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Seu carro percorre as ruas de São Paulo, como se desfilasse com trilha
sonora. Fecho a minha mão, simulando um microfone, e balanço meus
cabelos longos, com o vento veloz que vem de fora, o dia está lindo, um sol
iluminado presenteia o universo, o sorriso da minha mãe, ao me ver feliz, me
entusiasma ainda mais. Apontamos uma para a outra conforme o avanço da
música. E nos divertimos muito, eu preciso relaxar, hoje começo uma vida
nova, ao som de Beyoncé.
Fico um tempo olhando para a tela do celular, a Guta é uma pessoa alto-
astral, dei muita sorte, encontrei pessoas certas para trabalhar comigo.
Meu telefone celular vibra de novo.
É o número do Ricky, sério isso? O que ele quer? Me perturbar mais do
que já estou? Só de pensar nele, meu corpo já esquenta. Ele está me enviando
uma mensagem.
Não vou ler.
Quer saber, vou ler, sim. Vamos ver o que o “senhor momentos” tem a
dizer.
Não.
Meu subconsciente responde de imediato.
Ele me chamando de linda é covardia. Jogo o celular do outro lado do
sofá e me concentro no computador.
Tento. Mas não consigo.
Ouço novamente o celular vibrar, tão forte que o sofá vibra junto. Pego-
o, não aguento de curiosidade.
Ricky – Linda, fala comigo.
Eu – Tudo bem?
Ricky – Não, precisamos conversar.
Eu – O que vc quer, Ricky?
Ricky – Estou com saudade.
Eu – Achava que o Senhor Momentos não se apegava a momentos
Pronto, falei.
Filho da mãe.
Só de pensar, fico sem ar.
Como ele consegue ser tão sexy?
Digito tão rápido, que mal penso no contexto. Estou furiosa com ele.
Ricky – Você está entendendo tudo errado, foi mérito seu, você foi
elogiada, eu não seria capaz de... Você não entendeu.
— Estou com muita fome — ela avisa, enquanto coloca seu vestido,
provocante.
— Está na mesa. — Entrego-lhe uma xícara de café. Ela senta e coloca
geleia na torrada.
— Você me deixa em casa?
— Melhor... vamos sair? Hoje é domingo, pensei em te levar num lugar
especial.
— Mas eu estou sem roupa, e...
— Por mim, você pode ficar sem roupa, não me apego a estas coisas. —
Dou os ombros e ela sorri. — Aonde vamos tem tudo que você precisa.
— Onde é?
— Surpresa! Liga para sua mãe e avisa.
— Vou contar tudo para ela, mas com calma. Até porque não gosto de
mentiras. Fizemos esta promessa, uma para a outra.
— Entendo. — Improviso. — Então a Guta quer que você fique com ela
o resto da tarde. Não é uma mentira, e sim um adiamento da verdade, o que
acha?
Ela analisa.
— Boa, vou mandar mensagem. Preciso de alguns minutos.
— Ok. Preciso dar um telefonema.
Quando estacionamos, estamos em um heliporto.
Aonde ele vai me levar?
Beijando-me de leve nos lábios, Ricky pede para eu esperá-lo e vai ao
encontro de um cara, deve ser o piloto pelas roupas que está usando.
Cumprimentam-se com um abraço, são amigos, com certeza. Eles vão para
dentro de uma grande garagem.
Observo a imensidão da pista, o vento eleva meu vestido e cabelos. Que
sonho estou vivendo. Depois vou sentar e conversar com minha mãe,
contudo, de uma coisa eu tenho certeza: ela vai surtar ou me matar.
Então é melhor eu aproveitar o domingo.
— Júlia! — Ricky chama. — Vamos?!
Vou ao encontro dele.
— Aonde vamos, Richard? — quis saber, estou morrendo de
curiosidade.
— Você já voou?
— Sim, de avião.
— Hoje o dia está lindo, vamos de helicóptero a Angra, temos uma casa
lá.
— Angra? — grito. — Você é louco. — Ele me abraça e beija o meu
cabelo.
Caminhamos para o helicóptero e entramos.
— Antony, a Júlia gosta de emoção. Então, capricha.
— Hein? — Arregalo os olhos e Ricky se diverte. — Pode voar
tranquilo, viu, seu moço chamado Antony.
Ele deve ser maluco, vamos a Angra?
Antony vira-se e me encara.
— Prazer, Júlia, sou Antony, piloto e amigo desse cabeça dura. Tenham
um ótimo voo. — E com um sorriso largo, ele inicia a decolagem.
— Obrigada.
Ricky me ensina todos os procedimentos. Depois que terminamos, a
hélice começa girar, subimos.
Uau. Incrível.
Quando chegamos ao litoral, Antony voa baixo para eu ver a paisagem.
Divirto-me com Ricky contando piadas sem graça para me fazer rir. Eles
são amigos de longa data e Antony é bem engraçado, fiquei muito à vontade.
Quando chegamos, descemos em uma pista particular da família McGuire.
— Obrigada, Antony. O voo foi incrível — agradeço.
— O prazer foi meu, Júlia. Agora, curtam a ilha, venho no final da tarde.
— Obrigado.
Despedem-se com um abraço. Ricky e eu ficamos ali, esperando que o
helicóptero se perca na imensidão do céu.
— Vamos entrar, linda.
Não consigo prestar muita atenção nas palavras de Ricky, estou
totalmente maravilhada com a paisagem ao meu redor. É enorme, a casa ou
mansão deve ter dois andares, com paredes de vidro, linda. O jardim da
entrada tem rosas e flores, muito bem tratadas. Esta propriedade dos
McGuire, como diz a Guta: é um absurdo.
— Estamos em uma ilha particular?
— Sim, este lugar é incrível. Vem, vou te mostrar tudo — ele responde,
colocando seus braços no meu ombro e me conduzindo para dentro.
Quando entramos, não consigo conter a minha admiração, que lugar
aconchegante, a casa é composta por dois andares, a parte de baixo tem cerca
de três salas, que completam outros ambientes, os móveis são modernos e
tem muitas obras de arte e quadros na decoração.
— Ricky, que casa linda. — Atravesso a sala, indo até a parede de vidro,
tenho uma visão incrível do lado de fora, uma paisagem natural que cerca a
casa, com árvores e pinheiros, uma cascata com água cristalina ao redor da
piscina em formato de S. Mais à frente já consigo ver o mar e uma lancha
parada na margem.
Uau. Volto meu olhar para Ricky.
— Que decoração linda, e esta paisagem lá fora, incrível.
— Minha mãe decorou cada cômodo. — Ele atravessa a sala parando ao
meu lado, nossos olhos apreciam a paisagem do lado de fora, se eu pudesse,
ficaria o dia todo sentada aqui, só olhando. — A dona Sara é detalhista e com
um bom gosto invejável. Quero te mostrar a ilha, este lugar é uns dos meus
favoritos, aqui no Brasil.
— Obrigada por me trazer aqui. — Abraço-o.
— Hum... Eu que agradeço sua presença, linda.
Somos interrompidos por um pigarreio. Quando eu olho, é um
senhorzinho muito simpático, parado do outro lado da sala, com os braços
cruzados.
— Richard, meu filho, que bom que veio — diz, alegremente,
atravessando a sala com os braços abertos para Ricky.
Ricky aconchega-se em seus braços, posso ver o carinho entre eles.
Estou surpreendida com esse lado do Ricky, mais carinhoso e sensível.
— Pai, que saudade.
— Meu menino — ele diz, segurando seu rosto com as palmas das mãos
e beija-o em cada bochecha.
Espera, pai?
— Seu irmão, aquele safado. Sei que veio para o Brasil, no mês passado,
e nem veio ver o velho. — Seu semblante entristece. Havia esquecido que
Ricky tem um irmão, mais novo, aliás.
— Sim, mas o Nicholas está em um momento difícil — murmura Ricky.
O senhorzinho bufa, e desvia o olhar para mim, Ricky segura minha
mão.
— Pai, esta é a Júlia.
— Que linda, meu filho.
— Júlia, este é Carlos, o meu pai de consideração, ele e a Célia estão
com minha família há anos.
— Prazer. — Estendo a mão para cumprimentá-lo, ele a pega e me puxa
para um abraço, bem apertado.
— Se você está com o meu menino, é muito bem-vinda.
— Obrigada. — Sorrio.
— Pai, cadê a Célia?
— Foi ao mercado, quando você ligou falando que vinha, sabe como ela
é. Foi comprar tudo que você gosta. Mas antes de sair, deixou tudo que você
pediu em cima da cama.
— Ótimo... Vamos subir, para nos arrumarmos. Vou precisar daquela
cesta, com tudo de mais delicioso, vamos sair de lancha, quero mostrar a ilha
para a Júlia.
— Certo. — Ele sai, apressado.
— Adorei ele.
— Carlos foi meu pai durante a infância. Digamos que meu pai, Robert
McGuire, estava um pouco ocupado, construindo a W.E Universities.
— Pai... Algo complicado para mim também. — Ele me olha. — Não
tenho uma boa relação com o meu pai. Mas, mudando de assunto. — Corro
para a escadaria, linda, por sinal, com detalhes em vidro. — Vem, quero
conhecer os quartos.
Pisco para ele.
Eu – Não quero que fique magoado, foi somente uma carona, temos
que nos ver amanhã, saudade.
Com carinho.
Júlia.
Pronto, envio.
Espero para ver se ele visualizou, mas nada.
Vou ligar... não! Melhor eu esperar e falar com ele amanhã. Assim
estaremos melhor para conversarmos. Coloco o celular na cômoda e
acomodo-me na minha cama.
Adormeço.
— Bom dia — digo para minha mãe, que não olha para mim. E
permanece mexendo na cafeteira.
— Bom dia. Quer café?
— Sim. — Fico observando seus movimentos, ela move a xícara com
brutalidade. — Está tudo bem?
— Sim — responde, em seco.
— Mãe, olha para mim, ainda está magoada?
Ela vira-se. Está com olheiras profundas e olhos vermelhos. Como se
tivesse chorado a noite inteira, o que é que a tenha deixado neste estado é
grave. Minha mãe não se deixa abater fácil.
— Mãe, desculpe. Vamos conversar...
— Seu pai! — ela revela, como se jogasse uma bomba nas minhas mãos.
Meu pai está preso, certo? Não! Como não pensei nisso, só tem uma pessoa
no mundo que consegue desestabilizar minha mãe, e é o meu pai.
— O que tem ele? — Dou um passo para trás, já temendo a sua resposta.
As lágrimas descem pelos seus olhos inchados. Não consigo me mover,
a palavra pai para mim é uma trava, odeio este homem.
— Me ligou.
— O que ele queria? Fala!
— Ele vai sair... Ele vai sair... — ela diz, com a voz trêmula e
desesperada.
E eu sinto uma pontada no peito e a minha respiração já não é mais leve.
O meu pai preso significa segurança, ele solto significa sofrimento. Minha
mãe mais do que ninguém sabe o quanto ele é violento e mau-caráter.
Quando ele sai da cadeia e se aproxima, algo ruim sempre acontece.
— Como assim, ele vai sair?
— Não sei... Ele vai ficar livre.
Ela joga a xícara, que está em suas mãos no chão, tornando-a farelos de
porcelana, suas mãos cobrem o seu rosto, tentado conter sua angústia.
— Ele já cumpriu a pena?
— Acredito que sim. Na verdade, não sei. Como vai ser? O que vamos
fazer se ele quiser ficar?
Minha mãe é fraca quando o assunto é meu pai. Não entendo, ele
aprontou tanto com ela e, mesmo assim, ela se retrai quando ele está por
perto. Não vou deixar que ele retorne para as nossas vidas, logo agora que
estamos nos reerguendo. Nunca, não vou deixá-lo voltar e conviver com a
gente.
— Aqui ele não fica. Entendeu? — aviso, enquanto sento-me no sofá e
jogo a minha cabeça para trás.
— Claro que não. Mas eu sei. Ele me disse. — Ela hesita, posso ouvi-la
respirar fundo. — Quer conhecer você, se aproximar da única filha. Eu não
vou permitir isso, não posso permitir. — Ela esmurra a parede, vou até ela e a
abraço, contendo sua ação.
— Nós vamos à polícia, pedir proteção.
— Júlia, se o seu pai quiser se aproximar, a polícia não impede. — Seu
tom é de derrota.
— Ele não vai nos fazer mal. Eu prometo. Quando ele sai?
Ela me encara.
— Em uma semana ou duas. Ele não faria nada para machucar você,
mas faria qualquer coisa para me machucar. E pode me usar para se
aproximar de você. Então vamos nos preparar.
Ela retorna para a cozinha, ajoelha-se e começa a recolher os cacos do
chão. Fico por alguns segundos observando minha mãe, e imaginando como
pode ser o rosto deste homem que a fez sofrer.
— Ele não faria nada. Voltaria para a cadeia. Acredito que não queira
isso, certo?
Seu olhar volta-se para mim.
— Júlia, seu pai passou mais tempo preso do que solto. Ele não liga.
Acredite.
Não, agora não. Minha vida está mudando, estou realizando meus
sonhos, não aceito a presença do meu pai em nossas vidas.
O resto do dia foi angustiante, estou preocupada com a minha mãe e não
sei o que pensar em relação ao Ricky. Quero mandar uma mensagem ou ligar,
mas não sei o que dizer, estou um pouco magoada com ele.
No fim do expediente, corro para casa igual a um jato, é meu último dia
livre antes das aulas. Quero dormir e relaxar, mas não paro de pensar no
Ricky, estou com muita saudade.
Depois do banho e de colocar meu pijama de flanela, acomodo-me na
minha cama e com o celular acesso minhas redes sociais, que estão
abandonadas, não tenho mais tempo para nada. Na verdade, estou adorando
esta rotina.
Decido ligar para o Ricky, precisamos conversar, ele falou que não me
magoaria, e foi para o Rio, sem me avisar. O telefone chama, mas ele não
atende. Agora é fato, ele não quer falar comigo, será que ele cansou da
menina aqui? Deve ter sido isso, como eu sou idiota.
Espera. Por que estou me culpando? Não fiz nada.
Ouço barulho da porta, deve ser minha mãe. Levanto e vou até a sala.
— Mãe, tudo bem?
— Sim, já está de pijama?
Ela parece um pouco melhor, pelo menos, seus olhos não estão inchados
como antes.
— Hoje é meu último dia livre, quero relaxar.
— Já comeu?
— Não quero... Mãe, vamos conversar?
— Agora não, Jully! Outro momento. Boa noite. — E assim ela sai.
Retorno para o meu quarto e olho o celular.
Nada.
O Ricky não me ligou ou mandou mensagem. Precisava ouvir a voz
dele, que brigássemos como namorados ou que ele me falasse que não me
quer mais. Beleza, seria mais digno. Agora este silêncio é pior que um tapa,
estou com um aperto no peito, um medo de perdê-lo e ao mesmo tempo uma
raiva. Preciso dormir, preciso descansar.
Amanhã é um novo dia.
Hoje o dia passou voando, a cada dia aprendo mais e me
apaixono pelo Marketing. Tenho aula e, como caloura, sei que teremos trotes,
mas só participa quem quiser. Estou ansiosa, mas não completamente feliz
como achei que estaria, está faltando algo, é o Ricky. A Guta já foi para a
universidade, eu tive que finalizar um relatório, a pedido do Edu.
— Está tudo certo? — pergunto, ansiosa, para o Edu, que analisa o
relatório, com muita atenção.
— Sim, está ótimo. Obrigado. — Ele cruza os braços, e me olha
profundamente.
Este olhar profundo do Edu, me deixa tensa e desconfortável. Não quero
que ele ache que tem chances comigo, não vou magoá-lo. Ele é muito gente
boa.
— Ok! — digo, enquanto pego a minha bolsa para sair. — Agora eu já
vou, é o meu primeiro dia e não quero me atrasar.
— Garota estudiosa. — Ele sorri. — Eu vou para lá, quer uma carona?
— Você vai? Por quê?
Curiosa.
— Tenho uma reunião, quer carona?
Estou atrasada, então pegar uma carona não tem nada de mais.
— Tudo bem! Você já vai?
— O tempo de desligar meu PC.
Descemos até a garagem e eu aguardo Edu colocar uma mala no porta-
malas do carro.
— Você está gostando da W.E Universities?
— Claro, sempre sonhei em entrar.
Ele se aproxima, seus olhos fixos nos meus. Não quero ser grosseira
com Edu, trabalhamos juntos, e ele é o meu padrinho no trabalho, eu devia ter
evitado esta carona, ele está perto demais.
— Júlia, eu estou muito interessado em você.
Tá, eu sei.
— Esse seu namorado foi uma desculpa para me dispensar, não é? —
Ele se aproxima mais e eu fico ainda mais tensa.
— Então... Edu, não força a barra, você é muito legal. Mas não me
envolvo com amigos de trabalho.
— Ninguém vai ficar sabendo. Acho você linda... E...
— Mas ela tem namorado!
Viramos e Ricky está vindo na nossa direção, cerrando os punhos, sua
mandíbula está tensionada e o seus olhos furiosamente saltados.
— Ricky? Você... — Estou confusa, e minha voz falha um pouco com a
surpresa em vê-lo. — Não estava no Rio?
— Estava, mas agora estou aqui. — Seus estão olhos fixos no Edu.
Edu franze o cenho, olha para mim, depois para o Ricky, e levanta suas
mãos.
— Vocês estão juntos?
— Não — digo.
— Sim — Ricky diz.
Falamos juntos e nos olhamos em seguida, surpresos com a resposta um
do outro. Ricky desvia o olhar para Edu.
— Sou o namorado dela. Porém quero discrição, acredito que posso
confiar em você. Certo?
Ele disse: namorado? Na verdade, é a segunda vez que ele diz:
NAMORADO.
— Claro, com licença — diz Edu, totalmente desconcertado, indo para o
seu carro, sem olhar para trás.
Meus olhos voltam-se para Ricky, que está furioso.
— Ricky, eu... Você...
E ele vem na minha direção como um raio, segura minha nuca e possui
minha boca.
Ah... Como eu estava com saudade deste beijo, do seu perfume, do seu
corpo.
Ele conduz meu corpo, encostando-me em um carro, nosso beijo tem
gosto de saudade e desejo. Nossos corpos estão colados, suas mãos passeiam
pelas minhas costas, estremecendo todo o meu corpo, essas mãos gulosas,
que sabem como me tocar e conhecem o meu corpo, descem pelas minhas
curvas e param na minha bunda, onde ele pressiona ainda mais, e o espaço
entre minhas coxas, inflama. Não paramos de nos beijar, é um vício. E o
beijo vai ficando mais intenso e descontrolado, até que percebo que estamos
no estacionamento.
Interrompo o beijo.
— Ricky, calma! — digo, ofegante.
Paramos, testa com testa.
E nos abraçamos, um longo e apertado abraço.
Nossos corações estão em um único ritmo, saudade um do outro.
— Estava com saudade — sussurro no seu ouvido.
— Eu também, com muita. — Ele me encara. — Por que você estava
com aquele cara? — Seus olhos ficam cinza.
— Era somente uma carona, até a universidade.
— Ah... — Ele revira os olhos. — Com certeza ele queria te dar uma
carona — ironiza.
— Você está me ignorando há dois dias. E por que você está aqui?
Agora?
Ele viaja, não fala comigo, me ignora e quer ter razão.
Ah, é brincadeira!
— Eu não consigo ficar longe de você, eu tentei, mas não consigo. —
Ele se afasta. — Eu fiquei puto porque você pegou carona com esse cara.
Puto ou com ciúme, chame do que quiser, mas eu... — Ele hesita, passa as
mãos no cabelo, e anda de um lado para o outro. — Adiantei minha viagem
para ficar longe. E não consegui fazer nada, a não ser pensar em você. — Ele
se aproxima e seus olhos agora mel intensos, penetram os meus. — Gosto de
você, Júlia, não sei como lidar com isso, mas quero você na minha vida.
Suas palavras entram em meu coração, aliviando toda a dor, minhas
mãos passeiam no seu peito por cima da camisa até seu rosto, e o acaricio,
seguro-o com as palmas das mãos, levanto as pontas dos pés um pouquinho
para olhar em seus olhos, sei que ele está nervoso.
— Eu também gosto muito de você — exclamo, com todo o meu
coração, depois meus lábios tocam o dele de leve, e um sorriso iluminador
surge em seu rosto.
Ele me levanta, jogando-me nos ombros.
— Vem, vou tirar você daqui.
— Ricky, me coloca no chão.
— Por favor, entre!
— Tivemos momentos especiais aqui — falo, enquanto olho o
apartamento e caminho até a sala, ele segura a minha cintura, girando-me
para ele.
