoje?
— Não — digo, soltando ar com alivio de não ter que retornar para a
universidade.
— Como foi no médico?
— Optei em tomar comprimidos, não quis injeção...
— É arriscado e, se você esquecer?
— Já tenho um alarme no celular, não gosto de injeção.
— Se você diz. — Ela levanta, súbita. — Vamos sair hoje?
— Nãoooooo — digo, cobrindo o rosto com uma almofada. — Vou
dormir à tarde e, à noite, assistir a um filme, acompanhada de um bom vinho.
— Ah, vamos? — Tira a almofada do meu rosto. — Diz que sim?
Balanço a cabeça, negando. Não quero sair, um filme e vinho é um
ótimo programa. Porém, Melissa permanece como uma estátua, olhando-me
com clemência.
— Para onde?
— Uma boate! A galera da sala vai sempre, precisamos relaxar, estamos
estudando muito e o Rubem foi embora, então estou deprimida.
— Hum, não quero — resmungo.
— Nós precisamos relaxar...
Sim, preciso relaxar. Repito, para ver se meu cérebro entende.
Estou mal humorada, chata e carente.
Aceito, após muita insistência da Melissa, que salta de felicidade. Nos
arrumamos lindas e sexys para conhecer a boate onde os estudantes se
acabam de beber.
Quando chegamos à SupperClub, uma das boates mais populares de Los
Angeles, a música eletrônica toma conta do nosso corpo, e é impossível ficar
parada. A boate é parecida com a UP, dois ambientes, área vip na parte de
cima e pista rodeada pelo bar na parte de baixo. Vamos direto para bar,
pedimos um drink tropical e sentamos numa mesinha para observar o
território.
— O que está achando? — Mel quer saber, mastigando o seu morango
que veio no drink.
— Gostei, vamos dançar?
Ela se surpreende com meu impulso, a seguro pela mão, puxando-a para
pista. Nos envolvemos no ritmo eletrônico e dançamos. Tento eliminar a
saudade do Ricky, a pressão da minha mãe e tudo que nas últimas semanas
me deixou angustiada. Posso ver pelo sorriso da Mel o quanto está se
divertindo, dançamos, pulamos e rimos. Igual a duas jovens universitárias
sem problemas. Depois de praticamente quatro músicas longas, retornamos
para a mesa e pedimos mais um drink.
— Mel, tenho que te agradecer...
— Não falei, tínhamos que sair, estávamos muitos focadas. — Ela joga
seu cabelo vermelho para o lado. — Temos que ser delinquentes, senão já era
a nossa identidade.
Finalizo o meu drink num gole, e sinto uma necessidade de ir ao
banheiro.
— Mel, banheiro. Vamos?
— Hum, não se importa de ir sozinha, vou pegar mais uma rodada deste
drink de morango com muita vodca. — Ela ergue o copo.
— Beleza.
A boate é enorme, não consigo encontrar o banheiro, pareço andar em
círculos. Quando enfim vejo a placa, corro em direção a ele, como se fosse a
minha salvação. Após fazer xixi e retocar a maquiagem. Me localizo para
encontrar a Melissa, já que à procura do banheiro, me perdi. Sinto alguém
segurar o meu braço e viro-me na mesma hora.
— Júlia!
— Oi — respondo, surpresa em encontrar novamente o Davis, com um
grande copo de cerveja na mão. — Tudo bem?
Seus olhos grandes e bêbados me encaram.
— Nossa, como você está linda! — me elogia, falando em inglês.
— Obrigada, Davis. — Afasto, mas ele segura meu braço, me puxando
para perto dele. — Agora tenho que ir.
Merda, que cara chato.
— Calma, gatinha, dança comigo? — Ele mexe o corpo ridiculamente,
tentando ao que parece dançar.
Levanto uma sobrancelha, repudiando a cena.
Preciso dar o fora.
Olho ao redor, não há ninguém conhecido, me liberto da sua mão e dou
um passo para trás.
— Davis, não quero dançar, licença.
Ele avança novamente, tropeçando no próprio pé, e derruba seu copo
grande de cerveja geladíssimo em cima de mim.
— Merda — xingo, alto, afastando minha blusa encharcada de cerveja
da pele.
— Porra, gatinha, te molhei, desculpe. — Ele se aproxima, tocando
minha blusa. — Melhor tirá-la para não pegar um resfriado. — Solta um riso
malicioso.
Eu vou matar esse idiota.
— Sai, Davis, não me toca.
— Cara, melhor sair — responde uma voz familiar.
Olho para trás.
E, com os olhos furiosos e braços cruzados, encara Davis — Nicholas.
— Nicholas! — exclamo, surpresa.
— Cara, vai sair ou tenho que afastá-lo, de uma maneira que seu rosto
fique torto?
Nossa!
Volto o olhar para Davis, que como um patinho assustado vai embora.
Sinto um gelo nos seios, que começam a aparecer por trás da blusa molhada.
— Merda!
Nicholas percebe meu desconforto, tirando sua jaqueta de couro.
— Pegue, melhor tapar isso aí — diz, ríspido.
Mesmo sendo gentil, ele é grosso.
Pego, não tendo escolha.
— Obrigada, o que faz aqui?
Ele franze a testa.
— É uma boate, preciso responder... — responde, com seu toque pessoal
de arrogância.
Coloco a jaqueta, resmungando, ele definitivamente é de outra linhagem
da família, talvez seja dos McGuire do mal.
— O que você faz aqui, sozinha? Cadê meu irmão?
— Não é da sua conta. — Dou as costas para ele e saio, batendo os pés
em busca da Melissa.
Passo por várias pessoas, ouço-o me chamar, não dou bola, quero que vá
para o inferno. Mesmo sendo solidária à sua dor, não consigo suportar suas
grosserias. O ignoro, ainda assim, ele persiste, me seguindo pela boate, num
certo momento fico irritada e paro.
— O que você quer?
— Cadê meu irmão?
Reviro os olhos.
— Já disse, não é da sua conta.
— É a segunda vez que te salvo, os lombrigas te perseguem — ele diz,
zombando.
Mesmo sendo engraçado, não rio da piada.
— Seu irmão não veio, estou com a Mel.
— E o Rubem?
— Também não! — Enrugo os lábios. — Mais alguma pergunta?
— Não!
Viro, súbita, e vou novamente atrás da Melissa. Consigo encontrá-la. Ela
arregala os olhos assim que me vê.
— Nossa, você demorou. — Desvia os olhos para a jaqueta. — Ué! O
que houve? E de quem é a jaqueta?
— Do Nicholas.
— Nicholas! Ele está aqui?
— Sim, aquele arrogante — afirmo, virando a minha bebida.
— Certo, mas por que você está com a jaqueta dele? — pergunta,
intrigada.
— Sabe o Davis, da aula de Economia?
— Hum... Garoto chato.
— Insuportável! Ele derrubou um copo de cerveja supergelado em cima
de mim, aí o Nicholas apareceu do nada, colocou o Davis pra correr, e como
minha blusa estava mostrando demais, por conta do molhado, me deu sua
jaqueta e fim da história.
— Nossa, que aventura na ida ao banheiro.
— Pra você ver. — Desvio os olhos para a pista lotada e cravo a bunda
no banco. — Não saio daqui, nem para dançar.
Curtimos o resto da noite na companhia de algumas amigas da
universidade, bebemos muito e estávamos rindo à toa, decidimos pedir um
táxi e ficamos à espera na porta da boate. No entanto, uma brisa fria atinge
meu corpo, me fazendo tremer, pois ainda estou com a blusa úmida.
— Cadê o táxi, Mel?
— Não sei, está demorando, né?
— Sim, estou com frio.
Ficamos impacientes esperando o táxi, até um carro parar na nossa
frente e abaixar o vidro, olho para dentro, curiosa, e para minha lamentação, é
o Nicholas.
— O que fazem aí? — ele pergunta.
— Esperando o táxi, Nicholas — Mel apressa-se em responder.
— Agora? Difícil... Entrem, vou levar vocês.
Olhamos uma para outra e balançamos a cabeça, em negativo.
— Melhor não, Nicholas — diz Mel.
— O táxi está chegando, não se incomode — concluo.
— Garotas, táxi agora é difícil. E você, cunhada, treme de frio, vai
acabar adoecendo. — Ele sai do carro e abre a porta como um cavalheiro, que
não é.
— Tão lindo, pena ser um filho da puta — comenta Mel.
Sorrio com o comentário. E decidimos aceitar a carona, pois realmente
estou com frio. Nicholas nos deixa em casa em meio a piadas sem graças, não
dou bola, e prometo lhe entregar a jaqueta assim que tiver oportunidade. Olho
meu celular e tem várias ligações perdidas do Ricky, decido não ligar, o
nosso fuso-horário é diferente e não quero incomodá-lo. Após o banho,
desabamos em nossas camas e dormimos como pedra.
No dia seguinte, não consigo levantar da cama, meu corpo parece
ter sido pisoteado por uns cem sapateadores e na minha cabeça, uma dor
insuportável. A Mel foi para a universidade atrasada, saiu toda estabanada
com a ressaca. Enquanto eu permaneci deitada e indisposta, nem lembro qual
foi a última vez que fiquei doente, provável que seja uma gripe, daquelas que
derrubam a gente.
Ouço batidas contínuas na porta e resmungo embaixo do cobertor, não
quero levantar, porém... PORRA, xingo alto. Que inferno querem comigo?
Levanto, arrastando o meu corpo exausto até a porta e, para minha
surpresa e felicidade, é o Ricky, seu sorriso se desfaz assim que me vê. Sinto
meu corpo pegar fogo e tornar-se pesado.
Ele me abraça.
— Júlia, como está quente.
— Sim, estou — digo, me afastando para deitar no sofá, impossível ficar
de pé.
Ele fecha a porta e senta-se ao meu lado.
— O que houve?
— Hein? — Meus olhos estão pesados, não consigo mantê-los abertos.
Sinto a mão do Ricky na minha testa.
— Você queima de febre.
— Uma gripe, com certeza, não se preocupe...
— Banho! É o que precisa — ele diz, enquanto me pega no colo.
— Banho, não. Melhor tomar um antitérmico, Ricky.
— Não, temos que baixar a febre, seu rosto está vermelho.
Ricky me leva ao banheiro, senta-me no vaso, enquanto eu escoro minha
cabeça dolorida na porcelana da pia, podendo observá-lo. O vejo retirar suas
roupas rapidamente e ligar a ducha, colocando o braço embaixo d’água para
sentir a temperatura.
Que lindo!
Impressiono-me com o seu cuidado. Logo após, vai me despindo com
uma delicadeza, como se eu fosse quebrar. Me entrego aos seus cuidados
repletos de proteção. Em seguida, me conduz para o box, colocando todo o
meu corpo embaixo da água fria.
Solto um longo suspiro com a sensação de resfriamento causado no meu
corpo.
— Júlia, me abraça, vou esfregar você...
— Vamos fazer amor agora?
— Não...
— Não? Por que estamos pelados no chuveiro, então? — Rio, delirando.
— Sim, estamos. — Ele agarra minha cintura e segura minha cabeça
embaixo d’água. — Não tenho roupas aqui, lembra? E se a deixar sozinha, se
afoga. — Sorri.
— Engraçadinho...
Esse foi o banho mais demorado da minha vida, mas ao sair, me sinto
melhor. Ricky me veste, seca os meus cabelos e deita-me na cama, tudo nesta
ordem. Depois sai do quarto, e o vejo andar de um lado para o outro em
frente à minha porta, falando ao celular. Quando retorna, coloca em cima da
mesinha de cabeceira um copo d’água e um comprimido.
— Tome! É um antitérmico, para cessar a febre.
Obedeço, meu médico sexy.
— Que bom que você voltou — digo, encostando na cabeceira da cama.
— Voltei na hora certa, não acha?
— Estava com saudade...
Ele me olha, sério.
— Falei com a Melissa, foram a uma boate ontem.
— Por que ligou para ela? — pergunto, enfurecida. — Eu mesma podia
falar para você.
— Não fica brava, encontrei você num estado preocupante. Precisava
saber o que aconteceu.
— Nada de mais, fiquei com uma blusa encharcada de cerveja em meio
ao ar-condicionado, depois, ao sair ainda molhada, esperei o táxi no frio.
Resultado, fiquei doente.
— Por que estava com blusa molhada de cerveja?
— A Melissa não te contou? — pergunto, chateada, já sentindo um
incômodo na garganta.
Ele arqueia as sobrancelhas e posso ver através do seu rosto tensionado,
que não há espaço para sarcasmo nesta conversa.
— Porque um idiota da minha aula de Economia derrubou. Foi um
acidente, Ricky.
Não vou me dar ao trabalho de dizer que foi o Davis. Sei que a conversa
vai para outro rumo.
— Estou vendo o seu estado, por conta deste acidente. — Seu tom
ríspido, representa que ele está bravo, muito bravo.
— Seu irmão estava lá.
Seus olhos escurecem.
— O Nicholas?
— Sim, com a demora do táxi, nos ofereceu uma carona.
— Como?
— Ele nos trouxe para casa.
Ouvimos batidas na porta.
— Quem será?
— Seu almoço!
Ricky realmente é um homem maravilhoso, estou encantada com seu
cuidado comigo. Mas chateada por ter ligado para a Melissa, antes de saber
por mim o que aconteceu.
— Júlia, pedi para o John comprar uma sopa de legumes.
— Comida de doente — murmuro, cobrindo o rosto com o lençol.
— A sopa é deliciosa, experimenta.
— Ok, Richard. — Me acomodo na cama para comer a sopa. — Deu
tudo certo na Alemanha?
— Não. — Ele ajeita a bandeja com cuidado. — Estamos com
problemas gravíssimos. No entanto, precisava vê-la.
— Você vai voltar?
Ele balança a cabeça, desanimado, enquanto eu experimento a sopa,
imaginando sua ausência. A verdade é que o conheci numa dessas viagens, e
não sei se vou conseguir me acostumar com a distância.
— Sim, vou. Agora, um pouco mais preocupado que antes —
repreende.
Franzo a testa, ofendida.
Não sou criança.
— Ricky, foi um acidente, não me trate assim.
Ouvimos novamente alguém bater à porta.
— Hoje a casa está movimentada, quem será agora? — digo, colocando
uma colher bem cheia de sopa na boca. Descobri que estou com uma fome
absurda e a sopa é deliciosa.
— O médico — ele fala, antes de sair.
E eu engasgo.
— Como assim? Ricky...
Oi? Um médico!
Ele é realmente maluco, não preciso de médico, só com o banho e a
sopa, estou 80% recuperada. Ele retorna para o quarto, com um médico
bonitão, que ao me ver abre um sorriso largo, igual aqueles atores de
comercial de creme dental.
— Júlia, este é o Joseph, um grande amigo.
— Olá, Júlia! — Joseph me cumprimenta, com simpatia, falando em
inglês.
— Tudo bem — digo, tímida. Nunca recebi um médico em casa.
— Júlia, o Ricky me falou sobre a febre, se permitir, vou examiná-la.
Tudo bem?
— Claro, mas, o Ricky está exagerando. É somente um resfriado.
— Sim, pode ser. No entanto, melhor prevenir.
— Ok — concordo, retirando a bandeja do colo e entregando-a para o
Ricky.
O doutor Joseph é muito atencioso, me examina como se estivesse num
consultório. Ricky, com muito amor, fica atento a cada questionamento, e
bravo quando comento novamente o incidente da boate. Após a consulta
particular e o diagnóstico de gripe e garganta inflamada. Doutor Joseph
prescreve alguns remédios e repouso. Me despeço agradecida, me sentido
uma princesa com toda a atenção
Enfim, Ricky deita-se ao meu lado, acariciando o meu cabelo e me
protegendo com seus braços, as batidas do seu coração é minha canção de
ninar, e adormeço.

Na manhã seguinte, durante o café, conversamos sobre o Nicholas, ele


faz mil perguntas e quando fica satisfeito com as respostas, encerramos o
assunto: Nicholas vs boate.
Ricky retornou à Alemanha, deixando no meu coração a angústia pelo
seu regresso. Estou ainda mais apaixonada pelo cuidado e atenção que
dedicou a mim,
No receituário, o doutor Joseph prescreveu dois remédios para tomar de
oito em oito horas, no período de dez dias, e deixou seu número de telefone
para uma emergência, já estou maluca com tanta responsabilidade.
— Você realmente está bem? — Mel pergunta, escorada na porta.
— Sim, pode ir!
Ela bufa.
— Tenho um trabalho sobre arte moderna, longo e chato. — Ela senta-
se ao meu lado. — Vou voltar muito tarde.
— Os remédios estão fazendo efeito, sem febre e sem dor de cabeça.
Vou sobreviver — digo, caminhando até a sala, preciso ler um bom romance
para distrair.
— Fiquei pensando... — Ela vem ao meu encontro. — O Ricky saiu da
Alemanha para passar algumas horas com você, isso chega a ser...
INCRÍVEL!
Escolho o livro e o abraço junto ao peito, com a imagem do Ricky na
cabeça, ele realmente é o homem mais especial do mundo.
Suspiro...
— Você merece esta felicidade. — Ela beija meu rosto, e pega sua
bolsa. — Agora, lá vou eu, tenho que ser a primeira da turma, para a
felicidade do meu pai e a minha.
— Não entendi, por que a sua? Você não liga pra isso. — Dou de
ombros.
— Um carro, minha querida — ela responde, com entusiasmo. — É o
meu prêmio!
— Ah, sim, agora entendo.
Ela pisca e vai embora.
Enquanto eu mergulho num lindo romance de época da Julia Quinn.
Acordo com batidas na porta.
Merda, está chato conhecer pessoas em Los Angeles e ter que atendê-
las. Vou até a porta e não entendo o que vejo, quer dizer, quem vejo. Ele me
olha de cima a baixo e seu rosto arrogante, que me irrita sempre, está
presente. Fecho a porta na mesma hora, não mereço finalizar o dia com a
visita do Nicholas.
— Cunhada, abra, por favor. — Ele bate novamente. — Preciso falar
com você.
O que será que o Nicholas quer? Não entendo. Ele me odeia, fez questão
de me prejudicar, pois, agora insiste em falar comigo?
Não posso evitar a curiosidade.
— Entre — digo, desconfiada.
Ele olha ao redor, como se avaliasse o local.
— Pequeno aqui...
Reviro os olhos, ignorando seu comentário.
— Fale!
— Quero me desculpar...
— COMO? — Não consigo evitar a surpresa de suas palavras. — Por
quê? — E questioná-lo em seguida.
Tem algo errado nessa parada.
— Tenho que explicar o porquê do pedido de desculpas?
— Tem, sim.
Ele enruga o rosto.
— Você está horrível. O que tem é contagioso?
Pisco os olhos, irritada. Ele consegue me tirar do sério.
— Estou gripada. — O encaro com as mãos na cintura. — O que
realmente lhe trouxe aqui?
Ele me avalia por alguns segundos, e senta-se no sofá.
— Eu ouvi sua conversa com Ricky, em casa. Após saber o que houve
entre nós.
— Hum, ouviu e...?
— E soube naquele momento que errei com você.
Ok! Mesmo desconfiada que a muralha — Nicholas —, enfim pode
estar sendo sincero, permaneço preocupada, ele não é confiável, melhor ficar
distante.
— Como chegou a esta conclusão tão óbvia?
Ele sorri.
— Sei que passou o mesmo com Melissa.
— Sim, passei. — Hesito, não quero expor logo com Nicholas este
passado vergonhoso. — Mas, acabou. Eu a perdoei e hoje recomeçamos.
Ele cala-se por um instante, movendo a sua mandíbula, inquieto. Não
vou retomar a conversa, não sei ao certo o que precisa, seu rosto duro
transparece dúvidas, talvez procure respostas.
— Como conseguiu?
— Consegui o quê?
— Perdoar!
Meu Deus! Sim... respostas. É o que precisa. Agora enxergo como se
sente — angustiado. Ele ama o irmão, e não soube lidar com a decepção,
assim como eu.
— Isso atormenta você? — Me aproximo dele. — Sei que ama o Ricky,
presenciei seu desespero quando..., enfim. Quer perdoá-lo?
— Ricky sempre foi... aquele a quem eu respeitava mais que a meu pai.
Sempre juntos, em tudo, moramos juntos a maior parte do tempo. — Ele
pausa, como se engasgasse com as palavras. — Vê-lo com aquela vadia, me
transtornou.
— Sei bem o que é isso.
— Vê-lo feliz com você também me transtornou. Quando era a Ellen,
tudo certo, não havia sentimento. No entanto, com você, ele estava entregue.
Como permitir que seja feliz, quando ele destruiu a minha felicidade? —
Seus olhos escurecem como noite tempestuosa. — Consegue entender?
Ok, querido, vingança é uma justificativa não válida para destruir a
minha vida.
— Não. Você me condenou por ódio do seu irmão, isso é entre vocês.
— Vê-lo sofrer com sua ausência, foi lavar a alma. Sofri com a falta
daquela puta, não consigo pronunciar seu nome, de tanto desprezo.
— Porém acabou com a minha vida, Nicholas, tem noção do que fez?
— Sim, tenho. — Ele joga a cabeça no escoro do sofá. — Você me
lembrou dela, acho que é isso.
Hein!
Que inconsequente filho da puta.
Contudo, posso dizer que o entendo 50%, sei o que é ter este
ressentimento no peito — sufoca.
— Nicholas, agradeço suas desculpas. Mas, não vou dizer que tá tudo
esquecido e seguimos em frente, porque não. O que fez não foi certo.
— Faça o que quiser, só achei que precisava falar com você. — Ele
levanta e caminha até a porta. — Não sou o filho da puta que pensa, e o
Ricky não é tão perfeito como parece. O que acha?
O que ele quer insinuar?
— Eu acho que vocês precisam conversar.
— Talvez um dia, cunhada.
Dito isso, ele vai embora.
Fico intacta na sala, me perguntado: o que foi isso, afinal?
Após alguns dias de repouso, estou de volta à rotina, isso significa
estudar quase 24 horas por dia. Pois ser latino na América é ser cobrado e,
algumas vezes, pressionado. Faz vinte dias que Ricky e eu só nos falamos por
telefone e muito rápido. Sei através dos noticiários internacionais que a W.E
passa por momentos difíceis. O Ricky não conta, quando falamos, tentamos
nos curtir.
No sábado, tento correr na praia, me exercitar, após um longo percurso,
retorno ao prédio, porém, sou barrada pelo porteiro, que me entrega uma
caixa. Fico intrigada, não comprei nada. No apartamento, abro-a tão rápido
que só restam vestígios de papelão picado no chão. Nela contém uma chave,
uma rosa vermelha e um bilhete.

Olá, amor.
Eu preciso que vá a um apartamento que pretendo comprar, quero a sua
opinião. Em uma semana vou retornar, se gostar, a corretora vai estar
presente.
O John vai buscá-la às 17h.
Te amo, obrigado.
Ricky.
Leio mais uma vez o bilhete e fico apreensiva, não entendo nada sobre
compra de imóveis. Não sei como vou ajudar, mas, vamos lá. Depois de um
banho relaxante, coloco uma roupa confortável e vou ao encontro do John.
Chegamos a um prédio de luxo a algumas quadras do meu, me apresento na
recepção, e sou direcionada ao elevador privativo, que me conduz direto para
cobertura.
Quando desço do elevador, já estou no hall da cobertura, um pequeno
espaço sem mobília, porém, no chão uma trilha de pétalas de rosas me
convida para entrar. Fico admirando, com o coração saltando no peito em
torno da expectativa — ele chegou.
— Ricky...
Não há resposta e, sim, um silêncio incitante.
Sigo a trilha, como uma escoteira desejosa.
Em seu término, sou agraciada com uma mesa posta para jantar, no
centro há um grande vaso com rosas vermelhas e a frente enquadrada através
das janelas largas, uma vista belíssima de Los Angeles.
— Estava com saudade...
Respiro sua voz e calafrios correm pelo meu corpo ávido, giro tão rápido
que quase caio, apesar que se houvesse uma queda, seria em seus braços. Não
tenho tempo para uma resposta, seu corpo desnudo já está colado ao meu.
Ricky pressiona sua boca contra a minha, aguçando minha língua, nosso beijo
nada delicado, nada lento, é interrompido quando o algodão da minha
camiseta passa pelo meu rosto e é jogada no chão.
— Oi — digo, ofegante.
— Oi, linda. — Seus olhos assediam meus seios saltados nas taças do
sutiã de renda preta. — Esses seios. — Suas mãos se encaixam neles, porém,
deslizam para atrás, abrindo o fecho e o deixando cair. — Lindos, perfeitos e
saborosos.
Ele ergue o meu corpo, enquanto eu entrelaço as pernas na sua cintura,
segurando seus cabelos entre os dedos, enterro sua cabeça nos meus seios,
que clamam sua atenção. Ele suga meus mamilos e sua língua os contornam,
me lançando ao paraíso.
— Estes mamilos com sabor cereja... — Seus dentes os pressionam, e o
ardidinho delicioso me faz arfar.
— Ah... Ricky, eu te amo.
Jogo a cabeça para o lado, expondo meu pescoço, sua boca mágica o
percorre, enquanto sua barba rala o pinica deliciosamente, sinto uma leve
mordida no lóbulo da minha orelha.
— Sou louco por você. — Ele pressiona o meu quadril contra o seu e
sinto seu pênis duro me cutucar. — Oh, linda, preciso foder você...
Descontrolados, giramos grudados pelo cômodo vazio. Não sei como
chegamos, mas estamos no quarto, sei porque minhas costas repousam num
colchão macio, enquanto deleito-me com a visão do Ricky tirando minha
calça de ginástica.
— Sim, temos cama — digo, apalpando o colchão com as mãos.
— Não podia esquecer. — Ele abre um sorriso e sua boca trilha com
beijos minha perna até minha calcinha, que ele desliza em seguida, seu olhar
paira no meu ponto sensível.
Ele inspira, soltando o ar logo depois, num gemido sedutor.
— Porra, como você é linda — diz, passando a língua entre os lábios.
— Tá ensopada para mim. — Seus dedos deslizam para a profundidade
molhada da minha vagina.
Deliro com o seu toque delicioso. Ricky sabe me tocar, me penetrar e
fazer-me chegar ao céu, fecho os olhos, flutuando no desejo, até sentir sua
boca sugar meu clitóris e em seguida lambê-lo ferozmente.
— Ricky, meu Deus.
— Sabe quantas vezes eu tive que tocar uma punheta, só imaginando
este momento? — Ele suga novamente o meu clitóris, o circulando com sua
língua diabólica. — Muitas vezes...
— Céus, Ricky...
— Não sabe como preciso foder esta boceta que sou fanático... — Ele
suga mais uma vez e eu pressiono seu rosto ainda mais na minha entrada,
excitada.
Caramba.
Contorço-me com o orgasmo radiante que atingiu meu corpo. Enquanto
Ricky suga todo o mel, amoleço na cama, ainda não recuperada do clímax,
quando tenho meu corpo erguido e virado numa agilidade magnífica.
— Não terminei, linda... Arrebita esta bunda maravilhosa pra mim.
Obedeço, inclinando o traseiro para ele.
— Esta bunda redonda e apetitosa me tira do eixo.
Solto um longo gemido, quando suas mãos apalpam minha bunda, a
abrindo um pouquinho.
— Ricky...
— Hum, olha o que faz comigo. — Ele agarra a minha cintura e
preenche minha entrada gulosa com seu pau grosso de uma única vez.
Grito seu nome novamente.
Ricky mobiliza-se por um instante, inteiro dentro de mim.
— Apertada e quente, como consigo me segurar?
Sua mão entrelaça-se no meu cabelo, puxando minhas costas contra seu
peito quente, ele inclina minha cabeça para ter acesso ao meu pescoço.
— Foi o inferno ficar sem ter você, Júlia — diz no meu ouvido,
deslizando sua língua no meu pescoço. — Eu amo você... Eu amo você... Eu
amo você.
Minha boca entreaberta, respira suas palavras, e não consigo dizer nada,
o prazer pelo Ricky me domina, me fazendo ofegar. Ele desce minha lombar,
agarrando a minha cintura e perde-se dentro de mim.
Gemo, chegando ao céu com as estocadas contínuas e fortes. Ele me
come com uma gula intensa.
— Ricky... — Seu nome sai sussurrado da minha boca, que aberta grita
de prazer, seu pau contrai dentro de mim, arregaçando-me com a saudade.
Até a venerada sensação do orgasmo possuir nossos corpos.

— Adorei a cobertura — falo, comendo um delicioso filé.


— É nossa.
Nossa!
Engasgo com a boca cheia, tossindo igual a uma boba, eu nunca estou
preparada para alguns avanços do Ricky.
— Quero dizer — ele percebe o meu embaraço —, não gosto de hotel,
falei que ficaria com você, então que seja num lugar confortável para nos
encontramos.
Fico sem palavras com a fofura deste homem, impressionante como ele
sacode a minha vida.
— Tudo bem? — ele pergunta.
— Sim... então, a viagem acabou?
— Júlia, temos que falar sobre isso.
Lá vem bomba!
— Fale, não me esconda nada — zombo da situação. Mas a verdade é
que não gostei da seriedade que se tornou a conversa.
— Meu trabalho é complicado. — Ele escora os braços sobre a mesa e
inclina-se um pouco na minha direção. — Tenho vários profissionais que
trabalham comigo, me reportando o necessário, assim não preciso estar nas
unidades o tempo todo. Porém, mesmo com este suporte, tem problemas que
tenho que resolver, como este atual da Alemanha, então é bem provável que
viaje em algumas situações. Como se sente com isso?
De braços atados, na verdade, não posso intervir no seu trabalho, e vou
ter que me habituar com sua ausência — tipo, um mês.
Suspiro, pensando nos dias.
— Ricky, este é o seu trabalho, e se eu for surpreendida assim, a cada
retorno seu, te perdoo.
— Você pode viajar comigo, quando quiser.
— Se houver alguma brecha nas aulas, por que não?
— Agora, como gostou da cobertura, vou deixá-la aconchegante para
receber você, e mesmo quando eu não estiver, pode desfrutar dela. Como
disse, é nossa.
— Ok — respondo e volto o meu olhar para a salada verde à minha
frente.
— E...?
— E... o quê?
— E tem algo para falar?
Como ele sabe?
Encaro-o, encontrando uma forma de tocar num assunto delicado
chamado Nicholas.
— Precisa falar com seu irmão — falo, receosa.
— Por que este assunto agora? — Ele franze o cenho.
Não vou ser a advogada do diabo, mas o meu senso de justiceira está
apitando, talvez as coisas possam se resolver entre eles e enfim pularmos esta
parte tortuosa.
Acho que estou evoluindo como ser humano.
— Vocês têm que conversar, o Nicholas não é tão detestável quanto
parece.
Ricky ergue uma sobrancelha, intrigado.
Eu mesmo estou espantada com as minhas palavras.
— Ele veio atrás de você?
— Então...
— Júlia?
Encurrala-me.
— Sim.
Ele resmunga alto e desvia o olhar, indo até a grande janela de vidro.
Vou atrás dele, massageio suas costas com minha testa, enquanto meus
braços cercam sua cintura.
— O que ele disse?
— Ele pediu desculpas...
— COMO? — ele interrompe, enquanto seu corpo vira-se e seus olhos
fixam nos meus, perplexos, como se este ato fosse milagroso.
— Sim. — Me afasto. — Ele se desculpou e conversamos
civilizadamente sobre perdão.
— Perdão?
— Ricky, seu irmão ama você. Não vou bancar a advogada, mas você e
a tal Amanda não se empenharam o suficiente pelo perdão do Nicholas.
— Sim, talvez tenha razão.
— Você teve algum contato com ela?
Geração ciúme de volta, estou curiosa para saber mais sobre essa garota,
não consigo evitar, amar o Ricky me descontrola em alguns momentos.
— Não sei sobre ela...
— Não a viu, nunca mais?
— Não — ele diz, seco, finalizando o assunto Amanda.
— Certo, vai tentar conversar com seu irmão? — Meu tom carinhoso e o
meu olhar de anjo, conseguem fazer nascer um sorriso nos lábios de Ricky.
— Sim, vou.
Fico satisfeita com a resposta, então vou lhe dar uma recompensa.
Abro o meu roupão, deixando-o deslizar pelo o meu corpo, nua, me
aproximo. Abro seu roupão e desvio meus olhos para o seu comprimento que,
hum... já está pronto para mim, minhas mãos apressadas o seguram,
massageando e o masturbando, devagar.
— Acabei de perceber — volto o olhar para ele —, não saboreie a
sobremesa — digo, enquanto me ajoelho.
Após deixar a Júlia em seu apartamento, fiquei intrigado com
uma questão: Nicholas e pedido de desculpa, não combinam. Mesmo sabendo
que meu irmão não é um mau caráter, aquele dia, algo mudou dentro dele,
seus olhos refletem rancor. Portanto, por mais que eu tente, não consigo
confiar nele, tenho um pressentimento que o deixar próximo da Júlia é
perigoso.
— John, vamos ver meu irmão — ordeno para o meu motorista, que
desvia o caminho, já sabendo o endereço.
Nicholas está instalado num Flat, aqui na Califórnia, consegui sua
localidade, monitorando algumas das suas ações, respiro fundo. Teremos uma
conversa, sem agressões ou ofensas — digo para mim mesmo, na frente da
porta do Flat.
Bato à porta e o escuto resmungar, porém, quem abre é uma loira alta,
seminua, e com um sorriso irritante no rosto.
— Cadê o Nicholas? — pergunto, apoiando a porta com a palma da
mão.
— Banho — ela diz, me medindo. — Você é o Richard, certo?
— Sim — respondo. Entrando no Flat e caminhando até a sala.
Olho ao redor e não há drogas ou garrafas de álcool. Estou mais
tranquilo, vamos conversar com prudência.
— Que honra, ter os irmãos McGuire juntos. — Ela anda sensualmente,
parando na minha frente. — Conheço sua fama, sei que gosta de mulheres e,
eu adoro mais de um homem na cama, seria incrível.
— Melhor se vestir — digo, desviando o olhar para o meu irmão
encostado na porta, com uma toalha amarrada na cintura.
— Nick, acabei de conhecer seu irmão...
— Eu vi, e já estava esfregando a boceta na cara dele, terminamos por
hoje, melhor ir — ele diz e entra no quarto.
A mulher pega suas coisas e veste-se rapidamente, antes de sair pisca
para mim, balanço a cabeça, negando as recordações da vida que tinha antes
da Júlia. Aguardo meu irmão com uma dose de uísque nas mãos. Estou
apreensivo, infelizmente hoje não sabemos conversar. Sobretudo, estar aqui
pode ser um grande acerto ou um erro, não sei dizer.
— O que deseja? — ele diz, quando retorna para a sala, esfregando uma
toalha na cabeça.
— Precisamos conversar.
— Sobre o quê?
Ofereço-lhe o copo com uísque, ele me encara, pega o copo e senta-se
na minha frente.
— Acredito que sua gatinha tenha mencionado a minha visita.
— Sim. O que foi fazer na casa da Júlia, afinal?
— Ela não te disse?
— Nicholas, eu te conheço, ser um bom garoto não é seu forte.
— Ah, não, talvez este seja seu papel.
Respiro fundo, tentando me acalmar, tenho que direcionar a conversa e
acertas as coisas, para felicidade de todos.
— Eu sei que errei, assumi meu erro para você, mais de uma vez. Eu
preciso que acredite, não lembro o que houve aquela noite e como as coisas
seguiram aquele rumo, estou sendo sincero.
Ele levanta, segue para a janela, seus olhos se perdem na paisagem da
Califórnia.
— Pela primeira vez, acredito em você — confessa, desviando o olhar
para seu copo.
— Por que só agora? — indago.
— Não sei dizer, o tempo... — Seus dedos brincam com o líquido
marrom dentro do copo.
— Quero você de volta à minha vida.
Ele retorna para sala, deixando no caminho o copo em cima de uma
mesa.
— Ricky, sei como me senti quando encontramos você no sítio, ao ver o
seu estado deplorável...
— Sei tudo que fez por mim...
— Confesso! Encontrei na Júlia uma maneira de me vingar.
— Ela não mereceu o que fez.
— Eu sei... estou cansado de tudo, quero calma.
— Merecemos calma.
— Sim, merecemos.
— Quais seus planos?
— Estou pensando em abrir duas SupperClub, uma no Rio de Janeiro e
outra em São Paulo, as daqui me fizeram rico, mantendo-me distante dos
mandos de Robert McGuire.
— A Júlia foi à sua boate, tenho que te agradecer por tê-la salvado do
idiota da cerveja.
— Ela está bem?
— Sim.
— Certo.
Ficamos em silêncio por um momento, nos habituando em voltar a
dialogar novamente, sem ter socos depois.
— Brasil, este é o seu destino? — digo, quebrando a quietude.
— Sim... Brasil, não sei por que gosto desse país.
E novamente sinto seus olhos escurecerem e um pressentimento de que
ainda não acabou, surge no meu peito.
— Ricky — Nicholas chama-me, antes que eu cruze a porta para sair. —
Acreditar em você, não é perdoá-lo.
Meses depois...

