Uma das denominações de Pessach é Zman Cherutenu – Época de nossa Liberdade – porque a
festa comemora a libertação do Povo Judeu da escravidão egípcia. Nossos Sábios ensinam que
em Pessach, e em especial durante o Seder, cada um de nós, judeus, tem a oportunidade de
conseguir libertar-se de seu acorrentamento interno, que impede o crescimento espiritual,
psicológico e emocional. O Seder é uma reencenação pessoal e espiritual do Êxodo do Egito.
Contudo, a maioria de nós não aprecia o poder do Seder. Aparentemente, não há nada de
libertador na cerimônia. Até mesmo algumas famílias mais religiosas o celebram de forma
superficial, sem entender realmente o significado de seus rituais. Veem o Seder como uma
cerimônia religiosa demorada, desinteressante e cansativa, sem apreciar o fato de que os 15
passos que a compõem são lições que, se postas em prática, levam à liberdade interior e
libertação espiritual.
A lição de Cadesh, 1º passo do Seder, é que o ponto de partida para se atingir liberdade interior
é o ser humano se autodesignar um veículo de santidade. Para ser verdadeiramente livre, é
preciso destinar momentos de cada dia de sua vida para se comunicar com Elohim. É preciso
destinar um espaço em sua alma para a introspecção e o crescimento pessoal, de modo a ficar
em contato com Elohim e com a Torá.
Algumas pessoas são tão ocupadas e envolvidas em seus próprios assuntos e afazeres que nunca
destinam tempo algum às questões da alma. Podem até ser pessoas bem-sucedidas e influentes,
mas não são donas de seu próprio tempo e, portanto, não são realmente livres. Aqueles que
estão sempre correndo, nunca estão em lugar algum. Para ser verdadeiramente livres, temos de
parar de correr o tempo todo e aprender a viver o momento.
A Lei Judaica nos ordena iniciar nosso dia com oração e estudo da Torá. Isso se aplica a todos os
judeus, seja o maior Sábio da geração ou alguém que precise trabalhar dia e noite para sustentar
sua família. Destinar tempo para a santidade, especialmente na primeira hora de nosso dia, é
obrigação de cada um de nós, judeus, independentemente de seu nível de ocupação. Quando a
pessoa santifica o início de seu dia a Elohim, à sua alma e a propósitos mais elevados, como a
oração e o estudo da Torá, ela alcança uma medida de liberdade espiritual que impacta o
restante de seu dia. Por outro lado, alguém que não dedica tempo à sua alma, por ser muito
ocupado com seus afazeres diários, não é verdadeiramente uma pessoa livre,
independentemente de quão rica ou proeminente seja.
Seder de Pêssach 2
Há somente dois tipos de pessoas que são verdadeiramente felizes e podem viver em paz. São
aquelas que têm a consciência limpa e aquelas que não têm consciência alguma. É muito difícil
para um judeu, cuja alma é intimamente ligada à Torá, ter como viver de forma totalmente
inconsciente. Portanto, sua única opção – se quiser ser realmente livre – é viver com a
consciência limpa.
É importante observar a anomalia neste 2º passo do Seder: não fazemos a bênção de Al Netilat
Yadayim após a ablução ritual das mãos. Uma das razões para tal é que a necessidade de se ter
“mãos limpas” não é um conceito unicamente judaico nem religioso. É uma norma universal que
se aplica a todos os seres humanos. Quem quer ser livre tem que ter “mãos limpas”,
independentemente de suas crenças ou práticas religiosas.
Antes de comer o Carpás, o molhamos na água salgada, dizendo a berachá, como vimos acima.
É necessário molhar o Carpás n’água salgada porque a água é um dos símbolos da Torá, ao passo
que o sal representa o pacto eterno entre Elohim e o Povo Judeu. Portanto, ao mergulhar o
Carpás na água salgada, a dimensão física do judeu, isto é, seu corpo, é submergida nas águas
da Torá.
Trata-se de um passo necessário para se alcançar a liberdade interior, pois a maioria dos seres
humanos, entre eles muitos judeus religiosos, não sabem como se relacionar com seu corpo de
forma saudável. O equilíbrio entre a vida física e a espiritual é um grande problema para eles.
Algumas pessoas estão aprisionadas por seu corpo: passam a vida correndo atrás de prazeres
físicos e negligenciam os assuntos espirituais. Outras, porém, seguem o caminho oposto.