— Eu estava com saudade desta boca. Desta pele. O que fez comigo,
Júlia Sales?!
Eu estou completamente apaixonada. Este executivo misterioso ganhou
meu coração, não me importo o que vamos passar para seguir em frente
juntos, mas pago o preço.
— Fica comigo esta noite? — ele sussurra, acariciando o meu pescoço
com beijinhos.
— Eu tenho aula.
— Quem vai ao primeiro dia de aula? Sei que o nosso ensino é puxado,
mas o primeiro dia não vai te reprovar. Fica, preciso de você. — Seu tom
sedutor soa em meus ouvidos, derretendo todo o meu corpo, rendo-me, não
consigo negar nada.
— Certo, mas temos que conversar.
— Sem roupa? — ele sugere, em tom malicioso.
— Ricky... Sério, temos que conversar... — insisto, pois temos que
ajustar algumas coisas.
Ele sorri, afastando-se lentamente.
— Ok. Vinho?
— Sim. — Acomodo-me no sofá, ele vai até a cozinha e volta, em
poucos segundos, me entregando uma taça de vinho.
— O que quer saber, linda?
— Namorada? Tinha que ter falado comigo primeiro, não acha? Ou foi
somente para espantar o Edu?
— Aquele cara é um idiota, e você não vai mais trabalhar com ele.
— Espera, como assim? Me responde! — pressiono, preciso saber o que
temos.
Ele vem para sentar-se ao meu lado, porém, aponto o seu lugar no sofá
da frente. Ele sorri, mas obedece, apoiando os cotovelos no joelho. Melhor
mantermos distância, porque se ficarmos perto um do outro, não
conseguiremos conversar.
— Quero ter algo contigo, se quiser — diz, sem hesitar ou respirar
fundo, simplesmente fala, meu coração acelera, namorar o Ricky é o que
mais quero.
— Eu... — Pisco três vezes, ainda assimilando o pedido. — Eu quero.
Mas seria complicado namorar meu chefe. Como lidaremos com isso?
— Não sei, nunca lidei, na verdade... — Ele dá os ombros, jogando as
costas para trás.
— Certo, podemos aprender juntos. Agora... — Preciso saber referente à
relação dele com a Ellen, eliminar de vez este fantasma. — Você e a Ellen,
até que ponto vocês foram?
— Noivamos! — responde, sem hesitar.
Então é verdade.
— Vocês tinham uma espécie de relacionamento aberto?
— Sim.
— Ainda tem?
— Não.
Estou muito melhor agora. Obrigada.
— Depois que conheci você... — Ele hesita, mas continua: — Na
realidade, eu e a Ellen nos conhecemos há anos, ela sempre foi muito linda.
Entre idas e vindas, um dia ela quis algo sério e fui pressionado pela família,
mas depois de um tempo, percebi que não queria e terminei tudo. Ela não
aceitou ficar longe, então sempre fez vistas grossas para os casos que eu
tinha. Mas...
— Mas?
— Você mexeu comigo. E não fiquei mais com ela.
Tenho que manter o controle ou posso gritar?
Responde, universo.
Isso quer dizer que ele não ficou com a Ellen.
Meu coração quer saltar do meu peito. Isso é ainda melhor do que ser
pedida em namoro.
— Ela sabe de nós?
— Sabe que há alguém, mas não sabe que é você.
— Entendi.
— Júlia — sua voz fica grave —, não sou um filho da puta. Trabalho
muito, sou pressionado, estou sempre viajando, nunca precisei me preocupar,
me acostumei com isso, com mulheres, mas sempre fui honesto com elas,
como estou sendo com você.
— Acho que posso viver com isso. — Viro a minha taça de uma só vez,
preciso de álcool.
— Não me importo se as pessoas souberem. Quero você, somente —
acrescenta, enquanto levantava-se para sentar ao meu lado.
Chega de distância.
Então, Brasil. Estou mole igual geleia.
— Eu não sei como vou ser vista, vai ser complicado, eu realmente
sonhei com esse emprego e com a bolsa. Eu tenho muito a perder, mas, ao
mesmo tempo, você... vale a pena.
Seus dedos percorrem o contorno do meu rosto e sinto seu toque na
alma. Estou apaixonada pelo Ricky, e viver sem ele não é mais uma opção.
Preciso dele, em todos os momentos e não me importo com as consequências.
— Então, você aceita ser minha namorada?
Céus, que lindo.
— Eu...
— Vem cá... — Nós nos levantamos e suas mãos rodeiam minha
cintura. — Você foi a única mulher que me fez pensar... Parar. Você acredita
em mim?
— Sim.
O homem de momentos realmente não existe mais, saber que a minha
paixão é correspondida, acalenta o meu coração. Quero viver intensamente
este romance, preciso dele, como ele precisa de mim. Meus braços cobrem os
seus ombros e o abraço, apertado. Sentir seu calor e ouvir seu coração são
sensações maravilhosas, não me canso de senti-las.
Interrompo o abraço, para olhar em seus olhos.
— Está faltando uma coisa.
— O quê? — ele pergunta, intrigado.
— Cadê as flores?
Ele franze o cenho.
— Sério?
— Eu aceito. — E nossos lábios se encontram novamente, sua língua
invade perfeitamente minha boca, com paixão. O nosso ritmo é... O nosso
ritmo! Quando ele me beija, o universo grita e tudo se torna pequeno e
invisível.
Estou em um lugar escuro, não consigo ver nada além de ouvir o choro
da minha mãe. Tento entender de onde o som vem, mas é impossível, sem ver
nada.
— Mãe! — grito.
Mas ela não responde. O choro aumenta e agora ela grita, chamando por
socorro.
— Mãe, onde você está?! Mãe!!! — Meu desespero aumenta, então,
mesmo no escuro, ando tentando encontrá-la.
— Mãe, vou te encontrar, espera, estou a caminho.
Agora ouço outra voz, masculina, gritando algo que não entendo, um
medo toma conta de mim.
Um tiro, meu Deus, um tiro.
— Mãe, você está bem?! Mãe!!!
Não ouço mais sua voz, não ouço mais ninguém.
— Mãe, não!
Acordo, em um sobressalto, com os olhos saltados e coração acelerado.
— Júlia, o que houve?
— Onde estou? — Meus olhos, desesperados, percorrem o ambiente em
busca de resposta.
— Na minha casa, o que houve? Está pálida, vem cá. — Ele me
acomoda em seus braços, deitando-me novamente. Acariciando meus
cabelos, Ricky me acalma. — Está melhor?
Minha alma volta ao corpo e passo raciocinar novamente. Mas a
sensação de medo e pânico ainda permanece.
— Sim, tive um sonho. Quer dizer, pesadelo. — Minha respiração ainda
está alterada.
— Ouvi você chamar sua mãe, foi com ela?
— Sim. Mas ouvi a voz do meu pai e um tiro. — Meu coração aperta e
falta ar no meu peito.
— Quer falar sobre isso, quero dizer, sobre o seu pai? — Seu tom é
cauteloso.
— Não, melhor não.
— Certo.
— Prometo que, em outro momento, te conto tudo. Não hoje, nem
agora. Tudo bem?
— Sim, linda.
— Obrigada por estar comigo.
— Boa noite, meu anjo.
Com os pensamentos na minha mãe, eu adormeço nos braços de Ricky.
No caminho para minha casa sinto-me esquisita com o
sonho, a sensação de medo que senti foi intensa. Este sonho me perturbou um
pouco. E ao mesmo tempo estou muito feliz em iniciar um relacionamento
com Ricky, sei que vamos aprender juntos a lidar um com o outro, e
principalmente a fortalecer o nosso namoro. Me entreguei de coração, estar
com Ricky é estar completa. E, acima de tudo, ele é um príncipe devasso,
uma aventura interminável, e quando os nossos corpos se encontram, nos
permitimos prazer extremo.
Em um piscar de olhos, estamos no meu prédio.
— Você me espera? Não vou demorar. — Abro a porta do carro para
sair.
— Eu achei que seria apresentado para sua mãe. — Sua fala inusitada
me surpreende. Realmente ele quer entrar no meu mundo, e conhecer a minha
mãe é um bom começo.
— Sério? Às 7h da manhã? Quer morrer? — o desafio.
— Ela tem que saber que estamos juntos, você passou a noite comigo.
Tenho que me apresentar.
— Tem certeza?
Ele sai do carro.
— Claro, linda. Vamos!
Meu rosto ilumina-se com a atitude linda do meu namorado.
Entramos em casa, aparentemente minha mãe não está, este horário o
aroma do café já está pela casa. E ela pronta e linda para o trabalho.
— Sente-se, por favor. Eu acho que não tem ninguém em casa. Não
entendo, minha mãe já era para estar acordada. Vou ver se ela está no quarto.
Fique à vontade.
Ele sorri, passando as mãos nas calças. Não acredito Ricky está uma
pilha de nervos.
— Na verdade... — Ele hesita. — Estou nervoso.
— Por quê? Você já conhece a minha mãe. Lembra?
— Em outra situação, lembra? — Sua voz soa um pouco tensa e ele
pigarreia.
— Incrível. O executivo Richard McGuire está com medo da dona Ana,
minha mãe. — Não consigo me conter e solto uma gargalhada.
Ele arqueia uma sobrancelha e me encara, sério.
— Certo. — Tento parar de rir. — Vou me trocar, se importa de ficar
aqui um instante?
— Ok. — Ele se acomoda no sofá.
Beijo-o e saio.
Ainda meio anestesiada com tudo que estou vivendo, jogo-me na minha
cama e abraço o meu travesseiro. Ele realmente está na minha sala? Sim! E a
menininha boba e feliz surge, levanto na minha cama e pulo continuamente,
quero gritar para o mundo que Ricky é meu, quero que todos saibam que
estou feliz e... atrasada.
Como já tomei banho, me arrumo rápido, coloco um vestido preto
simples, porém, elegante, minha vontade é colocar um All Star, mas coloco
uma sandália bege nos pés e o All Star na bolsa, para usar na universidade.
Rapidamente passo uma maquiagem leve e penteio os cabelos, fazendo
cachos grandes com o babyliss, brincos e um bracelete. Estou ótima. Troco a
bolsa e volto para sala.
Encontro minha mãe, em pé, na frente do Ricky, com uma xícara de café
nas mãos.
— Mãe, tudo bem?
— Sim, está! — Olho para ela, está com olheiras enormes, cabelos
despenteados e roupas... Que roupas são estas? Minha mãe está um trapo,
estou muito preocupada, aconteceu alguma coisa.
— Mãe, você já conhece o Ricky. Ele veio me trazer, para eu me trocar
e irmos para o trabalho — digo, cautelosa.
— Sim. E eu já conversei com ele. — Seu tom é gentil.
— Sério? Que bom. Tudo certo? — pergunto para o Ricky.
— Sim, tudo, sua mãe é muito... Simpática. — Ele sorri. — Ela me disse
que se eu pisar na bola contigo, ela me mata.
Oi?
Minha mãe sorri.
— Que bom que entendeu... — diz minha mãe, depois pisca para o
Ricky.
— Certo! Que bom que se entenderam. — Encaro minha mãe. — Você
está bem? Estava onde, tão cedo? — pergunto, pois estou muito preocupada.
Preciso saber o que está acontecendo.
— Depois nos falamos, melhor ir trabalhar. Ricky, tenha um bom dia.
— Ela me beija no rosto e sai.
Fico observando sua saída, sem entender. Meu sonho esquisito está me
avisando sobre algo. Tenho que passar mais tempo com a minha mãe, ela está
me escondendo alguma coisa. Eu sinto. Ricky coloca a mão no meu ombro.
— Está pronta?
— Sim, vamos.
E saímos.
No caminho, fico quieta, estou preocupada.
Será que ele saiu e está atormentando-a?
Meu pai sempre esteve metido com as pessoas erradas, até uma parte da
minha vida, eu não sabia de nada e, com nove anos, minha mãe me contou
que meu pai estava preso por ter feito coisas... E eu não podia ter contato com
ele.
Agora foi meu tio Jorge que contou tudo, depois de muita insistência,
disse sem rodeios que meu pai é um bandido perigoso, que costuma
assassinar suas vítimas em assaltos. Comecei a pesquisar seus assaltos e
sequestros, passando, assim, a odiá-lo.
Nunca o vi pessoalmente e não quero. Prefiro a distância, não sei qual
seria a minha reação se um dia ele estivesse na minha frente. Meus olhos já
revelam meus sentimentos, só de pensar no meu pai, meu estômago revira.
— Está tudo bem? — Seu tom é preocupado.
— Sim, está. — Tento disfarçar, olhando pela janela do carro. —
Estamos chegando?
— Sim, quer tomar café antes de entrarmos no prédio?
— Sim, preciso de cafeína. — Sorrio.
Estacionamos em um café bem aconchegante no Centro, sentamos em
uma mesinha no canto, tomamos o nosso café e conversamos. Tento eliminar
da minha mente os acontecimentos com meu pai. Preciso esquecer este lado
sombrio que está me atormentando.
Aproveito a companhia do Ricky, que tenta me fazer rir a qualquer
custo. Dentro do elevador, estamos sozinhos, ele me beija, desejando um
ótimo dia. E descemos no nosso andar.
Eu vou para a mesa do Edu, que está fazendo anotações, sei que ele me
viu chegar, porém, permanece concentrado ou me ignorando.
— Bom dia! — digo, colocando minha bolsa sobre a mesa.
— Bom dia, Júlia. — Ele inclina sua cabeça para me olhar. — Aliás, sua
mesa chegou.
Não tinha percebido, mas há duas novas mesas, uma na lateral da do
Edu, e outra atrás.
— Você vai ficar nesta na lateral e a Guta na detrás.
Resumindo, vou ficar ao lado dele, e isso me deixa tensa e preocupada,
porque sei que Ricky não vai gostar.
— Que incrível — respondo, tentando disfarçar minha preocupação. —
A Guta chegou?
— Sim, está na copa.
Não sei por que, mas sinto vontade de explicar para ele o que está
acontecendo. Ele sempre foi muito gentil comigo.
— Obrigada. Edu... sobre ontem, eu...
— Não esquenta, sei que não sai com colegas de trabalho — diz
simplesmente, saindo em seguida.
POW!
Sinto-me sendo golpeada igual nos quadrinhos.
Permaneço parada, sem reação, depois do soco verbal que acabei de
tomar. Sei bem o que ele quis dizer com isso. Tenho que me preparar, as
coisas serão complicadas daqui para frente.
Preciso de mais café, vou até a copa, a Guta está comendo rosquinha,
sentada e mexendo no celular.
— Bom dia.
— Bom dia, girl. Como você está?
— Bem, e você?
— Bem. Você viu nossas mesas? Que arraso. Agora temos mesa,
notebook e caneta. — Ela brinca.
— Sim, me sinto parte da equipe.
— Jura? — Ela arqueia uma sobrancelha.
Posso ver no rosto da Guta que ela sabe, seu sorrisinho no canto da boca
é revelador. É claro... Edu, sem sombra de dúvidas.
Sabia que ele não iria guardar segredo, o difícil vai ser trabalhar com
ele, com o ar de “Júlia, você sai com o chefe”.
Argh.
—Você conversou com o Edu hoje, Guta?
— Sim, muito, ele...
— Tá, pergunta! — Sei bem o que ela quer saber.
— Você, por acaso, está...?
Antes que ela termine a frase, eu completo:
— Estou! Mas aqui não. Falamos disso na hora do almoço, no Chill, por
minha conta.
Ela pisca e faz sinal de boca fechada, saindo porta afora.
— Você não vem? — Ela retorna de súbito, me assusto com a xícara de
café nas mãos.
— Sim, um momento.
Voltamos para o grande escritório e vou até minha mesa, todos estão
trabalhando. Guta e eu temos vários relatórios para analisar e alguns para
fazer. Estudo delicadamente o processo de planejamento que quer investir em
influenciadores para a W.E Universities aqui no Brasil, quem vai produzir o
conteúdo digital é o setor de publicidade e propaganda, temos todos os
setores de produção, desde o planejamento, desenvolvimento, criação e
relações públicas. Trabalhamos todas as etapas, na própria W.E.
Genial.
Estou focada no trabalho e o Ricky está em reunião a manhã inteira. Eu
não vi a Ellen hoje, será que ela não veio trabalhar?
Vejo um entregador entrando no andar com um buquê de rosas
vermelhas gigante, ele pergunta para a recepcionista alguma coisa e vem na
minha direção.
— Bom dia, você é a Júlia Sales? — o entregador pergunta e eu não
consigo ver o seu rosto, porque o buquê é grande o suficiente para cobri-lo.
Então levanto e tento encontrá-lo.
— Oi...
— Desculpe... posso colocá-lo aqui? — ele pergunta, enquanto apoia o
buquê na beirada da minha mesa.
— Sim... — Acaricio uma rosa, ela está aberta, meus olhos percorrem
todo o buquê, é lindo. — Júlia Sales sou eu.
— Essas rosas são para você.
— São lindas, obrigada.
— Assine aqui, por favor. — Ele me entrega um papel e eu assino. A
Guta fica boquiaberta. Pego o cartão, um lindo envelope dourado.
Abro-o.
O buquê permanece na beirada da mesa, olho para Guta, ela pisca, mas
não fala nada. Ela sabe que falar sobre isso aqui não é conveniente. Tento me
concentrar no trabalho até a hora do almoço, mas com essas rosas na mesa,
está difícil. O Edu não retornou mais à mesa dele, desde cedo, quando nos
encontramos. Será que aconteceu alguma coisa?
E agora? Marquei com a Guta e não posso deixá-la na mão, mas também
quero almoçar com Ricky, estou extremamente confusa.
Ele demora um pouco para responder e me sinto angustiada, será que ele
ficou chateado? Depois de me enviar rosas vermelhas pela manhã, ele quer
me levar para almoçar e eu recuso, certamente ele ficou chateado.
Acho que seria esquisito para a Guta almoçar com Ricky, eu também
vou ficar desconfortável, a Guta o conhece como chefe, e nós estamos no
início do namoro, sei lá, é estranho, não?
Como assim, ‘’Ok’’? Poderia ser “Tá bom amor, nos vemos à noite”, ele
não deve estar acostumado a receber “não”. O Ricky deve ter tido tudo que
quis a vida inteira. Receber uma resposta negativa, não é aceitável. Mas vou
seguir meus planos, encontro a Guta no hall do elevador e descemos.
Preciso conversar com alguém, uma amiga para dividir tudo isso que
está acontecendo, talvez seus conselhos vão me fortalecer. A Guta é moderna
e tem uma personalidade incrível, nos conhecemos há pouco tempo, mas
temos uma conexão. Acredito que ela vai ser sincera comigo.
Chegamos ao Chill, que está uma loucura de cheio, sentamos em uma
mesa do fundo, para conversamos melhor. O Chill está igual a uma barata
tonta, acredito que a Duda não tenha retornado, por conta do filho.
Fazemos os nossos pedidos e esperamos.
Guta olha para mim, olhos brilhantes e cheios de perguntas.
— Posso? — ela pergunta, empolgada para me metralhar.
Assinto.
— Girl, como, onde e quando? — Ela se inclina, esperando a resposta.
— Calma, Guta.
— Calma? — Ela mal consegue conter a excitação. — Menina, você
está com o dono da porra toda, tem noção?
— Sim. E isso me assusta. — Bato a minha testa na mesa e balanço a
cabeça.
— Sério. O cara é... — Ela fica muda, levanto meu rosto para saber o
porquê, e sigo seus olhos congelados.
O Ricky está vindo na nossa direção, volto-me para a Guta, que continua
congelada.
— Olá! — ele nos cumprimenta, com sorriso lindo.
— Olá! — Guta responde, meio hipnotizada com a presença de Ricky.
— Ricky, você... — Pisco três vezes, tentando entender.
— Você não quis almoçar comigo, então eu vim até você. — Ele passa
uma das mãos nos cabelos, os deixando meios bagunçados, porém, perfeitos,
e eu já estou derretida com seu charme.
Certo, senta aí e me beija.
— Estou feliz por estar aqui. — Pisco para ele, olho para a Guta, que
permanece de boca aberta. — Guta, você já conhece o Ricky.
— Sim, claro. — Ela balança a cabeça, se livrando do transe. — Tudo
bem? Chefe... opa, quer dizer, Ricky.
Ricky e eu rimos com o embaraço da Guta.
— Sim, não se importa de eu almoçar com vocês?
— Claro que não — Guta diz, sem jeito.
— Você gosta de hambúrguer? — pergunto.
— Claro! Inclusive, já vim aqui algumas vezes e conheço o Chill.
— Sério? — Arqueio uma sobrancelha, adoro este lado simples do
Ricky. — Você me surpreende.