Primeira da turma, esta é minha posição na University


Communication Training. Estou com um sentimento tão digno no peito,
estudei muito e honrei toda a confiança depositada por minha mãe. Não foi
fácil cair de paraquedas em outro país e ter que se habituar rapidamente a
uma nova cultura. Porém, tenho que admitir: a males que vem para o bem, já
dizia o profeta. Após todo os percalços, eis que esta oportunidade me
fortaleceu.
Nestes últimos meses, o Ricky fez viagens curtas, seu trabalho se divide
entre Berkeley e Los Angeles. Às vezes, por insistência, ele comenta a
possibilidade de eu retomar minha bolsa, sempre recuso. Não tenho mais a
ambição, quero o meu próprio caminho, a W.E sempre foi um sonho, acabou
não passando disso.
— Alô, Guta.
— Girl, ahhhhhhhhhhhh. — Tiro o celular do ouvido para conter o grito
vindo do outro lado da linha,
Para ser exata, do Brasil.
— Oi, estou com muita saudade.
— Espera, um momento. — Ouço alguns bochichos. — JÚLIA, NÓS TE
AMAMOS...
Um coral explode do outra lado da linha e não consigo segurar as
lágrimas, tapo a boca, sufocando a saudade que tenho dos meus amigos.
Todos eles, Rael, Johny e Guta, os meus tesouros brasileiros.
— Girl, não chora — Guta diz, com a voz embargada.
— Não consigo, estou com muita saudade de vocês.
— Juh, minha linda, é o Johny.
— Johny, seu lindo, como vai o merengue?
— Menina, incrível. — Ele ri. — Quando voltar, altos passos vou te
passar, calma, Rael — ele diz irritado para o Rael, ao que parece pegou o
celular de suas mãos.
— Júlia, tudo bem?
— Oi, Rael, como vai?
— Bem...
— Saudade amigo, como vai na W.E?
— Estamos todos progredindo. — Ele pigarreia. — Eu, por exemplo, vou
para a Austrália.
— COMO?
— Sim, consegui, Jú, vou fazer um semestre na Austrália, sensacional, o
que acha?
— Parabéns, garoto, pelo que te conheço, vai ser difícil voltar. Quando
você viaja?
— Na próxima semana, no entanto, eu e a Duda terminamos...
— Ué, por quê?
— Não sei exatamente, ela surtou, não me quer perto. — Bufa. — Sinto
falta do pequeno, a doença se agravou e...
— Nossa, que barra...
Não sei ao certo o que dizer, só lamento pelo garotinho, tão pequeno, já
com uma tormenta desta.
— E você, aí nos EUA?
— Primeira da turma.
Ouço palmas e assobios.
— Obrigada, gente. Mas, pretendo voltar para o Brasil, vou ficar triste
por não encontrar você...
— Eu também, nos falamos pelas redes...
— Claro, tchau, Rael...
— Até mais, Jú, vou passar pra Guta, ela quer conversar contigo em
particular...
— Tudo bem...
— Girl, vou me afastar deles, espera. — Posso ouvi-la se despedir dos
rapazes e ir para um lugar mais silencioso. — Agora, podemos conversar
sozinhas, como você está?
— Feliz. — Suspiro. — Estou vivendo um sonho com Ricky.
— Não falei? Ele é sua estrada, garota.
— Sim, é. Estamos felizes, mesmo com a nossa rotina maluca.
— Vocês foram feitos um para o outro, sem mais.
Dou uma gargalhada com a maneira reta que ela finalizou a análise da
minha relação com o Ricky.
— Guta, não vejo a hora de encontrar você e comer feijãoooooo...
Ela solta uma gargalhada.
— A gringa quer feijão? Vou mandar por SEDEX. — Ela hesita. — O
SEDEX vai para a Califórnia?
Soltamos uma grande gargalhada, até a minha barriga doer de tanto rir.
— Aí, Guta, fica em paz, foi um prazer falar com você.
— Tchau, Jú, em alguns meses?
— Sim, em alguns meses nos veremos novamente, tchau, Guta.
Desligo, abraçando o celular, como se abraçasse meus amigos, como
sinto falta do calor brasileiro. Neste mesmo dia, tenho uma longa conversa
com a minha mãe, que trabalha dobrado para me manter nos Estados Unidos,
mesmo eu insistindo que quero voltar. Ela é contra, pois quer meu
aprimoramento, seus planos é que eu faça uma pós-graduação e arrumar um
estágio, assim tenho um ótimo currículo para ter cargo de chefia no Brasil.
Embora saiba que é uma grande oportunidade, não me sinto confortável,
quero retirar este peso das costas da minha mãe.

No dia seguinte, saio da universidade, partindo direto para a cobertura,


combinei em passar o resto da tarde com o Ricky, faz dois dias que ele está
em Berkeley, a trabalho, mas também para dar atenção à sua mãe, Sara. Aliás,
falando da família McGuire, não houve mais convites para jantares ou chá da
tarde. Prefiro ficar afastada, até que os irmãos resolvam suas diferenças.
Entro na cobertura, já decorada e mobiliada. Apesar do Ricky ter
contratado uma designer de interiores, ele permitiu que eu desse alguns
pitacos na decoração, então aproveitei, as paredes foram pintadas com cores
claras, passei a entender um pouco sobre arte e escolhemos lindos quadros
juntos. Durante a decoração, fiz algo inusitado, num espaço amplo coloquei
uma mesa de sinuca, nunca mencionei, mas sei jogar sinuca, quem me
ensinou foi o Marcos, meu cabeleireiro preferido. Ricky ficou surpreso,
porém, concordou, e claro, perdeu diversas vezes — como disse, sou ótima
com jogos.
O Ricky, apaixonado por vinhos, tem a sua pequena adega pessoal, não
perco tempo e encho uma taça para aguardá-lo, caminho inquieta até o nosso
quarto e entro no closet que tem uma quantidade absurda de ternos, camisas e
sapatos. Inspiro um pouco seu perfume, esfregando sua camisa no meu rosto,
as lembranças do nosso primeiro encontro vêm à memória e sorrio ao me
lembrar dos seus olhos quentes me devorando na porta do elevador. Sou
interrompida pelo toque do meu celular, apalpo os bolsos da calça e, não o
sinto, devo tê-lo deixado na sala.
Volto para a sala, olhando por toda parte, percebo minha bolsa que
joguei no sofá assim que entrei — aberta e minha carteira esparramada no
chão. Eu sou muito distraída mesmo. Coloco a carteira de volta na bolsa e
vejo que o meu anticoncepcional também está no chão, olho a cartela,
intrigada com a quantidade de pílulas e tento lembrar que dia é hoje, pois a
última pílula que tomei na cartela foi sexta e hoje é quinta... MEU DEUS. Faz
seis dias que não tomo? Como pude esquecer? Corro para a cozinha com a
cartela na mão, retirando todas as pílulas que faltam e com um copo d’água
as ingiro de uma única vez.
Céus, que vacilo.
Sento na bancada, escorando a cabeça entre os braços.
Puta merda! Como pude esquecer?
Respiro fundo, jogando para fora do peito a preocupação. Tomei todos
os comprimidos que faltavam, então estou protegida, Certo! Ou não? Sim,
estou, já esqueci outras vezes e não aconteceu nada. Novamente meu telefone
toca, interrompendo meus pensamentos alarmantes. O procuro e o vejo ao
lado do porta-vinho.
— Alô, Júlia...
Ouço a voz do Ricky misturado com um chiado horrível.
— Ricky, a ligação tá péssima...
— Júlia, melhor agora...
— Não, porém, posso ouvi-lo, já está a caminho?
— Não. — O chiado corta sua voz. — Eu não... consigo voltar... hoje.
A ligação falha e a voz do Ricky sai cortada.
— Por quê?
— Um vento muito forte, nos impede de voar... amor, preciso que...
A ligação cai.
Retorno a ligar, sem sucesso, ele não atende. E um aperto no peito me
retrai. É provável que ele ainda esteja em Berkeley? E em segurança! Sim!
Três vezes sim! Acesso os noticiários para ter relatos deste vento de Berkeley,
segundo as informações realmente um vendaval devasta a cidade.
E um novo aperto cresce no meu peito.
Ele está a salvo — digo, em oração.
Permaneço inquieta no apartamento, andando de um lado para o outro,
com o celular nas mãos na esperança de que Ricky volte a ligar. Mas não
acontece. Então ligo para a Melissa e peço seu colo.
— Oi, Mel — digo, após abrir a porta.
— Nossa, que lugar, hein... — ela diz, percorrendo a cobertura com os
olhos.
— Um sonho, olha a vista...
Caminhamos até as largas janelas que rodeiam a sala.
— Consigo ver toda a Califórnia daqui. — Ela vira-se, colocando sua
bolsa numa poltrona. — Agora, diga, o que houve? Estava um pouco
angustiada no celular.
— O Ricky não voltou de Berkeley, parece que as coisas estão voando
por lá — digo, mencionando as notícias.
— Sim, um vendaval, falamos sobre isso na aula, mas ele está bem?
— Acredito que sim, não conseguimos finalizar a ligação. — Um
pressentimento esquisito aponta no meu coração. — Quando falávamos,
ouvia um chiado, como se ele estivesse a céu aberto, aí a ligação caiu... e eu
fiquei preocupada.
— Estou vendo, tá até pálida. — Ela senta-se numa poltrona azul ao
lado do bar. — Ele está bem, acredite.
— Exagero meu.
Ela se estica na poltrona.
— Isso aqui é melhor que a minha cama. — Se aconchega, preguiçosa.
— Estava tomando vinho, aceita?
— Claro, Jully, que pergunta. — Ela se movimenta na poltrona
confortável. — Nossa, amei a poltrona, quero uma igual.
Sorrio e vou encher as taças, subimos para parte privada da cobertura,
onde temos uma banheira e uma piscina média rodeada com piso de madeira.
— O que acha? — pergunto, com o vento elevando meu vestido e
cabelos.
— Lindooooooo. — Ela escora-se na sacada de vidro. — Devíamos nos
mudar para cá, eu, né?! Porque você praticamente mora aqui.
— Mentira, faço o que posso para ficar com você no nosso apertamento.
— Sorrio, me referindo a nossa quitinete americana. — Agora, quando quero
relaxar, aqui é o lugar.
— Jully, aqui lembra um pouco minha casa. Quer saber, estou com
saudade daqueles chatos, os quais chamo de pais.
— Também sinto falta da minha mãe.
— Tia Ana é uma das melhores pessoas que conheço, sempre foi muito
mais íntegra que a minha, simples e batalhadora. — Ela me encara. — Vou
confessar uma coisa, sempre invejei você pela mãe que tem, muitas vezes, a
futilidade da minha me irritava, aí me inspirava na sua mãe.
— Sério? Sempre achei que você se sentia superior, por ter pais casados
e felizes — comento, recordando o nosso passado.
— Casados e felizes? Chega a ser hilário. — Ela balança a cabeça,
negando. — Eles vivem de aparência, Jully.
— Não? Parecem ser a família perfeita.
Surpreendo-me em saber que tudo que pensava da família da Melissa é
mentira.
— Nunca tivemos a oportunidade de conversar sobre isso, e não sei por
que nunca falamos, mas, são ricos e interesseiros, ainda assim, são meus pais
e os amo. A única coisa que os une é o meu futuro, fazem tudo por mim,
como sua mãe faz por você. Concluindo, somos garotas sortudas. — Ela
ergue sua taça para brindarmos a nossa sorte.
Olho para a piscina e viro para a Melissa, com olhar sugestivo.
— Vamos entrar, a água é aquecida, vem...
— Hum, sei não... — Ela coloca a taça sobre a mesa de vidro no canto,
logo após ergue seus braços, tirando sua blusa. — Já que insiste, bora lá.
Já desnuda de sua roupa e somente com lingerie, ela pula para dentro da
piscina, erguendo-se em seguida, como a garota do Fantástico, dou uma
gargalhada.
— Oh, maluca, você é muito apressada, eu tenho biquíni aqui.
— Já te disse, temos que ser delinquentes em alguns momentos, para
não perdemos nossa identidade — ela diz, enquanto mergulha, movendo-se
para o outro lado da piscina. — Vem, Jully, de lingerie é mais perigoso.
Concordo, tirando a roupa e mergulhando no perigo.

Algumas horas depois, pedimos comida, estamos famintas com a tarde


divertida que tivemos, estar com a Melissa é sempre uma novidade, mesmo a
conhecendo há anos.
Ela sempre me surpreende.
Após autorizar a entrada do entregador, coloco um roupão para abrir a
porta.
— Passa tudo neste cartão, por favor.
O entregador, com cara de garoto, me entrega as sacolas com comida
chinesa: frango xadrez e, para acompanhar, rolinhos-primavera. Enquanto eu
vou colocar as sacolas sobre o balcão, ele agiliza o pagamento.
— Obrigada — agradeço em inglês, antes de fechar a porta. — Mel,
vamos comer, senão eu desmaio.
— Estou morrendo de fome.
Famintas e esganadas, comemos todo o conteúdo saboroso das caixinhas
chinesas. Ficamos empanturradas e largadas no sofá, sem conseguir nos
mexer, adormecemos.

Acordo num corredor escuro, somente um ponto de luz bem à frente é


meu guia, não consigo levantar, não sinto minhas pernas, toco nelas, as
aperto mais, somente minhas mãos conseguem senti-las, um grito agudo e
sofrido ecoa, me abatendo. Logo após ouço passos na minha direção, um
pavor me toma e o medo, de não sei o que ao certo, me faz rastejar até o
ponto de luz, preciso alcançar a luz e sair desta escuridão.
Fugir.
Luz.
Estes são meus designíos... portanto, rastejo, minhas mãos esfolam-se
com o solo grosso, sinto-o também raspar minha barriga, porém, a dor é
menor que o medo destes passos cada vez mais próximos.
Quando minha mão conquista a luz e o meu corpo ultrapassa a barreira
da escuridão, a imagem que vejo à minha espera é o Ricky, com os olhos
fechados, de frente para um homem que lhe aponta uma arma engatilhada. O
quadro causa-me dor, que explode na minha voz, até ouvir o tiro e ver o
Ricky cair.
— Nãooooooooooooo.
— Jully, o que houve?
Sinto as mãos da Melissa tentando acalmar o meu corpo trêmulo e
descontrolado, um aperto pávido esmaga o meu coração e as lágrimas que me
sufocam deslizam pelo meu rosto gelado, as imagens do sonho me
aterrorizam.
Não foi real.
Não foi real.
— Jully, diga-me, o que houve? Pelo amor de Deus, vou pegar um copo
d’água para você.
Inconsciente, permaneço revivendo aquelas cenas com os olhos ardidos,
sem consegui me mover.
— Toma, beba. — Ela coloca o copo na minha mão, porém, não tenho
força para segurá-lo. — Júlia, fale comigo, estou ficando assustada...
Começo a piscar os olhos, tentando voltar e sair do inferno o qual minha
mente me encurralou, ainda assim, não consigo me mexer e a minha
respiração some, me fazendo sufocar, busco ar, busco vida e não tenho. Até
escutar uma voz... do Ricky, ouço a voz do Ricky! Pisco mais uma vez e sua
imagem desesperada aparece na minha frente.
— Júlia... Júlia...
— Ricky, que bom que você chegou...
— O que houve?
— Não sei, ela acordou assim...
— Júlia... fale comigo. — Seus braços me aquecem, trazendo-me alento.
Podendo, assim, ser liberta dos meus pensamentos.

— Não me olhem assim — digo, secando os cabelos, após um banho


quente.
Os olhares assustados da Melissa e do Ricky ao me ver entrar na sala me
reprimem, com certeza tive outra crise de pânico. Porém, com um sonho, o
que intriga é a realidade dos sentimentos.
— Como se sente? — Ricky vem ao meu encontro.
— Melhor, não sei o que houve — digo, o abraçando. — Que bom que
chegou!
— Conseguimos decolar e, por Deus, estou aqui, passei por momentos
difíceis.
— Nossa, naquele momento que ligou, estava onde?
— Fizemos um pouso de emergência, perto daqui, e consegui concluir a
viagem de carro.
— Ah, eu realmente fiquei angustiada quando falei com você. — Desvio
o olhar para a Mel. — Desculpe, sei que ficou preocupada.
— Ainda estou, Jully, nunca tinha visto você daquele jeito. — Ela solta
o ar e joga a cabeça no encosto do sofá. — Não faça mais isso, por favor.
— Melissa, que bom que estava com ela e, se quiser ficar e dormir, será
bem-vinda.
— Não posso, tenho que estudar, infelizmente amanhã eu tenho aula
prática e estou com dúvidas, muitas, como sempre.
— Posso te ajudar com algo? — Ricky pergunta.
— Pensando bem, acho que pode.
— Ricky é ótimo, Mel. — Beijo de leve os lábios de Ricky, que fica
entusiasmado em ajudar a Mel.
— Do que se trata?
— Demanda e procura, tenho o material no meu notebook, posso te
mostrar?
— Sim, será um prazer, só vou tomar um banho antes, tudo bem?
— Claro, Ricky...

Ricky dá uma grande aula para nós. A Melissa suga tudo que pode, e
tenho certeza de que vai se sair muito bem na aula prática. Antes de dormir,
meus pensamentos voltam ao sonho aterrorizante, ainda estou impactada com
os sentimentos que surgiram.
Tão real, que assusta.
— Você não disse, o que sonhou? — Ricky pergunta, deitando-se ao
meu lado na cama.
— Não lembro — minto, pois, contar é reviver aquela sensação de
perdê-lo, e não quero senti-la nunca mais.
Estou deitada no peito largo do Ricky, e ele carinhosamente
acaricia meu cabelo, posso ouvir seu coração, batidas calmas, meus dedos
brincam com o botão da sua camisa e sou presenteada com o seu perfume
amadeirado.
Estamos assim não sei há quanto tempo, depois de nos beijarmos
incansavelmente, ficamos quietos, nos curtindo, calados.
— Quer casar comigo?
Como?
— Ricky... Eu... Como? — gaguejo, ridiculamente surpresa com seu
pedido.
Eu, casar com o Ricky?
Céus, por que tenho dúvida para responder?
— Quer casar comigo? — repete, com o tom ainda mais grave.
Levanta-se, me tirando do aconchego do seu peito perfumado, e encara-
me com uma seriedade absurdamente efusiva. Não consigo desviar o olhar,
porém, não consigo responder.
Ele está falando sério!
— Ricky, eu... — Fico desnorteada por alguns segundos, com este
pedido inesperado.
Este ano, passamos por poucas e boas, e o nosso amor sobreviveu a tudo
e mais um pouco, posso, assim dizer, que somos sobreviventes dos acasos da
vida. Agora, casamento é algo que ainda não tinha pensado.
— Ricky, ainda estou estudando, talvez...
— Talvez depois da formatura?
— Eu...
Desvio o olhar e pressiono o lábio inferior, tentado entender-me neste
momento, por que estou apreensiva com o fato de me casar. O pior, é que o
noivo é o cara que amo mais que tudo neste mundo, minha paixão inacabada,
meu amor eterno e, assim, vai as frases do papel de carta. Este devia ser um
momento romântico e emotivo, e eu o transformei em algo esquisito. O Ricky
deve estar com várias interrogações na cabeça, seu olhar inconsistente me
deixa ainda mais agoniada.
— Certo, sei que te peguei de surpresa. — Ele sorri, porém, posso ver
no seu olhar que ficou descontente com a minha dúvida. — Não precisa me
responder agora, pense.
Assinto, pensativa e inconformada, por não ter resposta a uma pergunta
tão simples e amavelmente esperada por qualquer mulher.
O homem dos meus sonhos me pediu em casamento e eu não aceitei,
pode isso?
— Agora... — Suas mãos seguram o meu braço, me girando e deitando-
me no sofá, seu corpo cobre o meu e sua boca entreaberta, faz com que seu
hálito de vinho me excite.
— Ricky, eu te amo... — sussurro, incansavelmente, declarando-me,
reforçando o meu sentimento por ele, não quero que fique magoado com a
minha incerteza.
— Como se sente, hoje?
Ele percebe o meu desconforto e quer mudar de assunto, o agradeço por
isso.
— Muito bem! — Mordo o seu queixo. — Quero você... Estava
enfartando de saudade.
— Estava, é?
Faço que sim com a cabeça e o seguro pelo colarinho, mordendo de leve
seu lábio inferior, ele me olha, já com más intenções com estes olhos mel,
que se tornam chamas em segundos, como um vulcão em erupção.
Zizi...
Para o nosso lamento, somos interrompidos por um barulho irritante.
Ricky olha para o seu celular e o ignora, mas o danado permanece tocando,
eu jogo a cabeça para trás, o xingando internamente.
— Vou desligar... — Ele escora uma perna no sofá, para alcançar o
celular, que está na beirada da mesa de centro. — Só um momento, é do
Brasil.
Franzo a testa, se é do Brasil, pode ser importante.
— Então, é melhor atender.
— Não conheço este número...
— Atende, pode ser importante.
— Certo. — Ele atende. — Alô... — Seu semblante fica rígido, assim
que ouve a voz do outro lado da linha. — Sim, é ele... — Seu olhar volta-se
para mim. — Olá, Eduarda, como vai?
— Quem? — pergunto, num impulso.
Ele tapa o celular com a mão e posso ver a tensão surgir no seu corpo,
que a essa altura está em pé na minha frente.
— É a Duda, Júlia.
— A Duda do Chill?
Ele assente.
Estou confusa...
— Júlia, um instante... — Ele se afasta.
Eu começo a sentir comichões no corpo inteiro, por que a Duda está
ligando para o Ricky? Ele encontra-se distante, com isso não consigo escutar
conversa. Portanto, meu cérebro produz diversas perguntas que confundem a
minha racionalidade.
Enfim, ele retorna, com o rosto pálido e olhar caído.
— Ricky, o que houve? — Levanto e paro na sua frente, já com o corpo
aflito pela sua expressão.
— Eu... não sei como dizer. — Ele olha para mim lentamente, posso vê-
lo atormentado e perdido.
O que a Duda falou, para causar tamanha tormenta em Ricky?
— Aconteceu algo? Com alguém?
— Sim, o filho da Eduarda está muito doente e...
— Isso eu sei, mas por que ela te ligou? O menino piorou?
— Júlia, temos que voltar para o Brasil...
— Temos, por quê?
— Ele precisa de um transplante e eu...
— Céus...
Por mais que me solidarize pela situação do menino, considero-me
egoísta em querer saber o porquê desta ligação diretamente para ele. Algo
esquecido me vem à cabeça, o incidente no Chill, quando almoçamos juntos
com a Guta, onde Ricky e Duda ficaram nervosos com a presença um do
outro.
— Ricky, não entendo, por que ela te ligou?
Ele anda de um lado para o outro, como se procurasse respostas às
perguntas que ele mesmo fazia, observo Ricky e essa expressão que tomou
posse dele é nova para mim. É um misto de tristeza e tortura que me
angustiam, coloco a mão sobre seu ombro, e meus olhos pedem uma resposta.
— Ele é meu filho.
Alguns anos antes.

— Que bom que veio — Eduarda diz, num tom cordial quando
abre a porta, o sorriso do rosto se desfaz, assim que Ellen aparece ao meu
lado. — O que ela faz aqui?
— Querida, você não imaginava que o Richard acreditaria no que disse?
Eduarda abranda seu rosto, me olhando, decepcionada.
— Já contou pra ela? Disse que era entre nós.
— Ah, ela realmente acreditou que daria o golpe. — Ellen quebra a
barreira de seus braços, entrando brutamente em sua casa.
— Não há convidei para entrar — diz, ríspida.
— Você não tem vergonha?
— Chega, Ellen — interrompo. — Eduarda, você desapareceu, onde
estava nesses meses?
— Aqui... — Ela desvia o olhar. — Envergonhada.
Ellen solta um som desdenhoso.
— Estou atrás de você há meses, tínhamos que ter conversando sobre o
que aconteceu — digo, repreendendo seu sumiço. — E, como assim, grávida?
— Querida — Ellen interrompe —, com quantos transou, para garantir o
golpe?
— Cala a boca, sua idiota — Eduarda grita. — Por que a trouxe aqui,
Richard?
— Sou noiva dele, garota, ou achou que daria esta boceta suja para os
irmãos McGuire, e eles casariam com você?
— Cala boca, sua filha da puta...
— Contenham-se. — Me enfureço com a discursão. — Ellen, por favor,
fique quieta.
Ellen levanta os braços e se afasta.
— Eduarda, me conte, como assim, gravidez?
— Eu juro, estou grávida!
Não consigo acreditar nesta história, a garota some depois de termos...
depois liga do nada, informando estar grávida. Não tem lógica.
— De quem? — indago, realmente duvidando de suas palavras omissas.
— Como assim, de quem? — ela pergunta, incrédula. — É seu.
Ellen não se controla e sorri com seu veneno.
— Não posso acreditar, transamos uma única vez, e eu ainda não me
lembro. Porém você parece lembrar-se muito bem, algo estranho aconteceu
aquela noite, sei que sabe, seja honesta e explique meu descontrole. Não
transaria com você, era a namorada do meu irmão.
— Mas transou e não podemos mudar isso.
— Ah, podemos, sim — Ellen corta. — Conheço seu tipo, garota,
namora com um e entregou-se para outro. Não entendo por que não
engravidou do Nicholas.
— Eu... — Ela desvia o olhar, fugindo de seu julgamento.
— Você queria o Ricky. — Ellen bate palmas, concluindo sua
descoberta. — Ricky, a vagabunda gosta de você.
— Como? — pergunto, encarando-a.
— Sim, gosto — ela confessa, com lágrimas nos olhos.
— Você namorava meu irmão, não entendo.
— Sempre admirei você, e ficar com ele era estar perto... de você.
— Não, você é louca. — Esmurro o ar, revoltado com esta confissão. —
Acha o quê? Que vou casar com você? Não acredito que esse filho seja meu,
só para constar.
— Com certeza não é, Ricky. — Ellen se aproxima de Eduarda. —
Quem vai casar com ele sou eu, garota. Você vai voltar para sua cidadezinha
e capinar sua roça.
— Não vou voltar, tenho minha bolsa e agora o estágio, posso
permanecer aqui.
— Não pode, aqui você não tem mais nada — digo, enquanto coloco
algumas notas de dinheiro sobre uma mesa. — Não quero você na minha
Universidade, suma da minha frente.
— Como? Não posso voltar...
— Ah, pode e vai. — Aponto para a mesa onde encontram-se as notas.
— Pegue aquele dinheiro e suma.
— Ricky, não posso perder a bolsa, é o meu sonho e o da minha família.
— Suas palavras saem ofegadas com seu choro.
— Não me interessa. — Dou as costas para sair, porém, lembro-me de
um detalhe. — Outra coisa, não procure meu irmão, esqueça que um dia nos
conheceu.
— Erramos juntos e somente eu sou punida?
— Meu julgamento foi feito, perdi o meu irmão... e não vou cair nesta
ladainha de gravidez — digo, antes de sair.
Ricky encontra-se completamente perdido, tentando de
todas as formas explicar o que acabou de revelar. Eu peço distância, sento no
sofá, procurando compreender: primeiro, a traição; segundo, a mentira; e,
terceiro, um filho.
Muita coisa...
— Por que você mentiu?
Ele não responde, permanece aflito, como se fosse explodir.
— Por que não disse que era a Duda? — grito. — Fala, Ricky.
— Para evitar isso.
— Queria evitar contar a verdade. — Levanto, não consigo conter a
fúria. — Devia ter sido honesto comigo, eu mereço isso...
— Júlia, não queria prolongar a história, você... a conhece, é
constrangedor.
— A mulher entre você e seu irmão, é a Duda? Do Chill! — Tapo a
boca para conter meu desgosto.
— Júlia, eu posso explicar...
— Agora? Não acha constrangedor? — Jogo os braços com a revolta. —
Tem uma criança, Ricky... um garotinho, seu... — Hesito, com a voz
embargada. — Filho!
— Sim... Não...
Seus braços esmagam sua cabeça, como se quisesse expelir a lembrança.
Um aperto no peito me remete à decepção. Como pôde mentir? Inventar um
nome qualquer? Como se eu não merecesse saber a verdade.
— Ele é realmente seu filho?
— Não tenho certeza agora, como não tinha antes.
Espera... Antes?
— Antes? Como assim, antes?
Ricky abaixa a cabeça, colocando a mão na testa e a massageando, como
se procurasse as palavras certas. Depois enche uma taça com vinho e a vira
de uma única vez.
— Meses após... ela me procurou e disse que estava grávida. — Ele vira
a taça novamente, depois a coloca sobre o balcão. — Eu não acreditei, como
podia? A questionei, queria saber o que realmente aconteceu aquela noite.
Porque eu não lembro — ele grita e, descontrolado, dá um soco na parede.
— Eu não lembro, porra.
Assusto-me com sua explosão, poucas vezes o vi exaltado, quando
presenciei tal comportamento foi com o Nicholas.
— Júlia, desculpe. — Seus braços me apertam, tentando recuperar o
controle. — Estou exausto deste assunto, e agora tem a criança.
Afasto-me, insatisfeita com a explicação.
— Continue...
— Como podia acreditar, um filho... ela transou comigo e com meu
irmão, poderia ter transado com qualquer um.
— Então, você a ignorou e nem procurou saber?
— Sim, e... — Ele me encara, com os olhos vermelhos.
— E ...? — quero saber, intrigada com a sua expressão de dor.
Há mais alguma coisa.
— Eu... quer dizer, para que se afastasse de nós, não acreditando em
nenhuma de suas palavras, garanti que ela perdesse a bolsa e desaparecesse.
Hein?
Não posso acreditar, agora sim, o quebra-cabeça está montado.
— Você não teve coragem...
— Júlia, a Ellen disse que era um golpe, e eu...
— A Ellen, de novo a vaca — interrompo, nervosa. — Ela te apoiou
nisso? Os três, acabaram com o futuro da Duda?
— O Nicholas não sabe.
— Não entendi? — pergunto, incrédula.
— Não falei para ele sobre o suposto filho, não falei...
— Então... — Respiro fundo, tentando buscar da força do universo
sanidade. — Você e a Ellen, decidiram que a Duda era uma golpista, fizeram
ela perder a bolsa e a mandaram desaparecer, é isso?
— Sei que não justifica, mas eu não acreditei. — Seu é tom culpado. —
Eu só queria me ver longe do problema. Porém agora ela diz que o menino é
meu filho, que pode provar e somente eu posso salvar a vida dele.
Fico em choque, parada em frente à janela, buscando através das
nuvens, compreensão. No entanto, não encontro, estou muito magoada com
Ricky. Preciso respirar, quero tomar ar. Então pego a minha bolsa e vou em
direção à porta, Ricky me detém, segurando meu braço.
— Júlia, não vai embora, temos que resolver isso juntos.
— Me solta.
Fecho os olhos e liberto meu braço, ele se afasta, rendendo-se ao meu
pedido e, sem olhá-lo, vou embora.

Saio do prédio do Ricky, desnorteada com tudo que soube, ainda não
querendo acreditar nas barbaridades que escutei. O Ricky, assim como o
Nicholas, foi cruel.
Não consigo aceitar.
E, agora, uma criança...
Um garotinho doente... muito doente.
Céus!
Não consigo conter meu choro e ando pela calçada, totalmente
descontrolada, deixando a emoção e repulsa dominar meu corpo. Estou tão
magoada com o Ricky, como ele pôde mentir para mim, como pôde?
Perdido... sem chão, sem ação, inconformado com as voltas que
o mundo dá, parando novamente num ponto indefinido. O qual devemos
deliberar ou reviver como um castigo. Ou talvez uma segunda oportunidade
de um conserto, não sei o que pensar em relação a tudo, estou em turbulência.
A voz chorosa e desesperada da Eduarda suplicando minha ajuda, permanece
na minha cabeça, e por mais que queria ignorar a possibilidade de ampará-la.
Algo mudou em mim, se sou o pai ou a chance de salvar este garoto, desta
doença tão cruel. Não vou dar as costas, não desta vez.
— Alô... Valéria, preciso voltar para São Paulo amanhã, providencie
tudo, inclusive, prepare o meu apartamento para o meu retorno. Outra coisa,
quero o contato do melhor oncologista do país.
— Richard, o que houve? — Valéria demonstra preocupação.
— Não se preocupe, não é para mim, acho que é isso. Obrigado.
Desligo o celular, porém, meus olhos permanecem na tela, com a foto da
Júlia engatilhada, não sei se ligo ou permito este silêncio, tenho tanto a dizer,
mas acredito que agora tudo que fizer será inválido.

No dia seguinte, depois de concluir alguns compromissos importantes e


maçantes, me dirijo ao apartamento da Júlia. Com a esperança de que
possamos conversar, não vou perdê-la, isso é fora de questão. Só preciso
consertar as merdas que fiz e retomar a minha paz.

Após batidas incessantes na porta, Melissa resolve atender.


— Melissa, preciso falar com ela.
— Ricky, ela não quer atender, desculpe.
— Como não?
— Jully se trancou no quarto, nem comigo ela quer falar.
— Mas tenho que falar com ela. — Pressiono a porta. — Desculpe, não
quero ser grosso... preciso falar com ela.
Ela abre passagem para que eu entre, vou em direção ao quarto da Júlia,
bato à porta, no entanto, não há resposta.
— Júlia precisamos conversar, abra a porta.
Bato várias vezes, suplicando sua atenção, porém, não consigo uma
palavra.
— Ricky, ela não vai abrir. — Seu olhar é compassivo. — Melhor ir!
— Não! Precisamos conversar. — Esmurro a porta mais uma vez. —
Júlia, abre. Por favor. Meu amor, desculpe, temos que conversar.
Não há reação ao meu pedido.
Embora não queira embarcar sem olhar em seus olhos, não posso forçá-
la, entendo que a magoei, farei tudo que estiver ao meu alcance para reparar
este erro. Ainda assim, com o coração sangrando, tenho que partir, tem algo
que requer minha atenção.
— Melissa, diga para a Júlia que eu a amo.
Melissa assente, demonstrando desconforto pela situação. Enquanto eu
vou embora, ferido em ter que deixá-la.
Não consigo abrir a porta, por mais que procure entender, a
mágoa me impede. Preciso de um tempo. Me certifico antes de sair que Ricky
foi embora, caminho para sala e encontro a Melissa no sofá, ela vem ao meu
encontro, com um abraço caloroso.
— Vocês têm que conversar.
— Não agora, estou muito magoada...
Vou até a cozinha, preciso de café.
— Jully, ele saiu tão desesperado, é de cortar o coração.
Meu coração chorou a cada batida, foi difícil manter-me imersa. No
entanto, agora, o silêncio é meu único remédio, preciso de tempo para ingerir
tanta descoberta.
— Não sei, preciso pensar. — Arfo. — Em tudo.
— Entendo, melhor é estarem com a cabeça fria.
Bufo, soltando o ar, em frustação.
— Agora, me permite uma opinião? — ela pergunta, vindo até a cozinha
e escorando-se no balcão.
— Diga, Melissa — permito, enchendo uma xícara com café para ela e
outra para mim.
— Júlia, vocês viveram um inferno para ficarem juntos, não acredito que
agora tenha dúvida. Olha, entendo que esteja apreensiva referente à traição,
mas isso é sobre o Ricky e o Nicholas...
— Não é somete isso, tem mais coisa...
Melissa arregala os olhos, confusa.
— Como o quê?
— Melissa, a moça que estava entre os dois é a Duda, garçonete do
Retrô-Chill, digamos que seja uma amiga.
Melissa solta o ar.
— Continue — diz, tomando seu café.
— Ele mentiu, inventou um nome, até ela ligar ontem e dizer que o filho
de cinco anos, que tem uma doença grave, precisa da ajuda do Ricky e...
— E...
— E é filho dele!
Melissa engasga com o café, tossindo com a surpresa. Dou a ela um
guardanapo, ela limpa a boca com os olhos estalados.
— Jesus! Jully, que merda.
— Sim, acredite...
Vou para sala, me afundando no sofá, na verdade, queria me camuflar
dentro dele, desaparecer do planeta. Meus sentimentos estão confusos, jamais
pensei que um dia me sentiria assim em relação ao Ricky.
— Melissa, tem mais...
Ela curva os lábios.
— Mais, como assim?
— A Duda, na época, mencionou para o Ricky que estava grávida, ele
não acreditou e ainda cancelou a bolsa de estudos dela.
— Ela estudava da W.E?
— Sim, bolsista como eu. — Respiro fundo, tentando esquecer as
lembranças de quando fui humilhada na W.E pela Ellen.
— O Nicholas sabe da criança?
— Não! Este é outro problema, o Ricky não tem certeza de que seja
filho dele, porque também pode ser filho do Nicholas.
— Essa garota também — Melissa fala, irritada. — Pisou na bola, como
pôde dormir, com os dois? O que ela estava pensando?
— O Ricky fala que não se lembra de nada.
— Júlia, tem algo errado. Desculpe, não vou defender os rapazes, mas
tem ponta solta nesta história.
— Sim, muitas.
— Olha, vamos ligar os pontos. Ela namorava com o Nicholas, numa
noite qualquer, ficou à espera dele na companhia de Ricky.
Concordo com o raciocínio da Mel.
— O Ricky disse que eles tomavam vinho e, num exato momento, tudo
escureceu, até a chegada do Nicholas — completo.
— Alguns meses depois, ela aparece grávida — ela conclui. —
Esquisito, não acha?
Meus olhos desviam para o teto e começo a raciocinar.
— Sim, é.
— Como ela podia ter certeza de que o filho é do Ricky? — Ela bate
palma para ter a minha atenção. — Ah? Ah? Responda para a tia Mel?
— Não podia...
— Sim, ela transou com ele, transava com o irmão e poderia ter outros,
não acha? Não vou ser advogada, mas nem eu acreditaria.
— Concordo, mas ele mentiu. — Desvio novamente o olhar para o teto.
— É, nisso ele foi filho da puta. — Ela finaliza seu café e coloca a
xícara sobre a mesa. — E agora?
— Preciso respirar, depois converso com Ricky.
— Melhor. — Ela fica pensativa por um instante, até me encarar,
preocupada. — Espera, a criança está doente?
— Sim, infelizmente, e precisa de ajuda, por isso a ligação de
emergência.
— Jully, há uma criança que precisa de amparo. Então, as coisas são
mais sérias.
— Eu sei, e isso me apavora.

Em meio aos pensamentos confusos, no dia seguinte, após sair da


Universidade, decido encontrar o Ricky e vou direto para a cobertura. Estou
mais calma e agora uma conversa é necessária. Temos que encaixar as peças
deste grande dominó humano, e proteger o garotinho. Antes de entrar no
elevador privativo, sou interrompida pelo John, que como um fantasma
entrega-me um envelope.
Questiono a presença do Ricky, porém, John, com uma educação
impecável, solicita que eu leia o bilhete. Observo o envelope azul e decido,
mesmo assim, subir para a cobertura. Quando entro, abro as largas janelas,
deixando o ar percorrer a grande sala, faço uma xícara de café e sento-me na
varanda, tendo como cenário a bela vista da Califórnia.
E então leio o bilhete.

Meu amor,
Sei que tudo parece difícil, mas não podemos nos perder num passado
tortuoso. Infelizmente, não sou perfeito e errei. Após incessantes tentativas
de conversar contigo, achei que quando você estivesse pronta, viria me
procurar, e sim estaria disposta a entender e me perdoar. Tem uma criança
que precisa de mim neste momento e isso vai além de qualquer compreensão,
embarquei para o Brasil, sem data de retorno, preciso saber sobre este
garoto e tentar ajudá-lo.
Quando estiver pronta, me liga, estou à espera do seu telefonema.
Te amo.
Ricky.

