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Terapia das Doenças Espirituais

1. Cf., v.g., João Cassiano, Collationes, V, 2 (PL 49, 611); Evágrio


Pôntico, Tratado sobre os Oito Espíritos do Mal (PG 79, 1145-
1164).

2. Comentário Moral ao Livro de Jó, XXXI, 87 (PL 76, 620).


3. Suma Teológica, I-II, q. 84, a. 2.
4. Cf. Suma Teológica, I-II, q. 72, a. 2.
5. Cf. Suma Teológica, I-II, q. 73, a. 5.
6. Cf. Suma Teológica, I, q. 63, a. 2.
7. Cf. Suma Teológica, I, q. 63, a. 3.
8. Santa Teresa de Ávila, Moradas, VI, 10, 7. In: Escritos de
Teresa de Ávila. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2001, p.
560.

9. Comentário Moral ao Livro de Jó, XXIII, 13 (PL 76, 258).


10. Noite Escura, I, 2, 1. In: Obras de São João da Cruz (trad.
A soberba
pelas Carmelitas Descalças do Convento de Santa Teresa do
Rio de Janeiro), vol. I. Petrópolis: Vozes, 1960, pp. 293-294. É a "rainha de todos os vícios" o tema desta aula de
nosso curso de Terapia das Doenças Espirituais. Por ela
caiu Lúcifer e caíram Adão e Eva. Nela ainda, correm o
risco de cair até as pessoas que venceram os seus
pecados mais grosseiros e começaram a ter uma vida
espiritual.

Vamos conheçer o perigo da soberba, sabes quais são


as espécies deste pecado? Vamos descubrir quais as
virtudes necessárias para combatê-lo.

Os Padres do Oriente incluem a soberba no rol dos pecados capitais,


os quais acabam totalizando o número de oito [1]. Em sintonia com
o Autor Sagrado, todavia, para quem "a soberba é o início de todo
pecado" (Eclo 10, 15), São Gregório Magno situa a superbia acima
dos outros sete pecados, chamando-a de "rainha dos vícios" [2].

Santo Tomás de Aquino, em concordância com esse raciocínio,


explica [3] que é possível tomar essa palavra em três acepções:

Na primeira, como um "apetite desordenado da própria


excelência" (inordinatum appetitum propriae excellentiae) – a
qual se chama também de amor próprio ou filáucia;
1. Na segunda, como um "certo desprezo atual de
Deus" (quendam actualem contemptum Dei), quanto ao seu efeito,
que é não submeter-se aos Seus mandamentos;

2. Na terceira, como uma "certa inclinação a esse mesmo


desprezo" (quendam inclinationem ad huiusmodi contemptum), que
vem da corrupção da natureza humana, pelo pecado original.

Em todos esses sentidos, a soberba é considerada a raiz de todos os


vícios.