— Não mais que você. — Ele senta-se e acaricia meu rosto e nós
olhamos por alguns segundos. Esquecendo que a Guta está ali.
— Oi, gente, tô aqui. — Ela estrala o dedo para chamar a nossa atenção.
— Desculpe, Guta — falo, piscando para ela.
— Chill, traz o duplo, por favor — pede Ricky.
Guta e eu nós olhamos, assustadas, realmente ele está com fome.
Enquanto aguardamos o duplo X-bacon do Ricky chegar, ele nos faz rir
com suas piadas sem graça, adoro vê-lo no seu lado mais leve, conversando
casualmente e se divertindo, sem o peso de chefe. Ele, como sempre, muito
carinhoso, acariciando o meu rosto e me dando beijinhos o tempo todo.
— Quem pediu um duplo? — pergunta Duda, com a bandeja nas mãos.
— Foi eu — revela Ricky, virando-se para receber seu hambúrguer
gigante.
— Richard? — Duda diz, surpresa em vê-lo.
Assisto a cena e percebo que Ricky também se surpreendeu com a
presença da Duda.
— Olá. — Ele, franze a testa. — Como vai?
— Vocês se conhecem? — pergunto, intrigada.
A Duda, enfim, olha para mim, sinto um desconforto no seu olhar, ela se
atrapalha ao colocar a bandeja sobre a mesa, meus olhos fixam nos dela.
— Sim, Richard é um cliente antigo do Chill — ela conta, enquanto
serve o hambúrguer para o Ricky. — Então... tudo certo... — Apressa-se em
sair.
— Duda — Guta, chama.
Ela vira-se, seu olhar agora está impaciente, e eu estou incomodada com
isso.
— Seu filho, como está? — Guta pergunta.
— Filho? — Ricky também pergunta, porém, surpreso.
— Sim, a Duda tem um menino lindo — murmura Guta.
Ricky olha para ela, depois para mim.
— Está melhorando, obrigada por perguntar. — E sai apressada,
desaparecendo no balcão.
— Ela ficou nervosa, né?! — Guta comenta. — Deve ser a preocupação,
o filho dela está doente.
— Estou surpreso em saber que ela tem um filho, conheço a Eduarda há
muito tempo, como disse, vinha sempre aqui, o Nicholas e eu... — Ele, hesita
por um momento e continua: — O que ele tem... o filho dela?
— Algo grave... — resume Guta, com o olhar entristecido, por saber de
fato o que se passa com o menino. — Mas agora — ela olha para o
hambúrguer —, você vai comer tudo isso?
— Não, Ricky, olha o tamanho deste hambúrguer. — Sorrio, tentando
disfarça o meu desconforto, está claro que eles se conhecem e ficaram
surpreendentemente nervosos com a presença um do outro.
— Apostas sobre a mesa? — ele sugere, com o tom divertido.
Como era previsto, Guta e eu, ganhamos a aposta, ele não conseguiu
terminar de comer, deixando menos que a metade do hambúrguer. O nosso
almoço foi tranquilo, com exceção do momento da Duda, mas não posso e
não quero me apegar, já tenho o fantasma da Ellen que me atormenta, então
não vou ser uma namorada ciumenta e desconfiada.
No caminho de volta para o prédio, fico brava, porque ele quis pagar a
conta, tenho o meu dinheiro. É claro que não posso pagar a conta do La Grill,
é o meu salário inteiro, mas um único almoço no Chill, eu posso.
Quando entramos no prédio, observo os olhares para Ricky, as
recepcionistas só faltam dar a calcinha para ele. Ele causa impacto. Minha
vontade é falar que ele é meu, mas me contenho.
Chegamos ao nosso andar, ele pisca e vai para a sala da Ellen, ainda não
estou à vontade com isso, toda vez que ele entra na sala dela, meu alarme de
ciúme apita. Mas no ambiente de trabalho, temos que manter o controle.
Guta e eu vamos para a copa.
— Girl, este cara está louco por você.
— E eu por ele. — Suspiro.
— Menina, temos que conversar, preciso saber como tudo aconteceu.
No final de semana?
Vai ser bom conversar com uma amiga.
— Certo. Agora, evita comentar com as pessoas. Ele não quer se
esconder, mas eu quero discrição.
E quero mesmo, ninguém precisa saber da nossa relação. Podemos
manter o profissionalismo aqui na empresa.
— Você sabe que as pessoas vão apontar você como a namoradinha do
chefe — comenta, e afina voz quando fala a palavra namoradinha.
— Eu sei, só não sei se vou saber lidar com isso. — Escoro no armário.
— Mas eu estou apaixonada, Guta.
— Eu sei. — Ela pausa e nós duas suspiramos, sorrindo em seguida. —
Melhor voltarmos, temos muita coisa para fazer e hoje tem aula.
— Eu sei. Tenho que pegar meu plano de aula, como está o semestre?
— Tranquilo, não teremos aula na segunda e sexta.
— Legal, vamos juntas, o Ricky vai me levar. Tudo bem?
— O quê? Beleza, sem problemas para mim.
Sorrimos e voltamos.
O dia passa rápido, a cada dia eu me apaixono pelo meu trabalho, é
sensacional a área de Marketing e como as possibilidades de se criar e
modificar o mercado me intriga.
O Ricky me deixa na universidade com a Guta, hoje eu tenho que ir para
casa, preciso conversar com a minha mãe. Sei que tem algo acontecendo e
preciso descobrir o que é.
Estou encantada com a universidade, o prédio é moderno com
tecnologia avançada e estudantes milionários, que chegam em seus carros e
malas importadas, com seus motoristas. Parecem que vão viajar, ao invés de
estudar.
Minha sala tem pessoas legais, esnobes, e eu e a Guta. Mas o que eu
podia esperar do nível da W.E?
Final da aula, no metrô, recebo uma mensagem do Ricky.
Sei que tenho que falar para ele do meu pai, quer dizer, do homem que
quer acabar com minha vida e está acabando com a da minha mãe. Mas tenho
que esperar, não quero envolver Ricky nos meus problemas.
— Mãe, durma bem, tenho certeza de que o Marcos vai cuidar de você,
fica com Deus. Te amo... Tchau, mãe. — Desligo o celular e volto para o
Ricky, que está lindo, na cozinha, tentando cozinhar macarrão.
— Desde quando você faz isso, quer dizer, cozinhar? — quero saber,
escorando os cotovelos na bancada.
— Eu sou quase um chefe do macarrão instantâneo — ele diz, enquanto
mexe o macarrão na panela, que está fervendo.
— Minha mãe vai dormir no Marcos, assim eu posso ficar com você.
Vou até ele, abraço-o, meu corpo recebe o calor do seu, ele está de
costas para mim, minhas mãos percorrem os botões da sua camisa, os abrindo
com delicadeza.
— Como posso cozinhar assim...
— Você prepara o macarrão, e eu... hum... preparo você. — Meus lábios
saboreiam seu pescoço, mesmo eu sendo menor, fico nas pontas dos pés para
alcançá-lo. — O que acha?
Ele geme.
— Acho ótimo. — Ele gira seu corpo, levando o meu para a bancada à
frente, me pressionando. — Você não quer jantar?
— Sim, quero. — Meu olhar faminto aprecia o seu peitoral definido,
como um banquete a ser servido. — Acredite, meu jantar está bem aqui...
Ele cala-me com um beijo, sua língua macia invade minha boca, como
sempre, excitantemente. Não sei quanto tempo ficamos nos beijando, até ele
me levantar, colocando-me sentada em cima da bancada. Ele posiciona-se
entre as minhas pernas, tiro a minha camiseta e ele tira o meu sutiã. Com o
olhar de fascínio, ele admira os meus seios volumosos, os tocando com as
mãos, meus mamilos já enrijecidos pelo seu toque, recebem sua boca.
Ricky conhece o meu corpo e sabe onde me tocar para me levar à
loucura, suas mãos grandes e macias me apertam, me percorrem. Deito-me na
bancada, ele abre as minhas pernas, ainda mais, eu já estou pronta para ele.
Quando o sinto dentro de mim, grosso e quente, me penetrando intensamente,
não há lugar no mundo que eu queira estar, a não ser ao seu lado. Fazendo
amor...
Eu – Sim, único.
Em casa, vou direto para o meu quarto, arrastando o meu corpo como
um fardo, jogo-me na cama, como se estivesse me jogando no abismo, minha
mãe coloca o edredom sobre meu corpo encolhido e tenta conversar, mas eu
fecho os olhos, carregados de tristeza.
Ela entende, me deixando sozinha, abraço o meu travesseiro, como se
pudesse dividir com ele a minha dor e choro como nunca.
Ele não podia desconfiar de mim.
Como pôde me expulsar daquela forma?
Vou morrer sem notícias do Ricky. Meu corpo inteiro está doendo,
como se estivesse em colapso. Como meu pai, quer dizer, esse homem, foi
capaz de fazer isso, por quê? Pelo dinheiro, é claro, mas no caso do Ricky, é
para me ferir, certamente. Por não ter conversado com ele, quando tentou se
aproximar.
Maldito! Maldito! Maldito!
O ódio que tenho por ele aumenta, fazendo meu coração, já ferido,
sangrar ainda mais. Não basta o que ele fez com a minha mãe, a ferindo
mentalmente e fisicamente, agora ele quer acabar com a minha vida.
Olho para minha mesinha de cabeceira e pego o porta-retratos, tem uma
foto minha e do Ricky, quando fomos para o Sul, na Serra, Ricky e eu
abraçados no pôr do sol, coloco-a em cima do meu peito, as lembranças me
vem à cabeça. Nestes últimos meses vivemos um romance intenso, nos vimos
quase todos os dias e nos entregamos ao nosso amor.
Impossível reconhecer o Ricky que conheci, totalmente pragmático para
o meu namorado amoroso e apaixonado. Não sei viver sem ele e preciso
encontrar uma forma de voltar para a casa do meu tio e ficar por dentro da
investigação.
Horas passam e não consigo dormir, olho pela janela e já amanheceu,
vou até a cozinha e bebo um copo de água, volto para o meu quarto e deito-
me novamente, minha mãe, de hora em hora, me espia no quarto, onde eu
vegeto o dia inteiro.
A noite chega e o meu dia foi andar pela a casa e deitar na cama. Não
consegui comer, nem tomar banho e minha cabeça está no Ricky.
Ligo a televisão para ver as notícias. A Ellen dá uma entrevista rápida ao
entrar na casa do meu tio, agora ela está lá e não eu.
Merda.
Ouço vozes na sala e corro para ver quem é, vejo minha prima Mel, que
olha o meu estado lamentável e vem ao meu encontro, com os braços abertos.
Me aconchego em seus braços e choro.
Minha irmã voltou para mim, eu precisava dela, de alguma forma,
independente do que aconteceu, eu ainda a amo.
— Jully, chora, desabafa. Eu estou aqui — ela diz, acariciando meu
cabelo.
Minha mãe nos deixa sozinhas.
— Eu sei, preciso de você.
— Senti sua falta.
— Eu também. — Sentamos no sofá. — Mas me diga, o que está
acontecendo lá?
— Nicholas está surtado, achando que temos algo com o sequestro,
minha família está em um hotel, e a casa, por enquanto, está sob o uso da
polícia, pelo menos até amanhã.
— O que vai acontecer amanhã? Vão pagar o resgate? — pergunto,
temerosa.
— Provável. Mas eles querem pegar os sequestradores.
— Os pais do Ricky acreditaram nas desconfianças do Nicholas? —
Levanto e começo a andar de um lado para o outro, com a minha
impaciência. — Eles acham que faço parte desta merda toda?
— A Sara ainda está no hospital... não sei, o Rubem não me disse nada.
O Nicholas está transtornado.
— Eu sei.
— Mas o César é muito competente e amigo do Ricky. Tudo será
descoberto, você vai ver — completa, com um tom confiante, que acalma
meu coração, por ora.
— Espero... Não sei viver mais sem o Ricky, meu coração está em
pedaços só de pensar no que meu pai, aquele maldito, pode fazer com ele.
— Ainda não temos certeza se o seu pai é o mandante pelo sequestro.
— Deve ser, eu sinto. Tem alguma coisa nesta história que me intriga.
Ele deve estar envolvido. Não consigo ficar aqui parada, preciso ajudar, de
alguma forma.
— Mas o Nicholas não quer que nos aproximemos. — Ela levanta-se e
segura minhas mãos. — Então, tenta descansar.
— Olha o que eu trouxe. — Entra minha mãe com uma bandeja. —
Júlia, você precisa comer para ficar forte. Quando o Ricky for libertado, você
tem que estar linda para recebê-lo.
— O Nicholas não vai deixar eu chegar perto dele — resmungo,
derrotada.
— Não temos nada a ver com este sequestro, todos vão saber. — Minha
mãe coloca a bandeja na mesa de centro e senta-se ao meu lado. — Você vai
se acertar com a família do Ricky, só tem que manter a calma. — Acaricia
meu rosto. — Agora, coma, por favor. Eu vou aproveitar que a Mel está com
você e vou dar uma passada rápida no salão. Já volto. — Ela beija a minha
testa com carinho, pega sua bolsa e sai.
— Jully, eu sei que agora não é o momento, mas preciso te dizer algo
importante — diz, com o semblante entristecido.
— Mel, estou com a cabeça a mil. Acredito que agora não é a hora certa
para acertarmos as nossas diferenças ou mágoas.
— Mas eu preciso...
— Agora não...
— Só me escuta, por favor... — Seus olhos refletem os meus, quando
suplicava uma oportunidade de me explicar para o Nicholas.
Assinto.
— Preciso te pedir perdão, fui uma tola, idiota. Como pude cair na lábia
daquele... Idiota... Escroto! Juro que não vou colocar a culpa na minha
imaturidade, mas fui relapsa em deixar me envolver. A culpa é minha, não
dele. Eu sinto muito sua falta, não imaginava que sentiria tanto. Você me
perdoa?
Fico por uns segundos olhando para ela e me lembrando da cena, de
chegar toda feliz no apartamento do meu namorado e vê-lo em cima da minha
prima, nua, na cama. Estas imagens ficaram na minha cabeça durante um ano,
depois, conforme não os via mais, elas foram se apagando. Agora, com ela na
minha frente, tudo retorna. Mas chega, preciso virar esta página. Tudo
mudou, eu mudei e não quero mais sentir ódio.
— Eu... — Hesito, encontrando o ar que me falta. — Foi muito dolorido
ver você aquele dia, na cama daquele idiota. Mas hoje, avaliando tudo, o
nosso passado vale mais que aquele momento. A ferida está quase
cicatrizada. Vamos recomeçar... Ok?
Com um abraço e o choro engasgado, nos perdoamos, de certa forma.
Melissa sempre foi muito importante para mim, por isso que a traição dela
me feriu tanto. Mas chegou a hora de perdoá-la. Quem sou eu para julgá-la?
Somos humanas e erramos. Chega de ódio.
Melissa dormiu em casa, conversamos a noite toda, sobre tudo,
principalmente sobre sexo, trocamos experiências sobre os homens McGuire.
Engraçado, somos duas bobas e apaixonadas.
Ela me contou sobre a viagem, o apartamento e o curso que ela quer
fazer. Tudo estava perfeito, até o Ricky ser sequestrado pelo meu pai.
Convenço-a a ligar para o Rubem, para saber notícias, mas está tudo sigiloso,
nada até o momento. Dormimos de conchinha, como quando éramos
crianças. Não consegui parar de pensar no Ricky, mas pelo menos parei de
chorar o tempo todo.
Desperto cedo e ligo a TV, para ver as notícias, já que Rubem não me
informou nada.
Mel e eu tomamos café, eu somente café mesmo, não consigo comer. E
ela vai embora logo em seguida.
As notícias, tanto na TV como na internet, são vagas. Passo o dia
andando igual a uma barata tonta pela casa.
Toda vez que as imagens do Ricky sendo espancado vêm à minha
mente, quebro alguma coisa, estou quase sem xícaras, a maioria está em
cacos no chão.
Meu interfone toca e o porteiro anuncia dois amigos, Guta e Rael. Eu
acabei me esquecendo da W.E, deve estar uma loucura por lá, como eu estou
sem celular, não falei com ninguém nesses últimos três dias.
— Girl, meu Deus, como você está? — Com os braços abertos, a Guta
entra em minha sala.
Minhas lágrimas retornam para os meus olhos e não consigo me conter.
Rael, com um olhar triste, me abraça. Eu tento explicar o que aconteceu,
porém, os meus soluços me impedem. Eles me ouvem e são muito carinhosos
comigo, fiz ótimos amigos, em tão pouco tempo.
— Como o irmão dele pode pensar uma coisa dessa de você? Ele é
louco? — indigna-se Rael.
— Tentamos te ligar, mas você não atendia, assim que vimos a notícia
na TV, viemos aqui, mas não tinha ninguém.
— Meu celular está com eles, é a fonte de comunicação com os
sequestradores. Agora, eu não tenho mais notícias... — Lanço os braços no
ar. — Estou aqui, trancada, sem saber o que está acontecendo.
— A Ellen não foi hoje e estão todos estranhos na W.E com a notícia.
Mas agora me fale, com franqueza, seu pai pode estar envolvido, conforme
você disse? — pergunta Guta.
— Sim... Pior que sim. Maldito, como ele pôde? — falo, já dominada
por um sentimento de fúria, em um impulso, lanço a xícara de café em
minhas mãos na parede.
Guta e Rael se assustam.
Coloco a mãos no rosto e as lágrimas surgem novamente.
— Calma, girl, você precisa ficar calma, já foi parar no hospital, quer ter
outro piripaque? — Guta tenta me acalmar.
— Não entendo como isso pôde acontecer, a culpa é minha, por ser filha
deste monstro.
Rael recolhe os cacos do chão, mas inclina-se para olhar nos meus
olhos.
— Não se culpe, é uma fatalidade. E, outra coisa, você não tem culpa de
ter um pai assim, e ainda não sabemos se foi ele — murmura Rael, com seu
tom cauteloso.
— Gente, vocês não podem contar para ninguém, pelo amor de Deus,
são informações sigilosas. Se a mídia souber, eu não terei mais sossego.
Entenderam?
— Claro, girl. Endoidou? Jamais abriríamos a boca! — exclama Guta.
— Fica tranquila, agora tenta descansar. E se você precisar de qualquer
coisa, me liga. Se pudesse, ficaria mais, mas tenho que ir para a universidade
— diz Rael, jogando os cacos na lixeira.
— Não sei o que fazer, não tenho cabeça para nada.
— Mas é claro que não... — Guta passa as mãos nos meus cabelos. —
Vai dar tudo certo, vão pegar estes bandidos e o Ricky vai ficar bem —
adiciona Guta, transparecendo positividade.
Hoje eles têm aula, assim como eu, mas não tenho cabeça para o
trabalho nem para a universidade. Até que o Ricky esteja a salvo, minha vida
estacionou.
Desperto com água fria em meu rosto, meus olhos inchados
forçam-se para abrir, esforço negado, não consigo, meu corpo pesado tortura-
se a cada respiração, dói tanto respirar; meu estômago, constantemente
dolorido, contorce com uma ânsia permanente.
Ouço vozes, talvez umas três pessoas circulam pelo cômodo, um
cômodo mais amplo, pois sinto uma corrente de ar constante cruzar meu
corpo.
Tenho que abrir os olhos, para tentar identificar o lugar.
Eles estão agitados, os passos estão fortes e contínuos. Pelo o que
percebo, estão se preparando para algo, sinto uma respiração no meu ouvido.
— Ô, senhor bosta, não abra a boca, entendeu? — Um murro na minha
nuca, faz com que minha cabeça latejante balance, suspensa, em meu
pescoço. — Agora, liga, chefe. Vou ficar do lado dele.
— Não abra a boca, meu genro. — Sua mão segura meu rosto, o virando
de um lado para o outro. — Você não é mais tão galã como antes, seu rosto
encontra-se um pouco desconfigurado, desculpe.
Ouço risos e deboches no local, em direções diversas, quantas pessoas
estão envolvidas nesta merda?
— Liga, chefe, o nosso tempo está apertado.
— Fim do jogo, cadê o fone?
— Aqui, chefe.
Esta voz é nova, bem mais grave que as demais.
— Está chamando... vou deixar no viva-voz para o meu genro ouvir.
Minha filha deve estar nervosa para atender. — O cheiro da fumaça do
cigarro barato atravessa o meu rosto, aspiro este cheiro contra vontade, e um
enjoo imediato ocupa meu estômago. — Será que ainda está no hospital?
Menina fraca, não puxou ao pai.
Vou ouvir a voz da Júlia, isso me concede um fio de vida... Espere, ele
falou hospital? Não suportarei, se acontecer algo com a Julia, eu...