Leio e releio o bilhete com as lágrimas deslizando dos meus olhos,


imaginar o Ricky no Brasil esmaga o meu coração. No entanto, estou
confusa, melhor não ligar, ainda.
Após exatamente doze horas no ar, meu jatinho aterrissa em São
Paulo, com o sequestro, somente por precaução, seguranças e motorista
fazem parte da minha vida. Me dirijo com a escolta para meu apartamento,
percorrendo as avenidas da grande metrópole, seguro nas mãos meu celular
como se fosse um talismã, à espera de uma ligação, aguardo incessantemente
o contato da Júlia, anseio por sua voz.
No apartamento, depois de caminhar pelo local, as recordações de
momentos inesquecíveis me vêm à cabeça como gatilhos de felicidade. Não
conseguindo me conformar com os atuais acontecimentos, relaxo, tomando
uma taça de vinho, preciso me recompor para realizar uma ligação, que será
decorrente de um encontro — nada agradável.
Eduarda!
— Richard, tudo bem?
— Não muito, podemos nos encontrar?
— Pelo que vejo, chegou ao Brasil.
— Sim, agora. Quando podemos nos ver?
— Se preferir, agora!
— Preciso somente de algumas horas para descansar, podemos nos
encontrar à noite?
— Vou estar no Chill, me encontra lá?
— Não, melhor no meu apartamento, acho que temos muito o que falar,
vou mandar um motorista buscá-la, tudo bem?
— Sim.
Desligo o celular, repudiando a voz da Eduarda.
Um filho, ainda não tive tempo hábil para pensar em tal realidade.
Novamente meus olhos fixam no meu celular, com a esperança de ouvi-lo
tocar com um nome na tela: Júlia.

— Olá, Richard. — Eduarda me cumprimenta, entrando no apartamento.


— Eu vou ser sincero, estou confuso em vê-la, sente-se, por favor —
falo, a conduzindo para a sala de estar. — Bebe alguma coisa?
— Uma água com gás.
Sirvo-a com água.
Impossível não notar, Eduarda está diferente, olhos firmes, mais mulher,
deixando no passado seu jeito tímido de garota do interior. Sento-me à sua
frente, pois prefiro que ela inicie a conversa. Porém com a inquietude de suas
mãos, concluo que esteja nervosa, então, resolvo falar.
— Ok, vamos falar do garoto. — A encaro, firme.
— O garoto se chama Enzo, Ricky. — Seu tom é ríspido.
— Enzo...
Ela assente, tomando um gole de sua água.
— O Enzo tem quantos anos?
— Vai completar cinco anos... Ricky, ele é um garoto lindo e muito
especial, acredite. — Seus olhos brilham ao falar do filho.
Como posso conduzir a conversa sem deduções? O fato de eu estar aqui,
não renega o que aconteceu anos atrás.
— Quero que saiba que se voltei, foi pelo desespero na sua voz, porque
o que houve entre nós foi um dos maiores erros da minha vida, desculpe...
Ela me observa por um momento, com seus olhos azuis agora mais
maduros.
— Não posso repudiar o que aconteceu, fui presenteada com um filho,
apesar de tudo, não me arrependo de ter prosseguido com a gestação.
— Você foi corajosa, te admiro por isso, porém, lembro-me da nossa
conversa e sei que foi leviana, estava em um relacionamento com meu irmão,
que a amava. Pensando em mim?
— Sim, pensando em você, e permaneci magoada com sua indiferença
todos esses anos.
— Mas acabou, certo?
Ela não responde, apenas me observa por alguns segundos.
— Eduarda, acabou? — pergunto novamente, insatisfeito com seu
silêncio.
— Ricky, eu era uma garota, no meio de dois galãs. — Ela balança a
cabeça, negando seus pensamentos. — Meus sentimentos ficaram
desordenados.
A desordem dos seus sentimentos me custou anos de pelejo, cada vez
que me lembro daquela noite, algo ruim brota dentro de mim. Ainda não
consigo aceitar meu comportamento tão incerto.
— Você era namorada do meu irmão e transamos, por acaso, uma única
vez, diga-me, como posso acreditar que o Enzo é meu filho?
Ela joga as costas no sofá e respira profundamente.
— Porque transamos sem camisinha e eu não tomava remédio.
— Não posso acreditar, é tudo tão inesperado que...
— Não quero o seu dinheiro, nunca quis. Na realidade, perdi muito com
essa história, quando você virou as costas para a estudante bolsista grávida do
interior.
— Como eu podia acreditar, numa história sem cabimento — digo, meu
corpo inquieto levanta-se.
— Pensava que era um golpe?
— Sim, pensei. Nunca transei sem proteção, porém, aquela noite estava
fora de mim, não sei explicar... Não me lembro de nada! Você lembra?
— Sim, lembro, e... nunca esqueci. — Ela hesita, desviando o olhar. —
Estávamos bêbados e só.
Ficamos calados, deixando o silêncio e as dúvidas dominarem o
ambiente. Busco o foco principal do encontro, para não nos perdermos neste
mar de lamentações que foi aquela noite.
— Por que somente agora entrou em contato comigo?
— Pelo Enzo, somente porque ele merece o melhor e eu não consigo
mais. — Seus olhos caem, entristecidos.
— Como posso ajudar?
— O Enzo tem Leucemia Mielomonocítica, ela é rara e não se trata com
quimio, a cura é o transplante com 100% de compatibilidade. Ricky, se
liguei, é porque tenho certeza de que ele é seu filho. Preciso da sua ajuda, não
consigo com meu salário de garçonete manter os medicamentos. Não aguento
mais vê-lo sofrer... ele é tão pequeno.
— Vamos levá-lo ao melhor médico, e cuidar do seu tratamento, preciso
saber tudo que ele precisa, para que possa providenciar.
— Obrigada — ela agradece, com o rosto mais leve.
— Devo isso a você, quando te expulsei da universidade.
Ela desvia o olhar.
— Porém, ainda assim, farei o exame de DNA, desculpe! Preciso desta
certeza — afirmo, com um tom compassivo.
— Eu sei, não podia ser diferente.
— E mesmo que ele não seja o meu filho, eu vou te ajudar.
— Está me ofendendo, Ricky. — Seu rosto enrijece.
— Não é a minha intenção, no entanto, prefiro.
— O quanto antes falarmos com o médico, melhor.
— Sim, amanhã?
— Combinado. — Ela inclina, com os olhos curiosos. — E a Júlia,
contou para ela?
— Sim, ela ficou na Califórnia.
— Califórnia! Então, está sozinho no Brasil? Muita confiança da parte
dela. — Ela curva os lábios, insinuante.
— A Júlia é a minha mulher e confiamos um no outro — concluo, com
os olhos firmes para ela.
Atenho-me aos detalhes da doença de Enzo, e o conheço através de
fotos, um garoto lindo, que a doença tornou sensível, olhando as fotos, algo
diferente nasce no meu coração. Talvez, um déjà vu, como se conhecesse o
garoto ou... sei lá.
Penso em ligar para o Nicholas, porém, desisto, acho precipitado,
melhor fazer os exames primeiro. Por mensagem, a minha secretária, Valéria,
me envia as informações sobre o médico, já com uma consulta marcada.
Meu coração alegra-se quando meu celular vibra, com a esperança de
que seja a Júlia, pois temos que conversar, gostaria muito que ela estivesse
aqui, que resolvêssemos juntos esta situação. No entanto, é minha mãe, com
mil perguntas referente à minha viagem repentina. Jogo-me no sofá, me
preparando para respondê-las.
Meus olhos seguem o professor, que se movimenta de um lado
para outro, finjo entender, no entanto, a imagem do Ricky não se distancia da
minha cabeça. Levanto o braço e solícito uma saída rápida para o banheiro,
com a permissão, corro e refresco a nuca com água fresca. Um calor esquisito
atravessa o meu corpo, me fazendo bambear, retiro a jaqueta e o cachecol,
escorando as costas na parede.
Estou estranha...
Estou instável e com o coração acelerado, escoro na pia para ter firmeza,
pois uma tontura chacoalha o meu corpo. Estou assustada com meu estado,
melhor ligar para a Melissa.
— Júlia, o que houve? — Melissa diz, enquanto me ergue do chão.
— Não sei, tontura. Vou para a casa.
— Negativo, vou te levar ao médico.
— Não precisa, Melissa, foi somente um mal-estar — digo, saindo
escorada no seu ombro para o corredor.
— Júlia, você está pálida, vamos para o hospital, sem reclamações,
mocinha.
Revivo os olhos, odeio ser tratada como criança.
No hospital, vou direto para a hidratação, colocam meio litro de soro
para correr nas minhas veias, enquanto aguardo o médico. Ouço Mel
conversar com alguém que julgo familiar pela voz e, para a minha surpresa,
conheço o médico, é o doutor Joseph bonitão, ele sorri ao me ver, com um
prontuário na mão.
— Olá, Júlia! — exclama, em inglês.
— Oi, doutor Joseph, é um prazer revê-lo.
— Vocês se conhecem? — Melissa pergunta, curiosa.
— Sim, o doutor é amigo do Ricky, fez a consulta em domicílio, quando
fiquei gripada.
— Ah, sim, lembro. — Ela vira-se para o doutor. — Diga-me, doutor, o
que a princesa tem?
— Melissa, para de me tratar assim — resmungo.
Doutor Joseph sorri.
— A enfermeira alega fraqueza pelos testes clínicos. — Ele olha,
intrigado. — No entanto, vou pedir um exame de sangue.
— Não precisa — falo, recusando. — Eu estou bem.
— Não, Jully, ela realmente encontra-se com os nervos à flor da pele,
doutor, vai que é anêmica.
— Pode ser, sem concessões, Júlia, uma auxiliar vai fazer o exame. —
Ele sorri. — Com licença. — E sai.
— Nossa, temos que vir mais ao médico, não acha? — Melissa suspira.
— Que homem!
Sorrio, realmente o doutor Joseph é um tipão.
— Não tem necessidade de exame, eu estou melhor. — Retomo com a
minha indignação.
— Se o médico bonitão falou, tá falado, garota.
A auxiliar, com cara de vampira, entra com uma bandeja para colher o
meu sanguinho, odeio isso.
— Com licença, Júlia — ela diz, simpática e sanguinária. — Estique o
braço, por favor.
Obedeço, meio que a contragosto, virando a cabeça para o lado e
apertando os olhos. Melissa se diverte com a situação, rindo igual a uma
palhaça. Após a vampira, quer dizer, auxiliar retirar dois tubos de sangue, ela
explica que o exame ficara pronto em uma hora e quando o resultado for
avaliado pelo doutor, ele virá falar comigo.
— Falou com Ricky?
— Não — digo, escorando na cama desconfortável do hospital.
— Como não? — Ela senta-se ao meu lado. — Está pensando em
desistir dele?
— Não! — exclamo, negando a pergunta. — Vou deixá-lo livre para
resolver estes problemas.
Não vou ser hipócrita, nossa relação ficou abalada com estes últimos
acontecimentos. Sim, fiquei perdida com o fato de ele ter um filho. Muita
informação, a verdade é que este ano foi difícil, me sinto forte em alguns
momentos, porém, em outros, completamente frágil.
Passam uma hora e meia interminável, e nada do doutor Joseph com o
resultado, estou angustiada e querendo dar o fora do hospital. Melissa
cochilou na poltrona, com o cansaço.
— Com licença — diz o doutor, colocando seu rosto entre a cortina.
Acomodo-me na cama, permitindo-o entrar.
— Sua amiga está cansada — ele constata, após perceber que Melissa
está dormindo e babando na poltrona.
— Sim, dormimos muito pouco, com os estudos, sabe como é. —
Sorrio, e chamo: — Melissa, acorde!
Ela espreguiça, abrindo os olhos e se endireitando na poltrona, assim
que vê o doutor Joseph.
— Desculpem...
— Não se preocupe, Melissa, também fui estudante, e sei bem o que é
este cansaço — ele diz, gentilmente.
— Sim, mas, doutor, tudo certo com o exame? — quer saber Mel,
enquanto levanta e se posiciona ao meu lado.
— Sim, o estado clínico da Júlia está ótimo.
— Não falei? Era exagero.
— Porém...
Não gostei deste porém...
— Doutor, o que há de errado? — pergunto, aflita.
Os olhos da Melissa compartilham a minha aflição.
— Porém, Júlia, o exame nos informou que você vai ganhar um
presente.
A Melissa tapa a boca para conter um grito, e me olha com os olhos
arregalados, eu permaneço confusa.
Vou ganhar um presente?
— Você está grávida!
No caminho para o hospital, fico imaginando como irei me
apresentar para um garotinho que já tem muita dor no peito. Com cinco anos,
Enzo tem problemas de gente grande e, há mais ou menos um ano, passa
mais tempo no hospital do que em casa. A Eduarda me explicou
detalhadamente o estágio da doença, e os avanços nesses últimos meses.
Paramos em frente a uma porta, e eu respiro fundo. Quando entramos no
quarto, meus olhos vão direto para ele, que sentado na cama, se diverte
brincando com um boneco do Homem-Aranha nas mãos, ele logo me olha,
seus olhos pequenos e castanhos correm meu corpo, com a curiosidade.
— Oi, meu amor. — Eduarda corre para abraçá-lo.
E o pequenino sorri, inocente, com o carinho da mãe, no quarto há outra
moça que parece ser sua vizinha. Eduarda agradece por ajudá-la com Enzo, e
logo após ela vai embora. Permaneço parado, ainda distante, na entrada,
esperando um momento para me aproximar.
— Ricky, vem cá — Eduarda me chama.
Caminho lentamente até a cama e paro ao lado de Eduarda. Olho para o
Enzo, que enruga a testa quando me aproximo.
— Enzo, este aqui é um grande amigo da mamãe, Ricky.
Enzo cerra os olhos, como se quisesse expressar que me observa
meticulosamente, eu me aproximo dele.
— Tudo bem, Enzo? — Desvio os olhos para o boneco em suas mãos.
— Você gosta de super-heróis?
— Sim e você?
— Eu também...
— Qual o seu herói favorito?
— O Batman!
— Por quê? Ele não tem nenhum poder.
Ok, ele é bem esperto. Como eu saio desta?
— Mas ele é inteligente e tem o Batmóvel.
— Gosto do Batmóvel! — Ele sorri, tímido. — Você tem um carro
parecido com o Batmóvel?
— Não, mas...
— Enzo, pare de encher o Ricky com perguntas. — Eduarda vira-se e
pisca.
— Ricky, você gosta de chocolate? — ele pergunta, sentando na cama e
ficando de frente para mim.
— Gosto, sim, na verdade, é o meu doce favorito.
O outro é a Júlia, mas não vou compartilhar isso com um garoto de
cinco anos.
— O meu também. — Ele bufa. — Mas eu não posso comer. — Encara
sua mãe bravamente.
— Já conversamos, o médico vai liberar, após a medicação — Eduarda
o repreende, acariciando seus cabelos escuros.
— Podemos comprar o quanto quiser, quando o médico liberar.
— Jura? — Enzo pergunta, entusiasmado, e desvia o olhar para a
Eduarda, que balança a cabeça em sinal negativo.
— Certo! Talvez, só um? — pergunto para Eduarda.
Ela assente.
— Um chocolate? Que saco! — Ele cruza os braços e deita-se,
abraçando seu boneco.
— Enzo... sem malcriação.
— Garotão, melhor do que nada... não acha?
— Tudo bem, um... um — ele resmunga, ainda inconformado com a
quantidade.
Ouvimos duas batidas na porta, e logo após o médico do Enzo adentra.
— Como vai o meu paciente, mais conhecido como Enzo Man. — O
doutor, simula um avião com as mãos, pousando na barriga do Enzo, suas
mãos massageiam a barriga do pequeno, o fazendo rir.
— Chega, capitão! — Enzo diz, aos risos.
— Tudo bem. — O doutor ergue os braços, rendido pelo pedido. — Está
com dor?
— Não... Posso ir para casa?
— Hum, não sei. Vou conversar com sua mãe primeiro, amigão. —
Doutor ergue uma mão, o Enzo bate. — Estou com muitos baixinhos hoje,
então tenho que ir.
Saímos para fora do quarto, a pedido do doutor.
— Doutor Douglas, gostaria de apresentá-lo, este é o Richard McGuire.
— É um prazer, doutor.
Cumprimento o doutor Douglas com um aperto de mão.
— Eduarda, o Enzo vai receber alta para ficar um pouco em casa, os
medicamentos estão resolvendo, no momento.
— Doutor, o Richard vai fazer o HLA (Antígeno Leucocitário Humano),
como pai do Enzo, pode ser compatível.
— Mas isso é ótimo. — O doutor Douglas me encara, entusiasmado. —
É um prazer conhecer o pai do Enzo.
Não consigo me impor à afirmação, ao presenciar a esperança nos olhos
de ambos. Me mantenho calado, somente compartilhando das possibilidades.
— Doutor Douglas, agora tenho esperança — diz Eduarda.
— Pai tem muita chance de ser compatível — ressalta o doutor.
Permaneço imerso à tanta prece e um sentimento de querer ser pai do
pequeno Enzo nasce no meu peito, pois se for compatível, posso ajudá-lo,
realmente estou contagiado com a situação.
— Doutor, não desmerecendo tudo que o senhor fez até aqui, porém,
consegui uma brecha na agenda do doutor Lucas Almeida, para uma consulta.
— O Lucas, excelente. Caso ele tenha qualquer dúvida, estou à
disposição. — Ele nos cumprimenta. — Boa sorte, vou cuidar da alta.
Ele sai às presas, em busca de uma enfermeira.
— Ele parece ser um excelente médico.
— Sim, ele é. — Ela avalia o meu rosto. — E você, o que acha?
— Acredito que sim, aliás, parabéns, o Enzo é um garoto lindo.
— Meu príncipe. — Ela desvia o olhar e entrega-se aos seus
pensamentos. — Ele é seu filho.
Não digo nada, deixo que silêncio demonstre minha dúvida.
— Tudo bem, se precisa desta certeza, aguardaremos o resultado do
exame — ela conclui e abre um sorriso.
— Não quero ofendê-la.
— Obrigada por estar aqui, eu liguei sem esperança de que acreditasse.
Porém, no dia em que te encontrei com a Júlia, no Chill, percebi sua
mudança.
Ela sorri, agradecida, com seus olhos azuis brilhantes.
— Eu tenho que falar com o Nicholas.
Seu rosto endurece e seus olhos tornam-se noite, assim que escuta o
nome do meu irmão.
— Não quero falar com o Nicholas, o quero longe, bem longe de mim.
— Eduarda, nós o traímos. — Encontro seu olhar distante. — Ele te
amava tanto.
— Ricky, melhor esquecermos o passado. O meu futuro encontre-se lá
dentro, no quarto de um hospital.
Ela me olha por alguns minutos e retorna para o quarto.

Penso em como teria sido, se aquela noite com a Eduarda não tivesse
acontecido. Hoje, talvez ela e o Nicholas estariam casados, com filhos e, este
buraco fundo e doloroso não estaria entre nós. Ou não. Difícil saber, nunca
imaginei apaixonado e rendido por uma mulher, como estou pela Júlia.
Mesmo com toda a tempestade, não consigo parar de pensar na minha linda.
Este tempo, imposto por ela, está eterno demais, estou sufocado de saudade,
se eu ouvisse sua voz meu coração ficaria mais calmo.
Pego meu celular e aprecio suas fotos, não consigo conter meu dedo
impulsivo de ligar, preciso falar com ela, este silêncio entre nós está
insuportável.
— Alô, linda.
— Ricky?
— Sou eu, como estou feliz em ouvir sua voz.
— Ricky, eu...
Posso sentir a voz da Júlia abafada, ou ela estava chorando ou tem, algo
errado.
— Júlia, tudo bem?
Um silêncio irritante ocupa a linha, e não consigo manter-me sentado.
— Júlia, fale comigo...
— Ricky, não posso falar agora. Desculpe.
Ela desliga.
Meus olhos voltam-se para a tela do celular e uma preocupação me
domina, ligo novamente. Ela não atende. Então ligo para a Melissa, que
também não atende. O que me faz pensar que ela não quer falar comigo, ou
aconteceu alguma coisa.
— É um prazer, Richard — diz o doutor Lucas Almeida,
estendendo sua mão.
— O prazer é meu. Gostaria que conhecesse Eduarda.
— Prazer, doutor — diz Eduarda, apertando sua mão.
— E este aqui é o Enzo.
Enzo, dando um passo à frente, estende a sua mão para cumprimentar o
doutor, assim como eu fiz. O doutor Lucas abaixa-se para ficar na altura do
pequeno, que o observa com uma expressão séria.
— Tudo bem?
Enzo responde com um balançar de cabeça.
— Então, você é o famoso Enzo?
Enzo, vira-se para olhar para mãe, enrugando sua testa miúda.
— Não sabia que era famoso.
Rimos da sua maneira madura de falar.
— Sim, é. Tenho uma surpresa para você. Pode me acompanhar?
— Surpresa? Legal. — Com um sorriso juvenil, ele volta a ser criança,
saltitando do lado do doutor, ansioso pela surpresa.
Acompanhamos o doutor Almeida até uma sala colorida, o playground
do hospital, com brinquedos espalhados e jogos.
— Nossa! — Enzo murmura, o brilho em seus olhos e a empolgação em
seu corpo é contagiante.
— Mãe, posso brincar?
O doutor Almeida antecipa-se em responder:
— Claro que pode, os adultos vão conversar e você se diverte um pouco.
Combinado?
— Combinadíssimo! — Enzo corre para dentro da sala, se jogando na
piscina de bolinha, que o afunda com sua alegria.
Nós três o observamos por alguns minutos, sua alegria e inocência,
apesar dos transtornos com a doença, ainda está presente, o doutor Almeida
com seus olhos enrugados, vira-se para nós.
— Fala como um pequeno adulto, no entanto, basta olhá-lo... mesmo
com as feridas desta doença cruel, permanece criança.
A Eduarda não consegue conter as lágrimas que escorrem pelo seu rosto,
sua expressão de angústia transparece ao olhar para Enzo.
Doutor Almeida coloca a mão em seu ombro, solidário à sua dor.
— Vocês me acompanham até minha sala, os auxiliares ficarão de olho
nele.
O doutor Almeida avalia os exames, fazendo caretas ou coçando a
cabeça, com olhar temeroso, ficamos impacientes com o seu diagnóstico.
Eduarda, com sua inquietude, não consegue manter-se calma, prende e solta
os cabelos num coque, a cada virada de papel. Por um instante, me remete
como ela é forte, como conseguiu sustentar o Enzo nestes anos.
— Sim, é o que eu previa! — diz o doutor, enquanto coloca as
ressonâncias sobre a mesa, e tira seus óculos para nos encarar.
— E o que o senhor previa? — Eduarda treme a voz e inclina seu corpo
para frente.
— A leucemia do Enzo avança, a solução é conseguirmos fazer HLA.
— Entendo, os medicamentos não ajudaram em nada? — pergunto,
procurando um pouco de entendimento no assunto.
— Sim, eles estão mantendo o Enzo vivo.
Eduarda escora-se na cadeira, e encolhe-se com o seu próprio abraço.
— Tenho chances de ser compatível, doutor?
— Sim — ele afirma. — Hoje mesmo vamos colher o exame HLA, é
simples como um hemograma, são muitas etapas, o resultado fica pronto em
quinze dias.
— Muito tempo...
— O processo é delicado, Richard. — O doutor nos olha, meticuloso. —
Porém, se tiver ao menos 75% de compatibilidade, temos chance.
Eduarda solta um longo suspiro com as palavras do médico, e eu não
posso deixar de me sentir aliviado. Se for o pai dele, posso ajudá-lo.
No fundo, torço por isso.
— Doutor, estou mais aliviado.
— Obrigada. — Eduarda, coloca a mão no meu rosto. — Você vai ser
compatível, tenho certeza.
Vejo seus olhos brilharem de esperança.
— Espero que sim — digo, quando tiro sua mão do meu rosto.
— Richard, vamos para o exame. — O doutor contorna sua mesa,
abrindo a porta em seguida. — Eduarda, nos aguarda junto com o Enzo?
— Claro.
Acompanho o doutor Almeida até a sala de colheita, com precisão ele
explica um pouco mais sobre os procedimentos, aproveito para incluir o
exame de DNA, que ficará pronto em 24 horas.
Quando saímos do hospital, sou encurralado a pagar uma dívida —
chocolate. Mesmo com a Eduarda resmungando um pouco, nos sentamos
numa Delicatéssen para a alegria do Enzo, que se delicia com bombons de
cereja. Enquanto Eduarda e eu tomamos café.
— Ricky, são 75% de chances, é muito bom.
— Temos que ter o resultado primeiro — digo, apreensivo.
— Tenho 75% de chances de não morrer, mamãe? — diz o garotinho,
com os dentes cobertos de chocolates.
Eduarda me olha com espanto, e apressa-se em cobrir o Enzo com um
abraço. Eu pauso com a pergunta, há momentos em que não somos nada
diante de algumas situações.
— Não, quem falou isso? — diz Eduarda.
— Sei que a minha doença é grave e posso morrer. — Seus olhos
desviam para os bombons enfileirados.
— Não pense nisso, você não vai morrer.
Enzo pisca com os olhinhos castanhos curiosos, avaliando minha
promessa, para depois transparecer sua confiança com um sorriso. E neste
momento, diante deste compromisso, desejo imensamente ser pai deste
pequeno. Não entendo, não questiono, somente deixo fluir, “algo bom” nasce
no meu coração.
— Promete?
— Sim!
Seu sorriso coberto de chocolate abre-se ainda mais, ele levanta e seus
braços curtos esforçam-se para me abraçar. Sabe aquele “algo bom” que
revelei linhas acima? — O sinto agora. Não sei descrever a sensação deste
abraço, mas juro para mim mesmo que o coraçãozinho que bate junto ao meu
peito, não pode parar.
— Já disse que chocolate é meu doce preferido?
— Sim, ontem. — Ele retorna para sua cadeira. — Mas, estes são meus,
compre os seus.
— Você não vai me dar nenhum?
Ele enruga a testa, pensativo.
— Tá bom, só um! — E com os dedos melecados de chocolate, me
oferece um dos seus bombons.
Volto-me para a Eduarda, que com olhos indecifráveis me encara.
— Ricky, nos deixa em casa, preciso dormir.
— Faz quanto tempo que não descansa? — pergunto, ao perceber seu
rosto abatido.
Enzo interrompe.
— Ela não dorme, Ricky. — Ele se inclina para cochichar: — Só
trabalha!
— Enzo, o senhorzinho é muito fofoqueiro. — Eduarda mexe o pescoço
de um lado para o outro. — Tenho que trabalhar.
— Posso levá-los num lugar legal?
— Onde? — pergunta Enzo, curioso.
— Vamos voar. — Aponto para cima. — No helicóptero.
— Não podemos, Ricky, amanhã eu trabalho, não...
— Ah, mamãeeeeee, por favor, sempre quis voar lá em cima.
— Ricky, melhor não. — Ela balança a cabeça, negando.
— Vamos, vocês precisam descansar.
Ela olha para o Enzo, que se levanta esticando os braços e correndo ao
redor da mesa, como se fosse um avião.
— Olha, mamãe! Sou um avião a jato... — E com ruídos, ele nos cerca
na mesa.
— Tudo bem, pelo Enzo.
— Pelo Enzo — afirmo.
— Aonde vamos?
— Surpresa!
Não disfarço a alegria de assistir ao Enzo completamente feliz no
helicóptero, suas mãos pequenas e ágeis fuçam o painel de controle,
entretendo Anthony, antes de decolarmos. Levá-los a Angra e dar-lhes um
pouco de descanso foi uma ótima ideia, uma rotina de hospital e trabalho, não
é para qualquer um, vejo na postura de Eduarda que está exausta.
Chegamos à Angra no início da tarde.
— Nossa, que legal. — Enzo cruza a sala, correndo até a parede de
vidro. — Mamãe, tem uma piscina gigante lá fora.
— Gostou, Enzo? — digo, indo ao encontro dele.
— Sim, vou poder nadar?
— Você sabe nadar?
— Não. — Ele entristece. — E agora, não vou poder ir?
— Se a sua mãe permitir, ensino você a nadar.
Ele corre para os braços da mãe.
— Mamãe, eu vou poder ir? — diz, com a voz dengosa.
— Se o Ricky cuidar de você, tudo bem!
— Olá! — exclama Carlos, do outro lado sala.
— Como vai, pai? — pergunto. — Enzo, este é Carlos, o meu segundo
pai.
Ele olha para nós, com os olhos cerrados.
— Como assim, você tem dois papais?
— Sim, tenho. O Carlos me criou.
— Eu não tenho nenhum pai, por que, mamãe? — Ele vira-se para
Eduarda, que me olha, desconcertada.
— Filho, falamos sobre isso em outro momento.
— Enzo, tenho uma solução, serei o seu pai, assim como fui o do Ricky
na sua idade, o que acha? — sugere Carlos, com seu tom caloroso.
Enzo observa Carlos, avaliando a proposta.
— Mas, você é quase do meu tamanho, como vai me pegar no colo? —
ele diz, com a inocência de uma criança.
Todos rimos.
Carlos realmente é baixinho.
— Melhor, assim podemos falar cara a cara. — Carlos, curva-se um
pouco para beliscar de leve o nariz do pequeno, que abre um sorriso,
concordando.
— Tá bom, eu aceito. — Dando os ombros, ele volta-se para o vidro,
admirando a piscina do lado de fora.
— Carlos, onde está a Célia?
— Finalizando o jantar, ela já vem te cumprimentar. — Ele vira-se para
o Enzo. — Ela fez um bolo de chocolate, para um certo garotinho.
— Bolo de chocolate? Incrível!
— Quando ligou, estava um pouco ocupado e não consegui mencionar,
mas seu irmão chegou, ontem...
— Nicholas — interrompo — está aqui?
Ouvimos a porta principal abrir e viramos, hesitantes.
— Não — Eduarda murmura.
Meu rosto tensiona, assim que vejo o Nicholas, com seus olhos
afrontosos, andando lentamente para sala.
— Opa, que isso aqui? — ele diz.
— Carlos, por favor, leve o Enzo para comer o bolo. — Apresso-me em
retirar o pequeno do ambiente.
— Vou comer a sobremesa antes do jantar, legal. — Enzo salta, feliz.
— Venha, Enzo. — Carlos entende a minha preocupação, saindo com
Enzo para a cozinha.
Enquanto Nicholas e Eduarda trocam olhares, que mais parecem golpes
de facas afiadas.
— O que a vagabunda faz aqui?
— Não fale assim comigo, seu merda.
— Ah, como devo falar?
— Nicholas. — O encaro. — Não vou permitir que você fale assim com
ela, logo aqui.
— Então, me responde você. — Seus olhos me esmagam. — O que ela
faz aqui?
— A trouxe para descansar... porque...
— Como? Descansar? — Ele solta uma gargalhada, se aproximando
ainda mais do meu rosto. — E quem é aquele garoto?
— Meu filho, Nicholas... com o Ricky — Eduarda se intromete, o
respondendo com avidez.
— Filho! — Ele articula cada letra, como se uma dor o atingisse, e com
uma fúria incontrolável, soca o meu rosto, me jogando no chão.
Tem momentos em nossa vida que realmente perdemos a direção,
tudo caminha como se estivesse sendo comandado por alguém com um
grande controle de videogame. E nós, avatares de um grande game,
seguimos, passamos algumas fases, morremos em outras, mas com bônus e
vida extra, revivemos e voltamos ao jogo. Confuso? Sim, é! Mas como eu
posso explicar ou entender o que estou vivendo agora?
Ouvir sonoramente do doutor Joseph que estou grávida de três meses,
me fez congelar no tempo.
Como assim? Me pergunto desde ontem.
Não entendo? Me questiono a todo o momento.
Nunca senti nada, minha menstruação está normal, não estou gorda,
mas... merda! Vacilei com alguns remédios no meio de uma lua de mel
constante com o Ricky.
E agora?
Por que agora?
Não consigo parar de chorar e somente uma pessoa reflete na minha
cabeça — dona Ana.
Céus, uma angústia me toma, misturada com medo.
Um filho, neste momento.
O que vou fazer?
— Jully... — Melissa entra no meu quarto. — Você tem que comer, olha
o que eu fiz. — Ela revela a bandeja em suas mãos. — Arroz com legumes e
frango, nada perecido com o seu, mas é comível.
— Não tenho fome — digo, com os olhos perdidos no teto.
— Você precisa comer. — Ela coloca a bandeja sobre a cama. —
Portanto, coma!
— Mel, o que eu vou fazer? — pergunto, desesperada por uma resposta.
— Falar com o Ricky — ela afirma.
— Não consigo.
— Júlia, ele tem que saber. Ricky te ama, até pediu você em casamento,
estou vendo a felicidade no rosto dele.
Olho para ela.
— Ele pode até ficar feliz, porém, eu não estou. — Minhas lágrimas
caem, demonstrando a minha fragilidade. — Eu não estou pronta para casar,
como não estou preparada para ser mãe. Minha formatura é em dois dias,
meus planos de trabalhar e fazer uma pós, se foram. Tem a história da
Eduarda, o suposto filho do Ricky no Brasil, muita coisa, vou explodir.
Desabafo minhas angústias e um frio percorre meu corpo, com medo.
Não vou saber cuidar de uma criança, sequer consigo cuidar de mim mesma.
E claro, sei que decepcionei minha mãe, ela apostou todas as fichas no meu
futuro, e agora estou grávida.
— Jully, calma, sei que é um impacto, nem imagino o que esteja
sentindo. Só que há um serzinho aí dentro de você.
Coloco minhas mãos trêmulas sobre minha barriga, e a ideia de ser mãe
não é clara na minha cabeça, não consigo aceitar.
— Liga para o Ricky, conta pra ele, talvez juntos fique mais
compreensível — ela comenta, em tom carinhoso. — Mas antes, coma, é
preciso.
— Vou tentar. — Arfo, abraçando meu travesseiro.
Melissa sai do quarto, fechando a porta, e um silêncio aterrorizante
ocupa o ambiente, sei o que tenho que fazer. Mas estou dominada por um
medo que me paralisa. Uma confusão de sentimentos invade minha mente,
me impedindo de raciocinar, talvez a voz do Ricky acalente o meu coração.
Com o celular na mão e o seu nome na tela, espero incessantemente que ele
atenda, porém, só chama.
Meu irmão, descontrolado, vem para cima de mim, com
golpes fortes e duros, tento contê-los com o meu antebraço, evitar que sua
fúria acabe com o meu rosto. Mas é impossível, sei que o Nicholas não vai
me perdoar, se o Enzo realmente for meu filho, será o fim de ter novamente
sua amizade.
Somos separados pelos braços pequenos e ainda fortes de Carlos, que
com sua autoridade de pai nos chama a atenção. Ofegantes, cada um num
canto da sala, nos encaramos, com sangue e suor escorrendo dos nossos
rostos. Nicholas aponta para mim, como se seu dedo fosse uma espada no
meu peito.
— Eu sabia... não foi uma simples bebedeira descontrolada. — Sua
respiração rápida corta algumas palavras, e ele usa o dorso da mão para
limpar sua boca. — Vocês tinham um caso nas minhas costas.
— Nunca faríamos isso com você, Nicholas — o repreendo.
— Mas fizeram. — Seus olhos vermelhos voltam-se para a Eduarda. —
Um filho! Você deu filho para ele?
Algo me intriga com essa pergunta, seu tom magoado me sugere que...
Será que o Nicholas ainda a ama, depois de tanto tempo, será que o
sentimento permanece? O cara durão, não esqueceu o seu primeiro amor?
Assim como não me libertaria do amor da Júlia.
— Aconteceu — ela balbucia.
— Vocês são dois bostas...
— Nick, filho. — Carlos, se aproxima. — Vamos lá dentro limpar esse
corte.
— Não, pai, se afaste...
Carlos paralisa, respeitando seu pedido.
— Nicholas, preciso te explicar.
— Vocês mantêm isso, uma família escondida?
— Tá louco, não é isso.
— A Júlia sabe disso aqui? Que você cuida da mãe e do filho.
— Nicholas, não coloca a Júlia na conversa. — Me aproximo.
— Oh, Ricky, não chegue perto de mim.
— Preciso te explicar...
— Não sou burro, cara.
— Temos que conversar, por favor.
— Nunca mais. — Ele vira-se para Eduarda. — Você é uma puta
imunda. — Cospe em sua direção. — Como pôde?
— Não me chama de puta, quer saber... — Ele, anda na sua direção. —
Eu sempre quis o seu irmão, nunca amei você.
Nicholas, num impulso, avança para cima da Eduarda, lançando no seu
rosto um tapa, que a faz voar. Eu entro na frente, contendo sua próxima ação,
que pela fúria dos seus olhos a machucaria bastante, consigo imobilizá-lo
com uma chave de braço, arrastando-o para fora.
— Chega, Nicholas, vai emborra.
— Eu odeio você, Ricky.
Neste momento, uma sensação fria e odiosa me atinge. Antes de entrar
no carro e ir embora, Nicholas me olha com uma expressão de nojo. Retorno
para dentro, vejo Carlos ajudando Eduarda a se levantar.
— Desculpe, não consegui contê-lo — digo, avaliando seu rosto. —
Está vermelho, melhor colocar gelo.
— Vou buscar — Carlos diz, antes de sair.
— Não foi sua culpa, eu o provoquei. — Seu olhar encontra o meu. —
Não aguentei suas ofensas.
— Porém o que disse é mentira? — exijo uma resposta, meu tom sério a
contrai.
— Sim — ela murmura.
Concordo, aliviado. Não quero mais problemas, ainda assim, não gostei
do que disse e da maneira que disse, ficarei alerta às suas intenções.
— A única coisa que nos une neste momento é o Enzo, não há dúvida
quanto isso, certo?
— Não se preocupe. — Ela anda até a entrada do corredor. — Melhor
ver o Enzo. Espero que ele não tenha ouvido.
— Acredito que a Célia soube entretê-lo
Ela concorda e sai.
Jogo-me no sofá, com o corpo dolorido e o coração magoado. Sinto o
meu celular vibrar no chão, ele deve ter caído com a briga. Ao menos, não
quebrou, desbloqueio e tem duas ligações da Júlia. Minha linda me ligou, me
apresso em retornar.
— Alô, Ricky.
Ouço sua voz doce e melódica.
— Como é bom ouvir sua voz.
— Ricky, eu...
Sinto a mesma tensão de antes.
— Júlia, o que houve?
Há algo errado com a Júlia, sua respiração oscila, deixando-me nervoso.
— Não é nada.
— Tem certeza? — exijo, com um tom rígido.
— Como estão as coisas no Brasil? — Ela muda de assunto, para
desviar a minha atenção. — Sabe o que quero dizer.
— Sim, sei, conheci o Enzo e fizemos alguns exames. — Continuo
intrigado. — Por que você demorou para ligar?
— Precisava de tempo, eu disse, e...
— Ricky, quer comer bolo de chocolate? — Enzo entra falando,
empolgado.
Eu nego com a cabeça, voltando a ouvir a Júlia na linha.
— Ele está aí? — ela pergunta.
— Enzo, não atrapalha o Ricky — Eduarda diz, já na sala.
— Ela também está aí?
— Vocês me dão licença — peço para eles.
Enzo coloca seu dedo pequeno sobre os lábios em sinal de silêncio. Eu
me afasto, indo para a varanda.
— Júlia, eles estão.
Ela não fala nada, só ouço a sua respiração.
— Júlia, fala comigo. — Suplico sua atenção.
— Onde vocês estão?
— Em Angra.
— Angra? — Posso sentir a surpresa na sua voz.
— Eles tiveram momentos difíceis, os trouxe para descansar.
— Me responde, o Enzo é seu filho?
— Ainda não sei, o exame não ficou pronto. — Será isso, sua angústia?
— Quer falar sobre isso?
— Agora não é o momento, Ricky.
— Por que não?
— Porque não — ela conclui, seca.
— Ok, nos falamos amanhã? — sugiro, tentando quebrar este gelo entre
nós.
— Sim, amanhã — ela concorda. — Boa noite, Ricky.
Sem esperar a minha resposta, ela desliga. Ando até a beirada da sacada,
recebendo o vento fresco de Angra. Estou confuso com a ligação, e com
receio de perdê-la. Fora que, não bastando, estou no meio de uma guerra,
provocada por uma única noite. Que me trouxe consequências ruins, mas
olhando o Enzo através da porta de vidro, feliz em comer um bolo de
chocolate, me faz concluir que também trouxe coisas boas.

