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Claudio Brandao Teorias Da Conduta No Direito Penal
Claudio Brandao Teorias Da Conduta No Direito Penal
Cláudio Brandão
Sumário
1. A conduta na teoria do delito. 2. Evolu-
ção dogmática do conceito de ação. a) Teoria
causalista da ação. b) Teoria finalista da ação. c)
Teoria social da ação. 3. Considerações críticas
sobre as teorias da ação.
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Para Beling, como a ação tem uma fase tágio dogmático anterior ao nazismo, mas
objetiva e uma fase subjetiva, exclui-se do era preciso modificar a própria dogmática.
seu conceito aqueles fenômenos humanos Dizia Welzel que
que são somente objetivos ou somente sub- “se nós desejamos, porém, superar a
jetivos, como: corrupção do direito operada pelo to-
a) uma mera propriedade do homem talitarismo, não podemos simples-
(sua perigosidade não-manifestada); mente retornar ao estado existente
b) um mero estado do homem (enfermi- antes de sua aparição, mas devemos
dade); examinar a doutrina precedente, que
c) um simples querer ou pensar pura- em parte nós mesmos tínhamos defen-
mente interno; dido, ou na qual crescemos, recercan-
d) os estados de inconsciência (por do os seus limites”10.
exemplo, um dano causado por um des- O finalismo vem revalorizar o caráter éti-
maio); co-social do direito penal, rompendo definiti-
e) aqueles comportamentos que são pro- vamente com a concepção nazista11, a qual
venientes de excitações irresistíveis (por afirmava ser o direito penal, por meio da pena,
exemplo, os movimentos reflexos)9. o meio de purificar biologicamente o povo12.
A crítica que deve ser feita a essa teoria é Todavia, Welzel iniciou os estudos de
que o conteúdo da volição não deve ser ana- sua teoria antes do fim da segunda grande
lisado na ação, mas na culpabilidade. Des- guerra. Córdoba Roda, fazendo uma análi-
tarte, não se deve investigar no âmbito da se magistral sobre a evolução do pensamen-
multirreferida ação se a modificação no to do criador da teoria finalista da ação, afir-
mundo exterior foi produto da finalidade ma que as primeiras idéias sobre essa teoria
do agente (dolo) ou se a finalidade foi diri- surgiram em 1931, com a publicação da obra
gida para um fato lícito, sendo censurados Kausalität und Handlung (Causalidade e
os meios que o agente utilizou (culpa). Ação). Outra obra relevante surge em 1935,
A falha da teoria causalista da ação é intitulada Naturalismus und Wertphilosophie
que ela esvazia o conteúdo da vontade. A im Strafrecht (Naturalismo e Filosofia dos
intenção dos causalistas é imputar todos os Valores em Direito Penal), em que Welzel
juízos objetivos à ação típica e antijurídica e utiliza o conceito de finalidade, inspirado
todos os juízos subjetivos à culpabilidade, nas idéias de Nicolai Hartmann. A doutri-
como se pudesse haver uma separação per- na de Welzel, contudo, somente aparece de
feita e peremptória entre o objetivo e o subje- modo completo em 1939, no livroStudien zur
tivo. Se todo o subjetivo deve ser analisado System des Strafrechts (Estudos para o Siste-
na culpabilidade, deve-se deslocar o estudo ma de Direito Penal)13.
do conteúdo da vontade da ação para a cul- A ação humana é exercício de uma ativi-
pabilidade, esvaziando-se, enfatize-se, o dade final, não de uma mera atividade cau-
conteúdo da própria ação. sal. A finalidade é presente, portanto, em
toda conduta humana. Ela pode ser inferi-
b)Teoriafinalistadaação da do fato de poder o homem, por força de
A teoria finalista da ação foi criada por seu saber causal, prever dentro de certos li-
Hans Welzel, na primeira metade do século mites as conseqüências possíveis de sua
XX, e aperfeiçoada logo em seguida à queda conduta. Assim, pode orientar seus distin-
do nacional-socialismo alemão, na segun- tos atos à consecução do fim desejado14.