— Alô...
É a voz do meu irmão.
— Como vai, cunhado?
— Não muito bem e você?
Nicholas, sempre sarcástico.
— Eu? Estou ótimo! Quero falar com a Júlia.
— Como eu te disse, a Júlia está internada por conta do colapso nervoso,
vamos finalizar isso. Como está meu irmão, gostaria de falar com ele, posso?
Minha linda está internada.
— Você não está mentindo, referente à Júlia, está?
Percebo que o seu tom é duvidoso, por que motivos o Nicholas
mentiria?
— Os vídeos que vocês mandaram, acredito que seja o suficiente para
ela estar no hospital.
Vídeos? Eles filmaram quando me batiam? Meu Deus, meu amor deve
estar sofrendo muito. Eu preciso sair daqui. Preciso sair vivo daqui.
— Posso falar com o meu irmão? Por favor!
— Ele ficou educado. — Todos os presentes riem, um riso debochado,
só não sei quantas pessoas estão na sala, meus olhos não abrem. — Certo,
cunhado, fale, ele está te escutando.
— Meu irmão está aí?
— Sim, está!
— Mano, Ricky.... — Ouço a voz rouca de Nicholas ficar embargada.
— Vamos pagar para eles, e você vai ser libertado. Estamos todos esperando
você, mano.
Há uma pausa, Nicholas está nervoso.
— Estamos esperando você, Ricky. Por que ele não fala? Vocês o
doparam?
— Fica calmo, cunhado. Talvez só não queremos que ele fale. Mas o
cara está bem, está até corado. Agora, até mais, ligo em uma hora.
Tu tu tu tu...
— Quase, passou da hora, quer que eles nos rastreiem, chefe?
— Não farão, o Brigadeiro tem tudo sob controle, ou... — Um silêncio
toma conta do cômodo. — O cunhado estava calmo demais, eles devem ter
algo, por mais que o plano seja perfeito, sei que tem, merda. — Ouço o
barulho de alguma coisa quebrar com sua queda, deve ser uma cadeira. —
Então, vamos aos detalhes finais, leva ele e injeta um duplo.
Como? Mais drogas, meu corpo inútil não consegue reagir às palavras
deste filho da puta.
— Chefe, tem certeza? Talvez ele não volte mais.
— Foda-se, faça agora.
Meu corpo move-se e as minhas pernas, inválidas, percorrem o solo, um
impulso violento ergue o meu corpo, que sente o impacto doloroso da queda
no chão. Alguma coisa pressiona meu tórax, e alguém estica o meu braço. A
violência das ações vindas de diversos ângulos, faz com que meu corpo se
contorça com uma dor que já não sei mais descrever. O ardido de um líquido
extremamente quente percorre minhas veias, deixando-as pulsantes e ávidas,
permite rapidamente uma sensação anestésica, porém, flutuante e, ao mesmo
tempo, atordoante. Tira-me a dor por alguns segundos, meu corpo torna-se
leve e minha mente trabalha a mil.
Como uma memória, meu corpo viajante é capaz ver a Júlia ao meu
lado.
— Obrigada, as flores são lindas. — Seus olhos percorrendo meu tórax,
me excitando ainda mais.
— Você disse que queria flores...
— Rosas vermelhas, significa amor eterno.
— É isso que eu quero com você, linda.
— Jura? Não está brincando comigo?
— Não brincaria com você!
Nunca seria capaz de brincar com ela, o que tenho ao lado da Júlia é
VIDA, não sabia o que era viver até conhecê-la, seu corpo completamente nu
me vem à memória...
— Chocolate e você são os melhores sabores que já provei — digo,
enquanto engulo o mamilo pontudo de Júlia.
— Ainda prefiro ganhar do chocolate, mesmo sabendo que é difícil.
— Eu estou apaixonado.
— Por mim ou pelo chocolate? — Posso ver um sorriso pretencioso
aparecer na sua face perfeita.
— Por você, garota. Nunca fui tão feliz como sou quando estou com
você, seu beijo, sua boca e seu corpo me pertencem.
— Meu coração também é só seu.
Meus olhos doloridos são capazes de avaliar o quanto ela me ama. Posso
ver através dos seus gestos carinhosos e sua entrega.
A sensação flutuante está sumindo, dando espaço a um peso, e, meio que
repentino, um fervor percorre meu corpo, como se o queimasse a cada
respiração, não quero mais respirar, não quero mais pertencer a este corpo
inútil, minha cabeça... minha cabeça, uma dor abatida com o pavor de sentir...
Não quero mais sentir, me tornei um fraco, eu sou um fraco, sim, sou um
bosta fraco.
Gemidos gritantes saem da minha boca, junto com a minha respiração
cuspida.
Como pude ser um idiota e deixar que eles me pegassem? Como não
desconfiei do olhar daquele filho da puta, na frente da universidade. Meu
corpo... meu corpo, não quero mais meu corpo, ele está queimando....
Ei... O que esse idiota está tentando fazer com a Júlia?
— Ninguém vai ficar sabendo. Acho você linda... E...
— Mas ela tem namorado!
Eu vou matar esse cara.
— Ricky? Você... — ela diz, confusa, me olhando com os olhos
arregalados, a Júlia está muito nervosa, suas palavras não saem com clareza.
— Não estava no Rio?
— Estava, agora estou aqui.
Sai de perto dela, seu bosta, minha fúria vai acabar com esse seu rosto.
Edu franze o cenho, olha para Júlia, depois para mim, e levanta suas
mãos.
— Vocês estão juntos? — Sua pergunta óbvia me irrita ainda mais.
— Não — diz Júlia.
— Sim — apresso-me a responder.
Não?
— Sou o namorado dela. Porém quero discrição, acredito que posso
confiar em você. Certo?
Babaca.
Ela disse não, como assim? Dei todos os sinais possíveis para que ela
tivesse esta certeza.
— Claro, com licença.
O idiota sai correndo.
E apresso-me a beijá-la, não sei como conseguir ficar um dia sem sentir
seus lábios no meus, seu gosto envolve a minha boca e sou capaz de
esquecer, por alguns segundos, o desespero dolorido e queimante que se
apossou do meu corpo. Pensar na Júlia me traz paz, paz, paz...
Preciso me livrar... me livrar de que exatamente? Não consigo conter um
nó duplo que está sendo produzido no meu estômago, e o líquido queimante
percorre meu corpo novamente, em direção à minha garganta.
— Boa noite, senhor. Deseja alguma coisa?
Viro-me, um rapaz, funcionário do buffet, está me encarando.
— Não, somente atender ao meu celular. Na Adega não tem sinal.
Melhor eu ir para o jardim e sair da cozinha, com licença... — Atravesso a
cozinha até o jardim. — Acredito que aqui consiga atender...
— Richard McGuire?
Viro-me novamente, outro rapaz funcionário do buffet, com olhos
grandes e expressivamente atentos, me chama.
— Sim, sou eu!
— A sua namorada, Júlia, está esperando você em seu carro. Ela estava
muito nervosa, pediu para eu avisá-lo.
— Como? Sabe o que houve?
— Ao que me parece, uma discussão com a aniversariante, ela estava
chorando muito, senhor.
— Certo, obrigado. Vou encontrá-la.
Eu preciso encontrá-la, meu ar.... Cadê ela... Júliaaaaaa. Minha voz sai
cuspida, assim como a minha respiração sai jorrada, líquida, dando espaço
para que eu respire. Por que tem passos ao meu redor? Muitos passos, parem
de andar, parem de andar, porra, meu corpo move-se de baixo para cima,
sinto um toque, vários toques, toques desesperados, toques e gotas, algumas
gotas atingem meu rosto, que é sacudido, gotas... gotas e uma voz, posso
ouvir uma voz entrar pelos meus ouvidos confusos, uma voz, não consigo
assimilar as palavras pronunciadas, e estas gotas que caem no meu rosto,
agora são muitas...
— Ricky... Ricky... Ricky... reaja, irmão.
Irmão, meu irmão... esforço-me para entender, raciocinar... irmão.
— César, o que fizeram com ele? Ele está morto!
A porta abre-se com uma certa violência, minha mãe, com a
respiração ofegante e a pele pálida, olha para mim.
— Mãe, o que houve? — Levanto, em um sobressalto.
— Acharam ele.
— Acharam o Ricky! — grito, com empolgação, meu corpo, dominado
pela emoção da notícia, dá sinal de vida.
Graças a Deus.
— Onde ele está? — Lágrimas aparecem em meus olhos cansados. —
Preciso vê-lo — digo, enquanto abro o guarda-roupa, preciso trocar o pijama,
por uma roupa decente. Meu Deus, obrigada. Preciso ir até ele, estou
tremendo de ansiedade. — Mãe, ele foi para hospital? — Olho para minha
mãe, que não sei por qual motivo está intacta na porta, seu olhar atribulado,
deixa-me angustiada. — Aconteceu alguma coisa com o Ricky?
Ela caminha na minha direção, parando na minha frente, e contém as
minhas ações.
— Júlia, presta atenção — ela diz, seu tom é cauteloso.
Apavoro-me.
— Aconteceu alguma coisa com o Ricky? — grito, desesperada, meus
olhos que continham lágrimas alegres, agora mostram a minha angústia. —
Fala, mãe.
— A Mel falou que o Ricky foi para o hospital, ele está muito
debilitado.
— Meu Deus... debilitado, é grave, mas... — Ele está vivo, repito para
mim mesma, acreditando no melhor, ele está vivo. — Eu vou até lá. — Viro-
me para sair, vou de pijama mesmo, não há tempo para eu trocar de roupa.
— Seu pai, Júlia.
Permaneço de costas.
— Então, foi ele?
— Sim. — Minha mãe solta um longo suspiro.
— Desgraçado. — Viro-me. — Ele voltou para a prisão?
— Não.
— Conseguiu fugir? Merda.
— Júlia... Ele... Ele... o mataram.
— Como?
— Com o confronto, morreram dois dos sequestradores, e três estão
presos. Júlia, seu pai está morto, entendeu?
O tempo pausa para mim e não sei qual o sentimento que sobressai neste
momento, meu amor pelo Ricky ou meu desprezo pelo meu pai. Não tive
contato com esse homem, apesar de qualquer coisa, ele só me trouxe dor. E
agora está morto, me pergunto o que devia sentir neste momento, porque o
ódio, permanece. E a imagem dele na minha cabeça nada mais é como uma
sombra negra.
— Em qual hospital o Ricky está?
— Júlia...
— Não... Não... Em qual hospital o Ricky está?
— Certo, eu levo você.
Estou paralisada, olhando para a TV, não consigo assimilar o que acabei
de ouvir, agora estou na televisão, meu rosto e minha imagem estão
associados ao meu pai, estou sendo investigada pela polícia e fico sabendo
disso num bar, no Centro da cidade, com milhares de pessoas ao meu redor.
Uma sensação de medo e angústia dominam meu corpo e não consigo
me mexer, falta ar nos meus pulmões.
— Júlia... Júlia...
— Guta, ela vai surtar... Vamos tirá-la daqui.
— Vou ligar para a mãe dela.
— Jú, vem, vou te tirar daqui, vem comigo, amore.
Ouço-os falarem, porém, não enxergo mais ninguém, meu corpo se
move como uma marionete e vozes zumbem em meu ouvido.
E o preto domina minha mente.
20 dias depois
Logo cedo uma bela cesta de piquenique está à nossa espera na sala da
suíte, preparada especialmente pelo chef do hotel. Muito luxo para a minha
simplicidade que já adora ser da realeza. Nossa programação é o Central
Park, andar descalças e fazer um piquenique.
Só que não!
Primeiro, alugamos bicicletas, pois o parque é enorme, e precisamos de
um meio de locomoção. Primeira parada: Bow Bridge, uma linda ponte
sobreposta ao lago, sabem aquelas comédias românticas onde os
protagonistas reencontram-se numa linda ponte? Sim, cá estou eu, de mãos
dadas com o Ricky, escorada nos arcos esculpidos em estilo vitoriano,
apreciando a longa vista do lago.
— Esta ponte foi construída mais ou menos no século 19 — Ricky diz,
atravessando o piso de ypê.
— Incrível, Outono em Nova Iorque foi filmado aqui — sussurro. —
Amo este filme.
Ricky sorri, pensativo.
— O que foi, alguma recordação? — pergunto, curiosa com seus
pensamentos.
— Minha mãe é fã do Richard Gere, por isso...?
— Seu nome! — deduzo. — Então, agora somos Charlotte e Will, em
Outono em Nova Iorque, o que acha? — Enlaço o seu pescoço.
— Prefiro Ricky e Júlia, em Primavera em Nova Iorque.
Meu Richard, tão lindo como o Sr. Gere, gira o meu corpo, segurando-
me em seus braços para finalizarmos nossa cena, o nosso momento, com um
beijo.
— Mãe, por favor pare de gritar... — Para não ficar surda, tirei o celular
do ouvido, o colocando no viva-voz — Calma, dona Ana.
— Júlia, como ele te encontrou? — Sua respiração está alterada.
— Mãe, eu amo o Ricky, estou feliz.
— Júlia, vocês não fazem bem um para outro, veja o que seu pai, aquele
desgraçado, fez com ele e, por conta disso, a família dele acabou com seu
sonho, não foi o suficiente para vocês enxergarem?
— Passamos por tudo e ainda nos amamos.
— A família dele já sabe?
— Não, somente o Rubem!
— Meu Deus, Júlia. — Ela respira fundo. — E o Nicholas?
— Ricky cortou relações com o irmão.
O silêncio instala-se na ligação, só ouço a sua respiração e passos. Sei
que minha mãe está uma fera comigo, e com medo do meu foco nos estudos
desaparecer com a presença do Ricky. No entanto, eu consigo ter os dois, ela
precisa acreditar, tenho que passar esta confiança a ela, não quero deixá-la
preocupada, enquanto eu vivo meu romance feliz.
— Mãe, eu não vou desfocar dos estudos. Acredite, eu quero mais do
que tudo uma grande carreira. Porém, eu amo o Ricky, com uma força
inexplicável e...
— Eu sei, é isso que me preocupa. — Ela respira fundo novamente. —
Ele veio aqui, assim que recebeu alta do hospital. Queria conversar com
você.
Como?
— Como? Por que não me disse? — Ela compartilhou do meu
sofrimento. — A senhora sabia que precisava falar com ele, por que não disse
nada?
— Simplesmente, porque se contasse onde estava, ele iria atrás de você
e...
— E ficaríamos juntos, como estamos agora?
— Sim!
Solto ar de indignação, pela confissão absurda da minha mãe. Não
acredito que, mesmo sabendo que estava sofrendo aqui em Los Angeles,
calou-se.
— Eu quero a sua felicidade, filha, acredite.
— Minha felicidade é estar com o Ricky, confie em mim.
— Certo, Jully, você está apaixonada. Nada que eu disser vai convencê-
la. Agora, prometa que vai se cuidar e jamais vai permitir que pisem em
você.
— Prometo!
— Eu vou desligar. — Posso sentir tristeza em sua voz. — Fica com
Deus, meu amor.
— Te amo, mãe.
Jogo o celular na cama e reflito nas palavras da minha mãe. — Não
permita que pisem em você. Será que a família do Ricky pode me esmagar?
Estou com medo e apreensiva. Não estou nem um pouco ansiosa para este
encontro, espero que demore.
Nos dias seguintes não tive mais notícias da Eduarda, e o meu irmão
desapareceu, minha consciência pesada que não para de me encurralar, o
procura desesperadamente. No entanto, sem notícias, sigo os dias sem
conseguir fazer nada de fato, as desculpas cessaram e não sei o que dizer para
minha mãe. Estou evitando a presença da Ellen, que me perturba, querendo
saber o que houve.
O que fiz com o meu irmão não tem perdão e mereço esse desprezo.
Uma mulher não pode ficar entre nós, procuro uma saída para resolver este
estrago. Nesse meio tempo, recebo uma ligação do Carlos, o nosso caseiro da
casa de Angra, vou de helicóptero até lá. Ao chegar, posso ver a ruína, muita
bebida, drogas e três mulheres dormindo no sofá, observo tudo e meus olhos
encontram os de Carlos.
— O que é isso?
— Ele está aqui há dois dias, Ricky. — Ele começa a recolher garrafas
de vinho que estão pelo chão. — Ontem, foi bem pior, estas ainda estão com
roupa, as anteriores corriam pela casa, peladas e drogadas, um inferno.
— Como? Onde ele está?
— Na sauna. — Carlos, com o olhar entristecido, volta a recolher as
garrafas.
Percebo que tem algo errado, além do bordel.
— Fora isso, tem mais alguma coisa?
Ele balança a cabeça em negativa.
No entanto, sei que há alguma coisa que o entristeceu profundamente.
— Pai, o que houve? — pergunto, com a mão em seu ombro.
— Quando falei que ia ligar para a Sara, o Nick nos humilhou, magoou
a Célia, que passou mal... Como ele pôde falar assim conosco? Logo a gente,
vocês dois são como filhos.
Posso ver algumas lágrimas caírem dos seus olhos e escorrerem no seu
rosto enrugado.
— Pai, a culpa é minha, magoei o Nicholas e ele está revoltado. Peço
desculpas por isso. Cadê a Célia?
— Foi ao mercado!
— Ok, quando ela retornar, diga para vir falar comigo, por favor.
Ele assente com os ombros caídos e retorna a recolher a bagunça
esparramada na sala. Eu me dirijo à sauna, para encontrar o rosto enfurecido
do meu irmão. Através da porta na abertura de vidro, posso vê-lo, escorado
com a cabeça jogada para trás. Bato na porta, três vezes, e o ouço xingar,
então volto a bater, ele abre a porta estupidamente, saindo em seguida. E nos
encaramos, depois de dias.
— O que faz aqui? — Indiferente, pega uma toalha e entrelaça na
cintura.
— O Carlos me ligou, disse que estava sem controle...
— Eu estou sem controle. — Ri, encarando-me. — Dar confiança aos
empregados, dá nisso. Estou na minha casa, acredito que possa trazer quem
quiser aqui...
— Não um monte de vadias, Nicholas.
— Gostamos de vadias, Ricky!
Suas palavras frias e acusatórias me engessam, porra, não sei o que
fazer.
— Nicholas, perdão, realmente não quis fazer aquilo...
— Fiquei imaginando, se sua namorada tivesse aquele rabo da vadia da
Eduarda, também não teria aguentado...
— Nicholas, não é assim... eu...
— Não esquenta, mano, tem três lá na sala, compartilho com você —
diz, após colocar a sua bermuda e sair.
Fico parado um momento, tentando encontrar respostas, o que fazer? O
Nicholas não vai me perdoar e eu também não. Retorno para a sala e me
deparo com a luxúria instalada na casa, meu irmão está sentado, uma das
garotas chupando seu pau, enquanto ele vira uma garrafa de vinho. Ele me
olha e seu riso mistura-se com gemidos.
— Vem, Ricky, escolhe uma, mano... — ele grita, com a cabeça jogada
para trás.
Meus olhos correm pela sala, para ver se a Célia ou o Carlos não estão
próximos, seria lamentável eles virem tal cena.
— Chega, Nicholas, saiam... por favor, saiam...
— Chega um caralho, Ricky. Não se envolve...
— Chega, Nicholas, você passou dos limites...
— Quem, eu? Seu porra... não se intromete...
Tiro a garota de cima dele, e ele me empurra, pedindo briga, tento contê-
lo, não quero brigar, mas é inevitável, sou atingido por golpes e socos, pois a
fúria do Nicholas é imensa. Então o agrido com um soco que o faz cair, cego-
me por alguns segundos, até ouvir o grito apavorado da Célia, que com
desespero nos faz parar. Ficamos nos olhando, minutos desmensuráveis, até
eu desviar os olhos, envergonhado com as cenas que passam pela minha
cabeça.
— Parem com isso... — Os gritos da Célia ecoam na sala. — Vocês são
irmãos, o que está acontecendo aqui?
— Não tenho irmão — Nicholas cospe as palavras, com desprezo. — O
que temos aqui é um traidor, com pau de ouro.
— Nick, me respeita, filho, como pode, você não é assim...
— Não começa, Célia, não me enche...
— Fala direito com ela, Nicholas — digo, com a voz ofegante.
— Cala a boca, seu porra. — Erguendo-se, ele sai desgovernado em
direção à escadaria, subindo-a sem olhar para trás.
— Ricky, o que houve entre vocês? — pergunta Carlos.
Enquanto Célia, resmungando, organiza a sala.
— Um incidente nada agradável... — Minha voz exala tristeza, pisei na
bola feio, e agora não sei o que fazer. — Desculpem, vou lá em cima falar
com ele. Carlos, por favor, retire estas mulheres daqui.