Na manhã seguinte, acordo cedo, preciso ter notícias do meu irmão, que
pelo o que conheço deve estar louco em algum lugar. Faço algumas ligações
e sento para tomar o café posto pela Célia que, como sempre, muito
carinhosa, antes de sair, acaricia meus cabelos, assim como fazia quando era
criança. Carlos, do lado de fora, prepara a lancha, prometi um passeio para o
Enzo.
— Bom dia — diz Eduarda, entrando na sala, com o pequeno Enzo em
seu colo.
— O que ele tem?
— Preguiça. — Ela o coloca na cadeira.
Ele espreguiça-se e olha pra mim.
— Bom dia, Ricky.
Sorrio, por receber um “bom dia” de um garoto de cinco anos.
— Bom dia, diga-me o que gosta de comer de manhã.
— Tem mingau de aveia?
— Acho que sim, vamos ver com a Célia.
Ele concorda com um sorriso.
— Muito bom, mingau — Eduarda diz. — Ricky, aonde pretende levá-
lo? Ele não pode circular muito, por conta da imunidade...
— Eu entendo, íamos passear de lancha.
— Eu quero passear de lancha, mamãe. — Seu rostinho pidão, encurrala
Eduarda.
— Certo, porém, tomem cuidado.
— Mas, você não vem com a gente, mamãe? — pergunta Enzo.
— Se o Ricky quiser...
— Minha mãe pode ir, Ricky? — Ele me olha. — Ela sabe nadar.
— Claro, se ela quiser, não vejo problemas.
— Bom dia! — exclama, Célia.
Nós nos viramos para recebê-la.
— Célia, tem mingau de aveia? — Enzo pergunta e ela sorri.
— Que garoto saudável. Sim, temos, vou preparar para você.
— Obrigada, Célia — Eduarda agradece. — Depois de se entupir de
bolo de chocolate, ele precisa de algo mais saudável.
— Mamãe — Enzo grita, antes de curvar-se para o chão e vomitar,
Eduarda assustada, corre ao seu lado.
— Enzo...
— O que aconteceu? — pergunto ao se lado.
Enquanto ela o inclina para que ele vomite.
Célia corre para a lavanderia, e eu fico sem saber o que fazer. Enzo tosse
e vomita ao mesmo tempo, e a palidez aparece em seu rosto, me deixando
assustado. Ele estava bem. E agora está mais branco que leite.
— Talvez, tenha ingerido muito açúcar.
— Desculpe, Eduarda — diz Célia, entrando com panos. — Eu...
— Tudo bem, Célia. — Ela o segura em seus braços. — Filho, tudo
bem?
Ele balança a cabeça, dizendo sim, depois a escora no ombro da sua
mãe, pálido e amuado. Seus olhinhos me olham, como se lamentasse.
— Desculpe, Ricky — ele diz, com um fio rouco de voz.
— Não se preocupe, como se sente?
— Minha barriga doí...
— Muito açúcar, filho, mas vai passar. — Eduarda me encara. — Ricky,
me ajuda levá-lo para cima, vou dar um banho nele.
— Claro. — Ela o transfere para meu colo, e o rostinho do Enzo pousa
no meu ombro, seus braços curtos abraçam o meu pescoço. E o vejo suspirar,
como se estivesse cansado.
— É sempre assim — ele diz, enquanto o carrego na escada.
— Assim como?
— Sempre passo mal — sussurra e seus olhos fecham-se, deixando cair
algumas lágrimas.
Não digo nada, impossível dizer.
Deixo-o no banheiro com sua mãe, e saio em busca de ar. Como é difícil
lidar com tanta fragilidade. Amar a Júlia já é o bastante para a minha
compreensão, aceitar a entrega deixou-me vulnerável. No entanto, ver um ser
tão pequeno, com uma bagagem pesado demais para a sua idade, é algo que
não suporto.
Recebo um telefonema da minha secretária, ela me informa que o exame
de DNA está pronto e o resultado foi enviado para o meu e-mail, algo me
impede de acessar, preciso desta resposta, mas, agora não é o momento.
Retorno para o quarto, Enzo encolhe-se na cama, enquanto Eduarda acaricia
o seu cabelo molhado, seus olhinhos castanhos caído de tristeza encontram os
meus.
— Melhorou, cara? — Dou um toque brincalhão no seu ombro.
— Sim, mas, não vou passear de lancha? — balbucia, com os olhos
lacrimejantes.
Eduarda me olha com os olhos arregalados, como se eu tivesse que dizer
o tal NÃO, volto o meu olhar para o Enzo.
— Podemos ficar na piscina, o que acha? — sugiro, não consigo dizer
NÃO.
Ele bufa, cobrindo o rosto com as mãos.
— Enzo, não nos condene — murmura Eduarda.
Olho para ela e gesticulo: “Somente uma volta”, ela responde: “Não”.
Eu insisto: “Por favor?”, faço uma última tentativa. Ela me encara feio, volta-
se para o Enzo, ainda com as mãos sobre o rosto, e acaba cedendo.
— Enzo, uma volta, o que acha? — pergunto para ele.
Ele tira as mãos do rosto e abre um sorriso tão iluminado quanto o sol.
— Jura? Que legal.
— Ricky, temos que ter cuidado — Eduarda avisa.
— Combinado.
A alegria do Enzo quando entra na lancha é contagiante, Eduarda se
mantém calada, falando o necessário. Acredito que seja pelo episódio
lastimável de ontem, e pelo o que conheço do meu irmão, algo vai explodir
em algum lugar. Nicholas tem o gênero vingativo, não somente nas palavras,
suas ações são cruéis, muitas vezes. Entretanto, ele é meu irmão, por mais
que às vezes o exclua da minha vida, não consigo dar as costas.
Com cautela, passeamos próximo à casa. A felicidade nos olhos do Enzo
é impagável, ele é uma criança carinhosa e carismática. Não posso me
esquecer de mencionar sua inteligência, muito esperto.
Eduarda soube criá-lo muito bem!
Após muita insistência, Enzo nos convenceu em descermos numa praia,
andamos pela areia, enquanto o observamos correndo à beira-mar.
— Parabéns, você criou um lindo garoto.
— Obrigada. — Ela vira-se. — Ele é muito parecido com você, os
mesmos olhos castanhos e cabelos negros.
— Acho que, de mim, ele puxou a inteligência, preciso ressaltar. —
Sorrio, pretencioso.
— Hein? — Eduarda bate no meu ombro.
— Porém a força é sua — afirmo, com admiração. — Você foi muito
corajosa em continuar com a gravidez.
Ela desvia o olhar para o Enzo que, distante, chuta as pequenas ondas
que o alcança.
— Você não sabe o quanto sofri com a sua indiferença — ela diz, ainda
com os olhos no Enzo. — E quando eu perdi tudo, a única coisa que
alimentava a minha esperança eram os olhos castanhos deste garoto.
Viro o seu rosto com os dedos, para que ela olhe nos meus olhos.
— Desculpe, farei pelo o Enzo o que estiver ao meu alcance.
Ela concorda, com os olhos cheios de lágrimas, e somos interrompidos
pelos gritos do Enzo, apontado para um paraquedas que nos sobrevoa.
— Nossa, um dia eu vou voar assim — ele diz, pulando na areia, como
se quisesse alcançar o céu.
— Meu Deus, não — Eduarda o repreende.
— Ricky, minha mãe é medrosa, você voa comigo?
— Claro, adoro esportes radicais, por isso, sou executivo — digo,
bagunçando o seu cabelo. — Agora, se você quer altura, vem cá. — O ergo,
colocando-o sentado em meus ombros.
Caminhamos ao redor da praia por alguns minutos. O ar puro fez muito
bem para o Enzo, sua aparência está melhor e o sorriso no rosto contagia a
todos nós. A Célia e o Carlos o mimam o tempo todo, felizes por ter
novamente uma criança correndo pela casa.
O retorno para São Paulo é tranquilo, o Enzo dormiu a maior parte do
tempo.
Após deixá-los em casa, um quarto e cozinha minúsculo na zona norte,
me sinto culpado por viverem em condições limitadas.
Entro no meu apartamento, totalmente desolado com tudo que gira em
torno da minha vida, nunca estive tão pressionado como estou agora. Pego o
meu celular para ter acesso ao e-mail, preciso saber o resultado do exame de
DNA, uma coisa eu já defini, vou ajudar a Eduarda com o Enzo, no que for
necessário.
Sem prolongar a minha angústia, tenho uma resposta.
Assim que vejo o resultado.
O grande dia chegou — FORMATURA!
E estou deitada na minha cama, observando um lindo vestido azul,
pendurado na porta do banheiro. Com a imagem de Angra na minha cabeça e
a voz da Eduarda zumbindo no meu ouvido, pronunciando o nome do Ricky.
Eles estão em Angra!
Eles estão em Angra!
Eles estão em Angra!
Repito a cada minuto, como um gravador quebrado.
Estou enlouquecendo de ciúme, na realidade, são tantos os sentimentos
que me consomem, que não consigo raciocinar direto. Por que eu não contei
para o Ricky sobre gravidez, o que me impede? Talvez o medo que estou
sentindo, me impeça de agir.
Estou ficando louca! Será que eu posso passar isso para coitado do
bebê?
Inclino a cabeça e encaro minha barriga.
— Eu espero que você, bebê, puxe seu pai, eu sou desequilibrada. —
Sorrio, afundando a cabeça novamente no travesseiro.
Realmente endoidei, estou desabafando com o bebê.
Ouço alguém bater à porta e levanto para atender, resmungando, não
tenho paciência para falar com ninguém. No entanto, a imagem em pessoa à
minha frente, me paralisa.
— Mãe! — exclamo, assustada com a surpresa.
— Jully, minha filha. — Ela me enche de beijos e carinhos sufocantes.
— Meu amor, que saudade! — Suas mãos seguram o meu rosto, enquanto
seus olhos o avaliam. — Parece pálida, o que vocês comem por aqui? —
comenta, já entrando no apartamento.
— Mãe, o que faz aqui?
— Como assim, isso é jeito de me recepcionar, menina?
— Desculpe, mas por que não me avisou?
— Queria fazer uma surpresa, e fiz. — Ela olha ao redor. — Que lugar
adorável. Cadê a Melissa?
— Melissa faz parte do comitê de organização da formatura, ela foi cedo
para a universidade.
— E você, por que está com essa cara de laranja chupada?
— Laranja chupada?
— Sim, achei que a encontraria radiante, hoje é o grande dia.
— Eu estou feliz, acredite — minto, após sentar no sofá. E observar
minha mãe vasculhar todo o apartamento, até sair do meu quarto, com o
vestido erguido na mão.
— Este vestido é lindo, vamos arrumar este cabelo, fazer uma linda
maquiagem. — Ela me encara. — Você será a formanda mais linda, estou tão
orgulhosa de você.
Seu entusiasmo me emociona, não consigo conter as lágrimas que, como
gotas de culpa, escorrem pelo meu rosto. Minha mãe entristece, assim que
percebe minha angústia. E apressa-se em sentar ao meu lado.
— Júlia, o que aconteceu? Foi o Ricky? Aliás, cadê ele, devia estar aqui
com você.
Seus questionamentos aumentam mais a minha tortura, não sei como
vou dizer, não quero eliminar a felicidade dos seus olhos.
— Mãe, o Ricky voltou para o Brasil.
— Vocês terminaram? — Ele revira os olhos. — Agora entendo a cara
de laranja chupada.
— Não terminamos...
Céus, ela vai surtar quando eu contar toda a história.
Respiro fundo, tentando inspirar coragem.
— Fala, Júlia, não me deixe nervosa.
Despejo no colo da minha mãe todo o enredo, ela escuta, sem surtar com
os detalhes do passado de Ricky e Nicholas. Se entristece com a doença do
Enzo, e se preocupada com a confusão na minha cabeça. Juro, por um
momento, quis falar daquele assunto delicado, mas me acovardei e não disse
nada.
— Não conversamos ainda.
— Mas precisam.
— Sim. — Deito em seu colo, para receber o carinho da minha mãe,
como eu preciso disso.
— Agora, levante.
Droga! Acabou o carinho.
— Vamos, preciso deixá-la linda! E descansar, este fuso-horário me
deixou tonta.

Quando entramos no grande salão, somos recepcionadas pela Melissa,


que ao ver minha mãe engasga, tossindo sem parar, minha mãe não entende
tanta surpresa. Porém o encanto com a universidade a deixa dispersa para
detalhes. O salão encontra-se incrivelmente decorado de azul e branco,
rodeado por mesas com toalhas longas e grandes vasos de rosa no centro.
Estudantes sonhadores trajados com becas pretas, compõem a linda confusão
que é a formatura.
Pais e filhos desfrutam da vitória da conclusão.
Final de um ciclo para início de outro, não sabemos o que o mundo nos
reserva, porém, o sonho nos impulsiona a seguir, acredito ser esta é palavra
que me define: “seguir”. Pois, sei o que o mundo reserva para mim, queria
estar feliz, plena, mas estou com medo.
Sentamos na imensa plateia, para ouvir agradecimentos e discursos,
somos parabenizados pelas nossas conquistas. E anunciam o nosso futuro, e
neste momento sinto meu coração acelerar.
Futuro!
A palavra futuro pisca na minha cabeça, como um grande outdoor da
Broadway. Coloco a mão sobre minha barriga por dentro da beca, buscando
encontrar resposta para minha insatisfação.
JÚLIA SALES.
Anunciam meu nome.
Viro-me para minha mãe, seus olhos lacrimejantes me transmitem
segurança e uma felicidade que contagia no momento. Seus braços me
pressionam contra seu corpo e ouço as batidas do seu coração, fortes e
pulsantes. Reflito por um instante, tudo que ela deixou de ter para si, em prol
da minha felicidade, e todas as vezes que chorei nos seus braços, ela levava a
dor consigo.
Este amor eterno e puro, ao qual a divindade me proporcionou — é o
que tenho de passar?
Sinto algo tremer bem leve na minha barriga, como uma pequena
vibração. Fico surpresa com o toque, mas sei que é o bebê, não sei por quê...
Mas sei que é ele. Como posso considerá-lo um tormento, se é fruto do meu
amor com Ricky? Assim como sou a razão da vida da minha mãe.
Levanto, a deixando sentada batendo palmas incansavelmente, e
caminho lentamente até o palco, permaneço com as mãos na barriga, sentido
um calor que me acalma. Inconsciente, meu coração pede perdão pelo meu
egoísmo e recusa. E neste momento, olhando minha mãe em pé, batendo
palmas sem se preocupar em ser a única, agradeço a Deus por ter sido
abençoada. Quando me entregam o canudo, o ergo no alto da cabeça, dizendo
obrigada para que ela ouça o meu agradecimento por tanto esforço e
dedicação.
— Este é para você — grito, apontado a canudo para ela.
Ela apressa-se em sair do seu lugar para me receber embaixo do palco.
Nos abraçamos e choramos juntas, pois minha mãe é o meu maior amor.

No coquetel, ela estranha quando recuso o álcool e fico somente no


suco, a apresentei para alguns professores e andamos um pouco pela
universidade.
— Tia Ana, vamos dançar? — Melissa propõem para a minha mãe, que
me olha, indecisa.
— Vai, mãe, dança!
— Essas músicas são estranhas, manda os gringos colocarem um samba
— ela diz, em um tom debochado.
— Tia, infelizmente não teremos samba. — Melissa a puxa pela mão. —
Vem, eu te ensino uns passos.
Minha mãe se deixa levar e as duas vão para a pista.
Meu celular vibra, olho a tela, é o Ricky. Melhor eu sair, aqui não vou
conseguir escutá-lo. Procuro um lugar mais calmo no gramado, me afasto um
pouco da festa, sentando numa árvore distante do salão.
— Alô, Ricky.
— Só me escuta, preciso que ouça.
— Ricky, eu...
— Júlia, escute. Eu te amo e nada muda isso. Hoje você é a razão da
minha vida e a maior felicidade, preciso que saiba que preciso de você ao
meu lado, independente de qualquer coisa.
— Ricky o que houve? — pergunto, aflita com a sua declaração
desesperada.
— Eu te amo, você acredita?
— Sim, eu acredito. Mas...
Sua respiração tensa preenche o silêncio.
— Parabéns pela formatura, todas as rosas mais perfumadas para você
— dizendo isso, ele desliga.
Vejo a minha mãe e a Mel vindo na minha direção, e tento disfarçar a
angústia com a ligação de Ricky.
— O que faz aí, formanda? — Melissa pergunta, sorridente.
— Estava falando com o Ricky. — Mudo de assunto. — Dançaram?
— Balançamos em grande estilo, a Melissa dança bem.
— Jully, sua mãe arrasou.
— Dona Ana sempre arrasa. Vamos embora? Estou cansada.
— Mas já? — pergunta minha mãe, superanimada, após tomar algumas
cervejas.
— Eu não posso ir ainda, sou da organização.
— Estou cansada, mãe.
— Tudo bem — ela concorda e saímos, após nos despedirmos da
Melissa.

Assim que entramos no prédio, o porteiro vem ao meu encontro, todo


estabanado.
— Júlia, deixei algumas entregas no seu apartamento, não podiam ficar
aqui na recepção.
— Como assim, algumas? — questiono.
Ele desvia os olhos para minha mãe.
— Boa noite, senhora, desculpe, estamos com o encanamento ruim,
estão quebrando tudo. — Volta-se para mim. — Não ligue o chuveiro. — E
sai todo desorientado.
— Achou ele agitado? — minha mãe pergunta.
— Sim, achei. Entregas, como assim?
— Pelo menos, ele fala português.
— Ele é brasileiro, mãe.
— Ah, tá.
Abro a porta, com a curiosidade corroendo e, para a minha surpresa, um
mar de rosas ocupa o apartamento, rosas vermelhas. São muitos buquês e
vasos, por toda parte, todo canto ou móvel tem um vaso.
— Ele compareceu — adiciona minha mãe, deixando-me sozinha na
sala.
— Sim. — Pego um botão para sentir o perfume.
Lembro-me das suas palavras amorosas e aflitas no celular, posso estar
errada, mas ao que parece, algo pode explodir. No entanto, antes que
aconteça, ele tinha de registrar seu amor.
Admirando todas essas rosas que me cercam, sei que preciso voltar,
contar sobre a gravidez e ver de perto em que pé se encontra a história do
pequeno Enzo. Tem algo errado, eu sinto.
Na manhã seguinte, acordamos famintas e com o aroma de café nos
convidando para uma mesa farta e cheias de delícias. A nossa rotina nunca
nos permitiu sentarmos, estávamos sempre correndo e comendo, andando de
um lado para o outro, acordar com uma mesa repleta era o nosso sonho.
— Jully, tem queijo, pão e leite.
— Céus, que fome.
Sentamos feito umas esganadas, e nos servimos, parecendo que fazia
anos que não comíamos.
— Realmente, vocês precisavam deste mimo — minha mãe diz,
orgulhosa, sentando-se ao meu lado.
— Jully, o Ricky caprichou com as flores — comenta Mel, de boca
cheia.
— Sim — respondo, enquanto olho a quantidade de vasos. — O que vou
fazer com tantas rosas?
— Quem sabe, podemos vender, para depois encher a cara de tequila?
— Não posso beber.
— Não pode, por quê? — pergunta minha mãe, com a sobrancelha
arqueada.
Engasgo com o café, erguendo os braços.
— Estômago, quer dizer, dor de estômago. — Arregalo os olhos para a
Mel, que mastiga com grandeza o seu pão com queijo.
— A Júlia anda ruim do estômago, tia.
— Sim, sei.
Sorrio, mudando de assunto, para a minha sobrevivência.
— Mel, estava tudo lindo ontem, fez um ótimo trabalho — elogio,
mencionado a perfeita organização que o comitê coordenado pela Melissa fez
na formatura.
— Obrigada. — Ela bate palmas, orgulhosa. — Tia, que bom que veio, a
Jully estava deprimida.
— Percebi, assim que cheguei. — Minha mãe me olha de canto.
— A senhora me assustou, chegando assim... tomei um susto. Afinal,
Brasil e Estados Unidos, não é como atravessar a rua.
— Queria fazer uma surpresa e fiz, agora, me conte o que está
acontecendo.
A Mel e eu nós olhamos tão rápido, que nem o The Flash seria capaz de
nos acompanhar.
— Tia Ana... não tem nada errado — Melissa não disfarça, quando
gagueja ridiculamente. — Ei, Jully, algo errado?
— Impressão sua, mãe, já contei todas as novidades...
— Ninguém com emoções equilibradas, chora quando escova os dentes,
e fica enojada com o sabor da menta — declara minha mãe, antes de dar um
gole no seu café.
Putz!
Melissa cospe o pão no seu prato, e nos encara em seguida.
— Bem, hoje é meu dia de folga. Então, vou pegar mais pão e café, e
deixá-las sozinhas para matar a saudade.
Olho, querendo aniquilá-la pela covardia.
— Até mais tarde, tia. — Ela foge para o quarto. — E obrigada pelo
café — agradece, antes de fechar a porta.
Minha mãe senta-se na cadeira onde estava Melissa, para me olhar de
frente, seus olhos duvidosos sabem que há algo errado.
Como início a conversa?
Meu pai amado, me ajude!
— Diga, Júlia, prefiro saber de você.
Ela sabe!
— Mãe, eu... — Solto o ar preso, como se estivesse contando o segredo.
Ela balança a cabeça, e seus olhos caem, assim como os meus.
— Mãe, eu sei, decepcionei a senhora, perdão.
— Sim, tinha que ser responsável... — Sua voz soa magoada.
— A rotina pesada, vacilei com alguns remédios, e...
— Quantos meses?
— Três, na verdade, ainda não compreendi o lance das semanas. O
doutor Joseph tentou me explicar, mas não entendi.
Ela respira fundo, massageando o rosto com as mãos. Fico paralisada,
esperando o surto, no entanto, não acontece. Ela levanta-se calmamente e
estende a mão, a abraço num impulso, desesperada pelo seu perdão e
compreensão.
E o tenho em seus braços.
— Sei que ficou assustada. — Sua voz suave ressoa no meu ouvido.
Afasto-me para encará-la.
— Estou assustada, não sei o que fazer.
— Eu sei, contar para o pai.
Balanço a cabeça, negando.
— Estamos no meio de uma tempestade, não sei qual será a reação dele.
— Espero que, para a própria sobrevivência, seja a correta.
Sorrio com a piada.
Embora saiba que falou sério.
— Vamos voltar para o Brasil, nunca daria as costas para você e, agora,
para o meu neto. — Ela coloca a mão na minha barriga.
— Ou neta! — exclamo, a puxando para outro abraço.
Estaciono em frente à casa da Eduarda, após seu pedido
desesperado de socorro, corro pelo corredor apertado onde mais algumas
casas encontram-se no caminho, quando entro, vejo uma destruição, tudo
quebrado e revirado.
Um terremoto passou por aqui!
Meus olhos correm pelo local e encontram ela e o Enzo abraçados, num
canto distante.
— Ricky! — Enzo corre, abro os braços para recebê-lo.
— Oi, estou aqui.
Ele me aperta, assustado, com o seu pequeno corpo trêmulo.
— Vocês estão bem? — pergunto, quando estendo a mão para a
Eduarda.
— Não, estou assustada.
— Quem fez isso?
— Não sei.
— Foram homens maus — Enzo diz, enrugando o rosto.
— Mas, como aconteceu?
— Estávamos dormindo, aí escutei um barulho, quando vim até a
cozinha, dois homens pediram silêncio, assim que me viram, pensei ser um
assalto. Mas, não. Nos colocaram no canto e falaram para não gritarmos ou
chamar a polícia. Destruíram a casa e saíram.
— Só isso? — indago, intrigado.
— Como assim, só isso? — Ela estica os braços, referindo-se à
destruição.
— Sim, entendo. No entanto, por que quebrariam e sairiam, sem levar
nada?
— Eles eram monstros maus — Enzo diz no meu ouvido, como se
contasse um segredo.
— Nenhum monstro vai chegar perto de você, acredita em mim?
Ele faz um gesto com a cabeça, concordando, e depois repousa
novamente sua cabeça no meu ombro.
— Ele tá cansado, Ricky — Eduarda diz, colocando as mãos na cintura
e olhando ao redor.
— Sei, vamos para o meu apartamento, lá tem espaço para vocês.
Depois providenciamos outro lugar.
— Não posso aceitar, aqui é minha casa, minhas coisas, não vou deixar
tudo para trás.
— Você não pode ficar aqui, não é seguro.
Ela paralisa, pensando na ideia.
— Ele dormiu. — Eduarda observa o Enzo dormindo no meu ombro. —
Ele se sente protegido ao seu lado.
— Me sinto feliz por isso.
Enzo movimenta sua cabeça se aconchegando ainda mais no meu colo.
— Certo, vamos somente por esta noite. Amanhã vou na delegacia dar
queixa.
Concordo.
Seguimos para o meu apartamento.
Enzo permanece dormindo no meu colo, suas pequenas mãos apertam
meu braço, para certificar-se de que estou ao seu lado, fico o admirando, sem
conseguir desviar os olhos, quantos momentos eu teria desfrutado ao seu lado
— meu filho!
Quando chegamos, os instalo no quarto de hóspedes, após colocar o
Enzo na cama, desmaiado de sono, achei estranho ele ter o sono tão pesado.
Porém, Eduarda me explicou que os medicamento fortes o deixam muito
fraco e cansado.
Aguardo na sala, com uma xícara de café nas mãos e o resultado do
exame impresso. Estou confuso e feliz, na mesma medida, minha vida deu
um salto e não estou firme como achei que estaria.
Eduarda aparece, sentando na bancada.
— Café? — ofereço.
— Sim, obrigada.
Entrego-lhe uma xícara com café.
— O resultado. — Seguro o envelope na altura dos olhos. — Recebi
hoje.
— Você abriu, viu o resultado?
— Já tinha visto, minha secretária me enviou por e-mail. — Meus olhos
fixam nos dela. — Estou feliz por ser pai do Enzo.
Ela abre um sorriso satisfeito.
— Não tinha dúvidas. — Leva a xícara até a boca, mas pausa. — Minha
maior preocupação é o HLA, este estou apreensiva — prossegue, tomando o
café.
— Eu sou o pai, tenho que ser compatível, não?
— Ricky, sou a mãe, e não sou. — Ela dá os ombros, insatisfeita. — Às
vezes, demora anos para aparecer um doador.
Coloco minha mão sobre a dela, lhe passando confiança.
— Vai dar certo, acredite.
Ela observa nossas mãos por alguns segundos, até eu interromper o
contato e ir para a sala.
— Ricky, o Nicholas pode ter mandado fazerem aquilo com a minha
casa?
— O Nicholas está com muito ódio, então, sim, pode ter sido ele.
— E agora?
— Vou providenciar um apartamento para vocês.
Ela me olha, erguendo uma sobrancelha, como se não aceitasse a ideia.
— Ricky, não quero nada. Se preocupe somente com os cuidados
médicos do Enzo.
— É para ele. Não recuse.
Meu celular vibra em cima da mesa de centro, pego-o, é a Valéria,
minha secretária.
— Só um instante. — Atendo. — Sim, Valéria?
— Richard, estou enviando para o seu e-mail, as notícias absurdas que
a mídia está noticiando a seu respeito.
— Como? Notícias?
— Sim, uma grande novela, a relações públicas vai entrar em contato
contigo.
— Me manda, agora.
— Ok. — Ela desliga, e o meu celular apita para recebimento de
mensagens.
— O que houve? — Eduarda pergunta, intrigada.
— Não sei — digo, acessando o meu e-mail, para ver os absurdos.
Fotos minha com a Eduarda na praia, o Enzo aparece em algumas
matérias, já noticiando que ele é meu filho.
Entretanto, uma matéria me chamou mais a atenção:
Executivo da W.E Universities, Richard McGuire, após deixar sua
namorada Júlia Sales nos Estados Unidos, filha do seu sequestrador, Hélio
Mauro, morto no seu resgate pela polícia, retorna ao Brasil, para cuidar às
escondidas da sua família fantasma, em Angra dos Reis.
A matéria é concluída com uma foto minha, com a mão no rosto da
Eduarda, e o Enzo brincando à beira-mar.
— Merda. — Lanço o celular no sofá.
Eduarda se assusta, encolhendo-se.
— O que houve?
— Veja você mesmo. — Aponto, irado com a notícia.
Ela olha para o aparelho jogado no sofá, pega-o, tendo acesso as
malditas informações que vão acabar com a minha vida.
— Meu Deus!
— Isso vai explodir, não vão parar de me perturbar — digo, revoltado,
meus passos largos percorrem meu apartamento à procura de solução.
— Você acha que foi ele?
— Com certeza, somente ele sabia tantos detalhes — afirmo. — A Júlia,
preciso falar com ela. — Pego o meu celular das mãos da Eduarda. — Ela
deve estar na formatura.
— Alô, Ricky.
— Só me escuta, preciso que ouça.
— Ricky, eu...
— Júlia, escute. Eu te amo e nada muda isso. Hoje você é a razão da
minha vida e a minha maior felicidade, preciso que saiba, quero você ao meu
lado, independentemente de qualquer coisa.
— Ricky, o que houve?
— Eu te amo, você acredita?
— Sim, eu acredito. Mas...
— Parabéns pela formatura, todas as rosas mais perfumadas para você.
Desligo, não consigo dizer mais nada.
Só a possibilidade de perder a Júlia, faz meu mundo desmoronar. Tenho
que deter o meu irmão, ele sabe todos os meus pontos fracos. E vai usá-los
para me atingir. Meu celular vibra novamente, e a foto da Ellen aparece na
tela, olho para a Eduarda que, intacta no sofá, assiste à minha reação.
Respiro fundo, antes de atendê-la.
— Fala, Ellen!
— Ricky que merda é essa? — ela quis saber.
— Não sei, é mentira.
— Essa na foto, não é aquela caipira, ex sua e do seu irmão? — Seu
tom venenoso deixa-me mais irritado.
— Que porra, Ellen, não enche.
— Não fale assim comigo, você faz a merda e sou eu quem leva o xingo?
— Desculpe, me exaltei. Isso não é verdade.
— Mas, está em todas as mídias, e agora? Até a história do sequestro
ressurgiu, a foto da sua querida Júlia apareceu novamente, os telefones não
param de tocar, quero saber o que eu faço — ela pergunta, enfática.
— Desmente, porque é mentira.
— Espero, Ricky.
— Ellen, a história não é essa.
— O garoto é seu filho? Porque estão dizendo que é.
— Sim, é.
— Ricky, qual parte dessa merda é mentira?
— Todo o resto! — concluo, desligando o celular e o lançando na
parede.
— Jully, o que será de mim sem você — Mel, aos prantos, fala nos
meus ombros.
Simplesmente vai ser difícil deixá-la.
— Nas férias, você retorna para o Brasil, assim matamos a saudade —
digo, chorosa.
— Sim. — Ela volta-se para minha mãe. — Cuida dela, tia, ela é uma
cabeça-dura que eu amo.
— Pode deixar, Mel.
O dorso de sua mão, seca seus olhos lacrimejantes.
— Assim que você chegar ao Brasil, vai procurar o Ricky?
— Sim, não se preocupe. — Olho séria para ela. — Agora, cuide-se, o
Rubem chega em três dias, então, até lá, não beba toda aquela tequila.
Rimos, felizes e nervosas com a despedida.
Este um ano morando com a Melissa, na Califórnia, aumentou ainda
mais a admiração que temos uma pela outra, crescemos, nos superamos,
choramos, passamos fome, até eu aprender cozinhar.
Foi incrível!
No avião, minha mãe não fala muito. Não sei, talvez esteja me
permitindo pensar, tenho que estabelecer um rumo, agora que vou ter um
filho. Estou completamente perdida, sem planos mais uma vez, a vida é uma
caixa de surpresas, quando pensamos que temos tudo sob controle: POW, o
universo te mostra que imprevistos e mudança de percurso fazem parte.
Adormeci a maior parte da viagem, e quando descemos em São Paulo, o
ar, Brasil! Não controlo as lágrimas que escorreram com saudade. Morar no
exterior foi uma grande experiência, mas estar de volta ao meu país, não tem
preço.
— Mãe, quando chegarmos, você prepara feijão, meu primeiro desejo —
digo, me jogando no banco do táxi.
Ela concorda com um sorriso.
Com as mãos no vidro, vejo a cidade passar como fotos antigas, o carro
percorre o trânsito e observo tudo, consumindo cada detalhe. Que saudade eu
estava do meu país. Combinei com a minha mãe, não quero que ninguém
saiba do meu retorno, quero organizar meus sentimentos para encontrar todos
novamente. Principalmente o Ricky, a saudade não cabe no peito, no entanto,
preciso estar firme para receber o que vem com ele.
Quando chegamos em casa, meu apertamento nunca foi tão
aconchegante, tudo igual no mesmo lugar, minha mãe não mudou nada.
— Mãe, nem um sofá novo?
— Não preciso de sofá, mantê-la nos Estados Unidos não permitiu
comprar nem um sapato, mas, valeu a pena — ela diz, entrando na cozinha e
manuseando a cafeteira para fazer café.
— Obrigada. — Dou um beijo em sua bochecha. — Preciso de café.
— Precisamos. — Ela desliza uma xícara com café para mim na
bancada.
— Preciso descansar e depois ir ao salão, o Marcos deve estar doido,
nossa agenda este mês está lotada.
— Estou com saudade do meu cabeleireiro preferido. — Tomo um gole
de café e, num impulso, pego o controle da TV. — Televisão, quero ouvir
português. — Sorrio, ligando a TV, e mudando de canal, igual uma turista
deslumbrada. Até a foto do Ricky aparecer e me fazer parar.
Executivo da W.E Universities, Richard McGuire, após deixar sua
namorada Júlia Sales nos Estados Unidos, filha do seu sequestrador, Hélio
Mauro, morto no seu resgate pela polícia, retorna ao Brasil, para cuidar às
escondidas da sua família, até então desconhecida. Composta por Eduarda
Reis, uma garçonete, e Enzo, de cinco anos. Richard e Eduarda foram
flagrados em carícias numa praia de Angra dos Reis.
Ouço as palavras narradas melodicamente por uma repórter
sensacionalista do programa de fofocas, permaneço parada, e o meu corpo
começa a gelar. Minha mãe, já ao meu lado, esforça-se em entender o que
está acontecendo.
— Mãe, que merda é essa? — quero saber, com os olhos embaçados.
— Jully, não sei. Mas acredito que o Ricky vai nos explicar.
— Mãe, você viu a foto dele, acariciando o rosto dela?
— Júlia, acalme-se, descanse e vamos conversar com ele.
— Agora!
No caminho para o apartamento do Ricky, penso em ligar, mas
algo me diz que chegar de surpresa possa me esclarecer muita coisa. Minha
mãe prometeu me deserdar se saísse de casa. Não somos ricas mesmo, o que
herdaria? Desobedecendo sua ordem, saí enquanto ela tomava banho.
Em frente à porta, minha coragem desaparece e penso em ir embora.
Embora as imagens chocantes da televisão não saiam da minha cabeça, não
consigo acreditar em nada, essas matérias sensacionalistas acabaram com a
minha vida, sei bem o que eles são capazes de fazer por uma audiência. O
que me intriga, na verdade, foi ver o Ricky com a mão no rosto da Duda,
tendo a praia como cenário.
Isso, sim, ferveu meu sangue!
Então, o que resta é bater à porta. Uma, duas, três vezes e ninguém
atende. Quando me viro para sair, a porta é aberta pela... Duda. Seu rosto
paralisado pela surpresa, esboça um sorriso curto.
Estou sendo boxeada por outra questão: o que ela faz aqui?
Olho no fundo dos seus olhos, cobrando uma resposta, ela,
desconcertada, apenas abre caminho para que eu entre, e permanece calada.
Ok! Por que ela não diz nada?
— Eduarda, quem é? — Ricky diz, entrando na sala, com os olhos na
tela do celular.
Não digo nada.
Ela também não.
O que faz o Ricky achar estranho o silêncio, erguendo o rosto na minha
direção, ao me ver ele pisca, como se não acreditasse, e corre ao meu
encontro.
— Júlia, meu amor. — Seus braços me cobrem, fazendo com que meu
rosto passe levemente pelo seu cabelo e pescoço, inspiro o seu perfume que
envolve o meu corpo. — Meu Deus, como preciso de você.
— Bem, vou deixá-los sozinhos — murmura Duda.
Olho para ela, somente para marcar território. Volto-me para o Ricky.
— Oi.
Ele não diz nada, somente encaixa a sua mão na minha nuca, levando a
minha boca para que a dele se delicie loucamente. Nós nos beijamos, com os
olhos fechados e apertados, nossos corações batem angustiados, mas nada
importa no momento, nada é o suficiente para nos interromper.
Ofegantes, nos afastamos colando nossas testas uma na outra.
E ficamos nos respirando por alguns segundos.
— Preciso falar com você — falamos juntos, e rimos em seguida, com o
nosso impulso.
— RICKY — a Duda grita, entrando na sala com um garoto nos braços,
seu desespero nos leva até ela, o menino, que acredito ser o Enzo, treme,
revirando os olhos.
— Ele está convulsionando, vamos levá-lo para o hospital.
Eduarda transfere Enzo para os braços de Ricky, que corre porta afora.
— Desculpe — Eduarda diz, antes de sair.
Balanço a cabeça, temerosa, permanecendo parada. Ele é tão pequeno,
indefeso e... filho do Ricky. Não tenho mais dúvidas, sento no sofá um pouco
zonza, olho ao meu redor, restaurando na memória algumas cenas intensas
que tivemos aqui. Me alegro por alguns segundos com as lembranças,
entristecendo em seguida com a imagem do Enzo convulsionando. Encosto a
cabeça na almofada, o cansaço da viagem aparece no meu corpo...
... E adormeço.