Trata-se, também, por sua natureza espiritual, de um tipo


particularmente grave de pecado. Para entendê-lo, é preciso
conhecer a distinção que existe, quanto ao tipo de prazer que se Cabe assinalar ainda as quatro espécies de soberba convenientemente
busca, entre pecados carnais e pecados espirituais [4]: enquanto os elencadas por São Gregório Magno (e ratificadas por Santo Tomás,
primeiros consistem em deleites carnais – como a ira, a tristeza, a em S. Th., II-II, q. 162, a. 4). "Todo o tumor dos arrogantes – diz ele
avareza, a gula e a luxúria –, os segundos dizem respeito ao espírito – – se manifesta de quatro modos:
e dessa espécie são a soberba e a inveja. Considerada simplesmente a
diferença entre o espírito e a carne, explica o Doutor Angélico, esses
pecados são mais graves que os outros, por três razões:
1. Quando estimam possuir o bem graças a eles próprios (cum
bonum a semetipsis habere se aestimant);
1. Da parte do sujeito (ex parte subiecti): "Enquanto os pecados
espirituais pertencem ao espírito – ao qual é próprio tanto o converter 2. Quando, mesmo acreditando que o bem lhes foi dado do alto,
-se a Deus quanto o afastar-se d'Ele –, os pecados carnais são acham que foi por seus méritos que o receberam (si sibi datum
consumados no deleite do apetite carnal – ao qual é próprio desuper credunt, pro suis hoc accepisse meritis putant);
principalmente o converter-se ao bem corporal. Assim, pois, como o
pecado carnal tem mais de 'conversão', razão pela qual é maior a sua 3. Quando se gabam de possuir o que não possuem (cum iactant se
adesão, o pecado espiritual tem mais de 'aversão', da qual procede a habere quod non habent);
razão da culpa. Em si mesmo, portanto, implica maior culpa o pecado
espiritual."
4. Quando, desprezando os demais, apreciam particularmente
ostentar o que possuem (despectis ceteris, singulariter videri appetunt
2. Da parte daquele contra quem se peca (ex parte eius in quem habere quod habent)." [9]
peccatur): "Enquanto tal, o pecado carnal vai contra o próprio
corpo. Este deve ser amado, segundo a ordem da caridade, menos que
a Deus e ao próximo, contra quem vão os pecados espirituais. Por Por fim, vale lembrar que o vício da soberba – sendo um pecado
isso, em si mesmos, os pecados espirituais implicam maior culpa." espiritual, como já se disse – é uma armadilha constante no caminho
de quem quer servir a Deus. Depois de lutar contra as faltas mais
grosseiras, como são a gula, a luxúria e a ira, é bem possível que
3. Da parte do motivo (ex parte motivi). "Porque quanto maior é o esteja o demônio, à espreita no final, tentando a pessoa ao pecado da
impulso a pecar, tanto menos o homem peca. Ora, os pecados carnais soberba. A advertência é de São João da Cruz:
procedem de um impulso mais veemente, que é a própria
concupiscência da carne, inata em nós. Por isso, em si mesmos, os
pecados espirituais implicam maior culpa." [5]
"Nesta prosperidade, sentem-se estes
Os anjos, como seres puramente espirituais que são, podem cometer principiantes tão fervorosos e diligentes
tão somente essa espécie de pecado [6] – e efetivamente o fizeram: nas coisas espirituais e exercícios
primeiro, quando quiseram ser como Deus, pecando por soberba; devotos, que – embora as coisas santas
depois, quando seduziram o homem a fazer o mesmo, pecando por de si humilhem –, devido à imperfeição
inveja. deles, muitas vezes lhes nasce certo
ramo de soberba oculta, de onde vêm a
ter alguma satisfação de suas obras e de
si mesmos. Nasce-lhes também certa
É preciso entender que, quando cederam à tentação de Lúcifer, Adão vontade algo vã, e às vezes muito vã, de
e Eva pecaram por um "apetite desordenado da própria excelência". falar sobre assuntos espirituais diante de
Isso significa dizer que há uma vontade ordenada da própria outras pessoas, e ainda, às vezes, de
excelência. Trata-se da importante virtude da magnanimidade. Não ensiná-los mais do que de aprendê-los.
há problema em que as criaturas aspirem à perfeição, em que os Condenam em seu coração a outros
homens queiram ser semelhantes a Deus. Do contrário, as exortações quando não os vêem com o modo de
do Autor Sagrado à santidade de vida não teriam sentido algum devoção que eles queriam, e chegam até
(cf. Lv 11, 44; Mt 5, 48). O mal está em querer ser como Deus por a dizê-lo claramente. Tornam-se
usurpação, e não por graça; em querer tomar à força aquilo que deve semelhantes ao fariseu que, louvando a
ser recebido como um dom gratuito do Criador [7]. Deus, se gabava das obras que fazia,
enquanto desprezava o publicano." [10]
Ao lado desse desejo de perfeição, desse saudável anseio pelas coisas
do alto, deve estar a virtude oposta à soberba, que é a humildade.
Como ensina Santa Teresa, a humildade consiste em "andar na Referências
verdade" [8], cultivando o conhecimento da própria baixeza e
reconhecendo a condição de pecado e de afastamento de Deus em
que se vive. À medida que se cresce nessa virtude, é crescente
também a virtude da magnanimidade. Como no organismo humano
normal, em que os órgãos e membros do corpo crescem todos juntos,
no organismo sobrenatural as virtudes não aumentam sozinhas: quem
é humilde não deixa de aspirar à grandeza; quem se reconhece
miserável diante de Deus é, ao mesmo tempo, magnânimo. Com
essas duas virtudes, cresce na criatura a consciência de sua total
dependência em relação a Deus. Não se pode chegar à semelhança
com Ele sem que Ele mesmo venha em auxílio do homem com a Sua
graça.

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