Olá, amor.
Eu preciso que vá a um apartamento que pretendo comprar, quero a sua
opinião. Em uma semana vou retornar, se gostar, a corretora vai estar
presente.
O John vai buscá-la às 17h.
Te amo, obrigado.
Ricky.
Leio mais uma vez o bilhete e fico apreensiva, não entendo nada sobre
compra de imóveis. Não sei como vou ajudar, mas, vamos lá. Depois de um
banho relaxante, coloco uma roupa confortável e vou ao encontro do John.
Chegamos a um prédio de luxo a algumas quadras do meu, me apresento na
recepção, e sou direcionada ao elevador privativo, que me conduz direto para
cobertura.
Quando desço do elevador, já estou no hall da cobertura, um pequeno
espaço sem mobília, porém, no chão uma trilha de pétalas de rosas me
convida para entrar. Fico admirando, com o coração saltando no peito em
torno da expectativa — ele chegou.
— Ricky...
Não há resposta e, sim, um silêncio incitante.
Sigo a trilha, como uma escoteira desejosa.
Em seu término, sou agraciada com uma mesa posta para jantar, no
centro há um grande vaso com rosas vermelhas e a frente enquadrada através
das janelas largas, uma vista belíssima de Los Angeles.
— Estava com saudade...
Respiro sua voz e calafrios correm pelo meu corpo ávido, giro tão rápido
que quase caio, apesar que se houvesse uma queda, seria em seus braços. Não
tenho tempo para uma resposta, seu corpo desnudo já está colado ao meu.
Ricky pressiona sua boca contra a minha, aguçando minha língua, nosso beijo
nada delicado, nada lento, é interrompido quando o algodão da minha
camiseta passa pelo meu rosto e é jogada no chão.
— Oi — digo, ofegante.
— Oi, linda. — Seus olhos assediam meus seios saltados nas taças do
sutiã de renda preta. — Esses seios. — Suas mãos se encaixam neles, porém,
deslizam para atrás, abrindo o fecho e o deixando cair. — Lindos, perfeitos e
saborosos.
Ele ergue o meu corpo, enquanto eu entrelaço as pernas na sua cintura,
segurando seus cabelos entre os dedos, enterro sua cabeça nos meus seios,
que clamam sua atenção. Ele suga meus mamilos e sua língua os contornam,
me lançando ao paraíso.
— Estes mamilos com sabor cereja... — Seus dentes os pressionam, e o
ardidinho delicioso me faz arfar.
— Ah... Ricky, eu te amo.
Jogo a cabeça para o lado, expondo meu pescoço, sua boca mágica o
percorre, enquanto sua barba rala o pinica deliciosamente, sinto uma leve
mordida no lóbulo da minha orelha.
— Sou louco por você. — Ele pressiona o meu quadril contra o seu e
sinto seu pênis duro me cutucar. — Oh, linda, preciso foder você...
Descontrolados, giramos grudados pelo cômodo vazio. Não sei como
chegamos, mas estamos no quarto, sei porque minhas costas repousam num
colchão macio, enquanto deleito-me com a visão do Ricky tirando minha
calça de ginástica.
— Sim, temos cama — digo, apalpando o colchão com as mãos.
— Não podia esquecer. — Ele abre um sorriso e sua boca trilha com
beijos minha perna até minha calcinha, que ele desliza em seguida, seu olhar
paira no meu ponto sensível.
Ele inspira, soltando o ar logo depois, num gemido sedutor.
— Porra, como você é linda — diz, passando a língua entre os lábios.
— Tá ensopada para mim. — Seus dedos deslizam para a profundidade
molhada da minha vagina.
Deliro com o seu toque delicioso. Ricky sabe me tocar, me penetrar e
fazer-me chegar ao céu, fecho os olhos, flutuando no desejo, até sentir sua
boca sugar meu clitóris e em seguida lambê-lo ferozmente.
— Ricky, meu Deus.
— Sabe quantas vezes eu tive que tocar uma punheta, só imaginando
este momento? — Ele suga novamente o meu clitóris, o circulando com sua
língua diabólica. — Muitas vezes...
— Céus, Ricky...
— Não sabe como preciso foder esta boceta que sou fanático... — Ele
suga mais uma vez e eu pressiono seu rosto ainda mais na minha entrada,
excitada.
Caramba.
Contorço-me com o orgasmo radiante que atingiu meu corpo. Enquanto
Ricky suga todo o mel, amoleço na cama, ainda não recuperada do clímax,
quando tenho meu corpo erguido e virado numa agilidade magnífica.
— Não terminei, linda... Arrebita esta bunda maravilhosa pra mim.
Obedeço, inclinando o traseiro para ele.
— Esta bunda redonda e apetitosa me tira do eixo.
Solto um longo gemido, quando suas mãos apalpam minha bunda, a
abrindo um pouquinho.
— Ricky...
— Hum, olha o que faz comigo. — Ele agarra a minha cintura e
preenche minha entrada gulosa com seu pau grosso de uma única vez.
Grito seu nome novamente.
Ricky mobiliza-se por um instante, inteiro dentro de mim.
— Apertada e quente, como consigo me segurar?
Sua mão entrelaça-se no meu cabelo, puxando minhas costas contra seu
peito quente, ele inclina minha cabeça para ter acesso ao meu pescoço.
— Foi o inferno ficar sem ter você, Júlia — diz no meu ouvido,
deslizando sua língua no meu pescoço. — Eu amo você... Eu amo você... Eu
amo você.
Minha boca entreaberta, respira suas palavras, e não consigo dizer nada,
o prazer pelo Ricky me domina, me fazendo ofegar. Ele desce minha lombar,
agarrando a minha cintura e perde-se dentro de mim.
Gemo, chegando ao céu com as estocadas contínuas e fortes. Ele me
come com uma gula intensa.
— Ricky... — Seu nome sai sussurrado da minha boca, que aberta grita
de prazer, seu pau contrai dentro de mim, arregaçando-me com a saudade.
Até a venerada sensação do orgasmo possuir nossos corpos.
Ricky dá uma grande aula para nós. A Melissa suga tudo que pode, e
tenho certeza de que vai se sair muito bem na aula prática. Antes de dormir,
meus pensamentos voltam ao sonho aterrorizante, ainda estou impactada com
os sentimentos que surgiram.
Tão real, que assusta.
— Você não disse, o que sonhou? — Ricky pergunta, deitando-se ao
meu lado na cama.
— Não lembro — minto, pois, contar é reviver aquela sensação de
perdê-lo, e não quero senti-la nunca mais.
Estou deitada no peito largo do Ricky, e ele carinhosamente
acaricia meu cabelo, posso ouvir seu coração, batidas calmas, meus dedos
brincam com o botão da sua camisa e sou presenteada com o seu perfume
amadeirado.
Estamos assim não sei há quanto tempo, depois de nos beijarmos
incansavelmente, ficamos quietos, nos curtindo, calados.
— Quer casar comigo?
Como?
— Ricky... Eu... Como? — gaguejo, ridiculamente surpresa com seu
pedido.
Eu, casar com o Ricky?
Céus, por que tenho dúvida para responder?
— Quer casar comigo? — repete, com o tom ainda mais grave.
Levanta-se, me tirando do aconchego do seu peito perfumado, e encara-
me com uma seriedade absurdamente efusiva. Não consigo desviar o olhar,
porém, não consigo responder.
Ele está falando sério!
— Ricky, eu... — Fico desnorteada por alguns segundos, com este
pedido inesperado.
Este ano, passamos por poucas e boas, e o nosso amor sobreviveu a tudo
e mais um pouco, posso, assim dizer, que somos sobreviventes dos acasos da
vida. Agora, casamento é algo que ainda não tinha pensado.
— Ricky, ainda estou estudando, talvez...
— Talvez depois da formatura?
— Eu...
Desvio o olhar e pressiono o lábio inferior, tentado entender-me neste
momento, por que estou apreensiva com o fato de me casar. O pior, é que o
noivo é o cara que amo mais que tudo neste mundo, minha paixão inacabada,
meu amor eterno e, assim, vai as frases do papel de carta. Este devia ser um
momento romântico e emotivo, e eu o transformei em algo esquisito. O Ricky
deve estar com várias interrogações na cabeça, seu olhar inconsistente me
deixa ainda mais agoniada.
— Certo, sei que te peguei de surpresa. — Ele sorri, porém, posso ver
no seu olhar que ficou descontente com a minha dúvida. — Não precisa me
responder agora, pense.
Assinto, pensativa e inconformada, por não ter resposta a uma pergunta
tão simples e amavelmente esperada por qualquer mulher.
O homem dos meus sonhos me pediu em casamento e eu não aceitei,
pode isso?
— Agora... — Suas mãos seguram o meu braço, me girando e deitando-
me no sofá, seu corpo cobre o meu e sua boca entreaberta, faz com que seu
hálito de vinho me excite.
— Ricky, eu te amo... — sussurro, incansavelmente, declarando-me,
reforçando o meu sentimento por ele, não quero que fique magoado com a
minha incerteza.
— Como se sente, hoje?
Ele percebe o meu desconforto e quer mudar de assunto, o agradeço por
isso.
— Muito bem! — Mordo o seu queixo. — Quero você... Estava
enfartando de saudade.
— Estava, é?
Faço que sim com a cabeça e o seguro pelo colarinho, mordendo de leve
seu lábio inferior, ele me olha, já com más intenções com estes olhos mel,
que se tornam chamas em segundos, como um vulcão em erupção.
Zizi...
Para o nosso lamento, somos interrompidos por um barulho irritante.
Ricky olha para o seu celular e o ignora, mas o danado permanece tocando,
eu jogo a cabeça para trás, o xingando internamente.
— Vou desligar... — Ele escora uma perna no sofá, para alcançar o
celular, que está na beirada da mesa de centro. — Só um momento, é do
Brasil.
Franzo a testa, se é do Brasil, pode ser importante.
— Então, é melhor atender.
— Não conheço este número...
— Atende, pode ser importante.
— Certo. — Ele atende. — Alô... — Seu semblante fica rígido, assim
que ouve a voz do outro lado da linha. — Sim, é ele... — Seu olhar volta-se
para mim. — Olá, Eduarda, como vai?
— Quem? — pergunto, num impulso.
Ele tapa o celular com a mão e posso ver a tensão surgir no seu corpo,
que a essa altura está em pé na minha frente.
— É a Duda, Júlia.
— A Duda do Chill?
Ele assente.
Estou confusa...
— Júlia, um instante... — Ele se afasta.
Eu começo a sentir comichões no corpo inteiro, por que a Duda está
ligando para o Ricky? Ele encontra-se distante, com isso não consigo escutar
conversa. Portanto, meu cérebro produz diversas perguntas que confundem a
minha racionalidade.
Enfim, ele retorna, com o rosto pálido e olhar caído.
— Ricky, o que houve? — Levanto e paro na sua frente, já com o corpo
aflito pela sua expressão.
— Eu... não sei como dizer. — Ele olha para mim lentamente, posso vê-
lo atormentado e perdido.
O que a Duda falou, para causar tamanha tormenta em Ricky?
— Aconteceu algo? Com alguém?
— Sim, o filho da Eduarda está muito doente e...
— Isso eu sei, mas por que ela te ligou? O menino piorou?
— Júlia, temos que voltar para o Brasil...
— Temos, por quê?
— Ele precisa de um transplante e eu...
— Céus...
Por mais que me solidarize pela situação do menino, considero-me
egoísta em querer saber o porquê desta ligação diretamente para ele. Algo
esquecido me vem à cabeça, o incidente no Chill, quando almoçamos juntos
com a Guta, onde Ricky e Duda ficaram nervosos com a presença um do
outro.
— Ricky, não entendo, por que ela te ligou?
Ele anda de um lado para o outro, como se procurasse respostas às
perguntas que ele mesmo fazia, observo Ricky e essa expressão que tomou
posse dele é nova para mim. É um misto de tristeza e tortura que me
angustiam, coloco a mão sobre seu ombro, e meus olhos pedem uma resposta.
— Ele é meu filho.
Alguns anos antes.
— Que bom que veio — Eduarda diz, num tom cordial quando
abre a porta, o sorriso do rosto se desfaz, assim que Ellen aparece ao meu
lado. — O que ela faz aqui?
— Querida, você não imaginava que o Richard acreditaria no que disse?
Eduarda abranda seu rosto, me olhando, decepcionada.
— Já contou pra ela? Disse que era entre nós.
— Ah, ela realmente acreditou que daria o golpe. — Ellen quebra a
barreira de seus braços, entrando brutamente em sua casa.
— Não há convidei para entrar — diz, ríspida.
— Você não tem vergonha?
— Chega, Ellen — interrompo. — Eduarda, você desapareceu, onde
estava nesses meses?
— Aqui... — Ela desvia o olhar. — Envergonhada.
Ellen solta um som desdenhoso.
— Estou atrás de você há meses, tínhamos que ter conversando sobre o
que aconteceu — digo, repreendendo seu sumiço. — E, como assim, grávida?
— Querida — Ellen interrompe —, com quantos transou, para garantir o
golpe?
— Cala a boca, sua idiota — Eduarda grita. — Por que a trouxe aqui,
Richard?
— Sou noiva dele, garota, ou achou que daria esta boceta suja para os
irmãos McGuire, e eles casariam com você?
— Cala boca, sua filha da puta...
— Contenham-se. — Me enfureço com a discursão. — Ellen, por favor,
fique quieta.
Ellen levanta os braços e se afasta.
— Eduarda, me conte, como assim, gravidez?
— Eu juro, estou grávida!
Não consigo acreditar nesta história, a garota some depois de termos...
depois liga do nada, informando estar grávida. Não tem lógica.
— De quem? — indago, realmente duvidando de suas palavras omissas.
— Como assim, de quem? — ela pergunta, incrédula. — É seu.
Ellen não se controla e sorri com seu veneno.
— Não posso acreditar, transamos uma única vez, e eu ainda não me
lembro. Porém você parece lembrar-se muito bem, algo estranho aconteceu
aquela noite, sei que sabe, seja honesta e explique meu descontrole. Não
transaria com você, era a namorada do meu irmão.
— Mas transou e não podemos mudar isso.
— Ah, podemos, sim — Ellen corta. — Conheço seu tipo, garota,
namora com um e entregou-se para outro. Não entendo por que não
engravidou do Nicholas.
— Eu... — Ela desvia o olhar, fugindo de seu julgamento.
— Você queria o Ricky. — Ellen bate palmas, concluindo sua
descoberta. — Ricky, a vagabunda gosta de você.
— Como? — pergunto, encarando-a.
— Sim, gosto — ela confessa, com lágrimas nos olhos.
— Você namorava meu irmão, não entendo.
— Sempre admirei você, e ficar com ele era estar perto... de você.
— Não, você é louca. — Esmurro o ar, revoltado com esta confissão. —
Acha o quê? Que vou casar com você? Não acredito que esse filho seja meu,
só para constar.
— Com certeza não é, Ricky. — Ellen se aproxima de Eduarda. —
Quem vai casar com ele sou eu, garota. Você vai voltar para sua cidadezinha
e capinar sua roça.
— Não vou voltar, tenho minha bolsa e agora o estágio, posso
permanecer aqui.
— Não pode, aqui você não tem mais nada — digo, enquanto coloco
algumas notas de dinheiro sobre uma mesa. — Não quero você na minha
Universidade, suma da minha frente.
— Como? Não posso voltar...
— Ah, pode e vai. — Aponto para a mesa onde encontram-se as notas.
— Pegue aquele dinheiro e suma.
— Ricky, não posso perder a bolsa, é o meu sonho e o da minha família.
— Suas palavras saem ofegadas com seu choro.
— Não me interessa. — Dou as costas para sair, porém, lembro-me de
um detalhe. — Outra coisa, não procure meu irmão, esqueça que um dia nos
conheceu.
— Erramos juntos e somente eu sou punida?
— Meu julgamento foi feito, perdi o meu irmão... e não vou cair nesta
ladainha de gravidez — digo, antes de sair.
Ricky encontra-se completamente perdido, tentando de
todas as formas explicar o que acabou de revelar. Eu peço distância, sento no
sofá, procurando compreender: primeiro, a traição; segundo, a mentira; e,
terceiro, um filho.
Muita coisa...
— Por que você mentiu?
Ele não responde, permanece aflito, como se fosse explodir.
— Por que não disse que era a Duda? — grito. — Fala, Ricky.
— Para evitar isso.
— Queria evitar contar a verdade. — Levanto, não consigo conter a
fúria. — Devia ter sido honesto comigo, eu mereço isso...
— Júlia, não queria prolongar a história, você... a conhece, é
constrangedor.
— A mulher entre você e seu irmão, é a Duda? Do Chill! — Tapo a
boca para conter meu desgosto.
— Júlia, eu posso explicar...
— Agora? Não acha constrangedor? — Jogo os braços com a revolta. —
Tem uma criança, Ricky... um garotinho, seu... — Hesito, com a voz
embargada. — Filho!
— Sim... Não...
Seus braços esmagam sua cabeça, como se quisesse expelir a lembrança.
Um aperto no peito me remete à decepção. Como pôde mentir? Inventar um
nome qualquer? Como se eu não merecesse saber a verdade.
— Ele é realmente seu filho?
— Não tenho certeza agora, como não tinha antes.
Espera... Antes?
— Antes? Como assim, antes?
Ricky abaixa a cabeça, colocando a mão na testa e a massageando, como
se procurasse as palavras certas. Depois enche uma taça com vinho e a vira
de uma única vez.
— Meses após... ela me procurou e disse que estava grávida. — Ele vira
a taça novamente, depois a coloca sobre o balcão. — Eu não acreditei, como
podia? A questionei, queria saber o que realmente aconteceu aquela noite.
Porque eu não lembro — ele grita e, descontrolado, dá um soco na parede.
— Eu não lembro, porra.
Assusto-me com sua explosão, poucas vezes o vi exaltado, quando
presenciei tal comportamento foi com o Nicholas.
— Júlia, desculpe. — Seus braços me apertam, tentando recuperar o
controle. — Estou exausto deste assunto, e agora tem a criança.
Afasto-me, insatisfeita com a explicação.
— Continue...
— Como podia acreditar, um filho... ela transou comigo e com meu
irmão, poderia ter transado com qualquer um.
— Então, você a ignorou e nem procurou saber?
— Sim, e... — Ele me encara, com os olhos vermelhos.
— E ...? — quero saber, intrigada com a sua expressão de dor.
Há mais alguma coisa.
— Eu... quer dizer, para que se afastasse de nós, não acreditando em
nenhuma de suas palavras, garanti que ela perdesse a bolsa e desaparecesse.
Hein?
Não posso acreditar, agora sim, o quebra-cabeça está montado.
— Você não teve coragem...
— Júlia, a Ellen disse que era um golpe, e eu...
— A Ellen, de novo a vaca — interrompo, nervosa. — Ela te apoiou
nisso? Os três, acabaram com o futuro da Duda?
— O Nicholas não sabe.
— Não entendi? — pergunto, incrédula.
— Não falei para ele sobre o suposto filho, não falei...
— Então... — Respiro fundo, tentando buscar da força do universo
sanidade. — Você e a Ellen, decidiram que a Duda era uma golpista, fizeram
ela perder a bolsa e a mandaram desaparecer, é isso?
— Sei que não justifica, mas eu não acreditei. — Seu é tom culpado. —
Eu só queria me ver longe do problema. Porém agora ela diz que o menino é
meu filho, que pode provar e somente eu posso salvar a vida dele.
Fico em choque, parada em frente à janela, buscando através das
nuvens, compreensão. No entanto, não encontro, estou muito magoada com
Ricky. Preciso respirar, quero tomar ar. Então pego a minha bolsa e vou em
direção à porta, Ricky me detém, segurando meu braço.
— Júlia, não vai embora, temos que resolver isso juntos.
— Me solta.
Fecho os olhos e liberto meu braço, ele se afasta, rendendo-se ao meu
pedido e, sem olhá-lo, vou embora.
Saio do prédio do Ricky, desnorteada com tudo que soube, ainda não
querendo acreditar nas barbaridades que escutei. O Ricky, assim como o
Nicholas, foi cruel.
Não consigo aceitar.
E, agora, uma criança...
Um garotinho doente... muito doente.
Céus!
Não consigo conter meu choro e ando pela calçada, totalmente
descontrolada, deixando a emoção e repulsa dominar meu corpo. Estou tão
magoada com o Ricky, como ele pôde mentir para mim, como pôde?
Perdido... sem chão, sem ação, inconformado com as voltas que
o mundo dá, parando novamente num ponto indefinido. O qual devemos
deliberar ou reviver como um castigo. Ou talvez uma segunda oportunidade
de um conserto, não sei o que pensar em relação a tudo, estou em turbulência.