Acreditam que só se pode viver uma vida superior e significativa se o corpo for negligenciado.
Acreditam que os prazeres físicos e o conforto são obstáculos à santidade e, assim sendo, o
corpo e seus desejos devem ser ignorados. Julgam que a privação física eleva e santifica a alma
humana. O que não percebem é que se tornaram escravos de seu próprio corpo. São obcecados
por ele, ainda que em um relacionamento antagônico, e vivem em constante luta com suas
necessidades e desejos físicos.
Seder de Pêssach 3
A Torá não endossa nenhuma dessas duas visões extremas. Por um lado, despreza o hedonismo.
Por outro, ensina que o corpo é o veículo para a alma e, portanto, deve ser respeitado e cuidado.
O Judaísmo considera um grave pecado negligenciar, ferir ou abusar do corpo de qualquer forma
que seja.
Segundo a Torá, o corpo precisa ser santificado: deve ser submerso nas águas da Torá, o que
significa que deve ser um veículo para a santificação. O Carpás é submergido na água salgada
para nos ensinar que o ser humano verdadeiramente livre não é escravo de seu corpo – nem de
uma busca obsessiva por prazeres físicos nem pela ideia contraproducente de negá-los
totalmente. O homem é verdadeiramente livre quando seu corpo e sua alma funcionam em
harmonia: quando o corpo não é desprezado, mas sim, elevado por meio da sua imersão nas
águas da sabedoria e santidade da Torá.
Para conquistar a verdadeira liberdade, é preciso “quebrar nossa própria Matzá”: é preciso
admitir internamente nossas falhas, vulnerabilidades, erros e imperfeições. Yachatz nos ensina
que a vida não tem a ver com perfeição, mas com responsabilidade e crescimento. Aquele que
percebe que não é completo nem perfeito fará esforços para melhorar e não se sentirá
acorrentado por limitações externas ou internas. Por outro lado, aquele que crê que não precisa
melhorar, o "sabichão" que se julga sempre certo, que não erra e que não necessita desculpar-
se com ninguém, seja Elohim seja seu semelhante – essa pessoa permanecerá estacionada em
sua vida. Isso é exatamente o oposto de liberdade, pois o ser humano que deseja ser
verdadeiramente livre está sempre se aperfeiçoando e progredindo.
Seu propósito primordial é relatar essa história, ensinando-a a nós, nossos filhos e a todos os
que conosco compartilham dessa celebração singular.
Este 5º passo do Seder nos ensina que um elemento necessário para a nossa libertação interior
é expandir nossos horizontes por meio do estudo. A ignorância é a antítese da liberdade. Falta
de educação e de estudo reprimem o progresso. Trata-se de uma verdade indiscutível: os países
que valorizam a educação são bem mais avançados e livres do que os que não o fazem. Não é
surpresa que o Judaísmo dê um valor supremo ao estudo.
Seder de Pêssach 4
Maguid transmite a ideia de que quando estudamos, desafiamos a nós mesmos e ampliamos
nossos horizontes. Infelizmente, há muitas pessoas que param de estudar quando completam
sua educação formal. O Judaísmo nos ensina que o estudo é uma busca ininterrupta e vitalícia:
um de seus mandamentos fundamentais é estudar a Torá diariamente.
As pessoas livres estão sempre desenvolvendo seu intelecto. Estão sempre estudando e
expandindo seu conhecimento. Quem não estuda continuamente não é verdadeiramente livre,
pois fica preso em uma esfera intelectual e espiritual limitada, enquanto o restante do mundo
se torna cada vez mais instruído e bem informado.
Há diferenças significativas entre essas duas abluções. A primeira é uma lição básica de
integridade. Não vem acompanhada de uma bênção, pois sinceridade, honestidade e decência
são atributos que se esperam de todos os seres humanos.
A segunda ablução é acompanhada de uma bênção. Uma das razões para tal é que após o estudo
da Torá (Maguid – passo anterior no Seder), já não basta ter “mãos limpas”, ou seja, viver uma
vida de honestidade e integridade. Uma vez que um judeu tenha estudado a Torá, não lhe é
suficiente ser uma pessoa honesta; espera-se muito mais de sua pessoa. Agora que já adquiriu
conhecimentos da Torá, essa pessoa também deve obter limpeza espiritual: seu
comportamento e integridade têm de ser impecáveis.