da grande guerra. Welzel propõe um exemplo para diferen-
Por meio da teoria finalista, Welzel obje- ciar a finalidade da causalidade. Se um raio
tivava romper com o direito penal nazista. eletrocuta um homem que trabalha no cam-
Para isso, não era suficiente retornar ao es- po, esse fato se baseia na lei da causalidade,
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Quando projetamos a nossa reflexão na tamento humano e omundo circundante,sendo
teoria finalista da ação, vemos que nela te- açãotodocomportamentosocialmenterelevante26.
mos todos os elementos da teoria causalista Atualmente, os defensores dessa teoria
(manifestação de vontade no mundo exteri- afirmam que ela superou a antítese entre fi-
or e nexo de causalidade) e um elemento a nalismo e causalismo. Veja-se, por exemplo,
mais: a vontade dirigida a um fim. É por o pensamento de Jescheck. Para ele, a estru-
isso que já se afirmou que a teoria finalista tura fundamental da conduta ativa é a fina-
apareceu como uma conclusão dos sistemas lidade, pois a capacidade de conduzir pro-
de Lizt e Beling22. cessos causais fundamenta a posição espe-
Destarte, reafirmando que a teoria fina- cífica do homem na natureza; mas a finali-
lista transferiu o dolo e a culpa da culpabi- dade não é hábil para fundamentar a estru-
lidade para a ação, concluímos esta exposi- tura da conduta omissiva. Existe uma omis-
ção com as felizes paravras de Gimbernat são quando não se produz um fazer ativo,
Ordieg: que era esperado segundo as normas da
“O finalismo não abandona a tra- Moral ou do Direito27. Só se pode unir a ação
dicional tripartição: tipicidade, anti- e a omissão num conceito superior à luz da
juridicidade e culpabilidade. Nem se- teoria social da ação, pois tanto a ação quan-
quer introduz ou suprime novos dados, to a omissão são comportamentos social-
mantém os mesmos, mas os separa e os mente relevantes, enquadrando-se na já refe-
redistribui de outro modo entre os três rida síntese entre o comportamento humano
estados da teoria do delito”23. e o mundo circundante. Segundo o autor,
“Se entende por comportamento
c)Teoriasocialdaação toda resposta do homem a uma exi-
O conceito social de ação tem sua ori- gência situacional reconhecida, ou, ao
gem em 1932, por meio de Eberhard Schmidt, menos reconhecível, mediante a reali-
que, ao atualizar o tratado de von Lizt, procu- zação de uma possibilidade de rea-
rou dar uma nova feição ao conceito causa- ção, de que dispõe graças a sua liber-
lista de seu mestre, livrando-o da excessiva dade”28.
influência do positivismo naturalista24. Assim, o comportamento tanto pode con-
O conceito social de ação tem, entretan- sistir numa atividade final, quanto numa
to, várias vertentes, que ora se prestam a inatividade frente a uma expectativa de
defender o finalismo, ora se prestam a de- ação. Concluímos a exposição dessa teoria
fender o causalismo. Como visto, essa teo- afirmando que o conceito social é um con-
ria surge a partir do causalismo, mas Welzel ceito valorativo, que reúne as categorias fi-
também afirma que o conceito social de ação nalidade e causalidade, as quais são con-
não é antagônico à teoria finalista, in verbis: traditórias no plano do ser29.
“Parece haver-se esquecido, hoje,
quando se contrapõe à doutrina da 3. Considerações críticas
ação finalista um conceito social, que
sobre as teorias da ação
um dos propósitos fundamentais do
finalismo, desde seu começo, foi a Entre as teorias formuladas, a que me-
compreensão da ação como um fenô- lhor explica a essência da ação é a teoria
meno social. A ação, como um fenô- finalista.
meno social, não pode ser compreen- A teoria causalista investiga o objeto
dida senão sobre a base da doutrina ação com o método das ciências da nature-
da ação finalista”25. za, procurando simplesmente explicá-la, ao
A idéia central da teoria social da ação é invés de compreendê-la. Com efeito, a expli-
buscar a síntese da relação entre o compor- cação é o ato gnosiológico próprio das ci-
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