A voz chorosa e desesperada da Eduarda suplicando minha ajuda, permanece
na minha cabeça, e por mais que queria ignorar a possibilidade de ampará-la.
Algo mudou em mim, se sou o pai ou a chance de salvar este garoto, desta
doença tão cruel. Não vou dar as costas, não desta vez.
— Alô... Valéria, preciso voltar para São Paulo amanhã, providencie
tudo, inclusive, prepare o meu apartamento para o meu retorno. Outra coisa,
quero o contato do melhor oncologista do país.
— Richard, o que houve? — Valéria demonstra preocupação.
— Não se preocupe, não é para mim, acho que é isso. Obrigado.
Desligo o celular, porém, meus olhos permanecem na tela, com a foto da
Júlia engatilhada, não sei se ligo ou permito este silêncio, tenho tanto a dizer,
mas acredito que agora tudo que fizer será inválido.
Meu amor,
Sei que tudo parece difícil, mas não podemos nos perder num passado
tortuoso. Infelizmente, não sou perfeito e errei. Após incessantes tentativas
de conversar contigo, achei que quando você estivesse pronta, viria me
procurar, e sim estaria disposta a entender e me perdoar. Tem uma criança
que precisa de mim neste momento e isso vai além de qualquer compreensão,
embarquei para o Brasil, sem data de retorno, preciso saber sobre este
garoto e tentar ajudá-lo.
Quando estiver pronta, me liga, estou à espera do seu telefonema.
Te amo.
Ricky.
Penso em como teria sido, se aquela noite com a Eduarda não tivesse
acontecido. Hoje, talvez ela e o Nicholas estariam casados, com filhos e, este
buraco fundo e doloroso não estaria entre nós. Ou não. Difícil saber, nunca
imaginei apaixonado e rendido por uma mulher, como estou pela Júlia.
Mesmo com toda a tempestade, não consigo parar de pensar na minha linda.
Este tempo, imposto por ela, está eterno demais, estou sufocado de saudade,
se eu ouvisse sua voz meu coração ficaria mais calmo.
Pego meu celular e aprecio suas fotos, não consigo conter meu dedo
impulsivo de ligar, preciso falar com ela, este silêncio entre nós está
insuportável.
— Alô, linda.
— Ricky?
— Sou eu, como estou feliz em ouvir sua voz.
— Ricky, eu...
Posso sentir a voz da Júlia abafada, ou ela estava chorando ou tem, algo
errado.
— Júlia, tudo bem?
Um silêncio irritante ocupa a linha, e não consigo manter-me sentado.
— Júlia, fale comigo...
— Ricky, não posso falar agora. Desculpe.
Ela desliga.
Meus olhos voltam-se para a tela do celular e uma preocupação me
domina, ligo novamente. Ela não atende. Então ligo para a Melissa, que
também não atende. O que me faz pensar que ela não quer falar comigo, ou
aconteceu alguma coisa.
— É um prazer, Richard — diz o doutor Lucas Almeida,
estendendo sua mão.
— O prazer é meu. Gostaria que conhecesse Eduarda.
— Prazer, doutor — diz Eduarda, apertando sua mão.
— E este aqui é o Enzo.
Enzo, dando um passo à frente, estende a sua mão para cumprimentar o
doutor, assim como eu fiz. O doutor Lucas abaixa-se para ficar na altura do
pequeno, que o observa com uma expressão séria.
— Tudo bem?
Enzo responde com um balançar de cabeça.
— Então, você é o famoso Enzo?
Enzo, vira-se para olhar para mãe, enrugando sua testa miúda.
— Não sabia que era famoso.
Rimos da sua maneira madura de falar.
— Sim, é. Tenho uma surpresa para você. Pode me acompanhar?
— Surpresa? Legal. — Com um sorriso juvenil, ele volta a ser criança,
saltitando do lado do doutor, ansioso pela surpresa.
Acompanhamos o doutor Almeida até uma sala colorida, o playground
do hospital, com brinquedos espalhados e jogos.
— Nossa! — Enzo murmura, o brilho em seus olhos e a empolgação em
seu corpo é contagiante.
— Mãe, posso brincar?
O doutor Almeida antecipa-se em responder:
— Claro que pode, os adultos vão conversar e você se diverte um pouco.
Combinado?
— Combinadíssimo! — Enzo corre para dentro da sala, se jogando na
piscina de bolinha, que o afunda com sua alegria.
Nós três o observamos por alguns minutos, sua alegria e inocência,
apesar dos transtornos com a doença, ainda está presente, o doutor Almeida
com seus olhos enrugados, vira-se para nós.
— Fala como um pequeno adulto, no entanto, basta olhá-lo... mesmo
com as feridas desta doença cruel, permanece criança.
A Eduarda não consegue conter as lágrimas que escorrem pelo seu rosto,
sua expressão de angústia transparece ao olhar para Enzo.
Doutor Almeida coloca a mão em seu ombro, solidário à sua dor.
— Vocês me acompanham até minha sala, os auxiliares ficarão de olho
nele.
O doutor Almeida avalia os exames, fazendo caretas ou coçando a
cabeça, com olhar temeroso, ficamos impacientes com o seu diagnóstico.
Eduarda, com sua inquietude, não consegue manter-se calma, prende e solta
os cabelos num coque, a cada virada de papel. Por um instante, me remete
como ela é forte, como conseguiu sustentar o Enzo nestes anos.
— Sim, é o que eu previa! — diz o doutor, enquanto coloca as
ressonâncias sobre a mesa, e tira seus óculos para nos encarar.
— E o que o senhor previa? — Eduarda treme a voz e inclina seu corpo
para frente.
— A leucemia do Enzo avança, a solução é conseguirmos fazer HLA.
— Entendo, os medicamentos não ajudaram em nada? — pergunto,
procurando um pouco de entendimento no assunto.
— Sim, eles estão mantendo o Enzo vivo.
Eduarda escora-se na cadeira, e encolhe-se com o seu próprio abraço.
— Tenho chances de ser compatível, doutor?
— Sim — ele afirma. — Hoje mesmo vamos colher o exame HLA, é
simples como um hemograma, são muitas etapas, o resultado fica pronto em
quinze dias.
— Muito tempo...
— O processo é delicado, Richard. — O doutor nos olha, meticuloso. —
Porém, se tiver ao menos 75% de compatibilidade, temos chance.
Eduarda solta um longo suspiro com as palavras do médico, e eu não
posso deixar de me sentir aliviado. Se for o pai dele, posso ajudá-lo.
No fundo, torço por isso.
— Doutor, estou mais aliviado.
— Obrigada. — Eduarda, coloca a mão no meu rosto. — Você vai ser
compatível, tenho certeza.
Vejo seus olhos brilharem de esperança.
— Espero que sim — digo, quando tiro sua mão do meu rosto.
— Richard, vamos para o exame. — O doutor contorna sua mesa,
abrindo a porta em seguida. — Eduarda, nos aguarda junto com o Enzo?
— Claro.
Acompanho o doutor Almeida até a sala de colheita, com precisão ele
explica um pouco mais sobre os procedimentos, aproveito para incluir o
exame de DNA, que ficará pronto em 24 horas.
Quando saímos do hospital, sou encurralado a pagar uma dívida —
chocolate. Mesmo com a Eduarda resmungando um pouco, nos sentamos
numa Delicatéssen para a alegria do Enzo, que se delicia com bombons de
cereja. Enquanto Eduarda e eu tomamos café.
— Ricky, são 75% de chances, é muito bom.
— Temos que ter o resultado primeiro — digo, apreensivo.
— Tenho 75% de chances de não morrer, mamãe? — diz o garotinho,
com os dentes cobertos de chocolates.
Eduarda me olha com espanto, e apressa-se em cobrir o Enzo com um
abraço. Eu pauso com a pergunta, há momentos em que não somos nada
diante de algumas situações.
— Não, quem falou isso? — diz Eduarda.
— Sei que a minha doença é grave e posso morrer. — Seus olhos
desviam para os bombons enfileirados.
— Não pense nisso, você não vai morrer.
Enzo pisca com os olhinhos castanhos curiosos, avaliando minha
promessa, para depois transparecer sua confiança com um sorriso. E neste
momento, diante deste compromisso, desejo imensamente ser pai deste
pequeno. Não entendo, não questiono, somente deixo fluir, “algo bom” nasce
no meu coração.
— Promete?
— Sim!
Seu sorriso coberto de chocolate abre-se ainda mais, ele levanta e seus
braços curtos esforçam-se para me abraçar. Sabe aquele “algo bom” que
revelei linhas acima? — O sinto agora. Não sei descrever a sensação deste
abraço, mas juro para mim mesmo que o coraçãozinho que bate junto ao meu
peito, não pode parar.
— Já disse que chocolate é meu doce preferido?
— Sim, ontem. — Ele retorna para sua cadeira. — Mas, estes são meus,
compre os seus.
— Você não vai me dar nenhum?
Ele enruga a testa, pensativo.
— Tá bom, só um! — E com os dedos melecados de chocolate, me
oferece um dos seus bombons.
Volto-me para a Eduarda, que com olhos indecifráveis me encara.
— Ricky, nos deixa em casa, preciso dormir.
— Faz quanto tempo que não descansa? — pergunto, ao perceber seu
rosto abatido.
Enzo interrompe.
— Ela não dorme, Ricky. — Ele se inclina para cochichar: — Só
trabalha!
— Enzo, o senhorzinho é muito fofoqueiro. — Eduarda mexe o pescoço
de um lado para o outro. — Tenho que trabalhar.
— Posso levá-los num lugar legal?
— Onde? — pergunta Enzo, curioso.
— Vamos voar. — Aponto para cima. — No helicóptero.
— Não podemos, Ricky, amanhã eu trabalho, não...
— Ah, mamãeeeeee, por favor, sempre quis voar lá em cima.
— Ricky, melhor não. — Ela balança a cabeça, negando.
— Vamos, vocês precisam descansar.
Ela olha para o Enzo, que se levanta esticando os braços e correndo ao
redor da mesa, como se fosse um avião.
— Olha, mamãe! Sou um avião a jato... — E com ruídos, ele nos cerca
na mesa.
— Tudo bem, pelo Enzo.
— Pelo Enzo — afirmo.
— Aonde vamos?
— Surpresa!
Não disfarço a alegria de assistir ao Enzo completamente feliz no
helicóptero, suas mãos pequenas e ágeis fuçam o painel de controle,
entretendo Anthony, antes de decolarmos. Levá-los a Angra e dar-lhes um
pouco de descanso foi uma ótima ideia, uma rotina de hospital e trabalho, não
é para qualquer um, vejo na postura de Eduarda que está exausta.
Chegamos à Angra no início da tarde.
— Nossa, que legal. — Enzo cruza a sala, correndo até a parede de
vidro. — Mamãe, tem uma piscina gigante lá fora.
— Gostou, Enzo? — digo, indo ao encontro dele.
— Sim, vou poder nadar?
— Você sabe nadar?
— Não. — Ele entristece. — E agora, não vou poder ir?
— Se a sua mãe permitir, ensino você a nadar.
Ele corre para os braços da mãe.
— Mamãe, eu vou poder ir? — diz, com a voz dengosa.
— Se o Ricky cuidar de você, tudo bem!
— Olá! — exclama Carlos, do outro lado sala.
— Como vai, pai? — pergunto. — Enzo, este é Carlos, o meu segundo
pai.
Ele olha para nós, com os olhos cerrados.
— Como assim, você tem dois papais?
— Sim, tenho. O Carlos me criou.
— Eu não tenho nenhum pai, por que, mamãe? — Ele vira-se para
Eduarda, que me olha, desconcertada.
— Filho, falamos sobre isso em outro momento.
— Enzo, tenho uma solução, serei o seu pai, assim como fui o do Ricky
na sua idade, o que acha? — sugere Carlos, com seu tom caloroso.
Enzo observa Carlos, avaliando a proposta.
— Mas, você é quase do meu tamanho, como vai me pegar no colo? —
ele diz, com a inocência de uma criança.
Todos rimos.
Carlos realmente é baixinho.
— Melhor, assim podemos falar cara a cara. — Carlos, curva-se um
pouco para beliscar de leve o nariz do pequeno, que abre um sorriso,
concordando.
— Tá bom, eu aceito. — Dando os ombros, ele volta-se para o vidro,
admirando a piscina do lado de fora.
— Carlos, onde está a Célia?
— Finalizando o jantar, ela já vem te cumprimentar. — Ele vira-se para
o Enzo. — Ela fez um bolo de chocolate, para um certo garotinho.
— Bolo de chocolate? Incrível!
— Quando ligou, estava um pouco ocupado e não consegui mencionar,
mas seu irmão chegou, ontem...
— Nicholas — interrompo — está aqui?
Ouvimos a porta principal abrir e viramos, hesitantes.
— Não — Eduarda murmura.
Meu rosto tensiona, assim que vejo o Nicholas, com seus olhos
afrontosos, andando lentamente para sala.
— Opa, que isso aqui? — ele diz.
— Carlos, por favor, leve o Enzo para comer o bolo. — Apresso-me em
retirar o pequeno do ambiente.
— Vou comer a sobremesa antes do jantar, legal. — Enzo salta, feliz.
— Venha, Enzo. — Carlos entende a minha preocupação, saindo com
Enzo para a cozinha.
Enquanto Nicholas e Eduarda trocam olhares, que mais parecem golpes
de facas afiadas.
— O que a vagabunda faz aqui?
— Não fale assim comigo, seu merda.
— Ah, como devo falar?
— Nicholas. — O encaro. — Não vou permitir que você fale assim com
ela, logo aqui.
— Então, me responde você. — Seus olhos me esmagam. — O que ela
faz aqui?
— A trouxe para descansar... porque...
— Como? Descansar? — Ele solta uma gargalhada, se aproximando
ainda mais do meu rosto. — E quem é aquele garoto?
— Meu filho, Nicholas... com o Ricky — Eduarda se intromete, o
respondendo com avidez.
— Filho! — Ele articula cada letra, como se uma dor o atingisse, e com
uma fúria incontrolável, soca o meu rosto, me jogando no chão.
Tem momentos em nossa vida que realmente perdemos a direção,
tudo caminha como se estivesse sendo comandado por alguém com um
grande controle de videogame. E nós, avatares de um grande game,
seguimos, passamos algumas fases, morremos em outras, mas com bônus e
vida extra, revivemos e voltamos ao jogo. Confuso? Sim, é! Mas como eu
posso explicar ou entender o que estou vivendo agora?
Ouvir sonoramente do doutor Joseph que estou grávida de três meses,
me fez congelar no tempo.
Como assim? Me pergunto desde ontem.
Não entendo? Me questiono a todo o momento.
Nunca senti nada, minha menstruação está normal, não estou gorda,
mas... merda! Vacilei com alguns remédios no meio de uma lua de mel
constante com o Ricky.
E agora?
Por que agora?
Não consigo parar de chorar e somente uma pessoa reflete na minha
cabeça — dona Ana.
Céus, uma angústia me toma, misturada com medo.
Um filho, neste momento.
O que vou fazer?
— Jully... — Melissa entra no meu quarto. — Você tem que comer, olha
o que eu fiz. — Ela revela a bandeja em suas mãos. — Arroz com legumes e
frango, nada perecido com o seu, mas é comível.
— Não tenho fome — digo, com os olhos perdidos no teto.
— Você precisa comer. — Ela coloca a bandeja sobre a cama. —
Portanto, coma!
— Mel, o que eu vou fazer? — pergunto, desesperada por uma resposta.
— Falar com o Ricky — ela afirma.
— Não consigo.
— Júlia, ele tem que saber. Ricky te ama, até pediu você em casamento,
estou vendo a felicidade no rosto dele.
Olho para ela.
— Ele pode até ficar feliz, porém, eu não estou. — Minhas lágrimas
caem, demonstrando a minha fragilidade. — Eu não estou pronta para casar,
como não estou preparada para ser mãe. Minha formatura é em dois dias,
meus planos de trabalhar e fazer uma pós, se foram. Tem a história da
Eduarda, o suposto filho do Ricky no Brasil, muita coisa, vou explodir.
Desabafo minhas angústias e um frio percorre meu corpo, com medo.
Não vou saber cuidar de uma criança, sequer consigo cuidar de mim mesma.
E claro, sei que decepcionei minha mãe, ela apostou todas as fichas no meu
futuro, e agora estou grávida.
— Jully, calma, sei que é um impacto, nem imagino o que esteja
sentindo. Só que há um serzinho aí dentro de você.
Coloco minhas mãos trêmulas sobre minha barriga, e a ideia de ser mãe
não é clara na minha cabeça, não consigo aceitar.
— Liga para o Ricky, conta pra ele, talvez juntos fique mais
compreensível — ela comenta, em tom carinhoso. — Mas antes, coma, é
preciso.
— Vou tentar. — Arfo, abraçando meu travesseiro.
Melissa sai do quarto, fechando a porta, e um silêncio aterrorizante
ocupa o ambiente, sei o que tenho que fazer. Mas estou dominada por um
medo que me paralisa. Uma confusão de sentimentos invade minha mente,
me impedindo de raciocinar, talvez a voz do Ricky acalente o meu coração.
Com o celular na mão e o seu nome na tela, espero incessantemente que ele
atenda, porém, só chama.
Meu irmão, descontrolado, vem para cima de mim, com
golpes fortes e duros, tento contê-los com o meu antebraço, evitar que sua
fúria acabe com o meu rosto. Mas é impossível, sei que o Nicholas não vai
me perdoar, se o Enzo realmente for meu filho, será o fim de ter novamente
sua amizade.
Somos separados pelos braços pequenos e ainda fortes de Carlos, que
com sua autoridade de pai nos chama a atenção. Ofegantes, cada um num
canto da sala, nos encaramos, com sangue e suor escorrendo dos nossos
rostos. Nicholas aponta para mim, como se seu dedo fosse uma espada no
meu peito.
— Eu sabia... não foi uma simples bebedeira descontrolada. — Sua
respiração rápida corta algumas palavras, e ele usa o dorso da mão para
limpar sua boca. — Vocês tinham um caso nas minhas costas.
— Nunca faríamos isso com você, Nicholas — o repreendo.
— Mas fizeram. — Seus olhos vermelhos voltam-se para a Eduarda. —
Um filho! Você deu filho para ele?
Algo me intriga com essa pergunta, seu tom magoado me sugere que...
Será que o Nicholas ainda a ama, depois de tanto tempo, será que o
sentimento permanece? O cara durão, não esqueceu o seu primeiro amor?
Assim como não me libertaria do amor da Júlia.
— Aconteceu — ela balbucia.
— Vocês são dois bostas...
— Nick, filho. — Carlos, se aproxima. — Vamos lá dentro limpar esse
corte.
— Não, pai, se afaste...
Carlos paralisa, respeitando seu pedido.
— Nicholas, preciso te explicar.
— Vocês mantêm isso, uma família escondida?
— Tá louco, não é isso.
— A Júlia sabe disso aqui? Que você cuida da mãe e do filho.
— Nicholas, não coloca a Júlia na conversa. — Me aproximo.
— Oh, Ricky, não chegue perto de mim.
— Preciso te explicar...
— Não sou burro, cara.
— Temos que conversar, por favor.
— Nunca mais. — Ele vira-se para Eduarda. — Você é uma puta
imunda. — Cospe em sua direção. — Como pôde?
— Não me chama de puta, quer saber... — Ele, anda na sua direção. —
Eu sempre quis o seu irmão, nunca amei você.
Nicholas, num impulso, avança para cima da Eduarda, lançando no seu
rosto um tapa, que a faz voar. Eu entro na frente, contendo sua próxima ação,
que pela fúria dos seus olhos a machucaria bastante, consigo imobilizá-lo
com uma chave de braço, arrastando-o para fora.
— Chega, Nicholas, vai emborra.
— Eu odeio você, Ricky.
Neste momento, uma sensação fria e odiosa me atinge. Antes de entrar
no carro e ir embora, Nicholas me olha com uma expressão de nojo. Retorno
para dentro, vejo Carlos ajudando Eduarda a se levantar.
— Desculpe, não consegui contê-lo — digo, avaliando seu rosto. —
Está vermelho, melhor colocar gelo.
— Vou buscar — Carlos diz, antes de sair.
— Não foi sua culpa, eu o provoquei. — Seu olhar encontra o meu. —
Não aguentei suas ofensas.
— Porém o que disse é mentira? — exijo uma resposta, meu tom sério a
contrai.
— Sim — ela murmura.
Concordo, aliviado. Não quero mais problemas, ainda assim, não gostei
do que disse e da maneira que disse, ficarei alerta às suas intenções.