Ser verdadeiramente livre significa adquirir pureza espiritual. Muitas pessoas são honestas,
decentes, boas e generosas, mas levam uma vida profana e hedonista. Isso não é aceitável para
quem estuda a Torá. Quem acumula conhecimentos sobre a Torá se torna um representante do
Judaísmo. E para quem personifica a Torá, não basta ser decente, honesto e educado. É preciso
ser um ser humano iluminado e exemplar. Aquele que é identificado com a Torá precisa lavar
suas mãos uma segunda vez e recitar a berachá. Ou seja, suas “mãos” não apenas têm de estar
duplamente “limpas”, mas também santificadas.
Há, ainda, outra razão para ser imperativo lavar as mãos, metaforicamente, uma segunda vez
após ter estudado Torá: porque quando a pessoa acumula muito saber, particularmente
sabedoria espiritual, essa pessoa corre o risco de se tornar arrogante e complacente – que, como
vimos acima (em Yachatz), é a antítese da liberdade.
Em hebraico, Motsí significa “extrair”. A bênção de Motsí nos ensina uma lição que, que tudo na
Criação tem um propósito Divino e que um dos principais propósitos em nossa vida é extrair
centelhas sagradas do mundano. Ou seja, santificar o mundo físico usando-o para propósitos
sagrados. Por exemplo, quando recitamos o Kidush sobre um cálice de vinho casher, no Shabat
ou Yom Tov, estamos santificando o vinho. Ao utilizarmos essa bebida alcoólica para uma
finalidade sagrada, extraímos as centelhas sagradas nela contida.
Pessoas realmente livres sabem como extrair centelhas sagradas deste nosso mundo material.
Ou seja, sabem como santificar a fisicalidade. Como vimos no passo 3 do Seder (Carpás), a
pessoa livre santifica seu corpo mergulhando-o nas águas sagradas da Torá. Este 7º passo, Motsí,
trata de santificar mais do que o corpo da pessoa: trata de santificar o mundo físico que a rodeia.
Motsí constitui um pré-requisito para se alcançar a verdadeira liberdade, pois nos força a
repensar nosso relacionamento com o material: trabalho e dinheiro, alimentos e bebidas, sono,
assuntos íntimos e nossos bens. Há quem seja escravo dessas coisas, obcecado com o mundo
material. Essas pessoas danificam sua alma e abrem mão de sua liberdade interior para tentar
satisfazer todos os seus desejos físicos. No entanto, há também aqueles que, incapazes de lidar
com os desafios apresentados pelo físico e o material, partem para o outro extremo. Por
acreditarem que a fisicalidade é um empecilho para o crescimento espiritual, tentam abster-se
de qualquer forma de materialismo – geralmente sem muito sucesso. Acreditam, erroneamente,
que o ascetismo é o caminho para a elevação espiritual.
Motsí nos ensina que as duas abordagens acima são erradas. Assim como temos que encontrar
o ponto de equilíbrio entre corpo e alma (passo 3 – Carpás), temos, também, que harmonizar a
fisicalidade com a espiritualidade. Para ser realmente livre, a pessoa tem de realizar Motsí –
extraindo as centelhas sagradas contidas na matéria física. A liberdade genuína é alcançada por
aqueles que conseguem fazer a paz entre os elementos físicos e espirituais de sua vida.
Enquanto a benção de Motsí nos ensina a buscar oportunidades na vida – por exemplo, usando
o mundo físico para propósitos espirituais em vez de se abster dele –, a benção da Matzá,
símbolo da humildade, ensina a evitar a ostentação ao fazê-lo.
A bênção de Motsí nos incentiva a extrair o que há de bom no mundo físico, ao passo que a da
Matzá nos ensina a manter a perspectiva correta: não exibir ou ficar imerso em exagero nos
prazeres e ocupações físicas, ainda que se possa extrair centelhas sagradas de seu interior.
É interessante que, durante o Seder, temos que comer muita Matzá, mas não muito Maror. Isso
é uma lição de como lidar com o sofrimento, ensinando-nos que não podemos ignorar o
sofrimento, mas tampouco devemos entregar-nos a ele, indefinidamente. Há, basicamente,
duas abordagens ao sofrimento e ao trauma. Algumas pessoas os reprimem totalmente, como
se nunca tivessem ocorrido. Se tivessem opção, não serviriam Maror no Seder nem falariam
sobre as aflições de nossos antepassados no Egito. A segunda forma de lidar com o sofrimento
é continuamente pensar e falar sobre tragédias e tristezas. Há pessoas que revivem
continuamente traumas passados. Se dependesse delas, passariam o Seder inteiro comendo
Maror e discorrendo sobre o sofrimento de nosso povo sob o jugo do Faraó. Passariam toda a
noite falando das agruras pelas quais passaram todos os judeus, e toda a humanidade – sem
deixar de incluir seus próprios problemas.