Acordo, assustada, quando ouço a porta abrir, Ricky entra com os


ombros caídos, me olha e me presenteia com um sorriso.
— Eu te amo, por estar aqui — sussurra, enquanto recosta sua cabeça
sobre meu colo.
— Como está o Enzo?
— Agora bem, mas permaneceu no hospital com a Eduarda, o doutor
Almeida suspeita de infecção, por conta do grau da febre. — Ele ergue-se
para beijar meus lábios de leve.
— Fiquei assustada com o estado dele, e agora?
— Ele vai ficar internado, até encontrarem o motivo da febre.
— Eu estava muito cansada, acabei dormindo. — Bocejo.
— Quando chegou? Por que não me avisou? — Ele semicerra os olhos.
— Ele é seu filho?
— Sim — afirma. — Júlia, temos que conversar...
— Sim, temos — interrompo. — Mas, primeiro, preciso de café.
— Vou preparar.
Ele impulsiona o corpo para levantar, porém, o impeço.
— Eu faço, acho que lembro onde estão as coisas.
— Certo, estou muito cansado.
Ocupo a cozinha com a minha agilidade e preparo o café, em minutos
estou com duas xícaras fumegantes na mão em direção à sala. Porém, a
imagem apresentada é de um deus grego, dormindo com uma respiração
pesada e cansada. Deixo o seu café sobre a mesa e pego uma manta para
aquecê-lo. Observar o Ricky dormir, tomando meu café — é uma experiência
deliciosa.
Sei que estamos em meio a uma tempestade, só espero sairmos dela sem
nos magoar. Finalizo o café e saio, após deixar um bilhete debaixo da sua
xícara.
Acordo num impulso...
Ainda com as cenas de um sonho perturbador: “O Enzo morto nos meus
braços”. Sou tomado por calafrios. Nunca me imaginei diante de um
precipício, estou com essa sensação. Ainda abatido com o sonho, me localizo,
estou em casa. Júlia, cadê? Ela estava aqui, antes de eu dormir, forço os meus
olhos cansados à sua procura. Ela foi embora, percebo uma xícara em cima
da mesa — o café. Dormi antes que conseguisse tomá-lo.
Há também um bilhete.

Ricky,
Voltei para a minha casa, estava cansada, após a viagem. Sei que temos
que conversar, há muito o que esclarecer, mas tem uma coisa que no
momento é mais importante que todo ou qualquer esclarecimento.
A saúde do Enzo.
Nós nos falamos à noite!
Júlia.

Suas palavras compreensivas me acalmam.


Após um banho eterno, onde, através da água fresca, relaxo toda
exaustão, verifico o meu celular. A mídia continua me atacando com
barbaridades e especulações sem sentido. Me desconecto dos relatos sujos e
indago notícias sobre o meu irmão, sei que permanece no Brasil em busca de
imóveis para as novas boates, recebo da Ellen por mensagem informações do
seu endereço. Não perco tempo e vou ao encontro dele. Não sei bem como
serei recebido, mas tenho que convencê-lo da verdade.
Bato à porta do seu quarto de hotel uma vez, e ela abre-se sozinha,
observo pela brecha o silêncio, entro devagar, me deparo com garrafas de
bebidas e, sobre a mesa de centro, uma arma.
— O que faz aqui. — A voz alterada e rouca de Nicholas explode na
sala.
— O que é isso? — Me refiro à arma. — O que pensa em fazer? Tá
louco?
Ele avança para a sala, pegando a arma e a apontando para mim.
— Matar você. — Seus olhos vermelhos me encaram. — Ia ao seu
encontro, maninho, mas já que está aqui...
— Nicholas, abaixa isso.
— Não, Ricky, eu o odeio, não consigo mais viver com isso dentro de
mim...
Dou um passo na sua direção, pois percebo seu descontrole.
— Nicholas, estou aqui para conversar contigo, tentar mostrar a verdade,
me ouça — falo, calmo, tentando ganhar sua confiança, enquanto ele mira a
arma na minha cabeça.
— Me entrega esta arma, por favor... — imploro. — Por favor...
— Porra, Ricky — sua voz rouca me acusa. — A puta e você em Angra,
família, e um... filho?
— Tudo isso é um grande engano, acredite...
— Por que, Ricky? — Ele deixa o braço cair. — O que fiz para você,
para receber tantas facadas?
Todos esses anos, nunca tinha presenciado meu irmão assim,
descontrolado com seus sentimentos.
— Eu não quis aquela noite, eu juro. — Olho para a arma, querendo a
retirar de sua mão, só não sei como. — Me dê a arma.
— Não — ele a aponta para meu rosto novamente —, vou matar você,
pelo que fez comigo.
Chega, tenho que acabar com isso.
— Você não vai me matar. — Me aproximo. — Você vai me ouvir,
porque errei com você esses últimos anos, e temos que parar de agredir um ao
outro.
Estou na sua frente, entregue ao seu desespero, pois sei que meu irmão
não me mataria. Ele permanece com minha cabeça na sua mira.
— Meses após, a Eduarda me procurou, e disse estar grávida, eu não
acreditei...
— Quer que eu acredite que este garoto é fruto daquela noite?
— Sim, eu nunca tive nada com a Eduarda.
Ele balança a cabeça, negando.
— Você é um fodido mentiroso.
— Nicholas, estou de volta para ajudar o Enzo, que está com câncer.
Ele arregala os olhos, abaixa o braço e vai em direção à mesa, colocando
sobre ela a arma.
— Não foi certo o que fez, acabando com a casa da Eduarda, depois me
entregando para mídia, estamos sendo massacrados.
Ele me olha por um momento, como se assimilasse os fatos.
— Não fiz isso...
— Como não? Temos que parar...
— Temos? É fácil falar... Já parou para imaginar, eu comendo a sua
Júlia deliciosamente, e depois tendo um filho com ela?
As insinuações do Nicholas agridem o meu autocontrole.
— Difícil ser traído? Não peça um perdão, que você mesmo não daria.
— Nicholas, as coisas não são como pensa. — Faço uma última
tentativa. — Podemos esclarecer tudo.
— Caralho, você foi ao meu flat, eu permiti que ali fosse revelado toda a
verdade... e você ocultou a parte principal. Agora, chega.
Calo-me, não tenho mais argumentos para prosseguir com a conversa,
desvio meus olhos para a arma.
— Não se preocupe, além de eu ter licença, não tem balas. Agora saia,
você morreu para mim.
Certamente, minha mãe quis me colocar de castigo, assim
como fazia quando eu era adolescente e chegava tarde de uma festa com a
Mel. Porém desistiu, sabendo que não adiantava, eu sempre fazia o que me
dava na telha. Dormi um pouco, me troquei e saí. Precisava andar, pensar,
refletir, pois hoje terei uma conversa com Ricky.
Caminhando pelo centro de São Paulo, não contenho a saudade de parar
em frente ao prédio da W.E, fico paralisada na entrada, vendo o entra e sai de
pessoas, e lembrando a minha primeira vez aqui. Olho no meu relógio de
pulso, faltam poucos minutos para a saída do pessoal, talvez devesse fazer
uma surpresa e encontrá-los, preciso rever meus amigos. Na recepção, sento-
me discreta no sofá, não quero ser reconhecida e metralhada de perguntas.
Passo o tempo vasculhando as notícias do triângulo amoroso — Ricky,
Duda e eu — criado pela mídia, novamente sou chicoteada pelos comentários
maldosos da impressa.
— Júlia...
Sou interrompida por uma voz familiar.
— Ellen? — digo, descontente em vê-la.
— O que faz aqui?
— Como vai?
— Vou pergunta de novo, o que faz aqui na recepção?
Certo, já disse que a odeio.
— Estou esperando meus amigos, por quê?
— Você pode subir.
— Não, prefiro ficar aqui, quieta e invisível. — Volto o meu olhar para
o celular.
Queria realmente estar invisível para não encontrar esta vaca.
— Podemos conversar? — ela pergunta, num tom cauteloso.
Conversar? Eu prefiro te esganar.
— Ellen, melhor não, estou aguardando meus amigos saírem, então...
— Preciso falar com você — ela interrompe, com um olhar urgente.
Falar com a Ellen não estava na minha agenda.
No entanto, deve ser importante, ela não se daria ao trabalho de olhar
para mim, se não fosse.
— Ok, vamos.
Subimos para o Marketing, com muitos olhos curiosos me cercando.
Chego a me sentir incomodada, não sei o que passa na cabeça dessas pessoas,
se é um julgamento ou sorriso bajulador.
Quando entramos no andar do Marketing, um calor percorre meu corpo
ao apreciar todos trabalhando, sou apaixonada por este fervor. A sensação de
estar aqui novamente é maravilhosa, até me emociona.
— Vamos? — Ellen pergunta, me direcionado para sua sala.
— Claro.
Entramos no calabouço, não consigo me controlar e algumas cenas me
vem à cabeça, me fazendo rir.
— O que é engraçado? — ela quer saber, sentando na sua cadeira.
— Eu e você, é engraçado e angustiante, ao mesmo tempo.
— Tem razão. Sente-se — ela sugere, com um tom calmo.
Certo, Brasil!
Ellen, a vaca, não é mais a mesma, pois encontra-se calma e
complacente.
— Júlia, não a trouxe aqui para me desculpar. Não sou tão boazinha
assim, sempre amei o Ricky e faria tudo de novo, se fosse para tê-lo de volta.
Ops, ela vomitou tão rápido as palavras que não consigo reagir.
— Ok, então por que estou aqui?
— Sei tudo que está acontecendo e...
— E você faz parte disso — interrompo. — Destruir o sonho das
pessoas é a sua especialidade. Qual o seu problema?
— O amor pelo Ricky — ela confessa, jogando as costas para trás.
— Não faria algo assim, e amo o Ricky.
— Não diga o que faria, em meio ao desespero de perder alguém. — Ela
respira fundo, tomando o fôlego necessário para prosseguir. — Eu sempre
amei o Ricky, sempre. Quando a Eduarda disse que estava grávida, logo
pensei ser um golpe, ela era namorada do Nicholas e dormiu com o Ricky,
numa noite que ele mesmo disse não lembrar e engravidou. Absurdo. No
entanto, você sempre foi diferente de todas as outras, pois digo foram muitas.
— Ela sorri, ao lembrar. — Você entrou na vida dele, tirando todas as
chances de qualquer uma se aproximar.
Enrugo a testa, ouvindo sua confissão, pois sei o quanto está sendo
difícil para ela dizer cada palavra. Ficamos em silêncio por um momento,
deixando o ambiente esfriar.
Ela continua:
— Bem, te chamei aqui, porque o Nicholas está transtornado, veio à
minha procura ontem, assim que soube da criança.
— Ele já sabe do Enzo?
— Sim.
— Imagino que esteja revoltado.
— Ele quer acabar com o irmão, seus olhos estavam cheios de ódio e
rancor, fiquei assustada.
— Você acha que ele faria algo, assim... — me repreendo. — Não! Ele
não teria coragem de machucar o Ricky.
— Não sei, temo que ele faça alguma besteira. — Ela me encara, séria.
As palavras da Ellen me assustam e um frio na espinha movimenta meu
corpo.
— Eu...
— Digo, pois, seus olhos refletiam ódio.
— Por que me disse tudo isso?
— Porque, na minha última conversa com Ricky, prometi seguir em
frente...
— Certo, Ellen, obrigada.
Céus, agradeci a Ellen, realmente estou evoluindo.
— Agora, eu quero rever meus amigos, se não se importa, tenho que ir.
— Claro, até mais.
Saio da sala da Ellen, preocupada com suas desconfianças. O Nicholas
que esteve na minha casa para falar sobre perdão, não é o mesmo descrito
agora. Meus pensamentos são interrompidos por um grito Black familiar.
— Girl. — Guta, atravessa a sala, com um sorriso enorme. — Meu
Deus, é você mesmo? — ela pergunta, após me abraçar e me olhar duas
vezes.
— Que saudade, Guta, como soube que estava aqui?
— Minha querida, o prédio só fala nisso.
Balanço a cabeça, negando.
— Merda, queria permanecer invisível. — Bufo, contrariada.
— Vamos para a copa?
— Não sei se posso.
— Girl, você pode tudo, é a mulher do chefe.
— Tá bom.
Depois do calabouço, um café vai bem.
— Quando chegou? Devia ter nos avisado.
— Cheguei ontem, queria fazer surpresa. — Dou um gole no meu café.
— Como estão todos?
— Johny está de férias e foi com seu namorado, Théo, para a praia. Rael
viajou para a Austrália, vai finalizar o semestre na W.E de lá, e como já sabe,
a Duda rompeu com ele.
Sim, e agora ela habita o apartamento de Ricky.
Calma, Júlia, foco.
— Afinal, por que eles terminaram?
Melhor eu ficar por dentro de algumas fofocas interessantes.
— A Duda terminou com ele, simplesmente se afastou. Rael ficou muito
mal. — Guta me olha, impassível.
— Entendi.
Ela rompeu com o Rael e ligou para o Ricky.
Estou incomodada com essa conclusão.
— Júlia, que história é essa do filho da Duda ser do Ricky, e tudo mais
que estão publicando por aí? — ela pergunta, não se contendo mais.
— Guta, é uma história antiga, e não posso resumi-la aqui na copa. —
Indico com a cabeça onde estamos.
— Sim, claro.
— Já finalizou o turno, vamos ao Retrô-Chill, estou com saudade
daquele chinês e quero comer hambúrguer.
— Sim, já estava de saída. Voltei quando soube da sua presença no
prédio.
Quando entro no Chill, é como voltar ao passado, e sinto-me nostálgica.
Tudo igual, cada detalhe permanece, o chinês não mudou nada no bar.
Abraço-o, e prontamente ele vai preparar o meu hambúrguer favorito.
Deixando sobre a mesa duas cervejas.
— Obrigada, Chill. — Dou um gole na cerveja, cuspindo-a novamente
no copo. — Esqueci, não posso beber.
— Por que não pode beber? — Guta me pergunta, intrigada.
— Dor de estômago. — Sorrio para ela.
Seus dedos batucam compassados sobre a mesa, enquanto ela bebe sua
cerveja e me encara, ainda desconfiada com a minha resposta.
— Por que voltou tão rápido?
— Por conta destes acontecimentos, Guta. — Grito para o Chill: —
Chill, um suco de laranja.
Ele confirma com um aceno.
— Só isso? — Ela cerra os olhos, me encurralando.
Inclino próxima a ela.
— Estou grávida — cochicho.
— Quê?! — Guta grita com o susto, tapando a boca para conter a
inesperada notícia.
— Não surta, Guta.
— Meu Deus, espera, me explica, estou confusa.
— Eu descobri que estou grávida, após saber de um passado delicado
entre o Ricky e seu irmão, Nicholas. — Olho ao redor. — Não posso falar
sobre isso agora. O Ricky retornou para o Brasil para resolver estes assuntos,
que incluem a Duda.
— Ah, sim, mas ele já sabe do bebê, né?
Balanço a cabeça, negando.
— E você não pretende contar?
— Sim, mas ainda não foi possível conversar com ele.
— Júlia, e sua mãe?
— Não surtou. Achei que a perderia, assim que descobrisse, mas não. —
Por um instante a lembrança da minha mãe veio à cabeça. Volto para Guta.
— Ela me apoiou.
— Certo, porém, como se sente? Acredito que uma gravidez não estava
nos seus planos.
— Guta, eu pirei assim que soube. Não sabia o que pensar, não cuido
nem de mim, o que vou ser para uma criança?
— Mãe! — avisa, sorrindo.
— Acho que sim.
As mãos quentes da Guta encontram as minhas, posso sentir através do
seu toque, o apoio de irmã.
— Se precisar de qualquer coisa, conte comigo.
Sorrio, agradecendo.
Lanchamos, ouvindo música latina. Guta me passa tudo de mais
interessante que aconteceu no Brasil. E eu tento resumir o que acho cabível
que ela saiba.
No início da noite, desligo o celular, é provável que o Ricky tenha me
ligado. Embora precisemos conversar, opto em ter um momento leve com a
Guta, seus conselhos e energia positiva me acalentam.
Meus planos, após o Chill, é visitar o Enzo, quero muito conhecê-lo e
bater um papo com sua mãe, há uma explicação pendente, a palavra golpe me
intrigou um pouco. Sei que a Ellen é uma vaca e permaneço com ranço dela,
no entanto, ela me fez enxergar a história por outro ângulo.
Na saída, decidimos dividir um Uber, o hospital é caminho para
Universidade, assim poderei ficar um pouco mais com a Guta. Esperamos na
calçada, e percebemos, ainda de longe, um carro cantando pneu, numa
velocidade absurda para a movimentação da rua.
— Que louco, olhe... ele vai virar na contramão?
— Guta, acho que sim.
O carro faz o retorno na contramão, derrapando, todos olham com o
barulho que os pneus fazem com a derrapagem, nos curvamos, indignadas
para ver. Porém, o carro desaparece, ouvimos um novo barulho de pneu,
como se ele tivesse novamente derrapando mais muito distante.
— Júlia, melhor ficarmos na entrada do bar — diz Guta, enquanto
segura o meu braço para sairmos da beirada da calçada.
Porém já é tarde, o carro ressurge numa alta velocidade em nossa
direção.
— Júlia, cuidado — ela grita.
Saio do seu quarto, magoado, meu irmão permanece me odiando,
e não esclarecemos nada.
No hospital, recebo a notícia de que o Enzo teve uma leve melhora,
infelizmente a febre permanece e ficamos estagnados à procura de solução.
Para nossa sorte, temos ótimos médicos a equipe do doutor Almeida é
excelente, e o suporte deste hospital é melhor que o anterior.
No início da noite, retorno para o apartamento, pois programei um jantar
com a Júlia. Porém, já são cinco ligações perdidas e não consigo encontrá-la.
Meu celular vibra e a foto da Júlia aparece como uma miragem
maravilhosa na tela.
— Alô, Júlia.
— Não, Ricky, é a Guta.
A voz da Guta mistura-se com o som de sirene.
— Guta, o que houve? Cadê a Júlia?
— Ricky, ela sofreu um acidente, estamos a caminho do hospital, de
ambulância, vou te mandar o endereço por mensagem.
— Acidente? — Um aperto no peito cega a minha razão e corro
desesperado para o elevador.
— Ricky, ela está inconsciente... — A voz da Guta falha e a ligação
picota, não consigo mais ouvi-la.
Pensar na Júlia machucada, sangra o meu coração. Um desespero possui
o meu corpo, preciso vê-la, sentir sua respiração para que a minha vida
continue tendo sentido.
— Vai mais rápido — exijo, para meu motorista.
— Senhor, estou indo o mais rápido que posso.
Concordo com a cabeça, ainda insatisfeito com a sua velocidade. Todos
os semáforos resolveram fechar e os carros estão todos na rua hoje, que
trânsito infernal.
No caminho, tento ligar novamente para ter notícias, mas o celular está
fora de área. Meu motorista contorna para estacionar em frente ao hospital,
não espero, salto do carro em direção à entrada, procurando a Guta, ou uma
placa de emergência, mas não vejo nada.
— Por favor, onde ficam os pacientes que chegam de ambulância? —
pergunto para a recepcionista.
— Se for acidente, final do corredor, senhor.
— Obrigado — agradeço, já me dirigindo para o grande corredor.
Meus olhos correm entre as portas e não acho ninguém. Até avistar
numa grande ala separada por cortinas, a Guta. Congelo, quando a vejo
chorar, abraçada ao próprio corpo.
Não suportaria perder a Júlia.
Ando lentamente, não conseguindo segurar o desalento que escorre dos
meus olhos. Abro a cortina, a Guta se assusta ao me ver. Meus olhos voltam-
se para a cama, onde a Júlia, ainda inconsciente, está deitada, me aproximo,
acariciando o seu rosto pálido, e vejo um corte na sua sobrancelha. Encosto
meu rosto próximo ao seu e sinto sua respiração, isso me acalma, para que eu
volte a respirar.
— Ricky, que bom que chegou — Guta diz, se posicionando ao meu
lado.
— O que aconteceu? — Meus olhos permanecem avaliando a Júlia.
— Um maluco, com um carro, invadiu a calçada onde aguardávamos o
Uber, a sorte é que eu estava atrás e consegui puxá-la, mas caímos
bruscamente no chão e a Júlia bateu a cabeça, e como ela está... — Guta
pausa a sua explicação, olhando-me complexa.
— Ela está o quê?
— Onde estão os médicos? — Desvia o olhar.
— Estou aqui. — Adentra um senhor, que com certeza é o médico, na
companhia de uma enfermeira. — Cuide dos cortes em sua sobrancelha — ele
solicita para enfermeira, que inicia a limpeza. — Boa noite, sou o doutor
Túlio, a Júlia teve um trauma quando caiu, segundo sua amiga, ela bateu
cabeça, mas não podemos fazer uma tomografia, por causa do bebê.
— Bebê?
Olho para a Guta, que com os olhos arregalados, confirma.
— Sim, ela está grávida — afirma o médico.
— Ela pretendia te contar, Ricky.
— Minha linda. — Me aproximo, sem tocá-la. A enfermeira me policia
para permanecer distante.
Mas, como controlar a emoção nos meus olhos? Quero abraçá-la e
agradecer por este presente.
— Acredito que seja você o pai? — o doutor pergunta.
— Sim, sou eu.
— Com a queda, tem riscos de ela ter...
— Perdido? — Guta pergunta para o doutor.
— Sim, infelizmente.
Meus olhos caem para a barriga da Júlia, suplicando para o céu que nada
tenha acontecido com meu bebê...
— Por Deus, que nada tenha acontecido — digo, acreditando fielmente.
— Vamos fazer um ultrassom, vou preparar tudo, com licença. — Ele
sai.
A enfermeira finaliza os curativos, saindo em seguida.
Aproximo-me do meu amor, inalo o perfume dos seus cabelos, enquanto
minha mão acaricia seu rosto, para que meu coração se alimente deste toque.
— Linda, por que não me contou? — sussurro no seu ouvido.
— Ela estava esperando o momento certo — Guta, comenta. — Vou
buscar um café, e deixá-lo sozinho com ela.
— Obrigado, a mãe dela sabe?
— Vou informá-la agora.
— Sim, faça isso.
— Com licença. — Ela sai.
— Meu amor, um filho! — Meus olhos analisam seu rosto. — Você me
fez o homem mais feliz do mundo.
Seu rosto move-se lentamente, e suas pálpebras abrem-se, com
dificuldade.
— Júlia...
— Oi. — Ela movimenta a cabeça. — Ai, que dor de cabeça —
balbucia.
— Não se mova.
— Ricky. — Seus olhos encontram o meu. — O que houve?
— Você sofreu um acidente, mas, vocês estão bem — falo, quando toco
sua barriga.
— Meu Deus, você já sabe, eu...
— Eu estou feliz.
Ela sorri lindamente, relaxando o seu corpo.
— Só estava esperando o momento certo pra contar.
— Quando soube?
— Na Califórnia, passei mal e fui atendida pelo doutor Sorriso dental.
— Quem?
— O doutor Joseph. Enfim, ele me deu a grande notícia.
— Você devia ter dividido comigo, não acha?
— Eu sei, mas estava assustada, e não consegui dividir nem comigo
mesma.
— Obrigado. — Dou um beijo leve nos seus lábios. — Eu te amo.
— Hum, que bom que acordou — o doutor Túlio nos interrompe, com a
cabeça entre as cortinas. — Júlia, certo?
— Sim.
— Ótimo, a memória não perdeu. — Ele sorri. — Como se sente?
— Com dor de cabeça.
— Vamos ver como está o bebê. Para que possamos medicá-la.
Entram dois enfermeiros que transferem a Júlia da cama para maca,
somos levados à sala de ultrassom, uma outra enfermeira auxilia o médico.
— Com licença, Júlia, sou a Rose, e vou levantar sua blusa, tudo bem?
O senhor fique do outro lado.
— Ok — concordo.
Ela passa sobre a barriga da Júlia um gel e desliza um aparelho
conectado a uma tela. Seguro a mão da Júlia, transmitindo meu amor e
segurança, ela retribui, a apertando com força. A enfermeira permanece
deslizando o aparelho, enquanto o médico avalia as imagens, mudo. E isso
me angustia.
— Vire a tela — ele diz para a enfermeira. — Olhem aqui, este ponto.
Ele indica na tela um ponto, e enxergo uma imagem borrada, mas há um
pequeno formato. Júlia aperta minha mão, como se sugasse de mim a força
que necessitava este tempo todo.
— Aqui.
Ele nos revela uma forma, que agora mais próximo conseguimos
identificar é o nosso bebê.
— E este é o seu primeiro som.
Uma batida forte e contínua espalha-se pela sala.
— Seu coração bate forte, está tudo bem.
Respiramos, aliviados, enquanto abraçados ouvimos a canção mais
divina — o coração do nosso bebê. Jamais poderia imaginar a felicidade que
esse som me proporciona. O Enzo já transformou a minha vida com sua
chegada, ocupando um lugar no meu coração, inexistente para mim, até
momento. Agora recebo um fruto tão puro, destinado de um amor intenso.
— Ricky, este coraçãozinho, parece um trator, de tão forte — Júlia diz,
chorosa.
Concordo, não conseguindo falar, estou compassado com tantos
sentimentos dominando meu peito.
— Júlia, você está com dezesseis semanas, em torno de quatro meses. —
O doutor aproxima-se mais da imagem, virando-se em seguida para nós, com
um sorriso estampado no rosto. — Temos o sexo, querem saber?
Nós nos encaramos, num impulso.
— Sim — falamos, juntos.
— É uma linda menina, parabéns.
— Meu Deus. Ricky, é uma menininha.
— Sim, meu amor. — A encho de beijos em agradecimento.
— Olá — o doutor nos interrompe. — Júlia, hoje você fica de
observação, mas amanhã, recebe alta, um adendo, sem esforços. Pela queda,
foi um milagre você não ter perdido a criança.
Não a deixo responder.
— Pode deixar, doutor, ela ficará de repouso absoluto, vou garantir.
— Já estou vendo como será minha vida, até parir esta bambina — Júlia
resmunga.
— E estamos iniciando o pré-natal, a Rose vai te passar todos os
detalhes para que a menininha nasça saudável, certo?
— Certo — Júlia responde.
Antes da saída do doutor, faço algumas perguntas, enquanto a
enfermeira, Rose, auxilia a Júlia a se recompor.
— Vou transferi-la para um quarto e colher alguns exames — comenta a
enfermeira.
— Você pode nos deixar sozinhos, um instante?
— Claro.
Ficamos sozinhos.
— Você sabe que eu te amo.
— Não tenho tanta certeza...
— Como não?
— Repete, então!
— Eu te amo! Quer casar comigo?
— Ricky, não vai me deixar escapar, não é?
— Não vou, nunca mais. — Balanço a cabeça, negando.
— Vamos esperar as coisas acalmarem e...
— E...?
— E... sim, seu bobo. Eu aceito!
— Guta, obrigada.
— Cara maluco, como pode invadir a calçada naquela velocidade? O
que me revoltou foi sua fuga.
— Se não fosse você, sei lá.
— Júlia, não me perdoaria se tivesse acontecido alguma coisa.
Ricky retorna para o quarto, com o rosto tensionado, após ser chamado
por alguns policiais, para esclarecer o acidente.
— O que a polícia disse? — pergunto para ele.
— Nada de conclusivo, estão à procura do carro.
— Esses motoristas imprudentes. — Guta inclina-se em direção à minha
barriga. — A tia jamais admitiria que algo acontecesse com esse bebezinho.
— Tia? Eu prefiro madrinha. — Pisco para o Ricky.
— Sério?! — ela exclama, surpresa. — Será um prazer, vou fazer altos
penteados nessa garota, ela vai ter estilo, vocês vão ver.
— Obrigado, Guta — Ricky agradece.
— Não foi nada. — Ela vira-se para mim. — Vou ser a dinda mais alto-
astral do planeta, verás.
— Eu sei, amo você por isso. — Envio um beijo num sopro.
— Agora, meus caros, preciso ir.
— Meu motorista está à disposição — Ricky oferece.
— Uau, vou chegar em casa de motorista. — Ela faz biquinho e balança
o cabelo. — Agora, se ele for gato, talvez volte ao trabalho somente amanhã,
compadre.
Ricky arregala os olhos, se divertindo com a zoeira da Guta.
— Compadre?
— Agora já era, Richard McGuire, temos laços familiares. — Ela
estende a mão para o Ricky bater, ele corresponde. — Tô me sentindo — diz,
indo até a porta. — Lá vou eu, rumo ao motorista. — E sai, sorrindo.
— Minha filha vai ter uma madrinha maluca — digo, encolhendo-me na
cama.
— E uma mãe linda.
— E um pai sexy.
A porta se abre para que minha mãe entre, desesperada, chamando meu
nome.
— Júlia...
— E uma avó desesperada. — Coloco a mão sobre a testa, já me
preparando para o que vou ouvir.
— Como você se sente? — Ela me apalpa, para verificar se estou com
todos os membros do meu corpo. E vira-se, para Ricky: — Richard, o que
aconteceu?
— Mãe, calma.
— Calma? Se tem uma coisa que não recebi de Deus, foi calma.
— Ana, não aconteceu nada, na verdade, nada grave, somente um corte
na testa — ele afirma.
— Você contou para ele? — Ela ergue a sobrancelha, mencionando o
bebê.
— Sim, mãe. — Estendo a mão para o Ricky, ele a segura, voltando
para o meu lado. — O Ricky sabe do bebê.
— Aliás, com o acidente, como está o bebê? — ela pergunta, aflita.
— Mãe, nossa menininha encontra-se muito bem — digo, encantada
com o fato de ser uma menina.
— É menina! — exclama, com brilho nos olhos. — As recordações de
quando peguei você no colo, tão pequena, branquizinhaaaa parecendo
algodão. Richard, ela tinha lábios vermelhinhos e cabelos cacheados. — As
lembranças emocionam minha mãe, que esboça lágrimas nos olhos.
— Mãe, vou chorar.
Ela sorri e acaricia o meu rosto. Depois, como se o mundo desabasse,
vira-se para Ricky.
— E agora?
— E agora o quê? — Ricky pergunta, confuso, com a intimação.
— Vocês avançaram demais, como fica, vocês dois?
— Mãe! — Cubro a cabeça com o lençol, morrendo de vergonha, fui
transportada para uma história de época, com minha mãe cobrando a honra da
virgem inocente.
— Ah, sim. — Ricky sorri, compreendendo a cobrança. — Ana, eu amo
a sua filha, a pedi em casamento, meses atrás, e ela recusou.
— Se ela aceitasse, eu a mataria.
Descubro somente os olhos, para ver o tamanho da vergonha.
— Mas, então...
— Richard — ela o interrompe —, a Júlia estava focada nos estudos, se
casasse, eu a deserdaria. No entanto, agora, ela está de barriga cheia, então...
— Chega, mãe — me intrometo. — Nós vamos casar.
— Agora, sim. — Ela encara Ricky. — Então, não vou matar você.
Rimos com as maluquices da minha mãe.
Viram a quem eu puxei?!
— Depois das premissas, falem, o que houve? — ela pergunta, porém,
com um tom sério.
Contamos em detalhes os acontecimentos em relação ao acidente, minha
mãe ouve, atenta. Já passando mil e uma recomendações que devo seguir
durante a gravidez.
No início da noite, dona Ana e Ricky disputam a vaga de acompanhante
noturno e qual casa será minha moradia, após a alta.
— Júlia, eu estou mandando, retorne para sua casa — ela ordena.
Os olhos do Ricky entristecem.
— Mãe — amanso a voz, para não a magoar —, a senhora tem o seu
trabalho, e se eu ficar aos cuidados de Ricky, terei um ótimo tratamento. Não
se preocupe.
Ela reflete no assunto por alguns segundos, assim como tenho que
definir minha vida. Vou casar, ter uma filha, resumindo, vou construir uma
família. E, claro, se não o mais importante, observar de perto: Eduarda.
— Tudo bem, agora você terá sua família. — Ela beija minha testa. —
Mas, hoje eu cuido de você. — Ergue uma sobrancelha para Ricky, que se
rende à sua ordem.
Na manhã seguinte, antes de ir para o apartamento do Ricky, passamos
no meu. Posso dizer que estes foram uns dos momentos mais difíceis — a
despedida. Minha mãe chorou no meu ombro, eu chorei no seu colo, e
permanecemos abraçadas até o Ricky intervir. Preparei somente uma mala,
com as coisas mais necessárias, assim posso voltar e pegar o resto com
calma. Antes de partir para nova vida, vasculho com os olhos meu
apertamento, que sempre será minha casa.

— Como se sente? — Ricky pergunta, me puxando para seus braços.


— Acredito que feliz, com tantas mudanças.
— Vou fazer você feliz.
— Eu sei, não tenho dúvidas. — Dou selinhos em seus lábios. — Mas
agora, preciso de um banho.
— Mas, antes, um beijo.
Seus lábios macios e saborosos tocam os meus, e uma delicada sensação
de prazer domina meu corpo.
— Como senti falta deste beijo. — Ele inclina a minha cabeça, para ter
acesso livre ao meu pescoço. — Desta pele, saborosa e excitante. — Sua
boca busca o meu pescoço com beijos safados que descem para meus seios.
— Calma, Richard, que fome. — O afasto.
— Muita fome, faminto, desnutrido.
— Desnutrido? — Sorrio, jogando a cabeça para trás.
— Não brinca com isso, é sério.
— Jamais...
— Portanto, senhorita Sales, futura senhora McGuire, o que pode a fazer
para resolver isso?
— Você me assusta quando diz... — Retiro a blusa e a lanço em seu
rosto. — Senhora McGuire, não vou me acostumar. Se alguém me chamar de
senhora, vai levar um xingo.
— Vou me lembrar disso, nada de senhora.
— Júlia Sales McGuire, combinado?
— Ok. Eu não vejo a hora, acredite.
— Jura? — digo, enquanto retiro a saia e lanço para ele, que a pega no
ar.
Somente de lingerie, caminho até a porta do quarto, com os olhos do
Ricky fixo nas minhas curvas.
— Senhor McGuire, você pode ajudar a Senhorita Sales com o banho?
— Corro para o banheiro, ouvindo seus passos logo atrás de mim.
Mas, quando entro no banheiro, sou paralisada por uma imagem — meu
reflexo no espelho. Ainda não tinha reparado a curva pequena, porém, visível
da minha barriga. Olho o reflexo do Ricky parado na porta. Ele se aproxima,
me abraçando, e suas mãos deslizam para a minha barriga.
— Agora somos três.
Confirmo, com admiração, sim, somos três.
— Ricky, eu fiquei muito assustada, por isso não consegui falar com
você, quando me ligou.
— Não sei o que faria, se soubesse pelo telefone. Sim, sei, mandaria um
jato te buscar.
Giro o corpo lentamente, para encontrar seus olhos mel intensos.
— Ela será tão linda quanto você! — ele exclama, admirando meu rosto
com as pontas dos dedos.
— Eu quero que ela tenha seus olhos castanhos, me apaixonei por eles
assim que os vi.
— Eu me apaixonei pela sua bunda empinada. Me instigando. — Suas
mãos grandes deslizam para minha bunda, me apertando contra ele. — Se
soubesse quais eram os meus pensamentos naquele elevador.
— E quais eram?
Ele ergue o meu corpo, me colocando sentada na grande pia de
mármore, abre minhas pernas e encaixa-se entre elas.
— Eu queria prensá-la contra o espelho. — Sua mão segura meu
pescoço, me empurrando contra o vidro, enquanto a outra encontra o fecho
do meu sutiã, o abrindo e o jogando longe. — Despi-la. — Sua língua brinca
com os meus mamilos, já endurecidos, excitando todo meu corpo.
— Nos imagine fazendo isso no elevador — minhas palavras
sussurradas trazem seus olhos para os meus.
— Podemos tentar. Paro um elevador para isso — ele sugere, com um
sorriso safado.
— Eu adoraria.
— Vou pensar nisso. — Ele se afasta, avaliando meu corpo exposto. —
Mas, agora o que faço com você?
— Vem cá. — Aproximo minha boca do seu ouvido. — Me come
fundo, do jeito que eu gosto.
— Hum, seu desejo é uma ordem.