— A única coisa que nos une neste momento é o Enzo, não há dúvida
quanto isso, certo?
— Não se preocupe. — Ela anda até a entrada do corredor. — Melhor
ver o Enzo. Espero que ele não tenha ouvido.
— Acredito que a Célia soube entretê-lo
Ela concorda e sai.
Jogo-me no sofá, com o corpo dolorido e o coração magoado. Sinto o
meu celular vibrar no chão, ele deve ter caído com a briga. Ao menos, não
quebrou, desbloqueio e tem duas ligações da Júlia. Minha linda me ligou, me
apresso em retornar.
— Alô, Ricky.
Ouço sua voz doce e melódica.
— Como é bom ouvir sua voz.
— Ricky, eu...
Sinto a mesma tensão de antes.
— Júlia, o que houve?
Há algo errado com a Júlia, sua respiração oscila, deixando-me nervoso.
— Não é nada.
— Tem certeza? — exijo, com um tom rígido.
— Como estão as coisas no Brasil? — Ela muda de assunto, para
desviar a minha atenção. — Sabe o que quero dizer.
— Sim, sei, conheci o Enzo e fizemos alguns exames. — Continuo
intrigado. — Por que você demorou para ligar?
— Precisava de tempo, eu disse, e...
— Ricky, quer comer bolo de chocolate? — Enzo entra falando,
empolgado.
Eu nego com a cabeça, voltando a ouvir a Júlia na linha.
— Ele está aí? — ela pergunta.
— Enzo, não atrapalha o Ricky — Eduarda diz, já na sala.
— Ela também está aí?
— Vocês me dão licença — peço para eles.
Enzo coloca seu dedo pequeno sobre os lábios em sinal de silêncio. Eu
me afasto, indo para a varanda.
— Júlia, eles estão.
Ela não fala nada, só ouço a sua respiração.
— Júlia, fala comigo. — Suplico sua atenção.
— Onde vocês estão?
— Em Angra.
— Angra? — Posso sentir a surpresa na sua voz.
— Eles tiveram momentos difíceis, os trouxe para descansar.
— Me responde, o Enzo é seu filho?
— Ainda não sei, o exame não ficou pronto. — Será isso, sua angústia?
— Quer falar sobre isso?
— Agora não é o momento, Ricky.
— Por que não?
— Porque não — ela conclui, seca.
— Ok, nos falamos amanhã? — sugiro, tentando quebrar este gelo entre
nós.
— Sim, amanhã — ela concorda. — Boa noite, Ricky.
Sem esperar a minha resposta, ela desliga. Ando até a beirada da sacada,
recebendo o vento fresco de Angra. Estou confuso com a ligação, e com
receio de perdê-la. Fora que, não bastando, estou no meio de uma guerra,
provocada por uma única noite. Que me trouxe consequências ruins, mas
olhando o Enzo através da porta de vidro, feliz em comer um bolo de
chocolate, me faz concluir que também trouxe coisas boas.
Na manhã seguinte, acordo cedo, preciso ter notícias do meu irmão, que
pelo o que conheço deve estar louco em algum lugar. Faço algumas ligações
e sento para tomar o café posto pela Célia que, como sempre, muito
carinhosa, antes de sair, acaricia meus cabelos, assim como fazia quando era
criança. Carlos, do lado de fora, prepara a lancha, prometi um passeio para o
Enzo.
— Bom dia — diz Eduarda, entrando na sala, com o pequeno Enzo em
seu colo.
— O que ele tem?
— Preguiça. — Ela o coloca na cadeira.
Ele espreguiça-se e olha pra mim.
— Bom dia, Ricky.
Sorrio, por receber um “bom dia” de um garoto de cinco anos.
— Bom dia, diga-me o que gosta de comer de manhã.
— Tem mingau de aveia?
— Acho que sim, vamos ver com a Célia.
Ele concorda com um sorriso.
— Muito bom, mingau — Eduarda diz. — Ricky, aonde pretende levá-
lo? Ele não pode circular muito, por conta da imunidade...
— Eu entendo, íamos passear de lancha.
— Eu quero passear de lancha, mamãe. — Seu rostinho pidão, encurrala
Eduarda.
— Certo, porém, tomem cuidado.
— Mas, você não vem com a gente, mamãe? — pergunta Enzo.
— Se o Ricky quiser...
— Minha mãe pode ir, Ricky? — Ele me olha. — Ela sabe nadar.
— Claro, se ela quiser, não vejo problemas.
— Bom dia! — exclama, Célia.
Nós nos viramos para recebê-la.
— Célia, tem mingau de aveia? — Enzo pergunta e ela sorri.
— Que garoto saudável. Sim, temos, vou preparar para você.
— Obrigada, Célia — Eduarda agradece. — Depois de se entupir de
bolo de chocolate, ele precisa de algo mais saudável.
— Mamãe — Enzo grita, antes de curvar-se para o chão e vomitar,
Eduarda assustada, corre ao seu lado.
— Enzo...
— O que aconteceu? — pergunto ao se lado.
Enquanto ela o inclina para que ele vomite.
Célia corre para a lavanderia, e eu fico sem saber o que fazer. Enzo tosse
e vomita ao mesmo tempo, e a palidez aparece em seu rosto, me deixando
assustado. Ele estava bem. E agora está mais branco que leite.
— Talvez, tenha ingerido muito açúcar.
— Desculpe, Eduarda — diz Célia, entrando com panos. — Eu...
— Tudo bem, Célia. — Ela o segura em seus braços. — Filho, tudo
bem?
Ele balança a cabeça, dizendo sim, depois a escora no ombro da sua
mãe, pálido e amuado. Seus olhinhos me olham, como se lamentasse.
— Desculpe, Ricky — ele diz, com um fio rouco de voz.
— Não se preocupe, como se sente?
— Minha barriga doí...
— Muito açúcar, filho, mas vai passar. — Eduarda me encara. — Ricky,
me ajuda levá-lo para cima, vou dar um banho nele.
— Claro. — Ela o transfere para meu colo, e o rostinho do Enzo pousa
no meu ombro, seus braços curtos abraçam o meu pescoço. E o vejo suspirar,
como se estivesse cansado.
— É sempre assim — ele diz, enquanto o carrego na escada.
— Assim como?
— Sempre passo mal — sussurra e seus olhos fecham-se, deixando cair
algumas lágrimas.
Não digo nada, impossível dizer.
Deixo-o no banheiro com sua mãe, e saio em busca de ar. Como é difícil
lidar com tanta fragilidade. Amar a Júlia já é o bastante para a minha
compreensão, aceitar a entrega deixou-me vulnerável. No entanto, ver um ser
tão pequeno, com uma bagagem pesado demais para a sua idade, é algo que
não suporto.
Recebo um telefonema da minha secretária, ela me informa que o exame
de DNA está pronto e o resultado foi enviado para o meu e-mail, algo me
impede de acessar, preciso desta resposta, mas, agora não é o momento.
Retorno para o quarto, Enzo encolhe-se na cama, enquanto Eduarda acaricia
o seu cabelo molhado, seus olhinhos castanhos caído de tristeza encontram os
meus.
— Melhorou, cara? — Dou um toque brincalhão no seu ombro.
— Sim, mas, não vou passear de lancha? — balbucia, com os olhos
lacrimejantes.
Eduarda me olha com os olhos arregalados, como se eu tivesse que dizer
o tal NÃO, volto o meu olhar para o Enzo.
— Podemos ficar na piscina, o que acha? — sugiro, não consigo dizer
NÃO.
Ele bufa, cobrindo o rosto com as mãos.
— Enzo, não nos condene — murmura Eduarda.
Olho para ela e gesticulo: “Somente uma volta”, ela responde: “Não”.
Eu insisto: “Por favor?”, faço uma última tentativa. Ela me encara feio, volta-
se para o Enzo, ainda com as mãos sobre o rosto, e acaba cedendo.
— Enzo, uma volta, o que acha? — pergunto para ele.
Ele tira as mãos do rosto e abre um sorriso tão iluminado quanto o sol.
— Jura? Que legal.
— Ricky, temos que ter cuidado — Eduarda avisa.
— Combinado.
A alegria do Enzo quando entra na lancha é contagiante, Eduarda se
mantém calada, falando o necessário. Acredito que seja pelo episódio
lastimável de ontem, e pelo o que conheço do meu irmão, algo vai explodir
em algum lugar. Nicholas tem o gênero vingativo, não somente nas palavras,
suas ações são cruéis, muitas vezes. Entretanto, ele é meu irmão, por mais
que às vezes o exclua da minha vida, não consigo dar as costas.
Com cautela, passeamos próximo à casa. A felicidade nos olhos do Enzo
é impagável, ele é uma criança carinhosa e carismática. Não posso me
esquecer de mencionar sua inteligência, muito esperto.
Eduarda soube criá-lo muito bem!
Após muita insistência, Enzo nos convenceu em descermos numa praia,
andamos pela areia, enquanto o observamos correndo à beira-mar.
— Parabéns, você criou um lindo garoto.
— Obrigada. — Ela vira-se. — Ele é muito parecido com você, os
mesmos olhos castanhos e cabelos negros.
— Acho que, de mim, ele puxou a inteligência, preciso ressaltar. —
Sorrio, pretencioso.
— Hein? — Eduarda bate no meu ombro.
— Porém a força é sua — afirmo, com admiração. — Você foi muito
corajosa em continuar com a gravidez.
Ela desvia o olhar para o Enzo que, distante, chuta as pequenas ondas
que o alcança.
— Você não sabe o quanto sofri com a sua indiferença — ela diz, ainda
com os olhos no Enzo. — E quando eu perdi tudo, a única coisa que
alimentava a minha esperança eram os olhos castanhos deste garoto.
Viro o seu rosto com os dedos, para que ela olhe nos meus olhos.
— Desculpe, farei pelo o Enzo o que estiver ao meu alcance.
Ela concorda, com os olhos cheios de lágrimas, e somos interrompidos
pelos gritos do Enzo, apontado para um paraquedas que nos sobrevoa.
— Nossa, um dia eu vou voar assim — ele diz, pulando na areia, como
se quisesse alcançar o céu.
— Meu Deus, não — Eduarda o repreende.
— Ricky, minha mãe é medrosa, você voa comigo?
— Claro, adoro esportes radicais, por isso, sou executivo — digo,
bagunçando o seu cabelo. — Agora, se você quer altura, vem cá. — O ergo,
colocando-o sentado em meus ombros.
Caminhamos ao redor da praia por alguns minutos. O ar puro fez muito
bem para o Enzo, sua aparência está melhor e o sorriso no rosto contagia a
todos nós. A Célia e o Carlos o mimam o tempo todo, felizes por ter
novamente uma criança correndo pela casa.
O retorno para São Paulo é tranquilo, o Enzo dormiu a maior parte do
tempo.
Após deixá-los em casa, um quarto e cozinha minúsculo na zona norte,
me sinto culpado por viverem em condições limitadas.
Entro no meu apartamento, totalmente desolado com tudo que gira em
torno da minha vida, nunca estive tão pressionado como estou agora. Pego o
meu celular para ter acesso ao e-mail, preciso saber o resultado do exame de
DNA, uma coisa eu já defini, vou ajudar a Eduarda com o Enzo, no que for
necessário.
Sem prolongar a minha angústia, tenho uma resposta.
Assim que vejo o resultado.
O grande dia chegou — FORMATURA!
E estou deitada na minha cama, observando um lindo vestido azul,
pendurado na porta do banheiro. Com a imagem de Angra na minha cabeça e
a voz da Eduarda zumbindo no meu ouvido, pronunciando o nome do Ricky.
Eles estão em Angra!
Eles estão em Angra!
Eles estão em Angra!
Repito a cada minuto, como um gravador quebrado.
Estou enlouquecendo de ciúme, na realidade, são tantos os sentimentos
que me consomem, que não consigo raciocinar direto. Por que eu não contei
para o Ricky sobre gravidez, o que me impede? Talvez o medo que estou
sentindo, me impeça de agir.
Estou ficando louca! Será que eu posso passar isso para coitado do
bebê?
Inclino a cabeça e encaro minha barriga.
— Eu espero que você, bebê, puxe seu pai, eu sou desequilibrada. —
Sorrio, afundando a cabeça novamente no travesseiro.
Realmente endoidei, estou desabafando com o bebê.
Ouço alguém bater à porta e levanto para atender, resmungando, não
tenho paciência para falar com ninguém. No entanto, a imagem em pessoa à
minha frente, me paralisa.
— Mãe! — exclamo, assustada com a surpresa.
— Jully, minha filha. — Ela me enche de beijos e carinhos sufocantes.
— Meu amor, que saudade! — Suas mãos seguram o meu rosto, enquanto
seus olhos o avaliam. — Parece pálida, o que vocês comem por aqui? —
comenta, já entrando no apartamento.
— Mãe, o que faz aqui?
— Como assim, isso é jeito de me recepcionar, menina?
— Desculpe, mas por que não me avisou?
— Queria fazer uma surpresa, e fiz. — Ela olha ao redor. — Que lugar
adorável. Cadê a Melissa?
— Melissa faz parte do comitê de organização da formatura, ela foi cedo
para a universidade.
— E você, por que está com essa cara de laranja chupada?
— Laranja chupada?
— Sim, achei que a encontraria radiante, hoje é o grande dia.
— Eu estou feliz, acredite — minto, após sentar no sofá. E observar
minha mãe vasculhar todo o apartamento, até sair do meu quarto, com o
vestido erguido na mão.
— Este vestido é lindo, vamos arrumar este cabelo, fazer uma linda
maquiagem. — Ela me encara. — Você será a formanda mais linda, estou tão
orgulhosa de você.
Seu entusiasmo me emociona, não consigo conter as lágrimas que, como
gotas de culpa, escorrem pelo meu rosto. Minha mãe entristece, assim que
percebe minha angústia. E apressa-se em sentar ao meu lado.
— Júlia, o que aconteceu? Foi o Ricky? Aliás, cadê ele, devia estar aqui
com você.
Seus questionamentos aumentam mais a minha tortura, não sei como
vou dizer, não quero eliminar a felicidade dos seus olhos.
— Mãe, o Ricky voltou para o Brasil.
— Vocês terminaram? — Ele revira os olhos. — Agora entendo a cara
de laranja chupada.
— Não terminamos...
Céus, ela vai surtar quando eu contar toda a história.
Respiro fundo, tentando inspirar coragem.
— Fala, Júlia, não me deixe nervosa.
Despejo no colo da minha mãe todo o enredo, ela escuta, sem surtar com
os detalhes do passado de Ricky e Nicholas. Se entristece com a doença do
Enzo, e se preocupada com a confusão na minha cabeça. Juro, por um
momento, quis falar daquele assunto delicado, mas me acovardei e não disse
nada.
— Não conversamos ainda.
— Mas precisam.
— Sim. — Deito em seu colo, para receber o carinho da minha mãe,
como eu preciso disso.
— Agora, levante.
Droga! Acabou o carinho.
— Vamos, preciso deixá-la linda! E descansar, este fuso-horário me
deixou tonta.
Ricky,
Voltei para a minha casa, estava cansada, após a viagem. Sei que temos
que conversar, há muito o que esclarecer, mas tem uma coisa que no
momento é mais importante que todo ou qualquer esclarecimento.
A saúde do Enzo.
Nós nos falamos à noite!
Júlia.
Ricky acaricia minha barriga, com o ouvido colado a ela. Ele está
determinado em fazer contato com a bebê.
— Júlia. — Ele me encara. — Será possível ela sentir as obscenidades
que fizemos?
— Agora são obscenidades? — Rio com o seu comentário absurdo.
Ele encara a minha barriga, se preparando para uma conversa séria.
— Filha, desculpe o papai, mas, você não fará isso nunca.
— Nunca?
— Talvez, com uns trinta anos ou mais.
— Coitada, Ricky, ela vai ser freira.
— Eu respeito as freiras, um ótimo futuro para minha filha.
Ele sorri lindamente, me presenteando com um beijo.
— Podemos conversar agora? — exijo, mudando de assunto, chegou a
hora da nossa conversa. — Portanto, diga-me, o que a Duda faz aqui?
Ele respira fundo, escorando na cama.
— A casa da Eduarda foi destruída por uns caras, que acredito ser a
mando do Nicholas.
— Ele faria isso?
— Ele conheceu o Enzo em Angra, por acaso, e ficou transtornado.
— Angra...
— Júlia, o Enzo tinha acabado de receber alta do hospital, achei que
seria uma boa eles descansarem...
— Certo, posso pular esta parte. — Não vou indicar fragilidade, mesmo
estando chateada, mantenho firmeza. — Agora, seu irmão tem razão, não
acha?
— Sim, tentei falar com ele, explicar, mas sua ira está ainda maior.
— Estive com a Ellen, antes do acidente.
— A Ellen?
— Sim, passei na W.E, para encontrar o pessoal, estava na recepção e a
Ellen insistiu para conversamos.
— Conversar, você e a Ellen? — diz, desconfiado.
— Sim, conversamos como mulheres finas que somos.
— Certo. — Ele curva a boca e semicerra os olhos. — E conversaram
sobre o quê?
— Ela quis me alertar sobre o Nicholas, só concluiu o que acaba de
dizer.
Levanto, andando pelo o quarto, incomodada com uma questão.
— Ricky, quando cheguei ao Brasil, liguei a televisão e as notícias me
cegaram, por isso, corri para o seu apartamento. — O encaro. — Por que
você estava acariciando o rosto da Duda, na foto?
— Júlia, eu... foi um gesto impensado, estávamos falando sobre o Enzo,
ela se emocionou...
— E tiraram a foto. — Endureço o rosto.
— Júlia, com certeza o Nicholas, informou esses idiotas que estávamos
lá, dando a eles uma matéria de capa.
— O Nicholas acabou com a casa da Eduarda e colocou nós na mídia
novamente, para se vingar? É isso?
— Sim — ele murmura.
— E a Eduarda nesta história toda, como fica?
— Como assim?
— Ricky, a história é confusa. Não engoli, você conversou com ela
sobre... — Pauso, indignada com meu próprio comentário. — Sobre a
bebedeira de vocês?
Imaginar o Ricky tendo essa conversa com ela, é de embrulhar o
estômago.
— Sim, mas a saúde do Enzo é prioridade agora. Preciso que confie em
mim.
Não respondo, mas concordo com um olhar mais tranquilo. Contudo,
não estou convencida, falta uma peça nesta história, e sei que está escondida
com a Duda.
— Júlia, sei que é desconfortável para você tê-la aqui, mas o Enzo
precisa de um lugar seguro. Não se preocupe, vou arrumar um apartamento
para eles, assim que possível.
— Ok.
Ficamos calados por um instante, cada um com seus pensamentos e
preocupações, e um pressentimento me ocorre, algo esquisito, que inquieta
minha mente.
Balanço a cabeça, expulsando tal pensamento assombrador.
— Júlia, não quero que fique chateada, eu resolvo isso. — Ricky
percebe meu rosto tensionar. — Repouso, lembra?
— O Enzo? Eu estava a caminho da visita, antes do acidente...
— Júlia, ele não reage aos medicamentos. — Sua voz embarga. — O
doutor Almeida cogita algumas quimioterapias. — Seus olhos caem em
desalento. — Ele vai sofrer muito neste processo. Tenho que ser compatível,
a melhor saída é o transplante.
Abraço-o, confortando-o da dor que vejo nos seus olhos.
— E se não conseguirmos salvá-lo? — ele pergunta, perturbado com a
possibilidade.
— Ricky, você vai ser compatível. Acredite.
— Estou sendo castigado, por tê-lo negado.
Seguro seu rosto com as palmas das mãos e seco as lágrimas que
brotaram em seus olhos.
— Não é sua culpa...
— Ele ainda não sabe que é meu filho, não sabemos como contar.
— O tempo vai mostrar uma maneira de vocês contarem. Não podemos
esquecer que ele vai ter uma irmãzinha.
Um sorriso iluminado aparece em seu rosto.
— Já te agradeci por este presente? — Ele me ergue, para que enlace em
seu pescoço.
Ouvimos um celular tocar e tentamos encontrá-lo.
— É o meu. — Ricky atende. — Alô... Sim, doutor Almeida, aconteceu
alguma coisa com o Enzo?
— O que foi? — murmuro para o Ricky.
Ele faz sinal para eu aguardar.
— Sim, doutor, estou indo. — Ele desliga, já entrando no closet.
— O que foi, algo com o Enzo?
— O resultado do exame saiu, tenho que ir ao hospital.
— Eu vou! — digo, abrindo a minha mala.
— Não, você fica, repouso, lembra — ele repreende.
— Não estava repousando, minutos atrás — afirmo, colocando um
vestido. — Eu vou, pega os meus tênis, por favor.