Maror – 9º passo para a liberdade interior – nos ensina que estão erradas as duas abordagens
acima ao sofrimento. Ainda que a pessoa consiga reprimir experiências dolorosas, estas não
desaparecem por si só; continuam arraigadas na mente e na alma da pessoa. E, um dia, de
alguma forma, virão à tona. Ninguém consegue ser realmente livre se tem reprimido, dentro de
si, dor e trauma. Isso porque, tendo conhecimento disso ou não, esses sentimentos influenciarão
seu comportamento. Quem reprime tristeza e sofrimento tem, geralmente, explosões
inexplicáveis de raiva ou depressão e pode tornar-se uma pessoa fria, indiferente e antissocial –
ou pior, desenvolver horríveis fobias.
Por outro lado, a pessoa que não consegue parar de falar sobre seus sofrimentos e traumas
acaba sendo consumida por eles. Dá um grande alívio falar sobre algo doloroso e, assim, sentir-
se mais leve; mas é algo bem diferente reviver o assunto repetidamente. A pessoa que só fala
de suas dores não pode ser verdadeiramente livre porque está aprisionada em seu passado e
em sua dor – que ela revive continuamente, sem conseguir vencê-los.
Maror nos ensina a abordagem judaica ao sofrimento. Devemos comer o Maror – elemento
indispensável do Seder – por ser errado negar as experiências dolorosas ou ignorar as
dificuldades, traumas e sofrimentos. Mas, após comer uma certa quantidade de Maror neste
momento do Seder e no momento do Corech (próximo passo), esgotamos a nossa quota de
amargura. Isso significa que após reconhecer o sofrimento e o verbalizar, temos que seguir em
frente – optar pela vida, apesar das experiências dolorosas. Não podemos tapear ou tentar
reprimir a dor e o trauma. Mas tampouco podemos deixar-nos absorver ou paralisar por eles.
Podemos e devemos chorar e lamentar as tragédias passadas, mas com o limite adequado. Essa
lição foi particularmente relevante para a geração de judeus que viveu o Holocausto. Não há
palavras que exprimam o seu sofrimento. Eles tinham todo o direito de falar disso o dia todo e
todos os dias, até o fim de sua vida. Mas quase todos decidiram seguir em frente, reconstruir
sua vida, sua família e o Povo Judeu, apesar de toda a dor e de todo o sofrimento. Seres humanos
livres se permitem sofrer e lamentar, mas não permitem que o sofrimento e as experiências
dolorosas os escravizem para todo o sempre.
O Corech original tinha, portanto, três ingredientes: o sacrifício Pascal, a Matzá e o Maror –
alimentos altamente simbólicos. O Corban Pessach era uma iguaria real – quem não gosta de
churrasco? A Matzá é um alimento insosso – não se pode dizer que seja gostoso e poucos o
preferem a um pedaço de pão – mas não deixa de ser tragável. Já o Maror, é amargo e
desagradável, e a maioria das pessoas não gosta de comê-lo.
Corech nos ensina que há, basicamente, três tipos de experiências na vida: as alegres, as insossas
e as amargas. Há coisas que gostamos de fazer e que nos dão prazer e alegria (Corban Pêssach,
que hoje em dia não é mais parte do sanduíche). Há outras que não gostamos de fazer – são
insossas e maçantes, mas não nos causa sofrimento fazê-las (Matzá). E há outras que não
gostamos mesmo de fazer e gostaríamos de não ter de fazê-las (Maror). De modo semelhante,
há períodos em nossa vida que são felizes, bem-sucedidos e cheios de notícias boas e alegres.
Há outros que são insossos, quando nada de empolgante ou alegre ocorre, mas tampouco nada
doloroso. E, por fim, há épocas em nossa vida que são difíceis, desafiadoras e dolorosas.
Os realmente livres são generosos. Sabem dar e gostam de o fazer. Podem dar e compartilhar
porque conhecem o seu próprio valor e não sentem que ao compartilhar perdem o que é seu.
Tampouco sentem-se diminuídos ou empobrecidos. Prover para os outros só os engrandece.