Ricky acaricia minha barriga, com o ouvido colado a ela. Ele está
determinado em fazer contato com a bebê.
— Júlia. — Ele me encara. — Será possível ela sentir as obscenidades
que fizemos?
— Agora são obscenidades? — Rio com o seu comentário absurdo.
Ele encara a minha barriga, se preparando para uma conversa séria.
— Filha, desculpe o papai, mas, você não fará isso nunca.
— Nunca?
— Talvez, com uns trinta anos ou mais.
— Coitada, Ricky, ela vai ser freira.
— Eu respeito as freiras, um ótimo futuro para minha filha.
Ele sorri lindamente, me presenteando com um beijo.
— Podemos conversar agora? — exijo, mudando de assunto, chegou a
hora da nossa conversa. — Portanto, diga-me, o que a Duda faz aqui?
Ele respira fundo, escorando na cama.
— A casa da Eduarda foi destruída por uns caras, que acredito ser a
mando do Nicholas.
— Ele faria isso?
— Ele conheceu o Enzo em Angra, por acaso, e ficou transtornado.
— Angra...
— Júlia, o Enzo tinha acabado de receber alta do hospital, achei que
seria uma boa eles descansarem...
— Certo, posso pular esta parte. — Não vou indicar fragilidade, mesmo
estando chateada, mantenho firmeza. — Agora, seu irmão tem razão, não
acha?
— Sim, tentei falar com ele, explicar, mas sua ira está ainda maior.
— Estive com a Ellen, antes do acidente.
— A Ellen?
— Sim, passei na W.E, para encontrar o pessoal, estava na recepção e a
Ellen insistiu para conversamos.
— Conversar, você e a Ellen? — diz, desconfiado.
— Sim, conversamos como mulheres finas que somos.
— Certo. — Ele curva a boca e semicerra os olhos. — E conversaram
sobre o quê?
— Ela quis me alertar sobre o Nicholas, só concluiu o que acaba de
dizer.
Levanto, andando pelo o quarto, incomodada com uma questão.
— Ricky, quando cheguei ao Brasil, liguei a televisão e as notícias me
cegaram, por isso, corri para o seu apartamento. — O encaro. — Por que
você estava acariciando o rosto da Duda, na foto?
— Júlia, eu... foi um gesto impensado, estávamos falando sobre o Enzo,
ela se emocionou...
— E tiraram a foto. — Endureço o rosto.
— Júlia, com certeza o Nicholas, informou esses idiotas que estávamos
lá, dando a eles uma matéria de capa.
— O Nicholas acabou com a casa da Eduarda e colocou nós na mídia
novamente, para se vingar? É isso?
— Sim — ele murmura.
— E a Eduarda nesta história toda, como fica?
— Como assim?
— Ricky, a história é confusa. Não engoli, você conversou com ela
sobre... — Pauso, indignada com meu próprio comentário. — Sobre a
bebedeira de vocês?
Imaginar o Ricky tendo essa conversa com ela, é de embrulhar o
estômago.
— Sim, mas a saúde do Enzo é prioridade agora. Preciso que confie em
mim.
Não respondo, mas concordo com um olhar mais tranquilo. Contudo,
não estou convencida, falta uma peça nesta história, e sei que está escondida
com a Duda.
— Júlia, sei que é desconfortável para você tê-la aqui, mas o Enzo
precisa de um lugar seguro. Não se preocupe, vou arrumar um apartamento
para eles, assim que possível.
— Ok.
Ficamos calados por um instante, cada um com seus pensamentos e
preocupações, e um pressentimento me ocorre, algo esquisito, que inquieta
minha mente.
Balanço a cabeça, expulsando tal pensamento assombrador.
— Júlia, não quero que fique chateada, eu resolvo isso. — Ricky
percebe meu rosto tensionar. — Repouso, lembra?
— O Enzo? Eu estava a caminho da visita, antes do acidente...
— Júlia, ele não reage aos medicamentos. — Sua voz embarga. — O
doutor Almeida cogita algumas quimioterapias. — Seus olhos caem em
desalento. — Ele vai sofrer muito neste processo. Tenho que ser compatível,
a melhor saída é o transplante.
Abraço-o, confortando-o da dor que vejo nos seus olhos.
— E se não conseguirmos salvá-lo? — ele pergunta, perturbado com a
possibilidade.
— Ricky, você vai ser compatível. Acredite.
— Estou sendo castigado, por tê-lo negado.
Seguro seu rosto com as palmas das mãos e seco as lágrimas que
brotaram em seus olhos.
— Não é sua culpa...
— Ele ainda não sabe que é meu filho, não sabemos como contar.
— O tempo vai mostrar uma maneira de vocês contarem. Não podemos
esquecer que ele vai ter uma irmãzinha.
Um sorriso iluminado aparece em seu rosto.
— Já te agradeci por este presente? — Ele me ergue, para que enlace em
seu pescoço.
Ouvimos um celular tocar e tentamos encontrá-lo.
— É o meu. — Ricky atende. — Alô... Sim, doutor Almeida, aconteceu
alguma coisa com o Enzo?
— O que foi? — murmuro para o Ricky.
Ele faz sinal para eu aguardar.
— Sim, doutor, estou indo. — Ele desliga, já entrando no closet.
— O que foi, algo com o Enzo?
— O resultado do exame saiu, tenho que ir ao hospital.
— Eu vou! — digo, abrindo a minha mala.
— Não, você fica, repouso, lembra — ele repreende.
— Não estava repousando, minutos atrás — afirmo, colocando um
vestido. — Eu vou, pega os meus tênis, por favor.
Ele olha, contrariado com a minha teimosia, jogando os tênis nos meus
pés e entrando no closet, resmungando.
Bato duas vezes na porta, antes de entramos.
Eduarda, com os olhos inchados e cansados, encoraja um sorriso para
nos receber, porém, o cansaço não permite. O Enzo, dormindo como um anjo,
respira profundo, deslizo os dedos em seu braço pequeno e fino, com picadas
roxas do acesso.
— Duda, como vai? — Júlia cumprimenta Eduarda, com um beijo no
rosto, percebo que ambas estão desconfortáveis uma com a outra. — E este
garotinho é o Enzo. Ele é lindo, Ricky.
— Sim. — Viro-me para Eduarda. — Como ele passou o dia?
— Nada bem. — Sua voz embarga. — Não sei mais o que posso fazer,
que esperança consigo transmitir a ele.
O barulho da porta sendo aberta nos assusta.
— Olá, como vai, Richard? — Doutor Almeida adentra, me
cumprimentado com um aperto de mão.
— Estou bem. Esta é a Júlia, minha mulher.
— Como vai, Júlia?
— Estou bem, doutor.
— Eduarda, conseguiu dormir? — o doutor pergunta para Eduarda.
— Ainda, não — ela afirma, secando as lágrimas com o dorso da mão.
Doutor Almeida compreende e desvia os olhos para mim.
— Richard, temos que conversar, tudo bem se for agora?
— Claro. — Viro-me para Júlia. — Júlia, pode fazer companhia para o
Enzo, enquanto falamos com o doutor.
— Sim, fiquem tranquilos.
Beijo-a na testa e saímos com o doutor Almeida.
Em sua sala, ele coloca vários papéis sobre a mesa, sentado em seguida.
Sua expressão nada satisfatória, nos prepara para o pior.
— Doutor, fale de uma vez — diz Eduarda, não contendo sua aflição.
— Richard, você tem 25% de compatibilidade.
— Só?! — exclamo, inconformado.
— Infelizmente, sim, muito arriscado para um transplante.
Eduarda coloca as mãos sobre a boca, para abafar o seu choro. Enquanto
eu esmurro, descontrolado, a mesa do doutor.
— Vocês têm que manter o controle, o Enzo precisa da força de vocês.
— As quimios vão acabar com ele, doutor, como mantenho a calma, o
vendo sofrer deste jeito?
— Estamos controlando a infecção. No entanto, permanece fraco e
oscila seu estado, mesmo com os medicamentos. Ele vai permanecer
internado, para mantermos observação constante.
— E se ele... — Eduarda não consegue continuar.
— Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance, Eduarda, até aparecer
um doador. — O médico transmite confiança para que o desespero não nos
consuma.
Minha mente divaga na culpa, imagino o tempo perdido, poderia ter
estado ao lado do Enzo todos esses anos. Embora as consequências da
gravidez tenham sido duvidosas, porque não permiti duvidar da minha
inteligência, poderia ao menos ter deixado o egoísmo de lado e ter
raciocinado.
— Ele permanece na fila, doutor? — Eduarda pergunta, tentando
encontrar esperança.
— Sim, agora fé é a saída para o equilíbrio mental.
— Há mais alguma coisa que possamos fazer?
— Infelizmente, não — afirma o doutor.
Retornamos, ainda distante, vejo a Júlia saindo do quarto, com mão na
boca. Apresso-me em encontrá-la.
— Júlia? — digo, enquanto ergo seu rosto. — O que houve?
Eduarda e o doutor não esperam a resposta e entram no quarto.
— Desculpe, eu... — Ela me olha, com os olhos arregalados. — O Enzo
passou mal, vomitou um pouco e eu vergonhosamente me senti enjoada.
Abraço-a.
— Desculpe, Ricky.
— Tudo bem, se acalme.
— Ele melhorou, a enfermeira cuidou dele, pois eu fui uma fraca idiota.
— Ela me encara. — E o exame?
Afasto-me, escorando na parede.
— Minha chance é 25%.
— É pouco? — Ela acaricia o meu rosto.
— Infelizmente.
— A enfermeira me disse que está grávida, Júlia — o doutor nos
interrompe, saindo do quarto subitamente.
— Sim, de uma menina.
— A barriguinha ainda não apareceu, quantas semanas?
— Dezesseis, doutor, ainda estou me acostumando com a gravidez.
Meu celular vibra no meu bolso, apresso-me em olhar a tela, é a Ellen.
— Júlia, posso falar com você um instante? — pergunta o médico.
— Sim. — Ela desvia o olhar para o celular. — Ricky, tudo bem?
— Sim, eu vou atender ao celular. — Me afasto, olhando a Júlia sair
com o doutor Almeida, fico intrigado, porém, volto minha atenção para o
celular.

— Alô, Ellen.
— Ricky, tudo bem?
— Não muito, estou no hospital...
— Como está o garoto?
— O Enzo, quer dizer?
— Tanto faz, Ricky. Como ele está?
— Digamos que, bem. Mas, por que ligou?
— Tomei um drink com seu irmão hoje, ele parece mais calmo.
— Ele permanece no mesmo hotel?
— Não.
— Não? Ele viajou de novo?
— Não sei, ele não disse. Somente se despediu, e falou que nos veríamos
em breve.
— Ok, se souber de alguma coisa me fale, obrigado.
Finalizo com a Ellen, insatisfeito com as notícias. Nicholas desaparece
novamente. Olho atento o final do corredor, à espera da Júlia e do doutor
Almeida. Estão demorando.
Meu celular toca novamente, é alguém inesperado, o meu amigo e
investigador, César.
— Alô, César...
— Como vai, irmão?
— Não muito bem, alguns problemas. César, só um momento...
Caminho em direção à saída, preciso de ar.
— Diga-me, por que ligou? — Retomo a ligação.
— Ricky, vou voltar para São Paulo em alguns meses, quero te
encontrar.
— Por onde anda?
— Canadá, irmão. Numa investigação complicada, vai estar no Brasil,
neste período?
— Acredito que sim, me ligue assim que chegar.
— Ok, irmão. Foi um prazer falar com você.

Desligo o celular.
— Ricky!
Ouço Júlia chamar
— Tudo bem? Por que está aqui fora?
— Vim atender uma ligação, mas, agora podemos entrar. — Coloco a
mão nas suas costas, a conduzindo para dentro. — O que o doutor Almeida
queria?
— Nada de mais, falar sobre o Enzo.
Mesmo julgando estranho, não questiono, estou com a cabeça cheia.
Não ser compatível com o Enzo me desestabilizou um pouco.
— Ricky, vejo tensão no seu rosto. Quem te ligou? — Júlia vira-se para
me encarar, antes de entrarmos no quarto.
— Conversei com o César, ele pretende voltar para São Paulo e quer me
encontrar. Estou angustiado em relação ao Enzo.
— Ricky, tenho uma ideia, vou fazer uma campanha pelo Instagram,
quem sabe se pessoas vierem fazer o exame, possamos encontrar um doador
— diz, com entusiasmo.
— Pode dar certo. — Penso no assunto. — Faça o que for preciso, e se
precisar de algo, me fale.
— E se envolvemos a W.E? — ela diz, cautelosa.
— Não sei, talvez a mídia noticie o contrário. Contudo, se for para
ajudar o Enzo, não ligo. Vou entrar em contato com a Ellen, se a W.E fizer
uma campanha tendo o Enzo como imagem, talvez ajudemos outras crianças.
— Sim, foi o que pensei. — Recebo o seu abraço. — Vai dar tudo certo,
acredite.
Concordo, recebendo da Júlia um apoio insolúvel.
Quando entramos no quarto, o Enzo está acordado, ao me ver surge em
seu rosto um sorriso curto.
— Oi, garotão — falo, massageando sua barriga com cócegas leves.
— Quero ir embora para sua casa. Posso? — Ele me encurrala com seus
olhos de anjo.
— Ainda não, mas logo voltaremos para o apartamento do Ricky —
Eduarda interrompe, desviando os olhos para Júlia.
Ele bufa, cruzando os braços.
E a Júlia encara a Eduarda.
— Gosto de morar com o Ricky.
— Eu sei, vamos pensar nisso depois — digo, bagunçando o seu cabelo.
— Você conheceu a Júlia?
Ele balança a cabeça, concordando.
— Nos falamos por alguns instantes, o Enzo me contou que é fã do
Homem-Aranha...
— Ricky, você acredita que a Júlia também gosta do Homem-Aranha?
— Sim, temos algo em comum. — Júlia se aproxima do Enzo, e eu dou
espaço para ela. — Temos mais uma coisa em comum.
— O que é? — Enzo pergunta, curvando os lábios.
— Aqui dentro da minha barriga, tem uma menininha que é... — Ela me
olha, pedindo permissão para prosseguir, eu assinto, já emocionado com a
cena à minha frente. — É sua irmãzinha.
— Minha irmã? — Ele abaixa a cabeça, pensativo.
— Você tá gravida? — Eduarda pergunta, surpresa.
— Sim, estou. — Júlia afirma.
— Mamãe, como posso ter uma irmãzinha na barriga da Júlia?
— Lembra, prometi que daria a você um pai? — Sua voz falha um
pouco. — Tudo bem se for o Ricky?
Respiro fundo e o receio da rejeição aparece, não vou negar. Abro um
sorriso largo para Enzo, esperando sua resposta. Que novamente avalia a
situação.
— O Ricky tá bom pra mim.
— Que bom, fiquei preocupado. — Bagunço seu cabelo.
— Quando vou conhecer minha irmãzinha?
— Vai demorar um pouquinho — Júlia responde.
— Qual é o nome dela? — Enzo pergunta, curioso.
— Bem, ainda não tínhamos pensado... — Ela encara Enzo. — Você
pensou em algum?
Sua carinha sapeca, responde, com um sorriso.
— Sim, Camille.
Concordamos com a belíssima escolha do Enzo e nossa
menininha vai se chamar Camille. A cada dia minha barriga aponta mais, eu
fico emocionada por constatar a gravidez no meu corpo.
— Ricky... Ricky... Ricky... — grito, paralisada no sofá.
— O que foi, Júlia? O que houve? — Ele entra correndo na sala.
— Mexeu, ela mexeu...
— Mexeu? — Ele ajoelha-se e cobre com suas mãos a minha barriga.
— Fica quieto.... — sussurro, limitando os meus movimentos.
Ricky olha fixo para a minha barriga, como se a bebê fosse nascer em
suas mãos neste momento. E acontece de novo, Camille se desloca na minha
barriga.
— Mexeu, Júlia, sentiu... — ele diz, com a emoção em seus olhos.
— Sim, meu amor!

Esses últimos meses, trabalhei incessantemente com a Guta numa


“Campanha de Doação de Medula Óssea”, a intenção é incentivar as pessoas
a serem doadoras, e no caso do Enzo, encontrar alguém compatível. Como
envolvemos a W.E, muitos colaboradores se propuseram em fazer o HLA,
mas ainda ninguém com possiblidades possíveis apareceu.
A imprensa enfim começou a trabalhar a nosso favor, tirando o triângulo
amoroso criado do foco, e noticiando algumas crianças que estão encontrando
doadores através da campanha.
Estou impressionada com relacionamento do Ricky com o Enzo, a cada
dia um carinho surpreendente cresce entre eles, e as semelhanças físicas são
incríveis, os mesmos olhos castanhos e cabelos negros.
Enzo vai ser um McGuire gatíssimo.
— Ricky, quando eu sair daqui, vamos jogar futebol?
— Futebol?
— Então montaremos dois times, meninas contra meninos — me
intrometo na conversa.
— Minha mãe nem sabe jogar...
— Ah, sei, sim... eu e a Júlia vamos arrasar com vocês dois...
— Duvido, sou quase um Cristiano Ronaldo do futebol. — Ricky enche
o peito.
Enzo encara Ricky e franze a testa.
— Ricky, aí não, né.
— Nunca imaginei vê-lo jogando futebol. — Duda, já ao lado de Ricky,
coloca a mão em seu ombro.
Assisto a cena, incomodada, muito intimidade para o meu gosto.
— Eu jogava bem quando criança, sempre ganhava do... — Ricky pausa
um pouco, acredito relembrar sua infância com o Nicholas. Porém, não
consigo me concentrar na sua recordação e, sim, na mão da Duda, que
permanece no seu ombro.
— Ricky, temos que ir — digo, olhando para Duda.
— Claro. — Ele se afasta, deixando a mão ousada fora de alcance. —
Garotão, nos vemos amanhã.
— Tá bom. — Enzo, cerra os olhos para mim. — Júlia, cuida da minha
irmãzinha.
— Pode deixar, irmão mais velho. — Viro para Duda. — Até mais.
Ela faz um gesto com a cabeça, e se despede do Ricky, com um beijo no
rosto, observo, fina.
Porém, puta que pariu!
No retorno para casa, por mais que tento esquecer, o gesto da Duda
ficou na minha mente, sei que estou com ciúme!
Corroendo-me, posso dizer.
No entanto, não quero e não vou pirar.
— Ricky, quero visitar minha mãe, se importa de irmos agora?
— Vamos, claro.
Ricky desvia o caminho para a casa da minha mãe.
— Está tudo bem?
Ricky percebe que estou insatisfeita com alguma coisa. Não consigo
controlar minhas mãos inquietas.
— Sim... Mas, quando a Duda vai se mudar?
— Como assim, aconteceu alguma coisa?
— Não.
Seus olhos oscilam entre os meus e o trânsito, não satisfeito com minha
resposta, ele estaciona o carro no encostamento.
— Júlia, se tem algo incomodando você, preciso saber.
— Não. — Hesito um pouco, não quero demonstrar insegurança. —
Você me disse que iria comprar um apartamento para eles, acho que é o
momento.
Ele me observa por alguns segundos, tentando decifrar a minha
insatisfação.
— Vou ver isso amanhã, tudo bem?
— Sim.
Partimos para a casa da minha mãe, pois faz alguns dias que não a vejo,
estou com saudade.
Estava empolgada para fazer uma surpresa, mas, quem foi surpreendida
foi eu, dona Ana está jantando acompanhada de um homem... UM HOMEM!
Como assim?
Eles se assustam quando me veem, como se tivessem sido pegos em
fragrante.
— Filhinha, o que faz aqui?
Não consigo respondê-la, minha atenção está no HOMEM, que sorri,
sem jeito, detalho o ser à minha frente e concluo que tem cara de bocó,
sabem aqueles homens dos anos 70, porte médio, bigodinho e grandes
entradas faltando muitos fios de cabelos grisalhos na cabeça? Esse é o perfil
bocó.
Volto para minha mãe.
— Visita surpresa, atrapalhei algo?
— Não, claro que não. — Ela desvia o olhar para o Ricky, que abre um
sorriso, se divertindo com a situação. — Este aqui é o meu namorado, Eder...
— NAMORADO?
— Prazer, Eder, sou Ricky. — Ricky estende a mão para cumprimentar
o bocó, quer dizer, Eder.
Enquanto eu permaneço intacta, em choque, com a notícia.
Quando foi que minha mãe decidiu namorar, sem me comunicar?
Alguém me diz?
— Júlia, não seja mal educada e cumprimente o Eder — ordena minha
mãe, com um sorriso amarelo.
— Então, você é a famosa Júlia...
— Sim, um pouco, apareço nos jornais e revistas...
— Júlia — minha mãe me repreende. — Com licença. — Em seguida,
me puxa pelo braço, e entramos no meu quarto. — Por que tudo isso?
— Namorado, dona Ana? Devia ter me contado.
— Ah, a senhorita foi constituir família, lembra? — Ela cruza os braços.
— Eu vou reconstruir minha vida, e não seja malcriada com meu querido
Eder.
— Querido? Isso é sério? — pergunto, contrariada.
— Sim é, ele já dormiu aqui.
— Você já transou com o bocó?
— Respeito, Júlia. — Ela sorri. — E não o chame de bocó.
— Agora entendo sua ausência nesses meses.
— Você não disse: “pode deixar, mãe, o Ricky cuida de mim”, então
procurei alguém para cuidar de mim também.
— Ah, então é vingança?
— Não, estou apaixonada... quero alguém. Agora que você tem o seu
caminho.
Compreendo, mas permaneço relutante em ter um padrasto.
— Onde a senhorita conheceu o meliante?
— Júlia, o Eder é gerente do shopping, onde eu tenho um
estabelecimento, respeito.
— Certo... certo... certo... — Desvio o olhar para minha barriga. — Tá
vendo, Camille, sua avó é uma assanhada.
Retornamos para a sala, Ricky, todo simpático, conversa com o tal
homem, que sorri para mim, mas eu não retribuo — não consigo. Ficamos
mais um pouco, o suficiente para tomar uma xícara de café, meu olhar de
detetive avaliando todos os gestos e comportamento do homem. Que não
desperdiça seus movimentos, a não ser para acariciar o rosto da minha mãe.
Admito, ele gosta dela.
Merda!

No dia seguinte, enquanto o Ricky trabalha no escritório, eu me distraio


com decoração de quarto de bebê, nunca imaginei que ficaria tão envolvida.
Mas, aos poucos, as fichas estão caindo, então, comecei a comprar roupinha,
sapatinhos e tudo de mais lindo para minha menininha pela internet.
Acho que até estou exagerando.
— Júlia.
Sou interrompida pela Duda, que acabou de chegar.
— Oi, tudo bem?
— Sim...
— O que faz aqui? Quem está com o Enzo?
— O Chill, vai passar a tarde com ele, o Ricky quer falar comigo.
— Quer? Ele está no escritório. — Aponto, em direção ao corredor.
— Com licença, vou falar com ele.
— Certo.
Sigo-a com os olhos, com o corpo aflito para acompanhá-la.
No entanto, tenho conhecimento da pauta, com certeza é sobre o
apartamento, então vou deixá-los sozinhos. Volto para o notebook, que não
tem mais graça como antes, e salpico meus dedos na bancada, inquieta, à
espera do finale da conversa.
Que não acontece.
Portanto, começo a percorrer o apartamento e quando me dou conta,
estou próxima ao escritório. Me amaldiçoo por estar insegura, mas não
consigo me conter, algo me diz que tenho que ficar alerta com a Duda.
Então, bato à porta, já girando a maçaneta.
— Oi.
— Entre, amor. — Ricky, sentado em sua cadeira, estende os braços.
Eduarda, sentada à sua frente, abre um curto sorriso.
— Atrapalho? — pergunto, por uma questão de educação, me
posicionando ao se lado.
— Claro que não, estava finalizando com a Eduarda os detalhes do seu
apartamento.
— Do Enzo — ela corrige.
— Sim, do Enzo.
— Faço questão que fique no nome dele, me sinto melhor assim.
— Acho melhor também — concluo, ríspida, pois acho que é realmente
o certo.
Ricky nos observa por um instante, e sei que ele notou que não estamos
muito amigas ultimamente.
— Ok... um carro também será necessário, vou providenciar.
— Estou muito agradecida, por tudo, assim que você finalizar a compra,
nos mudamos, Ricky.
Permaneço olhando para a Eduarda, com toda a situação delicada do
Enzo, ainda não tivemos a oportunidade de conversar, não engoli a dupla
jornada entre irmãos que ela se propôs ter no passado. Ainda assim,
permaneci compreensiva, pois sei que a saúde do Enzo é prioridade.
Mas, agora, a minha paciência esgotou.
— Farei o que for possível...
O Ricky é interrompido pelo vibrar do celular.
— Com licença, é trabalho, preciso atender. — Ele sai.
Sento na cadeira de Ricky, permanecendo em silêncio. Eduarda
movimenta seu corpo, incomodada, pois meus olhos a encaram friamente.
— Júlia, eu quero te agradecer pela força, sem minha família ao meu
lado, neste último ano, foi muito difícil, agora, eu já respiro, mesmo o Enzo
ainda estando no hospital.
— Sua família não aceitou vocês?
— Meus pais são muito conservadores, família clássica de interior.
Quando não tinha mais saída, tentei retornar para casa, mas fui expulsa, quem
me abrigou foi o Chill.
— Chill realmente foi um grande homem.
— Júlia, assim que o Ricky concluir a compra do apartamento, me
mudo, assim você consegue organizar melhor a chegada da Camille. Mas eu
quero te agradecer pela compreensão.
— Compreensão? Duda, você sabe a minha real opinião sobre tudo,
você pecou, assim como o Ricky, quero que saiba que não engoli a história,
só não tivemos oportunidade de conversar.
— Sei que não...
— Duda, olha nos meus olhos, sei que algo aconteceu naquela noite,
fora a traição. Diga-me, o que foi?
— Ficamos bêbados e nos perdemos, foi isso.
— Somente isso? — pressiono, sei que ela é a peça para montarmos este
quebra-cabeça. — Lembro-me bem de como ficou quando viu o Ricky no
Chill, pálida como uma folha branca, seu olhar me incomodou muito aquele
dia, mas deixei passar.
— Eu... fiquei nervosa em vê-lo, fazia muito tempo...
Sei que posso me arrepender do que vou perguntar, mesmo assim, vou
arriscar.
— Quem realmente você amou, o Nicholas ou o Ricky?
— Eu... eu... como?
— Seja sincera comigo.
Ela levanta.
— Aquela noite foi um engano, mas em consequência de tudo, tenho o
Enzo, meu amor maior. Então, vamos esquecer?
— Certo — afirmo.
— Também quero agradecer por ter confiado em mim, no tempo em que
estive aqui.
Miro bem seus olhos azuis.
— Eu confiei no Ricky, Duda — digo, duramente, sei que ela não está
sendo sincera comigo, então não tenho por que medir as minhas palavras. Ela
me olha, incomodada com a minha sinceridade e segue porta afora.
— O que aconteceu aqui? — diz Ricky, ao retornar para o escritório.
— Nada de mais, conversa de mulheres...
— Conversa tensa, não? Ela saiu muito nervosa.
— Sério? Ricky, chega de dar moleza para ela, sei que tem alguma
coisa, e temos que saber o que é... ou vocês dois foram safados mesmo?
Ele arqueia uma sobrancelha.
— Achei que tivéssemos superado esta parte.
— Sim, superamos.
Não superei.
— Eu sei, mas antes de tudo, vou priorizar a saúde do Enzo.
Concordo com um selinho em seus lábios.
Embora, tenho certeza de que esta história vai retornar como uma
bomba.
Atravesso a rua para encontrar meu irmão e amigo, César. Este
cara, a quem devo a vida, fez o impossível para me encontrar, sou
eternamente grato pela sua amizade.
— César... — Aperto sua mão, o impulsionando para um abraço.
— Ricky, irmão, uma década sem vê-lo, só isso já vale um brinde.
César, como sempre, um parceiro eterno, somos amigos há muitos anos,
nos confidenciamos muita coisa, e sempre que podemos, entre as viagens,
nos encontramos para uma cerveja.
— Duas cervejas — faço o pedido ao barman, assim que entramos no
Beer Bar
— E você, cara, como anda aqui no Brasil? — ele pergunta,
acomodando-se na cadeira.
— Obrigado — agradeço o garçom, que nos deixa duas cervejas, saindo
em seguida. — Primeiro, vamos brindar a este encontro sempre agradável.
— Sempre, irmão, demorou um pouco, mais que o previsto, mas
estamos aqui.
Brindamos com nossas cervejas, e damos um longo gole em seguida.
— Nos falamos antes de eu viajar para a Califórnia, lembra?
— Sim, lembro.
— Lá encontrei a Júlia.
— Sério, cara, voltaram então?
— Sim, passamos um bom tempo nos Estados Unidos, até que a Júlia
finalizasse seu intercâmbio.
— Estou feliz por vocês.
— Vamos ter uma filha.
— Nossa, Ricky, meus parabéns. Um brinde a essa criança. — Ele ergue
sua cerveja para um novo brinde.
— Estamos felizes. Nós vamos nos casar e você é meu padrinho.
— Porra, estou dentro. Adoro casamentos, dos outros. — Rimos. —
Cara, você vai ser pai e vai casar. Realmente, o mundo ficou esquisito.
— Estou feliz, e adorando minha nova vida.
— Porra, irmão estou emocionado — César zomba, e brindamos
novamente.
— No entanto, uma história antiga me trouxe de volta para o Brasil. —
Dou um longo gole na minha cerveja. — Um assunto delicado, que preciso
compartilhar contigo — digo, recordando como é difícil falar sobre o
Nicholas.
— Alguma coisa grave?
— Mencionei uma história antiga, que tenho que resolver...
— Sim, algum casinho voltou para perturbar você e a Júlia?
— Não, na verdade...
Relato para César toda a história horrenda, e tudo que aconteceu até
aqui. Ele me escuta, se surpreendendo com a confissão.
— Nossa, não imaginava que havia este percalço entre vocês dois.
— Sim, há, e estou com receio do Nicholas cometer alguma loucura,
agora que ele sabe sobre o Enzo.
— Então, uma noite gerou um filho? Irmão, não sei o que dizer.
— Parece filme, mas sim, e hoje o Enzo faz parte da minha vida.
César cala-se por um instante.
— Que tipo de loucura o Nicholas cometeria?
— Revoltado, do jeito que está, não sei. Ele mandou alguns caras
detonarem a casa da Eduarda, enviou notícias falsas para mídia...
— Posso falar com ele.
— Acho que não temos mais volta. Faz dois meses que estive com ele,
em seu quarto de hotel, depois disso, não consegui mais contato.
— E agora, o que vai fazer?
— Primeiro, vou esperar o Enzo se recuperar. Depois, vou pressionar a
Eduarda, pois sei que podemos esclarecer tudo, e eliminar de vez este
pesadelo de nossas vidas.
— Se você quiser, a interrogo, duvido não falar.
— Seria uma boa, vou pensar no caso.
Brindamos com a sugestão.
É sempre bom conversar com César, precisava desabafar. Conversamos
muito sobre tudo, e relaxamos entre garrafas de cervejas e doses de uísque,
por um momento meus problemas desapareceram.
Para ressurgirem como uma avalanche no dia seguinte.
— Meu Deus! — exclamo, ao ver o Ricky escorado nos braços de
César. — César, o que aconteceu?
— Ele bebeu demais, Júlia — César responde, entrando com o Ricky,
que tropeça nos próprios pés.
Arregalo os olhos, abismada com a cena. Ricky, bêbado? Enquanto eu,
preocupada com o seu sumiço, o bonitão estava bebendo.
Ah...?
— Você também, como conseguiram chegar até aqui?
— Viemos de táxi, e...
— Oi, meu amor... — Ricky diz, com a voz molenga. — César, olha ela
aí, meu bebê...., tá ali, cara...
— Coloca ele no sofá, por favor.
— Júlia, desculpe, nos encontramos e uns copos rolaram... —César
esforça-se em explicar a cena lamentável.
— Foram muitos copus e decepciois, amor... decep... ciois...
Ergo uma sobrancelha.
— Por que beberam tanto, César?
— Então... — César falha ao iniciar, um pouco zonzo. — Ele quis
comemorar as mudanças, aliás, parabéns pela bebê e o futuro casamento.
— Amor, padrinho César....
Olhamos para ele, que tentou balbuciar algumas palavras.
— Padrinho?
— Sim, ele me convidou para ser padrinho do casamento, estou
honrado.
— Estou cansado...
Estas foram suas últimas palavras antes de apagar. Rimos, chega a ser
cômico ver o Ricky, assim... bêbado!
— Pelo menos, você está um pouco melhor que ele, vai volta de táxi,
certo?
— Sim, agora que entreguei o executivo, vou embora. — Ele vai até a
porta. — Foi um prazer revê-la, Júlia.
— O prazer foi meu.
Antes de fechar a porta, encaro uns dos seguranças parado na frente.
— Vocês não dormem, não? — Faço sinal para que não respondam. —
Eu sei que revezam, já sei! Vamos dormir, não sairemos mais hoje, são cinco
da manhã, então, podem descansar.
Bato a porta.
— Não sei pra que tantos seguranças. — Encaro Ricky, largado no sofá,
babando na almofada.
Melhor ajeitá-lo aqui mesmo, não tenho força e nem condições de levá-
lo para a cama. Retiro seus sapatos, acomodo melhor sua cabeça na almofada,
observo seu celular na beirada do sofá, deve ter caído do seu bolso, quando
César praticamente o jogou sobre o estofado, pego o aparelho e coloco sobre
a mesa de centro. Melhor aquecê-lo com uma manta.
— Amanhã, o senhor vai esclarecer direitinho, o porquê deste
descontrole, não pense que vou deixar passar uma explicação — informo ao
bêbado dorminhoco, que somente se acomoda no sofá.
— Ah, minha cabeça — murmuro, assim que tento a erguer da
almofada que a mantém escorada.
O que houve?
Porra! Bebi igual a um porco ontem, uma parte da noite desapareceu da
memória.
Relaxo no sofá...
Como voltei para casa? Com dificuldade, sento, buscando um norte.
Cadê a Júlia? Não ouço sua voz, nem sinto o cheiro de café maravilhoso pela
casa.
— Júlia...
Não há resposta.
Então, com dificuldade, levanto. Porra, em pé estou pior. Caralho, por
que bebi tanto?
— Júlia...
Caminho, cambaleando, até o quarto, e encontro Júlia dormindo como
um anjo, aprecio por um momento seu sono e vou para a ducha. Talvez a
água fresca alivie minha ressaca.
Após um longo banho, consigo recuperar a consciência.
Retorno para o quarto e encontro os olhos sonolentos da Júlia, me
observando.
— Bom dia, linda.
— Bom dia — ela responde, se espreguiçando.
— Sei que pisei na bola — digo, após vestir uma camiseta e sentar ao
seu lado. — Desculpe, minha cabeça estava cheia.
Ela me encara, quieta, cerra os olhos, me encurralando para uma
conversa.
— O que houve?
— Precisava conversar com meu amigo, só isso.
— Vocês estavam muito bêbados, tem algo que preciso saber?
— Preciso de café. — Levanto e fujo para a cozinha.
— Não foge de mim, aconteceu alguma coisa?
— Júlia, já disse não tem nada acontecendo.
Começo a preparar o café, fugindo dos seus olhos.
— É sobre o Nicholas, certo?
Coloco duas xícaras sobre a bancada.
— Estou cansado, acredite.
Ela lentamente se aproxima, contendo os meus movimentos e olhando
nos meus olhos. Nossos olhos desviam para o meu celular, que toca em cima
da mesa de centro da sala. Júlia abaixa a cabeça, inconformada com a
interrupção, e eu apresso-me em atender.
— Eduarda — digo, após identificar a chamada. — Alô... sim, como?
Claro, estou indo.
— O que houve? — Júlia pergunta ao meu lado.
— A Eduarda...
— Aconteceu algo com o Enzo?
— Ela precisa se ausentar do hospital e o Enzo quer me ver, então, vou
lá.
— Quero uma carona, vou ao salão da minha mãe, quero cortar o cabelo
e conversar sobre o tal namorado.
— Que ciúme da sua mãe, ela merece recomeçar.
— Sim, mas nunca imaginei vê-la com um namorado, acho que estou
sendo infantil, vou conversar com ela, só um momento, vou me arrumar.

Antes de entrar no hospital, ligo para o meu irmão, não tenho resposta,
ele não atende, então envio uma mensagem.
Nicholas,
Precisamos conversar, me ligue assim que possível.
Ricky.

Passo a manhã com o Enzo, que com os seus altos e baixos, permanece
no hospital. O doutor Almeida prefere tê-lo por perto, então concordamos. A
cada dia que passa, me aproximo mais desse pequeno, brincamos, assistimos
a filme e fiz muito carinho em sua cabeça, enquanto velava seu sono.
No início da tarde, tinha alguns documentos importantes para ler, então
marquei com a Ellen no meu apartamento, que agora é o meu local de
trabalho, contratei uma enfermeira particular para nos auxiliar nos cuidados
com o Enzo, assim que ela chega, saio para a minha reunião, pois Eduarda
ainda não retornou do seu compromisso.
— Entre — digo para Ellen, assim que seus olhos azuis brilham na
porta.
— Tudo bem? — Ela me cumprimenta com um beijo no rosto. — Está
sozinho? Silencioso aqui.
— Sim, a Júlia foi visitar sua mãe.
— A ex ainda mora aqui?
Encaro-a, com frieza.
— Não comece com as suas insinuações, ela não é minha ex, você é.
— Hum, então deveríamos matar a saudade, o que acha?
Arqueio uma sobrancelha, desdenhado seu pedido.
— Brincadeira, já superei você, Richard.
— Quero vê-la feliz.
— Vou ser. — Ela sorri. — Nicholas me ligou.
— Quais são as notícias?
— Nada certo, quer minha ajuda em relação a alguns empreendimentos,
marcamos uma reunião amanhã, então é possível que esteja no Brasil.
— Liguei para ele, mas, sem sucesso.
— Quem sabe o tempo o amanse novamente.
— Certo, agora vamos trabalhar?
— Ok, patrão.
A Ellen, como sempre, muito competente, me atualiza de tudo,
repassamos todos os detalhes da próxima campanha da W.E, reviso
documentos importantes, enfim, nos ocupamos o resto da tarde.
Despeço-me dela, me jogando no sofá para respirar, antes de buscar a
Júlia. Verifico o meu celular e não há resposta do Nicholas. Mas tem uma
mensagem da Júlia.

Ricky, não precisa me buscar, quando finalizar com a minha mãe, vou
direto para casa.
Com amor,
Júlia.