Ele olha, contrariado com a minha teimosia, jogando os tênis nos meus
pés e entrando no closet, resmungando.
Bato duas vezes na porta, antes de entramos.
Eduarda, com os olhos inchados e cansados, encoraja um sorriso para
nos receber, porém, o cansaço não permite. O Enzo, dormindo como um anjo,
respira profundo, deslizo os dedos em seu braço pequeno e fino, com picadas
roxas do acesso.
— Duda, como vai? — Júlia cumprimenta Eduarda, com um beijo no
rosto, percebo que ambas estão desconfortáveis uma com a outra. — E este
garotinho é o Enzo. Ele é lindo, Ricky.
— Sim. — Viro-me para Eduarda. — Como ele passou o dia?
— Nada bem. — Sua voz embarga. — Não sei mais o que posso fazer,
que esperança consigo transmitir a ele.
O barulho da porta sendo aberta nos assusta.
— Olá, como vai, Richard? — Doutor Almeida adentra, me
cumprimentado com um aperto de mão.
— Estou bem. Esta é a Júlia, minha mulher.
— Como vai, Júlia?
— Estou bem, doutor.
— Eduarda, conseguiu dormir? — o doutor pergunta para Eduarda.
— Ainda, não — ela afirma, secando as lágrimas com o dorso da mão.
Doutor Almeida compreende e desvia os olhos para mim.
— Richard, temos que conversar, tudo bem se for agora?
— Claro. — Viro-me para Júlia. — Júlia, pode fazer companhia para o
Enzo, enquanto falamos com o doutor.
— Sim, fiquem tranquilos.
Beijo-a na testa e saímos com o doutor Almeida.
Em sua sala, ele coloca vários papéis sobre a mesa, sentado em seguida.
Sua expressão nada satisfatória, nos prepara para o pior.
— Doutor, fale de uma vez — diz Eduarda, não contendo sua aflição.
— Richard, você tem 25% de compatibilidade.
— Só?! — exclamo, inconformado.
— Infelizmente, sim, muito arriscado para um transplante.
Eduarda coloca as mãos sobre a boca, para abafar o seu choro. Enquanto
eu esmurro, descontrolado, a mesa do doutor.
— Vocês têm que manter o controle, o Enzo precisa da força de vocês.
— As quimios vão acabar com ele, doutor, como mantenho a calma, o
vendo sofrer deste jeito?
— Estamos controlando a infecção. No entanto, permanece fraco e
oscila seu estado, mesmo com os medicamentos. Ele vai permanecer
internado, para mantermos observação constante.
— E se ele... — Eduarda não consegue continuar.
— Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance, Eduarda, até aparecer
um doador. — O médico transmite confiança para que o desespero não nos
consuma.
Minha mente divaga na culpa, imagino o tempo perdido, poderia ter
estado ao lado do Enzo todos esses anos. Embora as consequências da
gravidez tenham sido duvidosas, porque não permiti duvidar da minha
inteligência, poderia ao menos ter deixado o egoísmo de lado e ter
raciocinado.
— Ele permanece na fila, doutor? — Eduarda pergunta, tentando
encontrar esperança.
— Sim, agora fé é a saída para o equilíbrio mental.
— Há mais alguma coisa que possamos fazer?
— Infelizmente, não — afirma o doutor.
Retornamos, ainda distante, vejo a Júlia saindo do quarto, com mão na
boca. Apresso-me em encontrá-la.
— Júlia? — digo, enquanto ergo seu rosto. — O que houve?
Eduarda e o doutor não esperam a resposta e entram no quarto.
— Desculpe, eu... — Ela me olha, com os olhos arregalados. — O Enzo
passou mal, vomitou um pouco e eu vergonhosamente me senti enjoada.
Abraço-a.
— Desculpe, Ricky.
— Tudo bem, se acalme.
— Ele melhorou, a enfermeira cuidou dele, pois eu fui uma fraca idiota.
— Ela me encara. — E o exame?
Afasto-me, escorando na parede.
— Minha chance é 25%.
— É pouco? — Ela acaricia o meu rosto.
— Infelizmente.
— A enfermeira me disse que está grávida, Júlia — o doutor nos
interrompe, saindo do quarto subitamente.
— Sim, de uma menina.
— A barriguinha ainda não apareceu, quantas semanas?
— Dezesseis, doutor, ainda estou me acostumando com a gravidez.
Meu celular vibra no meu bolso, apresso-me em olhar a tela, é a Ellen.
— Júlia, posso falar com você um instante? — pergunta o médico.
— Sim. — Ela desvia o olhar para o celular. — Ricky, tudo bem?
— Sim, eu vou atender ao celular. — Me afasto, olhando a Júlia sair
com o doutor Almeida, fico intrigado, porém, volto minha atenção para o
celular.
— Alô, Ellen.
— Ricky, tudo bem?
— Não muito, estou no hospital...
— Como está o garoto?
— O Enzo, quer dizer?
— Tanto faz, Ricky. Como ele está?
— Digamos que, bem. Mas, por que ligou?
— Tomei um drink com seu irmão hoje, ele parece mais calmo.
— Ele permanece no mesmo hotel?
— Não.
— Não? Ele viajou de novo?
— Não sei, ele não disse. Somente se despediu, e falou que nos veríamos
em breve.
— Ok, se souber de alguma coisa me fale, obrigado.
Finalizo com a Ellen, insatisfeito com as notícias. Nicholas desaparece
novamente. Olho atento o final do corredor, à espera da Júlia e do doutor
Almeida. Estão demorando.
Meu celular toca novamente, é alguém inesperado, o meu amigo e
investigador, César.
— Alô, César...
— Como vai, irmão?
— Não muito bem, alguns problemas. César, só um momento...
Caminho em direção à saída, preciso de ar.
— Diga-me, por que ligou? — Retomo a ligação.
— Ricky, vou voltar para São Paulo em alguns meses, quero te
encontrar.
— Por onde anda?
— Canadá, irmão. Numa investigação complicada, vai estar no Brasil,
neste período?
— Acredito que sim, me ligue assim que chegar.
— Ok, irmão. Foi um prazer falar com você.
Desligo o celular.
— Ricky!
Ouço Júlia chamar
— Tudo bem? Por que está aqui fora?
— Vim atender uma ligação, mas, agora podemos entrar. — Coloco a
mão nas suas costas, a conduzindo para dentro. — O que o doutor Almeida
queria?
— Nada de mais, falar sobre o Enzo.
Mesmo julgando estranho, não questiono, estou com a cabeça cheia.
Não ser compatível com o Enzo me desestabilizou um pouco.
— Ricky, vejo tensão no seu rosto. Quem te ligou? — Júlia vira-se para
me encarar, antes de entrarmos no quarto.
— Conversei com o César, ele pretende voltar para São Paulo e quer me
encontrar. Estou angustiado em relação ao Enzo.
— Ricky, tenho uma ideia, vou fazer uma campanha pelo Instagram,
quem sabe se pessoas vierem fazer o exame, possamos encontrar um doador
— diz, com entusiasmo.
— Pode dar certo. — Penso no assunto. — Faça o que for preciso, e se
precisar de algo, me fale.
— E se envolvemos a W.E? — ela diz, cautelosa.
— Não sei, talvez a mídia noticie o contrário. Contudo, se for para
ajudar o Enzo, não ligo. Vou entrar em contato com a Ellen, se a W.E fizer
uma campanha tendo o Enzo como imagem, talvez ajudemos outras crianças.
— Sim, foi o que pensei. — Recebo o seu abraço. — Vai dar tudo certo,
acredite.
Concordo, recebendo da Júlia um apoio insolúvel.
Quando entramos no quarto, o Enzo está acordado, ao me ver surge em
seu rosto um sorriso curto.
— Oi, garotão — falo, massageando sua barriga com cócegas leves.
— Quero ir embora para sua casa. Posso? — Ele me encurrala com seus
olhos de anjo.
— Ainda não, mas logo voltaremos para o apartamento do Ricky —
Eduarda interrompe, desviando os olhos para Júlia.
Ele bufa, cruzando os braços.
E a Júlia encara a Eduarda.
— Gosto de morar com o Ricky.
— Eu sei, vamos pensar nisso depois — digo, bagunçando o seu cabelo.
— Você conheceu a Júlia?
Ele balança a cabeça, concordando.
— Nos falamos por alguns instantes, o Enzo me contou que é fã do
Homem-Aranha...
— Ricky, você acredita que a Júlia também gosta do Homem-Aranha?
— Sim, temos algo em comum. — Júlia se aproxima do Enzo, e eu dou
espaço para ela. — Temos mais uma coisa em comum.
— O que é? — Enzo pergunta, curvando os lábios.
— Aqui dentro da minha barriga, tem uma menininha que é... — Ela me
olha, pedindo permissão para prosseguir, eu assinto, já emocionado com a
cena à minha frente. — É sua irmãzinha.
— Minha irmã? — Ele abaixa a cabeça, pensativo.
— Você tá gravida? — Eduarda pergunta, surpresa.
— Sim, estou. — Júlia afirma.
— Mamãe, como posso ter uma irmãzinha na barriga da Júlia?
— Lembra, prometi que daria a você um pai? — Sua voz falha um
pouco. — Tudo bem se for o Ricky?
Respiro fundo e o receio da rejeição aparece, não vou negar. Abro um
sorriso largo para Enzo, esperando sua resposta. Que novamente avalia a
situação.
— O Ricky tá bom pra mim.
— Que bom, fiquei preocupado. — Bagunço seu cabelo.
— Quando vou conhecer minha irmãzinha?
— Vai demorar um pouquinho — Júlia responde.
— Qual é o nome dela? — Enzo pergunta, curioso.
— Bem, ainda não tínhamos pensado... — Ela encara Enzo. — Você
pensou em algum?
Sua carinha sapeca, responde, com um sorriso.
— Sim, Camille.
Concordamos com a belíssima escolha do Enzo e nossa
menininha vai se chamar Camille. A cada dia minha barriga aponta mais, eu
fico emocionada por constatar a gravidez no meu corpo.
— Ricky... Ricky... Ricky... — grito, paralisada no sofá.
— O que foi, Júlia? O que houve? — Ele entra correndo na sala.
— Mexeu, ela mexeu...
— Mexeu? — Ele ajoelha-se e cobre com suas mãos a minha barriga.
— Fica quieto.... — sussurro, limitando os meus movimentos.
Ricky olha fixo para a minha barriga, como se a bebê fosse nascer em
suas mãos neste momento. E acontece de novo, Camille se desloca na minha
barriga.
— Mexeu, Júlia, sentiu... — ele diz, com a emoção em seus olhos.
— Sim, meu amor!
Antes de entrar no hospital, ligo para o meu irmão, não tenho resposta,
ele não atende, então envio uma mensagem.
Nicholas,
Precisamos conversar, me ligue assim que possível.
Ricky.
Passo a manhã com o Enzo, que com os seus altos e baixos, permanece
no hospital. O doutor Almeida prefere tê-lo por perto, então concordamos. A
cada dia que passa, me aproximo mais desse pequeno, brincamos, assistimos
a filme e fiz muito carinho em sua cabeça, enquanto velava seu sono.
No início da tarde, tinha alguns documentos importantes para ler, então
marquei com a Ellen no meu apartamento, que agora é o meu local de
trabalho, contratei uma enfermeira particular para nos auxiliar nos cuidados
com o Enzo, assim que ela chega, saio para a minha reunião, pois Eduarda
ainda não retornou do seu compromisso.
— Entre — digo para Ellen, assim que seus olhos azuis brilham na
porta.
— Tudo bem? — Ela me cumprimenta com um beijo no rosto. — Está
sozinho? Silencioso aqui.
— Sim, a Júlia foi visitar sua mãe.
— A ex ainda mora aqui?
Encaro-a, com frieza.
— Não comece com as suas insinuações, ela não é minha ex, você é.
— Hum, então deveríamos matar a saudade, o que acha?
Arqueio uma sobrancelha, desdenhado seu pedido.
— Brincadeira, já superei você, Richard.
— Quero vê-la feliz.
— Vou ser. — Ela sorri. — Nicholas me ligou.
— Quais são as notícias?
— Nada certo, quer minha ajuda em relação a alguns empreendimentos,
marcamos uma reunião amanhã, então é possível que esteja no Brasil.
— Liguei para ele, mas, sem sucesso.
— Quem sabe o tempo o amanse novamente.
— Certo, agora vamos trabalhar?
— Ok, patrão.
A Ellen, como sempre, muito competente, me atualiza de tudo,
repassamos todos os detalhes da próxima campanha da W.E, reviso
documentos importantes, enfim, nos ocupamos o resto da tarde.
Despeço-me dela, me jogando no sofá para respirar, antes de buscar a
Júlia. Verifico o meu celular e não há resposta do Nicholas. Mas tem uma
mensagem da Júlia.
Ricky, não precisa me buscar, quando finalizar com a minha mãe, vou
direto para casa.
Com amor,
Júlia.
— Júlia, olha para mim, não é melhor vocês conversarem? Talvez ainda
possa ter uma explicação clara sobre tudo — comenta Guta, enquanto espia o
Ricky pela a janela.
— Por que disse que eu estava aqui?
— Ele me pressionou na empresa, poxa, ele ainda é meu chefe... Pensa
no que eu disse, quem sabe haja uma explicação.
— Não há explicação no mundo, que desminta o que vi, então não, me
nego ao ouvir desculpas — afirmo, tentando me concentrar no filme que
passa na TV. — Qual o nome desse filme mesmo?
— Toda história tem dois lados — Johny diz, entrando na sala. —
Conversa com ele.
— Este é o nome do filme?
— Do filme da sua vida, garota — ele conclui.
— Não vou falar com ele... e ponto final.
Ouvimos o interfone tocar e Guta vai atender.
— Com certeza é o porteiro — ela diz, antes de pegar o interfone. — Oi,
não será preciso... como? Espera um momento... — Ela me encara com os
olhos arregalados. — Júlia, chamaram a polícia para o Ricky, por perturbar
ambiente familiar, vão prendê-lo, Júlia.
Arqueio uma sobrancelha, pensando no assunto.
— Desce, Jú, fala com ele — Johny completa, me incentivando a ouvi-
lo.
Não quero, dane-se.
— Que chamem, ele é milionário, não fica um minuto na delegacia.
Levanto e vou para o quarto, com os olhares surpresos de Guta e Johny
sobre mim.
Entro no meu apartamento na presença de César, com sua ajuda,
fui liberado da delegacia, depois de desacatar os policiais e quase arrebentar
aquele porteiro imbecil.
— Ricky, irmão, você tem que se controlar cara, as coisas não
funcionam assim...
— Então, como são? Aquela maldita da Eduarda acabou com a minha
vida, César, a Júlia não vai me perdoar e, além de tudo, ela está grávida,
imagina a tragédia que este desgosto pode causar.
César ouve o meu desabafo, me entregando em seguida uma dose de
uísque.
— Tome, talvez anestesie a dor no seu peito.
Hesito por um instante, com o copo na mira dos meus olhos. Contudo,
encher a cara talvez me faça esquecer o buraco em que estou. Pego o copo e
viro de uma vez, apertando o rosto com o sabor amargo da bebida.
— César, perdi minha garota — digo, sentando no sofá, e jogando as
costas sobre o encosto. — A Júlia não vai me perdoar...
— Vocês ainda vão ter a oportunidade de conversar, só não faça
nenhuma besteira.
— César, não sei...
São as minhas últimas palavras, antes de cair no sono, com uma dor
intensa no peito e um corpo cansado.
— Ricky... Ricky...
Ouço uma voz me chamar e demora um pouco para que meu cérebro
acorde, abro os olhos pesados, tentando despertar.
— Nicholas? — digo, enquanto esfrego o rosto com as mãos. — O que
faz aqui?
— Eu... — Nicholas enruga a testa, e pela sua expressão, estou
detonado. — O que houve com você?
— Preciso de um banho. — Levanto com dificuldade e vou para o
quarto. — Espere, precisamos conversar — grito, antes de entrar no banheiro.
Minha cabeça lateja com meus pensamentos, permaneço embaixo
d’água, implorando que tudo seja uma grande piada de mau gosto. No
entanto, realmente o mundo desmoronou sobre a minha cabeça.
— O que aconteceu aqui? — Nicholas procura saber, assim que eu
retorno para a sala.
— Sua profecia se cumpriu, a Eduarda acabou com a minha vida.
Balanço a cabeça, negando o nome dessa mulher, e início brutalmente o
preparo do café, estou com uma fúria dentro de mim, que se quebrasse este
apartamento inteiro, ainda assim, não seria o suficiente.
— O aconteceu quando saí?
— Ela me agarrou, nua, e a Júlia viu.
— Como?
— Exatamente isso, ela fez parecer que estávamos nos pegando no sofá.
— Soco a parede, lembrando o momento em que eu mesmo devia a ter
enforcado. — Agora, eu perdi a Júlia.
— Porra, a vagabunda se superou...
— Eu realmente estou perdido, não sei mais o que fazer. — O encaro.
— Sei que temos que conversar, pois ontem soubemos enfim o que
aconteceu, porém, agora não consigo, desculpe.
Nicholas me ouve e não diz nada. Caminha até a janela e se anula com
seus pensamentos. Também não consigo dizer mais nada, estou desnorteado
com os meus problemas, mais uma vez me encontro encurralado, sem
respostas ou saída. Preciso encontrar uma forma de mostrar a verdade para a
Júlia.
— Onde está a puta? — Nicholas quebra o silêncio com sua pergunta.
— Com certeza no hospital, e vou encontrar com ela, só espero estar
sóbrio para não a matar.
Nicholas solta um som semelhante a um sorriso. E vai em direção à
porta.
— Tenho que ir. — E sai.
Fico observando sua partida, e a esperança de que algum dia possamos
recomeçar, faz com que pensamentos bons passem pela minha cabeça. Ouço
o meu celular tocar, e como um gatilho, o procuro, na expectativa de ser
minha linda. Então reviro o apartamento, rastreando através do som o
aparelho. Por fim, o encontro jogado no chão, deve ter caído quando entrei no
banheiro, olho a tela, infelizmente não é a Júlia, e sim o doutor Almeida. Me
informando que o Enzo vai para a UTI.
Apresso-me em ir para o hospital.
O Enzo permanece na fila do transplante, e mesmo com toda comoção
em torno da campanha, não encontramos ninguém.
Antes mesmo de chegar ao quarto do Enzo, encontro o doutor Almeida
no corredor, que vem às pressas ao meu encontro.
— Richard. — Ele estende a mão para me cumprimentar.
— Doutor. O que houve?
— O Enzo está com muita dor, o transferimos para a UTI.
— Como assim? Quero vê-lo.
Doutor Almeida concorda.
Meus olhos ardem, assim que o vejo distante através do vidro, pálido,
inconsciente, deitado sobre cama, sua imagem me apavora, e sinto-me um
inválido — por não poder fazer nada. Ouço um choro sufocado atrás de mim,
viro-me, é a Eduarda, suas mãos sufocam seu desespero, e seus olhos
lacrimejantes me encaram.
— Ele não vai morrer, Ricky, diga-me... ele não vai morrer — ela
murmura.
— Não, ele não vai...
— Preciso que saiam — doutor Almeida nos interrompe.
Rejeitamos o seu pedido, porém, ele insiste que não podemos
permanecer, até que uma movimentação estranha de outros médicos ao redor
do Enzo chama a atenção, ele corre para dentro. Enquanto Eduarda e eu
ficamos desesperados em busca de notícias, mas somos retirados por duas
enfermeiras.
Praticamente me jogo nos braços da minha mãe, assim que ela
abre a porta, me acomodo em seu colo e novamente conversamos. Ela escuta,
porém, não me aconselha ou banca a advogada, apenas deixa eu chorar e
desabafar a dor no meu peito. Embora soubesse que tenho que conversar com
Ricky, pois teremos uma filha, e sim, teremos um vínculo eterno, não farei
agora, vou esperar o meu coração parar de sangrar.
E vou esquecer este amor, sei que vou.
Instalo-me novamente no meu quarto, tão meu, e tento reorganizar o que
farei nas próximas 24 horas, minha mãe teve uma urgência na obra do salão
que pretende inaugurar. Deixando-me sozinha com os meus pensamentos, e
com uma leve dorzinha na lombar, como tenho uma consulta hoje, me
acalmo, por ora.
Deito entre muitas almofadas, pois estou sem posição, acaricio a minha
barriga, confidenciando, ainda tímida, algumas mágoas, para a minha
felicidade e emoção, Camille corresponde, movendo-se grandemente no seu
pequeno lar.
[17]
— There, in the yellowed building. Ali, no prédio amarelado. —
Pago o taxista, e desço. —Thanks. Obrigada.