Quem não consegue compartilhar é limitado por uma mentalidade de escassez, acreditando que
a vida é um jogo em que para alguém ganhar, é preciso alguém perder, em que o lucro de um é
o prejuízo do outro. Homens livres, no entanto, creem na abundância. O sucesso e a felicidade
do outro não os ameaça. Pelo contrário, ajudam e dão poder aos outros, sabendo por
experiência própria que a generosidade volta, cedo ou tarde.
O Aficoman é denominado Tzafun, “oculto”, por ser o pedaço da Matzá que foi escondido após
realizar Yachatz – a quebra da Matzá do meio. Uma das lições do Aficoman é que para ser
verdadeiramente livre, a pessoa precisa lidar com o que traz escondido dentro de si. Há várias
coisas em nossa vida – sentimentos, pensamentos e lembranças, em particular as dolorosas –
que reprimimos. Reprimir sentimentos é um recurso de sobrevivência, que nos permite
continuar a viver apesar dos traumas sofridos. Mas, como vimos ao falar do Maror, o que é
reprimido pode acabar vindo à tona – geralmente na hora errada, no lugar errado e da forma
errada. A pessoa verdadeiramente livre, que busca crescimento espiritual constante e
significativo, precisa lidar com o que lhe dói e vive em seu subconsciente – e que o trava de
alguma forma, seja emocional, psicológica ou espiritualmente.
Seder de Pêssach 8
É importante observar que Tzafun – lidar com o que está oculto – é um dos passos finais do
programa de libertação, de 15 passos, do Seder. Uma das razões para Tzafun só aparecer quase
no final é que apenas quando o ser humano já fez progressos espirituais e emocionais
significativos, ele tem condições de lidar de forma saudável com os fantasmas ocultos que
podem habitar as profundezas de sua alma.
Essa bênção constitui um dos 15 passos do Seder. A razão para isso é que o Bircat Hamazon nos
ensina que se a pessoa deseja ser livre, ela precisa aprender a agradecer e ser agradecida.
Há aqueles que têm dificuldade de sentir-se gratos. Eles se abstêm de agradecer um favor ou
uma gentileza porque creem que, ao fazê-lo, ficam endividados perante o outro. Pessoas
realmente livres não têm dificuldade em agradecer e receber agradecimentos. Entendem que,
na vida, todos nós damos e todos nós recebemos.
Aqueles que não são agradecidos não são livres, pois acreditam – ou fingem acreditar – que são
autossuficientes. A ideia de que não devemos nada a ninguém é de uma arrogância sem par, já
que até as pessoas mais realizadas têm muito a dever aos outros: a Elohim, a seus pais e mestres,
e a todo aquele que ao longo da vida os ajudou. Ser ingrato e ter relacionamentos saudáveis são
coisas opostas – seja com Elohim, seja com outros seres humanos. Ninguém é verdadeiramente
livre se julga não dever favores a ninguém. Quem não é agradecido não é livre, pois vive em um
mundo de ilusória autossuficiência.
Nirtsá responde a uma pergunta existencial que deve ser feita e satisfatoriamente respondida
quando a pessoa deseja alcançar a verdadeira liberdade interior: qual a finalidade de se esforçar
tanto para alcançar a liberdade interior e o crescimento espiritual? Para que, sinceramente,
cumprir esses 15 passos? Por que seguir uma vida de dedicação a Elohim e à alma (passo 1), de
verdade e decência (passo 2), de santificação do corpo (passo 3), de humildade (passo 4), de
conhecimento e estudo da Torá (passo 5), de aperfeiçoamento espiritual (passo 6), de equilíbrio
entre o físico e o espiritual (passo 7), de modéstia (passo 8), de sofrimento saudável (passo 9),
de coragem e resiliência (passo 10), de generosidade e hospitalidade (passo 11), de psicanálise
espiritual (passo 12), de agradecimento (passo 13) e de enaltecimento (passo 14)?
Seder de Pêssach 9
A resposta é o 15o passo – Nirtsá. Ou seja, a crença de que isso é o que Elohim espera de cada
um de nós. Nirtsá nos ensina que nossos esforços para alcançar a libertação interior e o
crescimento espiritual têm grande importância perante Elohim. E transmite a ideia de que
quando o ser humano se empenha em viver a vida que Elohim espera que ele viva, esse homem
cumpre o propósito para o qual foi criado e enviado a este mundo. E, portanto, o Mestre do
Universo se satisfaz com seu serviço.