Concordo com a cabeça, respondendo um “tudo bem”. Respeito muito a


relação que a Júlia tem com sua mãe, e a proximidade entre as duas é
louvável.
Inclino a cabeça para a cozinha, desejando uma taça de vinho.
E, após tê-la em minha mão, respiro o silêncio que o apartamento me
permite no momento, refletindo um pouco sobre o rumo que minha vida está
tomando, como podia imaginar, casamento, filhos... a Júlia. Tudo tão novo e
fascinante.
Ouço a porta abrir e levanto num impulso, quase derrubando a taça com
vinho. Quem adentra é a Eduarda, que abre um largo sorriso assim que me
vê.
— O que faz aqui? — procuro saber, pois ela devia estar no hospital.
— Banho! — Ela se joga no sofá à minha frente. — Necessito, antes de
ficar com o Enzo. — Seus olhos desviam para a taça de vinho. — Uma taça
de vinho, me relaxaria também.
— Melhor não, acho que tem que cuidar do Enzo.
— Nossa, desculpe. — Levanta, súbita. — Cadê a Júlia?
— Chegando, passou o dia com sua mãe. — Degusto meu vinho.
— Ok, vou tomar banho.
Ela sorri, saindo logo depois.
E, neste momento, me lembro do olhar dela, naquela noite maldita,
como se insinuasse uma situação. Como me deixei envolver, me mantive
imerso a sensação desgovernada do álcool. Tinha o veto de parar, mas
permaneci ali, escorregando contra o errado.
— Ricky...
Levanto, virando para atender ao chamado de Eduarda. Que, para a
minha surpresa ou lamentação, encontra-se de toalha na entrada do corredor.
Sim, de volta ao pesadelo.
— O que faz aqui... assim?
— É que...
— Por favor — interrompo. — A Júlia está chegando...
Somos surpreendidos quando o elevador privativo se abre, e o meu
irmão, com os olhos saltados, caminha lentamente na nossa direção.
— Ora, ora aqui estão eles, o casal potencial. — Seu tom sarcástico,
porém, intenso como um tiro, me atinge.
E, como um triângulo de horror, nos afrontamos.
— Eduarda, por favor. — A encaro, sério. — Vai se vestir.
— A puta mora aqui?
— Não fale assim comigo, Nicholas. — Ela avança, se aproximando de
nós. — Odeio você.
— Eu sei, você ama meu irmão.
Sacudo a cabeça, negando a situação à minha frente, estamos novamente
nós três aqui, nos massacrando e nos ferindo.
— Talvez ame mesmo.
Viro para encarar o Nicholas, seus olhos escurecem em resposta à
insinuação da Eduarda.
— Como? — pergunto a ela. — Agora chega, estou sendo muito
paciente com você este tempo todo, mas excedeu...
— E se eu amasse você, Ricky?
— O que quer, Eduarda, por que agora resolve declarar o seu amor, logo
na presença do meu irmão...
— Porque ela é uma puta, sempre foi. — Nicholas caminha, parando na
minha frente. — O que ela ainda faz aqui, na sua casa, de toalha? Por mais
que tentei acreditar no inverso, sempre estivesse com a razão, vocês têm algo.
— Você destruiu a casa dela, seu inconsequente, como permitiria que
ela e o Enzo ficassem desabrigados?
— Não sou o responsável por isso... já falei.
Olho no fundo dos olhos do Nicholas e, pela primeira vez, o vejo
desarmado... Será? Minha respiração acelera com alguns pensamentos
duvidosos.
— Cadê o filhinho de vocês?
— Não é da sua conta, seu idiota — Eduarda grita.
— Aliás, Ricky, você tem certeza de que este menino é seu filho? Pelo
currículo desta aí.
— Cala a boca, Nicholas.
— Puta, com quantos transava, além do Ricky e eu?
Sei que o Nicholas está passando dos limites, mas algo me diz que não
devo cala-lo.
— Na verdade, Nicholas, sempre quis transar com seu irmão, seu idiota.
— Sua puta dos infernos...
Nicholas avança em direção à Eduarda, eu detenho seu impulso de
cometer alguma loucura. E esgoto o meu bom senso de achar que tudo foi um
acaso, paro em frente a ela, com os olhos ardendo de nervoso.
— Diga-me o que aconteceu aquela noite?
— Ficamos bêbados — ela responde, com firmeza.
— Eu não me lembro, estava zonzo, e nunca fiquei assim tomando
vinho, eu me conheço. — Solto o ar preso nos meus pulmões. — Me conte a
verdade, ou eu vou tirar a guarda do Enzo de você na justiça — a ameaço. —
Você sabe que eu tenho poder o suficiente para isso, não duvide.
— Não teria coragem.
— Sim, teria — grito. — Estou farto desta história maldita ao redor da
minha vida. — Meus olhos a encaram, como se pudesse esmagá-la. — Fale,
Eduarda, agora.
Ela desvia o olhar para o Nicholas, que permanece inquieto, aguardando
suas palavras.
— Eu... queria...
Nicholas balbucia um som incompreensível.
Enquanto eu me concentro no seu rosto. Meu sangue ferve, por não
obter uma resposta, então, explodo:
— RESPONDE, PORRA.
— Eu queria você, Ricky.
— Merda — xingo e me afasto. — E o que foi capaz de fazer por isso?
— Aquela noite, eu sabia que o Nicholas não retornaria, então,
aproveitei para tê-lo, nem que fosse por uma noite.
— Você queria transar comigo?
— Sim, desde a primeira vez que o vi.
— Sua vagabunda — Nicholas cospe seu ódio, percorrendo o
apartamento com sua revolta.
— Então, eu dopei você...
— Me dopou?
Ouço sua confissão e um alívio invade meu corpo, sempre soube no meu
coração, mesmo estando envolvido na situação, que não estava consciente
enquanto traía meu irmão.
— Vagabundaaaaa...
Não consigo conter o Nicholas, que avança para cima da Eduarda.
Cobrindo seu pescoço com as mãos.
— Eu amei você. — Ele a enforca. — Agora eu te odeio...
— Solte-a Nicholas, solte-a...
Ele aperta seu pescoço, oprimindo seus movimentos. Tento de todas as
maneiras tira-lo, mas seu ódio o dominou, a ponto de me impedir.
— Chega, Nicholas, você vai matá-la...
— Ela é uma puta, tem que morrer...
— Não vale a pena, Nicholas... Não vale a pena.
Posso ver Eduarda desfalecer em suas mãos, e me apavoro com a cena
horrenda à minha frente, então, esmurro o rosto do Nicholas, o lançado para
trás. Eduarda se encolhe, retomando o fôlego.
Vou até meu irmão, que ainda no chão, permanece tenso, estendo a mão
para ajudá-lo, ele hesita, mas corresponde, levantando e me olhando nos
olhos.
— Quer saber quem enviou as notícias para a mídia? E, até mesmo,
arrumou um jeito de bagunçar a própria casa, no intuito de vir morar com
você? — Ele aponta na direção da Eduarda.
— Você fez isso? Responde! — ordeno.
No entanto, ela não responde, caminha até a janela, tento a vista da
cidade como seu foco.
— Caralho! Você assustou o Enzo, sua inconsequente.
— Tira essa puta da sua casa, antes que ela acabe com sua vida.
Nicholas vai embora, desnorteado, e volto o meu olhar para a Eduarda.
— Vista-se e saia da minha casa.
— Você pensa que foi fácil ser rejeitada? Eu te desejei, Ricky. E você,
com sua arrogância, deu as costas para mim.
— Você era namorada do meu irmão — digo, alterado. — Olha tudo
que provocou por conta de uma foda.
— Não foi uma simples foda.
— Eduarda, para mim não foi nada, eu não lembro, como pode ser tão
baixa?
— Eu amava você...
— Cala essa boca, você se derretia pelo meu irmão e, do nada, passou a
me amar, maluquice.
— Eu...
— Já disse, vista-se e saia da minha casa, agora!
Ela não se move, permanece parada em frente à janela, massageando o
pescoço com os hematomas vermelhos deixados pelo Nicholas.
— Perdão, Ricky — ela sussurra.
— O que fez não tem perdão.
Observo sua expressão perdida olhando o céu de São Paulo e, por algum
motivo, seu rosto enruga-se.
— Eu ainda te amo, Ricky. — Seu corpo gira para me encarar. — Eu
sempre te amei.
Ignoro-a, sentando no sofá, extasiado. Procuro no teto a calma
necessária, para eu não a colocar para fora.
— Eduarda, vista-se e saia da minha casa. — Fechos os olhos, exausto.
— Agora!
— Eu ainda amo você.
Abro os olhos, por sentir sua declaração muito próxima, e me espanto
com que vejo, Eduarda está na minha frente, desnuda.
Balanço a cabeça, contrariado com sua ousadia.
— Chega, já passou dos limites, saia da minha cas...
Não consigo finalizar, ela me interrompe, se lançando sobre meu colo e
envolvendo seus braços nos meus, seus beijos apavorados me sufocam, vou
contra aos seus movimentos e tentativas infelizes.
— Ricky...
Ouço a sonora voz da Júlia e lanço Eduarda no chão.
A imagem da Júlia com os olhos lacrimejando me apavora.
— Júlia. — Avanço ao seu encontro. — Eu...
— Cala boca, Ricky — Ela estende o braço, antes que eu me aproxime.
— Se afasta, não chega perto de mim.
— Não é isso...Eu...
— Já disse, cala a boca, Ricky — Recebo na minha cara as flores que
estavam em suas mãos. — Fica quieto.
Ela retorna para o elevador privativo, apertando o botão, como se fosse
afundá-lo.
— Júlia, pelo amor de Deus, me escuta. — Seguro seu braço, antes que
ela entre no elevador. — Deixa eu explicar...
— Me solta, Ricky — ela berra, puxando seu braço com brutalidade, e
entrando no elevador, que se fecha com agilidade.
Apresso-me em apertar o botão, para detê-lo, porém, ele desce rápido.
Retorno para a sala, me amaldiçoando por não ter deixado o Nicholas
enforcar a Eduarda, olho ao redor e concluo sua ausência, a filha da puta saiu
correndo para o quarto. Pego meu celular, já ligando para a Júlia, e corro para
a saída principal, o elevador chega rápido.
No térreo, olho para todos os lados, e avisto através das paredes de
vidro, a Júlia entrando num táxi, corro gritando seu nome, com o desespero
de perdê-la, mas já é tarde.
Desligo o celular, o apertando no peito, as lágrimas de desilusão
caem dos meus olhos inchados. A imagem deles me perturba, minha
respiração ofegante acelera o meu coração e sinto uma leve pontada na minha
barriga. Massageio-a, implorando para que minha filhinha me acalme neste
momento perturbador. Encosto a cabeça no banco, querendo ser abduzida
para nada, como posso não acreditar na cena imunda que presenciei, como
ele pôde?
Como pôde me ferir assim!
— Moça, estou rodando sem rumo há um tempo, onde vai ficar?
— Eu não sei — respondo, secando as lágrimas com o dorso das mãos.
Realmente não sei, não vou para a casa da minha mãe — não agora.
Preciso ficar sozinha, não quero falar com ninguém. Olho, ainda distante, a
vegetação do parque do Ibirapuera.
Isso, preciso respirar.
— A senhorita está bem? — o taxista pergunta, concluindo que estou
perdida.
— Não, mas vou ficar... estacione no parque, moço.
Caminho sem direção pelo parque Ibirapuera, elevando meu corpo com
o vento suave que percorre entre as árvores. Um coração ferido e uma mente
bagunçada, é o que me impulsiona a sentar no gramado em frente ao lago.
Espio chorosa a família de patos passarem pela água, abraçada ao meu corpo
pequeno dolorido.
Encosto, cansada, no gramado, questionando aos céus a minha dor. O
Nicholas tinha razão sobre esses dois — são podres. Preciso desaparecer,
evaporar, preciso de silêncio e não quero nunca mais ver a cara do Ricky na
minha frente.
Ligo para a Guta, implorando seu colo, ela sai às pressas da
universidade para me encontrar. Tem várias ligações da minha mãe, com
certeza o Ricky foi à minha casa, envio uma mensagem curta, informando
que estou bem. E desligo o celular novamente, após xingar e excluir o
número do Ricky.
— Girl, vem cá. — Me encaixo nos braços abertos da Guta, encostando
a cabeça em seus ombros e soluçando entre seus cabelos. — Vamos para
minha casa, você está exausta.
Concordo, não conseguindo pronunciar uma palavra, estou engasgada
com a cena que presenciei.
Chegamos ao apartamento da Guta e do Johny, eles resolveram este ano
dividirem um apartamento, buscando suas independências e por estarem
crescendo na W.E. Para minha sorte, Johny ainda está na universidade, então,
posso curtir a calma que a Guta me passa. Tomo um longo banho quente,
colocando um pijama confortável da Guta.
— Quer falar agora, ou prefere o silêncio? — ela diz, deslizando suas
mãos leves no meu cabelo.
— Cheguei ao apartamento do Ricky, e vi a Duda nua, em cima dele —
falo, recordando a minha passagem pelo inferno.
— A Duda? — Ela pausa seus movimentos.
— Eu vi, Guta. Ninguém me contou. Os dois, no sofá.
— Júlia, tem algo errado, o Ricky é louco por você, e a Duda...
— Ela estava pelada, Guta. — Minha voz embarga. — Em cima dele.
Filha da puta dos infernos.
— Jú, não sei... nem o que dizer.
— Eu também não sei...

— Bom dia, dorminhoca. — Recebo um abraço quente de Johny. —


Quando cheguei, a senhorita estava dormindo.
— Bom dia, estava exausta. E com muita saudade de você, como foram
as férias?
— Incrível, Jú, mas eu e o Theo brigamos no caminho, então, estou na
fossa. — Curvando a boca insatisfeito, ele me entrega uma xícara de café.
— Ah, sei bem. — Olho ao redor, e agora consigo reparar como o
apartamento é uma gracinha e muito aconchegante. — Cadê a Guta?
— No banho, ela me disse que está tristinha, e com alguns problemas.
— Sim, mas se não se importa, não quero falar sobre isso.
— Ok, sem tristeza, vamos começar o dia com samba?
— Samba? — Sorrio. — Meu mundo desabando e você quer que eu
sambe?
— Já dizia o profeta, vamos sambar na cara da sociedade... Jú.
Johny, com sua alegria contagiante, faz o possível para me alegrar,
sambando e pagodeando ao meu redor, enquanto prepara torradas com geleia
para o nosso café.
— Vamos dançar um pouquinho, Jú.
— Obrigada, mas eu estou com dores na barriga hoje.
— Hum. — Ele cessa a cantoria. — Isso não é bom, melhor ir ao
médico.
Será mesmo?
Ontem, com todo aquele desgosto, senti dores e elas permanecem.
— Sim, talvez. — Pisco para ele. — Agora, passa esta torrada pra cá,
que a Camille tá babando dentro da minha barriga.
— Nossa, Jú, você grávida, quem podia imaginar...
— Nem eu podia, o acidente mais lindo da minha vida...
— Falta pouco, porque sua barriga está redondinha. — Ele me entrega o
prato com torradas.
— Estou indo para oitavo mês. — Mordo a torrada, faminta, nossa nem
eu sabia que estava com tanta fome. — Que delícia, céus...
— Eu que faço a geleia de frutas vermelhas, e o Théo ama. — Ele
esmorece ao se lembrar do namorado. — Aquele grosso, estou puto da vida
com ele.
— Infelizmente, não sou hoje a pessoa certa para te aconselhar,
desculpe.
— Que baixo-astral é este aqui? — Guta diz, entrando na sala. —
Dormiu bem? — pergunta, ao me abraçar carinhosamente.
— Sim, um pouco.
— Johny, agiliza, estamos atrasados. — Ela vira-se para mim. — Girl,
vamos ter que trabalhar, então, pode ficar à vontade.
— A casa é sua, Jú — Johny diz, antes de entrar no seu quarto.
— Jura, não vou atrapalhar?
— Claro que não, fique o tempo que precisar.
Observo os dois arrumados para o trabalho, que saudade eu tenho desta
agitação.
— Quando Camille nascer, eu volto ao trabalho, invejo vocês neste
momento...
— Claro, que sim. Lembra o que lhe disse, você que faz a sua estrada —
Guta recorda suas sábias palavras, que me fortaleceram num momento que
estava perdida. — Agora, tem certeza de que pode ficar sozinha?
— Sim, tenho, preciso pensar...
Johny e Guta vão para o trabalho e o silêncio do apartamento me retrai,
me obriga a recordar as cenas repugnantes de ontem, e novamente as
lágrimas voltam para os meus olhos. Tento me convencer de que pode ter
sido um engano, mas ao mesmo tempo os segundos que assisti, não me
permitem duvidar da minha inteligência.
Odeio o Ricky.
Como ele pôde fazer isso comigo?!
Permaneço no apartamento da Guta o resto do dia, não pretendo retornar
para a casa. Ligo para minha mãe, temos uma longa conversa e, pela primeira
vez, ela pede que eu raciocine e avalie tudo, já expondo o currículo da
Eduarda e de como tudo aconteceu. Contesto e me recuso a achar que Ricky é
inocente, meus olhos não mentem.
No dia seguinte, não consigo dormir com algumas dores na barriga,
decido permanecer na casa da Guta, sozinha me sinto tranquila e consigo
reorganizar minha vida.
Em meio às lágrimas, faço meus planos: vou voltar para a casa da minha
mãe até o nascimento de Camille, depois vou morar sozinha, pois a minha
mãe tem o bocó, quer dizer, seu namorado, então, melhor retomar a minha
vida. Quero trabalhar, voltar a sonhar com a minha carreira. E criar a minha
menininha, que será a minha companheira, como fui para minha mãe.
E nunca mais olhar na cara do Ricky.
No terceiro dia, estou me sentido melhor, ligo meu celular, constatando
mil ligações e mensagens perdidas do Ricky. Não leio as mensagens, não
faço questão de destinar meu tempo com pedidos mentirosos de desculpa.
Passo o dia mais tranquila, sem dores. Marco uma consulta para o dia
seguinte com meu médico, preciso saber como está a saúde de Camille, com
todo este transtorno que passei.
No final da tarde, decido ler um pouco, procuro na estante da Guta algo
que me agrade, tem vários romances que adoro, mas não quero — sem clima
para romance. Mexendo nas prateleiras, deixo por distração uma pilha de
livros cair no chão, tenho dificuldade para abaixar, sinto uma dor latejar nas
minhas costas, então não forço uma descida e sento no sofá. Levo um susto
quando ouço o interfone tocar, e xingo, negando em ter que atendê-lo. Mas
pode ser algo importante para a Guta ou o Johny, aliás estou na casa deles.
O porteiro, totalmente nervoso, me informa que um homem está
querendo subir a todo o custo, se eu autorizo ou não. É claro que quando ele
informa ser o Ricky, um tornado de sentimentos me envolve, fazendo meu
coração ferido sangrar ainda mais. Não autorizo e digo para ele o mandar
embora.
Desligo o interfone, quase o espatifando na parede, de nervoso. E deito
no sofá, apertando uma almofada contra o peito, querendo que ela me acalme.
O que ele faz aqui?
Não vou falar com ele, jamais vou perdoá-lo por ter me traído tão
cruelmente, com aquela filha da puta mentirosa.
— JÚLIAAAAAA...
Ouço o Ricky berrar, seus gritos ultrapassam a janela aberta.
— JÚLIAAAAAA, POR FAVOR...
E cada vez mais alto, ele implora a minha atenção, tapo os ouvidos com
a palma das mãos, não querendo fechar a janela para que meus olhos
inchados espiem sua imagem lá embaixo. Encolho meu corpo no sofá,
implorando força, como dói, como dói... eu o amo tanto.
— JÚLIAAAAAA...
Sua voz rouca me atinge e me sufoca, como quero gritar com ele, xingá-
lo, jogar na sua cara o sofrimento maldito que meu corpo sente agora. Vou
até a janela, decidida a fechá-la, sem olhar para baixo, mas não contenho
minha tristeza e avisto Ricky, em frente ao prédio, discutindo com o porteiro,
que solicita a sua saída.
— Vai embora, Ricky — grito, do quarto andar.
Ele me olha com os olhos vermelhos, chacoalhando a cabeça, negando o
meu pedido.
— Por favor, meu amor. Fale comigo.
— Não, Ricky, não temos o que falar, vai embora — digo, dura, com os
olhos embaçados.
— Júlia, pelo amor de Deus, fale comigo...
— Não, Ricky, me deixa em paz...
— Não saio daqui, sem falar com você, por favor...
— Não me importo.
Fecho a janela, a cobrindo com a cortina.

— Júlia, olha para mim, não é melhor vocês conversarem? Talvez ainda
possa ter uma explicação clara sobre tudo — comenta Guta, enquanto espia o
Ricky pela a janela.
— Por que disse que eu estava aqui?
— Ele me pressionou na empresa, poxa, ele ainda é meu chefe... Pensa
no que eu disse, quem sabe haja uma explicação.
— Não há explicação no mundo, que desminta o que vi, então não, me
nego ao ouvir desculpas — afirmo, tentando me concentrar no filme que
passa na TV. — Qual o nome desse filme mesmo?
— Toda história tem dois lados — Johny diz, entrando na sala. —
Conversa com ele.
— Este é o nome do filme?
— Do filme da sua vida, garota — ele conclui.
— Não vou falar com ele... e ponto final.
Ouvimos o interfone tocar e Guta vai atender.
— Com certeza é o porteiro — ela diz, antes de pegar o interfone. — Oi,
não será preciso... como? Espera um momento... — Ela me encara com os
olhos arregalados. — Júlia, chamaram a polícia para o Ricky, por perturbar
ambiente familiar, vão prendê-lo, Júlia.
Arqueio uma sobrancelha, pensando no assunto.
— Desce, Jú, fala com ele — Johny completa, me incentivando a ouvi-
lo.
Não quero, dane-se.
— Que chamem, ele é milionário, não fica um minuto na delegacia.
Levanto e vou para o quarto, com os olhares surpresos de Guta e Johny
sobre mim.
Entro no meu apartamento na presença de César, com sua ajuda,
fui liberado da delegacia, depois de desacatar os policiais e quase arrebentar
aquele porteiro imbecil.
— Ricky, irmão, você tem que se controlar cara, as coisas não
funcionam assim...
— Então, como são? Aquela maldita da Eduarda acabou com a minha
vida, César, a Júlia não vai me perdoar e, além de tudo, ela está grávida,
imagina a tragédia que este desgosto pode causar.
César ouve o meu desabafo, me entregando em seguida uma dose de
uísque.
— Tome, talvez anestesie a dor no seu peito.
Hesito por um instante, com o copo na mira dos meus olhos. Contudo,
encher a cara talvez me faça esquecer o buraco em que estou. Pego o copo e
viro de uma vez, apertando o rosto com o sabor amargo da bebida.
— César, perdi minha garota — digo, sentando no sofá, e jogando as
costas sobre o encosto. — A Júlia não vai me perdoar...
— Vocês ainda vão ter a oportunidade de conversar, só não faça
nenhuma besteira.
— César, não sei...
São as minhas últimas palavras, antes de cair no sono, com uma dor
intensa no peito e um corpo cansado.

— Ricky... Ricky...
Ouço uma voz me chamar e demora um pouco para que meu cérebro
acorde, abro os olhos pesados, tentando despertar.
— Nicholas? — digo, enquanto esfrego o rosto com as mãos. — O que
faz aqui?
— Eu... — Nicholas enruga a testa, e pela sua expressão, estou
detonado. — O que houve com você?
— Preciso de um banho. — Levanto com dificuldade e vou para o
quarto. — Espere, precisamos conversar — grito, antes de entrar no banheiro.
Minha cabeça lateja com meus pensamentos, permaneço embaixo
d’água, implorando que tudo seja uma grande piada de mau gosto. No
entanto, realmente o mundo desmoronou sobre a minha cabeça.
— O que aconteceu aqui? — Nicholas procura saber, assim que eu
retorno para a sala.
— Sua profecia se cumpriu, a Eduarda acabou com a minha vida.
Balanço a cabeça, negando o nome dessa mulher, e início brutalmente o
preparo do café, estou com uma fúria dentro de mim, que se quebrasse este
apartamento inteiro, ainda assim, não seria o suficiente.
— O aconteceu quando saí?
— Ela me agarrou, nua, e a Júlia viu.
— Como?
— Exatamente isso, ela fez parecer que estávamos nos pegando no sofá.
— Soco a parede, lembrando o momento em que eu mesmo devia a ter
enforcado. — Agora, eu perdi a Júlia.
— Porra, a vagabunda se superou...
— Eu realmente estou perdido, não sei mais o que fazer. — O encaro.
— Sei que temos que conversar, pois ontem soubemos enfim o que
aconteceu, porém, agora não consigo, desculpe.
Nicholas me ouve e não diz nada. Caminha até a janela e se anula com
seus pensamentos. Também não consigo dizer mais nada, estou desnorteado
com os meus problemas, mais uma vez me encontro encurralado, sem
respostas ou saída. Preciso encontrar uma forma de mostrar a verdade para a
Júlia.
— Onde está a puta? — Nicholas quebra o silêncio com sua pergunta.
— Com certeza no hospital, e vou encontrar com ela, só espero estar
sóbrio para não a matar.
Nicholas solta um som semelhante a um sorriso. E vai em direção à
porta.
— Tenho que ir. — E sai.
Fico observando sua partida, e a esperança de que algum dia possamos
recomeçar, faz com que pensamentos bons passem pela minha cabeça. Ouço
o meu celular tocar, e como um gatilho, o procuro, na expectativa de ser
minha linda. Então reviro o apartamento, rastreando através do som o
aparelho. Por fim, o encontro jogado no chão, deve ter caído quando entrei no
banheiro, olho a tela, infelizmente não é a Júlia, e sim o doutor Almeida. Me
informando que o Enzo vai para a UTI.
Apresso-me em ir para o hospital.
O Enzo permanece na fila do transplante, e mesmo com toda comoção
em torno da campanha, não encontramos ninguém.
Antes mesmo de chegar ao quarto do Enzo, encontro o doutor Almeida
no corredor, que vem às pressas ao meu encontro.
— Richard. — Ele estende a mão para me cumprimentar.
— Doutor. O que houve?
— O Enzo está com muita dor, o transferimos para a UTI.
— Como assim? Quero vê-lo.
Doutor Almeida concorda.
Meus olhos ardem, assim que o vejo distante através do vidro, pálido,
inconsciente, deitado sobre cama, sua imagem me apavora, e sinto-me um
inválido — por não poder fazer nada. Ouço um choro sufocado atrás de mim,
viro-me, é a Eduarda, suas mãos sufocam seu desespero, e seus olhos
lacrimejantes me encaram.
— Ele não vai morrer, Ricky, diga-me... ele não vai morrer — ela
murmura.
— Não, ele não vai...
— Preciso que saiam — doutor Almeida nos interrompe.
Rejeitamos o seu pedido, porém, ele insiste que não podemos
permanecer, até que uma movimentação estranha de outros médicos ao redor
do Enzo chama a atenção, ele corre para dentro. Enquanto Eduarda e eu
ficamos desesperados em busca de notícias, mas somos retirados por duas
enfermeiras.
Praticamente me jogo nos braços da minha mãe, assim que ela
abre a porta, me acomodo em seu colo e novamente conversamos. Ela escuta,
porém, não me aconselha ou banca a advogada, apenas deixa eu chorar e
desabafar a dor no meu peito. Embora soubesse que tenho que conversar com
Ricky, pois teremos uma filha, e sim, teremos um vínculo eterno, não farei
agora, vou esperar o meu coração parar de sangrar.
E vou esquecer este amor, sei que vou.
Instalo-me novamente no meu quarto, tão meu, e tento reorganizar o que
farei nas próximas 24 horas, minha mãe teve uma urgência na obra do salão
que pretende inaugurar. Deixando-me sozinha com os meus pensamentos, e
com uma leve dorzinha na lombar, como tenho uma consulta hoje, me
acalmo, por ora.
Deito entre muitas almofadas, pois estou sem posição, acaricio a minha
barriga, confidenciando, ainda tímida, algumas mágoas, para a minha
felicidade e emoção, Camille corresponde, movendo-se grandemente no seu
pequeno lar.

Batidas na porta me despertam de um sono leve.


Retrai-o com a possibilidade de ser o Ricky, então, nas pontas dos pés
vou até a porta, e verifico, para a minha surpresa, ser o Nicholas.
Fico confusa com a visita.
O que ele faz aqui?
— Cunhada, abre, preciso falar contigo.
Permaneço quieta, com dúvida, e muito curiosa com a pergunta que me
ronda, falar a favor do Ricky, ele não veio, então o quê?
— O que quer, Nicholas? — pergunto, após abrir a porta.
— Nossa, por que demorou tanto?
— Responde, o que faz aqui?
— Preciso falar com você!
— Sobre?
Ele me avalia por um instante.
— Como você é antipática.
— Hein?
— É importante.
Não sei por que confio nele. Dou as costas, o deixando entrar.
— Fale o que quer, Nicholas.
Ela permanece quieto, olhando ao redor.
— Vocês gostam de morar em cubículos?
Arqueio uma sobrancelha.
— Fale o que quer, Nicholas, ou saia.
— Seus olhos estão inchados, o que houve?
— Não é da sua conta. — Vou em busca do sofá, a dor na lombar me
incomoda mais que antes.
Ele nota a minha barriga.
— A última vez que a vi, não tinha está barriga, aí.
— Nos vimos em Los Angeles, aliás, tenho que devolver sua jaqueta. —
Sinto um desconforto nas costas, e movo-me mudando de posição.
— Você está bem?
— Estou com dor nas costas, só isso.
— Então, o Ricky vai ser pai... de novo?
Seu tom é leve, porém sua pergunta soa magoa.
— O Ricky e eu... — Uma cólica surge, deixando meu corpo inquieto no
sofá.
— Precisa de algo?
Nicholas gentil? Estou começando a ficar assustada.
— Preciso que diga o que veio fazer aqui... Ai... — Gemo, após receber
uma pontada dolorida no pé da barriga. — Nossa, que dor...
Nicholas me observa, permanecendo afastado.
E novamente sinto a mesma dor, porém, mais forte, e ela permanece
cada vez mais tensa.
— Nicholas, dói muito...
— O que eu faço, te levo ou chamo uma ambulância?
— Vamos para o hospital, tem algo errado... aí....
Espremo meu rosto com a dor e aperto minha barriga, como se quisesse
proteger Camille. E um medo me domina, não quero perder minha filha...
— Júlia, eu levo você, vem. — Nicholas se posiciona para me pegar no
colo e observa minha calça legging. — Júlia, você está sangrando muito. —
O ouço falar, mas estou tomada por uma cólica, que lateja todo o meu corpo.
Nicholas me conduz para o carro e não consigo raciocinar no caminho.
Somente gemer e implorar que ele chegue logo.
Assim que estacionamos na emergência, ele, com desespero, me retira
do carro, clamando por ajuda, vejo movimentações ao meu redor, mas estou
muito fraca para entender ou reagir. Somente sei que tenho que me lembrar
de algo, alguma coisa importante, muito importante...
— Júlia, vai ficar tudo bem, vou avisar o Ricky.
— Doutor Almeida... avisa...
Aguardamos no corredor notícias do Enzo, aflitos por toda a
movimentação ao redor da UTI. Me recuso a pensar no pior, ele vai ficar
bem, sei que vai. Eduarda, distante, encolhe seu corpo rente à parede, tenho
muito a cobrar, mas agora não é o momento.
— Precisa de alguma coisa? — pergunto, quando me aproximo.
— Não. — Ela permanece de cabeça baixa, e percebo gotas da sua
tristeza caírem sobre sua calça jeans. — Não posso perder meu filho.
— Não vamos perdê-lo...
Nós nos viramos quando ouvimos a porta abrir, e a imagens do doutor
Almeida, cabisbaixo, nos impede de reagir. Então permanecemos intactos,
esperando suas palavras, sofrendo com a espera.
— Richard, Eduarda, ele está sedado por conta da dor, estamos fazendo
o possível para salvá-lo, mas...
— Mas...? Ele tem risco de morte? — Eduarda murmura.
— Ele encontra-se muito debilitado, e...
Eduarda não controla seu choro, assim como eu não consigo aceitar este
diagnóstico tão cruel. Enzo é somente um garoto, por quê?
Meu celular toca e, ainda com os olhos fixos no doutor, que tenta, de
alguma forma, consolar Eduarda, atendo, sem identificar.
— Alô... Nicholas! Como? Eu estou aqui com Enzo... Agora? Estou
indo... eu não sei... Doutor Almeida, sim, não entendo, certo... Me mande o
endereço.
Desligo o celular com os olhos saltados.
— Richard, o que houve? — o doutor pergunta, colocando a mão no
meu ombro.
— A Júlia... ela... tenho que ir...
— A Júlia está grávida, certo? — ele pergunta, tentando entender a
confusão das minhas palavras.
— Sim, meu irmão está com ela... e parece que ela sentia muita dor e
sangrou... citou o seu nome... eu...
— Sim, claro. — Ele me encara e vejo seu rosto se acender como uma
tocha. — Se a Júlia estiver em trabalho de parto, temos chance de salvar o
Enzo, com as células tronco do cordão umbilical.
— Temos? — indaga Eduarda.
— Sim, já tinha colocado a possibilidade, mas a Júlia estava no início da
gravidez, achei melhor mencionar somente a ela.
Meu Deus, minha filha vai nascer, e podemos salvar o Enzo, permaneço
perdido.
— Temos que ir, doutor, mas e o Enzo?
— Precisamos saber o estado da Júlia... De qualquer forma, tenho que
preparar o Enzo para a cirurgia, não arriscaria uma anestesia geral nele agora,
precisamos ir ao hospital, Richard. Temos que fazer a coleta no corte do
cordão.
Confirmo, tentando me acalmar, preciso de equilíbrio.
Deixamos a Eduarda no hospital, aguardando o nosso retorno, e vamos
ao encontro da minha linda. Me culpo por um instante, pois devia estar ao seu
lado neste momento, me agrido mentalmente, concluindo que o nervoso
causado pela cena lastimável, a levou ao limite.
Não vou me perdoar se algo acontecer com elas, não vou.
Chegamos e encontramos o Nicholas, surge a dúvida: o que ele fazia
com a Júlia? Entretanto, deixo a questão de lado e concentro minha atenção
nos fatos, ele nos explica tudo, um pouco nervoso, confesso nunca ter o visto
assim — tão solidário. Doutor Almeida apressa-se em procurar o respaldo da
equipe médica, e some atrás das portas de emergência, as quais não podemos
ultrapassar.
— A Júlia estava com muita dor — ele fala, após estarmos um tempo
em silêncio.
— O que fazia com ela? — indago.
— Não sei, somente fui vê-la...
— Não sabe? Como assim, como descobriu o endereço?
Nicholas foge dos meus olhos confusos.
— Acompanhante de Júlia Sales? — Uma enfermeira anuncia o nome
da Júlia.
— Eu! — respondemos juntos.
Encaro-o, surpreso com sua reação.
— Desculpe. — Ele se afasta.
— Sou eu. — Avanço em direção à mulher.
— Qual seu nome? E grau de parentesco?
— Richard McGuire, e sou o...
A mulher arqueia uma sobrancelha, aguardando a minha resposta.
— O namorado dela e pai da... O que houve?
A mulher desvia os olhos para o que parece ser uma ficha, anota as
informações cedidas e volta-se para mim.
— A Júlia está bem, induzimos o parto para o nascimento de uma linda
menininha.
Respiro, aliviado, socando o ar em agradecimento, desvio o olhar para o
meu irmão que com um sorrio demonstra estar feliz.
— Quando vou poder vê-las?
— Em alguns minutos, avisaremos, com licença. — Ela sai.
Permaneço parado no meio da sala de espera, ainda anestesiado com a
notícia, meu coração acalma-se com a chegada da minha filha, e com a
esperança de que o Enzo possa ter uma chance de cura. Desvio os olhos para
Nicholas, e tê-lo ao meu lado, desarmado, me remete ao passado, quando
ainda éramos irmãos e amigos.
— Nicholas, não sei como te agradecer.
— Foi um acaso eu estar lá.
— Sim, foi.
Então, com um impulso, estendo a mão para cumprimentá-lo, buscando
no meu ato o fim para esse percalço que vivemos esses anos. Nicholas não
retribui, permanece inerte, e desvia os olhos para minha mão estendida.
— Richard.
Viro-me com o chamado, concluindo ser o doutor Almeida.
— Doutor, deu certo?
— Sim, fiz a coleta. — Ele solta o ar. — E agora vou preparar o Enzo
em dois dias para a cirurgia, estou muito positivo que vamos conseguir.
Abraço-o, não contento o calor da notícia, sacudindo o doutor entre
meus braços.
— Obrigado, doutor.
— Ok, você é forte, mais um desse e quebra a minha coluna.
— Me empolguei, desculpe...
— Agora, acredito que queira ver a Júlia.
— Sim, é o que mais quero.
— Parabéns, sua menina é linda.
— Obrigado.
— Vou para o hospital, nos vemos mais tarde?
— Sim, doutor e, mais uma vez, obrigado.
Ele assente, saindo em seguida. Volto o meu olhar para o Nicholas.
— Ela não vai querer me ver?
— Acho que não — afirma.
— Richard. — A mesma mulher aparece novamente, anunciando meu
nome. — Vamos ver sua filha?

Uma grande parede de vidro me impede de pegar Camille, ainda no


berçário, a enfermaria me mostra em qual bercinho está a minha linda
princesa, fico comtemplando seus movimentos, tão pequenos e limitados.
Camille é bem menor que os outros bebês, por ser prematura, tem um choro
forte, cabelinhos pretos, porém, ainda bem poucos, em sua pequena
cabecinha.
— São todos iguais — comenta Nicholas, ao meu lado. — Se você
misturar, impossível encontrar, todos enrugados e miúdos.
Arqueio uma sobrancelha, com seu comentário zombador.
— Brincadeira, cara. — Ele sorri. — Relaxa...
Perco-me, observando Camille, imaginando como aguardávamos sua
chegada, e agora ela está aqui, entre nós, linda e forte.
— Agora, você pode ver a mãe — diz a mulher, aparecendo súbita ao
meu lado.
Concordo, a seguindo pelo corredor, na companhia do Nicholas.
— Quarto 305 — ela indica, me deixando na entrada do corredor.
Meus olhos percorrem aquele corredor extenso.
— Ricky, eu tenho que ir, conversamos depois — ele se despede às
pressas, não me dando chances de dizer nada e vai embora.
Antes de entrar, ligo para a mãe da Júlia, que com todos os
acontecimentos, esqueci de avisá-la. Logo depois, bato duas vezes na porta e
abro, sem esperar o consentimento. Júlia, arregala os olhos, assim que me vê,
se ajeitando na cama.
— Melhor não se mover — digo, suave, me posicionando ao seu lado.
— Como está se sentindo?
Júlia me assiste por alguns minutos, desviando o olhar.
— Nossa menininha é linda. — Me aproximo, girando seu rosto para
que meus olhos encontrem os seus. — Eu te amo.
Seus olhos escurecem com as minhas palavras e sua mão retira meu
toque do seu rosto.
— Sério? — Seu tom duro me reprova. — Não toca mais em mim,
Richard. E saia daqui. — Sua voz embargada.
— Júlia, sei que agora não é o momento, mas precisamos conversar.
— Não, eu não falo mais com você, e sinceramente estou cansada com o
susto, me deixa sozinha...
Seus olhos caem, me negando uma chance, concluo ir embora, sei que
agora não é o momento.
— Certo — afirmo, a minha partida, com um gesto de cabeça. — Mas,
não pense que desisti de você...
A porta é aberta.
— Olha quem veio ver a mamãe. — A enfermeira empurra o bercinho
de Camille até a cama da Júlia.
— Camille...
Júlia ilumina o quarto com seu sorriso, e não consigo partir, nossos
olhares estão naquela pequena princesinha embrulhada num coberto lilás, a
enfermeira, com muito cuidado, entrega Camille nos braços da Júlia, que
meio sem jeito a segura contra o peito.
— Meu Deus, ela é linda. — Júlia passa os dedos suavemente nos fios
negros do cabelinho arrepiado de Camille. — Cabelos negros, iguais aos do
pai.
Seus olhos duros me encaram.
— E linda igual a mãe — digo, na tentativa de uma aproximação.
Este momento era para ser nosso, juntos receberíamos a nossa garotinha.
Não vou permitir que permaneça esse mal entendido entre nós.
Tenho que fazer algo!
— Você... — Ela curva os lábios. — Quer segurar ela um pouquinho?
Balanço a cabeça, emocionado, ansiava em tocar minha garotinha. Me
aproximo lentamente, nervoso, acho que nunca segurei um recém-nascido na
vida, estico os braços que neste momento perco o controle, e a recebo, ajeito-
a, temendo deixá-la cair, de tão sensível, e tenho sobre mim o olhar atento da
Júlia, que com o rosto leve aprecia o nosso contato.
Afasto-me lentamente, andando pelo quarto, valorizando o momento,
não consigo desviar meus olhos, Camille sonolenta boceja fazendo um
biquinho com seus lábios finos, e eu bobo e entregue, sorrio com seu
movimento. Depois faz uma careta, como se algo a incomodasse, e um choro
fino invade o quarto.
— Agora ela está com fome — a enfermeira comenta. — Vamos
preparar esses seios para alimentá-la, Júlia?
— Eu não sei — Júlia responde, confusa. — Me ajuda, por favor.
— Claro, mãezinha.
A enfermeira, com muito cuidado, retira a Camille dos meus braços,
para o meu lamento, e a coloca nos de Júlia.
Fico parado, comtemplando toda a preparação para a primeira
alimentação de Camille.
— Richard, como está o Enzo?
— Ele vai ficar bem, Camille chegou no momento certo.
Júlia abre um leve sorriso, concordando com as minhas palavras.
— Agora, se não se importa... — ela sugere a minha saída.
— Certo — concordo, não contendo o desejo de deixar em sua testa um
beijo, ela o recebe de olhos fechados. Me despeço de Camille, com carícias
em seu rostinho e vou embora.
Meus olhos, ainda apertados, liberam as lágrimas presas desde o
momento que Ricky entrou no quarto. Como é difícil estar perto dele e saber
que o nosso amor foi quebrado por uma traição. Estou tão machucada e
decepcionada, que não quero amar nunca mais, pode demorar, mas vou me
livrar deste sentimento no meu coração.
Até porque, agora tenho uma linda paisagem, deitada no meu colo,
faminta pela a minha atenção.
— Júlia, tudo bem? — pergunta a enfermeira, preocupada com as
lágrimas contínuas nos meus olhos.
— Sim, estou um pouco apreensiva, nunca fiz isso.
A enfermeira entende a minha aflição, me auxiliando com todo o
processo de amamentação. Confesso, sou um pouco destrambelhada com
tudo, mas consigo me encontrar, enquanto os olhinhos mel de Camille, como
os do pai, para a minha lembrança, me encaram, sugando meu leite.
Não demora muito tempo para a chegada chorosa da minha mãe, ela
entra, falando como um papagaio, me beija, me xinga, me chamando de
irresponsável, enfim, é a dona Ana de sempre. Quando sua neta vai para os
seus braços, ela estremece e derrete como manteiga de felicidade.
Recebo as visitas de Johny e Guta, que histéricos, babam ao redor de
Camille.
Senti falta de agradecer ao Nicholas, acabei me esquecendo de perguntar
sobre ele para o Ricky, até porque o clima entre nós não era favorável, mas
tenho que agradecer e saber, por pura curiosidade, o que o levou à minha
casa.
No dia seguinte, estou caminhando normalmente, este é o benefício do
parto normal. Aprendi com a enfermeira a dar banho na Camille, e claro, me
apavorei, minha mãe se encarregou de buscar na casa do Ricky, roupas para
vesti-la, já que a apressadinha chegou de surpresa.
— Júlia, vou levar Camille para os últimos exames, assim as duas sairão
de alta amanhã — diz a enfermeira, carregando com ela o meu pacotinho
lilás.
Confirmo, já me sentido incompleta com sua ausência. Que loucura,
como amo incondicionalmente este serzinho.
Assusto-me quando batem à porta.
— Entra — grito, após sentar para descansar na poltrona.
— Oi.
A voz rouca de Ricky, estremece meu corpo.
— Ricky, a Camille acabou de sair para fazer exames — digo, me
movendo na poltrona, desconfortável com sua presença.
— Eu sei, a vi com a enfermeira no corredor. — Seus olhos descem para
sua mão. — Trouxe flores. — Ele ergue o braço na altura dos olhos, cobrindo
seu rosto com um belo buquê de rosas vermelhas.
Céus, amo flores, assim como o amo.
No entanto, estou ferida, a combinação exposta não me impressiona
mais.
— Ok, coloque na mesa.
Ele entende minha frieza, colocando o buquê sobre a mesa, e se
aproximando, para o meu desespero.
— Júlia, eu...
— Fique onde está, não se aproxime.
— Me escuta, por favor...
— Não, sem desculpas, Ricky.
— Eu não trairia você, como pode duvidar assim...
— Duvidar? — Sorrio, nervosa. — Eu vi, ninguém me contou. Há
quanto tempo, vocês me fazem de idiota?
— Júlia, pelo amor de Deus, aquilo foi um engano...
— Você ainda quer me fazer de idiota? Como sou burra.
Argh!
Levanto, caminhando até a janela, preciso de ar.
Ricky vem ao meu encontro, parando ao meu lado.
— A Eduarda, ela...
— Aquela ali é outra. — Solto ar dos pulmões para não sufocar com o
meu ódio. — Agora a família está completa, vocês se merecem.
Ricky me gira, segurando-me pelos braços, me obrigando a olhá-lo nos
olhos.
— Olha para mim, Júlia — exige.
— Me solta, Ricky.
Seus olhos intensos me imploram, e seus braços desesperados me
abraçam para que o meu coração possa escutar as batidas fortes do dele.
Posso sentir sua respiração no meu ouvido, quente e forte.
— Não fiz isso... acredita em mim.
— Ela estava pelada, em cima de você, Ricky — Não contenho as
lágrimas ao lembrar a cena. — Em cima de você.
Ele se afasta.
— Você não acredita em mim? — Seu tom não é tão suave como antes.
— Não acredita no meu amor por você?
Não consigo responder, são muitas incertezas que preenchem minha
mente. Estou perdida com os meus sentimentos, indecisa com tudo que
construímos juntos.
— Certo, pensei que me conhecesse o suficiente para ter a certeza de
que não faria algo tão sujo com você.
— Não é a primeira vez que você comete algo sujo assim, e engraçado,
com a mesma pessoa.
Dura, magoada e cruel — é o tom das minhas palavras.
Ricky se surpreende com a minha alegação, balançando a cabeça,
negando.
— Chega, Ricky... Não vamos nos magoar, acabou.
Ele arregala os olhos.
— É o fim, Júlia?
— Sim, agora vai embora.
Ele concorda e simplesmente sai.
Retorno para o meu apartamento, quebrando com a revolta tudo
que aparece à minha frente, como posso perder a pessoa que me mostrou
caminhos que já mais pensei percorrer? Ao mesmo tempo, estou furioso com
a fato de as minhas palavras não serem o suficiente para esclarecer a verdade.
Me entreguei por completo para a Júlia, e não foi o bastante para ela
acreditar.
Ela estava tão dura e inflexível.
São tantos os problemas ao meu redor, que não consigo pensar direito,
hoje o Enzo fará a cirurgia, e estamos apreensivos com o resultado. Embora o
transplante seja a única maneira de curá-lo, ainda há risco. Tomo um longo
banho, para recuperar as energias, preciso passar para um certo garoto a
esperança de uma nova vida.
— Ricky, tudo bem? — Eduarda pergunta, assim que entra na sala de
espera.
— Não muito, depois que você acabou com a minha vida. — A encaro
com firmeza. — Não pense que acabou, assim que tudo isso passar, teremos
nossa conversa.
— Eu...
— Fale comigo somente o necessário. — Saio, a deixando parada no
meio da sala.
Vou em direção ao quarto do Enzo, por mais que o doutor Almeida
solicitou que aguardássemos, estou impaciente, e não consigo ficar no mesmo
ambiente sem querer matar a Eduarda. Entro no quarto, vazio, e começo a
caminhar de um lado para o outro, à procura de algo, alguma coisa que possa
acalmar meu coração.
— Richard — doutor Almeida interrompe meus pensamentos. —
Vamos iniciar. — Ele se aproxima. — O processo não é demorado, mas
verão o Enzo somente no final da tarde, fique bem.
Ele coloca a mão sobre o meu ombro, como se sentisse que estou
completamente perdido e perturbado com meus pensamentos. Não consigo
falar nada, somente concordar. Continuo dentro do quarto do Enzo, com seu
boneco do Homem-Aranha nas mãos. Todos os momentos incríveis que
tivemos me passam pela memória, como recordações felizes. Hoje sei que o
meu mundo não seria mais o mesmo sem ele.
Permaneço no quarto até o final da cirurgia, consegui ao menos ficar
mais tranquilo. Desejo imensamente que a Eduarda não apareça na minha
frente, para que o meu descontrole não retorne para o meu corpo. Em vários
momentos, a imagem linda da Júlia me vem à cabeça, assim como o ódio de
não a ter mais ao meu lado, me assombra. Não entendo, como toda a minha
entrega não foi o suficiente para que ela ao menos me permitisse explicar.
Quando o Enzo retorna para o quarto, na presença do doutor Almeida e
da Eduarda, a quem eu faço questão de ignorar, é como se o sol nascesse
novamente, mesmo muito abatido, ele sorri levemente, fala poucas palavras e
não solta a minha mão.
— Ricky, podemos conversar lá fora? — o doutor pergunta.
— Claro. — Olho para o Enzo. — Já volto, garotão, com licença,
Eduarda.
Ela assente, ocupando o meu lugar ao lado do Enzo.
— Ricky, a cirurgia foi um sucesso, e acredito que nos próximos meses
podemos considerar uma verdadeira vitória.
— Uma cura? — indago.
— Sim, uma cura — ele afirma, estampando em seu rosto uma
felicidade imensa. — Rejuvenesço um pouco, quando tenho sucesso com
meus pacientes.
— Então, posso lhe dar outro abraço daqueles — sugiro, abrindo os
braços.
— Melhor, não. — Ele sorri.
— Quanto tempo ele vai permanecer aqui?
— Acredito que um mês, ainda temos que monitorar sua imunidade, mas
depois, vida normal.
— Muito bom ouvir isso.
— Ele terá um vínculo especial com sua irmãzinha, acredite.
— Camille chegou na hora certa.
— Sim, entregue meu abraço para a Júlia.
— Claro, pode deixar. — Nos abraçamos levemente.
Retorno para o quarto e o Enzo descansa em um sono leve. O observo
por alguns minutos, até desviar meus olhos para a Eduarda, que me encara
desde quando entrei.
— Amanhã, teremos uma reunião com o meu advogado, onde
acertaremos todos os detalhes em relação ao Enzo. Inclusive, o registro —
digo, baixo, para não o acordar
— Eu...
— Você o quê?
— Desculpe!
— Suas desculpas cínicas não são o suficiente. Somente não envolva o
Enzo nesta merda toda, estou separando as coisas, espero que faça o mesmo.
— Claro, eu...
— Eduarda, suas atitudes causaram estragos irreparáveis. A Camille
salvou a vida do Enzo, mas também poderia ter acontecido uma tragédia, por
conta da cena que você provocou. — Chego mais próximo a ela, pois alterei
um pouco a voz. — Então, quero você longe da minha família, fui claro?
— Sim... Eu me arrependi, por tudo.
— Confiei em você uma vez, agora não acredito mais no seu
arrependimento. Entenda, só permaneço falando com você pelo Enzo. Eu juro
que se você aprontar mais alguma coisa, nem ele salva sua pele.
Ela inicia algumas palavras, mas ignoro, indo até o Enzo e o beijando
antes de sair.
Tenho que ver alguém importante.
Ligo para o meu irmão, que concorda em termos a nossa conversa,
precisamos colocar um ponto final nesta história.
Quando entro em seu apartamento, ficamos ainda estranhos um com o
outro, é difícil mencionar o passado, é como se revivêssemos aquela noite.
Então, conversamos sobre outra coisa.
— Como estão os imóveis para as boates?
— Concluo a compra hoje, embarco amanhã para o Rio de Janeiro, para
fechar um grande galpão lá, estou entusiasmado — diz, enquanto prepara
duas doses de uísque.
Recebo de sua mão minha dose, a virando de uma vez, pois estou
cansado e preciso relaxar. Nicholas me olha atentamente, assistindo à minha
aflição.
— A cunhada, como está?
— Ela e Camille estão bem...
— E vocês?
— Ela terminou comigo, com ódio nos olhos.
— E agora?
— Não tem agora, acabou, por mais que eu diga, ela não acredita...
assim como você não acreditou.
Nicholas pausa o seu movimento, refletindo um pouco.
— A imagem Ricky, ela permanece, nos atormenta, nos faz duvidar do
lógico. Como me enganei com aquela mulher, e quantos anos desperdicei
alimentando um ódio, que agora...
Ele hesita, tomando um gole da sua bebida.
— Acabou?
— Sim, acabou.
Nossos olhares, agora mais tranquilos, são capazes de entender que
podemos recomeçar, mesmo com tudo que aconteceu, nunca ficamos
afastados, mesmo nos afrontando, estávamos ali, juntos, então acredito que o
tempo possa trazer de volta o respeito e a admiração que temos um pelo
outro.
Pego-me em frente à janela, sofrendo igual a uma idiota, toda vez
que alguém bate à porta, espero que seja o Ricky, tentando me convencer de
que tudo é um engano e ao mesmo tempo quero socar a cara dele, por ter
feito algo tão nojento comigo.
— Vamos, Júlia, estão de alta — diz minha mãe, entrando no quarto.
— Sim, vamos embora. — Pego a Camille em meus braços, tentando
alegrar-me com seu rostinho puro.
— Filha, o que foi?
— Eu o amo muito, mãe, como vai ser agora?
— Conversamos, e não vou me envolver, sempre falei que vocês não
fazem bem um para o outro, porém, agora tem a Camille e as coisas
mudaram.
Sim, vamos ter que conviver.
E isso me dói ainda mais.
— Eu sei, mãe, vamos embora, preciso pensar.
Nós nos dirigimos para a saída, e na recepção encontro à minha espera o
motorista do Ricky.
— O que faz aqui? — pergunto, assim que ele se aproxima. — Vou para
a casa da minha mãe.
— Eu sei, senhorita Júlia.
— Então, por que o Ricky te mandou?
— Estou à sua disposição para levá-la em casa.
— Ótimo, vamos com ele — minha mãe interrompe. — O carro é maior,
Júlia.
— Mas... e seu carro?
— Pego depois, vamos!
Minha mãe praticamente me empurra para o motorista, que a auxilia
com as bolsas, descemos para o estacionamento. Acomodo Camille
delicadamente no conforto, agradecendo por ser tão boazinha. Minha mãe
senta no banco da frente, para que eu tenha mais espaço no banco detrás.
— Tudo bem aí atrás, filha? — minha mãe pergunta, observando
Camille.
— Sim.
Escoro minha cabeça no banco, sentindo, para minha tortura, o perfume
do Ricky no interior do carro, sorrio com a saudade, fechando o rosto em
seguida com a lembrança nojenta.
— Podemos ir, senhorita Júlia? — o motorista pergunta.
— Sim, devagar, por favor.
O carro avança pelo estacionamento, circulando entre os veículos e
saindo para a avenida, deixo cair o meu rosto para observar o sono tranquilo
de Camille, e o inclino para apreciar a imensa Avenida Paulista através do
vidro do carro. O motorista prossegue pela avenida, não efetuando a curva,
que daria acesso ao endereço da minha mãe.
— O caminho está errado, o senhor tinha que entrar na rua detrás.
— Eu sei, tenho ordens para levá-la a um lugar primeiro, depois, se a
senhorita quiser ir para a sua casa, tudo bem.
— Mãe!
— Filha, fica calma. — Ela me encara, sorrindo.
— E aonde pretendem me levar? — indago.
— Surpresa — ele responde, olhando pelo retrovisor.
— Mãe, não quero ir a lugar nenhum. O senhor pode, por gentileza, me
levar pra casa?
— Não posso, senão perco o meu emprego, e sabe como é, senhorita,
muitas bocas para sustentar...
— Jully, não quer ter mais um desempregado no país, certo? — minha
mãe zomba com suas palavras.
— O Ricky me paga — resmungo, cruzando os braços. — Ele me paga.
O carro segue seu destino, ainda desconhecido para mim. Enquanto eu
permaneço irritada com a audácia do Ricky. Entramos num condomínio com
diversas casas, belíssimas, por sinal, contornamos uma muito grande,
delicada, com uma jardinagem linda ao redor. O carro entra pelo jardim
extenso na parte de trás, e estaciona na entrada de uma rampa. O motorista
sai, abrindo a porta para mim, e neste momento eu me questiono em sair ou
não.
— Vai, filha, eu cuido de Camille.
— Mãe, não sei, eu...
— Uma conversa, deixe que ele se explique.
Respiro fundo e saio do carro, o ambiente enriquece meus olhos de tão
lindo, um jardim impecável, desvio o olhar para a rampa logo à minha frente.
Sei bem o que me aguarda lá em cima.
— Senhorita Júlia, o Richard a aguarda lá em cima.
— Ok, eu vou.
Subo a rampa, e a cada passo meu coração acelera mais, não consigo
parar de pensar no que aconteceu. Não vou aceitar desculpas esfarrapadas do
Ricky, infelizmente entreguei meu coração para ele, e recebi a traição como
resposta.
Quando estou no topo, encontro o Ricky um pouco distante, de costas
para mim, com as mãos no bolso, estou em uma larga sacada, conforme eu
caminho até ele, minha visão recebe uma linda vista de um lago. Ricky vira-
se e o seu olhar iluminado, me paralisa, um calor corre meu corpo, então,
decido não prosseguir, retorno, negando estar aqui neste momento. Mas não
consigo descer, sua mão segura o meu braço.
— Você vai me ouvir...
— O que ainda falta eu saber?
— A verdade.
— Meus olhos viram a verdade, então não há nada que mude isso.
— Seus olhos viram um erro, Júlia. Me escute, agora, se mesmo assim
minhas palavras não forem o suficiente, pode ir.
Pauso com suas palavras, recordando tudo que vivemos em segundos, e
decido ficar.
Caminhamos até a beirada da sacada, apreciando em silêncio o extenso
lago à nossa frente.
— Naquele dia, ficamos os três frente a frente, eu, o Nicholas e a
maldita da Eduarda.
Arqueio uma sobrancelha com sua observação óbvia.
Maldita Eduarda!
— Ela confessou ter me dopado, aquela noite.
Eu tinha certeza de que tinha algo errado nesta história.
— Nossa, que filha...
Ele sorri.
— Sim, ela é. — Ele vira-se. — Olha para mim, por favor.
Respiro fundo, enquanto seus olhos penetram no meus.
— Ela também, de algum jeito, avisou para os repórteres que estávamos
em Angra, lhe dando notícias falsas, e arrumou alguém para bagunçar sua
própria casa.
Agora, sim, ela tem o título de mau caráter.
— Ela mesmo detonou a casa, para ficar próxima de você? Fazendo
parecer que foi o Nicholas?
— Exatamente isso, eu automaticamente relacionei tudo a ele. Por conta
da sua reação quando soube do Enzo em Angra.
Sim, as coisas fazem sentido.
— Minutos antes de chegar, praticamente a retirei das mãos do
Nicholas, que quase a enforcou com sua confissão.
Hum, não serei vilã, se desejasse que ele a enforcasse?
— O Nicholas, enfim, soube a verdade, imagino o transtorno dele.
— Sim, ele ficou revoltado, mas se recompôs e foi embora.
— Deixando assim, vocês sozinhos... e ela pelada?
Encaro-o, o encurralando. Tudo faz sentido, confesso, agora ela pelada,
não! Isso não faz!
— Ela apareceu na sala de toalha, minutos antes de o Nicholas chegar,
eu a repreendi, porém, com toda a discussão e descobertas, ela permaneceu
de toalha.
— Ah, Ricky...
— Júlia, ela se jogou no meu colo, nua, eu não previa tal reação,
também estava surpreso, eu não correspondi àquilo. — Ele se aproxima,
segurando meu rosto com as mãos. — Me entreguei a você, lembra, eu disse,
você... só você. Eu te amo, nenhuma mulher no mundo é capaz de ter meus
olhos, meu corpo e o meu coração... são teus, Júlia Sales.
Pauso por um momento, organizando os meus pensamentos.
Por mais que tudo leve ao errado, meu coração encontrou resposta
através da luz destes olhos mel brilhando à minha frente.
— Se tudo que vivemos não foi o bastante para você acreditar em mim
— ele desampara meu rosto — vou deixá-la ir.
E seus olhos intensificam a verdade que precisava ver.
Não consigo duvidar mais.
— Eu acredito em você.
Aproximo-me encostando minha cabeça em seu peito, seus braços me
enlaçam e um calor aquece nos corpos.
Um abraço acalma o nosso coração.
Inclino a cabeça para olhá-lo, pois quero seus lábios nos meus. Ele
entende o meu desejo e nos beijamos. E não é somente um beijo, foi a troca
mais intensa de amor e cumplicidade que tivemos.
Quando nossos lábios se afastam, sorrimos um para o outro.
— Eu te amo, ainda mais, por acreditar em mim.
— Maninho, que cena, e que vista!
Somos interrompidos pelas palavras debochadas dele: Nicholas.
— O que faz aqui? — pergunto.
— Eu era o plano B. — Ele se aproxima. — Mas, não serei mais
necessário.
— Plano B? Fala sério! — Oscilo meu olhar entre os dois. — Vocês
estão bem um com o outro?
— Sim, vamos seguir — Ricky afirma, já do lado do irmão. — E
esquecer aquela merda toda.
Nicholas coloca a mão no ombro do Ricky.
— Cara, você é muito galã, reconquistou sua garota, nem precisei entrar
em cena. — Ele sorri.
— Eu sabia que ela acreditaria em mim.
Sorrio por vê-los assim, cúmplices um do outro, traz uma paz muito boa.
— Nicholas, tenho que agradecer, você me salvou, aquele dia.
— Eu sei — ele diz, presunçoso. — Eu precisava falar com você, não
podia deixar a puta ganhar mais uma.
— Agora, diga-me, por que não a enforcou?
Eles riem, eu não!
Estou falando sério.
Melhor mudar de assunto, não vale a pena colocar Eduarda entre nós.
— Agora, que lugar é este? — pergunto, pois estou em um paraíso
urbano.
— Bem, se quiser, pode ser nossa casa.
— Como?
— Achei sua cara quando visitei o imóvel, era presente de casamento.
Tá!
Ricky costumava me presentear com joias, e eu já me sentia colocando o
pé na realeza, agora, uma casa deste nível.
Desculpe, nem eu me aguento.
— Eu amei, obrigada.
— Cunhada, até que fim vai sair do cubículo — Nicholas, joga mais
uma piada, e vai à beirada da sacada. — É um lindo lugar, talvez um dia
compre uma casa aqui.
— Vai ser ótimo tê-lo por perto — Ricky comenta.
— Quem disse, Nicholas, você é um mala.
— Ah, cunhada, sempre estou te livrando dos lombrigas de plantão.
— Lombrigas? — Ricky enruga a testa, curioso.
— Piada interna, mano.
E não evitamos recordar das vezes em que ele me livrou dos caras
chatos. Ricky nos observa, tendo assim, conhecimento a detalhes, até então,
mantidos entre nós.
Somos interrompidos, quando um choro forte de um serzinho agraciado
chama nossa atenção.
— Jully, ela está muito brava e com fome — diz minha mãe, enquanto
caminha em nossa direção, com Camille nos braços.
— Minha menininha, melhor alimentá-la.
Seis meses depois...

A casa de Angra será o cenário perfeito para o nosso casamento,


optamos por uma pequena cerimônia, onde nossos amigos mais próximos
testemunharão a nossa união. Melissa e Guta, minhas belas madrinhas
cuidaram praticamente de tudo, então só me preocupei com minha própria
ansiedade.
Que, putz, está consumindo meu corpo.
— Jully, o que achou?
Marcos cruza os braços, após girar minha cadeira para frente do espelho.
Olho, admirada, meu reflexo, ele fez um coque e soltou alguns cachos, que
caem delicadamente sobre meus ombros, uma maquiagem leve, porém, muito
elegante.
— Obrigada, Marcos, está um arraso.
Ele fixa seus olhos brilhantes em mim.
— Ah, minha menina vai casar...
— Marcos, não começa. Senão a maquiagem não chega até a hora do
casamento. — Aquieto-o, já emocionada. — Cadê minha mãe?
— Correndo por aí....
— Negativo, estou aqui — minha mãe balbucia ao entrar. — E faço
questão de colocar o vestido na minha menina...
— Ah, mãe... cadê o Ricky, a Mille, o Enzo?
— Estão todos bem, agora este é o seu momento... vem.
Olho meu vestido pendurado, todo rendado com alças finas, modelando
meu corpo com um corte sereia, há uma delicada saia de tule que o alonga
um pouco — perfeito.
Minha mãe, com lágrimas nos olhos, me avalia, com um sorriso que não
cabe no seu rosto. Giro em frente ao espelho, apreciando o quão linda eu
estou.
— Minha linda menina, que orgulho estou de você. — Ela acaricia meu
rosto.
— Mãe, muito obrigada por tudo...
— Eu te amo — falamos juntas, após um longo abraço.
Observo Marcos afastado, as lágrimas já escorrendo no seu rosto.
— Vem, Marcos. — Solicito seus abraços.
Ele nos ampara em seus braços, e neste momento, agradeço a Deus por
todas as benções concedidas na minha vida.
— Pronta, girl?
Somos interrompidos pela Guta, que aparece entre a porta.
— Sempre.
Caminho, em direção ao jardim, com meu pequeno buquê de rosas
vermelhas. Ao chegar, paraliso, meus olhos correm por todo o ambiente,
meus amigos e confidentes, todos presentes, com os olhos brilhantes na
minha direção.
Suspiro...
E olho no altar, camadas de tecidos brancos caindo como cascatas sobre
as rosas vermelhas. E um certo alguém, com os olhos cor de mel quentes e
envolventes — Ricky, como sempre lindo. Encorpado num terno azul e
camisa branca — sexy. Seus cabelos negros levados com o vento ocupam sua
têmpora, e em seus lábios um sorriso que não sei descrever.
Minha respiração acelera e, agora sim, estou muito nervosa.
Inicia a música, escolhida por nós dois. (Mine Again – Mariah Carey.)
Começo a deslizar sobre o tapete vermelho, minhas pernas trêmulas,
meus olhos embaçados, em um sentimento de felicidade suprema no peito.
Tento manter o foco no altar, mas são tantos olhares que pedem a minha
atenção, que os recebo com um sorriso. Volto para meu amor, aquele cara de
momentos transformou minha vida em um momento eterno. Antes que eu
finalize a chegada, ele vem ao meu encontro, segurando minha mão, e
depositando sobre o dorso um beijo leve.
— Oi, linda.
— Oi, lindo.
E pausamos o tempo, para que nossos olhos possam contemplar um ao
outro.
“Ahhhhhhh”.
Ouvimos dos nossos amigos, que suspiram com o nosso momento.
Sorrio, balançando a cabeça, entrelaçando o meu braço entre o do Ricky, que
me conduz para o altar, não consigo evitar e olho a imensidão do mar, que já
foi o quadro de momentos inesquecíveis que tivemos, e que agora
testemunhará a nossa união.
Ele segura minha mão, e a pressiona um pouquinho, nos encaramos
antes do juiz usufruir da nossa atenção, e respiramos juntos — nervosos.
— Estamos aqui hoje para abençoar este lindo casal, Richard e Júlia,
que através do amor vão se consagrar ao casamento...
Conforme o juiz recita palavras e momentos, recordo por um instante,
olhando nos olhos do Ricky, tudo que vivemos, e sei que ele é o homem da
minha vida.
Nós nos viramos para receber Mille que, no colo da minha mãe, brinca
com as pétalas de rosas, todos se encantam com minha princesinha, que
arregala os olhos, atentos. Ricky e eu não aguentamos tanta fofura e
acariciamos seu rostinho. Logo atrás, entra todo tímido com um terno azul
igual ao do pai, Enzo, nosso pequeno guerreiro, curado e transbordando
saúde.
Ricky pega de suas mãos nossas alianças e as entrega para o juiz. Dão
um toque de mão, ele olha para mim e sorri lindamente, depois se posiciona
ao lado da Mille, com a minha mãe, pisco para as minhas madrinhas, Mel e
Guta, que não param de chorar. E disfarço um oi para os cavalheiros galantes
— César e Rubem.
O juiz nos olha através dos seus grandes óculos.
— Richard e Júlia, vocês prometem oferecer um para outro, respeito,
carinho, amor, cumplicidade até a eternidade?
— Sim!
Colocamos as alianças, selando nosso compromisso.
Antes mesmo que o juiz finalize, Ricky me puxa para seus braços, me
apertando contra seu corpo.
— Eu te amo.
Declaramos juntos o nosso amor.
E nos beijamos eternamente.
Cinco anos depois...

Sabe aquele momento da vida em que você tem absoluta certeza


de que alcançou o céu, pois é assim que estou... no céu! Eu estou literalmente
no céu voando de volta para a minha casa.
Como executiva da W.E, tive que fazer uma viagem de último hora, e aí,
ferrô!
É isso mesmo, executiva W.E Universities!!!
Mas sei que vocês estão se perguntando: Júlia, como assim?
Beleza, vamos lá!
Ricky e eu permanecemos no Brasil, e transformamos nosso casa em um
lar tranquilo e aconchegante, Camille percorre o jardim correndo trás do seu
irmão adorado, Enzo, falando nele, que com dez anos se tornou um garoto
lindo e carinhoso, me chama de tia Jú e idolatra o pai. Ele cumpre bem o
papel de irmão mais velho, e protege Mille de todas as quedas possíveis.
Ricky e Eduarda compartilham sua guarda.
E, para sua condição física, Eduarda se mantém afastada.
Nesse meio tempo, eu me dediquei ao meu objetivo inicial, minha
formação, não queria ficar frustrada a ponto de futuramente me culpar, então
nesses cinco anos, concluí um curso de Marketing Integrado, e uma Pós-
graduação em Comunicação digital, mesclava o meu tempo com minha
família e vida profissional, por muitas vezes, com o coração partido, deixei
Camille aos cuidado da babá ou com minha mãe, o Ricky também sempre
presente — mas precisava me dedicar aos estudos. Aliás, falando do meu
amor, hoje ele é CEO da W.E, no lugar do meu sogro, Robert, que se
aposentou para viajar pelo mundo com a minha sogra, Sara.
A Guta, “Gerente de relacionamento”, engatou um romance com o Edu,
e acreditem, o cara é louco por ela. Edu permanece no mesmo setor, porém,
hoje é “Coordenador de criação”. Quem também cresceu na empresa, foram
o Johny e o Rael. O Chill abriu uma rede de lanchonetes Retro-Chill pelo
país. Marcos, meu cabeleireiro preferido, cuida da rede de salões da minha
mãe, dona Ana se tornou uma empresária em potencial, chego a babar de
orgulho. No entanto, casou-se no ano passado, com o bocó, Eder Carvalho,
que hoje é um padrasto carinhoso e apaixonado pela minha mãe.
Melissa e Rubem pretendem se casar no próximo ano, eles permanecem
morando nos Estados Unidos, também trabalham na W.E da Califórnia.
Faltou alguém? Sim... a vaca! Quer dizer, a Ellen Castiel, hoje convivemos
em harmonia, ela também se tornou executiva, e é responsável pelas W.E da
América e Europa.
— Que saudade de você — digo, assim que desço do carro, e recebo os
braços de Mille. — Minha princesinha.
— Mamãeeeeee.
Pego-a no colo, a girando sobre o ar e seu sorriso me traz de volta para
casa. Olho para frente e um cara lindo e gostoso, está me aguardando. Coloco
Camille no chão, que entra correndo, anunciando minha chegada.
Vou ao encontro do meu marido sexy.
— Oi, lindo.
— Oi, linda.
Ele me puxa para seu corpo, me beijando lentamente, e não há lugar no
mundo que me faça feliz, como seus braços.
— Eca, por que vocês ainda fazem isso?
Somos interrompidos pelo projeto adolescente Enzo, que nos olha com
cara de nojo, saindo e sacudindo a cabeça. Ricky e eu rimos, jogando nossas
cabeças para trás.
— Temos visita.
— Quem?
— Nicholas e sua noiva.
— Noiva, sério? Então, temos que caprichar no jantar.
Assim que entramos, sou recepcionada pelo Nicholas.
— Olha ela aí, minha cunhada preferida.
Franzo a testa para o seu comentário.
O Nicholas não muda.
— Preferida, é? — pergunto, desviando os olhos para uma linda moça
sentada no sofá. — Prazer, sou Júlia, a cunhada preferida deste aqui.
Ela levanta-se e nos abraçamos.
Gostei dela.
— É um prazer Júlia, sou Diana.
— Diana, que lindo nome, tem certeza de que você gosta deste cara? —
Aponto o polegar para o Nicholas. — Ele é um mala.
Nicholas solta uma gargalhada, se posicionando ao lado de Diana.
— Minha noiva, Júlia. — Ele a beija no rosto, orgulhoso. — Linda, não
é?
— Sim, muito bonita para você, aliás...
— Mano, eu falo muito bem da sua garota e ela só me detona.
— Estou me vingando do passado — comento, piscando para ele.
— É, Nicholas, acho que ela te encurralou. — Ricky dá um soco leve no
ombro do irmão. — Vinho?
Concordamos com a sugestão sempre perfeita do Ricky. Nos
acomodamos no sofá, enquanto os irmãos nos fazem rir com suas piadas
sempre sem graça. Camille corre e brinca pela casa, nos alegrando com seu
sorriso. Enzo, sempre ao lado do Ricky, nos surpreende com sua inteligência.
Ao longo desses cinco anos, Ricky e Nicholas foram reconstruindo sua
amizade, e hoje participam da vida um do outro.
Não posso deixar de contar previamente como tudo iniciou, em um
corredor da universidade onde eu trabalhava, sentada passando o tempo,
observando as pessoas, o romance surgiu na minha cabeça como um presente
maluco. O devaneio prévio de escrever um livro, até então era um lapso de
ideia. No entanto, quando eu resolvi compartilhar, aí surgiu o principal –
APOIO.
Ana Beatriz; Juliana; Anne; Suellen; Matheus; Giovanni; Marlon;
Carlos Coin; minha assessora Amanda (Artessa); Daiane; Cris Custódio e
Kiti Miguel.
Minha família (Meu pai Júlio, minha mãe Avany e os meus irmãos
Jonathan e Rafael) por acreditar que seria possível sem ao menos contestar,
somente apoio e aquele “Vai, você consegue” o suficiente para eu continuar a
trilhar este caminho, amei escrever cada página e, acima de tudo, chorei e me
emocionei com os rumos que a minha mente maluca dava a história.
Por último, porém, os mais importantes, meus filhos Felipe e Nicolas, as
riquezas da minha vida, a minha entrega ao projeto deixou a mamãe um
pouco ausente, mas eles estavam lá, me cutucando a cada trecho escrito, mas
estavam lá, e isso é o que importa.
E a vocês leitores, amigos, viajantes, muito obrigada pela a oportunidade
– divirtam-se.
“Deus obrigada por estar comigo neste caminho, tu és a minha maior
força.”
A paulista Feh Bellyne, tem uma paixão irreverente pela arte,
formada em artes cênicas, sempre teve uma empolgação em criar histórias e
personagens.
Como leitora ávida encontra nos livros uma maneira de libertar-se do
comum.
Portanto sua escrita propõe ao leitor viagens divertidas e intensas.
[1] Love On Top: Amor no topo - Beyoncé.
[2] W.E Universities - Universidade Educacional Mundial.
[3] What’s your name? Qual o seu nome?
[4] It's all right? Está tudo bem?
[5] Yes... sorry, distracts me. Sim... desculpe, me distraí.
[6] boyfriend. Namorado.
[7] ET’s, please? ET’s, por favor.
[8] Rihanna – We found love - Nós encontramos o amor.
[9] — Thank you, Ricky, for accepting the invitation. Obrigado por aceitar o convite.
[10] — I thank you for the invitation, let's start. Eu que agradeço o convite, vamos começar.
[11] — Let's welcome Richard McGuire from W.E Universities. Vamos receber Richard
McGuire, da W.E Universities.

[12] — As a Marketing Professional... (Como um profissional da área de Marketing...)


[13] — Excuse me please. Com licença, por favor
[14] — The lecture was great, don’t you think... A palestra foi ótima, não acham...
[15] — Girl, leave I have to enter... Licença, meninas, tenho que entrar...
[16] — Sorry, teacher, the lobby was crazy, impossible to pass. Desculpe, professor, o saguão
estava uma loucura, impossível passar.

[17]
— There, in the yellowed building. Ali, no prédio amarelado. —
Pago o taxista, e desço. —Thanks. Obrigada.

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